Daniel Augusto Raposo de Sá Nasceu Na Maia
Daniel Augusto Raposo de Sá Nasceu Na Maia
Daniel Augusto Raposo de Sá Nasceu Na Maia
A vida de Daniel de Sá foi marcada pela sua partida da ilha de S. Miguel para a ilha de Santa
Maria. Esta ilha-mãe, como tantas vezes lhe denominou, traçou-lhe um cunho muito particular na
sua formação académica e pessoal, ocorrência que mais tarde se haveria de verificar em várias das
suas obras. Não é à toa que a sua escrita é multifacetada. Foi o autor de contos (Sobre a Verdade
das Coisas (1985), A Longa Espera (1987) e O Deus dos Últimos (2011)); de crónicas (Crónica do
Despovoamento das Ilhas (1995)); de ensaios (A Criação do Tempo, do Bem e do Mal (1993)); de
novelas (Génese (1982), O Espólio (1987), Um Deus à Beira da Loucura (1990), E Deus Teve
Medo de Ser Homem (1997) e O Pastor das Casas Mortas (2007)); de poesia (As Rosas de
Granada (2011)); de romances (Ilha Grande Fechada (1992), As Duas Cruzes do Império -
Memórias da Inquisição (1999) e A Terra Permitida (2003)); e, ainda, foi autor de teatro
(Bartolomeu (1988)), para além de outros trabalhos de menor alcance como prefácios em
variadíssimas obras de diferentes géneros e estilos. Para além da sua contribuição literária, Daniel
de Sá também deixou marcas bem visíveis na política regional dos Açores, ao fazer parte da
Gonçalo M. Tavares afirma que “(...) o homem lúcido, [é] aquele que sabe que a sua saúde
depende das dietas que a vontade escolhe: dietas de carne, verbo e ideias. E ainda de movimento e
acções. O que escolhemos para comer, o que escolhemos para ouvir e falar, o que escolhemos para
ocupar a nossa cabeça, o nosso pensamento, o que escolhemos fazer. Eis o que determina o vigor de
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uma manifestação de sensibilidade, de estética, de gosto e de saber. Uma criança será melhor adulto
tanto quanto mais cedo entrar em contacto com o mundo da leitura pois quanto menos se lê, menos
puramente escolar mas no seu entendimento como fonte de prazer, de conhecimento e de ajuda.
Terá de ser um intercâmbio de palavras pensadas, ditas ou escritas por um (uns); lidas, interpretadas
e sentidas por outro(s) e exercidas e praticadas por todos. A literatura é um convite à vida, um
Numa busca por falar da literatura açoriana, ou da literatura de teor açoriano ou ainda da
literatura cujo escritor e/ou escritora é natural ou apaixonado/a por estas ilhas do atlântico, o meu
queridíssimo Prof. António Machado Pires, numa das chamadas que lhe fiz a pedir conselhos sobre
quem falar no meu mestrado, disse-me “Para si, cara Carolina, é Daniel de Sá!”. E assim cheguei à
Aprendemos que uma figura como a de Daniel de Sá estende-se para além das fronteiras da
freguesia da Maia, propaga-se para além das fronteiras de uma ilha e espalha-se por todo um
território que, segundo dizem, ele próprio não sentia grandes vontades de conquistar. Segundo o
próprio, “[o]s meus cenários e as minhas personagens são criadas de acordo com a necessidade da
obra, nunca para servir o interesse de me mostrar agarrado ao torrãozinho natal ou de me fingir
universalista.” (Freitas, 1998: 143-144) e é com esta visão descentralizadora da literatura que nos
confessamos defensores de Daniel de Sá como escritor do mundo e para o mundo. Daniel de Sá,
(Cabral, 2015: 29). Não esqueçamos o que ele mesmo afirmou numa entrevista a Vamberto Freitas:
“Talvez tenha surpreendido aqueles que julgam que um escritor tem de ser fiel a uma cartilha só.
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Pessoalmente, nunca pus os Açores nem acima nem abaixo de nada. O que me interessa, sobretudo,
sentimos a presença de uma luta e de um derramar de vida, tão vívidos. E, quanto mais o lia, mais
nos afigurava a noção de que o mundo era tão distinto por nunca termos, até então, tido o
discernimento de ler Daniel de Sá. E, como em qualquer grande voz literária, a voz que sobressai do
papel toma vida de tal guisa que parece que as letras ganham perspetivas e formas, parecem
marchar à nossa frente numa inconfundível parada onde o nosso saber treme e se confunde com a
nossa inquieta insatisfação por nunca antes ter presenciado tamanha beleza. Confessamos,
novamente, que assim, igualmente, foi o que sentimos ao termos lido Génese (Sá, 1982: 31- 32).
“E, num homem que perde o sentido de existir, nada está bem e nada está mal; é como a
chuva a cair no mar: é o mesmo ser e não ser. E o pior é a consciência que dessa
Pelo que a Humanidade presentemente vive, esta obra resulta como que uma espécie de
antevisão, um alerta para o futuro de então, agora presente. A literatura tem esse poder! Tem o
imaginário, conhecer o processo cultural desenvolvido nos Açores, mas não só. De facto, as
preocupações intelectuais e literárias do autor não se confinam a estas ilhas, já que explora assuntos
tão variados como a expansão ultramarina, a Inquisição, o nazismo, a Guerra Civil Espanhola, a
ameaça nuclear, os dilemas existenciais do homem moderno, entre outros. Parece evidente a
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tendência do escritor para transportar para a ficção elementos do real, construindo narrativas a partir
de factos históricos e tornando difusas as fronteiras entre os géneros.” (Serpa, 2015: 241- 242)
Talvez o seu mote de se desprender dos limites de um lugar geográfico e das suas
consequentes limitações para o ser humano seja o que o absorveu e o que o demarcou, não apenas
como deputado das nossas I e II legislaturas da Assembleia Regional Açoriana, mas também como
escritor. Segundo o testemunho de Artur Francisco Pereira Martins “Daniel de Sá não queria
promover a sua carreira, queria ajudar, e isso dava-lhe uma autoridade que todos se sentiam
inclinados a respeitar. Não sublinhava as diferenças, preferias unir e colaborar.” Talvez por isso, e
como no nosso entender, um escritor não se pode, jamais, distanciar de forma linear da sua vida
empírica, a forma como Daniel de Sá abordava a literatura era vivendo-a e partilhando-a com os
demais, assim como o fez com o seu “poder” enquanto deputado. E tal podemos constatar ao termos
em conta as suas intervenções políticas, onde afirma que “[o] progresso de um povo é sempre
diretamente proporcional ao seu nível de cultura. E isto porque ambos - progresso e cultura - geram-
se mutuamente, sendo difícil - ou talvez até impossível - distinguir qual dos dois se sobrepõe ao
outro. (…) sem cultura não existe progresso.” (Sousa, 2015: 93), ou ainda que “A evolução da
História dá-se no sentido de que cada homem se senta cada vez mais como cidadão do Mundo, já
não nos podemos pertencer somente ao círculo fechado de uma ilha ou de uma pátria sequer. Somos
um ser universal em que vai sempre em aumento a consciência da sua universalidade. A pátria
passou a ser um berço de origem onde se nasce para a fraternidade com todos os homens, mas que
não justifica nunca, pelo facto de se a nossa, que se deva ou possa estar contra os cidadãos de um
sua visão sobre o que o rodeava, pois “[n]a sua escrita pulsam os homens e mulheres de cá, com
dores comuns a tantos outros de lá!” (Sousa, 2015: 305). Qualquer uma das suas obras literárias
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revela uma capacidade de se outrar e de se espelhar como sendo o que sempre assumiu que era: um
homem entre os Homens, de igual condição para igual sonhar. Se, por um lado somos colocados
perante ora uma visão de uma guerra, ou uma visão de um conflito vivido fora portas ou ainda uma
visão do seu egocentrismo, aquilo que impele o texto de um escritor ou de um autor, é sempre a
Não nos podemos escusar de constatar que a leitura das obras de Daniel de Sá podem (e
devem) abordar a facilidade e a intencionalidade com que o autor partia do mais singelo facto para
se (e nos) transportar para um patamar acima do seu (e nosso) comum conhecimento. Estamos em
crer que a sua escrita sempre foi elaborada no sentido de construir mais e melhor para aqueles que
Concluímos, constatando que se Literatura é abrir o olhar e a mente à palavra que tocamos,
então ler Daniel de Sá é ler a mente de um homem cujo caminho de vida se fez à volta da cultura e
do propagar essa mesma cultura a todos os cantos do seu canto e a todos os outros cantos do mundo,
já que nenhum Homem seria completo sem que absorvesse o conhecimento de si e do mundo que o
rodeia. E, em todas as suas obras, sem haver a necessidade de estarmos constantemente atentos, é-
nos mostrada a alma humana nos seus mais básicos instintos e nas suas mais superiores intenções;
e, tal façanha é apenas reservada a alguns mestres da palavra, a alguns seres entendidos na matéria