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Estudos e Pesquisas em Psicologia 1808-4281

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Estudos e Pesquisas em Psicologia

E-ISSN: 1808-4281
revispsi@gmail.com
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro
Brasil

Lopes da Rocha, Marisa; Faria de Aguiar, Kátia


Entreatos: percursos e construções da psicologia na rede pública de ensino
Estudos e Pesquisas em Psicologia, vol. 10, núm. 1, enero-abril, 2010, pp. 68-84
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=451844631006

Como citar este artigo


Número completo
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ARTIGOS

Entreatos: percursos e construções da psicologia na


rede pública de ensino

Interludes: psychology routes and constructions in the public


teaching network

Marisa Lopes da Rocha*


Professora do Departamento de Psicologia Social e Institucional e do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro –
UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Kátia Faria de Aguiar**


Professora do Departamento de Psicologia e Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, RJ, Brasil

RESUMO
Neste artigo buscamos colocar em discussão a pesquisa-intervenção que
vem se constituindo com a Rede de Proteção ao Educando no ensino público
do Rio de Janeiro, abordando a formação dos trabalhadores sociais como um
processo instigador de novos conceitos e práticas institucionais na
perspectiva ético-estético-política. Para isso, damos visibilidade ao percurso
que compõe o território escolar nas suas múltiplas forças, remetendo à
reflexão sobre nossos atos, nossas implicações com as instituições em jogo
e favorecendo escolhas sobre a melhor forma de trabalhar e viver.
Concluímos, assumindo o desafio de (re)constituição de um campo de
intervenção, problematizador e crítico, intensificador de encontros.
Palavras-chave: Formação do psicólogo, Psicologia e educação, Pesquisa-
intervenção, Micropolítica.

ABSTRACT
In this paper we try to discuss an intervention-research that has been con-
stituted in the Student Protection Network in Rio de Janeiro public teaching,
approaching the formation of social workers as an instigating process of new
institutional concepts and practices in the ethic-esthetic-political perspective.
For this, we give visibility to the route that compounds the scholar territory
in its multiple forces, remitting to the reflection about our acts, our implica-
tions with the institutions at stake and favoring the choices about the better
ways of working and living. We conclude assuming the challenge of the
(re)constitution of a problematizing and critical encounter intensifier inter-
vention field.
Keywords: Psychologist formation, Psychology and education, Intervention-
research, Micro politics.

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ISSN: 1808-4281
ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 10, N.1, P. 68-84, 1° QUADRIMESTE DE 2010
http://www.revispsi.uerj.br/v10n1/artigos/pdf/v10n1a06.pdf
O meu plano é continuar nos intervalos...
V.W.

Introdução
Gostaríamos de abrir a apresentação desse artigo, num esforço de
delinear o campo de pesquisa e de intervenção no qual temos
empreendido nosso trabalho com as instituições de formação. A
aposta na pesquisa-intervenção, longe de se constituir em um abrigo
da complexidade contemporânea, tem favorecido uma aventura por
outras formas de pensar e fazer pesquisas, numa perspectiva ético-
estético-política a que pretendemos dar corpo no curso desta escrita.
Convém antecipar, no entanto, que tal perspectiva ganha
consistência na micropolítica de produção de modos de subjetivação,
um outro plano, dificilmente acessado nas políticas de saúde e
assistência ou nas geradas por movimentos que vêm sendo
denominados de críticos.
Diferentes caminhos poderiam nortear esse trabalho e não foi simples
encontrar uma porta através da qual pudéssemos dar passagem a
Félix Guattari e Gilles Deleuze para refletir sobre a subjetividade
como produção. Como pensar a vida ou os nossos trabalhos em
psicologia/educação pela micropolítica do cotidiano? Na perspectiva
deleuziana, qualquer entrada é boa, desde que as saídas sejam
múltiplas. Vamos arriscar um início através de alguns conceitos que
possam se constituir em intercessores, ou seja, que possam interferir
nesse processo a nosso favor, convidando-nos a caminhar por vias
que, ao refletir sobre as práticas de formação no contexto da
Educação, logrem um tríplice objetivo: (i) pensar a formação como
criação de percursos em meio a múltiplas forças; (ii) remeter à
reflexão sobre nossos atos, nossas implicações com as instituições
em jogo, favorecendo escolhas sobre a melhor forma de viver; (iii)
colocar o desafio de (re)constituição de um campo de intervenção,
problematizador e crítico, intensificador de encontros. Eis o que se
poderia denominar um paradigma ético-estético-político (GUATTARI,
1992).
Vale ainda evidenciar que esse artigo traz como referência as
experiências do trabalho que vimos desenvolvendo com a Rede de
Proteção ao Educando (RPE)1. Nesse encontro, psicólogos, assistentes
sociais e educadores mergulham nas correntezas das tradições
institucionais, nas políticas produtivistas, nos desejos por arejamento
e, entreatos, interferem nas vidas que fazem diferença no cotidiano
escolar, aceitando o desafio de construção de um outro lugar para os
trabalhadores sociais, problematizando fazeres implicados com a
produção social da existência.

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Múltiplas forças que compõem os processos
Desde que iniciamos nossas incursões no campo da educação, temos
convivido com as constantes descontinuidades das políticas. A cada
governo, novas medidas, novas chefias, novas urgências. As
reiteradas mudanças ganharam, na comunidade escolar, a
denominação de pacotes e, com ela, o sentido de que as
determinações chegam sempre de cima, sem aviso prévio e sem
direito à contestação. Os efeitos também já são velhos conhecidos e
falam de desânimo, de falta de perspectiva, de insatisfações.
Nos últimos tempos, com o avanço das estratégias neoliberais, a
produtividade e a aceleração têm dado o tom do desmapeamento
gerador de perda de sentido dos processos, revelando que os
descontinuísmos, para além de apresentar algumas inovações,
parecem estar a serviço da manutenção e da reprodução dos hábitos
instituídos. Se não são criados dispositivos para as parcerias, para
abrir um tempo/espaço operador de processos de diferenciação, nos
agarramos às estacas da estrutura, da velha organização que as
políticas atuais dizem querer alterar. É voz corrente que muita coisa
muda para nada mudar. Os resultados, o quantitativo, as estatísticas
ganham o cotidiano da escola convocando a todos, de alguma forma,
como partícipes nas montagens dos sempre novos mecanismos de
monitoramento e de avaliação da produtividade. As resistências
construídas entre as exigências do gerenciamento e as exigências
colocadas pelo dia a dia de trabalho têm como desafio o
enfrentamento da produção de urgências. A pergunta comum é
“quem dá conta?”
A aceleração impressa nas ações urgentes, a solicitar respostas
rápidas e imediatas, favorece a busca de recursos afetivos e
cognitivos que habitam linhas duras de constituição do campo
educativo. Frente à ameaça da não resolução de problemas ou do
não cumprimento das tarefas solicitadas, o que aparece é a
recorrência a padrões já conhecidos, quase automatizados, expressos
em atitudes como: passar o problema adiante, encontrar culpados
pelas ocorrências, ignorar ou rechaçar qualquer estímulo frente à
impossibilidade de “dar conta de tudo”...
Tal como a paisagem vista de um trem em movimento, a cada
aceleração, o que pode ser visto são borrões, flashes de cores,
fragmentos de imagens e restos de objetos que incitam, de modo
mais pregnante, reconhecimentos e, na sequência, o mal estar e a
desistência de se ter qualquer acesso à paisagem. É que suspensa a
potência de interferir, mesmo considerando sua variabilidade tática,
as resistências acabam por ganhar formas que goram: investem
reativamente na negação das forças de contenção ou radicalmente se
dobram num movimento de ataque contra si mesmas. Acabam por
reafirmar a inoperância de seus investimentos e, confirmando seu

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aparentemente sabido fracasso, no ápice de seu tensionamento,
produzem adoecimentos.
Em tempos neoliberais, voltamos nossa atenção para as práticas de
formação e, nos diálogos com a educação escolarizada, encontramos
novas políticas para antigos problemas (inclusão, acessibilidade,
infrequência, evasão, reprovação). Também encontramos outros
personagens e discursos a imprimir modulações e intensidades em
tensionamentos desde sempre pulsantes: conselho tutelar, teatro,
grêmio, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), drogas
moderadoras, periculosidade, música, prevenção, segurança pública,
jogos, risos, tráficos, especialistas... Entre eles, os especialistas na
questão social - assistentes sociais e psicólogos.
Nesse momento da escrita nos damos conta de que essa poderia ser
a introdução para diferentes experimentações que hoje temos em
andamento. Essa primeira aproximação na constituição de um campo
precisa ganhar outros contornos, é necessário trazer mais elementos,
sinalizações, que avancem no traçado de um território e o acesso a
alguns planos, favorecendo a abordagem de subjetivações e
objetivações, como efeitos das práticas. Pensamos, então, na
demanda a nós endereçada pela coordenação da RPE e escolhemos,
ainda que sem tocar nos meandros de sua construção, trazer à cena
alguns analisadores que, na abertura do campo de análise, apontam
a criação de outros possíveis.
Vale lembrar que, pela porta da RPE, os psicólogos, há tempos
personae non gratae nas escolas do município do Rio de Janeiro,
voltam a ser convocados (re)acionando a velha aliança entre
psicologia e educação.
Nossa entrada em cena no apoio ao processo de formação daqueles
profissionais se dá a partir da solicitação por um “trabalho
institucional” e traz outras linhas no contorno desse território. Dentre
elas, a nossa inserção acadêmica, os vínculos anteriores com alguns
ex-alunos participantes da rede e as referências sobre nossos
trabalhos, por parte de vários psicólogos, têm funcionado
favorecendo as condições de um processo de formação analítico-
institucional. Além disso, na pactuação e análise permanentes dessas
condições, temos sustentado os tensionamentos, alguns inelutáveis,
que surgem no enfrentamento das problemáticas inerentes ao campo
em questão. No processamento das análises importa destacar, por
ora, a importância da construção de ferramentas que façam operar
deslocamentos das queixas para a elaboração de demandas, como
condição de emergência a funções de autonomia, tão caras à
pesquisa-intervenção (AGUIAR; ROCHA, 2007; LOURAU, 1993).
No caminho da elaboração, explicitação e análise das demandas, a
intensificação da produção de urgências aparece como um nó,
ganhando centralidade nas problemáticas apresentadas pelos
trabalhadores da educação, aqui incluídos psicólogos e assistentes
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sociais, permeando e contaminando os fazeres no ‘chão da escola’. A
lista de situações críticas e a multiplicação de afazeres é crescente e
para ontem, impondo ligeireza e eficiência no cumprimento sob pena
de desqualificação profissional. Nesse caminho, a escola não favorece
histórias de vida em relação, mas a produção de casos, fraturando
processos e fechando cada um em si mesmo.
A referência à falta de sentido da escola na atualidade aparece com
insistência, ora como explicação para as dificuldades apresentadas
pelas crianças, ora como justificativa do encadeamento de atos
violentos que, diante da perplexidade de muitos, parecem
consentidos e naturalizados. A demanda implícita, aqui, é por mais
mecanismos de contenção e disciplinamento. Nos encontros de
formação, escutamos sobre a falta de sentido da escola de hoje nas
falas nostálgicas de uma escola do passado, nas falas de professores,
nas reclamações dos pais, nas indisciplinas das crianças, nas análises
de pesquisadores. Tais análises apontam as ambiguidades nas
relações entre os alunos e a escola como assento para a ausência de
referências que poderiam sustentar atribuições de novos sentidos
para a escolarização. O desinvestimento e desaparelhamento da
escola pública no contexto das políticas neoliberais (FRIGOTTO, 1995;
GENTILI, 1995) e o esgotamento da escolarização como recurso na
conquista da, ainda prometida e sempre adiada, mobilidade social
aparecem como fortes argumentos para a falta de alternativas a
serem atribuídas à importância da escola (SPOSITO, 1998).
Considerando a relevância dessas análises, queremos aqui dar ênfase
àquelas da escuta atenta ao “jogo de fabricação” que se espreita no
rebatimento das políticas no cotidiano das práticas (ALVES; GARCIA,
1999; SANTOS, 2006; VEIGA-NETO, 2005; MACHADO, 1994). Nesse
caminho, encontramos que a abertura da escola para todos, realizada
na ampliação e democratização do acesso, fez falar naquele espaço
outras vozes, vozes dissonantes, vozes de qualquer um. E o que a
partir daí parece se colocar como questão é a atualização, em atos,
de um impasse inaugural do liberalismo, qual seja: o de ter que aliar
a propalada igualdade cidadã e a diferença enquanto tensão imanente
à presença do popular.
Frente a essa figuração que desafia os procedimentos pedagógicos, a
linguagem e as estratégias de disciplinamento, o acolhimento de
todos se fará numa busca constante de redução das tensões e das
desestabilizações produzidas nos encontros. Na densificação da
questão da diferença, o que ganha forma é “o diferente”. Herdeira
das injunções da modernidade, a escola atualiza a dicotomia homem
x mundo, professor que ensina x aluno que aprende, professor x
especialista, saúde x loucura. Ela se apresenta habitada por um
conjunto de pessoas, cada uma trazendo “em si” suas condições de
existência e seus problemas. Os sujeitos são tomados isoladamente e
a tentativa de compreendê-los gera classificações que fortalecem a
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lógica binária: a criança é lenta ou acelerada demais; é apática ou
violenta; qual o diagnóstico?
Com o propósito de dar atenção a cada um, a tendência é a dos
profissionais afirmarem o modelo que serve de crivo avaliativo do que
se passa “nas pessoas”, do que falta às pessoas frente ao padrão.
Nos corpos isolados, o que pulsa e que poderia acessar a produção de
sentido, tem sempre grandes chances de virar lamento e
culpabilização. É para responder a esse campo problemático que o
psicólogo, como especialista, é chamado: para afirmar a lógica das
cenas, do que faz sentido, de quem faz sentido, atribuindo e/ou
ratificando significado aos personagens.

Reflexão sobre nossos atos, nossas implicações


Entre nós, a história de constituição da psicologia como ciência e
como profissão parece enfrentar desafios semelhantes àqueles
colocados para a educação, quando confrontada com a denominada
questão social. Como indica Ferreira Neto (2004), nos rastros dos
eventos que marcaram a experiência política brasileira é que se
observam, entre as décadas de 1980 e 1990, mudanças na formação
e na atuação do psicólogo na direção das demandas das classes
populares. Para esses profissionais vindos de cursos onde a
hegemonia oscilava entre a psicologia experimental e a psicologia
clínica (clássica/privada), o contato com as necessidades e as
demandas populares nas instituições públicas, evidenciou a
complexidade do campo e incitou outros fazeres. Podemos dizer que
o que aparece como pregnante nas tendências das práticas é a
consideração do contexto social da clientela, implicando a procura por
novos referenciais teóricos.
Na psicologia como na educação o social, tornado indicador
geográfico (favela) e econômico (pobre), desafia concepções e inspira
a procura por outros instrumentos de trabalho. A consideração do
contexto, embora importante, não foi e não é suficiente para
desmontar as referências do modelo médico veiculado nas práticas
psi (FERREIRA NETO, 2004). Os diagnósticos, as classificações
nosológicas e as terapêuticas, no encontro com a escola, ganham e
emprestam a ela o sentido de contenção e de controle.
Avançando no traçado de nosso campo, anotamos que talvez não
seja por acaso que os psicólogos possam ser deslocados do campo de
atuação clínica para o da educação, sem que isso, em princípio,
formule questões no que tange aos referenciais de formação e
trabalho.
Lidamos com escolas fragmentadas, sendo elas mesmas unidades
isoladas na rede das demais instituições que intervêm na educação e
com as quais a escola poderia fazer alianças (ROCHA; UZIEL, 2008).
Tal segregação tira de foco as análises dos efeitos dos modos de
funcionamento institucional e, neste sentido, deixa de pensar os
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sujeitos como efeitos da conjugação de diferentes práticas sociais –
políticas, econômicas, culturais, pedagógicas. Ou seja, como
singularizações das intensidades que faz a vida das comunidades em
que se constituem e dos dispositivos educacionais vigentes (ROCHA,
2002). Analisar as tradições, as práticas, os modelos, as mudanças
legais, isso é coisa que fica para “os especialistas”, “os
pesquisadores”, não são pensadas pelos que constroem o dia-a-dia
da sala de aula.
De todo modo, o que hoje encontramos entre os profissionais é uma
quase unanimidade no que se refere à mudança de atitude na
atuação do psicólogo na escola. Críticos ao lugar que lhes é atribuído
de agentes de normalização, de controle e de silenciamento,
interrogam sobre o que fazer. Diante dessa quase unanimidade,
somos incitadas a vasculhar os processos, a investigar os detalhes:
como se operacionaliza a postura crítica frente ao que se pede ao
psicólogo na escola? O que seria efetivamente trair nosso encargo
social?
Nas tentativas e disputas pelos caminhos de resolução desse estado
de coisas, observamos hoje a (re)ativação de duas forças que, em
diferentes tempos, aparecem ora mais, ora menos intensificadas e
que instauram tensões no campo em questão.
Uma primeira força traz a velha aliança entre psicologia e
cientificismo, observado em sua plenitude no saber médico. As
marcas dessa aliança nos estudos da subjetividade, nas práticas psi e
no cenário da educação já foram debatidas à exaustão em diversos
trabalhos (MOYSÉS, 2001; ROCHA; AGUIAR, 1997; MACHADO;
SOUZA, 1997). Tais análises falam de um caminho resolutivo para os
impasses nos processos de formação que investem na busca de uma
só linha de causalidade individualizante, no determinismo das
condições. Esse caminho que opera assim o apagamento dos rastros
da multiplicidade de linhas que desenham as condições de
emergência de um problema. Nesse sentido, o encadeamento de
interpretações leva necessariamente ao fechamento do campo de
análise e a procedimentos que pretendem a restauração – de um
indivíduo, de um grupo, de uma coletividade.
Uma segunda aliança que se estabeleceu fazendo frente àquela, foi o
enlace entre psicologia e história. Essa linha de força convoca o
determinismo das condições para com ele afirmar o necessário e
incondicional posicionamento das ciências a serviço da emancipação
dos setores oprimidos e excluídos da história. Para além das críticas à
educação e ao desempenho da escola, apresentam-se inúmeras
contribuições sobre a especificidade das linguagens, das etnias, dos
gêneros, visando adequar métodos, materiais e processos à realidade
das classes populares. Nessa aliança que reativa a memória das lutas
sociais pela educação, as condições sócio-econômicas passam ao
centro da cena e fazem das comunidades e da contextualização
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referências para o enfrentamento dos impasses. O imperativo da
restituição de uma dívida histórica atravessa a formação dos
trabalhadores sociais, politizando as práticas e afirmando caminhos
para o reconhecimento “dos diferentes” (PATTO, 1993; BOCK, 2003).
Nos encontros da psicologia com a educação, duas forças
hegemônicas das nossas tradições parecem ganhar destaque no
enfrentamento das desestabilizações e nas disputas pela produção de
sentidos na escola, dualizando o campo de luta: os procedimentos e
terapêuticas de medicalização e a consciência e tomada de posição
política.
Importa ressaltar que essas alianças co-existem, se atualizam e
desenham novas e até mesmo inusitadas figurações no âmbito das
forças em luta, no presente. Observamos, por exemplo, que a
depender da composição que se estabeleça entre as forças em
tensão, podemos encontrar desvios nos efeitos esperados dessas
alianças. Assim, nem sempre acolher a demanda de
acompanhamento de uma criança é equivalente à privatização das
questões geradas no sócius. Do mesmo modo, a consideração do
contexto ou o trabalho com grupo, não garantem a abertura à
diferença, podendo estar a serviço do apaziguamento de inquietações
ou até mesmo de justificativa para procedimentos medicalizantes.
Entre o ato médico e o ato político o que não se altera é a concepção
de política, de subjetividade e o modo de abordar suas intrincadas
relações.
Guattari e Rolnik (1986), através das análises micropolíticas,
pretendem escapar ao binarismo (re)produzido a partir de sucessivas
individualizações, de totalizações fragmentadoras pressupostas no
‘em si’, buscando os rastros dos movimentos, numa rede rizomática2.
No entre-pessoas, pessoas e coisas, existe tensão produtiva (de
intensidade variada) que nos leva a pensar, a agir, que nos
potencializa ou despotencializa. Cada um de nós é resultante de um
processo de vida e é como cada um que habitamos o campo do
visível, da representação, das constâncias.
Queremos evidenciar que o plano do invisível, do que ainda não foi
pensado, não é menos real. O acesso às micropolíticas implica numa
mudança de foco: a de colocar uma lupa nas intensidades que se
produzem entre as pessoas, nas formações do desejo. Naffah Neto
nos ajuda a compreender que a noção de desejo passa de produto de
acontecimentos passados ao registro de produção eminentemente
social, desejo que se constrói nos encontros. O desejo tem um
aspecto revolucionário, não remete a objetos; é potência, é
intensificação de campos de forças, “[...] pulsação imanente ao
campo social nos movimentos de produção do real” (NAFFAH NETO,
1985, p. 25).

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O desejo permeia o campo social tanto em práticas
imediatas, quanto em projetos muito ambiciosos. Por não
querer me atrapalhar com definições complicadas, eu
proporia denominar desejo a todas as formas de vontade de
viver, de vontade de criar, de vontade de amar, de vontade
de inventar uma outra sociedade, outra percepção do
mundo, outros sistemas de valores [...]. O desejo é sempre o
modo de produção de algo, o desejo é sempre o modo de
construção de algo. (GUATTARI; ROLNIK, 1986, p. 215-216)

O que afeta as pessoas, implicando-as com o exercício da


problematização, com a produção de outros sentidos de vida e de
ação?
As relações ganham aqui o sentido de abordar a vida pelo meio,
como máxima metódica. A escola é vista, então, como uma rede de
intensidades de implicação coletiva que pode investir tanto na rotina,
principalmente pelo lamento, assim como pode agenciar formas de
resistência, de luta, construindo outros modos de vida institucional
(SAIDÓN, 2002). Nesse sentido, a escola deixa de ser um conjunto
de casos-problemas (abordagem que fala em natureza das pessoas)
para constituir-se em um campo de forças socialmente produzido,
manifestando-se de diferentes formas e podendo ser abordado pela
análise coletiva dos hábitos, das naturalizações das cenas e dos
procedimentos, da organização centralizada e vertical do sistema de
ensino.
Afirmamos assim uma outra entrada no campo que busca marcar
uma diferença daquela que tradicionalmente encontramos na
psicologia referida à intersubjetividade, às inter-relações de
indivíduos, de grupos, ou mesmo destes com a sociedade. Marcar
essa diferença, mais que interpelar as dicotomias, é estar em meio às
forças que as engendram, que configuram indivíduos, grupos e
sociedade, como extremidades, nos encontros.
Como operar tal deslocamento? É com esse desafio que vamos
continuar nosso traçado.

O desafio de (re)constituição de um campo de intervenção


O processo de formação ao qual recorremos para agenciar as
discussões aqui propostas tem exigido a composição de um outro
campo de análise, com a proliferação de diálogos entre diferentes
elaborações acerca da subjetividade, da história, da filosofia, da
sociologia, da educação. Uma composição tecida de forma minuciosa
e delicada a cada encontro, que implica revisitar referências
construídas nos diferentes processos de formação dos integrantes do
coletivo-RPE. Plano no qual podemos acessar forças que atuam no
constrangimento das práticas, instruindo regulações e ratificando
encargos, e tensionar outras que investem no desvio, no escape.
Nesse exercício se fez necessária a constituição de um campo de

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intervenção, em permanente recriação, que é permeado por fluxos,
materiais e imateriais (SANTOS, 1997a), advindos das escolas e
atualizados nos encontros – e, por outros, próprios da singularização
da experiência, no entre-nós.
Para tanto, o convite que fazemos é o de uma aproximação e atenção
apurada ao cotidiano do trabalho, escutando suas reverberações.
Como já discutimos em outro momento (ROCHA; AGUIAR, 2003) e
em consonância com outros autores (HELLER, 1970, DE CERTEAU
1994, LEFEBVRE,1991, PENIN 1995, KOWARICK, 2000), podemos
dizer que duas lógicas se enredam no cotidiano.
Uma primeira lógica é aquela que traz a equivalência entre o
cotidiano e o vivido, traduz-se na rotina que faz a repetição de nossas
vidas. Entendida como uma totalidade fechada, a cotidianidade é um
sistema previsível, estável; num tempo linear, o futuro, contido no
presente, é determinado pelo passado. O que aparece como
pregnante são as constâncias e, com elas, a tendência à unidade
imediata entre ação e pensamento, gerando o automatismo das
atividades em que o útil ganha estatuto de verdade. Uma tendência
econômica funcional a um sistema social dado que perpetua
tradições, favorecendo estereotipias e preconceitos (PATTO, 1993).
Uma outra lógica do enredamento, que força a complexificação do
cotidiano, se produz pela ruptura da rotina, por acontecimentos
portadores de imprevisibilidade. A surpresa desconcertando nossas
expectativas e nos obrigando a pensar, a inventar. A aceitação e o
acolhimento da desestabilização pode favorecer o encontro com a
alteridade, do outro-em-nós, como um estranho que nos inquieta e
ao qual vamos tentar dar um significado (ROLNIK, 1995).
Aqui, o cotidiano contempla, ao mesmo tempo, constâncias e
mutações, constituindo-se por/nas práticas atravessadas pelos
valores, pelos princípios, pelas formas de ser/fazer/pensar possíveis
em uma época da sociedade. O que evidencia que, para além de
atualizações do paradigma cientificista hegemônico, vivemos
experiências e agenciamos modos singulares de produzir ações,
conceitos, formas de educar, práticas sociais...
O que importa é reafirmar que o cotidiano como paradoxo se constitui
em uma idéia-chave em nossos percursos (AGUIAR; ROCHA, 2008).
A depender dos agenciamentos que se efetuam nos processos, o
cotidiano pode ganhar densidade pela experiência que provoca o
pensamento, nos fazendo criar o tempo produtor de novos conceitos,
de outras práticas, de uma certa singularidade – cada um de nós é
um modo único de expressar a multiplicidade que compõe o campo
de forças que denominamos de social. “O múltiplo é não só o que tem
muitas partes, mas o que é dobrado de muitas maneiras”, afirma
Deleuze (1991, p.14).
Mas o que encontramos, e que tem retornado com insistência, é a
figura produzida na tradição filosófica ocidental, fruto da
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supervalorização do sujeito do racionalismo cartesiano, a que
chamamos indivíduo. Nela, a subjetividade se apresenta ao mesmo
tempo como universal (natureza humana) e interiorizada
(particularidade x totalidade). O indivíduo nos remete às idéias de
indiviso, essência e se ancora em dicotomias: subjetividade e
objetividade, homem e meio, social e psiquismo.
No encadeamento dessas imagens, premido pelas urgências, pelos
problemas e pelos casos que lhe são encaminhados, o psicólogo fecha
seu foco na mediação de relações: entre professores, destes com o
trabalho e com a comunidade, entre a família e a escola, etc.
Poderíamos dizer, neste caso, que o psicólogo faz sua entrada, no
campo, pelo plano das formas e que, fixando sua atenção nas
extremidades das relações (por exemplo: professor x aluno),
favorece o aprisionamento das análises nos corpos, expandindo a
privatização dos conflitos e a contração do espaço público. Um outro
fator que também não contribui para a coletivização das práticas está
no entendimento de que é no consenso (conformidade, concordância,
unanimidade) que se dá o avanço do entendimento e dos
desdobramentos das ações, sendo seu contrário, a discórdia,
dissolução, decomposição. É importante perceber que quando
reduzimos as margens dos embates da vida às relações de consenso
e seu contrário, o que escapa é o dissenso (dissidência), condição de
polêmica e de singularização de experiências.
Queremos dar relevo às relações de convivência enquanto desafio de
criação de sempre novas normas, negociações que avançam e
retrocedem no cotidiano como paradoxo: plano das forças em tensão
que se compõe no entre-nós e plano das formas nos acordos
possíveis a cada vez, expresso por nossas proposições. Esse é o
caminho que fortalece a publicização das idéias e a dimensão de
público como experimentação, plano do em comum. E, diverso do
que tradicionalmente se possa pensar, tal plano é muito concreto, a
abstração habita o todos, quem são todos? É em aliança com Pelbart
(2008) que trazemos nosso entendimento para a existência do plano
das afecções, do em comum

Ou seja, é a potência de vida da multidão, no seu misto de


inteligência coletiva, de afetação recíproca, de produção de
laço, de capacidade de invenção de novos desejos e novas
crenças, de novas associações e novas formas de
cooperação, como diz Maurizio Lazzarato na esteira de Tarde,
que é cada vez mais a fonte primordial de riqueza do próprio
capitalismo. Por isso mesmo este comum é o visado pelas
capturas e seqüestros capitalísticos, mas é esse comum
igualmente que os extrapola, fugindo-lhe por todos os lados
e todos os poros. Sendo assim, seríamos tentados a redefinir
o comum a partir desse contexto preciso. Parafraseando
Paolo Virno, seria o caso de postular o comum mais como
premissa do que como promessa, mais como um reservatório

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compartilhado, feito de multiplicidade e singularidade, do que
como uma unidade atual compartida, mais como uma
virtualidade já real do que como uma unidade ideal perdida
ou futura. (PELBART, 2008, p.4)

A entrada micropolítica, apostando na abertura dos processos à


dimensão inventiva, vai exigir das práticas a desconstrução da noção
de indivíduo, em atos. E será entreatos, na abordagem da
subjetividade como produção que se buscará iluminar a
complexidade, as misturas, as tensões dos paradoxos, do que
conjuga uma(s) coisa(s) e outra(s), de forma singular. Aqui a
existência é ênfase no entrecruzamento de diversos vetores de
subjetivação, e isso, segundo Guattari e Rolnik (1986), diz respeito
menos à identidade, à ordem circunscrita das formas fixas e estáveis,
e mais à singularidade, às modulações nos modos de ser/viver.
Na abertura ao plano das afecções, o fazer do psicólogo como
analítica das formações do desejo desafia o pensamento em sua
provisoriedade, e ganha potência pelas maneiras de agir nas
situações diversas, pela variação de formas assumidas em diferentes
circunstâncias. Nesse sentido, das indagações por identidades fixas,
como cartões de acesso a qualquer lugar, passamos a construções de
modos de subjetivação nas práticas entre nossos parceiros na
conquista de outros possíveis na formação. Isso significa que
experiência implica duração do tempo – duração em nós,
intensificando o presente pela afecção (DELEUZE, 1966). Logo, o
tempo não passa de forma linear e esperada na ordem passado,
presente, futuro, como repetição, mas é também inventivo, intensivo,
pois faz misturas e opera mudanças. Kastrup (1999) afirma que a
experiência circunscreve as variações que foram sendo tecidas no
curso do trabalho cotidiano para dar conta das atividades. As
atividades subjetivam, são formas de fazer e de ser ao mesmo
tempo, e isto está implicado com as artes do fazer de qualquer um,
inclusive do psicólogo.
Dos problemas e das trocas de experiências, passamos às
experimentações, ao exercício permanente de interceder a favor da
instauração de um campo problemático, no qual o que interessa é
explorar a qualidade dos caminhos, alguns dos quais, levam à
constituição de novos problemas.
Nessa perspectiva, na escola estaria em discussão os usos dos
corpos, do tempo, do espaço, os novos dispositivos de controle. Por
exemplo, poderíamos colocar em análise as ‘crianças hiperativas’ que
não correspondem às nossas expectativas de comportamento e de
aprendizagem e que angustiam professores, pais e psicólogos. A
essas crianças são endereçados procedimentos de encaminhamento a
atendimentos (dentro das escolas) e de medicalização (em diversos
equipamentos de saúde) como caminhos de resolução, a promover o

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foco da atenção necessária aos processos de escolarização
(MONTEIRO, 2006). Os medicamentos que operam o controle redutor
do campo de atenção das crianças, utilizados como solução ao que
escapa do planejado, também funciona como obliterando o campo de
análise dos profissionais, dos estudantes e das famílias.
A hiperatividade das práticas sociais, cada vez mais aceleradas para
atingir os escores de produtividade, o bombardeio de informações e
de atividades na vida das crianças e jovens, dentro e fora da escola,
são dimensões de análise e de intervenção que vêm escapando da(s)
ritalina(s) ao gosto dos laboratórios que prestam ‘bons serviços’.
Na escola, poderíamos apontar para um devir professor-pesquisador,
cuja gestão da atividade educacional é um movimento inventivo nos
diferentes processos e aprendizagens em curso no ambiente escolar.
Não se trata de abrir mão de uma formação consistente; trata-se de
um outro sentido de consistência, não referido à acumulação de
informações, mas ao manejo de dispositivos que sustentem um
campo de indagação. Este devir mestre-aprendiz aponta um outro
lugar para o professor, no qual autonomia é um exercício diário ético-
estético e político na prática profissional.
Isso não significa que não existam cronificações institucionalizadas
em meio às forças hegemônicas de uma época, de uma sociedade.
Somos também personagens: “o psicótico”, “o hiperativo”, “o bom
professor”, “a mulher”, “a mulher casada”, uma infinidade de os, as,
de artigos definidores dos sucessivos cortes já feitos em nossa
cultura, em nossa sociedade, mas somos também forças em tensão
(MACHADO, 1994). Mais ou menos em tensão, dependendo da
situação e do quanto ela coloca em xeque a resistência de nossas
carapaças, de nossas armaduras, fazendo, como diz Rolnik (1995) o
corpo vibrar. “Louco ou são?” – perguntaríamos, recorrendo, aqui, a
um binarismo frequente nas práticas psis. A resposta depende das
situações e das questões que compõem nossas experiências a cada
momento, aproximando-nos mais ou menos da loucura ou da
sanidade. “Louco ou são?”. Bem, diríamos “os dois”, louco e são:
existência que se faz entre as extremidades.
Chamamos mais uma vez Guattari e Rolnik (1986) em uma fala que
expressa de forma interessante a questão de como ir além dos
dualismos, particularmente entre sujeito e sociedade:

Quando vivemos nossa própria existência, nós a vivemos


com as palavras de uma língua que pertence a cem milhões
de pessoas; nós a vivemos com um sistema de trocas
econômicas que pertence a todo um campo social; nós a
vivemos com representações de modos de produção
totalmente serializados. No entanto, nós vamos viver e
morrer numa relação totalmente singular com esse
cruzamento. O que é verdadeiro para qualquer processo de
criação é verdadeiro para a vida. Um músico ou pintor está

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mergulhado em tudo o que foi a história da pintura, em tudo
o que a pintura é em torno dele e, no entanto, ele a retoma
de um modo singular. Isso é uma coisa. Outra é a maneira
como essa existência, esse processo criativo será depois
identificado em coordenadas sócio-históricas [...]. O que
interessa à subjetividade capitalística, não é o processo de
singularização, mas justamente esse resultado do processo,
resultado de sua circunscrição a modos de identificação
dessa subjetividade dominante. (GUATTARI; ROLNIK ,1986,
p.69)

Se anteriormente evocamos a imagem de um trem em movimento


para acessar alguns efeitos de uma temporalidade em crescente
aceleração, para concluir queremos trazer a imagem do andarilho a
cruzar paisagens e, com elas, compondo territórios (SANTOS,
1997b). Dando passagem aqui às instruções de um pajé, pensamos o
andarilho num deslocamento bem localizado: entre o cerrado e a
floresta tropical. Ali, nos diz o profeta-feiticeiro, encontramos um
limite que, a um olhar apressado, pode nos levar de um território a
outro apenas confirmando um visível contraste. No entanto, adverte
o pajé, essa passagem, longe de ser apenas uma linha de fronteira,
se faz também como um campo híbrido, de densidades variadas,
onde se espreitam zonas sensíveis à construção de outros sentidos
que não se ancoram nas extremidades, em nenhuma daquelas
paisagens. O acesso a essa variabilidade das vidas que ali se tecem,
e que inclui a nós mesmos, exige que habitemos essa zona por mais
tempo ou, melhor seria, num outro tempo - o tempo da intensidade.
É habitando esse tempo, na escuta atenta e paciente do silêncio, que
nos chegarão outras imagens, outros sons, outros mundos, como
criação de possíveis.

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Endereço para correspondência


Marisa Lopes da Rocha
UERJ, Rua São Francisco Xavier, 524, Instituto de Psicologia, 10º andar, Maracanã,
CEP 20550-013, Rio de Janeiro - RJ, Brasil
Endereço eletrônico: marisalrocha@uol.com.br
Kátia Faria de Aguiar
UFF, Departamento de Psicologia, Campus do Gragoatá, Bloco O, São Domingos,
CEP 24220-008, Niterói - RJ, Brasil
Endereço eletrônico: katiafaguiar@uol.com.br

Recebido em: 10/08/2009


Aceito para publicação em: 23/09/2009
Acompanhamento do processo editorial: Deise Mancebo e Roberta Carvalho
Romagnoli

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Notas
* Pesquisadora CNPq, Doutora em Psicologia Clínica pela PUC/SP
**Doutora em Psicologia Social pela PUC/SP
1
O primeiro contato com a Rede de Proteção ao Educando (RPE), um Projeto macro
funcional entre as Secretarias Municipais de Educação (SME) e Assistência Social
(SMAS), composto por psicólogos e assistentes sociais, aconteceu no final de 2007,
quando as coordenadoras responsáveis pelas ações da psicologia trouxeram a
solicitação de apoio no sentido da construção de uma abordagem institucional para
o trabalho do psicólogo. Ao longo de 2007, muitas tentativas de desenvolvimento
de práticas integradas com os profissionais da assistência e com os educadores não
se efetivaram, pois, segundo a coordenação, a formação de grande parte do grupo
de psis, concursados para a clínica assistencial dos serviços de saúde municipais e
os encaminhamentos/tratamentos cobrados pelas direções das escolas, nas
tradições das expectativas do trabalho do psicólogo, dificultavam o avanço no
sentido da viabilização de uma proposta interdisciplinar. Os 57 psicólogos que
originalmente constituíram a equipe, embora concursados para atuar na Secretaria
Municipal de Saúde (SMS), foram nomeados e lotados na SME para desenvolver e
implementar a RPE. Num primeiro momento, esses profissionais foram lotados nos
Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) e Pólos de Atendimento Extra-
escolar (PAEE), sendo mais tarde vinculados diretamente às Coordenadorias
Regionais de Educação (CREs). O procedimento instituído para o funcionamento,
desde o início, se circunscrevia ao Plano de Ação desenvolvido por cada equipe de
psicólogos/ assistentes sociais por CRE, além de encaminhamentos de alunos em
situações de diversas ordens: indisciplina, dificuldade de aprendizagem, violência
nas mais adversas expressões, uso abusivo de drogas, gravidez na adolescência e
situações de risco e vulnerabilidade social. Para cada equipe de profissionais da
RPE, é estabelecido um grupo de escolas, no formato de territórios, de maneira que
todas as escolas da rede possam estar referidas a uma equipe de profissionais. O
acompanhamento dessas escolas se dá pela elaboração de um plano de trabalho a
partir do foco estabelecido pela CRE, destacando um grupo de escolas prioritárias
de acordo com as demandas, objetivos e estratégias do trabalho a ser realizado.
Frente a essa organização, nossas propostas com os psicólogos vêm se constituindo
através de textos enviados previamente para serem lidos e debatidos entre eles,
levando em consideração o trabalho que realizavam e, nos nossos encontros, a
proposta é a de discussão coletiva e problematização das práticas, a partir de cenas
do cotidiano. Com as coordenadoras realizamos reuniões com a perspectiva de
contribuir para a escrita de um outro plano de ação com passagem na Secretaria
Municipal de Educação (SME), tornando oficial um deslocamento dos lugares
estabelecidos pelas demandas tradicionais de assistência, quem sabe em uma
perspectiva transdisciplinar. Elas, por sua vez, também realizam reuniões com os
psicólogos a fim de construir os planos de trabalhos locais e a negociação com as
coordenadorias das CREs de um trabalho institucional. Durante 2008, realizamos
encontros mensais com os psicólogos e, em alguns deles, contamos também com
profissionais da educação lotados nas CREs. Ao final de 2008, mais 56 psicólogos,
advindos de outro concurso também da SMS, foram nomeados e lotados na SME,
perfazendo um total 112 psicólogos na RPE. Em 2009, esse coletivo agregou em
sua composição, mais assistentes sociais e representantes da Gerência de Serviço
Social na Educação.

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