Depressão Pós P Arto
Depressão Pós P Arto
Depressão Pós P Arto
DOI: http://dx.doi.org/10.177651/1983-1870.2018v11n1p81-88
Bruna Rafaele Milhorini Greinert Resumo: O objetivo deste estudo foi analisar como a sintomatologia
Psicóloga, Mestre em Promoção da Saúde. Docente depressiva em mulheres no período pós-parto influencia na relação
do departamento de Psicologia do Centro Universitá- mãe-bebê. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, em que foram entre-
rio de Maringá (Unicesumar), Brasil. vistadas seis mães com idade entre 20 e 38 anos, atendidas em uma
Unidade Básica de Saúde e que apresentaram sintomas depressivos no
Eliete dos Reis Carvalho período pós-parto. Para a coleta de dados, utilizou-se a entrevista se-
Enfermeira. Mestre em promoção da saúde. Docente miestruturada. Os resultados obtidos, a partir da análise de conteúdo,
do colegiado de enfermagem da Faculdade de Educa- possibilitaram a compreensão de que os sintomas depressivos mater-
ção, Ciências e Filosofia de Mandaguari. Instrutora da nos afetam a relação mãe-bebê e a identificação de três categorias: a
saúde do SENAC-PR, Brasil. ambivalência afetiva na díade, a dificuldade materna na amamentação
Hellen Capel e a instabilidade no sono do bebê. Conclui-se que a mulher no perío-
do gravídico-puerperal necessita de apoio e suporte psicológico, a fim
Psicóloga pelo Centro Universitário de Maringá (Uni-
de reconhecer, prevenir e intervir sobre os fatores que interferem na
cesumar), Brasil.
sua saúde mental e promover o desenvolvimento saudável da relação
mãe-bebê.
Andréa Grano Marques
Psicóloga, Doutora em Pediatria pela Universidade Palavras-chave: Maternidade; Saúde Mental; Saúde Materno-infan-
Federal de São Paulo. Docente Titular do Curso de til.
Psicologia e do Programa de Mestrado em Promoção
da Saúde do Centro Universitário de Maringá (UNICE-
SUMAR). Bolsista do Programa de Produtividade em
Pesquisa do Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia MOTHER-INFANT RELATIONSHIP WITHIN THE
e Inovação (ICETI), Brasil. CONTEXT OF POST-PARTUM DEPRESSION: A
Rute Grossi Milani
QUANTITATIVE ANALYSIS
Docente Titular no Departamento de Psicologia e nos Abstract: Current study analyzes how depressive symptomology in
Programas de Mestrado em Promoção da Saúde e Tec-
nologias Limpas do Centro Universitário de Maringá
females during the post-partum period affects the mother-infant beha-
(UNICESUMAR). Bolsista do Programa de Produtivi- vior. Qualitative research comprised interviews with six mothers, aged
dade em Pesquisa do Instituto Cesumar de Ciência, between 20 and 38 years, attended to at a Basic Health Unit, and who
Tecnologia e Inovação (ICETI), Brasil. exhibited symptoms of depression during the after-birth period. The
half-structured interview was employed for data collection. Results
from content analysis revealed that mother´s depression symptoms
affected the mother-child relationship within three categories: affective
ambivalence during dyade, mother´s difficulties in breast feeding and
instability in the infant´s sleep. During the pregnancy-puerperal pe-
riod, the mother has to be psychologically supported to acknowledge,
prevent and interfere on factors that affect her mental health and pro-
mote the healthful development in mother-child relationship.
INTRODUÇÃO
Autor correspondente:
Bruna Rafaele Milhorini Greinert
E-mail: brunamilhorini@hotmail.com Todo recém-nascido necessita do acolhimento parental para
que consiga sobreviver. A mãe, por meio de seus cuidados, é a principal
82 A relação mãe-bebê no contexto da depressão pós-parto: estudo qualitativo
responsável por acolher este novo ser e assim contribuir Pesquisas revelam que a depressão materna
para seu desenvolvimento saudável¹. Porém, em casos de pode afetar a interação mãe-filho e gerar implicações
depressão pós-parto (DPP) a função materna pode estar para o desenvolvimento da criança, especialmente sobre
fragilizada, gerando dificuldades à mãe para exercer a a linguagem. De acordo com tais estudos, mães depressi-
maternagem ao recém-nascido. As mães depressivas, em vas possuem menos capacidade para interagir, portanto
sua maioria, sentem-se incapazes para realizar o cuidado conversam menos com os seus bebês e apresentam me-
materno e despreparadas para enfrentarem os desafios nos contato físico, o que pode acarretar desordens lin-
da maternidade². guísticas, comportamentais, afetivas, cognitivas e sociais
Em um estudo de base populacional, realizado à criança, além de repercutir negativamente na díade
no Brasil, constatou-se a alta prevalência da patologia no mãe-bebê4-6.
país, cerca de 26,3% das brasileiras apresentaram sinto- Mulheres com depressão pós-parto também po-
mas depressivos após o parto, ou seja, uma a cada quatro dem apresentar dificuldades quanto à amamentação; es-
mães foram atingidas pela DPP. A pesquisa revelou im- tudos revelaram a associação entre a depressão pós-parto
portante problema de saúde pública, pois a sintomatolo- e o abandono do aleitamento materno exclusivo7-8. Em
gia depressiva da mãe está associada a maior vulnerabili- uma pesquisa que cujo objetivo foi analisar a influência
dade social vivenciada pela mulher, como baixa condição da saúde mental materna sobre o estado nutricional in-
financeira, antecedentes de transtorno mental e hábitos fantil em bebês no sexto mês de vida, descreveu que filhos
não saudáveis³.
de mães com transtornos mentais graves ou deprimidas
No período gravídico-puerperal a mulher viven-
apresentaram maior índice de deficiências nutricionais.
cia profundas transformações fisiológicas que interferem
Também foi constatado que filhos de mães com depres-
em sua produção hormonal e acarretam visíveis modi-
são obtiveram escores nutricionais inferiores ao de crian-
ficações corporais. Associado às alterações biológicas,
ças com mães sem depressão. Tal estudo concluiu que
a mulher pode apresentar dúvidas, angústias, medos e
a saúde mental da mãe está positivamente associada ao
receios relacionados ao nascimento de um filho e à sua
estado de desnutrição de crianças aos seis meses de vida9.
capacidade de cuidar de um bebê².
A depressão materna também pode estar relacio-
Os impactos da depressão pós-parto vão além do
nada a alterações no sono do bebê. A associação entre
mundo interno da mãe e podem repercutir no vínculo
as alterações no sono de bebês aos 12 meses de vida e a
afetivo que permeia a díade. Pelo fato do recém-nascido
ser totalmente dependente, a relação que este estabelece depressão pós-parto foi descrita na literatura. Segundo a
com a figura materna configura-se como primordial para pesquisa, a depressão pós-parto exerce influência direta
seu desenvolvimento. Portanto, é necessário entender de nas alterações do sono infantil, como o despertar notur-
que forma a depressão pós-parto pode exercer influência no e o sono agitado da criança. Os autores salientaram a
na relação mãe-bebê. necessidade de atenção à saúde mental das mães, a fim
Uma puérpera que apresenta depressão pós-par- de propor intervenções que visem a prevenção de agra-
to pode manifestar atitudes variadas que irão permear vos e danos para o desenvolvimento infantil10.
sua relação com o filho, como maior hostilidade, rejei- Dentre as principais teorias que abordam a
ção, negligência e agressividade, bem como menor afe- saúde mental materna e sua associação com o desenvol-
tividade e maior ansiedade nos cuidados maternos.4 Um vimento infantil, destaca-se a teoria winnicottiana. De
estudo que analisou as interações entre mãe-bebê aos 18 acordo com Winnicott, mães que apresentam depressão
meses de vida constatou que mães deprimidas tendem pós-parto possuem uma forma diferenciada para realizar
a apresentar altos níveis de estresse e de estabelecerem os cuidados maternos quando comparadas às mães sem
interações intrusivas com a criança. Para os autores, a o transtorno. Pelo fato destas mulheres desenvolverem
depressão materna acarreta efeitos indesejáveis sobre a sintomas depressivos, a qualidade e a dedicação nos cui-
díade mãe-bebê e pode influenciar negativamente o de- dados maternos para com a criança podem aumentar ou
senvolvimento da criança5. diminuir excessivamente. O autor discorre sobre a ne-
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Tabela 1. Caracterização das mulheres entrevistadas, cuidados maternos, sinalizando que estas mães possivel-
especificando idade, estado civil e tempo de duração dos mente estão com dificuldades para enfrentar os desafios
sintomas depressivos após o parto desta nova fase e ofertar ao filho o acolhimento genuíno,
Tempo de duração pela sua inconstância afetiva.
Entrevistadas Idade Estado civil
dos sintomas Mães com depressão pós-parto se deparam com
E1 20 Solteira 3 meses duas facetas da emoção, a alegria da chegada do bebê e
E2 20 Casada 4 meses a cruel tristeza decorrente desse fato. Os relatos das par-
E3 22 Solteira 4 meses ticipantes da pesquisa sugerem que mães com depressão
E4 23 Casada 4 meses pós-parto sofrem com a contradição entre o comporta-
E5 35 Casada 4 meses mento acolhedor e protetor esperado socialmente e os
E6 38 Casada 5 meses
sintomas provocados pela patologia, que se manifestam
Fonte: dados da pesquisa por meio de raiva, alta irritabilidade e rejeição ao filho.
Mães depressivas apresentam menor capacidade de inte-
Ambivalência afetiva na díade ração com a criança e estabelecem menos contato físico
com seus filhos6-17. Tais considerações são concordantes
Mulheres com depressão pós-parto podem apre- com os achados em nosso estudo, conforme os relatos
sentar sentimentos variados em relação à criança e que apresentados a seguir:
irão influenciar sua relação com o filho, tais como rejei-
“Eu gostava dela, mas eu não tinha
ção, negligência, agressividade e maior hostilidade. Essas paciência, se ela chorava eu não
mães podem apresentar maior ansiedade para realizar queria olhar, eu queria ela longe, ali
os cuidados maternos e menos afetividade para com o sabe”. (E2)
“Eu tinha desprezo sabe, não tenho
bebê4. Com base nos relatos das mulheres entrevistadas, vergonha de falar. Hoje eu amo ela,
pôde-se verificar a ambivalência afetiva presente na díade ela é tudo na minha vida, mas antes
mãe-criança.Tais fatos foram constatados em nosso estu- eu não queria ela, não amava, não
conseguia. Parece que ela veio pra
do, pois as mães relataram sentimentos aversivos em re-
me atrapalhar”. (E3)
lação à criança:
Mães com depressão pós-parto possuem dificul-
“Eu não cuidava dela, não gostava de
ficar perto”. (E4) dades para identificar as demandas do filho e não reco-
“Raiva, era isso que eu sentia, eu tinha nhecem o real significado do choro da criança.12 Nota-se
raiva, não queria ficar perto, na gravi- nos relatados apresentados que a mãe, frente ao choro da
dez me saiu muita estria sabe, aí eu me
olhava no espelho, estava gorda e com
criança, via-se desestabilizada e sem condições para dar
aquelas estrias, eu chorava e colocava significado à angústia do filho e nem identificar sua real
a culpa nele, eu tinha raiva”. (E1) necessidade. O desprezo e a negligência demonstrados
pelos relatos podem ser vistos como uma forma das mães
A base para a constituição psíquica do ser huma- em se defender da angústia que permeia sua relação com
no é decorrente dos primórdios da díade, pois a criança o bebê, pois não possuem condições para oferecer cuida-
necessita da presença afetiva e constante do outro, sendo do à criança, tão pouco continência materna.
a mãe a principal responsável por acolher seu modo sin- As mães entrevistadas apresentaram dificuldade
gular e espontâneo de vir ao mundo.16 A maternidade é em oferecer apoio e segurança a seus bebês, visto que,
considerada um momento que requer da mulher intensas muitas sentiam repulsa e raiva da criança, e culpavam os
adaptações de sua vida e o aprendizado de novos cuida- filhos pelas dificuldades geradas pela gravidez. A ambiva-
dos dispensados a um bebê, tais fatores exigem da mãe lência afetiva demonstrada pela mãe em relação à criança
maturidade emocional para lidar com as mudanças advin- é, na realidade, reflexo da instabilidade emocional que
das deste período.11 Nos relatos analisados, nota-se a ins- permeia o mundo materno.
tabilidade afetiva por meio da raiva e da negligência aos
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ção. Por se sentirem inseguras, com medo ou até por falta Em crianças com até dois anos de vida, o sono é
de apoio e orientação, algumas mães deixam de amamen- o responsável por revelar a qualidade da interação exis-
tar seus filhos precocemente, o que pode gerar sentimen- tente entre pais e filhos. A mãe, por sua vez, é vista como
to de frustração em relação ao exercício da maternidade. a guardiã do sono de seu filho20. Nesta perspectiva, pode-
A fragilidade materna é um importante aspecto a se inferir que as mães entrevistadas demonstram dificul-
ser considerado, pois devido à sintomatologia depressiva dades para exercer seu papel como protetora do sono da
a mãe pode estar emocionalmente instável e apresentar criança, e tais alterações apresentadas pelos bebês indi-
dificuldades para exercer os cuidados primários à crian- cam falhas na díade.
ça. Ao demonstrar fragilidade em relação à amamentação As dificuldades de sono de um bebê estão re-
pode não ser compreendida pelos profissionais de saúde lacionadas à sua separação da mãe, o que requer muita
e familiares, já que este é um comportamento materno es- tolerância e serenidade por parte do cuidador. Quando
perado culturalmente. Reconhecer a fragilidade materna é o ambiente onde a criança está inserida é incapaz de
de extrema importância para que seja possível ofertar não tolerar suas angústias, as dificuldades do sono irão per-
somente apoio à criança, mas também à mãe, acolhendo sistir, pois estão ligadas às condições emocionais de seu
suas angústias e frustrações. Neste sentido, é fundamen- cuidador²¹. Mediante tais considerações, percebe-se que
tal que os profissionais de saúde envolvidos no processo as mães de nosso estudo por estarem deprimidas e emo-
gravídico puerperal ofereçam suporte emocional e escuta cionalmente vulneráveis apresentaram dificuldades para
diferenciada acerca das dificuldades presentes na ama- conter suas próprias angústias advindas da maternidade
mentação, a fim de fortalecer a díade mãe-bebê. e, consequentemente, não possibilitaram à criança con-
dições favoráveis para que ocorra a separação gradativa.
Instabilidade no sono A instabilidade no sono simboliza as dificuldades que o
bebê tem para encontrar em sua mãe uma figura que lhe
Em relação às alterações no sono do bebê, obser-
proporcione segurança.
varam-se certas dificuldades relatadas pelas mães que par-
Com base nestas considerações, pode-se inferir
ticiparam deste estudo, tais como o sono leve, agitado e
que as mães demonstraram dificuldades para acolher e
de curta duração. Um dos fatores associados às alterações
conter a angústia do filho. Tais fatores estão interligados
no sono de bebês seria a presença de sintomas depressi-
às alterações no sono da criança, uma vez que a mãe
vos maternos. O despertar noturno e o sono agitado da
emocionalmente fragilizada, pode estar menos fortaleci-
criança são influenciados pela patologia das mães10. Esse
da para suportar e atender as demandas de cuidado do
fato foi constado em nosso estudo mediante os relatos
seu bebê.
apresentados a seguir:
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quisa possibilitaram a compreensão de que os sintomas 6. Carlesso JPP, Souza APR. Dialogia mãe-filho em con-
depressivos maternos interferem na relação mãe-criança, textos de depressão materna: revisão de literatura.
4. Servilha B, Bussad VSR. Interação Mãe-Criança e De- 16. Cambuí HÁ, Neme CMB, Abrão JLF. A constituição
senvolvimento da Linguagem: A Influência da Depres- subjetiva e saúde mental: contribuições winnicottia-
são Pós-Parto. Psico. 2015;46(1):101-109. nas. Ágora (Rio de Janeiro), 2016;19(1):131-45.
5. Alvarenga P, Palma ES. Indicadores de Depressão Ma- 17. Cunha AB, Riscken JX, Lima P, Gil S, Cyrino LA. A Im-
terna e a Interação Mãe-Criança aos 18 Meses de Vida. portância do acompanhamento psicológico durante a
Psico, 2013;44(3):402-10. gestação em relação aos aspectos que podem preve-
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