O Trabalho Com Projetos em Dança Na Escola:: Possibilidades e Desafios para A Formação Docente Inicial e Continuada
O Trabalho Com Projetos em Dança Na Escola:: Possibilidades e Desafios para A Formação Docente Inicial e Continuada
O Trabalho Com Projetos em Dança Na Escola:: Possibilidades e Desafios para A Formação Docente Inicial e Continuada
O homem, antes mesmo de falar, se comunicava por meio de gestos e sons. Nas caver-
nas como as da Serra da Capivara, no Piauí (Brasil), de Altamira (Espanha) e de Lascaux
(França), existem desenhos nas paredes com cenas de pessoas em roda, correndo, saltando,
dançando. Vemos também, nessas pinturas rupestres, homens vestidos com peles de animais
imitando suas posturas (RENGEL, 2006). Trata-se de representações muito antigas, nas
quais imputamos os primórdios da arte da dança. Dançar naquele período era a maneira do
homem se comunicar com o sobrenatural e relacionar-se com a natureza por meio de rituais
e oferendas. Essa dança primitiva era o elo de comunicação entre o homem e o cosmos, por
isso elas expressavam ações cotidianas como a caça, a colheita, etc.
Desse modo, a Dança faz parte das culturas humanas e sempre integrou o trabalho,
as religiões, as atividades de lazer, os rituais. Em todos esses momentos dançantes, encon-
tramos significados e pensamentos explorados pela Dança, com uma semelhança: o corpo
em movimento como meio de expressão e comunicação. Assim, a Dança também chega à
escola. E, esse é o local onde o que se procura não é a perfeição ou a criação e execução
de danças sensacionais, mas o efeito benéfico que a atividade criativa da dança tem sobre a
pessoa (LABAN, 1990).
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Para Godoy (2003), ao se considerar a Dança como uma experiência de arte criativa
Por isso defendemos o estudo da Dança que se inicia na escola a partir das formas bási-
cas universais de movimento (andar, saltar, correr, entre outras) e, não a partir da preparação
de um espetáculo com padrões de movimentos estereotipados. A ênfase está no processo de
construção da linguagem que pode gerar uma criação (o espetáculo), mas como conseqüên-
cia de uma construção pessoal e coletiva e não como um fim em si. Para tanto, é necessário
fazer com que os alunos, ao mesmo tempo em que tomam consciência do movimento, pre-
servem a espontaneidade do mesmo e sejam incentivados em sua expressão criativa.
Foi nessas bases que formulamos nosso convite ao dançar para aquela comunidade.
Depois de várias recusas em escolas e comunidades, a Escola Municipal de Ensino Fun-
damental Antonio Rodrigues de Campos aceitou o convite. Estabelecida a parceria com a
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e a respectiva Diretoria Regional de Ensino
de Pirituba (Zona Oeste), efetivamos contato com a direção da escola, coordenação e profes-
soras da 4ª série do Ensino Fundamental. Nos encontros seguintes discutimos nossa proposta
e ouvimos sugestões de como implantá-la. A partir disto revimos as ações e decidimos que
também ouviríamos a comunidade e os alunos. Assim foi que construímos o Projeto Dança
Criança na Vida Real, com apoio da Pró-Reitoria de Extensão da Unesp (PROEX) em parce-
ria com o Banco Santander/Real.
O Projeto Dança Criança na Vida Real foi inovador justamente devido à possibilidade
de unir três propostas convergentes para uma finalidade: o atendimento a uma comunidade
socialmente excluída por meio do acesso a elementos da cultura diferenciados daquela em
que está inserida. E, o aspecto desse projeto que ora destacamos refere-se ao fato de: 1) ter
possibilitado ao graduando do IA entrar em contato com essa realidade por meio de ações
artístico educativas que o projeto contempla. Esses alunos/bolsistas estiveram acompanha-
dos de pesquisadores mais experientes, e nesse sentido houve impacto na formação deles por
meio do aprimoramento como artistas/bailarinos/intérpretes; como educadores (proponen-
tes das oficinas) e pesquisadores (na observação assistemática e coleta de depoimentos das
crianças); 2) ter colocado as professoras das classes participantes em contato com as possi-
bilidades concretas e resultados apresentados pelos alunos, advindos da prática corporal no
contexto da dança como componente integrador do currículo escolar.
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Abrindo Portas par a a Dança
Desse modo, julgamos apropriado o desenvolvimento de jogos teatrais nos quais o uso
do movimento expressivo foi a matéria-prima para a criação e improvisações cênicas em
Dança nas quais a referência de ação foi a jam sessions. Essa estrutura é muito usada por
músicos, pois se caracteriza pela improvisação a partir de uma frase musical indicada e em
Dança, usamos temas corporais com alguns passos específicos de dança para iniciar a seção.
Nesse sentido, a Dança que levamos para a escola procura preservar a liberdade de expres-
são de cada um, sem a cópia de modelos pré-determinados, a fim de expandir a percepção
dos alunos em relação ao próprio corpo e suas possibilidades de movimentação. Investimos
fortemente, então, em mostrar aos alunos que dançar é uma atividade potencial de todo ser
humano e que cada um pode ter sua forma de expressão inserida em um fazer coletivo.
A seguir, apresentamos dados que mostram a repercussão desse fazer coletivo na for-
mação continuada de professores e de professores pesquisadores, as impressões relatadas
pelas professoras das 4ªs séries da escola, bem como na formação docente inicial dos alunos
bolsistas e pelos pesquisadores que participaram ativamente do projeto.
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por filmagem durante os encontros vivenciais, também desenhos e depoimentos pessoais
Esses aspectos também foram ressaltados pelas quatro professoras das classes partici-
pantes. Duas delas deixaram registradas e autorizaram divulgar o filme em que relatam suas
impressões e as mudanças que observaram em seus alunos, correlacionando-as a nossa atua-
ção no projeto. Foram unânimes quanto à desenvoltura e aderência às atividades, até mesmo
dos mais tímidos. Citam conversas entre os alunos e deles com elas a respeito dos conteúdos
e das pessoas do nosso grupo com os quais entraram em contato, demonstrando curiosida-
des, interesses e reflexão em sala de aula, no sentido da criação de valores culturais a partir
das relações humanas; além da grande expectativa de todos pela ‘aula’ seguinte.
Flávia Coelho
(graduanda cursando Licenciatura em Arte –Teatro no IA/Unesp-SP)
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Após essa etapa de elaboração das oficinas, quando fiz parte dos propositores
“Quando penso no projeto não posso deixar de lado o processo que passei para
que minha participação fosse efetiva. Inicialmente eu pude pensar como po-
deria proporcionar aos participantes uma forma de interação com a Música e
a Dança e então, ao buscar ajuda em autores como Gordon (2000), Dalcroze
discutido por Fonterrada (2008) e Laban (1978,1990), foi elaborada a oficina
Música, Movimento e Dança. Ao ministrar a oficina pude perceber a reação dos
participantes e dessa forma pude perceber como coordenar as atividades e até
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mesmo modificar uma atividade ou outra. Isso permitiu que eu refletisse sobre
Logo o projeto foi para mim uma relação de troca com os alunos: eu pude ofe-
recer a eles uma forma de interagir e vivenciar elementos formais da música
como o pulso e a métrica e por outro lado eu aprendi com os alunos desde antes
de ministrar a oficina, enquanto eu a preparava e pensava nas atividades; en-
quanto ministrava a oficina, tomando decisões sobre como conduzir a oficina; e
por fim ao refletir sobre como a oficina foi conduzida e como posso melhorar a
minha prática em sala de aula”.
Natasha Curuci
(Graduada Licenciada em Arte – Teatro pelo IA/Unesp-SP)
“Dança criança!”. Quando penso em todo o processo pelo qual passamos jun-
to com os educandos, uma palavra me vem à cabeça: Experiência. Segundo
Jorge Larossa (2004), um espanhol filósofo da educação, a experiência é o que
nos atravessa, nos acontece, nos faz sentir e a partir dela construímos um co-
nhecimento que nos é próprio, uma vez que nasce de nossas vivências. Em um
processo de aprendizagem pautado na experiência, tanto o educador quanto
os educandos se disponibilizam para que algo os aconteça e, dessa forma, eles
possam construir algum conhecimento.
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forma, procuramos aproximá-los da linguagem artística da dança, por meio de
Claudia Rosa
(Professora de Educação Física da Rede Pública Estadual de São Paulo
– Mestre em Artes pelo Programa de Pós-Graduação do IA-Unesp-SP)
Fernanda Sgarbi
(Professora de Educação Física da Rede Pública do Município de São Paulo
– Mestre em Artes pelo Programa de Pós-Graduação do IA-Unesp-SP)
Todas as nossas práticas foram permeadas pelo trabalho coletivo, o qual foi
sendo construído pela originalidade de cada um dos integrantes do grupo de
pesquisa “Dança: Estética e Educação” e pela reflexão de cada um, de todos e
com todos ao mesmo tempo.
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nossas intenções, nosso saber se transformou em saber/fazer, construído na prá-
Enfim, participar desse processo foi significativo, pois aprendi junto ao grupo
a olhar para uma prática, refletir sobre ela, sugerir estratégias e, a partir daí,
construir um novo conhecimento. Um conhecimento específico; ligado à ação e
construído por meio dela”.
Rosana Pimenta
(Professora de Arte da Rede Pública Estadual de São Paulo - Licenciada e
Mestre em Artes pelo Programa de Pós-Graduação do IA/Unesp-SP)
As Marcas da Dança
O Projeto Dança Criança na Vida Real foi uma ação intencional, com um sentido ex-
plícito, com um compromisso definido coletivamente. Como um vir-a-ser, gerou no grupo
oportunidades de aprendizagem e contato com o conhecimento por meio de situações nas
quais escolher, propor, opinar, discutir, decidir, avaliar são habilidades desenvolvidas duran-
te o processo do próprio aprendizado em parceria com todos que dele participam. A partir
dessas premissas, sentimos, vivemos, agimos e refletimos durante sua realização, selando
compromisso único com a comunidade com a qual trabalhamos, caracterizando-o como um
projeto de ação sociocultural.
Ele se realizou deixando suas marcas. As ações fomentaram um novo interesse pela
Dança, assim como ampliou esse universo para as crianças.
Rita Antunes, também coordenadora do projeto, enfatiza nosso empenho para que os
professores em formação e as titulares das classes escolhidas observassem as crianças entra-
rem em contato com o universo da Dança, vislumbrando a arte no palco do seu dia a dia, da
sua Escola, com seus colegas e Mestres, conosco. E, além disso, pisassem o palco, seu lugar
e lugar comum de trânsito, revestido de som, em cena.
Sonhamos e vimos juntos que o sonho era possível; porque foi passível da nossa deter-
minação e ação. E, o material produzido foi apresentado e disponibilizado para a Escola. O
livro digital Dança Criança na Vida Real (ISBN 9788562309007), organizado por Godoy e
Antunes (2008), totalmente ilustrado, é uma produção bibliográfica que se caracteriza como
um material pedagógico para formação de professores. Nele encontramos a descrição do fa-
zer e do refletir (todas as ações, depoimentos, oficinas, etc) em forma de texto (DVD ROM)
e em forma de vídeo (DVD Documentário). O livro encontra-se disponível nas bibliotecas
dos campus da Unesp para apreciação e consulta.
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Tanto os estudantes quanto as professoras se declararam satisfeitos e motivados, não
Referências
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curri-
culares nacionais: Arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.
FARO, Antonio. Pequena história da dança. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.
FONTERRADA, Marisa T. de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre a música e educação. São Paulo:
Unesp, 2008.
GODOY, Kathya Maria Ayres de. Dançando na escola: o movimento da formação do professor de arte. 2003.
2 v. il. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.
GODOY, Kathya Maria Ayres de; ANTUNES, Rita de Cássia Franco de Souza (Orgs). Dança criança na
vida real. São Paulo: Unesp/Instituto de Artes, 2008.
GORDON, Edwin E. Teoria de aprendizagem musical, competências, conteúdos e padrões. Lisboa: Ca-
louste Gulbenkian, 2000.
LABAN, Rudolf. Domínio do movimento. São Paulo: Summus, 1978.
Saiba Mais
LABAN, Rudolf. Dança educativa moderna. São Paulo: Ícone, 1990.
LAROSSA, Jorge. Experiência e paixão. In: LAROSSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel. Saiba Mais
Bibliogr afia
MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias, PICOSQUE, Gisa; GUERRA, Maria Terezinha Telles. Didática do
ensino de arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.
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