Nevasca 13 24
Nevasca 13 24
Nevasca 13 24
A nevasca tornava-se cada vez mais forte; de cima, caía uma neve seca e miúda; pelo
visto, começava a fazer mais frio: o nariz e a face congelavam, com mais frequência
corria sob o casaco de pele um �ilete de ar gelado e era preciso estreitar a roupa ao
corpo. De vez em quando os trenós batiam em alguma super�ície nua e congelada, da
qual a neve fora varrida. Uma vez que, sem pernoitar, eu já estava percorrendo a sexta
centena de verstas, apesar de ter muito interesse no resultado da nossa confusão, sem
querer eu fechava os olhos e cochilava. Certa vez, quando abri os olhos, impressionou--
me, como me pareceu num primeiro minuto, a luz clara que iluminava a planície
branca: o horizonte havia se ampliado signi�icativamente, o céu negro e baixo de re-
pente desaparecera, de todos os lados viam-se as linhas brancas transversais da neve
que caía; o contorno das troicas da frente mostrava-se claramente e, quando olhei para
cima, pareceu-me, num primeiro minuto, que as nuvens tinham se dispersado e que só
a neve encobria o céu. Enquanto eu cochilava, a lua surgiu e lançava a sua luz fria e
clara entre as nuvens difusas e a neve que caía. A única coisa que eu via com clareza
era o meu trenó, os cavalos, o cocheiro e as três troicas, que seguiam à frente: a primei-
ra, a do correio, em cuja boleia como antes estava sentado só o cocheiro, que tocava os
cavalos a toda; a segunda, na qual, tendo largado as rédeas e feito para si próprios um
resguardo com o armiak³ , estavam sentados os dois cocheiros que fumavam cachim-
bo sem parar, o que se via pelas faíscas brilhantes; e a terceira, na qual não se via nin-
guém e cujo cocheiro provavelmente dormia no meio dela. Entretanto, quando eu des-
pertei, o cocheiro da frente começou a parar os cavalos de vez em quando para procu-
rar a estrada. Então, assim que parávamos, ouvia-se mais fortemente o uivar do vento
e via-se melhor a enorme quantidade de neve que ele lançava ao alto. Aparecia-me a
�igura baixa do cocheiro, sob a luz da lua encoberta pela tempestade, com o cabo do
chicote na mão, com o qual ele sondava a neve diante de si, enquanto se movimentava
para trás e para frente pela treva iluminada, e de novo se aproximava do trenó, pulan-
do agilmente na boleia e de novo se ouviam, em meio ao monótono assobiar do vento,
gritos animados e sonoros e o retinir das sinetas. Quando o cocheiro da frente descia
da boleia para procurar sinais da estrada ou de medas, do segundo trenó toda vez se
ouvia a voz con�iante e animada de um dos cocheiros, que gritava ao da frente:
– Escute, Ignachka! Viramos demais à esquerda: pegue à direita, na direção do
vento. Ou: – Por que dá voltas, seu burro? Vá no sentido da neve, no rumo que a neve
se põe, pra lá é que deve ir. Ou: – Para a direita, para a direita, meu irmão! Veja, algo
escuro ali, um marco, eu acho. Ou: – Que confusão está fazendo! Que confusão! Desa-
trela o malhado, deixa que ele vá à frente, logo-logo ele volta pra estrada. É o melhor
negócio!
³Palavra da língua quirguiz que designa um casaco de inverno comprido, feito de lã grossa,
geralmente usado pela população rural.
Aquele mesmo que aconselhava, não só não desatrelava o cavalo lateral e não cami-
nhava pela neve em busca do caminho, como nem sequer tirava o nariz de dentro do
armiak e, quando o Ignachka da frente gritou, em resposta ao conselho de assumir a
dianteira, que, se sabia para onde ir, devia ele ir à frente, então o aconselhador respon-
deu que, se ele estivesse guiando a troica do correio, então iria e certamente acharia a
estrada.
– Mas, no turbilhão de neve, nossos cavalos não vão à frente – gritou ele, – não são
desse tipo.
– Então não meta a colher! – respondeu Ignachka, assoviando alegremente aos ca-
valos.
O outro cocheiro, sentado no trenó junto com o aconselhador, não retrucava e, em
geral, não se intrometia no negócio, embora ainda não dormisse, conclusão que tirei
pelo cachimbinho sempre aceso e pelo fato de que eu ouvia seu falar compassado e
ininterrupto quando parávamos. Ele estava contando uma estória. E apenas quando
Ignachka parou pela sexta ou sétima vez, pelo visto irritado por interromperem o
prazer da corrida, ele gritou:
– Ei, por que parou de novo? Vixe, quer achar a estrada! Olha a nevasca aí! Agora
nem o agrimensor, nem ele encontra essa estrada. Vá andando enquanto os cavalos
levam. E que não morra congelado... vamos, toca!
– Que nada! Dizem que no ano passado um carteiro morreu congelado! – replicou
meu cocheiro.
O cocheiro da terceira troica não acordava de jeito nenhum. Certa vez, durante uma
parada, o conselheiro gritou:
– Filipp! Ei, Filipp! – E, sem ter recebido resposta, observou: – Será que morreu con-
gelado? Você, Ignachka, olhe lá.
Ignachka, pau pra toda obra, aproximou-se do trenó e pôs-se a cutucar o adormecido.
– Vixe, a garra�inha desmontou o homem! Congelou? Diga aí! – disse Ignachka, ba-
lançando o outro.
O adormecido rosnou algo e praguejou.
– Está vivo, irmãos!– disse Ignachka e de novo correu para a frente; e nós partimos
de novo e até tão rapidamente que o baio lateral da minha troica, incessantemente
açoitado na cauda, mais de uma vez saltou num galope desengonçado.
VI