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Passeggi Souza RevistaPesquisaqualitativa56 302 1 PB

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O Movimento (Auto)Biográfico no Brasil: Esboço de suas Configurações no


Campo Educacional

Article · April 2017


DOI: 10.23935/2016/01032

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58 1,642

1 author:

Maria da Conceição Passeggi


Universidade Cidade de São Paulo
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O Movimento (Auto)Biográfico no Brasil: Esboço de
suas Configurações no Campo Educacional

Maria da Conceição Passeggi1


Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Elizeu Clementino de Souza2
Universidade do Estado da Bahia, Brasil

Resumo

O presente artigo tem por objetivo discutir as principais abordagens e possibilidades


do movimento autobiográfico no Brasil, no âmbito educacional. O trabalho está
organizado em três etapas, a saber: 1) apresentar os princípios epistemológicos que
norteiam a pesquisa (auto)biográfica brasileira; 2) faremos um breve sobrevoo
histórico referente ao período de 1990-2016; e, 3) apresentamos uma síntese das
diferentes edições do Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)Biográfica (CIPA),
que vem se realizando a cada dois anos, desde 2004. O foco no CIPA deve-se ao fato
de se tratar de um fórum internacional de pesquisadores e um espaço privilegiado
para discussões e avaliação do progresso e dos desafios do movimento
(auto)biográfico internacional, cuja finalidade é incentivar mais pesquisas e
orientações teóricas e metodológicas nessa área. Nesse sentido, concluimos
admitindo que existem novas áreas de investigação científica educacional no Brasil,
que superam modismos e instalam amplas aberturas para outras áreas do
conhecimento nas Ciências Humanas e Sociais, o que pode ser visto no aumento da
interação entre pesquisadores e entre suas redes de cooperação e pesuisa no plano
internacional.

Palavras-chave: Movimento (auto)biográfico no Brasil, Pesquisa (auto)biográfica,


Campo educacional.

El Movimiento (Auto)Biográfico en Brasil:


Esbozo de sus Configuraciones para el Campo Educativo.

Resumen

El presente artículo tiene como objetivo estudiar los principales enfoques y


posibilidades del movimiento autobiográfico en Brasil, en el ámbito educacional. El
trabajo se organiza en tres partes. A saber: 1) presentar algunos de los principios
epistemológicos que han orientado las investigaciones brasileñas; 2) hacer un breve

1
Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(PPGEd-UFRN). Pesquisadora de produtividade do CNPq. mariapasseggi@gmail.com
2
Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade, da Universidade do Estado
da Bahia (PPGEduC-UNEB). Pesquisador 1D CNPq. esclementino@uol.com.br
Revista Investigacion Cualitativa
Passeggi, Passeggi, M. C. y Souza, E. C. (2017). O Movimento (Auto)Biográfico no Brasil: Esboço de suas Configurações no
Campo Educacional. Investigación Cualitativa, 2(1) pp. 6-26. DOI: http://dx.doi.org/10.23935/2016/01032
Passeggi y Sousa, O Movimento (Auto)Biográfico no Brasil

sobrevuelo histórico correspondiente al período 1990 - 2016; y 3) mostrar las


diferentes ediciones del Congreso Internacional de Pesquisa (Auto)Biográfica
(CIPA), que se realiza ininterrumpidamente cada dos años, ya que este foro
internacional de investigadores constituye un espacio de debates para evaluar los
avances y desafíos del movimiento (auto)biográfico, para así fomentar nuevas
investigaciones y orientaciones teórico-metodológicas. Lo anterior permite concluir
que existen nuevas áreas de investigación científica educacional en Brasil, que
superan los modismos y que se instalan con amplias aberturas para las demás áreas
del conocimiento en las Ciencias Humanas y Sociales, lo que se puede constatar en la
creciente interacción entre investigadores y sus redes de trabajo en el plano
internacional.

Palabras claves: Movimiento (auto)biográfico en Brasil, Investigacion


(auto)biográfica, campo educacional.

The (Auto) Biographical Movement in Brazil:


Sketch of its Configurations for the Educational Field.

Summary

This article aims to study the main approaches and possibilities of the
autobiographical movement in Brazil, within teh field of education. This work is
divided into three parts. Namely: 1) to present some of the epistemological principles
that have guided Brazilian research; 2) to make a brief historical flight for the period
1990 - 2016; And 3) show the different editions of the International Biographical
Research Congress (CIPA), which is held continuously every two years, since this
international forum of researchers constitutes a space for debates to evaluate the
progress and challenges of the movement (auto ) Biographical, in order to promote
new research and theoretical-methodological orientations. This allows us to conclude
that there are new areas of educational scientific research in Brazil that overcome the
idioms and that are installed with wide openings for the other areas of knowledge in
the Human and Social Sciences, which can be observed in the growing interaction
between researchers And their networks at the international level.

Keywords: (Auto)Biographical movement in Brazil, (auto)biographical inquiry,


educational field.

A guisa de introdução

O desafio de tecer considerações sobre o movimento (auto)biográfico no Brasil implica,


obviamente, riscos de omissões face à sua história, que, embora recente, já se caracteriza por sua
diversidade, por um volume considerável de pesquisa, trabalhos e projetos de cooperação
científica em âmbito nacional e internacional. Seria pois pretenciosa a intenção de apreendê-lo
em sua totalidade. O que nos leva a aceitar o desafio é o desejo de mapear seus principais
enfoques e possibilidades de explorar o seu interesse para o aprimoramento da pesquisa
qualitativa em Educação. Dividimos a nossa exposição em três momentos. Inicialmente,
apresentaremos alguns princípios epistemológicos que têm orientado as pesquisas brasileiras
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Passeggi y Sousa, O Movimento (Auto)Biográfico no Brasil

nessa área e que são comuns a um grande número de pesquisadores, que têm focalizado, em suas
pesquisas, as potencialidades epistemológica e política do paradigma narrativo nas Ciências
Humanas e Sociais. Faremos, em seguida, um breve sobrevoo histórico correspondente ao
período de 1990 a 2016, objetivando sintetizar dois momentos que se configuram como marcos
do movimento (auto)biográfico em educação, no Brasil: sua emergência, nos anos 1990, e sua
diversificação a partir dos anos 2000. Finalmente, apresentamos as diferentes edições do
Congresso Internacional de Pesquisa (auto)biográfica (CIPA), por considerar que, desde 2004,
esse fórum internacional de pesquisadores constitui-se um espaço de debates para avaliar
avanços e desafios do movimento (auto)biográfico e fomentar novas pesquisa e orientações
teórico-metodológicas.

A pesquisa (Auto)Biográfica em Educação: Apostas epistemológicas

A primeira tarefa da pesquisa biográfica seria a de apreender mais exatamente o que


constitui seu campo de investigação e de fabricar instrumentos terminológicos e
nocionais que lhe sejam apropriados [...] o espaço do biográfico não se reduz às
narrativas de vida; o discurso autobiográfico […] se enraíza numa atitude mais
fundamental do ser humano que consiste em configurar narrativamente a sucessão
temporal de sua experiência.
Christine Delory-Momberger3

Demarcar a pesquisa (auto) biográfica, como um campo disciplinar em Educação,


dependerá, como sugere Christine Delory-Momberger, na epígrafe, de melhor apreender seus
princípios epistemológicos, teóricos, metodológicos, políticos e “fabricar instrumentos
terminológicos e nocionais que lhe sejam apropriados”. Essa inquietação com as dimensões
epistemológicas, políticas e metodológicas tem sido uma das principais preocupações do
movimento (auto) biográfico no Brasil. Ela se reflete nos Congressos Internacionais de Pesquisa
(auto)biográfica (CIPA), que relançam a cada edição essa inquietação, visando examinar, a cada
dois anos, os avanços produzidos nessa área de investigação científica.

Queremos chamar a atenção, com Delory-Momberger (op. cit.), para uma questão
fundante do espaço (auto) biográfico na pesquisa educacional. Concordamos com a autora, que
esse espaço não se limitaria à multiplicidade de gêneros biográficos e autobiográficos, mas ele
concerne principalmente à compreensão da natureza do discurso autobiográfico, enraizado na
atitude fundamental do humano “que consiste em configurar narrativamente a sucessão temporal
de sua experiência”. Levar a sério essa atitude singular, praticada desde a mais tenra idade,
constitui um dos pontos centrais da pesquisa (auto) biográfica em Educação. Admite-se, pois,
como pressuposto, que o sujeito, em todas as fases da vida, apropria-se de instrumentos
semióticos (a linguagem, o grafismo, o desenho, os gestos, as imagens etc.) para contar suas
experiências sob a forma de uma narrativa autobiográfica que até então não existia. E nesse
processo de biografização, a pessoa que narra, embora não possa mudar os acontecimentos, pode
reinterpretá-los dentro de um novo enredo, reinventando-se com ele.

3
Christine Delory-Momberger, 2005, p. 14. (Tradução nossa, grifos da autora).

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Como campo de pesquisa, cabe nos perguntar sobre que tipo de conhecimento é possível
gerar com base nessas narrativas de si e qual é a sua relevância para a investigação científica no
que concerne os conhecimentos humanos e sociais. Situada no âmbito da pesquisa qualitativa, a
pesquisa (auto) biográfica em Educação tem procurado superar o dilema que lhe é imposto: ou
acomodar-se aos padrões existentes do conhecimento dito científico ou, ciente da especificidade
epistemológica do conhecimento que ela produz, contribuir para a construção de novas formas de
se conceber a pessoa humana e os meios de pesquisa sobre ela e com ela.

Com efeito, a partir dos anos 1980, a crise dos grandes paradigmas, notadamente do
estruturalismo e do behaviorismo, que haviam expulsado o sujeito do seu campo de investigação,
abre novos horizontes para o “retorno do sujeito”, que reaparece sob múltiplas peles: a de autor,
narrador, ator, agente social e personagem de sua história. Essa mudança, que se convencionou
denominar de “giro linguístico” ou “giro discursivo”, está alicerçada numa inversão das relações
entre pensamento/cognição e linguagem. A linguagem deixa de ser concebida, unicamente, como
instrumento de expressão do pensamento para ser entendida como fator estruturante das visões
de mundo, um modo de perspectivar a realidade, como sugere Tomasello (2003) e nessa mesma
direção as representações do outro e de si.

Nesse contexto, a narrativa, oral e escrita, como afirmam Brockmeir e Harré (2003, p.
526), torna-se “a descoberta da década de 1980”, o canal pelo qual circula a voz dos atores
sociais que narram suas próprias experiências e se constituem na e pela linguagem. As narrativas
tornam-se, ao mesmo tempo, um parâmetro linguístico, psicológico, cultural e filosófico
fundamental para explicar a natureza e as condições da existência humana (ibidem),
constituindo-se entradas potencialmente legítimas para se ter acesso aos modos como o sujeito
(ou uma comunidade) dá sentido à sua experiência, organiza suas memórias, justifica suas ações,
silencia outras. Nesse sentido, elas oferecem padrões de interpretação, que contribuirão, tanto
para o conhecimento do humano, quanto para o próprio aprimoramento da pesquisa qualitativa
interpretativa.

Como afirma Barthes (1981, p. 19), a narrativa é transcultural e transhistórica. Ela


“começa com a própria história da humanidade e nunca existiu em nenhum lugar e em tempo
nenhum, um povo sem narrativa”. Sua universalidade está na origem de sua quase infinita
diversidade: narrativas jurídicas, literárias, bíblicas, históricas, ficcionais, anedóticas,
jornalísticas, midiáticas, infantis, românticas, ideológicas, políticas, digitais etc.

É dentro dessa infinita variedade que a pesquisa (auto)biográfica opera um recorte. Seu
interesse recai especificamente sobre as narrativas autobiográficas, que se enraízam nessa atitude
fundamental do ser humano “que consiste em configurar narrativamente a sucessão temporal de
sua experiência”, para contar a história de sua vida, a história de uma experiência, a história de
um momento qualquer.

Para autores como Delory-Momberger (2005, 2013, 2014), Alheit e Dausien (2006), a
pesquisa (auto)biográfica em Educação interroga essa capacidade antropológica de
biografização, mediante a qual a pessoa que narra organiza sua experiência em termos de uma
razão narrativa. A biografização é, portanto, esse processo permanente de aprendizagem e de
constituição sociohistórica da pessoa que narra. A pesquisa (auto)biográfica privilegia pois esses
processos de biografização com o objetivo de compreender como os indivíduos se tornam quem
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eles são. Nesse sentido, ganha força a afirmação de Bruner (2014, p. 75), ao propor que “A
criação do eu é uma arte narrativa”, portanto, um ato performativo, pelo qual dizer é fazer,
biografar-se é tornar-se um outro para construir-se como um si mesmo.

Não se trata, portanto, de uma atitude esporádica e meramente circunstancial, mas de uma
dimensão constitutiva dos processos de individuação e de socialização, estreitamente,
relacionados às condições societais nas quais os indivíduos se biografam e produzem,
narrativamente, formas de existência para eles próprios e para o outro. Nesse sentido, convém
lembrar que o “giro narrativo” se insere num momento de grandes mutações sociais em que as
instituições tradicionais (família, igreja, escola, trabalho), perdendo a sua centralidade, rementem
aos indivíduos a responsabilidade de encontrar por si mesmos meios de se instituir como sujeitos
de direitos na sociedade.

No seio dessa ambivalência, situa-se a ousadia de tomar o autobiográfico como objeto de


estudo. Por essa razão, essa ousadia se sustenta em apostas de diferentes ordens. Recorremos ao
termo aposta para sinalizar o engajamento, o desafio dessa aventura (auto)biográfica no mundo
científico. Uma aposta de caráter epistemopolítico, que coloca no centro do processo a
capacidade humana de reflexividade autobiográfica do sujeito, permitindo-lhe elaborar táticas de
emancipação e empoderamento suficientemente boas para superar interpretações culturais
excludentes, que o oprimem. Uma aposta pós-colonial, que se opõe a uma visada elitista do
conhecimento que desconhece essa capacidade de reflexividade humana e de interpretação do
cidadão “comum” que sofre as pressões cotidianas que o destituem dos seus direitos e embotam
sua consciência crítica. Finalmente, uma aposta posdisciplinar, ancorada na liberdade de ir e vir
em busca de instrumentos heurísticos onde eles se encontram, como sugere Ferrarotti (2013),
sem se acomodar aos quadros de uma visão disciplinar, ou inter-, ou pluri- ou multi- ou
transdisciplinar.

Essa tríplice aposta está intimamente vinculada a quatro grandes orientações do


movimento (auto)biográfico no Brasil (Passeggi, 2011a; 2011b). A primeira considera as
narrativas autobiográfica como um fenômeno antropológico. Nesse sentido, interessa-se pelos
processos de individuação e de socialização dos seres humanos, interrogando-se sobre como nos
tornamos quem somos. A segunda orientação utiliza as narrativas como fonte e método de
investigação qualitativa, indagando-se sobre práticas sociais, não apenas para produzir
conhecimento sobre essas práticas, mas para perceber como os indivíduos dão sentido a elas. A
terceira orientação faz uso dessas narrativas como dispositivos de pesquisa-formação, instituindo
o sujeito como pessoa interessada no conhecimento que ela produz para si mesma (Souza, 2006
a). Finalmente, a quarta orientação estuda a natureza e a diversidade discursiva das escritas
(grafias) da vida (bios).

Uma aposta epistemopolítica e descolonizadora

[...] subestimar a sabedoria que resulta necessariamente da experiência sociocultural é, ao


mesmo tempo, um erro científico e a expressão inequívoca de uma ideologia elitista.
(Freire, 1992, p. 85)

Na percepção de Freire (op. cit.), subestimar o saber que resulta da reflexão sobre a
experiência seria “um erro científico e a expressão inequívoca de uma ideologia elitista”. Nessa
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mesma direção, Boaventura de Souza Santos (2002, p. 81) afirma que “a ciência moderna
consagrou o homem como sujeito epistémico, mas expulsou-o enquanto sujeito empírico”, e com
ele desperdiçava-se sua experiência. Jogava-se, assim, a criança com a água do banho. A
tentativa do movimento (auto)biográfico é de recuperar essa ausência do sujeito empírico, de
carne e osso, focalizando a sua experiência. Essa preferência pelo sujeito epistêmico, abstrato,
objetivo, explica a resistência da pesquisa científica positivista à palavra da criança, da mulher,
do transexual, de pessoas do campo, das ruas, das favelas, da floresta, em função da “pobreza”
de seu pensamento, da “insuficiência” de seus modos de se expressar, de sua “pouca” idade, da
“insignificância” de sua experiência. “Deficiências” assim categorizados em função de critérios
positivistas, coloniais, que desqualificam a legitimidade da palavra de quem foge aos padrões de
racionalidade do adulto, de sexo masculino, branco, letrado.

Contra essas correntes positivistas e colonizadoras, os estudos com as histórias de vida


em formação e as narrativas autobiográficas, ao priorizar o humano situam-se numa perspectiva
epistemopolítica, como afirmam Pineau e Le Grand (2012). As narrativas propõem uma nova
episteme, um novo tipo de conhecimento, que emerge não na busca de uma verdade, mas de uma
reflexão sobre a experiência narrada, assegurando um novo posicionamento político em ciência,
que implicam princípios e métodos legitimadores da palavra do sujeito social, valorizadores de
sua capacidade de reflexão, em todas as idades, independentemente do gênero, etnia, cor,
profissão, posição social, entre outras opções.

Em um texto anterior, Passeggi (2015, p. 84) propõe que os estudos desenvolvidos com
narrativas autobiográficas, em suas mais diversas abordagens e por redes de pesquisadores cada
vez mais abrangentes, permitem conceber uma epistemologia do sul ou pós-colonial, que se
sustenta numa “„revolución narrativa‟ en contra de la mera „ilusión biográfica‟”. Com efeito, as
narrativas autobiográficas, analisadas, nos últimos anos, em teses, dissertações, entrevistas
rompem com as dicotomias positivistas, entrelaçando razão e emoção, sujeito e objeto de
reflexão, nos processos de interpretação da experiência e atribuição de sentido à vida.

O trabalho de biografização, mediante o qual a pessoa que narra se converte em autor e


caminha na direção da conscientização, da resistência e da emancipação, estaria vinculado, como
sugere Bruner (1998, 2014) a um modo narrativo de pensar (literário, histórico, circunstancial),
em oposição a um modo paradigmático (lógico-científico), objetivo. Portanto, a produção do
conhecimento que resulta desse modo narrativo de pensar seria fundante para a constituição de
uma epistemologia do Sul (Santos, 2009), ainda emergente, em contraposição a uma
epistemologia do Norte, hegemônica, colonial, dogmática, excludente.

Uma aposta posdisciplinar

O horizonte de conhecimentos que os humanos constroem em suas narrativas


autobiográficas, sobre eles mesmos e sobre seu contexto social e histórico, como afirma Franco
Ferrarotti (2013, p. 25, tradução nossa) “só pode ser um saber global, holístico”. Por essa razão
seria inútil buscar apreendê-lo dentro de fronteiras disciplinares, pois esse tipo de conhecimento
se refaz, a cada passo, sob novas configurações, escapando da rigidez e da estabilidade procurada
no campo dito científico. Nesse sentido, Ferrarotti (apud Passeggi, Braga, 2014, p. 152) nos
oferece a seguinte reflexão:

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É nesse sentido que o método biográfico e os Cultural studies encontram-se numa mirada
comum, que estão para além das divisões disciplinares. Nem multi-, nem inter-, nem
transdisciplinar, mas pós-disciplinar. Isso quer dizer que é preciso ir buscar instrumentos
heurísticos e metodológicos no lugar onde eles se encontram: na história social, na
filosofia, na antropologia social e cultural, na etnografia, na psicologia e na psicanálise,
mas também na literatura e na poesia.

É essa perspectiva posdisciplinar, sugerida por Ferrarotti, que nos parece a mais adequada
para pensar propostas metodológica e de análises de fontes biográficas e autobiográficas, que por
sua complexidade fogem aos padrões de análises que focalizam normas ou leis gerais do
comportamento humano. Ela confere ao pesquisador e ao narrador a liberdade necessária para ir
e vir em busca de instrumentos heurísticos tão revolucionários quanto o próprio “giro
autobiográfico”, subjetivo, interpretativo, qualitativo e alheio aos esquemas de “hipótese-
verificação” da perspectiva positivista.

Os estudos em que Ferrarotti (2013, 2014) concebe as histórias de vida, numa perspectiva
crítica, vão ao encontro dessas apostas epistemopolítica, pós-colonial, e posdisciplinar
subjacentes ao movimento (auto)biográfico em Educação, e que no nosso entender necessitam
ser cada vez mais exploradas, investigadas, enriquecidas, no sentido em que os resultados das
pesquisas nessa área possam prestar os serviços que lhes compete nos estudos do humano,
promovendo, como sugere o autor, a democracia e a socialização dos conhecimentos, convictas
de que a construção do conhecimento na pesquisa (auto)biográfica só se faz com o outro e no
respeito ao outro, jamais pelo pesquisador isolado.

Movimento (Auto)Biográfico em Educação no Brasil: Sobrevoo Histórico

Essas grandes orientações servem aqui como pano de fundo para tentar esboçar o que
entendemos como representativo das configurações do movimento (auto)biográfico, no Brasil,
em Educação4. Esse movimento nos parece responder, essencialmente, às demandas da pesquisa
educacional, e às potencialidades de estudos com narrativas autobiográficas para superar
dificuldades das abordagens tradicionais. Podemos propor, face aos desdobramentos desse
movimento, dois grandes períodos: um primeiro momento de eclosão do autobiográfico e das
histórias de vida em Educação, que emerge nos anos 1990, e um segundo momento de expansão
e diversificação dos temas de pesquisa, que se inicia nos anos 2000.

Alguns trabalhos, publicados sobre o uso das histórias de vida e de narrativas


autobiográficas como metodologia de investigação científica no Brasil, nos permitem afirmar
que esse movimento centra-se, inicialmente, numa área específica: a formação de professores.
Destacamos os estudos de Bueno, Chamlian, Sousa e Catani (2006), por retraçarem as
características do período de 1985 a 2003. Remetemos ainda o leitor, aos trabalhos de Souza
(2006 b), Souza, Sousa e Catani (2008); o de Stephanou (2008), relativos ao período de 1996-
2006; o de Souza, Passeggi, Delory-Momberger, Suárez (2010), centrado nas redes de
4
A história das histórias de vida no Brasil se inicia no campo da Sociologia e da História Oral, como atestam o
artigo de Florestan Fernandes e Gattas Ramzia (1956), o livro organizado por Von Simsom (1988) e os estudos
desenvolvidos pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, na Fundação Getúlio
Vargas (CPDOC-FGV). Nosso interesse, no entanto, centra-se aqui, unicamente, no campo da pesquisa em
Educação.
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cooperação, e mais recentemente o de Souza (2014) e de Mignot e Souza (2015).

O que evidenciam esses estudos, realizados com base em resumos de teses, dissertações
de mestrado, livros e artigos publicados, é que essa abordagem contribuiu, essencialmente, para
renovar a pesquisa no campo da Didática, sobre a formação docente no país, e fazer aflorar o
interesse por temáticas vinculadas à profissão, à profissionalização e à identidade docente. Eles
florescem ainda na história da educação brasileira, mediante o estudo da memória de seus
educadores, como demonstra o trabalho pioneiro de Demartini (1988), no território da pesquisa
histórico-sociológica. Cabe insistir desde já sobre essas duas grandes tendências como linhas de
força que permanecem atuantes no movimento (auto)biográfico no Brasil.

Bueno, Chamlian, Sousa e Catani (2006, p. 388) repertoriam as múltiplas denominações 5,


usadas nesses trabalhos, ora como sinônimos, ora como categorias complementares, dificultando
uma categorização mais rigorosa. As autoras admitem que é a partir de 1990, certamente em
função de reformas na legislação, que se destaca o papel central do professor na formação e
profissionalização docente na América Latina e no Brasil e no qual cresce o interesse pelas
abordagens autobiográficas e pelas histórias de vida de professores.

O momento inaugural em Educação, acontece nos anos 1990, com os trabalhos e


pesquisas desenvolvidos pelo Grupo de Estudos Docência, Memória e Gênero (GEDOMGE),
criado em 1994, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Esses
estudos inspiram-se, prioritariamente, do movimento sociohistórico das histórias de vida em
formação6. Essa é a primeira filiação do movimento (auto)biográfico em Educação, no Brasil.
Ele é em larga medida tributário das contribuições dos pioneiros das histórias de vida em
formação, que emerge, nos anos 1980, na Europa e no Canadá, no contexto da formação
continuada de adultos. Ressaltam-se os estudos de Gaston Pineau (1983, 2005); Pierre Dominicé
(2000), Marie-Christine Josso (2010), no mundo da francofonia e o de António Nóvoa (1992,
1995), no mundo da lusofonia.

Os trabalhos desenvolvidos sob esse enfoque voltam-se, como já afirmamos, para a


formação docente, e se situam, prioritariamente, na segunda vertente da pesquisa
(auto)biográfica, recorrendo às histórias de vida e às narrativas autobiográficas como fonte e
método de investigação qualitativa, indagando-se sobre práticas docentes, as trajetórias de
formação, não apenas para produzir conhecimento sobre essas práticas, mas perceber como os
professores dão sentido a elas. Emerge assim, das narrativas de professores, em formação inicial
ou continuada, uma variedade de temas que entrecruzam memórias, percursos de formação,
questões de gênero, trajetórias de aprendizagens e formação para a docência.

5
Memória(s), lembranças, relatos de vida, depoimentos, biografias, biografias educativas, memória educativa,
histórias de vida, história oral de vida, narrativas, narrativas memorialísticas, método biográfico, método
autobiográfico, método psicobiográfico, perspectiva autobiográfica.
6
Movimento liderado por Gaston Pineau, no Canadá e na França; Pierre Dominicé, Marie-Christine Josso e
Matthias Finger, na Suíça; Guy de Villers, na Bélgica; Bernadette Bonvalot, na França, e António Nóvoa, em
Portugal. Os pioneiros criam a primeira grande rede de pesquisa em histórias de vida em Educação, que se consolida
com a criação da Association Internationale des Histoires de Vie en Formation (ASIHVIF), em 1990. No site da
ASIHVIF, encontra-se a Carta da Associação <www.asihvif.com> na qual se definem os objetivos, princípios éticos
e deontológicos no uso das histórias de vida no contexto da formação continuada de adultos.

Investigación Cualitativa 2(1) 2016


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Passeggi y Sousa, O Movimento (Auto)Biográfico no Brasil

O princípio ético orientador das pesquisas com histórias de vida é que as narrativas da
experiência, longe de comunicar o que já se sabe, constituem-se verdadeiros processos de
descoberta e reinvenção de si. A dimensão heurística e autopoiética dessa reflexão permitiria
transformar saberes implícitos em conhecimentos. E no processo permanente de interpretação e
reinterpretação dos acontecimentos, para dar sentido às experiências, a pessoa que narra
reelabora o processo histórico de suas aprendizagens e se reinventa. É nesse sentido que se pode
conceber o uso das histórias de vida, ou de narrativas autobiográficas, como processos de
formação docente.

Um dos grandes legados das histórias de vida em formação para o movimento


(auto)biográfico consiste, justamente, na modelização paradigmática da pesquisa-formação,
proposta pelos pioneiros das histórias de vida e sobretudo por Gaston Pineau (2005). Ela se
insere na terceira orientação do movimento autobiográfico, ao qual nos referimos acima. Para
Bueno, Chamlian, Sousa e Catani (2006, p. 393), essa “perspectiva da pesquisa-formação
defendida por eles teve pouca ressonância no Brasil”. Com efeito, essa perspectiva emerge,
sobretudo, a partir dos anos 2000 (Passeggi, 2000) e por por poucos grupos de pesquisa no
Brasil, que se voltaram para os memoriais de formação7 (Passeggi, Barbosa, 2008; Barbosa,
Passeggi, 2011). Esse gênero autobiográfico universitário é retomado como dispositivo de
pesquisa-formação, visando instituir a pessoa do professor como principal interessada no
conhecimento que ela produz sobre si mesma, para ela mesma, embora sob a perspectiva de uma
injunção institucional (Barbosa e Passeggi, 2011). O que vai na direção de superar a visão
aplicacionista da Educação, marcada pela dicotomia teoria-prática, e concebê-la de modo mais
dinâmico, conferindo a quem se forma a possibilidade de se tornar mais reflexivo sobre suas
próprias práticas, em sala de aula, e mais autônomo em suas decisões. Esse interesse pela
formação de professores com base nas escritas da experiência pedagógica, constitui um dos
grandes eixos de investigação, e os trabalhos de Paulo Freire (1992, 1997) fontes de inspiração
para quem trabalha com a formação de adulto e sua emancipação.

Para Pineau, é preciso conceber de outra maneira as perguntas que legitimam um campo
científico (Quem pesquisa o quê? Como? Por que?), relacionadas a aspectos práticos,
ideológicos, metodológicos e, essencialmente, epistemopolítico e, por assim dizer, pós-colonial.
O que diferencia a pesquisa-formação da pesquisa tradicional é que se acrescenta ao processo de
investigação a pessoa que se forma, legitimada a produzir e não a ingurgitar saberes sobre elas, o
que permite democratizar as instâncias produtivas do conhecimento. No modelo clássico, os
objetos de pesquisa têm em vista resultados que otimizem a ação educativa, independente de
quem refletiu sobre ela. Na pesquisa-formação, ao contrário, se sobressaem as práticas não-
instituídas e as aprendizagens experienciais. São elas que se constituem objetos de investigação
com amplas aberturas para as aprendizagens não formais e informais. Contrariamente ao modelo
tradicional, fundado em divisão disciplinar e na dicotomia teoria-prática, a pesquisa-formação
adota metodologias interativas, simbolizadas pelo traço de união que torna inseparáveis os

7
Os memoriais, um gênero autobiográfico universitário, foi instituído na universidade brasileira nos anos 1930,
como requisito para ingresso e ascensão na carreira no magistério superior. Nos anos 1990, no contexto das reformas
nas políticas de formação docente, ele é retomado, em 1994, como prática de formação docente, dentro de uma
perspectiva de reflexão sobre a prática, aproximando-se do que Pineau caracteriza como pesquisa-formação.
(Passeggi, 2000, 2006, 2008, 2011a; 2011b.; Passeggi, Barbosa, 2011; Cordeiro e Souza, 2010; Abrahão, 2008;
Prado, Soligo 2008, Câmara, 2012).
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Passeggi y Sousa, O Movimento (Auto)Biográfico no Brasil

processos de pesquisa e de formação, ou de pesquisa-ação-formação. Se no modelo clássico, o


objetivo é depreender leis e princípios aplicáveis à ação educativa, na pesquisa-formação,
destacam-se como objetivos a compreensão da historicidade do sujeito e de suas aprendizagens,
o percurso de formação e, sobretudo, de emancipação, promovida pela reflexividade
autobiográfica que, superando a curiosidade ingênua, cede lugar a curiosidade epistemológica e a
constituição da consciência crítica. A pesquisa passa a fazer parte integrante da formação e não
alheia a ela.

A pesquisa-formação torna-se, no momento atual, um ponto de reflexão importante, nas


pesquisas conduzidas nos mestrados profissionais em que emergem dissertações voltadas para as
práticas pedagógicas. Um outro viés surge, também, em teses que tivemos a oportunidade de
examinar mais recentemente. Os jovens pesquisadores se situam em processos de formação pela
pesquisa, ressaltando como se formaram com o que pesquisaram e como pesquisaram na
interação com o outro e consigo mesmos durante a pesquisa.

Para Passeggi (2016, p. 75-76), a pesquisa-formação incide, portanto, sobre a


representação do professor e do pesquisador como seres aprendentes, capazes de refletirem sobre
suas aprendizagens ao longo da vida (life learning), e em todas as circunstâncias (lifewide
learning). O que sugere o desenvolvimento de suas potencialidades para produzir teorias e
conhecimentos sobre seus modos de fazer, de ser e de aprender. O processo de autonomização de
quem narra advém de sua disposição para dar sentido a suas aprendizagens, ou ainda, da
conscientização dos conhecimentos adquiridos, explícitos ou tácitos, que lhes são úteis para
posicionar-se como sujeito em suas decisões, ou tomar consciência de sua própria fragilidade
diante delas.

A partir dos anos 2000, observa-se nos estudos pós-graduados no Brasil, uma tendência
cada vez mais consistente na diversificação das preocupações de pesquisa dentro do movimento
(auto)biográfico. Ela se expressa, notadamente, na explosão de teses e de dissertações de
mestrados que recorrem ao “biográfico” e “autobiográfico”. Stephanou (2008) observa que entre
1990 e 2006 houve um deslocamento significativo dos temas de pesquisa. O uso desses termos
passa de 2% em 1997, para 21%, em 2006, nas teses e dissertações examinadas na área de
educação. Essa mudança é, possivelmente, impulsionada pelos trabalhos que se multiplicaram
nos grupos de pesquisa em diferentes universidades brasileiras que tomam como objeto ou
método de investigação as histórias de vida e os memoriais autobiográficos.

Esse segundo momento do movimento (auto)biográfico ancora-se no êxito dos


Congressos Internacionais de Pesquisa (Auto)Biográfica (CIPA), que abordaremos mais adiante
e que se iniciam em 2004. A referência ao biográfico (escrita da vida) é mais sugestiva da ação
do sujeito que a denominação histórias de vida. Pineau8 (2006) justifica sua opção por histórias
de vida para evitar o peso etimológico de grafia (escrita) e extrapolar os limites do espaço
interior do auto (eu), sendo a vida (bios) uma das dimensões essenciais do sujeito.

A opção pela pesquisa (auto)biográfica vai ao encontro de tradições de pesquisa já


consagradas em diversos países da Europa e nas Américas, tais como a Biographical research,

8
Gaston Pineau (1983, 2013) utiliza o termo autobiografia no livro inaugural do movimento das histórias de vida
em formação “Produire sa vie: autoformation et autobiographie”.
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Passeggi y Sousa, O Movimento (Auto)Biográfico no Brasil

no mundo anglo-saxão, a Biographieforschun, na tradição alemã, a Recherche biographique en


Education, na França, e a Investigación biográfico-narrativa en educación, no mundo ibero-
americano. Como se pode observar, no Brasil, consagrou-se a expressão pesquisa
(auto)biográfica com o (auto) entre parênteses, contrariamente as demais denominações que
evitam a presença do eu (auto). Passeggi (2016) discorre sobre essa opção, alegando que no
mundo da lusofonia, os parênteses aparecem pela primeira vez no título do livro organizado por
António Nóvoa e Matthias Finger, “O método (auto)biográfico e a formação”, publicado em
1988, em Portugal. A hipótese é que ao acrescentar os parênteses, Nóvoa e Finger chamam a
atenção para a dimensão subjetiva do método, em Educação, e a função formativa do discurso
autobiográfico.

Esse artifício linguístico deixa em aberto múltiplas possibilidades de interpretação:


sugerir o uso de fontes biográficas e autobiográficas; sinalizar a partilha entre a pessoa que narra
e o pesquisador que a escuta; enclausuram o eu, para alguns ou o colocam em evidência, para
outros. Essa alternativa dos parênteses, hoje consagrada no Brasil, diz, portanto, respeito a essas
economias. Para Passeggi (op. cit.) os parênteses sinalizam dois deslizamentos: um da Sociologia
e outro da Literatura para a Educação. Se em Sociologia, o interesse do biográfico é investigar
práticas sociais na percepção das pessoas narram, em Educação, seu interesse recai sobre a
atitude do ser humano para configurar narrativamente sua experiência e com ela reinventar-se.
Se em Literatura, a autobiografia é um gênero literário consagrado, em Educação esse termo é
substituído, geralmente, por uma expressão mais ampla – narrativas autobiográficas, que inclui
todos os gêneros autorreferenciais. Essa escolha se justifica por que as finalidades dessas
narrativas não coincidem com aquelas da maioria das autobiografias (literárias) que são escritas
para um público mais amplo e respondem a critérios e interesses editoriais mais específicos. O
que fica evidente é a ausência do eu (auto) nas denominações acima mencionadas e os parênteses
no Brasil, o que pode sugerir uma certa timidez para se assumir o eu (auto) como marca fundante
da pesquisa (auto)biográfica.

É importante ressaltar ainda aqui, segundo Passeggi (2016), uma característica importante
dos trabalhos de Christine Delory-Momberger para a diversificação do movimento
(auto)biográfico no Brasil, nos últimos anos. Observamos que sua reflexão é tributária de duas
grandes correntes em Educação nos estudos com as narrativas autobiográficas: a tradição alemã
da Biographieforschun (pesquisa biográfica), inaugurado pelo livro de Dieter Baake e Theodor
Shulze (Aprender a partir das histórias, 1979), e o movimento socioeducativo das histórias de
vida em formação, que emerge, simultaneamente, em países de língua francesa, e que tem no
livro de Gaston Pineau e Marie Michèle (1983) seu marco inaugural. Enquanto, a primeira
corrente está mais voltada para o mundo da educação de jovens, crianças e das relações
intergeracionais, a segunda preocupa-se mais precisamente com a formação permanente do
adulto e suas preocupações com o mundo do trabalho.

Para melhor situar esse momento de expansão da pesquisa (auto)biográfica em Educação


apresentamos no próximo item o Congresso Internacional de pesquisa (auto)biográfica, que vem
congregando as contribuições de estudos e pesquisa realizados com fontes biográficas e
autobiográficas nas mais diversas áreas do conhecimento. Essa abertura para outros horizontes,
além da formação de professores, caracteriza o estágio atual do movimento pela abertura para as
mais diversas abordagens em Educação, História da Educação, História Oral, Sociologia,
Filosofia, Psicologia, Linguagens, Literatura...
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Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)Biográfica - eixos temáticos e redes de


colaboração científica

A idealização e organização das diferentes edições do CIPA - Congresso Internacional de


Pesquisa (Auto)biográfica – estão marcadas, desde 2004, por reflexões epistemológicas e
teórico-metodológicas, objetivando avaliar os avanços das pesquisas com fontes biográficas e
autobiográficas em contexto nacional e internacional e fomentar novos direcionamentos. Esse
fórum se configura como espaço-tempo para a sistematização da produção científica, de formas
de trabalho e lugar em que emergem e se consolidam laços de cooperação e trocas de
experiência. A história do CIPA se confunde, portanto, com a expansão e diversificação do
movimento (auto)biográfico no Brasil. Esse é, portanto, o interesse de nos debruçarmos nesse
terceiro tópico sobre o Congresso.

As temáticas das distintas edições, sua periodicidade e itinerância num país continental,
atestam decisões e ações inaugurais de uma comunidade de pesquisadores que tem se
preocupado com discussões sobre questões de fundo para o avanço da pesquisa (auto)biográfica.
Situamos abaixo as diferentes edições do Congresso, procurando tecer como vai evoluindo a
consolidação do movimento impulsionado, tanto pelas reuniões intermediárias que antecedem o
Congresso, cujo objetivo é analisar seus propósitos, seu formato, seus convidados, em função das
edições anteriores e do que resulta do Congresso para projeções futuras.

Em 2004, realiza-se, em Porto Alegre, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande


do Sul (PUCRS), o I CIPA. Ele se configurou como o momento fundador da pesquisa
(auto)biográfica, no Brasil, e deu início a duas tradições que passaram a fortalecer o movimento
(auto)biográfico: reunir pesquisadores de diversos países num fórum de discussão internacional e
lançar simultaneamente livros com textos representativos, apresentados e discutidos no
Congresso.

Em 2006, o II CIPA, realizado na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em


Salvador, marca um avanço importante para o movimento (auto)biográfico, chamando para
participar do processo de organização do evento os Grupos de pesquisa que desenvolviam
estudos com fontes (auto)biográficas no Brasil. Esses grupos, vinculados às pós-graduações em
Educação, em diferentes regiões do país, ganham uma maior visibilidade, e passam a ter um
papel decisivo na construção de redes nacionais e institucionais de pesquisa, fazendo ganhar
força as parcerias e cooperação universitária fomentadas antes, durante e depois da realização do
Congresso, em torno de uma área então emergente.

Em 2008, o III CIPA, realizado, em Natal, na Universidade Federal do Rio Grande do


Norte (UFRN), destaca-se como ocasião que possibilitou, em Assembleia, a criação da
Associação Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica - BIOgraph, que vai, a partir de então,
constituir-se como parceira e promotora do CIPA, congregando pesquisadores associados de
todo o país e fortalecendo o movimento (auto)biográfico brasileiro. Ainda nessa edição, são
lançadas duas Coleções parceiras: “Pesquisa (auto)Biográfica ∞ Educação”, pela Editora da
UFRN (EDUFRN), no Brasil, e “(Auto)biographie ∞ Education”, pela Téraèdre, na França, às
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quais se juntará, em 2010, a Coleção “Narrativas, Autobiografias y Educación”, pela FFyL e


CLACSO, na Argentina. Finalmente, ampliam-se o apoio institucional de associações científicas,
ANPEd, SBHE, ASIHVIF, ANNIVIF, AFIRSE9 e a inscrição de pesquisadores da América
Latina e Europa atraídos pelo Congresso.

Em 2010, o IV CIPA, realizou-se na cidade de São Paulo, na Universidade de São Paulo


(USP). O marco deste Congresso é o de ter favorecido a apreensão de especificidades que se
exprimem nas artes de viver e narrar, em diálogo com as experiências na criação científica, na
vida cotidiana, nas invenções artísticas em suas diversas temporalidades e espaços. A presença
de António Nóvoa é a ocasião para o lançamento da série “Clássicos das Histórias de Vida”, pela
EDUFRN, cujo propósito é disponibilizar obras representativas das Ciências Humanas e Sociais,
escolhidas pela diversidade de pontos de vista na abordagem dos fundamentos históricos,
epistemológicos e metodológicos da pesquisa com fontes (auto)biográficas.

Dois anos depois, em 2012, o V CIPA retorna a Porto Alegre, e se realiza mais uma vez
na PUCRS. A formação, como espaço-tempo narrativo, que tem sido um dos lugares de destaque
das pesquisas, ganha, nessa edição uma maior centralidade. Isso se justifica pelas implicações
dos grupos de pesquisas voltados para o campo da formação inicial e profissional de professores.
O congresso indaga, sobremaneira, os desafios sobre perspectivas epistemológicas e teórico-
metodológicas das pesquisas e dos diferentes modos como têm sido construídos no campo
educacional a multiplicidade de temas, fontes e procedimentos de análises.

Em 2014, o VI CIPA, realizado, na cidade do Rio de Janeiro, na Universidade do Estado


do Rio de Janeiro (UERJ), é promovido pela primeira vez numa parceria entre a UERJ e a
BIOgraph, o que pode ser considerado como um reconhecimento da força da Associação como
entidade promotora de avanços no fortalecimento do movimento (auto)biográfico no país. Essa
edição vincula sua temática a questões vividas na sociedade brasileira, de grande interesse para a
pesquisa. Num rastro de lucidez, o Senado Federal havia aprovado, por unanimidade, a não
necessidade de autorização prévia para a publicação de biografias, respeitando-se os limites
éticos e deontológicos. As tensões geradas por tal projeto de lei provocaram discussões diversas
tanto no meio acadêmico, quanto fora da academia por iniciativa de escritores e editores,
profissionais da imprensa e cineastas a favor do não impedimento de divulgação de histórias
individuais e coletivas, que contribuam para a preservação da memória coletiva, face aos
interesses da sociedade. O VI CIPA enfatizou, então, o debate sobre as biografias autorizadas e
não autorizadas, as interfaces entre esfera pública e privada e a importância dos modos de
arquivamento dos documentos e das histórias de homens e mulheres comuns, ou de
personalidades políticas e intelectuais, verticalizando férteis sistematizações sobre o lugar
instituído pelos estudos e perspectivas (auto)biográficas e pelo espaço de produção subjetiva e
intelectual dos domínios da vida e de suas manifestações como ato de biografização.

A edição mais recente, o VII CIPA, foi realizado, em Cuiabá, na Universidade Federal do
Mato Grosso (UFMT), em 2016. Podemos destacar quatro marcos relativos aos avanços do

9
ANPED (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação); SBHE (Sociedade Brasileira de História da
Educação); ASIHVIF (Association Internationale des Histoire de Vie en Formation); ANNIVIF (Associação Norte-
Nordeste das Histórias de Vida em Formação); AFIRSE (Association Francophone Internationale de Recherche en
Sciences de l’ Education).
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movimento (auto)biográfico. Pela primeira vez a sede do Congresso se desloca do litoral para o
interior do país, objetivando uma maior participação de associados de regiões mais afastadas do
eixo Sudeste, Sul e Nordeste. Na ocasião, é lançado o primeiro número da Revista da BIOgraph
– a RBPAB – enquanto periódico científico especializado na área de conhecimento com fontes
(auto)biográficas. Publiciza-se a criação do portal da BIOgraph e do seu Sistema de
Gerenciamento Acadêmico-Financeiro. Finalmente, por ocasião das reuniões intermediárias,
constitui-se um consenso sobre os eixos temáticos do CIPA, que se configuram, por uma lado,
como sínteses das seis edições anteriores, permitindo reunir de forma abrangente a diversidade
de pesquisas produzidas no Brasil e, por outro lado, como modos de fomentar outras indagações
epistemológicas, teóricas e metodológicas, considerando a diversidade de fontes (orais, escritas,
imagéticas, fotográficas, virtuais) que têm contribuído para outras modalidades de pesquisa em
suas diferentes manifestações.

Após essa apresentação sumarizada do cenário geral sobre a configuração e organização


das diferentes edições do CIPA, buscaremos sintetizar os eixos de pesquisa com o objetivo de
dar uma visão geral das pesquisas desenvolvidas no país no âmbito educacional, conforme
sistematizado por Souza e Monteiro (2016).

O eixo I - Dimensões epistemológicas e metodológicas da pesquisa (auto) biográfica –


tem sido uma temática recorrente em todas as edição do CIPA. Sob esse eixo, congregam-se os
estudos preocupados em explorar os referenciais epistemológicos, teóricos e metodológicos do
(auto)biográfico como método de investigação científica, procedimentos de pesquisa-formação,
e que vêm permitindo ampliar as interfaces entre Educação e as demais ciências que investigam
o humano em suas relações com o mundo físico e o sensível, a razão e a emoção, o sujeito e seus
aspectos históricos e societais. Nesse eixo, buscam-se a diversidade teórico-conceitual das
perspectivas de análises e interpretações das fontes, além das demandas e desafios que se
colocam nos domínios e reflexões no interior do campo de pesquisa (auto)biográfica em
Educação.

O Eixo II - Espaços formativos, memórias e narrativas – é a temática que atrai, em


média, cinquenta por cento das submissões de trabalhos a cada edição do CIPA. Trata-se,
portanto, de um dos temas mais tradicionais, sinalizando uma orientação dominante no Brasil.
Esse eixo, volta-se para pesquisas que investigam as narrativas autobiográficas como dispositivo
de pesquisa-formação, com ênfase nas discussões sobre memória e história da profissão docente,
sistematizando aspectos sobre a constituição do ethos profissional, trajetórias de formação, tanto
em espaços educativos formais, quanto não formais e informais. Observa-se, atualmente, uma
diversidade de lócus das pesquisas, elas já não se limitam à escola, mas se espalham por outro
espaços de formação profissional, empresas, hospitais, presídios, abrigos, entre outros. Uma
análise, mesmo que parcial dos resumos e conjunto dos textos deste eixo revelam essa
diversidade de pesquisas e práticas de formação, apresentando novos rumos para o
acompanhamento e a mediação biográfica, nos modos diversos de apropriação das escritas de si.

O eixo III - Infâncias, narrativas e diálogos intergeracionais – inscreve-se como uma


temática emergente no âmbito do CIPA, trazendo a perspectiva inovadora da pesquisa com
crianças, anunciada desde 2008, como uma tendência e que foi se consolidando ao longo de suas
edições a partir de diálogos com princípios da Sociologia da infância e da noção da criança como
sujeito de direitos. As análises dos últimos trabalhos apresentados, revelam que as discussões se
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centram nas narrativas de crianças, sobre a infância e para a infância, em diálogo com
perspectivas intergeracionais, focalizando questões sobre história da infância, da cultura escrita e
da educação, do ethos infantil e escolar, implicando em estudos sobre adoecimento, inclusão,
sexualidade, ludicidade, acompanhamento e reflexividade, no território do universo
autobiográfico infantil.

O eixo IV - (Auto)biografias, narrativas digitais, história, literatura e artes – vem


reunindo trabalho que enfatizam questões sobre (auto)biografias e escritas da história nas
interfaces entre egohistoria e egodocumentos, desdobrando-se também em textos que tematizam
aspectos sobre narrativas digitais, webgrafias, imagens e sons. Os textos desse eixo teorizam
fronteiras e aproximações entre história, literatura e artes, com destaque para o ato de biografar,
na vertente das narrativas pessoais e das trajetórias individuais de personagens históricas e de
pessoas comuns, ao destacarem aspectos sobre escritas autobiográficas, suas práticas e
disposições éticas, na perspectiva da política de preservação da memória.

O eixo V - Escrita de si, resistência e empoderamento - traz estudos que se ancoram na


escrita como poder de ordenar o mundo, mediante sentidos e significados atribuídos a práticas de
autonomização e autorização pelos próprios sujeitos quando narram e socializam suas histórias.
As escritas são aqui entendidas como forma de superação de traumas e/ou de publicização de
histórias secretas, negadas, censuradas, na medida em que se tornam formas de resistência, de
empoderamento, de conscientização e da elaboração de uma visão contra-hegemônica,
construídas através da palavra. Os textos organizados nesse eixo aprofundam discussões sobre
corpo, saúde e cuidado de si, processos migratórios, implicando a construção de uma práxis
pessoal e coletiva de resistência.

O eixo VI - Histórias de vida, gênero e diversidades – visa ampliar as discussões sobre


questões de gênero, como uma temática contemporânea e controversa numa sociedade biográfica
(Astier; Duvoux, 2006), desdobrando-se em reflexões sobre as relações entre os indivíduos e a
dimensão temporal de sua experiência e existência, as quais são marcadas por imagens e
representações do feminino e do masculino, de transexuais, gays e de superações dos discursos
binários. Os trabalhos reunidos nesse eixo também apresentam reflexões discursivas da
construção/reiteração de papeis e representações sexuais e sociais, seus entrelaçamentos entre
esferas privada e familiar com a esfera profissional e política, notadamente, no que se refere ao
cotidiano escolar e suas implicações com diferentes trajetórias das culturas de gênero, para além
do feminino e do masculino, reveladas através das escritas e dos atos de biografização.

A diversidade de abordagens e análises apresentadas nos trabalhos aprovados para o VII


CIPA revelam a distância que separa o momento de eclosão do movimento (auto)biográfico
centrado prioritariamente na formação e profissionalização docente, sua identidade e a história
da educação brasileira vista pelo olhar do educador, para voltar-se aos mais diversos problemas
enfrentados no cotidiano pelo indivíduo. Essas tendências que vêm se firmando a cada edição,
pela multiplicidade de abordagens, diversidade de lugares, métodos, fontes e procedimentos de
análises, têm contribuído para modos de conhecimentos, sentidos e saberes oriundos da pesquisa
(auto)biográfica, justificando suas potencialidades em Educação.

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Apresentamos na Tabela 1, uma síntese do número de trabalhos apresentados por eixo


temático e por modalidade no VII CIPA, como uma forma de focalizar um panorama atual das
grandes tendências das pesquisas na área.

Tabela 1 - Trabalhos submetidos por eixos temáticos/modalidades 10

Eixo Comunicações Pôsteres Sessões Simpósios Simpósios


Conversas Internacionais Nacionais Total
I. Dimensões 19 3 13 1 1 37
epistemológicas
II. Espaços 244 45 45 10 7 351
formativos
III. Infância e 25 4 1 2 1 33
narrativas
IV. Narrativas 32 4 4 2 - 42
digitais,
Literatura
V. Resistência e 35 3 4 1 - 43
empoderamento
VI. Gênero e 30 2 5 1 1 39
diversidade
Total de 385 61 72 17 10 545
trabalhos
Fonte: Sistema BIOgraph/Werk, 2016. Elaboração: Elizeu Clementino de Souza, em
25/05/2016

A afluência de pesquisadores em cada edição do CIPA, que reúne entre 1000 a 1300
participantes, é a prova de sua vitalidade. Em 2016, mesmo tendo se realizado à distância dos
centros de investigação situados no Sudeste, Sul e Nordeste, o VII CIPA contou com a
participação de um total de 591 associados da BIOgraph 11, entre pesquisadores universitários,
estudantes de pós-graduação e graduação, assim como professores da educação básica e
integrantes de movimentos sociais. Entre pesquisadores estrangeiros, destacam-se suas
vinculações a instituições da Europa (Alemanha, Espanha, França, Inglaterra, Portugal) e da
América Latina (Argentina, Colômbia, México, Peru, Porto Rico, Uruguai).

É significativo o quantitativo de participantes por Região. Os dados evidenciam um


maior número de inscritos da Região Sudeste, o que reforça a assimetria no que se refere à
concentração do maior número de Programas de Pós-graduação na referida região. No entanto, o
aumento considerável do número de inscritos da Região Centro-Oeste confirma a maior
mobilização de pesquisadores da região onde é sediado o congresso.

10
É importante observar que as modalidades Rodas de conversa e Simpósios reúnem vários trabalhos, o que
multiplicaria por 4, por exemplo, o número de trabalhos aprovados em cada Simpósio.
11
Em relação ao número de associados para o VI CIPA, realizado em novembro de 2014, na UERJ, identificamos
no Sistema de inscrição um total de 782 associados e de 902 trabalhos submetidos nos diferentes eixos. Para maiores
esclarecimentos sobre essas questões, consultar a análise construída por Bragança e Balassiano (2014, p. 12), na
„Carta Convite aos congressistas‟, publicada no livro de programa do VI CIPA (Mignot e Souza, 2014).
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Considerações em aberto

Ao longo dos últimos doze anos, conforme tentamos sintetizar aqui, o Congresso
Internacional de Pesquisa (Auto)Biográfica (CIPA) vem reunindo, a cada dois anos, um número
cada vez mais significativo de pesquisadores de diferentes nacionalidade e de diversas áreas do
conhecimento para participar, no Brasil, deste fórum de discussão com o objetivo de colaborar
para os avanços do movimento (auto)biográfico do ponto de vista nacional e internacional e
pensar os seus desafios. O Congresso, que se inscreve como uma iniciativa acadêmico-científica,
constitui um espaço privilegiado de partilha de conhecimentos e de democratização de saberes
decorrentes de pesquisas, fomentando a cooperação internacional, pesquisas e práticas de
formação que têm, nas narrativas biográficas e autobiográficas, seu campo de inserção, atuação e
sua centralidade.

A cada edição emergem interesses renovados pela utilização e apropriação de princípios e


domínios da pesquisa (auto)biográfica como método de investigação e dispositivo de pesquisa-
formação, com base em diversos modos de grafias (escritas) da vida (bios). Destacam-se nesses
repertório de gêneros: os memoriais, romances pedagógicos, cartas, oficinas biográficas,
entrevistas narrativas, videobiografias, fotobiografias, webgrafias ou escritas virtuais, fontes
documentais, documentação narrativa de experiências pedagógicas, ateliês biográficos de
projetos, análise de impressos pedagógicos, enquanto objetos propícios e fecundos para os
estudos e desenvolvimento do movimento (auto)biográfico.

As edições do CIPA emergem como momentos de parada obrigatória para se avaliar a


promoção de atividades científicas e de cooperação de redes de pesquisa e de colaboração
universitária. A construção permanente desse esforço coletivo permite afirmar a existência de
novas áreas de investigação científica em Educação, no Brasil, que ultrapassam os modismos, e
se instalam com amplas aberturas para as demais áreas do conhecimento nas Ciências Humanas e
Sociais, o que se pode constatar no aprofundamento da interação entre pesquisadores e suas
redes de pesquisa num plano internacional.

Como vimos, em 2004, inicia-se uma série ininterrupta de congressos específicos de


pesquisa (auto)biográfica, passando a constituir uma área de conhecimento em Educação, com
fortes contribuições para o aprimoramento da pesquisa qualitativa nas Ciências Humanas e
Sociais. Em 2008, é criada a BIOgraph, associação científica nacional que congrega
pesquisadores, que investigam com fontes biográficas e autobiográficas, trazendo para o
movimento (auto)biográfico formas de enriquecer e oxigenar seus eixos temáticos de pesquisa. A
cada edição são lançados, simultaneamente, livros com a produção científica mais atual e livros
reeditados, na série Clássicos das Histórias de vida, ampliando a disponibilidade de obras de
referência dessa jovem ciência. Em 2016, foi criado o portal da BIOgraph12, e lançado o seu
sistema de gerenciamento acadêmico-financeiro. Consolidam-se seus eixos temáticos
suficientemente abertos para acolher novas propostas, cada vez mais voltadas para pesquisas
engajadas com questões humanas, éticas, sociais e de saúde. Cresce, exponencialmente, o
número de teses e dissertações no campo educacional, notadamente na formação de professores
das mais diversas áreas, que recorrem às narrativas autobiográficas e à pesquisa-formação. Ainda
em 2016, por ocasião do VII CIPA, a BIOgraph lançou a Revista Brasileira de Pesquisa

12
www.biograph.org.br/
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(Auto)Biográfica – RBPAB – um periódico científico para a difusão do conhecimento na área,


disponível on line13 e no portal da Associação, com três números anuais. A BIOgraph como
entidade associativa tornou-se promotora do CIPA e parceira da universidade que sedia o
Congresso. Consolidou-se a tradição de parceria entre os programas de Pós-graduação em
Educação, viabilizada pelas redes científicas constituídas pos grupos de pesquisa em conjunto
com Associações científicas nacionais e internacionais.

A lista de avanços do movimento é encorajadora: um Congresso internacional bianual


(CIPA); uma Associação (BIOgraph) em plena atuação, interagindo com associações nacionais e
internacionais, promovendo o CIPA em parceria; um periódico especializado (RBPAB); um
portal para a difusão de atividades e contato dos pesquisadores com a Associação; um número
considerável de obras consagradas à pesquisa (auto)biográfica, ressaltando-se coleções parceiras,
publicadas em francês, português e espanhol; a reedição em língua portuguesa de obras clássicas,
publicadas em diferentes países. Esses são legados e pontos de partida sobre os quais espera-se
que frutifiquem novos conhecimentos que venham fortalecer o movimento (auto)biográfico em
colaboração com pesquisadores e grupos de pesquisa no Brasil, nas Américas e na Europa.

A partir dos anos 2000, estreitaram-se as relações entre linguagem, aprendizagem,


reflexividade autobiográfica e práxis social no interior do movimento (auto)biográfico como uma
modalidade da pesquisa qualitativa assumindo posicionamentos concretos contra uma
racionalidade técnica na pesquisa e nos processos de formação de modo geral. Os desafios
permanecem relativamente os mesmos na tarefa de explorar os referenciais epistemológicos,
teóricos e metodológicos do (auto)biográfico em suas grandes vertentes: como fenômeno
antropológico, método de pesquisa, dispositivo de pesquisa-formação e, modos de
(auto)biografização da vida, mediante os mais variados instrumentos semióticos, com vistas a
ampliar as interfaces entre a Educação e as demais ciências que investigam o humano em suas
relações com o mundo físico e o sensível.

Concordamos com Johnson-Mardones (2016, p. 2), quando afirma que:

Preguntarse si es posible un campo académico internacional es cuestionarse si es


posible un campo académico postcolonial, o mejor aún, un campo académico
descolonizado. La pregunta es ya el primer paso en su construcción, la respuesta
la voluntad de andar ese camino.

Como campo acadêmico de pesquisa, cabe-nos perguntar que conhecimento acadêmico


descolonizado é possível gerar a partir de narrativas autobiográficas, numa perspectiva
epistemopolítica e posdisciplinar, e qual é a relevância desse conhecimento para ampliar
horizontes de investigação científica mais humanas, promotoras de saberes de resistências, de
solidariedade, interrogando a reflexividade autobiográfica como modelo hermenêutico de
compreensão do mundo humano em permanente transformação.

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