A Arbitrabilidade Do Ato Administrativo À Luz Do Novo CPTA
A Arbitrabilidade Do Ato Administrativo À Luz Do Novo CPTA
A Arbitrabilidade Do Ato Administrativo À Luz Do Novo CPTA
Março de 2016
Conclui-se que nenhum dos critérios se adequa a este ramo do direito, pelo que coube ao
legislador definir casuisticamente as matérias arbitráveis.
Perante o novo regime impôs-se uma análise critica sobre a ratio da consagração da
arbitrabilidade da legalidade dos atos administrativos e da expressa subtração à competência
dos tribunais arbitrais das questões relativas à conveniência, oportunidade e mérito do ato
administrativo.
ABSTRACT: With the recent amendment of the CPTA (Code of Procedure in Administrative
Courts), it became necessary to scalping about the arbitrability of the administrative act.
To this end we spoke up about the arbitrability criteria in general in order to define the
contours of the problem in the headquarters of the legal and administrative matters, maxime
administrative act.
Arrivals to the conclusion that none of the criteria to suit this branch of law, it was up to the
legislator casuistically set arbitrable matters.
Before the new regime has set itself a critical analysis on the ratio of the consecration of
arbitrability of the legality of administrative acts and expressed subtracting the competence
of arbitral tribunals of issues relating to convenience, opportunity and merits of the
administrative act.
2
SUMÁRIO:
Conclusões
Bibliografia
Jurisprudência
3
1. Introdução. A arbitrabilidade administrativa no novo CPTA
Quanto à arbitrabilidade subjetiva, permite-se que “(o) Estado e outras pessoas colectivas de
direito público (possam) celebrar convenções de arbitragem, na medida em que para tanto
estejam autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objecto litígios de direito
privado”5 6.
A este propósito importa discernir sobre duas situações. Numa primeira, o ente público atua
em posição de paridade com os particulares e, neste caso, os litígios poderão ser submetidos
à arbitragem nos exatos termos em que o são os litígios entre particulares; numa segunda,
quando a Administração Pública atua com prerrogativas de autoridade. Nesta sede as
questões poderão ser também submetidas ao juízo arbitral.
1
De ora em diante designado por CPTA.
2
Referimo-nos às questões relativas a contratos, incluindo os respetivos atos de execução, responsabilidade
extracontratual da Administração e questões relativas ao funcionalismo público.
3
Cfr. RAÚL VENTURA, “Convenção de Arbitragem” in Revista da Ordem dos Advogados, 1986, Ano 46, p. 317 e
ANTÓNIO SAMPAIO CARAMELO, “A disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio – reflexões de
jure condendo” in Temas de Direito da Arbitragem, Coimbra, Coimbra editora, 2013, p. 71.
4
O conceito de arbitrabilidade possui grande elasticidade, relacionando-se com escolhas políticas do legislador
capazes de influenciar, a consagração ou não da arbitragem enquanto forma alternativa de resolução de litígios.
5
Cfr. art. 1º n.º 5 da NLAV.
6
Esclareça-se que a formulação arbitrabilidade subjetiva no Direito Administrativo relaciona-se diretamente
com questões de interesse público e não tanto com a proteção dos interesses e incapacidades do inapto. Mas
não deixa de ser uma questão de (in)capacidade jurídica das pessoas coletivas públicas cuja prévia análise é
incontornável.
4
A determinação da arbitrabilidade objetiva revela-se, porém, fundamental, sobretudo no que
O CPTA, no seu art. 180º, consagra uma espécie de regime geral aplicável à arbitragem nas
relações jurídico-administrativas, sem prejuízo da existência de regimes especiais, tal como
prevê expressamente o seu n.º 1.
7
Situação, aliás, acolhida no mesmo preceito.
8
De ora em diante designado por NLAV.
5
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2. Critérios de arbitrabilidade administrativa
O art. 1º, n.º 1 da NLAV refere que são arbitráveis quaisquer litígios respeitantes a direitos
patrimoniais, independentemente de se tratar de matéria disponível ou indisponível.
Durante muito tempo entendeu-se que o critério de arbitrabilidade vertido no art. 180º, n.º
1, al. c) do anterior CPTA seria o da disponibilidade (de direitos e poderes), o qual restringia
as matérias objeto de arbitragem.
Esta posição não mereceu a nossa concordância. Desde logo, não consideramos que, quer no
âmbito contratual, quer no âmbito da responsabilidade civil, a Administração se encontre
num domínio de disponibilidade. Nestas matérias, a Administração não goza de uma
9
Neste sentido, SÉRVULO CORREIA, “Arbitragem Voluntária no domínio dos Contratos Administrativos”, in Estudos
em memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa, 1995, pp. 235 ss.
10
PEDRO GONÇALVES, O contrato administrativo. Uma instituição do Direito Administrativo do nosso tempo,
Almedina, Coimbra, 2003, p. 43.
6
autonomia semelhante à dos privados. Não esqueçamos que o único fim que a Administração
Sobretudo por esta razão o critério da disponibilidade nunca encontrou “guarida” no art.
180º do CPTA.
Atentemos no art. 180º do CPTA, respetivamente nas suas, alíneas a) e c), nos termos das
quais são arbitráveis as seguintes questões: respeitantes a contratos, incluindo a anulação
ou declaração de nulidade de atos administrativos relativos à respetiva execução;
respeitantes à validade de atos administrativos, salvo determinação legal em contrário.
A análise empreendida permite-nos retirar a seguinte ilação: pelo facto de algumas situações
se encontrarem nas veredas da indisponibilidade da Administração e poderem ser
11
Dispõe o art. 307º, n.º 2 do CCP que “revestem a natureza de acto administrativo as declarações do
contraente público sobre a execução do contrato que se traduzam”.
12
A confirmar a posição, cfr. Acórdão do TCAN de 03.07.2013 (José Augusto Araújo Veloso) in
http://www.dgsi.pt/ (10.12.2015), “Porém, o objecto possível da arbitragem em matérias jurídicas próprias da
jurisdição administrativa parece ter beneficiado de um considerável alargamento com a entrada em vigor do
artigo 180º n.º1 alínea a) do CPTA. Na verdade, apesar de na LAV de 1986, que estava em vigor na altura do
início de vigência do CPTA [01.01.2004], se excluir do âmbito da arbitragem voluntária os litígios respeitantes a
direitos indisponíveis, e de estar a ser maioritariamente entendido que tal indisponibilidade integrava o
contencioso de legalidade de actos administrativos, certo é que o legislador do CPTA, nessa alínea, incluiu
naquele âmbito, de modo expresso, «…a apreciação de actos administrativos relativos à execução» do
contrato”.
13
ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, embora admitindo a abertura da arbitrabilidade ao campo da legalidade dos atos
administrativos, entende que se a relação contratual administrativa podia ser objeto de apreciação por juízes
privados, nada obstava a que os actos administrativos surgidos no âmbito da mesma – i.e, num campo de
disponibilidade – fossem, de modo similar, submetidos a árbitro - A arbitragem de litígios entre entes públicos,
Coimbra, Almedina, 2007, p. 58.
14
Neste sentido cfr. JOSÉ ROBIN ANDRADE, “Arbitragem e contratos públicos” in Estudos de Contratação Pública I,
Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 952-953 e FAUSTO QUADROS, o qual considerou haver um abandono do
critério da disponibilidade “as alíneas a), 2ª parte, e c), do citado artigo 180º, n.º1 do CPTA, alarga o âmbito da
arbitragem às questões ligadas ao contencioso de legalidade de actos administrativos (…) o CPTA abandonou o
carácter indisponível dessas questões, que resultava do artigo 1º, n.º1 da LAV”, “A arbitragem em Direito
Administrativo”, in Mais Justiça Administrativa e Fiscal – Arbitragem 1ª edição, Coimbra, Coimbra Editora,
2010, p. 111.
15
O critério da disponibilidade foi o critério eleito para a arbitragem em geral até 2011.
7
arbitráveis. Torna-se agora clara na lei a inaceitabilidade como critério de arbitrabilidade
Reitere-se, por outro lado, que a inarbitrabilidade, no que concerne à (i)legalidade dos atos
administrativos, não se encontra alicerçada no critério da disponibilidade, pois é permitida
aos tribunais arbitrais a apreciação da legalidade dos atos pré contratuais, bem como dos
atos relativos à execução dos contratos e ainda dos atos relativos ao funcionalismo público.
Parece-nos que as razões que fundamentam a arbitrabilidade dos aludidos atos são as
mesmas que fundamentam a arbitrabilidade da legalidade de todos os demais atos
administrativos, argumento, aliás, explicitado na nova redação do art. 180º, n.º1, al. c) do
CPTA.
16
ANTÓNIO SAMPAIO CARAMELO, “Critérios de Arbitrabilidade dos Litígios. Revisitando o Tema”, in temas de Direito
da arbitragem, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, pp. 268.
17
ANTÓNIO SAMPAIO CARAMELO propõe para aceitação deste critério, embora com inúmeras reticências, a respetiva
subdivisão em disponibilidade em sentido forte e disponibilidade em sentido fraco. A convenção de arbitragem
enquanto ato de disposição “exige que para este fim se considere o direito em causa tal como se configura no
momento da celebração da convenção de arbitragem. Com efeito, que que tem de ser relevante para este
efeito não é a disponibilidade que o direito em causa assumirá porventura no futuro (…) mas sim o facto de
essa disponibilidade existir no momento em que se trata de celebrar a convenção de arbitragem. Quanto
àqueles direitos que não são licitamente renunciáveis na data em se indague se as partes podem obrigar-se a
submete-los a arbitragem, embora possam vir a ser renunciados em momento futuro. Segundo o autor não
deve admitir-se a estipulação de uma cláusula compromissória, embora seja admissível a celebração de um
compromisso arbitral quando tais direitos se tornarem efetivamente disponíveis”
18
RAÚL VENTURA, “Convenção de arbitragem”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 46, setembro de 1986,
pp. 289-413, ALEXANDRA LEITÃO, A protecção judicial de terceiros nos contratos da Administração pública,
Coimbra, Almedina, 2002, p. 402 e SÉRVULO CORREIA, “A arbitragem voluntária no domínio dos contratos
administrativos”, in Estudos em memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Lisboa, Lex, 1995 pp.
234 e 235.
19
Alguma doutrina entendia que, pelo contrário, no contencioso de anulação será apreciada um comportamento
unilateral da Administração na definição de uma dada situação jurídica, pelo que neste caso encontrar-nos-
íamos nos limites da disponibilidade, uma vez que a Administração estaria a dispor da própria fiscalização
8
As partes, ao submeterem determinada questão ao Tribunal arbitral, não dispõem da
Ora, o art. 124º, n.º 4, al. a) Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril autoriza que possam ser
objeto de arbitragem fiscal os atos de liquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por
conta, de fixação da matéria tributável (quando não deem lugar a liquidação de
indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de atos
tributários), os atos administrativos de liquidação, os atos de fixação de valores patrimoniais
e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária.
Pergunta-se: Se a legalidade dos atos tributários referidos pode ser arbitrável, por que razão
a legalidade dos atos administrativos em geral não poderá sê-lo também?
O legislador veio dissipar quaisquer dúvidas sobre a arbitralidade da legalidade dos atos
administrativos no art. 180º, alíneas a) e c) do CPTA, permitindo-a.
jurisdicional dos seus atos administrativos. Cfr., MARCELO REBELO DE SOUSA, “As indemnizações por
nacionalização”, in ROA, ano 49, 1989, pp. 382. Não poderemos corroborar este entendimento, pois como já
referido anteriormente não se trata de uma delegação de disponibilidade por parte da Administração. A posição
de alguma doutrina no sentido de defender a aplicabilidade do critério da disponibilidade à arbitragem
administrativa fundamentava-se sobretudo no art. 1º da LAV de 1986, que estabelecia o critério da
disponibilidade como critério de arbitrabilidade para as arbitragens em geral.
20
Na mesma esteira JOÃO CAUPERS entende que “ (a)s competências são incontestavelmente poderes jurídicos
mas não constituem direitos subjectivos (…) elas visam a realização de um interesse público da colectividade-
estadual ou outra- que institui a pessoa colectiva pública a que tal órgão pertence”, Introdução ao Direito
Administrativo, Lisboa, Âncora Editora, 2013, p. 546.
9
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2.2. Critérios da discricionariedade e da revogabilidade do ato
administrativo
A redação anterior do art. 180º, n.º 1, al. c) do CPTA dispunha que poderiam ser apreciadas
pelo tribunal arbitral questões relativas a atos administrativos revogáveis sem fundamento
na sua invalidade, nos termos da lei substantiva. Seriam estes atos, os únicos, em regra,
passíveis de arbitrabilidade. Falamos dos atos administrativos válidos, revogáveis tão só por
razões de mérito, conveniência ou oportunidade, nos termos do art. 167º do Novo Código de
Procedimento Administrativo21 22 23 24.
21
De ora em diante designado por NCPA.
22
Segundo o entendimento dominante, introduzia-se consequentemente na ordem jurídica interna a designada
“arbitragem de mérito”, a qual teria como fim apreciar a conveniência ou oportunidade de atos administrativos.
Questão que trataremos adiante.
23
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Sobre o âmbito das matérias passiveis de arbitragem de direito administrativo em
Portugal”, in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, vol. II, Coimbra, Almedina, 2012, pp.13.
Neste sentido, JOÃO CAUPERS, “A arbitragem na nova justiça administrativa”, in CJA, n.º 34, p.67; JOÃO MARTINS
CLARO, “A Convenção de Arbitragem Administrativa”, in Quarta Conferência – Meios Alternativos de Resolução
de Litígios, Ministério da Justiça, Lisboa, 2005, pp. 42 a 44; PAULO OTERO, “Admissibilidade e limites da
arbitragem voluntária nos contratos públicos e nos atos administrativos”, in II Congresso do Centro de
Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Coimbra, 2009, pp. 88 e 89.
24
Houve quem tentasse combinar os critérios da disponibilidade e da discricionariedade. Por conseguinte,
entende essa doutrina que o artigo 180º, n.º1, al.c) do CPTA permitiria a apreciação pelo tribunal arbitral de
questões relativas a atos discricionários, na medida em que tais atos, ao poderem ser revogados por razões de
mérito, conveniência ou oportunidade, se encontrariam na disponibilidade da Administração. Como,
simultaneamente, não seria objeto de fiscalização a sua conformidade com o princípio da legalidade, haveria
aqui um espaço, um domínio próprio da Administração, em que o tribunal não pode penetrar, e por isso,
também aqui esta estaria numa situação de disponibilidade das situações jurídicas subjacentes. Para esta
doutrina, em suma, seriam passíveis de arbitrabilidade os atos válidos praticados no exercício de poderes
públicos que não tivessem um conteúdo estritamente vinculado, na medida em que, no que se refere à
respetiva margem de livre apreciação/decisão, a Administração teria uma disponibilidade das situações
jurídicas. O critério da disponibilidade mistura-se assim com o critério da discricionariedade, os quais em
conjunto integram o elenco dos possíveis critérios de arbitrabilidade no direito administrativo. Questão que na
atualidade foi completamente ultrapassada pelo novo CPTA. Tentativa de configuração de um novo critério
desenvolvido por BÁRBARA MAGALHÃES BRAVO na sua dissertação de Doutoramento subordinada ao tema, A
arbitrabilidade do ato administrativo, Porto, Universidade Portucalense, 2015, em revisão para publicação.
10
interesses de natureza patrimonial, desde que as partes possam celebrar transacção sobre o
A NLAV é uma lei de caráter geral aplicável a todo o tipo de arbitragens, exceto quando lei
especial estabeleça um critério de arbitrabilidade diferente.
Esta conceção assenta no facto de os árbitros exercerem também o poder jurisdicional e, por
tal razão, não se justificar a subtração dos litígios jurídico-administrativos àqueles.
Não nos parece descabida a aplicação do critério da patrimonialidade aos litígios jurídico-
administrativos. Mesmo que estes não se encontrem no âmbito do critério da
patrimonialidade, sempre poderíamos lançar mão, subsidiariamente, do critério da
transigibilidade, nos termos do art. 1º da NLAV.
Não obstante, parece-nos que este critério deixa fora do alcance da arbitragem algumas
matérias administrativas27, designadamente os atos administrativos estritamente vinculados.
V.g. o ato de concessão ou renovação de autorização de residência temporária ou
permanente (arts. 77º, 78º e 80º da Lei 23/2007 de 4 de julho).
25
Transacionar o direito “significa que, em dado momento da sua existência, é lícita a possibilidade de sobre o
direito controvertido ser celebrado acordo (…) a sua constituição na esfera jurídica do titular é o momento
relevante. Não podem ser renunciados antes que se verifique essa titularização (…)”, MANUEL PEREIRA BARROCAS,
Lei da arbitragem comentada, Coimbra, Almedina, 2013, p. 28.
26
MANUEL PEREIRA BARROCAS, Lei da arbitragem comentada, Coimbra, Almedina, 2013, p. 26.
27
Neste sentido MARIA FERNANDA MAÇÃS, “Notas sobre um modelo adequado de arbitragem administrativa à luz
da revisão do CPTA”, Newsletter do CAAD, janeiro, 2015, p. 6.
11
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3. Da arbitrabilidade dos atos administrativos em especial
Entendemos, e quase por exclusão de partes, que o anterior art. 180º, n.º 1, al. c) só
poderia abarcar uma arbitragem de juridicidade (de controlo da observância pela
Administração dos princípios que limitam o poder discricionário) e não de mérito.
O que aquela norma visava era afastar o controlo dos atos estritamente vinculados da
Administração da competência dos tribunais arbitrais administrativos, querendo abranger
com a expressão “invalidade” apenas as ilegalidades da jurisdição arbitral (invalidantes) em
sentido estrito. Consequentemente, a competência de controlo pelos tribunais arbitrais da
conformidade dos atos discricionários com os princípios constitucionais e legais limitadores
do poder discricionário encontrar-se-ia restringida.
28
Cfr. MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, “A arbitragem no projeto de revisão do CPTA”, in Revista Julgar, n.º 26,
Coimbra, Coimbra Editora, 2015, pp. 106-107.
12
administrativa e, se tal ilegalidade for suscitada no decurso da instância, o tribunal arbitral
Resumindo, em consonância com o atual art. 180, n.º 1, al. c) do CPTA, os tribunais arbitrais
poderão dirimir litígios sobre a validade dos atos administrativos.
Mas aprofundemos um pouco mais a possibilidade – que neste momento se coloca apenas no
plano do direito a constituir – de o tribunal arbitral controlar o mérito dos atos
administrativos, para além de sindicar a sua conformidade com a lei e o direito.
Segundo Paulo Otero “a autonomia pública constitui uma «reserva de decisão» do poder
administrativo, conferida pela lei e isenta de controlo jurisdicional”29.
Houve no entanto quem defendesse que os tribunais arbitrais poderiam apreciar o mérito
dos atos administrativos, escudando-se esta posição na anterior redação do art. 180º n.º 1,
al. c) do CPTA. A referida disposição legal não determinava apenas os atos administrativos
arbitráveis, mas também a competência do tribunal arbitral, no que concerne às matérias aí
descritas30.
Para este entendimento contribuiu também o art. 1º n.º 4 da NLAV, que possibilita a
arbitrabilidade de “questões que não tenham natureza contenciosa em sentido estrito”, o que
poderia veicular o entendimento de que os tribunais arbitrais poderiam apreciar do mérito,
da conveniência e da oportunidade da atuação administrativa.
Os tribunais arbitrais, tal como os tribunais judiciais, não poderão julgar do mérito, da
conveniência e da oportunidade dos atos administrativos, sob pena de uma ingerência
29
PAULO OTERO, Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, Coimbra, Coimbra Editora, 1992, p. 196.
30
Neste sentido LUIS CABRAL DE MONCADA, “A arbitragem no Direito Administrativo, uma Justiça Alternativa”,
Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, VII, Faculdade de Direito da Universidade do Porto,
2010, p. 173, JOÃO CAUPERS, “A arbitragem na nova justiça administrativa”, Cadernos de Justiça Administrativa
CJA, n.º 34, p. 67; JOÃO MARTINS CLARO, “A Convenção de Arbitragem Administrativa” in – Quarta Conferência –
Meios alternativos de resolução de litígios, ed. DGAE, Lisboa, 2005, pp. 42-44; PAULO OTERO, “Admissibilidade e
limites da arbitragem voluntária nos contratos públicos e nos atos administrativos”, in II Congresso do Centro
de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Coimbra, 2009, pp. 88-89.
13
inconstitucional dos tribunais na função administrativa. Os tribunais apenas se encontram
Subscrevemos esta última posição, aplaudindo por isso a alteração introduzida nestas
matéria no CPTA pelo legislador de 2015: na verdade, o princípio da separação de poderes,
tal como a Constituição o consagra, impede que as decisões jurisdicionais interfiram com o
poder discricionário da Administração, ou seja, que se imiscuam no mérito, na conveniência
e na oportunidade das escolhas administrativas, encontrando-se estas subtraídas ao controlo
quer dos tribunais judiciais, quer dos tribunais administrativos.
Importa referir o art. 3º n.º 1 do CPTA, normativo que dispõe que “(n)o respeito pelo
princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam
do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não
da conveniência ou oportunidade da sua atuação”.
Sendo o tribunal arbitral um verdadeiro tribunal, que exerce a função jurisdicional, encontra-
se também ele sujeito à aplicação estrita da lei, não podendo interferir nas competências da
Administração, sob pena de violação do princípio de separação de poderes32.
Para além disso, os tribunais arbitrais também se encontram vinculados às normas que
regulam o contencioso administrativo, as quais concretizam a imposição pelo princípio da
separação de poderes do respeito pelas decisões administrativas tomadas ao abrigo do poder
discricionário.
A titulo conclusivo entendemos pois que “a função da norma da alínea c) do n.º1 do art.
180º do CPTA, reside, portanto, apenas em identificar os atos administrativos cuja
apreciação (da sua legalidade) possa ser submetida a arbitragem, pelo que a citada norma
não tem por alcance atribuir aos tribunais arbitrais poderes de apreciação de mérito (da
oportunidade ou conveniência) da decisão administrativa, o que, a admitir-se constituiria
uma violação flagrante do princípio fundamental da separação de poderes, dado que à
jurisdição administrativa apenas compete julgar do cumprimento pela Administração do
31
Esta posição encontra-se intimamente ligada à tradicional conceptualização do critério da disponibilidade
enquanto critério de arbitrabilidade no Direito Administrativo “sendo passíveis de ser submetidas à apreciação
de árbitros as questões de Direito Administrativo que, por não dizerem respeito ao exercício de poderes
públicos, não teriam de ser dirimidas por estrita aplicação de disposições vinculativas e, no próprio âmbito do
exercício de poderes públicos, aquelas em que não houvesse vinculação legal, por a Administração beneficiar de
mais ou menos amplas margens de discricionariedade: essas seriam, pois, as questões cuja resolução se
encontraria na disponibilidade da Administração”, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Arbitragem e Direito Administrativo
– Algumas Considerações”, Newsletter do CAAD, n.º 1, 2013, p. 13.
32
O art. 180º n.º 1 alínea c) “não deve ser interpretado no sentido de possibilitar a constituição de tribunais
arbitrais aptos a formular juízos de mérito, em substituição da Administração, quanto aos termos do exercício
do poder discricionário desta quanto aos atos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na
sua invalidade, nos termos da lei substantiva”, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Sobre o âmbito das matérias passiveis
de arbitragem de direito administrativo em Portugal”, in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Vol. II,
Coimbra, Almedina, 2012, p. 22.
14
principio da legalidade da atuação administrativa, julgando à luz das regras e princípios
O novo CPTA reforça o exposto com a inclusão do n.º 2 no art. 185º o qual dispõe que “(n)os
litígios sobre questões de legalidade, os árbitros decidem estritamente segundo o direito
constituído, não podendo pronunciar-se sobre a conveniência ou oportunidade da atuação
administrativa, nem julgar segundo a equidade”34.
Uma vez analisada a questão do controlo dos atos discricionários pelo tribunal arbitral,
cumpre-nos agora discorrer sobre apreciação da legalidade dos atos por este tribunal.
O art. 180º, n.º 1, al. c) do CPTA dispõe que poderão ser arbitráveis “questões respeitantes
à validade de atos administrativos, salvo determinação legal em contrário”.
Desta forma, o legislador dissipou todas as dúvidas que existiam em torno da arbitrabilidade
no que respeita à legalidade do ato administrativo.
A apreciação da legalidade dos atos administrativos pelos tribunais arbitrais já era admitida
pelo art. 180º, n.º1, al. a) no que concerne aos atos de execução contratuais e aos atos pré
contratuais por maioria de razão, sendo também admitida, pelo mesmo dispositivo legal, a
arbitrabilidade de atos relativos a questões de emprego público e atos administrativos
ilegais, dos quais decorresse a responsabilidade da Administração.
Numa ação de responsabilidade por prejuízos causados por um ato administrativo, o tribunal
arbitral terá sempre e necessariamente que formular um juízo acerca da respetiva validade,
apreciando-a necessariamente a título incidental.
33
JOÃO PACHECO DE AMORIM, (entre outros) parecer jurídico, “A arbitrabilidade de questões referentes a relações
jurídico-administrativas emergentes de atos administrativos desfavoráveis aos particulares”, Porto, 2013, pp.
13-14.
34
Sobre a admissibilidade da equidade na arbitragem administrativa remeteremos para estudo posterior.
15
A outra enfermidade de que padecia o regime da arbitrabilidade dos atos administrativos
É sem dúvida de aplaudir a solução legal consagrada no art. 180º, n.º 1, al. c) do CPTA,
permitindo-se, deste modo, a arbitrabilidade da legalidade dos atos administrativos.
Conclusões
Os atos referidos no art. 2º, n.º 1 do RJAT são atos unilaterais, material e formalmente
administrativos, praticados pela Administração no uso dos seus poderes de autoridade.
A este propósito afirmam alguns que o elemento autoridade é, sem dúvida, a característica
preponderante nos atos tributários37.
Com a permissão da arbitragem dos atos tributários, o legislador derroga também o critério
da discricionariedade.
35
Neste sentido cfr. MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, “A arbitragem no projeto de revisão do CPTA”, in Revista
Julgar, n.º 26, Coimbra, Coimbra Editora, 2015, p. 105.
36
Não nos estenderemos sobre o tema, pois extravassa o âmbito do nosso estudo. No entanto, para mais
desenvolvimentos, cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Algumas notas sobre o regime da arbitragem tributária, in ISABEL
CELESTE FONSECA, A arbitragem administrativa e tributária - Problemas e desafios, Coimbra, Almedina, 2013, pp.
227-242; RUI RIBEIRO PEREIRA, ISABEL CELESTE FONSECA, A arbitragem administrativa e tributária- Problemas e
desafios, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 389-406; SAMUEL FERNANDES DE ALMEIDA, “Primeiras reflexões sobre a lei
da arbitragem em matéria tributária”, in Estudos em memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, Volume
V, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 381-416.
37
Cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, pp. 301-308, DIOGO FREITAS DE
AMARAL, Curso de Direito Administrativo Vol. II, Coimbra, Almedina, 2006, p. 87.
16
O legislador administrativo já caminha no sentido de uma mudança de paradigma,
Bibliografia
ALMEIDA, MÁRIO AROSO DE, Teoria Geral do Direito Administrativo, O Novo regime do Código de
Procedimento Administrativo, Coimbra, Almedina, 2015
ALMEIDA, MÁRIO AROSO DE, “Sobre o âmbito das matérias passiveis de arbitragem de direito
administrativo em Portugal”, in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, vol. II,
Coimbra, Almedina, 2012
ALMEIDA, SAMUEL FERNANDES DE, “Primeiras reflexões sobre a lei da arbitragem em matéria
tributária”, in Estudos em memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, Volume V,
Coimbra, Coimbra Editora, 2011
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