Hábitos Espirituais Prazer em Jesus Pela Graça Diária David Mathis
Hábitos Espirituais Prazer em Jesus Pela Graça Diária David Mathis
Hábitos Espirituais Prazer em Jesus Pela Graça Diária David Mathis
Não acho que tenha sido a intenção de David, mas seu título e subtítulo
são um quiasmo. E eu gostei tanto disso que vou construir meu prefácio em
torno disso. Um quiasmo (tirado da letra grega chi, que se parece com um
X) é uma sequência de pensamentos em que o primeiro e o último membro
correspondem, e o segundo e o penúltimo membro correspondem, e assim
por diante, com um pensamento de articulação no meio. Portanto, o título
do livro fica assim em um quiasmo:
Hábitos
espirituais:
Prazer em Jesus
pela graça
diária
Hábitos corresponde a diária. Espirituais corresponde a graça. E prazer
em Jesus é a articulação. Isso está repleto de implicações que fazem valer a
pena ler o livro de David.
O quiasmo, o livro e a teologia por trás dele exigem que deleitar-se em
Jesus seja a articulação. Mas essa “articulação” significa apenas o ponto de
virada no meio dos outros pensamentos. Sempre há muito mais que isso.
Nesse caso, a articulação é o objetivo de todo o resto.
David está escrevendo um livro para ajudá-lo a deleitar-se em Jesus. Ao
fazer isso, ele não está procurando ser “legal”. Ele está procurando ser
“bombástico”. Sua maneira de pensar sobre prazer em Jesus é explosiva. Se
você tem mais prazer em Jesus do que na vida (Mt 10.38), você viverá uma
vida de entrega absoluta por Jesus, que fará o mundo maravilhar-se.
Deleitar-se em Jesus não é algo como a cobertura do bolo; é como a pólvora
em uma cápsula de projétil.
Deleitar-se em Jesus não é apenas uma transformação explosiva na
maneira como vivemos; é também algo essencial para evidenciar a
grandeza de Jesus. E é por isso que temos o Espírito Santo. Jesus disse que
o Espírito veio para glorificá-lo (Jo 16.14). A missão principal do Espírito
(e de seu povo) é mostrar que Jesus é mais glorioso do que qualquer outra
coisa ou pessoa. Isso não pode ser feito por aqueles que acham este mundo
mais agradável do que Jesus. Eles fazem o mundo parecer ótimo. Portanto,
o objetivo final da vida cristã — e do universo — depende do povo de Deus
deleitar-se no Filho de Deus.
Mas isso está além de nós. Nossos corações geralmente deleitam-se no
mundo mais do que em Jesus. É por isso que a ideia de articulação —
deleitar-se em Jesus — é cercada de ambos os lados pelas palavras
espirituais e graça.
Espirituais
Prazer em Jesus
Graça
Graça é a obra livre e soberana de Deus em fazer por nós o que não
podemos fazer por nós mesmos, embora não mereçamos. Espiritual é a
palavra bíblica para descrever o que foi realizado pelo Espírito Santo.
“Espiritual” não significa religioso, místico, ou no estilo da nova era.
Significa compelido e moldado pelo Espírito de Deus.
Portanto, o ponto é o seguinte: Deus todo-poderoso, por sua graça e por
seu Espírito, não nos deixa sozinhos quando se trata de deleitar-nos em
Jesus. Ele nos ajuda. Ele não diz “agrada-te do SENHOR” (Sl 37.4) e depois
simplesmente se afasta e observa para ver se conseguimos. Ele faz uma
aliança conosco e diz: “Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que
andeis nos meus estatutos” (Ez 36.27). Ele causa o que ele comanda.
Deleitar-se em Jesus não é opcional. É um dever. Mas também é uma
dádiva — espiritual e graciosa.
Mas a dádiva vem através de meios. É por isso que Espirituais está ao
lado de Hábitos, e Graça está ao lado de Diária.
Hábitos
espirituais:
Prazer em Jesus
pela graça
diária
A Bíblia não diz: “Deus está operando em vocês para realizar seus bons
propósitos, portanto, fiquem na cama”. Diz: “Desenvolvam a sua salvação,
porque Deus está operando em vocês” (veja Fp 2.12-13). A obra de Deus
não torna nosso trabalho desnecessário; torna-o possível. “Trabalhei muito
mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo” (1Co
15.10). A graça não apenas perdoa nossas falhas; ela fortalece os nossos
sucessos — como por exemplo, o de efetivamente deleitar-se em Jesus mais
do que na vida.
Este livro é sobre hábitos capacitados pela graça e disciplinas capacitadas
pelo Espírito. Esses são os meios que Deus concedeu, para que se beba da
fonte da vida. Eles não conquistam o prazer. Eles o recebem. Eles não são
pagamentos pelo prazer; são canais dele. O salmista não diz: “lhes vende
bebida”, mas: “na torrente das tuas delícias lhes dás de beber” (Sl 36.8).
Mas todos nós desperdiçamos. Todos nós precisamos de inspiração e
instrução sobre como beber — repetidamente. Habitualmente.
Se você nunca leu um livro sobre hábitos da graça ou disciplinas
espirituais, comece com este. Se você é um amante veterano do rio de Deus,
mas, por algum motivo, recentemente tem vagado sem rumo pelo deserto,
este livro será um bom caminho de volta.
John Piper
desiringGod.org
Minneapolis, Minnesota
Prefácio
Não tenho a pretensão de que este seja o livro definitivo, ou algo próximo
disso, sobre as disciplinas espirituais; ou melhor, “os meios de graça”. Na
verdade, fui intencional em manter as coisas relativamente breves. Pense
nisso como uma introdução ou orientação. Muitas lições importantes foram
deixadas para outros fornecerem em tratamentos mais extensos.1 Em
particular, meu anseio é ajudar os cristãos jovens e velhos a simplificar sua
abordagem de seus vários hábitos pessoais de graça, ou disciplinas
espirituais, destacando os três princípios-chave da graça contínua: ouvir a
voz de Deus (sua palavra), ser ouvido por ele (oração) e pertencer ao seu
corpo (comunhão).
Essa abordagem simplificada e muitas das ideias desenvolvidas nas
páginas a seguir foram forjadas primeiro na sala de aula do Bethlehem
College & Seminary, onde ensinei “as disciplinas” para os estudantes do
terceiro ano. Em seguida, fiz um esforço para colocar os conceitos que os
alunos pareciam achar mais úteis em forma de artigo no desiringGod.org. A
resposta foi encorajadora e a editora Crossway foi bastante gentil em
oferecer a oportunidade de reunir os pensamentos e apresentá-los desta
forma.
Este volume é intencionalmente metade do tamanho da maioria dos
outros sobre as disciplinas espirituais. Espero que alguns leitores passem
daqui para os livros maiores. Mas eu queria fornecer algo mais curto, e
ainda assim cobrir os tópicos principais, na esperança de tornar uma
abordagem simplificada dos meios de graça acessível a outros que não se
interessariam pelos volumes maiores.
Contudo, as raízes deste livro remontam a muito antes de ensinar na
faculdade e escrever artigos. As sementes foram plantadas mais cedo do
que consigo me lembrar por meus pais e pela igreja da infância em
Spartanburg, Carolina do Sul. Todas as manhãs, papai acordava para ler sua
Bíblia e orar antes de ir para o consultório odontológico, e mamãe
normalmente deixava sua Bíblia aberta na mesa da sala de jantar e meditava
nela durante o dia. Frequentemente, eu ouvia atualizações sobre os
fundamentos em diversos níveis de detalhe e profundidade nas classes de
crianças e adolescentes na igreja.
Na faculdade, por meio do ministério Campus Outreach,2 fui discipulado
ao longo dos semestres e moldado por projetos de treinamento de verão.
Quando eu era ainda calouro, um discipulador me apresentou os ensinos do
livro Disciplinas espirituais, de Donald S. Whitney. Comecei a ensinar
“como ter um momento devocional” para alunos mais jovens no contexto
do discipulado individual, e depois continuei a fazê-lo na equipe do
Campus Outreach em Minneapolis. Essas experiências eventualmente me
levaram a instruir calouros na faculdade em Bethlehem.
Devo mencionar a influência incalculável de John Piper, com quem
trabalho de perto desde 2006. Para aqueles que conhecem seu ministério de
pregação e escrita, as impressões digitais de John serão inconfundíveis
nestas páginas, tanto em citações explícitas quanto em estruturas de
pensamento e inspirações que não consigo disfarçar, nem gostaria. Seu livro
de 2004, Quando eu não desejo Deus, é o lugar para encontrar seu ensino
prático mais concentrado sobre a dieta da leitura da Bíblia e a oração; mas
as pepitas de ouro sobre os meios de graça e seus próprios hábitos estão
espalhadas por toda a sua obra, especialmente em seus sermões de ano novo
sobre a Bíblia e oração, disponíveis em desiringGod.org, e suas respostas ao
grande número de perguntas práticas que chegam através do podcast diário
Ask Pastor John.3
Logo após receber o convite para publicar este livro, li Oração:
experimentando intimidade com Deus, de Timothy Keller. Você verá na
parte 2, sobre a oração, que já estou colhendo muito das reflexões de Keller
e recomendo bastante seu livro. Minha esperança é que o pouco que tenho a
dizer sobre a oração aponte na direção certa e, então, o mais cedo possível,
que você a leve ao próximo nível, e além, com o guia notável de Keller.
COMO ESTE LIVRO É DIFERENTE
Eu avidamente recomendo a você os textos mais longos sobre as
disciplinas, mas isso não significa que escrevi este livro apenas como um
resumo, sem nada distinto para contribuir. Talvez a principal característica
distintiva deste livro, além de sua brevidade, seja o esquema organizacional
tríplice que já observamos. Aqui apresentamos as disciplinas não como dez
ou doze (ou mais) práticas distintas para trabalhar em sua vida, mas como
três princípios-chave (a voz de Deus, o ouvido de Deus e o povo de Deus),
que então são encarnados em inúmeros hábitos criativos e úteis na
diversidade das vidas dos crentes em seus diferentes contextos.
Em particular, essa estrutura restaura a comunhão como meio de graça ao
seu lugar essencial na vida cristã. Os livros de Piper, Keller e Whitney
enfocam disciplinas pessoais e não incluem seções extensas, muito menos
um capítulo completo, sobre o papel da comunhão.4 Ao estruturar este livro
em três partes, práticas semelhantes podem ser agrupadas e compreendidas
em conjunto, de modo que os capítulos individuais são mais curtos e
projetados para serem lidos de uma só vez. Minha esperança é que isso o
ajude a mover-se em direção à aplicação em suas próprias práticas,
deixando claro que o objetivo não é praticar em todos os momentos da
caminhada cristã cada disciplina específica abordada, mas entender os
principais caminhos da graça contínua e buscar criar hábitos regulares para
esses princípios em sua vida.
A pedido da editora, escrevi um guia de estudos para acompanhar este
livro, para aqueles que desejam aprofundar suas reflexões e aplicações. Ele
é projetado tanto para estudo individual quanto em grupo e está disponível
em formato de livro de exercícios.
Minha oração é que você não se exaspere por simplesmente não ter
tempo para colocar em prática tudo o que este livro recomenda. Em vez
disso, em sua própria estrutura, o livro visa ajudá-lo a ver como pode ser
realista e vivificante integrar os meios de graça de Deus aos hábitos diários
da vida.
E, juntamente com a ênfase na comunhão, este livro também espera
tornar a busca da alegria mais central, explícita e notável do que tem sido o
caso em muitos textos sobre as disciplinas.
MEU SONHO E ORAÇÃO POR VOCÊ
Enquanto você lê, minha oração é que você perceba os meios de graça
como sendo práticos, realistas e desejáveis em sua busca pela alegria em
Cristo. Espero que haja muitas coisas aqui benéficas para o público cristão
em geral, mas que haja um apelo especial para estudantes universitários e
jovens adultos que estão aprendendo a voar por si mesmos, pela primeira
vez, nos vários ritmos e práticas da vida cristã.
Meu sonho é que este livro sirva a você com simplicidade, estabilidade,
confiança, poder e alegria. Simplicidade, pois, olhar para os meios de graça
em três canais principais, irá ajudá-lo a entender o manancial da graça para
viver a vida cristã e criar caminhos práticos (seus próprios hábitos) que
sejam realistas e vivificantes em sua época única de vida. Estabilidade, pois
conhecer melhor sua própria alma e criar ritmos e práticas irá ajudar você a
resistir aos altos e baixos da vida neste mundo decaído, com o
contentamento que vem, em certa medida, de nos conhecermos e
aprendermos maneiras pelas quais podemos ajudar a restabelecer “as mãos
descaídas e os joelhos trôpegos”, e fazer “caminhos retos para os pés” (Hb
12.12-13), e a guardar-nos “no amor de Deus” (Jd 21). Confiança, pois, ao
andar por esses caminhos, você verá como Deus é fiel em nos sustentar e
nos dar “graça para socorro em ocasião oportuna” (Hb 4.16). Poder, pois,
ouvir a sua palavra, ser ouvido por ele e pertencer ao seu corpo, enche as
nossas almas de energia espiritual e força para nos derramarmos no
ministério e na missão. E alegria, para satisfazer nossos anseios mais
profundos, que só serão realizados em sua plenitude quando virmos o Deus-
homem face a face e vivermos em perfeita comunhão com ele e com todos
os nossos irmãos, para sempre.
A nota que tocaremos repetidamente, sem qualquer desculpa, é que os
meios de graça, encarnados em nossos vários hábitos de graça, devem ser
para nós meios de alegria em Deus e, portanto, meios de sua glória. Logo, a
simplicidade, estabilidade, confiança, poder e alegria do próprio Deus estão
por trás desses meios. Esses são os caminhos de sua promessa. Ele está
pronto para derramar sua graça maravilhosamente extravagante e
exuberante por meio desses canais. Você está pronto?
Particularmente, como você verá ao longo do livro, sou devedor a três textos que recomendo fortemente; dois velhos amigos e um novo: Donald S. Whitney, Disciplinas espirituais
(São Paulo: Editora Batista Regular, 2021); John Piper, Quando eu não desejo Deus (São Paulo: Cultura Cristã, 2018); e Timothy Keller, Oração: experimentando intimidade
N. E.: Campus Outreach é uma rede global de ministérios trabalhando através de igrejas locais para alcançar e desenvolver a próxima geração de líderes centrados em Cristo em
campus universitário.
N. E.: Traduzido em português pelo Ministério Fiel como Pastor John responde, disponível em www.voltemosaoevangelho.com/blog/serie/john-piper-responde/
Whitney fez um grande esforço para compensar isso com Spiritual disciplines within the Church: Participating fully in the body of Christ (Chicago: Moody, 1996).
Introdução | Graça indomada
A graça de Deus está à solta. Contrariando nossas expectativas,
invertendo nossas suposições, frustrando nosso senso de juízo e zombando
de nosso desejo de controle, a graça de Deus está virando o mundo de
cabeça para baixo. Deus está derramando sem acanhamento o seu
exuberante favor sobre pecadores indignos de todos os matizes e
removendo completamente a nossa autossuficiência.
Antes de voltarmos nosso foco para “os meios de graça” e as práticas
(“hábitos”) que nos dispõem para seguir recebendo a graça de Deus em
nossas vidas, isto deve ficar claro desde o início: A graça de Deus está
gloriosamente além de nossa habilidade e técnica. Os meios de graça não
têm a ver com ganhar o favor de Deus, constrangê-lo ou controlar sua
bênção, mas com preparar-nos para nos saturarmos de forma consistente no
fluxo de sua maré.
A graça se move desde antes da criação, vagando livre e desimpedida.
Mesmo antes da fundação do mundo, foi a graça indomada de Deus que
ultrapassou os limites do tempo e do espaço e considerou um povo ainda a
ser criado em conexão com seu Filho, e nos escolheu nele (Ef 1.4). Foi por
amor — para louvor de sua gloriosa graça — que “nos predestinou para ele,
para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo” (Ef 1.5). Essa escolha
divina não foi baseada em nenhuma presciência de que haveria algo de bom
em nós. Ele nos escolheu pela graça — “E, se é pela graça, já não é pelas
obras; do contrário, a graça já não é graça” (Rm 11.6). “Não segundo as
nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi
dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9).
Com paciência, então — por meio da criação, queda e dilúvio, por meio
de Adão, Noé, Abraão e o rei Davi — Deus preparou o caminho. A
humanidade esperou e gemeu, juntando as migalhas de sua compaixão
como um antegozo de algum banquete por vir. Os profetas “profetizaram
acerca da graça a vós outros destinada” (1Pe 1.10). E na plenitude do
tempo, ela veio. Ele veio.
INVADINDO NOSSO ESPAÇO
Agora, “a graça de Deus se manifestou” (Tt 2.11). A graça não pôde ser
impedida de se tornar carne e habitar entre nós no homem-Deus, cheio de
graça e verdade (Jo 1.14). De sua plenitude, todos nós recebemos graça
sobre graça (Jo 1.16). A lei foi dada por meio de Moisés, mas a graça e a
verdade estão nele (Jo 1.17). A graça tem um rosto.
Mas a graça não seria restringida nem mesmo aqui, mesmo nesse
homem. A graça não seria apenas encarnada, mas quebraria as correntes
para vagar pelo globo sem restrições. Foi a pura graça que por meio da fé
nos uniu a Jesus, a Graça Encarnada, e nos abençoou nele “com toda sorte
de bênção espiritual nas regiões celestiais” (Ef 1.3). Na graça fomos
chamados eficazmente (Gl 1.6) e recebemos novo nascimento em nossas
almas. Por causa da imensurável, ilimitada e livre graça, agora nossos
corações antes mortos batem e nossos pulmões sem vida respiram. Somente
pela graça cremos (At 18.27) e somente na graça recebemos
“arrependimento” para conhecermos “plenamente a verdade” (2Tm 2.25).
Mas essa graça indomada continua. Recebemos o Espírito da graça,
experimentamos nossa adoção há muito planejada e podemos clamar “Aba,
Pai” (Rm 8.15). Recebemos “a remissão dos pecados, segundo a riqueza da
sua graça” (Ef 1.7).
A graça continua rompendo barreiras e destruindo restrições. A graça
justifica. Uma justiça perfeita, irrevogável, divinamente aprovada e
humanamente aplicada é nossa nessa união com Jesus. Somos justificados
por sua graça como um dom (Rm 3.24; Tt 3.7). Por meio desse único
homem, Jesus, somos contados entre “os que recebem a abundância da
graça e o dom da justiça” (Rm 5.17). E assim dizemos alegremente com
Paulo: “Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça é mediante a lei,
segue-se que morreu Cristo em vão” (Gl 2.21).5
INVADINDO NOSSAS VIDAS
E quando pensamos que já fomos levados longe o bastante, que Deus fez
por nós tudo o que podíamos imaginar e muito mais, a graça surpreende
novamente. A graça santifica. Ela é indômita demais para permitir que
continuemos amando a injustiça. Livre demais para nos deixar na
escravidão do pecado. Indomável demais para deixar nossa lascívia invicta.
O poder da graça é efusivo demais para não nos libertar para a felicidade da
verdadeira santidade.
É assim que crescemos na graça e no conhecimento de nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo” (2Pe 3.18) e vivemos não debaixo da lei, mas
debaixo da graça (Rm 6.14). A graça abunda não por continuarmos no
pecado, mas por meio de nossa libertação contínua, capacitada pelo Espírito
(Rm 6.1). A graça é muito forte para nos deixar passivos, muito potente
para nos deixar chafurdar na lama de nossos pecados e fraquezas. “A minha
graça te basta”, diz Jesus, “porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2Co
12.9). É a graça de Deus que nos dá seus “meios de graça” para nossa
contínua perseverança, crescimento e alegria neste lado da nova criação que
está por vir. E a graça de Deus inspira e capacita os vários hábitos e práticas
pelas quais nos valemos dos meios providos por Deus.
INUNDANDO O FUTURO
Justamente quando temos certeza de que já é o bastante e de que alguma
ordem deve ser restaurada e alguns limites estabelecidos, a graça de Deus
não apenas inunda nosso futuro nesta vida, mas também cruza a fronteira
com a próxima, e se derrama nas planícies de nossa eternidade. A graça
glorifica.
Se as Escrituras não fossem tão claras sobre essa história da nossa glória,
ficaríamos com medo até de sonhar com tal graça. Não apenas Jesus será
glorificado em nós, mas nós seremos glorificados nele, “segundo a graça do
nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo” (2Ts 1.12). Ele é “o Deus de toda a
graça, que em Cristo vos chamou à sua eterna glória” (1Pe 5.10).
Portanto, Pedro nos diz: “esperai inteiramente na graça que vos está sendo
trazida na revelação de Jesus Cristo” (1Pe 1.13). Será indescritivelmente
impressionante nos séculos vindouros, quando ele mostrar “a suprema
riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus” (Ef 2.7).
Mesmo os mais maduros de nós apenas começaram a provar a graça de
Deus.
Escolhidos antes do tempo. Chamados eficazmente. Unidos a Jesus em fé
e arrependimento. Adotados e perdoados. Justificados. Santificados.
Glorificados. E satisfeitos para sempre. Esta é a graça que se tornou
maravilhosamente indomada. Este é o dilúvio do favor de Deus, no qual
descobrimos o poder e a prática dos meios de graça.
COLOQUE-SE NO CAMINHO DA GRAÇA DE DEUS
É nesse mar infinito de sua graça que percorremos o caminho da vida
cristã e damos passos de esforço e iniciativa, capacitados pela graça.
Funciona mais ou menos assim:
Posso ligar um interruptor, mas não forneço a eletricidade. Posso abrir a
torneira, mas não faço a água correr. Não haverá luz nem água fresca sem
que alguém as forneça. E assim é para o cristão com a contínua graça de
Deus. Sua graça é essencial para nossa vida espiritual, mas não controlamos
seu suprimento. Não podemos fazer o favor de Deus fluir, mas ele nos deu
circuitos para conectar e canos para abrir com expectativa. Existem
caminhos pelos quais ele prometeu seu favor.
Como já celebramos, nosso Deus é generoso em sua graça; ele é livre
para dispensar liberalmente sua bondade, sem o mínimo de cooperação e
preparação de nossa parte,
e frequentemente o faz. Mas ele também tem seus canais regulares. E
podemos rotineiramente nos valer desses caminhos revelados de bênçãos —
ou negligenciá-los para nosso prejuízo.
ONDE A GRAÇA PASSA CONSTANTEMENTE
“A essência da vida cristã”, escreve John Piper, “é aprender a lutar pela
alegria, de forma que essa luta não substitua a graça”. Não podemos ganhar
a graça de Deus ou fazê-la fluir à parte de seu dom gratuito. Mas podemos
nos posicionar para continuar recebendo, à medida em que ele continua a
nos concedê-la. Podemos “lutar para andar nos caminhos onde ele prometeu
suas bênçãos”.6 Podemos nos dispor a permanecer receptivos em suas rotas
regulares, às vezes chamadas de “disciplinas espirituais” ou, melhor ainda,
“meios de graça”.7
Essas práticas não precisam ser extravagantes ou pomposas.8 Elas são o
material do cristianismo básico do dia a dia — inexpressivamente
ordinárias, mas espetacularmente potentes pelo Espírito. Embora não haja
uma lista final e completa de tais práticas, a longa contagem de hábitos
úteis pode ser agrupada sob três princípios principais: ouvir a voz de Deus,
ser ouvido por ele e pertencer a seu corpo. Ou simplesmente: palavra,
oração e comunhão.9
Na última geração, vimos certo ressurgimento do interesse dos cristãos
pelas disciplinas espirituais, muitas das quais foram consideradas “meios de
graça” por nossos ancestrais espirituais. “A doutrina das disciplinas”, diz J.
I. Packer, “é na verdade uma reafirmação e extensão do ensino protestante
clássico sobre os meios de graça”.10 Qualquer que seja o termo, o importante
é que Deus revelou certos canais pelos quais ele regularmente derrama seu
favor. E somos tolos em não confiar em sua palavra sobre isso e construir
hábitos de vida espiritual ao redor deles.
O QUE MEIOS DE GRAÇA SIGNIFICAM E NÃO
SIGNIFICAM
Unir meios com graça pode colocar em risco a natureza livre da graça. Mas
não precisa ser assim — não se os meios estiverem coordenados com
receber e os esforços forem graciosamente supridos. Este é enfaticamente o
caso do cristão. Aqui não há ocasião para vanglória.11
Aquele em quem nos apoiamos é “o Deus de toda a graça” (1Pe 5.10).
Ele não apenas elege os indignos sem condições (Rm 8.29-33; Ef 1.4) e
opera neles o milagre do novo nascimento e o dom da fé, mas também
livremente os declara justos por essa fé (“justificação”) e começa a fornecer
o fluxo de vida espiritual e energia para experimentar a alegria de aumentar
nossa semelhança com Cristo.
Como vimos, o imenso dilúvio da graça de Deus não apenas nos vê como
santos em Cristo, mas também produz progressivamente desejos santos em
nós (“santificação”). É graça sermos perdoado de atos pecaminosos, e é
graça sermos supridos de desejos puros em nosso coração. É graça que
estejamos cada vez mais “conformes à imagem de seu Filho” (Rm 8.29), e é
graça que ele não nos deixe na miséria do nosso pecado, mas prometa
completar a boa obra que começou em nós (Fp 1.6).
Para a glória de Deus, o bem do próximo e a satisfação de nossas almas,
o objetivo da vida cristã é participar dessa semelhança com Cristo, ou da
piedade, que é a “santidade” corretamente entendida. E todos os nossos
esforços para atingir esse objetivo são dádivas da graça.
EXERCITE-SE NA PIEDADE
Sim, é graça e, sim, nos esforçamos. Assim o apóstolo Paulo diz ao seu
protegido: “Exercita-te, pessoalmente, na piedade” (1Tm 4.7). Discipline-se
para crescer. Aja regularmente para ter mais de Deus em sua mente e
coração, e ecoar seus caminhos em sua vida, o que o tornará cada vez mais
parecido com ele (“piedade”). É um presente que recebemos à medida que
nos tornamos assim.
A própria confiança de Paulo em Deus para obter graça contínua é um
poderoso testemunho dessa dinâmica cristã dos meios de graça e dos
hábitos de vida que cultivamos. Ele diz em 1 Coríntios 15.10: “pela graça
de Deus, sou o que sou; […] trabalhei muito mais do que todos eles;
todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo”. A graça de Deus não tornou
Paulo passivo, mas forneceu a energia para a disciplina e o esforço, e cada
grama de energia despendida foi toda devido à graça.
E Paulo diz em Romanos 15.18: “Porque não ousarei discorrer sobre
coisa alguma, senão sobre aquelas que Cristo fez por meu intermédio”. A
graça de Jesus, neste caso, não significa cumprir seu propósito apesar de
Paulo, ou separado dele, mas por meio dele. Onde o apóstolo obtém força
para trabalhar e despender tanto esforço espiritual? “eu também me afadigo,
esforçando-me o mais possível, segundo a sua eficácia que opera
eficientemente em mim” (Cl 1.29).
COMO RECEBER O DOM DO ESFORÇO
Essa dinâmica é verdadeira não apenas porque Paulo é um apóstolo, mas
porque ele é um cristão. Portanto, ele diz a cada crente: “desenvolvei a
vossa salvação com temor e tremor”, por causa desta grande
promessa: “porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o
realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.12-13). E assim a majestosa
epístola aos Hebreus termina com uma oração para que Deus esteja
“operando em vós o que é agradável diante dele” (Hb 13.21).
A maneira de receber o dom de Deus capacitando nossas ações é
realizando as ações. Se ele dá o presente do esforço, recebemos esse
presente fazendo o esforço. Quando ele dá a graça de crescer em santidade,
não recebemos esse dom a não ser nos tornando mais santos. Quando ele
nos dá o desejo de obter mais dele nas Escrituras, ou em oração, ou entre
seu povo, não recebemos esse dom sem desejar e viver as buscas que fluem
dele.
COLOQUE-SE NO CAMINHO DA ATRAÇÃO
Zaqueu pode ter sido um homenzinho pequeno, mas ele foi modelo dessa
grande realidade, colocando-se no caminho da graça. Ele não podia forçar a
mão de Jesus nem fazer a graça fluir automaticamente, mas ele podia se
colocar pela fé no caminho por onde a graça estava vindo (Lc 19.1-10). O
mesmo aconteceu com o cego Bartimeu (Lc 18.35-43). Ele não podia
ganhar a restauração de sua visão, mas podia se posicionar na rota da graça,
onde Jesus poderia dar sua dádiva ao passar por aquele caminho.
“Pense nas disciplinas espirituais”, diz Donald S. Whitney, “como
maneiras de nos colocarmos no caminho da graça de Deus e buscá-lo, como
Bartimeu e Zaqueu se colocaram no caminho de Jesus e o buscaram”.12 Ou,
como Jonathan Edwards afirmou, você pode “se esforçar para promover o
apetite espiritual colocando-se no caminho da atração”.13 Não podemos
forçar a mão de Jesus, mas podemos nos colocar nos caminhos da graça,
onde podemos ficar na expectativa de sua bênção.
Os canais regulares da graça de Deus, como veremos, são sua voz, seu
ouvido e seu corpo. Muitas vezes ele rega seu povo com favores
inesperados. Mas, normalmente, a graça que mais aprofunda nossas raízes,
que verdadeiramente nos faz crescer em Cristo, que prepara nossa alma
para um novo dia, que produz maturidade espiritual duradoura e que
aumenta a corrente de nossa alegria, flui dos caminhos comuns e ordinários
de comunhão, oração e nutrição bíblica, expressos na prática em
incontáveis formas e hábitos.
Embora esses hábitos simples de graça possam parecer tão banais quanto
interruptores e torneiras comuns, por meio deles Deus está regularmente
pronto para dar sua verdadeira luz e a água da vida.
O GRANDE FIM DOS MEIOS
Antes de começarmos a falar mais sobre a palavra de Jesus, seu ouvido e
sua igreja nas páginas seguintes, precisamos deixar claro qual é a maior
graça ao longo desses caminhos: o próprio Jesus. O grande objetivo dos
meios é conhecê-lo e desfrutá-lo. A alegria final em qualquer disciplina,
prática ou ritmo de vida verdadeiramente cristã é, nas palavras do apóstolo,
a “sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor” (Fp 3.8). “E
a vida eterna é esta”, e este é o objetivo dos meios de graça: que te
conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”
(Jo 17.3).
No fim das contas, nossa esperança não está em ser leitor habilidoso da
Bíblia, experiente na oração ou um membro fiel de igreja, mas em “me
conhecer e saber que eu sou o SENHOR e faço misericórdia, juízo e justiça na
terra”, como diz Jeremias 9.24. Assim, o nosso ânimo nos hábitos que
desenvolvemos para ouvir cada palavra, fazer cada oração e participar de
cada ato de comunhão é Oseias 6.3: “Conheçamos e prossigamos em
conhecer ao SENHOR”. Conhecer e deleitar-se em Jesus é o objetivo de ouvir
sua voz, ser ouvido por ele e pertencer ao seu corpo.
Os meios de graça, e suas muitas boas expressões, servirão para nos
tornar mais semelhantes a ele, mas somente quando nosso foco retornar
continuamente ao próprio Cristo, não à nossa própria semelhança com
Cristo. É “contemplando a glória do Senhor” que “somos transformados, de
glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito”
(2Co 3.18). O crescimento espiritual é um efeito maravilhoso de tais
práticas, mas em certo sentido é apenas um efeito colateral. O essencial é
conhecer e deleitar-se em Jesus.
OS MEIOS DE GRAÇA E AS COISAS DA TERRA
Uma questão importante que nosso estudo levanta é como esses meios de
graça se relacionam com o resto da criação de Deus. Em um sentido
importante, toda a criação de Deus pode servir como meio de sua graça, não
apenas sua palavra, oração e comunhão.14 Meu amigo e colega pastor Joe
Rigney habilmente aborda isso em As coisas da terra: estimar a Deus ao
desfrutar de suas obras.15 Seu capítulo sobre “Ritmos da piedade” se
relaciona mais explicitamente com nosso foco nos meios de graça e seus
hábitos. Ele escreve sobre “dois tipos diferentes de piedade, o que chamarei
de piedade direta e piedade indireta”.16
O foco de Rigney está no segundo tipo e em como podemos valorizar o
Deus do céu nas coisas da terra, enquanto este livro aborda o primeiro:
valorizar a Deus através de seus meios de graça designados, esses canais
especiais pelos quais ele fornece bênçãos contínuas para sua igreja. Esse
modelo duplo (piedade direta e indireta) serve bem ao projeto de Rigney,
mas nossa inclusão da comunhão e não apenas da palavra de Deus e da
oração como um meio de graça levanta um conjunto de questões: O
cristianismo comunitário deve ser considerado piedade direta ou indireta? É
direta quando estamos reunidos para adoração comunitária e indireta
quando conversamos uns com os outros sobre as realidades do evangelho?
Ou, ainda mais especificamente, é direta quando cantamos (para Deus) na
adoração comunitária, mas indireta quando ouvimos um pregador? A
participação na Ceia do Senhor é direta ou indireta? O conceito duplo
funciona bem para a oração e meditação pessoal na Bíblia, por um lado, e
para vocação e recreação, por outro, mas a clareza se quebra quando nos
voltamos para a piedade comunitária, que não se encaixa bem como
“direta” nem como “indireta”.
Uma maneira de avançar, pelo menos para este livro, é considerar a
“piedade comunitária” uma categoria própria, ao lado da piedade direta da
meditação e oração pessoal da Bíblia e da piedade indireta de se envolver
com as coisas da terra. Certamente, ter comunhão intencional com outros
cristãos sobre as coisas do céu é fundamentalmente diferente de interagir
com descrentes sobre esportes e o clima, ou mesmo com outros crentes,
inclusive. Se adicionarmos uma terceira categoria e fizermos uma tríade,
então este livro é composto principalmente de duas: piedade direta nas
partes 1 e 2 e piedade comunitária na parte 3.17
SEUS HÁBITOS E A GRAÇA DE DEUS
Os meios de graça são os canais prometidos por Deus da graça contínua,
recebida pela fé. A graça infinita está atrás de nós e, também, a graça
infinita está à nossa frente, e por meio de seus meios de graça designados,
Deus se apraz em fornecer vida e energia, saúde e força contínuas para
nossas almas. Os meios de graça enchem nosso tanque para a busca da
alegria, para o bem do próximo e para a glória de Deus. Eles são bênçãos
espirituais, não as bênçãos materiais terrivelmente inoportunas, prometidas
prematuramente no chamado “evangelho da prosperidade”. E são bênçãos:
não meras disciplinas, mas canais pelos quais Deus nos dá alimento
espiritual para nossa sobrevivência, crescimento e prosperidade na missão.
Por mais de uma geração, temos visto uma renovação do interesse dos
cristãos pelas disciplinas espirituais. Houve muita coisa boa nessa
renovação. Mas muitos têm enfatizado a técnica e a habilidade, com a
infeliz diminuição ou negligência do papel de Deus como fornecedor e
provedor. Frequentemente, a ênfase está na iniciativa e no esforço do
indivíduo, com pouco sendo dito sobre o lugar da igreja e a natureza
comunitária do plano de Deus. Muito tem sido dito em termos de dever e
muito pouco sobre alegria. E a aparente proliferação de longas listas de
disciplinas pode deixar os jovens cristãos sobrecarregados pelo que não
estão praticando e, em alguns casos, contribuir para um sutil sentimento de
culpa que ameaça nos impedir de nos envolvermos totalmente com o resto
de nossas vidas cotidianas para o qual essas práticas deveriam estar nos
preparando.
Minha esperança em mudar o foco das disciplinas espirituais para os
meios de graça — e então para os vários hábitos pessoais de graça que
desenvolvemos à luz deles — é manter o evangelho e a energia de Deus no
centro, incluir o aspecto comunitário essencial (e muitas vezes
negligenciado), e simplificar a maneira como pensamos sobre essas práticas
(em ouvir a voz de Deus, ser ouvido por ele e pertencer ao seu corpo).
Minha oração é que esta abordagem ajude a tornar os meios de graça, e os
próprios hábitos que você desenvolve em torno deles, não apenas acessíveis
e realistas, mas verdadeiramente os meios de Deus para que você conheça e
deleite-se em Jesus.
Para mais informações sobre a justificação pela fé somente e, em particular, como ela se relaciona com a santificação e a busca do cristão por crescimento e santidade na vida cristã,
consulte “The Search for Sanctification’s Holy Grail” em John Piper e David Mathis (org.), Acting the miracle: God’s work and ours in the mystery of sanctification (Wheaton,
IL: Crossway, 2013), p. 13–27 [edição em português: O mistério da santificação (São Paulo: Cultura Cristã, 2015].
John Piper, Quando eu não desejo Deus (São Paulo: Cultura Cristã, 2018), p. 41–42.
Eu prefiro “meios de graça” a “disciplinas espirituais”. Em certo sentido, este é um livro essencialmente preocupado com o que muitos chamariam de “disciplinas espirituais” cristãs.
No entanto, acho que a linguagem dos “meios de graça” é mais coerente com a teologia bíblica sobre essas práticas e ajuda a manter as ênfases principais em seus devidos
lugares. “Meios de graça”, de acordo com D. A. Carson, é “uma bela expressão, menos suscetível à má interpretação do que disciplinas espirituais”. D. A. Carson, “Editorial:
Como veremos, os meios de graça são, antes e acima de tudo, princípios, que podem ser concretizados em incontáveis práticas criativas (“hábitos”).
John Frame, Systematic Theology (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing, 2013), organiza os meios de graça sob esses três títulos. Essa forma de categorizar está
próxima ao resumo de Lucas sobre a vida da igreja primitiva em Atos 2.42: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos [palavra] e na comunhão, no partir do pão [que
categorizamos como comunhão] e nas orações”. J. C. Ryle oferece um sistema semelhante de categorização quando escreve: “Quando falo em ‘meios’, tenho em vista a leitura
da Bíblia, a oração privada, a frequência regular à adoração pública, o ouvir constante da Palavra de Deus e a participação regular na Ceia do Senhor. Afirmo como fato que
ninguém que se descuida quanto a esses exercícios pode conseguir grande progresso no caminho da santificação. Não tenho descoberto registro de qualquer grande santo de
Deus que se tenha mostrado negligente para com estes assuntos. Essas disciplinas são canais determinados, através dos quais o Espírito Santo transmite sempre novos
suprimentos da graça à alma crente, fortalecendo a obra que Ele já iniciara no homem interior […] Deus opera através de meios e ele nunca abençoará uma alma que finja ser
tão elevada e espiritual que possa dispensar esses exercícios” [J. C. Ryle, Santidade: Sem a qual ninguém verá o Senhor (São José dos Campos: Editora Fiel, 2009), p. 49].
Prefácio de Donald S. Whitney, Spiritual Disciplines for the Christian Life, ed. rev. (Colorado Springs: NavPress, 2014), p. ix–x [edição em português: Disciplinas espirituais (São
Além da tradição reformada da teologia cristã, quero dizer algo distintamente protestante por “meios de graça”. Não acredito que os vários “meios de graça” funcionem
automaticamente (ex opere operato, na tradição católica), mas são os caminhos de bênção prometidos por Deus quando recebidos com fé consciente e ativa em Deus como o
doador por meio de Jesus Cristo. A graça, então, não é dispensada pela igreja, mas pelo próprio Jesus. Como escreve o teólogo escocês James Bannerman: “Não é a Igreja que
governa e dispensa as ordenanças e as graças espirituais em nome dele, por terem sido dele os dons e dádivas originais que ela recebeu, mas é Cristo que, pessoalmente
presente, governa e administra as ordenanças e a bênção por meio da Igreja. A igreja não tem um estoque de vida à parte de Cristo, se ele não estiver nela; as ordenanças da
Igreja não têm um depósito da graça à parte da presença de Cristo com elas; os ministros da igreja não têm nenhum dom de poder, ou autoridade, ou ação se Cristo não governar
e agir por meio deles.” James Bannerman, A igreja de Cristo (Recife: Os puritanos, 2014), loc. 4242 (ebook Kindle).
Donald S. Whitney, Spiritual Disciplines for the Christian Life, ed. rev. (Colorado Springs: NavPress, 2014), p. 13 [edição em português: Disciplinas espirituais (São Paulo: Editora
“The Spiritual Blessings of the Gospel Represented by a Feast”, em Sermons and Discourses, 1723–1729, Kenneth Minkema (ed.), The Works of Jonathan Edwards (New Haven:
A propósito, sua palavra não é apenas a “revelação especial” das Escrituras, mas também a “revelação geral” dos céus e de toda a criação. “Os céus proclamam a glória de Deus, e o
firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite” (Sl 19.1-2).
Joe Rigney, As coisas da terra: estimar a Deus ao desfrutar de suas obras (Brasília: Monergismo, 2017). John Piper também apresenta um capítulo sobre “Como usar o mundo na luta
pela alegria”, em Quando eu não desejo Deus (São Paulo: Cultura Cristã, 2018).
O livro de Rigney, então, também enfoca dois dos três: piedade indireta e piedade comunitária. A piedade comunitária é a categoria que nossos projetos compartilham, enquanto o
respectivo foco na direta ou indireta torna-os distintos. Eu recomendo fortemente o livro de Rigney a você para considerar como “as coisas da terra” podem servir como meios
John Piper, Quando eu não desejo Deus (São Paulo: Cultura Cristã, 2018), p. 76, 86. Leia mais, no final deste capítulo, sobre a pregação do evangelho para si mesmo.
Ibid., p. 86.
Para uma lista de dez “versículos do evangelho” de uma frase e doze curtas “passagens do evangelho”, consulte o final do capítulo 5. Para mais informações sobre a relação entre a
absorção da Bíblia e a pregação para si mesmo, veja David Mathis e Jonathan Parnell, How to Stay Christian in Seminary (Wheaton, IL: Crossway, 2014), p. 38–40.
2 | Leia para amplitude, estude para
profundidade
Há uma certa ciência para uma boa leitura da Bíblia. É importante
conhecer os fundamentos da linguagem e da comunicação, os sujeitos,
verbos, objetos e conjunções. Há muito a ganhar aprendendo alguns
conceitos básicos da língua ou lendo sobre leitura.22 É útil ter bons auxílios
para o estudo da Bíblia, como visões gerais, introduções e comentários
confiáveis (especialmente para os profetas do Antigo Testamento) e ter um
bom senso de como as Escrituras são reunidas como um todo.
E, assim como aprendemos a andar de bicicleta com rodinhas de apoio,
pode ser útil ter alguém explicando algum método simples de “estudo
bíblico indutivo” com passos de observação, interpretação e aplicação.
Abordagens rudimentares e memoráveis como essa proliferam nos círculos
cristãos sérios sobre a Bíblia. Elas são um presente para nos ajudar a
começar e chegar com alguma ideia do que fazer com um livro que, sem
esse auxílio, poderia ser assustadoramente grande.
Mas o objetivo de aprender os pequenos fragmentos de ciência por trás
de tudo é estar pronto para dançar quando a música começar a tocar. E o
melhor da dança não é apenas ensinado em sala de aula, mas aprendido na
prática.
A boa leitura bíblica não é mera ciência; é uma arte. A própria Bíblia é
uma compilação especial de grandes artes. E a melhor maneira de aprender
a arte de ler a Bíblia por si mesmo é esta: leia você mesmo.
PERGUNTE A UM SANTO IDOSO
Pergunte a um santo idoso e experiente que está lendo as Escrituras por si
mesmo há décadas. Veja se ele tem uma formulação simples e clara de
como faz sua leitura diária. Ele tem três ou quatro passos simples e
memorizáveis que percorre conscientemente todos os dias? A resposta
provavelmente será não; ele aprendeu com o tempo que há mais arte nisso
do que qualquer coisa.
Ou, de maneira mais geral, pergunte: “Como você lê a Bíblia?” Você
poderá ver em seu rosto que é uma pergunta difícil de responder. Não
porque não existam algumas coisas “científicas” básicas, como o básico de
leitura e compreensão, ou os vários padrões e métodos que ele desenvolveu
para alimentar sua própria alma ao longo dos anos, mas porque ele
aprendeu que muito em uma boa leitura bíblica é uma arte. É uma
habilidade aprendida ao se engajar na tarefa, e não basicamente de se
colocar sob uma instrução formal. E aqueles que mais leram a Bíblia são os
que aprenderam melhor o ofício.
APRENDA A ARTE ATRAVÉS DA PRÁTICA
Nenhum autor bíblico nos dá qualquer acróstico simples e prático sobre
como fazer a leitura bíblica diária. E você não encontrará nenhum neste
capítulo. Isso pode parecer assustador para o iniciante que deseja
assistência, mas em longo prazo se mostra maravilhosamente libertador.
Pode ser uma grande ajuda ter rodinhas durante algum tempo, mas depois
que você aprende a andar de bicicleta, essas coisinhas penduradas se tornam
terrivelmente restritivas e limitantes.
No fim das contas, simplesmente não há nada que substitua encontrar um
local e hora regulares, bloquear distrações, colocar seu nariz no texto e
permitir que sua mente e coração sejam conduzidos, capturados e
emocionados pelo próprio Deus comunicando-se conosco em suas palavras
objetivas escritas.
Se você se sente desconfortável com as Escrituras e despreparado na arte
da leitura bíblica, a coisa mais importante que pode fazer é adquirir o hábito
regular de ler a Bíblia por si mesmo. Não há substituto para alguns minutos
concentrados todo dia no texto. Você pode se surpreender com o quanto os
pequenos pedaços somam a longo prazo.
Por mais que desejemos uma solução pronta, alguma lição rápida que nos
torne quase especialistas em apenas alguns minutos, o melhor da leitura
bíblica não se aprende da noite para o dia ou mesmo após um semestre de
palestras, mas dia após dia, semana após semana, mês após mês, e ano após
ano, absorvendo a Bíblia, deixando as palavras de Deus informarem nossas
mentes, inspirarem nossos corações, instruírem nossas vidas. Então,
lentamente vemos as luzes iluminando todos os lugares, à medida que
caminhamos pela vida e continuamos caminhando pelos textos.
DESCUBRA A ARTE DA MEDITAÇÃO
Um conselho para qualquer plano de leitura bíblica, por mais ambicioso que
seja, é o seguinte: não deixe que a pressão por marcar quadrinhos impeça
você de se demorar em um texto, seja para tentar entendê-lo (“estudo”) ou
para se gloriar emocionalmente no que você entendeu (“meditação”).
Pense em sua leitura bíblica como uma pesquisa regular da paisagem
bíblica em busca de um local para se fixar por alguns momentos para
meditar, que é o ponto alto e o momento mais rico de nutrição bíblica (mais
sobre meditação no próximo capítulo). Busque amplitude (na leitura) e
profundidade (no estudo), parando em algo que não entende, fazendo
perguntas e dando respostas, consultando recursos e talvez capturando uma
breve reflexão em palavras ou em um diagrama. Existe um lugar na leitura
bíblica para “varrer” e juntar folhas rapidamente, mas quando “cavamos”
no estudo bíblico, desenterramos os diamantes. Na meditação, admiramos
as joias.
Ler a Bíblia é como assistir a um filme em tempo real. O estudo é como
passar por um clipe quadro a quadro. A meditação, então, junto com a
memorização das Escrituras (cap. 5), serve para nos demorarmos em
quadros específicos e imprimir seu significado em nossos corações e em
nossas vidas.
APRENDA A ENCONTRAR JESUS
Uma última coisa a dizer sobre a leitura da Bíblia como arte, não apenas
ciência, é que Jesus ensinou seus apóstolos a ler as Escrituras de uma
maneira que podemos descrever como artística. A parte científica da leitura
da Bíblia é essencial, mas não exige uma leitura tão rígida, restrita e
modernista que apenas as profecias mais explícitas e específicas se
apliquem a Cristo, ou que o texto seja sempre “para os leitores originais” e
nunca realmente para nós.
O próprio Jesus leu as Escrituras com muito mais habilidade — não
inventando coisas, de maneira alguma, mas vendo com os olhos da fé o que
realmente havia para se ver sob a superfície, fora da visão da mente natural.
Essa leitura profunda é uma espécie de paladar adquirido por meio da
prática regular, e não uma habilidade facilmente transferível; é desenvolver
o paladar apostólico para encontrar Jesus ao longo das Escrituras,
rastreando a trajetória da graça de Deus, em suas muitas texturas e cores,
sem cair na descrença ou em invenções. É aprender com o apóstolo João
que “o testemunho de Jesus é o espírito da profecia” (Ap 19.10).
“E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas”, o próprio
Jesus “expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras”
(Lc 24.27). Ele afirmou: “Abraão, vosso pai, alegrou-se por ver o meu dia,
viu-o e regozijou-se” (Jo 8.56). Ele disse que Moisés “escreveu a meu
respeito” (Jo 5.46), e que “importava se cumprisse tudo o que de mim está
escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (Lc 24.44). E então
ele abriu suas mentes — para além de sua racionalidade estreita e decaída
— para realmente entender as Escrituras (Lc 24.45).
À medida que aprendemos a ler a Bíblia não apenas com o lado esquerdo
do cérebro, mas com toda a nossa mente e coração, vemos cada vez mais
como os apóstolos ouviam os sussurros das Escrituras, e como viam
indicações sobre Jesus em todos os lugares.
RESOLUÇÃO: LER A BÍBLIA
Quer você se sinta um iniciante ou um veterano grisalho, uma das coisas
mais importantes que você pode fazer é ler regularmente a Bíblia por si
mesmo.
É algo notável termos Bíblias que podemos ler pessoalmente, quando
quisermos. Durante a maior parte da história da igreja, e ainda hoje em
muitos lugares do mundo, os cristãos não tinham suas próprias cópias da
Bíblia. Eles tinham que se reunir para ouvir alguém ler para eles. “Dedique-
se à leitura pública das Escrituras” (1Tm 4.13, NAA) era tudo o que tinham,
além da memória, para nutrição bíblica.
Mas hoje, com Bíblias impressas e opções eletrônicas em abundância,
temos acesso inestimável às próprias palavras de Deus para nós, palavras
que somos tragicamente tentados a não levar a sério. Ler seu próprio
exemplar da Bíblia diariamente não é uma lei que todo crente deve
obedecer; a maioria dos cristãos não teve essa opção. Mas o hábito da
leitura diária da Bíblia pode ser um meio maravilhoso da graça de Deus.
Por que perder essa fartura de bênçãos?
TODA ELA?
“Toda a Escritura”, diz 2 Timóteo 3.16, “é inspirada por Deus e útil”. Tudo
na Escritura, de Gênesis 1 a Apocalipse 22, é para o bem da igreja. “Estas
coisas lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para advertência
nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado” (1Co
10.11). “Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi
escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras,
tenhamos esperança” (Rm 15.4).
Mas nem todo texto funciona para edificar nossa fé da mesma maneira ou
tem o mesmo efeito para cada um dos filhos de Deus na nova aliança. É
uma coisa maravilhosa ler a Bíblia toda. É algo que os pastores e
professores na igreja deveriam considerar muito praticar anualmente, para
fazer todos os dados bíblicos passarem diante de seus olhos e
continuamente abastecerem suas reivindicações teológicas públicas. Mas
este não é um jugo a ser imposto a todo cristão todos os anos (Embora seja
bom para todo cristão tentar fazê-lo em algum momento, ou pelo menos ter
algum plano plurianual para, eventualmente, ajudá-lo a ler toda a Bíblia em
algum ciclo).
Para aqueles que estão considerando a jornada, é surpreendente como ela
é viável. Ler a Bíblia de capa a capa leva cerca de setenta horas. “Isso é
menos tempo do que o americano médio passa em frente à televisão todos
os meses”, observa Donald S. Whitney. “Em outras palavras, se a maioria
das pessoas trocasse seu tempo na TV pela leitura das Escrituras,
terminariam de ler a Bíblia inteira em quatro semanas ou menos. Se isso
parece impraticável, considere o seguinte:
com menos de quinze minutos por dia, você pode ler a Bíblia em menos de
um ano”.23
Talvez o próximo ano novo, ou mesmo agora, seja seu momento de
começar a jornada. Alguns de meus planos favoritos de leitura da Bíblia ao
longo dos anos foram o de M’Cheyne e The Kingdom, além do meu
preferido, do Discipleship Journal.24
Ou, se ler tudo em um ano parece fora de seu alcance, tente fazer um
plano e cumpri-lo em seu próprio ritmo, mesmo que demore vários anos.
Isso lhe dará um lugar específico para ir quando abrir a Bíblia, em vez de
apenas abrir para algum texto aleatório e com o tempo vai lhe dar a
confiança de que você atravessou todo o terreno das Escrituras e pelo
menos vislumbrou toda a plenitude da revelação escrita de Deus para nós.
MAIS DO QUE APENAS VARRER
Até agora, falamos sobre a leitura da Bíblia. O hábito de ler apenas alguns
minutos por dia pode nos ajudar muito em um tempo relativamente curto.
Mas quando diminuímos o ritmo e estudamos, logo descobrimos que temos
mais do que uma vida de trabalho pela frente. O estudo é um trabalho
árduo. A diferença entre ler e estudar me faz pensar no trabalho de cuidado
de um quintal.
Varrer é um trabalho relativamente fácil e pode melhorar a aparência do
quintal no curto prazo. É tão fácil que até crianças de três anos podem
ajudar, com um ancinho infantil da loja de ferragens do bairro.
Varrer pode deixar minhas costas um pouco doloridas no dia seguinte,
mas não chega perto da escavação que fizemos para preparar nosso quintal
da frente para um pequeno muro de contenção. Varrer, mesmo bastante, é
razoavelmente indolor. Cavar, mesmo um pouco, pode ser exaustivo. Mas
mover a terra pode ser gloriosamente recompensador. Pode melhorar muito
mais um quintal do que apenas varrer as folhas — embora meu lado
acomodado sempre prefira o ancinho.
ESCAVANDO PALAVRAS DIVINAS
Portanto, tanto a leitura quanto o estudo têm seu lugar na nutrição bíblica, e
precisamos nos lembrar periodicamente de diminuir o ritmo, insistir e ir
fundo ao ler a Bíblia. Sem dúvida, alguns cristãos tendem naturalmente a
uma marcha mais lenta e precisam ser lembrados a buscar amplitude,
manter o contexto mais amplo em vista e refletir sobre o quadro geral, não
apenas versículos individuais como pequenas pílulas para a alma.
Mas alguns tendem a ficar na superfície. É menos desgastante,
especialmente no início da manhã, antes do café, simplesmente ler,
arranhando a superfície do texto, em vez de desacelerar, fazer perguntas e
talvez até capturar algumas breves reflexões. Em um minuto, podemos
terminar mais um capítulo e marcar mais uma caixinha da lista. Parece mais
desafiador pegar um lápis ou abrir um computador e ir direto a um
documento vazio para registrar pensamentos sem se deixar distrair por e-
mails, mídias sociais ou qualquer outra coisa.
MELHORANDO NO ESTUDO BÍBLICO
Para o cristão que busca desenvolver a habilidade de alimentar sua alma
com as palavras de Deus, simplesmente não há substituto para o mergulho
diário. Sim, você pode aprender algumas habilidades e técnicas aqui ou ali,
em uma sala de aula ou em um livro sobre estudo bíblico. Mas você não
precisa do seminário para se deleitar regularmente nas Escrituras. A maioria
dos melhores leitores e aplicadores da Bíblia no mundo tem pouco ou
nenhum treinamento formal.
É como qualquer esporte. Nada substitui entrar em campo e jogar. Você
pode falar sobre isso até certo ponto, mas a única maneira de realmente
melhorar é jogando de verdade. Ouvir pregadores e professores talentosos e
perspicazes é fundamental. Usar boas referências fornece ajuda
importante25. Mas simplesmente não há nada que substitua estudar as
Escrituras por conta própria, e fazê-lo a longo prazo.
NÃO ESQUEÇA SUA PÁ
Como pretendemos buscar alimento diariamente na despensa inesgotável,
precisamos de uma dieta ampla e também profunda. Há espaço para ler
livros bíblicos inteiros de uma vez só e espaço para se aprofundar em meio
versículo. É preciso ter uma percepção crescente do cenário mais amplo de
Jesus resgatando pecadores, bem como uma profundidade crescente nas
pequenas peças que compõem esse grande cenário, para nos mantermos
renovados na aplicação do evangelho em nossas vidas.
Sem varrer, não conheceremos a paisagem o suficiente para cavar nos
lugares certos. E sem cavar e ter certeza de que a bandeira de nossa teologia
está firmemente fincada em frases e parágrafos bíblicos específicos, nossos
recursos logo secarão sem alimentar nossas almas com os diversos grãos e
sabores.
DESCUBRA OS DIAMANTES
Na introdução de seu livro Graça futura, John Piper celebra o lugar da
“reflexão pausada” e pede ao leitor que abra espaço para isso.
Como é grande a riqueza procedente da demora na reflexão sobre uma ideia nova — ou uma
nova expressão de um conceito antigo! Eu gostaria que este livro fosse lido da mesma forma
que Paulo desejava a leitura de suas cartas por Timóteo: “Reflita no que estou dizendo, pois o
Senhor lhe dará entendimento em tudo” (2Tm 2.7). Todo livro digno de ser lido acena com as
palavras: “Reflita no que estou dizendo” […] Quando meus filhos se queixam de que um bom
livro é de difícil leitura, digo: “Rastelar é muito fácil; no entanto, tudo que se obtém são
folhas; cavar é difícil, mas talvez achem-se diamantes.26
E se isso é verdade para todo livro digno de ser lido, quanto mais para o
Livro de Deus. Vamos buscar a amplitude e juntar as folhas. E vamos cavar
em profundidade e procurar os diamantes também.
3
O FATOR X NA LEITURA BÍBLICA
Antes de encerrar este capítulo sobre leitura e estudo bíblico, há um assunto
importante e misterioso a abordar. Podemos chamá-lo de “fator X” na
leitura e estudo da Bíblia.
A Bíblia não é um livro mágico, mas um poder estranho e enigmático se
move quando buscamos as Escrituras. Algo influente, embora invisível,
acontece quando ouvimos as palavras de Deus lidas ou faladas, e quando
lemos ou estudamos. Algo sobrenatural, mas invisível, transparece quando
vemos o texto diante de nós e o levamos para dentro de nossas almas.
Alguém invisível se move.
Ele é uma força pessoal, totalmente divina e cheia de mistério — mais
pessoal do que eu ou você, mas mesmo assim, um poder indomável e, em
última análise, irresistível. Ele transforma o que parece simples em algo
sobrenatural, conforme a leitura bíblica nos leva além do nosso controle.
Ele ama fortalecer as almas humanas de maneiras óbvias e sutis no
encontro com a palavra de Deus, seja essa Palavra o Cristo encarnado, a
palavra do evangelho da salvação para os pecadores ou a palavra escrita nas
Escrituras.
Por mais que desejemos dominar o hábito da nutrição bíblica, traçando as
linhas de causa e efeito de alguma ação que realizamos para algum
resultado de satisfação de nossa alma, o Consolador resiste aos nossos
esforços para objetificar a graça. Ele aguarda em silêncio. Ele opera
misteriosamente, fora de nosso controle. Ele nos molda imperceptivelmente
pela manhã para nos tornar quem precisamos ser à tarde e na semana que
vem. Suas mãos agem sem deixar rastros, moldando nossas mentes,
talhando nossos corações, burilando nossa vontade e lixando nossas
calosidades.
Ele não apenas paira sobre as águas (Gn 1.2) e sobre todo o espaço
criado, sempre pronto para executar a vontade do Pai e estender o reinado
do Filho glorificado. Ele também paira com especial vigilância sobre a
palavra divina — encarnada, falada ou escrita — pronto para despertar
almas mortas, abrir olhos cegos e aquecer corações frios. Pronto para
testemunhar sobre o Filho (Jo 15.26), pronto para glorificá-lo (Jo 16.14).
Foi por meio desse Consolador que o evangelho chegou até nós, não
somente em palavra, mas, sobretudo, em poder (1Ts 1.5), e foi com sua
alegria que recebemos a palavra em meio a muita tribulação (1Ts 1.6). Foi
por ele que “Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela
santificação” (2Ts 2.13).
Tendo ele em vista, Jesus disse à mulher samaritana: “Mas vem a hora e
já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e
em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus
é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em
verdade” (Jo 4.23-24).
É por meio dele que agora nos é revelada a “sabedoria de Deus em
mistério, outrora oculta, a qual Deus preordenou desde a eternidade para a
nossa glória” (1Co 2.7-10). Nosso Consolador é aquele que perscruta tudo,
até as profundezas de Deus (1Co 2.10). Ninguém compreende os
pensamentos de Deus, exceto nosso Ajudador (1Co 2.11). É a ele que os
verdadeiramente nascidos de novo receberam “para que conheçamos o que
por Deus nos foi dado gratuitamente” (1Co 2.12). E assim, quando
comunicamos a mensagem e o ensino cristão, “disto também falamos, não
em palavras ensinadas pela sabedoria humana”, mas ensinadas por ele,
“conferindo coisas espirituais com espirituais” (1Co 2.13).
Ele é o prometido, com quem fomos selados “depois que ouvistes a
palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também
crido” (Ef 1.13). A palavra de Deus é chamada de sua espada (Ef 6.17).
Quando ficamos a sós com a Bíblia, não estamos sozinhos. Deus não nos
deixou à nossa própria sorte para entender suas palavras e alimentar nossas
próprias almas. Não importa quão fraco seja seu treinamento ou quão
irregular seja sua rotina, o Consolador está pronto. Leia o texto com a
confiança de que Deus está preparado para abençoar seu ser com o seu
próprio sopro.
Há mais do que podemos ver na leitura e estudo da Bíblia como hábito de
graça. Existe uma variável que não podemos controlar. Um poder
enigmático que não podemos comandar. Uma bondade misteriosa que só
podemos receber.
Ele é o Espírito Santo.
Por exemplo, Mortimer Adler e Charles Van Doren, Como ler livros: O guia clássico para a leitura inteligente (São Paulo: É Realizações, 2010) e Tony Reinke, Lit! Um guia cristão
Donald S. Whitney, Spiritual Disciplines for the Christian Life, ed. rev. (Colorado Springs: NavPress, 2014), p. 29 [edição em português: Disciplinas espirituais (São Paulo: Editora
O plano de leitura da Bíblia de M’Cheyne está disponível online em www.edginet.org/mcheyne/printables.html; The Kingdom, desenvolvido por Jason DeRouchie, em
N. E.: Veja planos de leitura bíblica em português no blog Voltemos ao Evangelho: www.voltemosaoevangelho.com/blog/2016/12/10-planos-de-leitura-biblica-e-orante/.
Eu recomendo a Bíblia de Estudo NAA (Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2018); D. A. Carson e Douglas J. Moo, An introduction to the New Testament, 2ª ed., (Grand Rapids,
MI: Zondervan, 2005) [primeira edição em português: por D. A. Carson, Douglas J. Moo e Leon Morris, Introdução ao Novo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 1997)] e
Tremper Longman III e Raymond B. Dillard, An introduction to the Old Testament, 2ª ed. (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2006) [primeira edição em português: Introdução ao
Donald S. Whitney, Spiritual Disciplines for the Christian Life, ed. rev. (Colorado Springs: NavPress, 2014), p. 86–93 [edição em português: Disciplinas espirituais (São Paulo:
Editora Batista Regular, 2021)]. A meditação como uma “disciplina ponte” entre ouvir Deus em sua palavra e respondê-lo em oração também é um tema importante em
Timothy Keller, Oração: Experimentando intimidade com Deus (São Paulo: Vida Nova, 2016).
Citado em Donald S. Whitney, Spiritual Disciplines for the Christian Life, ed. rev. (Colorado Springs: NavPress, 2014), p. 88 [edição em português: Disciplinas espirituais (São
John Piper, “A leitura bíblica sempre deve terminar com uma aplicação?”, Voltemos ao Evangelho, 25 abr. de 2022, www.voltemosaoevangelho.com/blog/2022/04/a-leitura-biblica-
Ibid.
5 | Memorize a mente de Deus
Talvez você já tenha ouvido a argumentação pela memorização das
Escrituras uma centena de vezes. Você está convencido de que os benefícios
seriam incalculáveis, e que não deve haver melhor uso do seu tempo do que
esconder a palavra de Deus em seu coração e guardá-la para uso futuro.
Mas você já tentou várias vezes e nunca conseguiu fazer a mágica
funcionar.
Talvez a ideia de memorizar as Escrituras traga de volta algum
sentimento que você não consegue esquecer, de uma memorização
mecânica na escola, ou eventualmente você deu de ombros e culpou a
memória ruim por suas falhas. Você sabe que seria maravilhoso ter estocado
um tesouro das Escrituras ou um arsenal de armas para o uso do Espírito.
Mas se tudo está voltado para guardar para algum tempo futuro incerto e
tem pouco a ver com o dia de hoje, você provavelmente não sente muita
urgência em relação a isso.
Mas talvez um avanço possa vir com uma simples mudança de
perspectiva. E se a memorização das Escrituras realmente tem a ver com o
hoje? Pelo menos por um minuto, esqueça décadas no futuro; deixe de lado
a ladainha de revisões diárias de textos previamente memorizados;
abandone a mentalidade de construir um estoque ou formar uma pilha, pelo
menos como motivação principal. Em vez disso, concentre-se no presente.
A memorização das Escrituras, no que tem de melhor, tem a ver com
alimentar sua alma hoje e mapear sua vida e mente na própria vida e mente
de Deus.
MOLDE SUA MENTE PARA HOJE
É muito bom armazenar tesouros brilhantes e armas afiadas para uso futuro,
mas se você é feito do mesmo material que eu, achará muito fácil adiar a
memorização das Escrituras quando todo dia parece já ter seu próprio mal
(Mt 6.34). Talvez a descoberta de que você precisava para finalmente fazer
algum avanço seja simplesmente aplicar esta linha da Oração do Senhor à
memorização da Bíblia: O pão nosso de cada dia dá-nos hoje (Mt 6.11).
Quando aprendemos as Escrituras de cor, não estamos apenas
memorizando textos antigos e de relevância duradoura, mas ouvindo e
aprendendo a voz do próprio Criador e Redentor. Quando memorizamos
versos da Bíblia, estamos moldando nossas mentes no momento para imitar
a estrutura e a mentalidade da mente de Deus.
A boa teologia forma nossa mente de uma maneira geral para pensar os
pensamentos de Deus conforme ele pensa. Mas a Escritura memorizada
molda nossa mente, o mais humana e especificamente possível, para imitar
as dobras e vincos da mente de Deus. A teologia nos leva ao estádio; a
Escritura memorizada, ao vestiário do time.
E assim a memorização da Bíblia não apenas nos prepara para um dia
qualquer que talvez usemos um versículo memorizado para aconselhar,
testemunhar ou lutar contra o pecado; antes, também contribui
poderosamente no presente para nos tornar o tipo de pessoa que anda no
Espírito hoje. Ela contribui agora mesmo para que você seja renovado “no
espírito do vosso entendimento” (Ef 4.23) e transformado “pela renovação
da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita
vontade de Deus” (Rm 12.2). Isso não apenas pode ser acessível a nós para
futuras decisões e lutas contra a tentação em vários contextos, mas o
próprio ato de memorizar as Escrituras, conforme entendemos e nos
envolvemos com o significado do texto, muda nossas mentes no presente
para nos fazer o tipo de pessoa que “experimenta qual é a vontade de
Deus”.
Memorizar as palavras de Deus hoje, então, não é apenas um depósito em
uma conta para amanhã, mas um ativo trabalhando por nós agora mesmo.
ALGUNS CHAMAM DE “MEDITAÇÃO”
Observe a ressalva acima: “conforme entendemos e nos envolvemos com o
significado do texto”. Ou seja, devemos inundar o processo de
memorização com o hábito da graça e a arte perdida que discutimos no
capítulo 3: a meditação.
Não há necessariamente nada da nova era ou transcendental na
meditação. A boa e velha versão recomendada em toda a Bíblia é pensar
profundamente sobre algumas verdades da boca de Deus, e repassá-las em
nossa mente por tempo suficiente para sentirmos seu significado em nosso
coração e até mesmo começar a vislumbrar sua aplicação em nossa vida.
Fazer com que a meditação funcione em conjunto com a memorização das
Escrituras influencia muito em como conduzimos o árduo processo de
memorização. Por um lado, isso nos faz desacelerar. Podemos memorizar as
coisas muito mais rápido se não pararmos para entender e ponderar. Mas a
mera memorização traz pouco benefício; a meditação traz muito. Quando
levamos a meditação a sério, procuramos não apenas compreender o que
estamos memorizando, mas também nos demoramos no texto e o sentimos,
e até começamos a aplicá-lo à medida que memorizamos.
Quando buscamos a memorização das Escrituras com meditação, não
estamos apenas armazenando para transformação posterior, mas
desfrutando de alimento para nossa alma hoje e experimentando a
transformação agora. E quando o foco é mais alimentar e moldar, a revisão
constante é menos importante. Textos uma vez memorizados e depois
esquecidos não são uma tragédia, mas uma oportunidade de meditar
novamente e moldar sua mente ainda mais.
REDEFINA SUA MENTE NAS COISAS DO ESPÍRITO
Outro benefício importante hoje, não apenas no futuro, é como a
memorização da Bíblia com meditação redireciona nossa alma para as
ocupações do dia. É uma forma de reajustar nossas mentes “nas coisas do
Espírito” e então se inclinar para o Espírito (Rm 8.5), que é “vida e paz”
(Rm 8.6).
A junção de meditação com memorização nos ajuda a obedecer ao
comando de Colossenses 3.2: “Pensai nas coisas lá do alto” (Cl 3.2). Isso
nos prepara para o dia “conferindo coisas espirituais com espirituais”, ao
invés de andar como “o homem natural” que “não aceita as coisas do
Espírito de Deus” (1Co 2.13-14). E, quando nos reajustamos nas coisas do
Espírito, moldando nossas mentes com as palavras de Deus, o resultado é
simplesmente notável. Paulo pergunta com Isaías: “Pois quem conheceu a
mente do Senhor, que o possa instruir?” E responde com esta revelação
surpreendente: “nós, porém, temos a mente de Cristo” (1Co 2.16; cf. Is
40.13).
A MENTE DE CRISTO É SUA
Em outras palavras, o apóstolo tem duas respostas para a pergunta: “Quem
conheceu a mente do Senhor?” A primeira está implícita na pergunta
retórica de Romanos 11.34: “Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou
quem foi o seu conselheiro?” Resposta: Ninguém. Sua mente está
infinitamente além da nossa. “Quão insondáveis são os seus juízos, e quão
inescrutáveis, os seus caminhos!” (Rm 11.33). Nenhum ser humano pode
conhecer completamente a mente de Deus.
Contudo, Paulo dá esta segunda resposta em 1 Coríntios 2.16: “nós temos
a mente de Cristo”. À medida que não apenas lemos e estudamos as
Escrituras, mas as entendemos e então meditamos e as memorizamos, cada
vez mais “temos a mente de Cristo”, sendo conformados à sua imagem.
Não podemos conhecer a mente de Deus completamente, mas podemos
fazer um progresso real em graus. E há poucas maneiras de imprimir a
mente de Deus em nossa mente como a memorização, com meditação, do
que ele disse tão claramente nas Escrituras.
DOIS GRANDES EFEITOS
Um outro texto menciona “a mente de Cristo” e aponta para dois grandes
efeitos de memorizar a mente de Deus. Filipenses 2.5, como introdução ao
famoso “hino cristológico” de Filipenses 2.6-11, diz: “Tenham entre vocês
o mesmo modo de pensar de Cristo Jesus” (NAA). E o que isso significará
em nossa vida? Duas coisas claras no contexto imediato são a unidade (Fp
1.27–2.2) e a humildade (Fp 2.3-4).
Não há melhor indicador da harmonia no corpo de Cristo do que os
membros lutando juntos para conformar suas mentes à mente de Cristo, não
apenas com conceitos cristãos, mas com as próprias palavras de Deus. Ter a
mente de Cristo nos tornará catalisadores para uma comunidade firme “em
um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica” (Fp
1.27), e que pensa a mesma coisa, tem o mesmo amor, é unida de alma e
tem o mesmo sentimento (Fp 2.2).
E tal “unidade de alma” anda de mãos dadas com a humildade de 1 Pedro
3.8. Poucas coisas cultivam humildade da mente como submeter nossa
mente às palavras de Deus, memorizando-as. E assim nos tornamos pessoas
prontas a seguir a instrução:
Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os
outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão
também cada qual o que é dos outros. (Fp 2.3-4)
Esconda as palavras de Deus em seu coração; construa um arsenal para
lutar contra a tentação. Mas não perca o poder transformador de memorizar
a mente de Deus para hoje.
3
CINCO DICAS PARA MEMORIZAR A BÍBLIA
Alguns sistemas de memorização das Escrituras são incrivelmente
desenvolvidos. Eles podem incluir caixas de versículos memorizados em
cartões ou longas listas de versículos memorizados anteriormente para
revisão. Eu admiro e aprecio aqueles que perseveram nesses sistemas e os
consideram saudáveis e sustentáveis no longo prazo. No meu caso, tal
processo ameaçaria dominar ou até devorar o tempo limitado que eu
realmente tenho diariamente para a devocional.
Em vez disso, descobri que a memória das Escrituras é para mim uma
ferramenta na maleta da meditação e um caminho importante para a
aplicação da Bíblia. A meditação é o hábito inegociável da graça que desejo
praticar todos os dias, mesmo que apenas brevemente, quando as
circunstâncias da vida devoram meu tempo.33 A memorização das Escrituras
não é algo que eu pratico diariamente, ao menos em todas as épocas da
vida, mas tento semanalmente, se não algumas vezes por semana, gastar
alguns minutos procurando memorizar algum texto poderoso que descobri
na minha leitura bíblica e quero não apenas meditar, mas memorizar, para
minha própria alma ou para meu ministério ao próximo.
Com relação a esse último ponto, uma vez fiz uma lista de “Dez
passagens para o pastor memorizar por completo”, que são textos que achei
especialmente úteis para ministrar a outros.34 Quanto ao primeiro, de
alimentar sua própria alma, incluí nas páginas seguintes “Dez versículos do
evangelho para manter aquecidos”, além de “Doze passagens do evangelho
para mergulhar”.
Antes de fornecer essas duas listas curtas de textos do evangelho, aqui
estão cinco dicas simples para memorizar as Escrituras.
1. Diversifique suas escolhas
Você pode memorizar livros ou capítulos inteiros (Romanos 8 é um
ótimo ponto de partida, ou Filipenses 3) ou seções chave.35 Minha
preferência com o passar dos anos são as seções chave (geralmente de
quatro a sete versículos, como Tito 3.1-7) que encontro ao avançar em um
plano de leitura da Bíblia. Geralmente é uma seção que considero tão rica
que meditar nela por apenas alguns minutos parece terrivelmente
inapropriado. Para desfrutar mais de seus benefícios, preciso colocá-la na
memória (Se você está procurando algumas seções chave para começar a
memorizar, tente Cl 1.15-20; Jo 1.1-14; Hb 1.1-4 e Fp 2.5-11).
2. Leve com você ao longo do dia
Escreva a passagem ou torne-a evidente e facilmente acessível em um
tablet ou telefone. Eu não sugeriria restringir sua memorização à quarentena
em um determinado período do dia, mas estendê-la para todo o seu viver.
Reproduza uma gravação de áudio no carro, leia um pedaço de papel
enquanto estiver na fila. Coloque um texto na tela inicial para que você veja
quando olhar para o seu smartphone.
3. Procure compreender, sentir e aplicar o texto enquanto você
memoriza
Resista ao impulso de ver apenas a memória como objetivo. Aprender o
texto “de cor” é secundário; levar o texto ao coração é o principal. Não
memorize sem pensar, mas envolva-se no texto e em seu significado — não
apenas nas implicações para sua vida, mas nos efeitos que ele deve ter em
suas emoções.
4. Transforme seu texto em oração
Momentos de oração pessoal e comunitária são ótimos para exercitar o
que você está memorizando, e ver e sentir de um ângulo novo ao voltar-se
para Deus e expressar seu significado para os outros. Houve momentos em
que orar algum texto memorizado tornou-se o caminho para ver novas
glórias que até então estavam escondidas para mim.
5. Memorize à luz do Evangelho
Finalmente, deixe a verdade de Colossenses 3.16 moldar sua
memorização: “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo” A “palavra
de Cristo” aqui, ou “mensagem de Cristo”, não é primariamente a Escritura,
mas o evangelho. Então, em outras palavras, memorize à luz do evangelho.
Memorizar as Escrituras, por si só, não é algo necessariamente cristão.
Jesus falou com líderes judeus que haviam memorizado mais do Antigo
Testamento do que nós, e disse-lhes: “Examinais as Escrituras, porque
julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim.
Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo 5.39-40). E Paulo
falou sobre os judeus que conheciam intimamente as Escrituras,
Mas os sentidos deles se embotaram. Pois até ao dia de hoje, quando fazem a leitura da antiga
aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado que, em Cristo, é removido. Mas
até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Quando, porém, algum
deles se converte ao Senhor, o véu lhe é retirado. (2Co 3.14-16)
Quer estejamos memorizando textos do Antigo Testamento ou do Novo,
esta é a nossa necessidade constante: nos convertermos ao Senhor. Em
nossa memorização, seja de livros inteiros, capítulos, passagens ou
versículos únicos, devemos sempre ter em mente as grandes lições de Jesus
em Lucas 24 sobre a interpretação da Bíblia: “expunha-lhes o que a seu
respeito constava em todas as Escrituras” (Lc 24.27), e “lhes abriu o
entendimento para compreenderem as Escrituras”, e que “importava se
cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e
nos Salmos” (Lc 24.44-45).
3
DEZ VERSÍCULOS DO EVANGELHO PARA MANTER
AQUECIDOS
A memorização da Bíblia é sempre um tempo bem gasto. Toda
memorização das Escrituras é “útil para o ensino, para a repreensão, para a
correção, para a educação na justiça” (2Tm 3.16). E especialmente úteis são
as declarações do evangelho em um versículo.
Quando você memoriza um “versículo do evangelho” e o mantém
quente, você esconde em seu coração uma expressão divinamente inspirada
e inerrante, em linguagem humana, do ponto principal de toda a Bíblia e de
toda a história. Você carrega consigo a espada do Espírito em seu metal
mais forte. Resumos de uma frase da mensagem central da Bíblia
fortalecem nossa espinha dorsal espiritual e solidificam nosso núcleo,
enraizando-nos profundamente no alicerce do coração de Deus e na
natureza do mundo que ele fez, e nos enviam para um combate confiante
contra a incredulidade, nossa ou de outros. Os versículos do evangelho são
inestimáveis tanto para evangelismo quanto discipulado.
Portanto, junto com outros esforços de memorização das Escrituras,
espalhe alguns versículos do evangelho que orientem, moldem e temperem
todo o seu reservatório. Por “versículos do evangelho”, tenho em mente
versículos como João 3.16 (não despreze esse versículo por sua fama; ele é
bem conhecido por um bom motivo), versículos que comunicam
sucintamente que Jesus salva pecadores.
Aqui está uma lista inicial de dez. Você pode ficar atento a outros e
adicioná-los conforme avança; não se surpreenda se encontrar muitos em
Romanos.
Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em
resgate por muitos. (Mc 10.45)
Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós,
sendo nós ainda pecadores. (Rm 5.8)
Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo
Jesus, nosso Senhor. (Rm 6.23)
Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. (Rm 8.1)
Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não
nos dará graciosamente com ele todas as coisas? (Rm 8.32)
Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos
justiça de Deus. (2Co 5.21)
Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de
vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos. (2Co 8.9).
Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os
pecadores, dos quais eu sou o principal. (1Tm 1.15)
Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e
enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados. (1Jo 4.10)
E entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque
foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua,
povo e nação. (Ap 5.9)
David Mathis, “Dez passagens para o pastor memorizar por completo”, 22 abr. de 2022, Voltemos ao Evangelho, www.voltemosaoevangelho.com/blog/2022/04/dez-passagens-para-o-
O texto mais aclamado que conheço para memorizar livros inteiros da Bíblia (e que está disponívei em PDF gratuito) é Andrew Davis, “An Approach to Extended Memorization of
Scripture”, Two Journeys, www.twojourneys.org/all-books/an-approach-to-extended-memorization-of-scripture/ (acesso em: 2 de maio de 2022) [edição em português: Um
www.coalizaopeloevangelho.org/.
Parte 2 | Ser ouvido por Deus — Oração
7 | Desfrute da dádiva de ser ouvido por Deus
Ele é “o Deus de toda graça” (1Pe 5.10). Ele não apenas nos escolheu
antes da fundação do mundo, e deu seu Filho para nos salvar e nos fazer
nascer de novo, mas também sustenta toda a nossa vida cristã, desde o
primeiro dia até aquele Dia, em sua graça incomparável. Ele cobre nossas
vidas com sua inesperada bondade, por meio de pessoas e circunstâncias,
nos momentos bons e ruins, e nos derrama um favor imprevisto na saúde e
na doença, na vida e na morte.
Mas, como vimos, ele nem sempre nos pega desprevenidos; geralmente
não é o caso. Deus tem seus canais regulares — os meios da graça, aqueles
caminhos bem batidos pelos quais ele tantas vezes tem o prazer de passar e
derramar sua bondade sobre aqueles que esperam ansiosamente. As
principais vias são sua palavra, sua igreja e a oração. Ou sua voz, seu corpo
e seus ouvidos. Agora mudamos nosso foco de sua voz para seus ouvidos.
Mas devemos entender que ele ouvir nossa oração tem relação com o
ouvirmos em sua palavra.
O DEUS QUE FALA E OUVE
Primeiro soa sua voz. Por sua palavra, ele se revela e expressa seu coração,
e revela seu Filho como a culminação de seu falar. Por sua palavra, ele cria
(Gn 1.3) e recria (2Co 4.4), não apenas membros individuais, mas um corpo
chamado de igreja (que é o meio de graça do qual trataremos na parte 3).
E, a maior das maravilhas, ele não apenas se expressa e nos convida a
ouvir sua voz, mas também quer ouvir a nossa. O Deus que fala não só
falou, mas também ouve — ele para, ele se inclina, ele quer ouvir você. Ele
está pronto para ouvir sua voz.
Cristão, Deus dá ouvidos a você. Chamamos isso de oração.
UMA CONVERSA QUE NÃO COMEÇAMOS
Oração, dito de maneira simples, é falar com Deus. É irredutivelmente
relacional. É pessoal; ele é a Pessoa Absoluta e nós somos pessoas
derivadas, moldadas à sua imagem. Em certo sentido, a oração é tão básica
quanto pessoas se relacionando umas com as outras, conversando,
interagindo, mas com esta ressalva significativa: neste relacionamento, não
conversamos como iguais. Ele é o Criador e nós somos criaturas. Ele é o
grande Senhor e nós somos seus servos felizes. No entanto, por causa de
seu incrível amor e graça extravagante, ele nos convida a interagir. Ele
abriu sua boca e falou conosco. Agora ele abre seus ouvidos para nos ouvir.
Oração, para o cristão, não é apenas falar com Deus, mas responder
àquele que primeiro veio em nossa direção. Ele falou primeiro. Essa não é
uma conversa que começamos, mas um relacionamento para o qual fomos
atraídos. Sua voz quebra o silêncio. Então, em oração, falamos com o Deus
que falou. Nosso pedir, implorar e suplicar não se origina de nosso vazio,
mas de sua plenitude. A oração não começa com nossas necessidades, mas
com sua generosidade. Sua origem está primeiro na adoração e só depois na
petição. A oração é um reflexo da graça que ele dá aos pecadores que salva.
É a solicitação da sua provisão em vista do poder que ele demonstrou.
A oração é a resposta alegre da noiva, em uma relação alegremente
submissa com seu Noivo, respondendo às suas iniciativas de sacrifício e
doação de vida. É, portanto, uma graça impressionante que encontramos em
uma declaração tão simples do salmista, que se aplica a todo cristão: “O
Senhor aceita a minha oração” (Sl 6.9).
O GRANDE PROPÓSITO DA ORAÇÃO
Não deveria nos surpreender, então, descobrir que a oração não é, por
fim, obter coisas de Deus, mas obter Deus. Nascida em resposta à sua voz, a
oração faz seus pedidos a Deus, mas não se contenta em receber apenas de
Deus. A oração deve receber ele mesmo. John Piper escreve:
Não é errado querer as dádivas de Deus e pedi-las. A maioria das orações na Bíblia é para
pedir as dádivas de Deus. No entanto, toda dádiva deve ser desejada essencialmente porque ela
nos mostra mais de Deus e nos acrescenta mais dele […] Quando o mundo todo falha, a base
para a alegria permanece. Deus. Assim, é secundária cada oração pela vida, pela saúde, pelo
lar, pela família, pelo emprego e pelo ministério. O grande propósito da oração é pedir que —
em todas as suas dádivas e por meio delas — Deus seja nossa alegria.38
Ou, como C. S. Lewis disse de maneira tão memorável: “Oração no
sentido de petição, de pedir coisas, é uma pequena parte dela; a confissão e
a penitência são seu princípio; a adoração, seu santuário; a presença e a
visão e o deleite de Deus, seu pão e vinho”.39 O grande propósito da oração
é chegar com humildade, expectativa e — por causa de Jesus — com
ousadia à presença consciente de Deus, relacionar-se com ele, conversar
com ele e, por fim, desfrutá-lo como nosso grande tesouro.
PRÁTICAS DE ORAÇÃO EM PERSPECTIVA
Portanto, a oração — ser ouvido por Deus — é, em última análise, ter mais
de Deus. E ser ouvido por Deus (assim como ouvir sua voz) não tem a ver
primeiramente com nossas práticas e posturas particulares — os hábitos
específicos que desenvolvemos — mas com o princípio de nos
relacionarmos continuamente com ele, em particular e com outros. Ele é
santo, por isso o exaltamos (adoração). Ele é misericordioso, e por isso
confessamos nossos pecados (confissão). Ele é gracioso e, por isso,
expressamos nossa gratidão (agradecimento). Ele é amoroso e atencioso,
por isso, pedimos a ele por nós, nossa família, nossos amigos e nosso
mundo (súplica).40
A oração é parte integrante de um relacionamento contínuo com Deus;
por isso, o livro de Atos não enfatiza os momentos e lugares específicos de
oração da igreja primitiva, mas nos diz: “Todos estes perseveravam
unânimes em oração” (At 1.14). E Paulo não exige da igreja hábitos
prescritos específicos, mas que sejam “na oração, perseverantes” (Rm
12.12), e ordena: “Perseverai na oração” (Cl 4.2), “orai sem cessar” (1Ts
5.17), “com toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito” (Ef.
6.18). A oração é, acima de tudo, uma orientação de vida, antes de práticas
e padrões particulares que podem ser característicos de uma certa
comunidade ou tempo da vida, ou de uma época da história da igreja.
Esse chamado abrangente para a oração, como vemos no Novo
Testamento, não é constituído de realização impessoal e disciplina crua,
mas de relacionamento íntimo. Não traz em si uma dura vontade humana,
mas um Pai divino extraordinariamente atento, que está ansioso por dar
“coisas boas aos que lhe pedirem” (Mt 7.11). Ele não é apenas um Pai que
revela sua generosidade em palavras e que “sabe o de que tendes
necessidade, antes que lho peçais” (Mt 6.8), mas ele quer que você peça.
Ele quer ouvir. Ele quer interagir. Ele quer nos ter não em um
relacionamento hipotético, mas real. Ele está mais pronto para nos ouvir do
que nós, para orar.
EM NOME DE JESUS ORAMOS
Tudo isso só é possível por meio da pessoa e da obra do Filho de Deus.
Jesus não apenas morreu pelos nossos pecados (1Co 15.3), para mostrar o
amor de Deus por nós (Rm 5.8), mas ele saiu da sepultura e ascendeu ao
céu como um precursor por nós (Hb 6.20), comparecendo diante do próprio
Pai (Hb 9.24). Jesus está “à direita de Deus e também intercede por nós”
(Rm 8.34). Tendo vencido a morte, o Deus-homem, tendo seu corpo
glorificado, “pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus,
vivendo sempre para interceder por eles” (Hb 7.25). Ser ouvido por Deus é
tão certo quanto ter o Filho de Deus.
E assim, sob essa luz, transformaremos as intenções gerais em caminhos
mais específicos nos próximos capítulos e, então, em planos ainda mais
específicos em nossas comunidades particulares e vidas individuais.
Desenvolveremos hábitos de vida — hábitos de graça. Encontraremos uma
hora e um lugar regulares. Oraremos sozinhos e com os outros. Oraremos
“no quarto” e ao longo do dia. A oração será programada e espontânea.
Estará no carro, à mesa, entre compromissos e ao lado da cama. Oraremos
por meio das Escrituras, em resposta direta à palavra de Deus. Adoraremos,
confessaremos, agradeceremos e suplicaremos. Aprenderemos a orar
orando, e orando com outras pessoas, e descobriremos que “orar
regularmente com outras pessoas pode ser uma das aventuras mais
enriquecedoras de sua vida cristã”.41 Exploraremos tudo isso e muito mais
nas páginas a seguir.
Somos ouvidos por Deus. Vamos aproveitar isso ao máximo.
John Piper, Quando eu não desejo Deus (São Paulo: Cultura Cristã, 2018), p. 138.
C. S. Lewis, A última noite do mundo (Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2018), loc. 137 (e-book kindle).
Adoração, confissão, agradecimento e súplica formam o “ACAS” da oração, que são uma forma de memorização simples para os vários tipos de oração que tornam nossa abordagem
a Deus saudável e completa. Falaremos mais no próximo capítulo sobre o “ACAS” da oração.
Donald S. Whitney, Spiritual Disciplines for the Christian Life, ed. rev. (Colorado Springs: NavPress, 2014), p. 93 [edição em português: Disciplinas espirituais (São Paulo: Editora
Tim Keller, Oração: Experimentando intimidade com Deus (São Paulo: Vida Nova, 2016), p. 32.
John Piper, Quando eu não desejo Deus (São Paulo: Cultura Cristã, 2018), p. 148.
David Hanes (ed.), My Path of Prayer: Personal Glimpses of the Glory and the Majesty of God Revealed through Experiences of Prayer (West Sussex: Henry Walter, 1981), p. 56.
A Narrative of Some of the Lord’s Dealings with George Mueller, Written by Himself, Jehovah Magnified. Addresses by George Mueller Complete and Unabridged, (Muskegon, MI:
Dust and Ashes, 2003), vol. 1, p. 272–73. Para um excelente livro recente sobre este assunto, veja Donald S. Whitney, Praying the Bible (Wheaton, IL: Crossway, 2015).
Law, A Serious Call to a Devout and Holy Life (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1966), p. 154.
Não desprezo a oração baseada em listas, mas aconselharia você a evitar os perigos descritos por Timothy Keller, citando J. I. Packer, em Oração: Experimentando intimidade com
George Hebert, “Prayer (I)”, Poetry Foundation, www.poetryfoundation.org/poem/173636 (acesso em: 2 de maio de 2022).
Este é o refrão de John Piper em todo a sua obra, e a missão do desiringGod.org, no qual atuo como editor executivo, é ajudar as pessoas em todos os lugares a compreender e adotar
essa verdade.
Muito poderia ser dito sobre o ato de ungir com óleo. Embora este não seja o lugar para um tratamento completo, vale a pena resumir brevemente, em um livro sobre os meios da
graça, a essência desse ato e como ele pode acompanhar a oração como meio de graça para o cristão.
Alguns especularam que a unção em Tiago 5 é medicinal e que as instruções são simplesmente usar o remédio da época junto com a oração. Essa visão parece
ignorar a riqueza da teologia bíblica sobre o simbolismo e o significado da unção — uma teologia que culmina no próprio Cristo como o Ungido (Cristo significa
“ungido”).
Em toda a Bíblia, a unção com óleo simboliza a consagração a Deus (Ex 28.41; Lc 4.18; At 4.27; 10.38; 2Co 1.21; Hb 1.9), com Cristo sendo a maior manifestação
de consagração a Deus em sua vida humana perfeita, morte humana sacrificial e ressurreição humana vitoriosa. Ungir com óleo é um ato corporal externo que acompanha
e dá expressão ao desejo interno e à disposição de fé de dedicar alguém ou algo a Deus de alguma forma especial.
Aqui em Tiago 5, como Douglas Moo escreve: “Ao orarem, os presbíteros podiam ungir a pessoa doente, a fim de simbolizar que ela estava sendo ‘separada’ para
receber atenção e cuidado especiais de Deus”. Douglas Moo, Tiago: introdução e comentário (São Paulo: Vida Nova, 1990), p. 178. Semelhante a Tiago 5.14, Marcos 6.13
menciona a unção com óleo como um meio de graça que acompanha a oração dos apóstolos pelos enfermos. Os discípulos “curavam numerosos enfermos, ungindo-os
com óleo”. Ele não produz cura automaticamente, mas é uma expressão de súplica que intensifica a oração a Deus, pedindo e esperando que ele cure.
Timothy Keller, Oração: Experimentando intimidade com Deus (São Paulo: Vida Nova, 2016), p. 33.
Ibid., p. 126.
10 | Afie suas afeições com o jejum
O jejum tem passado por tempos difíceis — pelo menos, ao que parece,
entre os estômagos cheios de muitas de nossas igrejas. Falo como um dos
bem alimentados.
Certamente, você encontrará exceções aqui e ali. Alguns bolsões
valorizam tanto o contracultural a ponto de conduzir seus veículos para o
fosso do ascetismo. Mas eles estão em número muito menor do que o resto
de nós, nadando na direção oposta. Os perigos do ascetismo são grandes,
superados apenas pelos do excesso de condescendência.
Nosso problema pode ser a forma como pensamos sobre o jejum. Se a
ênfase for na abstinência, e o jejum for um mero dever a cumprir, então
apenas os mais obstinados entre nós superarão os obstáculos sociais e de
autossatisfação para realmente colocar essa disciplina em prática.
Mas se formos despertados para ver o jejum pela alegria que ele pode
trazer, como um meio da graça de Deus para fortalecer e aprofundar nossos
afetos para com Deus, então podemos estar diante de uma nova ferramenta
poderosa para enriquecer nosso prazer em Jesus.
O QUE É O JEJUM?
O jejum é uma medida excepcional, projetada para canalizar e expressar
nosso desejo por Deus e nosso santo descontentamento em um mundo
caído. É para aqueles que não estão satisfeitos com o status quo. Para os
que desejam mais da graça de Deus. Para os que se sentem verdadeiramente
necessitados de Deus.
As Escrituras incluem muitas formas de jejum: pessoal e comunitário,
público e particular, congregacional e nacional, regular e ocasional, parcial
e absoluto. Normalmente, pensamos no jejum como uma renúncia
voluntária à comida por um tempo limitado, por um propósito espiritual
expresso.
Também podemos fazer jejum de outras coisas boas além de comida e
bebida. Martyn Lloyd-Jones disse: “O jejum, na realidade, deveria incluir a
abstinência de qualquer coisa, legítima em si mesma, tendo-se em vista
algum propósito espiritual especial”.55 Mas o jejum cristão normal significa
de maneira privada e ocasional escolher ficar sem comida (mas não sem
água) por algum período especial (um dia, três, sete etc.) em vista de algum
propósito espiritual específico.
De acordo com Donald S. Whitney, os propósitos espirituais do jejum
incluem:
• Fortalecer a oração (Ed 8.23; Jl 2.13; At 13.3);
• Buscar a orientação de Deus (Jz 20.26; At 14.23);
• Expressar lamento (1Sm 31.13; 2Sm 1.11-12);
• Buscar libertação ou proteção (2Cr 20.3-4; Ed 8.21-23);
• Expressar arrependimento e voltar para Deus (1Sm 7.6; Jn 3.5-8);
• Humilhar-se diante de Deus (1Rs 21.27-29; Sl 35.13);
• Expressar preocupação com a obra de Deus (Ne 1.3-4; Dn 9.3);
• Ministrar às necessidades do próximo (Is 58.3-7);
• Vencer a tentação e dedicar-se a Deus (Mt 4.1-11);
• Expressar amor e adoração a Deus (Lc 2.37).56
Embora os potenciais propósitos sejam muitos, será mais útil
concentrarmos nossos pensamentos sobre o jejum, neste breve capítulo,
nesse último ponto. Ele abrange todos os outros e atinge a essência do que
torna o jejum um meio de graça tão poderoso.
Whitney descreve desta maneira: “O jejum pode ser a expressão de ter
encontrado o seu maior prazer e alegria na vida em Deus”. E ele cita uma
frase útil de Matthew Henry, que diz que o jejum serve para “afiar as
afeições da devoção”.57
JESUS PRESUME QUE JEJUAREMOS
Embora o Novo Testamento não inclua a ordem para que os cristãos jejuem
em determinados dias ou com uma frequência específica, Jesus claramente
presume que jejuaremos.
É uma ferramenta poderosa demais para ficar o tempo todo na prateleira
juntando poeira. Embora muitos textos bíblicos mencionem o jejum, os dois
mais importantes aparecem separados por apenas alguns capítulos no
Evangelho de Mateus.
O primeiro é Mateus 6.16-18, que vem em sequência aos ensinamentos
de Jesus sobre generosidade e oração:
Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram o
rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que eles já
receberam a recompensa. Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto, com o fim
de não parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto; e teu Pai, que vê em
secreto, te recompensará.
O jejum é tão básico para o Cristianismo quanto pedir a Deus ou doar ao
próximo. A chave aqui é que Jesus não diz “se você jejuar”, mas “quando
você jejuar”.
O segundo é Mateus 9.14-15, que talvez seja ainda mais claro. Os
cristãos de hoje ainda devem jejuar? A resposta de Jesus é um retumbante
sim.
Vieram, depois, os discípulos de João e lhe perguntaram: Por que jejuamos nós, e os fariseus
[muitas vezes], e teus discípulos não jejuam? Respondeu-lhes Jesus: Podem, acaso, estar
tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo está com eles? Dias virão, contudo,
em que lhes será tirado o noivo, e nesses dias hão de jejuar. (Mt 9.14-15)
Quando Jesus, nosso noivo, estava aqui na terra entre seus discípulos, era
um tempo para a disciplina do banquete.58 Mas agora que ele foi “tirado” de
seus discípulos, eles “hão de jejuar”. Não é que eles “poderão jejuar, se for
o caso”, mas “hão de jejuar”. Isso é confirmado pelo padrão de jejum que
surgiu imediatamente, na igreja primitiva (At 9.9; 13.2; 14.23).
AFIE SEUS SENTIMENTOS
O que torna o jejum uma dádiva tão especial é sua capacidade, com a ajuda
do Espírito Santo, de direcionar nossos sentimentos e expressão a Deus em
oração. O jejum caminha ombro a ombro com a oração. Como diz John
Piper, o jejum é “o servo faminto da oração”, que “revela e corrige”:
Ele revela a medida do domínio da comida sobre nós — ou da televisão, do computador ou
qualquer outra coisa a qual nos submetemos para ocultar a ausência de nossa fome por Deus.
Ele corrige ao intensificar a seriedade de nossa oração e dizer com o nosso corpo o que a
oração diz com o coração: desejo estar satisfeito apenas em Cristo!59
Aquela queimação interna, o fogo em seu estômago, ardendo para que
você o alimente com mais comida, sinaliza a hora da ação para o jejum
como um meio de graça. Somente quando abraçamos voluntariamente a dor
de um estômago vazio é que vemos o quanto permitimos que nossa barriga
seja nosso deus (Fp 3.19).
E nesse desconforto torturante da fome crescente está o motor do jejum,
gerando o lembrete de direcionar a Deus o nosso anseio pela comida, e
inspirar maiores anseios por Jesus. O jejum, diz Piper, é o ponto de
exclamação físico no final da frase: “Ó Deus, eis o quanto te desejo!”60
VOCÊ VAI JEJUAR?
Poderíamos falar mais sobre a rica teologia por trás do jejum cristão, mas
esse hábito da graça é bastante simples. A questão é: você se beneficiará
desse poderoso meio da graça de Deus?
Jejuar, assim como o evangelho, não é para os autossuficientes e aqueles
que sentem que tudo está em ordem. É para os pobres de espírito. É para os
que choram. Para os mansos. Para os que têm fome e sede de justiça. Em
outras palavras, o jejum é para cristãos.
É uma medida desesperada, para tempos de desespero, entre aqueles que
se reconhecem desesperados por Deus.
3
O CAMINHO LENTO PARA O BOM JEJUM
Provavelmente, você está entre o grande número de cristãos que raramente
ou nunca jejuam. Não é porque não lemos nossas Bíblias, não assistimos a
pregações fiéis, não ouvimos sobre o poder do jejum ou porque não
queremos genuinamente fazer isso. Nós simplesmente acabamos nunca
fazendo jejum.
Parte disso pode ser porque vivemos em uma sociedade em que a comida
é tão onipresente que comemos não apenas quando não precisamos, mas às
vezes quando nem mesmo queremos. Comemos para partilhar uma refeição
com outras pessoas, para construir ou desenvolver relacionamentos (e são
bons motivos), ou apenas por pressão dos colegas.
E, claro, existem nossos próprios anseios e desejos de conforto que nos
afastam do desconforto do jejum.
QUANDO VOCÊ JEJUAR
O jejum é marcadamente contracultural em nossa sociedade consumista,
assim como abster-se de sexo até o casamento. Se queremos aprender a arte
perdida do jejum e saborear seu doce fruto espiritual, não será com nossos
ouvidos atentos à sociedade, mas com nossas Bíblias abertas. Então, nossa
preocupação não será se jejuaremos ou não, mas quando. Como vimos,
Jesus presume que seus seguidores jejuarão e promete que isso acontecerá.
Ele não diz “se”, mas “quando jejuardes” (Mt 6.16); e não diz que seus
seguidores talvez jejuem, mas “hão de jejuar” (Mt 9.15).
Jejuamos nesta vida porque cremos na vida por vir. Não precisamos obter
tudo aqui e agora, porque temos a promessa de que teremos tudo na era por
vir. Jejuamos do que podemos ver e provar, porque provamos e vimos a
bondade do Deus invisível — e estamos desesperadamente famintos por
mais dele.
MEDIDA RADICAL E TEMPORÁRIA
O jejum é para este mundo, para exercitar nosso coração a obter ar fresco,
acima da dor e dos problemas ao nosso redor. E é por causa do pecado e da
fraqueza dentro de nós, pelos quais expressamos nosso descontentamento e
ansiamos por mais de Cristo.
Quando Jesus voltar, o jejum acabará. É uma medida temporária, para
esta vida e época, para enriquecer nossa alegria em Jesus e preparar nossos
corações para o porvir e para vê-lo face a face. Quando ele retornar, ele não
proclamará um jejum, mas dará um banquete; então, toda a santa
abstinência terá servido ao seu propósito glorioso e será vista por todos
como a dádiva que foi.
Mas até lá, jejuaremos.
COMO COMEÇAR A JEJUAR
Jejuar é difícil. Parece muito mais fácil no conceito do que na prática. Pode
ser surpreendente como nos sentimos tensos quando perdemos uma
refeição. Muitos novos jejuadores idealistas já decidiram pular uma
refeição, mas logo descobriram que suas barrigas os levaram a deixar de
lado seu propósito muito antes de chegar a próxima refeição.
O jejum parece tão simples, mas o mundo, nossa carne e o Diabo
conspiram para introduzir todos os tipos de complicações que impedem que
isso aconteça. Para ajudá-lo a iniciar o longo caminho para um bom jejum,
aqui estão seis conselhos simples. Essas sugestões podem parecer pedantes,
mas espero que esses conselhos básicos possam servir àqueles que são
novos no jejum ou que nunca tentaram seriamente.
1. Comece aos poucos
Não comece com uma semana inteira de jejum. Comece com uma
refeição; você pode jejuar em uma refeição por semana durante várias
semanas. Depois, tente duas refeições e avance para um jejum de um dia
inteiro. Talvez, eventualmente, você possa tentar um jejum de dois dias,
tomando apenas sucos.
Um jejum de suco significa abster-se de todos os alimentos e bebidas,
exceto suco e água. Permitir-se tomar suco fornece nutrientes e açúcar para
manter o corpo funcionando, enquanto ainda sente os efeitos de ficar sem
alimentos sólidos (não é recomendado que você se abstenha de água
durante nenhum jejum).
2. Planeje o que você fará em vez de comer
O jejum não é apenas um ato de autoprivação, mas uma disciplina
espiritual para buscar mais da plenitude de Deus. Isso significa que
devemos ter um plano do que buscar positivamente no tempo que
normalmente usamos para comer. Passamos boa parte do dia com um garfo
na mão. Uma parte significativa do jejum é o tempo que ele cria para a
oração e meditação na palavra de Deus.
Antes de mergulhar de cabeça em um jejum, elabore um plano simples.
Conecte-o ao propósito de seu jejum. Cada jejum deve ter um propósito
espiritual específico. Identifique qual é o propósito e defina um foco para
substituir seu tempo de comer. Sem um propósito e um plano, não é um
jejum cristão; é apenas passar fome.
3. Considere como isso afetará os outros
O jejum não é licença para sermos rudes. Seria triste não nos preocupar
ou cuidar dos outros ao nosso redor por causa dessa expressão de foco mais
intenso em Deus. Amor a Deus e ao próximo andam juntos. O bom jejum
mistura a preocupação horizontal com a vertical. Na verdade, os outros
deveriam se sentir mais amados e cuidados quando estamos jejuando.
Portanto, ao planejar seu jejum, considere como isso afetará outras
pessoas. Se você regularmente almoça com colegas ou janta com a família
ou amigos, avalie como sua abstinência os afetará e avise-os com
antecedência, em vez de apenas não comparecer ou avisá-los em cima da
hora.
Além disso, considere esta inspiração alternativa para o jejum: se você
tem o hábito diário ou semanal de comer com um determinado grupo de
amigos ou familiares e esses planos são interrompidos por viagem, férias de
alguém ou por circunstâncias atípicas, considere isso como uma
oportunidade para jejuar, em vez de comer sozinho.
4. Experimente diferentes tipos de jejum
A forma típica de jejum é pessoal, particular e parcial, mas encontramos
uma variedade de formas na Bíblia: pessoal e comunitário, particular e
público, congregacional e nacional, regular e ocasional, absoluto e parcial.
Em particular, considere jejuar com sua família, pequeno grupo ou igreja.
Vocês compartilham alguma necessidade especial de sabedoria e orientação
de Deus? Existe uma dificuldade incomum na igreja, ou sociedade, para a
qual você precisa da intervenção de Deus? Você quer manter a segunda
vinda de Cristo em vista? Suplique com especial fervor pela ajuda de Deus,
dando as mãos a outros crentes para jejuarem juntos.
5. Jejue de algo além de comida
O jejum de comida não é necessariamente para todos. Algumas
condições de saúde afastam até os mais devotos do cardápio tradicional. No
entanto, o jejum não se limita a se abster de alimentos, como vimos com
Martyn Lloyd-Jones: “O jejum, na realidade, deveria incluir a abstinência
de qualquer coisa, legítima em si mesma, tendo-se em vista algum propósito
espiritual especial”.61
Se o mais sábio para você, em sua condição de saúde, é não ficar sem
comer, considere jejuar de televisão, computador, redes sociais ou de algum
outro tipo de diversão regular que incline seu coração para um deleite maior
em Jesus. Paulo fala até mesmo sobre casais que jejuam de sexo “por algum
tempo, para vos dedicardes à oração” (1Co 7.5).
6. Não pense no elefante na sala
Quando seu estômago vazio começar a roncar e a enviar a seu cérebro
todos os sinais possíveis de “alimente-me”, não se contente em deixar sua
mente pensar no fato de que você não comeu. Se você conseguir passar por
isso devido apenas a uma grande determinação pessoal e dizendo não ao
seu estômago, mas sem conduzir sua mente para outro lugar, esse não é o
verdadeiro jejum.
O jejum cristão volta sua atenção para Jesus ou alguma grande causa dele
no mundo. O jejum cristão busca usar as dores da fome e torná-las o tom de
algum hino eterno, seja lutando contra algum pecado, clamando pela
salvação de alguém, pela causa dos não nascidos, ou ansiando por um
prazer maior em Jesus.
D. Martyn Lloyd-Jones, Estudos no sermão do monte (São José dos Campos: Editora Fiel, 2014), p. 325.
Donald S. Whitney, Spiritual Disciplines for the Christian Life, ed. rev. (Colorado Springs: NavPress, 2014), p. 200–17 [edição em português: Disciplinas espirituais (São Paulo:
Matthew Henry, Commentary on the Whole Bible (Nova York: Funk and Wagnalls, s.d.), vol. 4, p. 1478, citado em Spiritual Disciplines for the Christian Life, p. 214.
Muito poderia ser dito sobre o banquete como uma disciplina espiritual a ponto de preencher um capítulo inteiro, mas talvez eu possa fazer ainda melhor, recomendando a você o
trabalho de Joe Rigney em As coisas da terra: estimar a Deus ao desfrutar de suas obras (Brasília: Monergismo, 2017). Alguns leitores podem supor que os estômagos fartos
dificilmente precisam de qualquer instrução sobre banquetes, visto que nos acostumamos a isso, ao passo que o jejum é a disciplina grosseiramente em falta. É verdade que o
jejum é amplamente negligenciado e muitas vezes esquecido, mas o verdadeiro banquete também está em declínio devido à familiaridade, ao abuso e à falta de propósito
espiritual. Quando todo dia se torna uma celebração, nenhum dia é verdadeiramente uma celebração. Precisamos recuperar o significado espiritual de celebrarmos juntos na fé
— não simplesmente desfrutar, mas celebrar explicitamente juntos, em ocasiões especiais, a generosidade e a bondade de nosso Criador e Redentor. Para o cristão, nosso
consumo diário normal deve ser caracterizado por moderação, de maneira que o banquete seja algo que possamos desfrutar em ocasiões especiais, pela fé e em boa consciência,
em vez de ser o básico de todos os dias. A contenção diária mantém nossos estômagos preparados para os momentos de jejum e torna possível uma espécie de satisfação
John Piper, Quando eu não desejo Deus (São Paulo: Cultura Cristã, 2018), p. 165.
John Piper, Hunger for God (Wheaton, IL: Crossway, 2013), p. 25–26 [edição em português: Fome por Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2013]. Para um tratamento mais completo
D. Martyn Lloyd-Jones, Estudos no sermão do monte (São José dos Campos: Editora Fiel, 2014), p. 325.
11 | O diário como um caminho para a alegria
Talvez você nunca tenha pensado em um diário como um possível meio de
graça. Parece algo apenas para o mais narcisista dos introvertidos, ou algo
fofo para meninas, mas impraticável para adultos. Quem, eu? Um diário?
Estou muito ocupado com o hoje e o amanhã para gastar mais tempo com o
ontem. Talvez você tenha razão. Talvez sua noção de diário esteja muito
voltada para o próprio umbigo e quase nada para seu valor real.
Mas, e se houvesse outra visão? E se o diário não fosse simplesmente
para registrar o passado, mas se preparar para o futuro? E se, por causa da
graça de Deus em nosso passado e suas promessas para o nosso futuro, o
diário aprofundasse sua alegria no presente?
Talvez nenhum novo hábito possa enriquecer sua vida espiritual tanto
quanto manter um diário.
SEM MANEIRA ERRADA, SEM OBRIGAÇÃO
Um bom diário é de fato o que você fizer dele. Pode ser um documento no
seu computador ou apenas um bom e velho caderno. Pode ser formal ou
informal, ter anotações longas ou curtas,
ser uma parada diária ou algo apenas ocasional. Pode ser um lugar para
registrar as providências de Deus, escavar as camadas do seu próprio
coração, escrever orações, meditar nas Escrituras e sonhar com o futuro.
O objetivo não é deixar um catálogo impressionante de suas realizações
incríveis e percepções brilhantes para as gerações futuras lerem e
admirarem. Deixe essa ideia morrer antes de pegar sua caneta. O objetivo é
a glória de Cristo, não a sua, em seu progresso contínuo à semelhança dele,
para a expansão e enriquecimento de sua alegria.
Mesmo que muitos dos salmos possam ser lidos como anotações de
diário divinamente inspiradas, as Escrituras não nos ordenam manter um
diário em lugar algum. Ao contrário de outras disciplinas espirituais, Jesus
não nos deixou nenhum modelo para o diário; ele não tinha um.
O diário não é essencial para a vida cristã. Mas é uma oportunidade
poderosa, especialmente com as tecnologias que temos disponíveis hoje.
Muitos ao longo da história da igreja e ao redor do mundo encontraram no
diário um meio regular da graça de Deus em suas vidas.
POR QUE UM DIÁRIO?
Com os olhos da fé, a vida cristã é uma grande aventura, e um diário pode
ser muito benéfico para amadurecer nossa alegria ao longo da jornada.
Sempre há mais acontecendo em nós e ao nosso redor do que podemos
apreciar no momento. O registro no diário é uma forma de desacelerar a
vida por apenas alguns momentos e tentar processar pelo menos um
fragmento dela para glorificarmos a Deus, crescermos e nos
desenvolvermos e saborearmos os detalhes.
Fazer anotações no diário tem o apelo de misturar os movimentos de
nossa vida com a mente de Deus. Permeado com oração e saturado com a
palavra de Deus, ele pode ser uma maneira poderosa de ouvir a voz de Deus
nas Escrituras e tornar conhecidos dele nossos pedidos. Pense nisso como
uma subdisciplina da nutrição bíblica e, principalmente, da oração. Deixe
que o espírito de oração permeie e deixe a palavra de Deus inspirar, moldar
e dirigir o que você pondera e escreve.
Para capturar o passado
Um bom registro no diário é muito mais do que simplesmente capturar o
passado, mas registrar eventos passados é um de seus instintos mais
comuns. O cristão reconhece isso como a providência de Deus. Quando
algum evento importante acontece conosco ou ao nosso redor, ou algo
inusitado surge com um toque divino, um diário é um lugar para capturar
isso e torná-lo disponível para referências futuras.
Escrever fornece uma oportunidade de gratidão e louvor a Deus, não
apenas no momento, mas também no dia em que retornarmos ao que
registramos. Sem capturar algum breve registro desta boa providência ou
daquela resposta à oração, esquecemos rapidamente a bênção ou a
frustração, e perdemos a chance de ver com especificidade mais tarde como
“esta graça me trouxe a salvo até aqui”, nas palavras do famoso hino de
John Newton.62 Um diário também se torna um lugar onde podemos
relembrar não apenas o que aconteceu, mas como estávamos pensando e
sentindo a respeito naquele momento.
Mas um bom diário não se trata apenas de ontem; é também crescer rumo
ao futuro.
Para construir um futuro melhor
Uma coisa é pensar algo em um momento fugaz; outra coisa é escrever.
À medida que captamos por escrito os pensamentos cuidadosos que temos
sobre Deus e as Escrituras e sobre nós mesmos e o mundo, essas impressões
estão sendo gravadas mais profundamente em nossa alma e nos mudando
mais a curto e longo prazo.
O registro no diário é uma oportunidade de crescer no amanhã. Podemos
identificar onde precisamos mudar e definir metas, apontar prioridades e
monitorar o progresso. Podemos avaliar como estamos nos saindo nos
outros hábitos da graça que queremos praticar.
E a disciplina regular do diário ajudará a desenvolver sua comunicação e
escrita, conforme você treina transformar pensamentos em palavras e
colocá-los na página. Seu diário é sua tela em branco, em que você pode
experimentar metáforas ousadas e talento literário. É um lugar seguro para
treinar antes de entrar em ação em público.
Para enriquecer o presente
Por último, mas o mais importante, o diário não tem a ver apenas com o
ontem e o amanhã, mas com o hoje e a nossa alegria no presente. Aqui
estão três maneiras, entre outras, de usar o diário para enriquecer o presente.
1. Examine
Sócrates exagerou, mas tinha certa razão quando disse que a vida não
examinada não vale a pena ser vivida. Há um lugar importante, ainda que
limitado, para a introspecção e o autoexame na vida cristã. Por exemplo, é
uma oportunidade para o cristão aprender a lição: “que não pense de si
mesmo além do que convém; antes, pense com moderação” (Rm 12.3). Há
tempo para examinar a si mesmo (2Co 13.5). Nossa tendência ao registrar
um diário é começar com um autoexame, embora queiramos ir além disso e
ver o evangelho irromper com novos raios de esperança.
Uma parte essencial de um bom diário não é apenas o autoexame, mas
sair de si mesmo e encontrar-se em algo grandioso; em particular, Alguém
grandioso. Quando você estiver triste, zangado ou ansioso, deixe seu diário
começar com o estado de seu coração. Seja honesto e verdadeiro, mas peça
a Deus a graça de ir além de suas circunstâncias, por mais sombrias que
sejam, para encontrar esperança nele. Este é o padrão frequente nos salmos:
comece angustiado, termine esperançoso. O registro no diário é uma
oportunidade de pregar o evangelho de maneira nova para si mesmo,
começando de onde você está, em vez de simplesmente alimentar-se com as
mesmas verdades a que você já se acostumou e escrever sem refletir sobre o
assunto.
2. Medite
Pense no diário como a serva daquela disciplina cristã vital que vimos no
capítulo 3, a meditação. Esse é provavelmente o maior papel que o diário
pode desempenhar, junto com a oração, em nossa prática dos meios da
graça. Pegue uma parte inspiradora do evangelho em sua leitura bíblica, ou
uma passagem enigmática em que você está preso, e deixe seu diário ser
seu laboratório de aprendizado. Faça uma pergunta difícil, proponha uma
resposta bíblica e aplique-a ao seu coração e à sua vida.
3. Desembarace, extraia e sonhe
Finalmente, ao mantermos um diário, somos capazes de desembaraçar
nossos pensamentos, extrair nossas emoções e sonhar com novos
empreendimentos. A disciplina da escrita facilita o pensamento cuidadoso,
catalisa sentimentos profundos e inspira ações intencionais.
Profunda alegria e satisfação pode surgir quando colocamos nossos
pensamentos e sentimentos complicados e confusos em palavras no papel.
Nossas mentes e corações carregam muitos pensamentos e sentimentos
inacabados, que só conseguimos organizar quando os escrevemos. Assim
como o louvor não é apenas a expressão da alegria, mas a consumação dela,
também é a escrita para a alma. Escrever não captura apenas o que já está
dentro de nós, mas, no próprio ato de escrever capacitamos nossas mentes e
corações para dar o próximo passo, e depois mais um, e outro. Isso tem um
efeito de cristalização. A boa escrita não é apenas a expressão do que já
estamos vivenciando, mas o aprofundamento disso.
É notável que Deus tenha feito um mundo tão pronto para palavras
escritas, e criado os seres humanos para escrevê-las e lê-las tão
naturalmente. E ele fez com que nossa mente fosse capaz de avançar e
detalhar mais nossos pensamentos do que nossa memória de curto prazo
consegue registrar no momento. Quando escrevemos, não apenas
desembaraçamos nossos pensamentos, extraímos nossas emoções e
sonhamos com novas iniciativas, mas também os desenvolvemos.
O diário, portanto, não é apenas um exercício de introspecção, mas um
caminho para a alegria — e uma ferramenta poderosa a serviço do amor.
CINCO MANEIRAS DE DESENVOLVER O REGISTRO NO
DIÁRIO
Talvez você esteja convencido do potencial valor espiritual do hábito de
fazer um diário, mas simplesmente não sabe como começar ou continuar.
Pode ser útil ouvir que essencialmente não há maneira errada de fazer e
nem regras para isso, mas que é algo que você pode realmente fazer do seu
jeito. Seja tão criativo quanto for confortável. Acolha a variedade e misture
o quanto preferir. Não fique preso a uma maneira de fazer, nem fique
sufocado pelo paradigma de outra pessoa.
Portanto, para ajudá-lo a começar (ou continuar) a manter um diário
como uma disciplina espiritual para a glória de Deus, o bem do próximo e o
aprofundamento de sua própria alegria, aqui estão cinco conselhos
adicionais para crescer nesse empreendimento.
1. Mantenha a simplicidade.
Um diário é uma dádiva para o longo prazo. A tentativa de começar com
tudo tem valor limitado. Portanto, um conselho importante para os registros
é mantê-los simples o suficiente para que você possa continuar fazendo.
Seja modesto em seus planos de frequência e duração das anotações. Se
suas expectativas forem muito profundas e complexas, será menos provável
que você continue com o tempo. Se o seu único modelo para as anotações
requer meia hora ou 45 minutos, então você terá muito menos probabilidade
de desenvolver o hábito do que se sua expectativa fosse, digamos, cinco
minutos.
Se você está apenas começando ou voltando à prática, não tente ir de
zero a cem de uma vez, mas dê pequenos passos com regularidade. Uma
ideia para ganhar ritmo é tentar escrever algo curto durante as devocionais
diárias, mesmo que seja apenas uma frase. Descobri que tentar escrever
apenas uma frase por dia é uma maneira útil de quebrar longos intervalos
entre as anotações.
2. Não recupere o tempo perdido
Mesmo aqueles de nós que normalmente não se consideram
perfeccionistas podem sentir sua força atraindo para si a direção de nosso
diário. É fácil cair na mentalidade de que nossas anotações devem conter
todos os principais eventos, pensamentos e sentimentos de nossa vida para
realmente ser um diário. Mas esse não é de maneira alguma o caso. O diário
deve servir à sua vida e não vice-versa.
Os melhores diários de uma vida inteira são “incompletos”, porque não
podem conter tudo de significativo, nem perto disso; e se seus escritores
pensassem que deveria ser assim, teriam desistido muito antes. Ele não
precisa ser um registro completo de sua existência; não deve ser, nem pode
ser.
3. Leve Deus a sério
Para fazer seu diário servir ao seu vigor espiritual, é vital saturá-lo com
as Escrituras e permeá-lo com oração. Sempre que for natural, direcione-o
para Deus, não apenas com textos específicos da Bíblia, mas com orações
cuidadosamente elaboradas. O diário e a oração privada podem servir como
o indicador do quanto levamos Jesus e sua providência a sério, bem como
nosso relacionamento com ele.
Mas não se leve muito a sério. Não espere que seus registros e reflexões
sobre a vida um dia sejam procurados pelo público cristão em geral. É
muito provável que ninguém mais leia seu diário, nem mesmo seus filhos
depois que você morrer. Melhor ainda se não o fizerem. Os melhores
diários são apenas para você e Deus, sem olhar o tempo todo por cima do
ombro, considerando o que outra pessoa pensaria se estivesse lendo.
Resolva essa questão em seu próprio coração agora e escreva para o bem de
sua alma. Não altere o curso de uma vida inteira de anotações particulares
apenas pela chance de alguém lê-lo algum dia.
Além disso, não se levar muito a sério significa manter à distância suas
intuições e interpretações da providência de Deus. Tome as Escrituras com
a maior seriedade, mas seja cauteloso quando achar que “ouviu a voz de
Deus” ou viu sua direção em vários momentos e circunstâncias. Não se
apresse em deixar uma onda dramática de inspiração para um diário
direcionar uma decisão importante na vida sem testá-la cuidadosamente ao
longo do tempo e em comunidade.
4. Traga o Evangelho
Os cristãos que prosperam em manter um diário não apenas buscam a
oração e meditam nas Escrituras em geral, mas procuram aplicar o
evangelho com especificidade aos seus medos e frustrações, seus altos e
baixos, suas alegrias e tristezas. Quando abrir seu diário em angústia, tente
seguir o caminho dos salmistas e fechá-lo com esperança. Dê vida a 2
Coríntios 4.8-9 ao preencher o espaço em branco com palavras. Quando
você se sentir atribulado, alegre-se por não estar angustiado; quando
perplexo, afaste o desânimo; quando perseguido, lembre-se de que você não
foi desamparado; quando abatido, saiba que não será destruído.
Seu diário é um local para pregar o evangelho para si mesmo, em suas
circunstâncias particulares, sem repetir as mesmas verdades de sempre que
já nem fazem meditar. Capture em suas próprias palavras o que você
realmente está sentindo e, em seguida, procure as palavras de Deus que
atendem às suas necessidades. Torne a aplicação sob medida para hoje.
5. Continue
Mesmo quando você personaliza seu diário e o mantém simples, sem se
preocupar em atualizá-lo, ainda há a necessidade de perseverança a longo
prazo. Quando a novidade passar e sua energia para escrever parecer baixa,
lembre-se de que é natural encontrar uma barreira como essa sempre que
desenvolvemos um novo hábito útil. Peça a ajuda de Deus para superar o
atrito, “na força que Deus supre” (1Pe 4.11), “segundo a sua eficácia que
opera eficientemente em mim” (Cl 1.29).
Frequentemente, a parte mais difícil é simplesmente sentar e girar aquela
manivela interna enferrujada para fazer as palavras começarem a sair.
Porém, quando o portão se abre, como o rio pode fluir!
N. E.: Tradução de parte do hino Amazing Grace, de John Newton (em português: hino 314 do Hinário para o Culto Cristão; hino 48 do Livro de Canto da IECLB).
12 | Faça uma pausa no caos
É surpreendente como o silêncio pode falar alto. Principalmente quando
você não está acostumado com ele. Essa é a minha experiência a cada
inverno, sentado lá na cabine de caça, a única estrutura feita pelo homem à
vista. Estou sozinho na floresta, está silencioso — exceto pelo sussurro do
vento frio de Minnesota — e minha alma está se aliviando de meses
intermináveis na selva urbana. Corpo e alma recebem ali o ar puro que é
difícil de encontrar na cidade grande.
Eu quero que você se junte a mim. Não na cabine (isso estragaria tudo),
mas em alguma solidão silenciosa e ocasional pessoal. Você precisa de um
descanso do caos, do barulho e das multidões, mais do que você pode
imaginar a princípio. Você precisa das disciplinas espirituais do silêncio e
da solitude.
SILÊNCIO E SOLITUDE
Somos humanos, não máquinas. Fomos feitos para ritmos de silêncio e
barulho, comunidade e solidão. Não é saudável ter pessoas sempre por perto
e não é saudável raramente desejá-las. Deus nos fez para ciclos e estações,
para rotinas e cadências.
Desde o início dos tempos, precisamos de nossos intervalos. Até o
próprio Deus-homem foi “levado pelo Espírito ao deserto” (Mt 4.1), “foi
para um lugar deserto” (Mc 1.35; Lc 4.42), e “subiu ao monte, a fim de orar
sozinho” (Mt 14.23).
Afastar-se de vez em quando sempre foi uma necessidade humana, mas é
ainda mais urgente na vida moderna; principalmente na vida urbana. Ao que
tudo indica, as coisas estão mais lotadas e barulhentas do que nunca.
“Um dos custos do avanço tecnológico”, diz Donald S. Whitney, “é uma
tentação maior de evitar a quietude”. E assim, muitos de nós “precisamos
perceber como somos viciados em barulho”.63 Às vezes, me pego ligando o
rádio sem pensar, quando entro no carro. Ocasionalmente, desligo e
direciono meus pensamentos para Deus em oração. No meio de uma
semana agitada, é incrível como o silêncio pode ser estranho, e
maravilhoso.
Assim, os excessos e desvantagens da vida moderna apenas aumentaram
o valor do silêncio e da solitude como disciplinas espirituais.
Provavelmente precisamos ficar sozinhos e quietos mais do que nunca.
POR QUE SE AFASTAR?
Mas simplesmente afastar-se não é suficiente. Há benefícios em apenas
deixar seu espírito se descomprimir e sair da selva de concreto, apreciar a
natureza e deixar sua alma respirar ar puro. Mas não há nada distintamente
cristão nisso. Para aqueles de nós que estão em Cristo, queremos voltar
melhor; não apenas descansados, mas mais prontos para amar e se
sacrificar. Queremos encontrar nova clareza, resolução e iniciativa, ou
voltar preparados para redobrar nossos esforços, pela fé, em nossas
vocações no lar, entre amigos, no trabalho e no corpo de Cristo.
Um benefício do silêncio é simplesmente vasculhar as profundezas de
nossa própria alma, perguntando que pontos cegos surgiram na correria da
vida cotidiana. No trabalho, há algo importante que estou negligenciando
ou reprimindo? Como estou me saindo em minhas várias funções? Onde eu
preciso me concentrar novamente?
VOZES NO SILÊNCIO
Podemos ficar sozinhos e quietos para ouvir nossa própria voz interior, os
murmúrios de nossa alma que são facilmente abafados pelo barulho e pela
multidão. Mas a voz mais importante a ouvir no silêncio é a de Deus. O
objetivo de praticar o silêncio como disciplina espiritual não é ouvir a voz
audível de Deus, mas ficarmos menos distraídos e ouvir melhor quando ele
fala, com ainda mais clareza, em sua Palavra.
Retirar-se e ficar quieto e sozinho não é uma graça especial por si só.
Mas o objetivo é criar um contexto para melhorar nossa audição de Deus
em sua palavra e respondê-lo em oração. Silêncio e solitude, portanto, não
são meios diretos de graça em si mesmos, mas podem lubrificar as
engrenagens — como cafeína, sono, exercícios e música — para encontros
mais diretos com Deus em sua palavra e em oração.
CUIDADO COM OS PERIGOS
Tanto o silêncio quanto a solitude têm seus perigos. Eles são como o jejum,
no sentido de que renunciamos a uma boa dádiva de Deus, algo para o qual
fomos criados, por algum tempo limitado, por causa de algum foco e fruto
espiritual. Silêncio e solitude são tipos de jejum, escapes da normalidade
que não devem dominar a vida.
O silêncio e a solitude não são estados ideais, mas ritmos de vida que nos
equilibram para um retorno proveitoso às pessoas e ao barulho. Essas
disciplinas são vantajosas por causa das nossas fraquezas da presente era. É
de se duvidar que precisaremos de alguma solidão na nova criação, embora
possa haver o silêncio da adoração (Ap 8.1). O livro do Apocalipse faz o
céu parecer barulhento e cheio, da melhor maneira possível.
A solitude é uma espécie de acompanhamento para a comunhão, um
jejum de outras pessoas, para fazer nosso retorno a elas ainda melhor. E o
silêncio é um jejum de barulho e conversa, para melhorar nossa escuta e
fala. Mas Deus não quer que jejuemos demais de comida, comunhão,
barulho e conversa. E não há nada nas Escrituras que nos leve a pensar que
ele deseja que façamos jejum de sua palavra e de oração. Na verdade, é o
maior envolvimento com a palavra de Deus e a oração que está no cerne do
bom silêncio e da solitude.
CRIE ESPAÇO PARA PAUSAS DIÁRIAS
O que geralmente se diz sobre silêncio e solitude como disciplinas
espirituais parece implicar algum tipo de retiro especial da vida normal,
mas pequenos “retiros” diários podem ser vitais também. Um período
breve, sozinho e quieto, para ouvir a voz de Deus em sua palavra e
respondê-lo em oração, pode ser mais frutífero pela manhã, quando estamos
descansados e alertas, e o caos do dia ainda não cresceu como uma bola de
neve sobre nós.
Alguns cristãos chamam isso de “hora silenciosa”, destacando o silêncio;
outros, “tempo a sós com Deus”, enfatizando a solitude. Seja qual for o
nome, esses curtos períodos diários de envolvimento direto com Deus nas
Escrituras e na oração são possíveis, em meio ao caos da vida moderna, e
inestimáveis para proteger nossas mentes e corações em um mundo
barulhento e cheio.
AGENDE UM RETIRO ESPECIAL
Também pode ser proveitoso reservar retiros especiais. No meu momento
de vida atual como um jovem pai, basicamente minha única possibilidade
real é um longo fim de semana na cabine de caça uma vez por ano.
Idealmente, esse retiro pode ser algo que você faz duas vezes ao ano, ou
mesmo a cada trimestre. Pode ser em um ambiente aberto ou fechado,
totalmente sozinho (a quilômetros de qualquer outro ser humano) ou nas
mesmas instalações ou local que outros, praticando a “solitude juntos”, cada
um em seu próprio lugar. Os detalhes podem variar, mas recomendo o
hábito geral para sua alma — e duvido que isso aconteça com você sem
alguma proatividade e iniciativa para planejar com antecedência.
Quando você colocar tal evento no calendário e encontrar um lugar para
ele, aqui estão algumas ideias de como passar por um tempo tão especial de
silêncio e solitude.
• Ore pela bênção de Deus, para que ele traga à luz o que precisa de
mais atenção em sua vida e para que seu Espírito leve seu
subconsciente a “falar” honestamente com sua alma. Não presuma que
as vozes em sua mente são de Deus; presuma que são suas. Para ouvir
a Deus, leia as Escrituras e, na medida em que seus próprios
pensamentos sobre você se alinhem com o que Deus revelou em sua
palavra, aceite isso como um presente de Deus e guarde em seu
coração.
• Leia e medite na Bíblia, seja no que está preparado para aquele dia
em algum plano de leitura regular que você está fazendo em suas
pausas diárias ou em algum trecho especial que você selecionou para o
seu tempo de retiro. Confie que Deus o encontrará em sua palavra e
conduzirá seu tempo com as Escrituras, não apenas com sugestões
internas, mas com o que sua providência colocou diante de você
objetivamente na Bíblia.
• Você pode passar alguns minutos apenas ouvindo o silêncio e deixar
sua alma começar a “descongelar”, especialmente se você tem uma
agenda lotada em uma cidade lotada.
• Tenha um computador (considere desligar o Wi-Fi!) ou o bom e
velho caderno e lápis. Depois de descongelar, coloque no papel as
vozes que estão em sua cabeça (o silêncio e a solidão de um retiro
especial fornecem um ótimo contexto para a disciplina espiritual do
diário que discutimos no capítulo 11).
• Resista à tentação de correr para os detalhes das tarefas que
aguardam em casa; tente refletir sobre a vida e seus chamados de
maneira geral, pelo menos para começar. Mas, conforme o tempo
avança para o final, seja mais específico e leve consigo para a vida
normal algumas lições que o ajudarão a sentir, até imediatamente, o
valor de seu retiro.
• Durante seu tempo fora, inclua um período prolongado de oração,
guiado pelas Escrituras (talvez a Oração do Senhor), e continue
registrando pensamentos enquanto direciona seu coração para Deus em
louvor, confissão, petição e súplica.
• Considere definir um lembrete no calendário para alguns dias ou uma
semana depois de voltar para casa, para refletir sobre o seu tempo fora
e ler todas as anotações que você fez ou o diário que fez no caderno.
Talvez você não saiba o quanto precisa de silêncio e solitude, até
conhecê-los.
Donald S. Whitney, Spiritual Disciplines for the Christian Life, ed. rev. (Colorado Springs: NavPress, 2014), p. 228 [edição em português: Disciplinas espirituais (São Paulo: Editora
Para mais informações sobre dar e receber exortações e repreensões, veja o capítulo 18.
Para saber mais sobre a natureza e a importância da membresia da igreja, consulte meu breve artigo: David Mathis, “Seis motivos para fazer parte de uma igreja”, Voltemos ao
Bonhoeffer, Life Together: The Classic Exploration of Faith in Community. Nova York: HarperOne, 2009, p. 97–99 [Em português: Vida em comunhão. São Leopoldo: Sinodal,
2009]. O artigo de Dunn está disponível em: Janet Dunn, “Como se tornar um bom ouvinte”, Voltemos ao Evangelho, 2 de maio de 2022,
Citado em D. A. Carson (ed.), Worship by the Book (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2002), p. 159–160.
John Piper, Desiring God: Meditations of a Christian hedonist, ed. rev. (Colorado Springs: Multnomah, 2011), p. 90 [edição em português: Em busca de Deus (São Paulo: Shedd,
2008)].
Marcus Peter Johnson, One with Christ: An Evangelical Theology of Salvation (Wheaton, IL: Crossway, 2013), p. 220.
João Calvino, A instituição da religião Cristã (São Paulo: Unesp, 2009), IV.14.17, p. 706.
Marcus Peter Johnson, One with Christ: An Evangelical Theology of Salvation (Wheaton, IL: Crossway, 2013), p. 221.
Citado em John C. Clark e Marcus Peter Johnson, The Incarnation of God (Wheaton, IL: Crossway, 2015), p. 192.
16 | Lave-se novamente nas águas
Palavras visíveis. Esse foi o termo protestante para o batismo e a Ceia do
Senhor nos dias após a Reforma. Em complemento às palavras ditas na
pregação do evangelho, esses dois atos da igreja reunida são dramatizações
da graça de Deus. Essas “palavras visíveis” reencenam para nós o centro de
nossa fé por meio das imagens e ações dadas por Deus de lavar, comer e
beber. Elas envolvem não apenas nossos ouvidos, mas todos os cinco
sentidos: audição, visão, tato, olfato e paladar. Junto com a pregação, elas
nos revelam repetidamente o cerne do evangelho que professamos e
queremos ecoar em nossas vidas. Elas são “sinais” encenados, apontando
para realidades além de si mesmos.
Mas essas ordenanças não são apenas sinais, mas “selos”. Elas nos
confirmam não apenas que Deus fez algo salvífico para a humanidade em
geral, mas que sua graça salvadora veio a mim em particular. O evangelho
não é apenas verdadeiro para o mundo, mas especificamente para mim. E
quando uma igreja que crê na Bíblia e ama o evangelho me oferece esse
selo, por considerar minha fé sincera, isso pode ser uma grande fonte de
segurança de que eu mesmo estou incluído no povo resgatado de Cristo.
Desta forma, o batismo e a Ceia do Senhor servem para nos destacar
como igreja, distinta do mundo incrédulo, e são parte do que faz da nova
aliança ser uma aliança — com atos de iniciação e comunhão contínua,
inauguração e também renovação.
OS SACRAMENTOS COMO MEIOS DE GRAÇA
Como observa o teólogo John Frame, as ordenanças não são apenas sinais e
selos, mas (como a pregação) servem para trazer a presença de Deus para
perto de seu povo.77 Paulo diz em 1 Coríntios 10.16 que o pão e o cálice são
“comunhão” do corpo e sangue de Jesus. Eles renovam e fortalecem nosso
senso de estarmos unidos pela fé ao Cristo ressurreto. Como os outros
meios de graça, eles não são automáticos, mas operam por meio do poder
do Espírito Santo pela fé. Aqueles que participam em fé crescem na graça
— como fazemos sob a pregação da palavra de Deus — enquanto aqueles
que se envolvem sem fé atraem juízo (1Co 11.27-30).78
Essas práticas não são, como alguns têm ensinado desde a Reforma,
apenas sinais ou meros símbolos, nem “funcionam” à parte da fé, como
sustentam grandes vertentes da igreja. Antes, as duas ordenanças são meios
da graça de Deus: canais do poder de Deus instituídos por Cristo,
transmitidos pelo Espírito de Deus, dependentes da fé cristã nos
participantes e concedidos para o contexto comunitário da igreja reunida.
Para muitos, a Ceia do Senhor é mais manifestamente um meio contínuo
de graça (trataremos da Mesa no próximo capítulo), mas e quanto ao
batismo?
GRAÇA NA ÁGUA
O batismo marca a iniciação na nova aliança. Deve ser aplicado apenas uma
vez, a um crente considerado por uma congregação local como tendo uma
profissão de fé legítima, como entrada na plena comunhão da igreja visível.
O drama do evangelho experimentado e exibido no batismo corresponde às
graças da conversão na vida cristã em sua recepção inicial do evangelho:
perdão inicial e purificação do pecado, fé e arrependimento, a nova vida do
novo nascimento; tudo isso e mais, em união com Cristo (Rm 6.3-5).
O batismo não é apenas obediência ao mandamento de Cristo e um
testemunho vivo da fé, que o candidato tem em Jesus, a todas as
testemunhas, mas também serve como um meio de alegria para quem está
sendo batizado. Não é apenas uma confirmação valiosa dada pela igreja
visível de que nascemos de novo, como também uma experiência única e
singular da graça do evangelho dramatizada para aquele que está na água,
que é simbolicamente sepultado com Jesus em sua morte e ressuscitado
para andar em novidade de vida (Rm 6.4).
TIRE PROVEITO DE SEU BATISMO
O batismo não é um meio de graça apenas para o candidato da vez, mas
também para todos os crentes que observam com fé. Isso é importante para
o cristão, mas é algo que muitas vezes deixamos passar. O Catecismo Maior
de Westminster (pergunta 167) chama isso de “nos beneficiarmos do nosso
batismo”. Sua densa declaração merece uma leitura cuidadosa:
O dever necessário, mas muito negligenciado, de nos beneficiarmos do nosso batismo, deve
ser cumprido por nós durante a nossa vida, especialmente no tempo da tentação e quando
assistimos à administração desse sacramento a outros, por meio de séria e grata consideração
de sua natureza e dos fins para os quais Cristo o instituiu, dos privilégios e benefícios
conferidos e selados por ele e do voto solene que nele fizemos; por meio de humilhação devida
à nossa corrupção pecaminosa, às nossas faltas, e ao andarmos contrários à graça do batismo e
aos nossos votos; por crescermos até à certeza do perdão de pecados e de todas as demais
bênçãos a nós seladas por esse sacramento; por fortalecer-nos pela morte e ressurreição de
Cristo, em cujo nome fomos batizados para mortificação do pecado e a vivificação da graça e
por esforçar-nos a viver pela fé, a ter a nossa conversação em santidade e retidão, como
convém àqueles que deram os seus nomes a Cristo, e a andar em amor fraternal, como
batizados pelo mesmo Espírito em um só corpo.79
Esse é um parágrafo longo e complicado, mas seu resumo é: O batismo
não é apenas uma bênção para nós naquela ocasião memorável em que
éramos os novos crentes na água. Também se torna uma reencenação do
evangelho para o observador e um meio de graça ao longo de nossa vida
cristã, ao observarmos, com fé, o batismo de outras pessoas e renovarmos
em nossa alma as riquezas da realidade de nossa identidade em Cristo,
retratada em nosso batismo (Rm 6.3-4; Gl 3.27; Cl 2.12). Wayne Grudem
escreve:
Quando há fé genuína por parte da pessoa batizada, e quando a fé da igreja que testemunha o
batismo é estimulada e incentivada pela cerimônia, então o Espírito Santo certamente age por
meio do batismo, que se transforma assim num “meio de graça” pelo qual o Espírito Santo
dispensa bênçãos à pessoa batizada e também à igreja.80
Sou da posição do batismo só de crentes e considero essa verdade como razão para impedir que aqueles sem uma profissão de fé confiável participem dos sacramentos. Eu não apenas
negaria a Ceia do Senhor para alguém que não confessa a fé em Jesus, mas também o batismo. No entanto, o debate entre evangélicos que batizam apenas crentes professos
(credobatistas) e aqueles que também batizam filhos pequenos de crentes (pedobatistas) é antigo, e não tenho a ilusão de encerrá-lo aqui. Creio que muitos dos benefícios do
batismo como um meio de graça são relevantes tanto para os credobatistas quanto para os pedobatistas, especialmente, como discutiremos abaixo, no que diz respeito a “tirar
proveito” do batismo de alguém. No entanto, devo observar que ter uma experiência consciente do próprio batismo, e ser capaz de lembrar-se desse batismo, não é apenas
essencial para experimentar o próprio batismo como um meio de graça, mas também uma grande vantagem em buscar “tirar proveito” do próprio batismo ao observar com fé o
“Catecismo Maior de Westminster”, Igreja Presbiteriana do Brasil, www.ipb.org.br/content/Arquivos/Catecismo_Maior_de_Westminster.pdf (acesso em: 02 de maio de 2022).
Wayne Grudem, Teologia Sistemática: atual e exaustiva (São Paulo: Vida Nova, 2010), p. 805.
17 | Cresça em graça na mesa
A Ceia do Senhor é uma refeição extraordinária. Com certeza, é
simplesmente um meio ordinário da graça de Deus para sua igreja, e são
simplesmente pão e vinho comuns. No entanto, mesmo sendo comida e
bebida, pode ser uma experiência extraordinariamente poderosa.
Junto com o batismo, a Ceia é um dos dois sacramentos especialmente
instituídos por Jesus para significar, selar e fortalecer o povo de sua nova
aliança. Chame-os de ordenanças, se preferir. A verdadeira questão não é o
termo, mas o que queremos dizer com ele, e se lidamos com esses meios
gêmeos da graça de Deus como Jesus deseja, para guiar e moldar a vida da
igreja em sua nova aliança com o Noivo.
Como dissemos várias vezes, os meios da graça são os vários canais que
Deus designou para suprir regularmente sua igreja com poder espiritual. Os
princípios fundamentais dos meios de graça são a voz (palavra) de Jesus,
seu ouvido (oração) e seu corpo (igreja). As várias disciplinas e práticas,
então — nossos hábitos de graça — são maneiras de ouvi-lo (sua palavra) e
respondê-lo (em oração), no contexto de seu povo (a igreja).
Moldadas e apoiadas por esses princípios, mil flores práticas crescem na
vida da comunidade da nova aliança. Mas poucas outras práticas (ou
nenhuma delas) reúnem todos os três princípios da graça, como a pregação
da palavra de Deus e a celebração dos sacramentos, no contexto da
adoração comunitária. Aqui, então, estão quatro aspectos da Ceia a serem
considerados ao vê-la como um meio de graça.
A GRAVIDADE: BÊNÇÃO OU JULGAMENTO
Uma das primeiras coisas a notar é que a Ceia não deve ser tomada
levianamente. Lidar com os elementos “indignamente” é a razão que Paulo
dá aos coríntios “por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos
que dormem” (1Co 11.27-30).
Grandes coisas estão em jogo quando a igreja se reúne à mesa de seu
Senhor. Bênção e julgamento estão diante de nós. Tal como acontece com a
pregação e os outros meios de graça, não há neutralidade. Nosso evangelho
é “o bom perfume de Cristo, tanto nos que são salvos como nos que se
perdem. Para com estes, cheiro de morte para morte; para com aqueles,
aroma de vida para vida” (2Co 2.15-16). Assim também o “sermão visível”
da Ceia conduz da vida para a vida, ou da morte para a morte. A Mesa não
nos deixará indiferentes, mas mais próximos de nosso Salvador ou mais
insensíveis a ele. Isso leva a um segundo aspecto.
O PASSADO: REENCENANDO O EVANGELHO
Ao instituir a Ceia, Jesus instruiu seus discípulos: “Fazei isto em memória
de mim” (Lc 22.19), e Paulo aplica duas vezes a frase “em memória de
mim” em suas instruções à igreja (1Co 11.24-25).
A Ceia do Senhor é nada menos do que uma refeição memorial que nos
leva de volta à instituição da aliança no Calvário pelo sacrifício de Cristo,
entregando-se por nós. Juntamente com o batismo, o casamento e um bom
funeral cristão, a Mesa dá à vida da igreja um ritmo formal de recordação e
reencenação daquilo que é de primeira importância (1Co 15.3), o evangelho
da obra salvadora de Cristo por nós. Ela ajuda a incorporar a centralidade
do evangelho na companhia dos redimidos.81
Como o batismo, a Ceia nos dá uma dramatização divinamente
autorizada do evangelho, em que o cristão recebe espiritualmente — por
meio do paladar, visão, olfato e tato físicos — o corpo perfurado e o sangue
derramado de Jesus pelos pecadores. A Mesa é um ato de renovação da
nova aliança, um rito repetido de comunhão contínua e perseverança
constante em recebermos o evangelho. Ela nos ajuda a reter a palavra (1Co
15.2) e a permanecer na fé, “alicerçados e firmes, não vos deixando afastar
da esperança do evangelho” (Cl 1.23).
O PRESENTE: PROCLAMANDO SUA MORTE
Portanto, a Mesa é mais do que simplesmente um memorial. Essa rica
lembrança do sacrifício de Jesus e a aceitação dos elementos em fé
acompanha uma proclamação presente de sua morte e seu significado.
“Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice,
anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (1Co 11.26). Este sermão
visível, como a pregação audível, é “poderoso para vos confirmar” de
acordo com o evangelho (Rm 16.25) como um meio de graça para aqueles
que observam e participam com fé. Aquele que participa sem fé “será réu
do corpo e do sangue do Senhor” (1Co 11.27) e “come e bebe juízo para si”
(1Co 11.29), enquanto “aqueles que comem e bebem de maneira digna
participam do corpo e do sangue de Cristo, não fisicamente, mas
espiritualmente, de maneira que, pela fé, são nutridos com os benefícios que
ele obteve por meio de sua morte, e assim crescem em graça”.82
Nesse sentido, a Ceia do Senhor é um caminho poderoso para aprofundar
e sustentar a vida cristã. “A participação na Ceia do Senhor”, escreve
Wayne Grudem, é
muito claramente um meio de graça que o Espírito Santo usa para dispensar bênçãos à igreja.
[…] Existe uma união espiritual entre os salvos e com o Senhor, que se fortalece e se solidifica
na ceia do Senhor, e ela não deve ser desprezada. […] É de se esperar que o Senhor distribua
bênçãos espirituais aos que participam da ceia do Senhor com fé e obediência às orientações
dispostas nas Escrituras; dessa forma ela se torna “meio de graça” que o Espírito Santo usa
para nos dispensar bênçãos.83
funeral, a morte da pessoa homenageada nos lembra não apenas que a vida é uma neblina (Tg 4.14), mas também de nossa própria finitude, dos efeitos do pecado e da vindoura
vitória final de Cristo sobre o pecado e a morte (1Co 15.54-58). A igreja protestante (corretamente) não os considerou sacramentos ou ordenanças; no entanto, eles são
lembretes úteis do evangelho e podem servir como meio de graça para aqueles que têm fé.
“Desiring God: An Affirmation of Faith”, Desiring God, www.desiringgod.org/affirmation-of-faith (acesso em: 2 de maio de 2022), 12.4.
Wayne Grudem, Teologia Sistemática: atual e exaustiva (São Paulo: Vida Nova, 2010), p. 805–806.
“Catecismo Maior de Westminster”, Igreja Presbiteriana do Brasil, www.ipb.org.br/content/Arquivos/Catecismo_Maior_de_Westminster.pdf (acesso em: 02 de maior de 2022), 29.1.
John Frame, Systematic Theology (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing, 2013), p. 1069.
18 | Receba a bênção da repreensão
Uma das coisas mais amorosas que podemos fazer uns pelos outros na
igreja é dizer um ao outro quando estamos errados. Chame isso de correção,
repreensão ou exortação — Paulo usa todos os três termos em apenas
quatro versículos em 2 Timóteo 3.16–4.2 — mas não perca o que a torna
algo distintamente cristão e um presente para nossas almas: é um grande
ato de amor. O tipo de repreensão que as Escrituras recomendam é o tipo
que visa nos impedir de continuar em um caminho destrutivo.
Há pelo menos dois participantes em uma repreensão que serve às nossas
almas como um meio da graça de Deus. Um é o que dá a repreensão; o
outro a recebe. Neste capítulo, trataremos primeiro sobre receber uma
repreensão de um irmão como uma graça de Deus; em seguida, veremos o
que significa sermos um meio da graça de Deus ao repreender com
humildade e amor.
O DIVISOR DE ÁGUAS DA SABEDORIA
A repreensão é uma bifurcação no caminho de uma alma pecadora. Será
que vamos nos retrair da correção como uma maldição, ou aceitar a
repreensão como uma bênção? Um dos grandes temas em Provérbios é que
aqueles que aceitam a repreensão são sábios e trilham o caminho da vida,
enquanto aqueles que desprezam a correção são tolos rumando para a
morte.
As advertências proverbiais contra rejeitar a correção fraterna são
surpreendentes. Aquele que rejeita a repreensão anda errado (Pv 10.17), é
estúpido (12.1) e insensato (15.5), e menospreza a sua alma (15.32). “O que
odeia a repreensão morrerá” (15.10), e “pobreza e afronta sobrevêm ao que
rejeita a instrução” (13.18).
Mas igualmente surpreendentes são as promessas de bênção para aqueles
que aceitam a repreensão. “O que guarda a repreensão será honrado” (Pv
13.18) e “consegue a prudência” (15.5). “O que atende à repreensão adquire
entendimento” (15.32), “ama o conhecimento” (12.1), habitará entre os
sábios (15.31) e está no caminho para a vida (10.17) — porque “A vara e a
disciplina dão sabedoria” (29.15), e “as repreensões da disciplina são o
caminho da vida” (6.23).
A quem recebe a repreensão, Deus diz: “eis que derramarei copiosamente
para vós outros o meu espírito” (Pv 1.23), mas a quem a despreza: “eu me
rirei na vossa desventura” (1.25-26). Sobre aqueles que rejeitam a correção,
é dito: “comerão do fruto do seu procedimento e dos seus próprios
conselhos se fartarão” (1.30-31), e é apenas uma questão de tempo até que
eles mesmos digam: “Cheguei à beira da ruína completa” (5.12-14, NVI).
E quando vier a ruína para o tolo que resiste à repreensão, será repentina
e devastadora: “O homem que muitas vezes repreendido endurece a cerviz
será quebrantado de repente sem que haja cura” (Pv 29.1).
ABRA O PRESENTE
O sábio reconhece a repreensão como um presente de ouro (Pv 25.12). É
uma gentileza e um símbolo de amor. “Fira-me o justo, será isso mercê;
repreenda-me, será como óleo sobre a minha cabeça, a qual não há de
rejeitá-lo” (Sl 141.5).
Normalmente, para alguns em nossa vida é mais fácil não dizer nada e
apenas nos deixar seguir alegremente pelo caminho da loucura e da morte.
Mas a repreensão é um ato de amor, uma disposição para enfrentar aquele
momento embaraçoso e, talvez, ter seu conselho jogado de volta na sua
cara, pelo risco de fazer o bem a alguém. Quando um cônjuge, amigo,
parente ou colega chega a esse nível de amor, devemos ser profundamente
gratos.
OUÇA A VOZ DE DEUS NA VOZ DE SEU IRMÃO
Aqueles de nós que têm em Cristo “todos os tesouros da sabedoria e do
conhecimento” (Cl 2.3) e estão em seu juízo perfeito seguirão o alerta:
“Ouve o conselho e recebe a instrução, para que sejas sábio nos teus dias
por vir” (Pv 19.20). Não apenas toleraremos que um irmão ou irmã se
pronuncie sobre nossa vida em raras ocasiões, mas os convidaremos a fazê-
lo; e, quando o fizerem, aceitaremos isso como uma bênção. Mesmo
quando a repreensão é mal feita, a ocasião e o tom são ruins e a motivação
parece suspeita, desejaremos aproveitar cada grão de verdade, para então
nos arrepender e agradecer a Deus pela graça de ter pessoas em nossas
vidas que nos amam o bastante para dizer algo difícil.
Se não queremos rejeitar a disciplina do Senhor, nem nos cansarmos de
sua repreensão (Pv 3.11), perguntaremos: como a repreensão de Deus chega
a mim com mais frequência? Resposta: na repreensão de um irmão ou irmã
em Cristo. Devemos ter cuidado em resistir à correção de um irmão em
Jesus, especialmente quando ela ecoa em várias vozes, sabendo que
provavelmente estamos resistindo à correção do próprio Deus.
Quando um irmão ou irmã em Cristo se dá ao trabalho de ter uma
conversa desagradável que traz correção para nossa vida, devemos nos
inundar de gratidão. “O SENHOR repreende a quem ama” (Pv 3.12). Considere
isso como um ato de amor de seu irmão e como canal do amor de Deus por
você.
FALAR É FÁCIL
Mas tudo isso, é claro, é muito mais fácil de ser dito do que feito. Bem no
fundo, nas cavernas de nosso pecado remanescente, onde podemos ser mais
resistentes à verdadeira graça em suas formas variadas, não queremos ouvir
a correção. Algo rebelde em nós se retrai.
Quando ouvimos que “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil”, é
natural ficarmos mais entusiasmados com a parte de ser “para o ensino” e
“para a educação na justiça” do que “para a repreensão” e “para a correção”
(2Tm 3.16). Isso é pessoal demais. Isso pisa no nosso calo.
E as forças externas não tornam as coisas mais fáceis. Não deveria nos
surpreender que o ar social que respiramos seja hostil à correção e
repreensão, mesmo em suas variedades mais gentis e amorosas. Se não se
reconhece a humanidade como depravada por natureza e pecaminosa na
prática, então a repreensão não é mais um salva-vidas, mas um
aborrecimento, e até mesmo uma ofensa. Mas se reconhecermos que somos
falhos, egoístas, arrogantes e que pecamos regularmente com nossas
palavras e ações, então aprenderemos a ver a repreensão de um irmão como
a tremenda graça que de fato é.
LIBERE O PODER
Porém, por mais que receber repreensão vá contra nossos instintos naturais
ou nos pegue desprevenidos em nossa vida cristã, temos esta grande
esperança na qual crescer: o amor de Cristo por nós é a nossa chave para
destravar o poder da repreensão. Com ele em vista, aquele “que me amou e
a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2.20), a repreensão já não será um
ataque aos nossos fundamentos e ao nosso profundo senso de valor, mas se
tornará uma nova oportunidade para crescimento e maior alegria.
É outra graça do evangelho podermos, pelo Espírito, amadurecermos o
suficiente para ouvir qualquer repreensão como um caminho para ainda
mais graça. É o evangelho que nos dá os meios para verdadeiramente nos
inclinarmos para a correção e recebermos suas riquezas. Somente em Jesus
podemos encontrar nossa identidade, não em não termos defeitos, mas em
sermos amados por Deus quando ainda somos pecadores, cheios de defeitos
(Rm 5.8). Com tal Salvador para firmar nossos pés, podemos aceitar a
repreensão como a bênção que é.
DÊ A BÊNÇÃO DA REPREENSÃO
A repreensão é uma bênção que requer duas pessoas. O amor nos compele
não apenas a querer receber uma repreensão com uma identidade no
evangelho, mas também a oferecer esse presente a outros. Uma das coisas
mais amorosas que podemos fazer pelos outros é dizer-lhes quando estão
em erro.
Embora já seja bastante difícil aceitar a bênção da repreensão, quando é
você quem recebe alguma palavra de correção, pode ser ainda mais difícil
iniciar e conduzir aquele momento embaraçoso no qual amamos tanto
alguém a ponto de confrontá-lo. “Se é difícil aceitar uma correção, mesmo
que seja particular”, diz D. A. Carson, “é ainda mais difícil administrá-la
com humildade amorosa”.86
Mas, por mais difícil que seja, se realmente acreditamos que todos somos
pecadores e que o pecado irrefreado leva à dor, miséria e destruição eterna,
o amor nos constrange a oferecer o presente da repreensão amorosa. Aqui,
então, no espírito de buscar prover repreensão em “humildade amorosa”,
estão sete passos para uma correção verdadeiramente cristã.
1. Verifique seu próprio coração primeiro
As palavras de Jesus são um bom lugar para começar. Muitas vezes, as
expressões sutis de pecado que vemos nos outros chamam nossa atenção
porque encontram ressonância em nosso próprio coração. Nosso orgulho
interior é rápido em nos alertar sobre o orgulho dos outros. A ganância
indomada em nosso coração percebe o amor dos outros pelas posses. Um
lapso de língua ao qual também estamos propensos chama nossa atenção
em outra pessoa.
Portanto, o primeiro passo ao encontrar o pecado em outras pessoas é
seguir a diretriz clara de Jesus: “Tira primeiro a trave do teu olho e, então,
verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão” (Mt 7.5). E
lembre-se do alerta de Gálatas 6.1 ao ajudar a restaurar um irmão: “guarda-
te para que não sejas também tentado”.
O que fazemos então quando encontramos o argueiro do pecado de outra
pessoa em nós também? Isso significa que a oportunidade de ajudar um
irmão já passou, porque temos trabalho suficiente para fazer em nós
mesmos? Talvez; mas esperamos que não. Antes de abordá-lo sobre seu
pecado, renove seu próprio arrependimento por suas tendências à mesma
tentação, e então venha para seu irmão com renovada humildade e empatia,
como um companheiro combatente contra o pecado.
2. Procure ter empatia
Quer você tenha “passado por isso” e se identifique com o pecado
específico da outra pessoa ou não, ore por empatia e procure se lembrar do
que podemos considerar a Regra de Ouro da Repreensão: “Tudo quanto,
pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles”
(Mt 7.12).
Por um lado, isso deve confirmar que, quando observamos algo em um
irmão que precisa de correção, o gesto amoroso não é deixar passar, mas
chamar sua atenção. Não é isso que a sua parte mais santificada também
gostaria? E, por outro lado, isso nos leva a proceder com uma certa postura
e comportamento — o que Carson chama de “humildade amorosa”.
Tanto quanto puder, coloque-se no lugar deles e pense em como lembrá-
los das verdades fundamentais do evangelho, quando tentar abrir seus olhos
para alguma realidade adicional relacionada ao pecado persistente.
Considere a maneira pela qual você gostaria de ser abordado com tal
observação e faça um esforço extra para garantir que ela soe como uma
palavra de correção fraternal, não de condenação. “Levai as cargas uns dos
outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6.2).
3. Ore por restauração
Tendo verificado seu próprio olho e buscado empatia, ore pelo outro
antes de confrontá-lo. Ore pelo momento em que você se aproximar dele,
para que sua palavra de correção tenha bastante contexto no evangelho,
para que ele receba sua repreensão amorosa e para que, se ele resistir no
momento, Deus logo amacie seu coração para perceber a verdade de sua
observação. Ore também por coragem amorosa para gentilmente manter-se
firme e não recuar na hora, se ele retrucar ou se o advogado interior dele
prontamente fizer objeções.
Ore e busque restauração, e não apenas consertar erros e apaziguar seu
próprio senso de justiça. Quer seja o processo formal de Mateus 18.15-17
em resposta a algum erro ou desvio flagrante, ou as exortações cotidianas
informais de Hebreus 3.12-13 para a vida em comunidade, toda correção
bíblica visa à restauração (Lc 17.3-4; 2Ts 3.14-15; Tg 5.19-20).
4. Seja rápido
Ore pela restauração da outra pessoa, mas não espere muito de joelhos.
Hebreus nos incentiva a ser rápidos e constantes — “cada dia”. Não deixe
os padrões manifestamente pecaminosos proliferarem. Se possível, nem
sequer deixe o sol se pôr.
Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de
incredulidade que vos afaste do Deus vivo; pelo contrário, exortai-vos mutuamente cada dia,
durante o tempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano
do pecado. (Hb 3.12-13)
Oferecer uma palavra corretiva em humildade amorosa não é apenas para
palavras e ações que são totalmente erradas ou quase blasfemas, mas para
quando percebemos alguma trajetória aparente de mal ou engano. O ideal é
que vivamos em uma comunidade honesta e constante — falando sem
demora e ouvindo com maturidade dada pelo evangelho — em que palavras
suaves e gentis de repreensão e correção são comuns, que o pecado é
regularmente cortado pela raiz, sem receber tempo e espaço para crescer e
se tornar uma erva daninha alta e desagradável.
5. Seja gentil
O que faz com que uma palavra corretiva seja verdadeiramente cristã não
são apenas lembretes explícitos das verdades do evangelho, mas também
um tom e uma conduta que combinam com nosso Mestre. Há um lugar para
gravidade e severidade em resposta à clara insensibilidade do coração, mas
na maioria das vezes, no tipo de correção convencional que oferecemos uns
aos outros na comunidade, é o padrão gentil de “servo do Senhor” que
melhor nos atende:
Ora, é necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e sim deve ser brando para com
todos, apto para instruir, paciente, disciplinando com mansidão os que se opõem, na
expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a
verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido
feitos cativos por ele para cumprirem a sua vontade. (2Tm 2.24-26)
Em certo sentido, qualquer repreensão justa é uma gentileza. “Fira-me o
justo, será isso mercê; repreenda-me, será como óleo sobre a minha cabeça,
a qual não há de rejeitá-lo” (Sl 141.5). Mas é uma dádiva maior ainda
quando tal gentileza é oferecida de maneira gentil. E se devemos corrigir
um oponente com mansidão (2Tm 2.25), quanto mais um amigo!
Por mais que os vestígios de pecado em nós tornem nossas mãos duras
para com outros pecadores, o Espírito opera outro padrão em nós, à medida
que caminhamos à luz do evangelho. “Irmãos, se alguém for surpreendido
nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura”
(Gl 6.1).
6. Seja claro e específico
Mas sua gentileza pode passar a mensagem errada se não for
acompanhada de clareza. Quando já examinamos nosso próprio coração,
buscamos empatia, oramos por restauração e fomos rápidos e gentis em
lidar com o pecado, temos então o poder de ser francos e diretos, sem
precisar pisar em ovos a respeito do que realmente chamou nossa atenção.
Antes de abordar alguém com uma palavra corretiva, deixe claro em sua
mente o que você está observando e como isso pode ser prejudicial. Você
pode até rabiscar algumas palavras-chave ou frases no papel para ter certeza
de que será objetivo o suficiente na comunicação e não muito preso em seu
próprio senso subjetivo. Tenha exemplos específicos prontos. Ore e aplique
o amor do apóstolo pela franqueza e pela “clara exposição da verdade”
(2Co 4.2, NVI). Sua oração em Colossenses 4.4 é sobre transparência ao
falar o evangelho, mas também se relaciona com a correção de nosso irmão:
“Orem para que eu possa manifestá-lo abertamente, como me cumpre fazê-
lo” (NVI).
7. Acompanhe
Finalmente, planeje alguma forma de fazer o acompanhamento. Se ele
responder bem, prossiga com uma mensagem, telefonema ou conversa, e
elogie essa evidência de graça em sua vida. Se ele não responder bem,
prossiga com alguma expressão adicional de amor, talvez um lembrete de
que você não tem nada a ganhar além do bem dele, que você estará feliz em
estar errado se a correção for muito subjetiva, e que você está orando em
seu favor enquanto ele considera sua observação.
Oferecer palavras de correção regulares e graciosas pode parecer uma
coisa muito pequena na vida da comunidade. É muito fácil deixar passar os
pequenos pecados e cuidar da sua própria vida. Mas o efeito de longo prazo
dessa graça ativa, administrada com humildade amorosa, pode ter
implicações eternas. “Meus irmãos, se algum entre vós se desviar da
verdade, e alguém o converter, sabei que aquele que converte o pecador do
seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de
pecados” (Tg 5.19-20).
D. A. Carson, Matthew, ed. rev., The Expositor’s Bible Commentary (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2010), p. 456.
Parte 4 | Desfecho
19 | A comissão
Dissemos no início que não haveria lugar num livro deste tamanho para
um tratamento completo dos meios da graça e dos muitos bons hábitos que
podemos cultivar em torno deles. Há muito mais a ser dito no nível do
princípio e da teologia, para não mencionar incontáveis especificidades e
ideias criativas que poderíamos abordar para a prática cotidiana. Deixo isso
para outros autores, e melhor ainda, para sua própria criatividade, tentativa
e erro, e de outros em sua vida e comunidade. Mas antes de partir, será útil
tocar brevemente em três tópicos mais orientados para a prática que estão
intimamente relacionados aos meios da graça.
Muitos consideram o evangelismo e a mordomia (tanto de tempo quanto
de dinheiro) como disciplinas espirituais. Certamente há elementos aqui que
envolvem disciplina, e há princípios e promessas bíblicas que nos levariam
corretamente a pensar neles como meios de graça em algum sentido real.
Contudo, considero mais útil tratar a missão, o tempo e o dinheiro
conjuntamente como disciplinas e atividades que são, antes e acima de tudo,
reflexos de ouvir regularmente a palavra de Deus, ser ouvido por ele e
pertencer a seu corpo. Receber a graça contínua de Deus para nossas almas
nos sustenta, inspira e capacita para o evangelismo e a mordomia. E quando
falarmos sobre o relógio (cap. 21) e o dinheiro (cap. 20), poderá ser mais
útil fazê-lo dentro da estrutura da Grande Comissão.
MISSÃO COMO MEIO DE GRAÇA
Não iremos mais fundo com Jesus enquanto não começarmos a desejar
estender o nosso alcance. Quando nossa vida nele é saudável e vibrante, não
apenas desejamos continuar aprofundando nossas raízes nele, mas também
queremos aumentar nossos galhos e estender sua bondade aos outros.
Ir mais fundo com Jesus logo nos leva a estender a mão aos outros; mas
estender a mão também nos leva a ir mais fundo com ele. Em outras
palavras, embarcar na missão de Jesus de discipular as nações pode ser
exatamente o instrumento dele para superar sua letargia espiritual e reativar
sua santificação paralisada. Um pastor veterano escreve:
Frequentemente encontro cristãos que estão mal espiritualmente, mantendo a fé, mas sem
avançarem muito. O estudo bíblico se tornou uma tarefa árdua; a oração é uma rotina árida. O
milagre de sua própria conversão, antes contado com grande paixão, agora é uma memória
distante e apagada. E ir à igreja, bem, é algo que eles simplesmente fazem. Mecanicamente e
sem entusiasmo, essas pessoas marcham ao longo do trabalho enfadonho do cristianismo
recluso.
Mas quando esses crentes apáticos saem do isolamento espiritual e encontram alguns
necessitados espirituais, algo maravilhoso começa a acontecer. À medida que vivenciam as
conversas cruciais que tendem a acontecer com pessoas de fora da igreja, eles começam a
notar que uma espécie de renovação interior está acontecendo. Áreas há muito ignoradas de
repente ganham vida com um novo significado. […] Não é maravilhoso como o aumento de
nossos esforços para alcançar outras pessoas pode ser um catalisador para o crescimento
pessoal?87
Viver em missão não é apenas um efeito da graça de Deus que vem a nós
pelos canais de sua palavra, oração e comunhão, mas também pode se
tornar um meio de sua graça para nós na totalidade da vida cristã.
DISCIPULADO COMO MEIO DE GRAÇA
O discipulado é o processo no qual um crente mais maduro se dispõe, por
um determinado período, a investir em um ou alguns crentes mais novos, a
fim de ajudar seu crescimento na fé — o que inclui ajudá-los também a
investir em outros, que irão investir em outros. Isso foi a maior parte do
ministério de Jesus, desde o momento em que ele chamou apenas doze:
“Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens” (Mt 4.19), até
enviá-los: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações” (Mt 28.19).
Não é surpreendente que normalmente pensemos em discipulado como
algo unilateral. O cristão “mais velho” e mais maduro está dando seu tempo
e energia para investir intencionalmente em um crente mais novo. A
experiência do próprio discipulador com os meios de graça (palavra, oração
e comunhão) serve para alimentá-lo espiritualmente para poder transmitir
aos outros. Porém, o discipulado é a essência da comunhão cristã, e todo
crente, habitado pelo Espírito de Deus, pode ser um canal da graça de Deus
para qualquer outra pessoa. Isso significa que um bom discipulado é sempre
uma via de mão dupla. O “discípulo” e o “discipulador” são,
fundamentalmente, discípulos de Jesus. E assim, como Stephen Smallman
diz: “Nosso envolvimento em fazer discípulos será uma das coisas mais
significativas que podemos fazer para nosso próprio crescimento como
discípulos”.88 É como qualquer matéria; nós mesmos entendemos melhor
quando ensinamos aos outros.
Fazer discípulos é um grande meio da graça contínua de Deus na vida de
quem está discipulando. Aqui estão quatro formas dela, entre muitas outras.
1. O discipulado nos mostra nossa pequenez e a grandeza de Deus
Fazer discípulos ativamente nos ajuda a ver nossas vidas em uma
proporção melhor — não conosco no centro, fazendo grandes coisas, mas
alegremente situados na periferia, fazendo nossa pequena parte em um
grande e glorioso plano, do tamanho de Deus. É surpreendente que Jesus
mencione “as nações”. Discipular as nações. A visão é enorme; tão grande
quanto poderia ser. Apesar disso, nossa parte é pequena.
Um refrão memorável que ouvi repetidamente nos círculos do Campus
Outreach é: “pense grande, comece pequeno, vá fundo”. Pense grande: a
glória global de Deus, entre todas as nações. Comece pequeno: concentre-se
em alguns, como Jesus fez. Vá fundo: invista profundamente nesses poucos,
tão profundamente que eles estarão capacitados e preparados para fazer o
mesmo na vida de outros.
Discipulado é algo tão grande quanto a Grande Comissão e tão pequeno e
aparentemente inferior quanto a vida cotidiana. A vida cristã não apenas
conecta nossas pequenas vidas com os propósitos globais de Deus, mas
também traduz a grandeza da missão na pequenez de nossas ações diárias.
Discipulado é uma forma fundamental — e a única forma expressamente
presente na Comissão — pela qual nossa vida pequena e local se conecta ao
plano maior e global de Deus.
Aqui há um lugar para o impulso quase heroico, grandioso do cristão que
quer mudar o mundo. Mas essa visão se concretiza na normalidade nada
celebrada e nada sexy da vida cotidiana. Pense grande, comece pequeno, vá
fundo. Pense grande, de modo global, abrangendo a muitos. Aja pequeno,
de modo local, abrangendo a poucos. Como escreve Robert Coleman: “Não
se pode transformar um mundo, a não ser que os indivíduos do mundo
sejam transformados”.89
2. O discipulado nos desafia a ser cristãos holísticos
À medida que investimos em crentes mais novos para seu crescimento
espiritual global e equilibrado, nós mesmos somos lembrados e encorajados
a ter uma saúde holística na fé.
O bom discipulado requer intencionalidade e relacionamento. Significa
ser estratégico e social. A maioria de nós está inclinada para um lado ou
para o outro. Somos naturalmente relacionais, mas carecemos de
intencionalidade. Ou achamos fácil ser intencional, mas não relacional.
Tipicamente, pendemos (ou às vezes nos inclinamos) para um dos dois
lados, quando começamos o processo de discipulado.
Mas pender ou inclinar-se não cobre tudo que é necessário para o
discipulado que investe a vida na vida de outro. Não é apenas de amigo para
amigo, e não é apenas de professor para aluno; são os dois. Há o
compartilhamento da vida cotidiana (relacionamento) e a busca por iniciar e
aproveitar ao máximo os momentos de ensino (intencionalidade). Há as
longas caminhadas pela Galileia e os sermões do monte. Discipulado é
orgânico e organizado, relacional e intencional, com contexto e conteúdo
compartilhados, qualidade e quantidade de tempo.
3. O discipulado nos torna mais conscientes de nossos pecados
Discipular é mais do que falar a verdade; é também partilhar vida, como
Paulo escreve aos tessalonicenses: “estávamos prontos a oferecer-vos não
somente o evangelho de Deus, mas, igualmente, a própria vida” (1Ts 2.8).
Quando Paulo diz “não somente o evangelho”, preste atenção. Isso é
importante.
Oferecer a própria vida a alguém significa aproximar-se; não apenas
compartilhar informações, mas compartilhar também vida e espaço. E
quanto mais os pecadores se aproximam, mais pecado aparece (é por isso
que o casamento pode ser tão apropriado para a santificação, com dois
pecadores que se aproximam cada vez mais).
Em um bom discipulado, podemos demonstrar àqueles em quem
investimos algo que os discípulos de Jesus nunca viram nele: como se
arrepender. Aqueles que observam nossa vida, procurando imitar nossa fé,
precisam nos ver sendo honestos e francos sobre nossos pecados, ouvir
nossas confissões, testemunhar nosso arrependimento e nos ver buscar
sinceramente a mudança.
Para ser mais específico, fazer discípulos exige morrer para o egoísmo —
egoísmo com nosso tempo e com nosso espaço. Para ser ainda mais
específico, significa morrer para grande parte de nossa preciosa
privacidade. A maioria de nós vive muito mais sozinho do que o necessário.
Mas, ao fazer discípulos, perguntamos: como podemos viver uma vida
cristã juntos? Como posso dar a esse novo cristão acesso à minha vida real,
não a uma máscara triunfal que visto uma vez por semana? Isso marca a
morte de grande parte de nossa privacidade. Trazemos a pessoa em quem
estamos investindo para o processo e a desordem da nossa santificação,
assim como também entramos na dela.
Eles têm que estar conosco (Mc 3.14) para termos o tipo de efeito que
Jesus teve sobre seus homens: “Ao verem a intrepidez de Pedro e João,
sabendo que eram homens iletrados e incultos, admiraram-se; e
reconheceram que haviam eles estado com Jesus” (At 4.13). E ao fazermos
isso, novas manifestações de pecado serão expostas em nós, e perceberemos
que necessitamos ainda mais da graça contínua de Deus.
4. O discipulado nos ensina a confiar mais em Jesus
Fazer discípulos costuma ser um trabalho difícil e confuso. Você verá
suas fraquezas, falhas e inadequações como nunca viu antes e, com a ajuda
de Deus, isso o ensinará a se apoiar mais ainda em Jesus.
Bons discipuladores devem aprender, confiando no Espírito, a lidar bem
com o fracasso. E a maneira cristã de lidar bem com o fracasso é levá-lo à
cruz.
Por mais simples que o discipulado possa parecer, não será fácil e, se
você for honesto consigo mesmo, não será sem fracassos. Fracassos em
nosso amor. Fracassos em iniciar o processo. Fracassos em compartilhar o
evangelho com clareza e ousadia. Fracassos em oferecer nossa própria vida
por causa do egoísmo. Fracassos em seguir adiante, preparar-se
adequadamente, orar sem cessar e andar com paciência.
Fazer discípulos nos envolve, expõe nossas falhas e nos ensina a extrair
nossa força diária não de nós mesmos, mas de Jesus e do evangelho, que
são a essência do discipulado. O evangelho é o bastão a ser passado. Este é
o conteúdo, o “depósito” (1Tm 6.20; 2Tm 1.14) passado de uma geração
espiritual para a seguinte. Esse é o tesouro em nós, que trabalhamos para
que esteja em outros vasos de barro (2Co 4.7).
Discipulamos para não clonar a nós mesmos ou para reproduzir nossas
manias e preferências pessoais. Antes, fazemos discípulos para transmitir o
evangelho. Não nos centramos em nós mesmos, mas em Jesus, que não é
apenas o grande modelo, mas também o conteúdo do discipulado. Nós
batizamos no nome de Jesus, não no nosso. E ensinamos a observar tudo o
que ele ordenou, não o que pessoalmente aconselhamos.
Mas Jesus e seu evangelho não são apenas o conteúdo principal do
discipulado. Jesus também é o Grande Consolo do discipulador falho e
imperfeito, que nos liberta de termos que ser o discipulador perfeito. Já
houve um, e ele foi perfeito desde a costa da Galileia até a cruz do Calvário,
na qual levou nossos pecados e fracassos. Não precisamos imitar seu
discipulado perfeito, porque não conseguiremos.
Porém, podemos ter grande consolo de que nele nossas falhas são
cobertas, e que o Soberano, que promete edificar sua igreja e estar sempre
conosco enquanto cumprimos sua comissão, ama santificar discipuladores
mal-acabados e abaixo da média, e ama exaltar a si mesmo, não o
discipulador a ele subordinado, como a grande fonte de poder por trás de
tudo isso.
Bill Hybels, Becoming a Contagious Christian (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1996), p. 30, 32.
Stephen Smallman, The Walk: Steps for New and Renewed Followers of Jesus (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing, 2009), p. 211.
Robert Coleman, The Master Plan of Evangelism (Grand Rapids, MI: Revell, 1993), p. 23.
20 | O dinheiro
Para o cristão, a questão não é apenas dar, mas como. “Deus ama a quem
dá com alegria” (2Co 9.7). E dar alegremente tem base no grande porquê da
generosidade cristã: o próprio Cristo — nosso Salvador, Senhor e maior
tesouro — demonstrou a máxima generosidade ao descer para nos comprar
de volta. “Conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico,
se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis
ricos” (2Co 8.9). Se Jesus está em nós, então cada vez mais essa tendência
generosa estará em nós também.
Um dos efeitos do evangelho se aprofundando em nossas almas é que ele
libera nossas mãos para afrouxar o controle sobre nossos bens. A
generosidade é uma das grandes evidências de que somos verdadeiramente
cristãos. Não apenas é o próprio Jesus quem fala com mais frequência, e
nos avisa com mais severidade, sobre o perigo da ganância, mas também é
ele que apela fortemente para a nossa alegria e diz: “Mais bem-aventurado é
dar que receber” (At 20.35).
CINCO VERDADES SOBRE GASTAR E DOAR
Aqui estão cinco verdades para refletirmos sobre gastar e doar, no serviço
de amar ao próximo e avançar na missão.
1. Dinheiro é uma ferramenta
O dinheiro em si não é mau. Não é a riqueza em si que é pecaminosa,
mas querer “ficar rico” (1Tm 6.9). Não é o dinheiro, mas “o amor do
dinheiro” é que “é raiz de todos os males” (1Tm 6.10), do qual devemos
manter nossas vidas livres (Hb 13.5). É essa cobiça (1Tm 6.10) em nossos
corações pecaminosos que é tão perigosa.
Com todas as fortes advertências na Bíblia sobre como nos relacionamos
com o dinheiro (como a condenação da luxúria e do consumismo em Tiago
5.1-6), pode ser fácil esquecer que o problema não é o dinheiro, mas nosso
coração. Finanças, salários e orçamentos são uma parte importante do
mundo que nosso Senhor criou e no qual entrou como criatura, com todas
as suas limitações de espaço, tempo e finitude.
Quando os oponentes de Jesus perguntaram sobre os impostos a César,
ele não criticou os males do dinheiro, mas relativizou seu papel em relação
a Deus (Mt 22.21). Quando eles vieram em busca do imposto do templo, ele
proveu (milagrosamente) para si mesmo e para Pedro (Mt 17.27). Ele até
mesmo elogiou, contra as objeções de Judas, a generosa demonstração de
amor de Maria ao ungir seus pés com um unguento caro (que valia mais que
o salário de um ano). Jesus chega ao ponto de nos aconselhar: “das riquezas
de origem iníqua fazei amigos; para que, quando aquelas vos faltarem, esses
amigos vos recebam nos tabernáculos eternos” (Lc 16.9). Em outras
palavras, o dinheiro é uma ferramenta que pode ser usada para objetivos
piedosos no longo prazo, não apenas para propósitos egoístas de curto
prazo.
E as ferramentas são feitas para serem usadas. Apegar-se ao dinheiro não
satisfará nossa alma nem atenderá às necessidades de outras pessoas.
2. A maneira como usamos o dinheiro revela nosso coração
Mateus 6.21 contém um lembrete importante: “onde está o teu tesouro, aí
estará também o teu coração”. Acumular nosso dinheiro diz algo: que
tememos não ter fundos suficientes em algum momento no futuro. A
avareza expõe nossa descrença na provisão de nosso Pai celestial (Mt 6.26)
e na promessa de que ele “segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em
Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades” (Fp 4.19).
Doá-lo também diz algo. É uma oportunidade de mostrar e reforçar o
lugar da fé e do amor em nosso coração. É uma chance de cumprir
alegremente os dois maiores mandamentos por meio de nossa doação, e de
cultivar a mente de Cristo por meio de nossos gastos: “Não tenha cada um
em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos
outros” (Fp 2.4). É notável como Paulo põe lado a lado os que são amantes
do dinheiro (avarentos) e os amantes de si mesmos (egoístas), em 2 Tm 3.2.
Mas o maior teste de nosso tesouro não é se estamos dispostos a gastá-lo,
mas com quem e com que o gastamos. A generosidade é uma ocasião para
deixar de lado as pequenas alegrias dos gastos autocentrados e buscar os
prazeres superiores de gastar com o próximo. Portanto, um bom instinto
para desenvolver diante de compras significativas é perguntar o que esse
gasto revela sobre nosso coração. Que desejo estou tentando realizar? É
algo para conforto pessoal, para o avanço do evangelho ou para expressar
amor a um amigo ou parente?
3. O sacrifício varia de pessoa para pessoa
Mas acumular e dar não são as únicas opções. Para a maioria de nós, a
maior parte de nossos gastos é para atender às nossas próprias necessidades
e às necessidades de nossa família. Esse tipo de gasto é inevitável e
necessário. É algo bom. Deus nos provê renda para esses propósitos. E, para
muitos de nós, ele dá recursos além de nossas necessidades e nos permite
unir-nos a ele na alegria de doar ao próximo.
Isso levanta a questão de quanto é suficiente para as “nossas
necessidades”. É simplesmente comida, roupa e abrigo em proporções
escassas? Onde fica a linha entre os gastos justificáveis ou não com nós
mesmos? Existe algum padrão que nos ajude a saber quanto manter e
quanto dar para os outros como generosidade?
Agostinho oferece um padrão para as “necessidades desta vida”,
resumido por Rebecca DeYoung:
[…] Não apenas o que é necessário para a mera subsistência, mas também o que é necessário
para viver uma vida “apropriada” ou digna de seres humanos. A questão não é viver de farelo
de pão com paredes nuas e roupas puídas. A questão é que uma vida totalmente humana é uma
vida livre de ser escravizada por nossas coisas. Nossas posses devem servir às nossas
necessidades e à nossa humanidade, ao invés de nossas vidas serem centradas no serviço às
nossas posses e aos nossos desejos por elas.90
Sem dúvida, discernir o que é e o que não é “uma vida totalmente
humana, livre de ser escravizada por nossas coisas” varia de lugar para
lugar e de pessoa para pessoa. “Cada um contribua segundo tiver proposto
no coração, não com tristeza ou por necessidade; porque Deus ama a quem
dá com alegria” (2Co 9.7). Quando se trata de finanças, fazemos bem em
sermos críticos de nós mesmos, e não dos outros — e de nos lembrarmos de
como temos a tendência de sermos gentis conosco e duros com os outros.
É difícil, e provavelmente imprudente, prescrever particularidades aqui,
mas podemos criar algumas categorias úteis e descrever erros a serem
evitados, como “ser escravizado por nossas coisas”. Uma coisa a se notar é
que “uma vida totalmente humana” não é uma existência estática. Deus nos
criou para ritmos e cadências, para banquetes e jejuns, para barulho e
multidões e silêncio e solitude. É de alguma utilidade, mesmo que mínima,
identificar e nomear os extremos de opulência e austeridade prolongadas.
Precisamos de um espaço para banquetes e jejuns financeiros. Devemos
abominar o chamado “evangelho da prosperidade”, não sermos
prejudicados pela mesquinhez disfarçada de mordomia cristã, e estarmos
alertas ao fato que acumular grandes dívidas no cartão de crédito
provavelmente significa dar além de nossas posses.
Embora discernir precisamente o que é pouco ou muito de pessoa para
pessoa não seja uma tarefa fácil, John Piper sabiamente observa: “A
impossibilidade de traçar uma linha entre a noite e o dia não significa que
você não consiga reconhecer quando é meia-noite”.91
Uma última coisa a se notar sobre padrões é o teste do sacrifício. Você já
se absteve de algo que, em geral, consideraria como uma “necessidade da
vida” para doar ao próximo?
Nada evidencia nosso coração como o sacrifício. Quando estamos
dispostos não apenas a dar de nosso excesso, mas a admitir alguma perda
ou desvantagem pessoal para sermos generosos para com os outros,
dizemos em alto e bom som, mesmo que apenas para nossa própria alma,
que temos um amor maior do que a nós mesmos e nossos confortos.
4. Generosidade é um meio de graça
Tal sacrifício levanta a questão que sempre esteve sob a superfície ao
abordar o assunto da doação: Existe alguma recompensa pela generosidade
e sacrifício — quer estejamos dando presentes de Natal, doações de fim de
ano ou uma refeição para um amigo ou estranho — além de nossa própria
libertação existencial e sensação de alegria por um ato de altruísmo? Dar
aos outros, na economia de Deus, é um canal para recebermos nós mesmos
a graça do alto?
Embora o Novo Testamento não prometa recompensas físicas nesta vida
por nossas doações, ele ensina que a generosidade é um meio de graça para
nossas almas, e que Deus está pronto para abençoar aqueles que dão pela fé.
Jesus ensinou: “Mais bem-aventurado é dar que receber” (At 20.35). E a
promessa é ainda mais forte em 2 Coríntios 9:
• Versículo 6: “Aquele que semeia pouco pouco também ceifará; e o
que semeia com fartura com abundância também ceifará”;
• Versículo 8: “Deus pode fazer-vos abundar em toda graça, a fim de
que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda
boa obra”;
• Versículos 10–11: “Ora, aquele que dá semente ao que semeia e pão
para alimento também suprirá e aumentará a vossa sementeira e
multiplicará os frutos da vossa justiça, enriquecendo-vos, em tudo,
para toda generosidade, a qual faz que, por nosso intermédio, sejam
tributadas graças a Deus”.
É a graça de Deus que liberta a alma do egoísmo e possibilita não apenas
a generosidade, mas o sacrifício. E Deus não ignora tal sacrifício. Na fé,
nossa doação para atender às necessidades dos outros se torna uma ocasião
para que mais graça divina encha nossas almas.
5. Deus é quem dá com mais alegria
Afinal, por mais alegremente que possamos dar, não podemos superar o
Doador verdadeiramente alegre. Voluntariamente, ele deu seu próprio Filho
(Jo 3.16; Rm 8.32), como ele havia proposto em seu coração, não com
tristeza ou por necessidade, mas com alegria.
E o próprio Jesus estava disposto de coração, oferecendo-se em seu
próprio espírito eterno (Hb 9.14) e sacrificando a maior das riquezas para
atender à nossa maior necessidade. “Pois conheceis a graça de nosso Senhor
Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela
sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Co 8.9).
Deus ama a quem dá com alegria, porque ele também é assim,
plenamente. E cada dádiva que damos em Cristo é simplesmente um eco do
que já recebemos e das imensuráveis riquezas que estão por vir (Ef 2.7).
Rebecca DeYoung, Glittering Vices: A New Look at the Seven Deadly Sins and Their Remedies (Grand Rapids, MI: Brazos, 2009), p. 106.
Entrevista de Collin Hansen com John Piper, “Piper sobre o salário de pastores”, Coalizão pelo Evangelho, 10 de abr. de 2016, www.coalizaopeloevangelho.org/article/piper-sobre-o-
James Bedell, “The Trap of Productivity Porn,” Medium, 21 de dez. de 2013, www.medium.com/thinking-about-thinking/the-trap-of-productivity-porn-7173d1cc6f95 (acesso em: 2
de maio de 2022).
Por exemplo, em Jocelyn Glei (ed.), Manage Your Day-to-Day: Build Your Routing, Find Your Focus, and Sharpen Your Creative Mind, 99U Book Series (Las Vegas: Amazon
Publishing, 2013).
Ibid., p. 197.
Epílogo | Comunhão com Cristo em um dia
caótico
Todos nós já passamos por isto. Talvez hoje mesmo seja um dia destes
para você. O dia caótico. Pelo menos espiritualmente falando.
Esperamos que você esteja desenvolvendo sua rotina regular e seus
“hábitos da graça”, os seus quando, onde e como buscar a comunhão diária
com Deus. Talvez você já esteja nisso há tanto tempo que, quando o
despertador toca em um dia normal, você já tem seus padrões e ritmos
organizados de como se levantar, preparar o café da manhã e se preparar,
tudo desembocando em um tempo curto mas significativo de “entrar na
Palavra”, para redefinir sua mente, encher seu coração e recalibrar sua
perspectiva antes de começar o dia.
Mas então vêm aqueles dias caóticos. E eles parecem surgir com mais
frequência do que esperamos. Pode ser a conversa até tarde da noite,
importante, mas cansativa, que faz você acionar o modo soneca
repetidamente na manhã seguinte. Ou talvez seja ficar com parentes, ou
recebê-los em sua casa.
Ou, para pais jovens, é o filho (ou filhos) que acordou durante a noite ou
saiu da cama muito cedo querendo o café da manhã e sua atenção. Ou
talvez seja apenas esta época da vida e, honestamente, todas as manhãs
parecem ter seu próprio caos. O Inimigo parece ter algum esquema novo e
criativo a cada novo dia para evitar que você tenha qualquer “tempo a sós
com Deus”.
Quaisquer que sejam as circunstâncias que emperram sua rotina, suas
manhãs caóticas levantam a questão: Como você deve pensar e se envolver
(se conseguir) nos meios de graça da meditação bíblica e oração quando a
boa, porém muitas vezes inconveniente, soberania de Deus faz você
cambalear sem sua rotina?
1. LEMBRE-SE DO QUE SÃO SEUS “HÁBITOS DA GRAÇA”
Um bom lugar para começar é com o quadro geral sobre suas rotinas
espirituais matinais. A meditação bíblica não tem a ver com marcar tabelas,
mas com comunhão com o Cristo ressuscitado em e por meio de sua
palavra. Andar na graça dele hoje não depende de você cumprir sua rotina
devocional completa, ou qualquer rotina, na verdade. É o padrão regular de
comunhão com Cristo que é vital, não o tempo prolongado em um
determinado dia.
Você pode ler todas as passagens, reservar tempo para um longas
anotações sobre meditação e oração, trabalhar bastante na memorização das
Escrituras e facilmente passar o dia caminhando com suas próprias forças,
sem morrer para os interesses egoístas nem se antecipar e agir para atender
às necessidades de outros. Na verdade, é provável que nos dias em que você
se sinta pessoalmente mais forte e espiritualmente realizado, você esteja
mais propenso a andar em sua própria força, em vez da força que Deus
fornece (1Pe 4.11).
2. CONSIDERE O CAMINHO DO AMOR
É um ato de amor (ao próximo) ter comunhão regular com Deus. Existem
bons efeitos horizontais em ter nossas almas firmadas e florescendo
verticalmente. Você será um cônjuge, pai, amigo, primo, filho e vizinho
melhor se sua alma estiver sendo rotineiramente moldada e sustentada por
um relacionamento real com Deus em sua palavra e em oração.
Às vezes, a coisa mais amorosa que podemos fazer é nos afastar das
pessoas por alguns minutos, alimentar nossas almas em Deus e sua bondade
e voltar para nossas famílias e comunidades reanimados para prever e
atender às necessidades dos outros. Mas, em outras ocasiões, o caminho do
amor é morrer para nosso desejo de ter um tempo sozinho — mesmo em
coisas boas como meditação bíblica e oração — para dar atenção à criança
que está doente ou acordou cedo, ou para preparar e servir o café da manhã
para a família de fora da cidade, ou para ajudar um cônjuge ou amigo que
está tendo sua própria manhã caótica.
3. DESENVOLVA UMA ROTINA MATINAL ADAPTÁVEL
Levar em conta as manhãs caóticas, saber que elas virão e tentar estar
pronto para elas, pode significar desenvolver hábitos matinais que sejam
flexíveis. Tente criar uma rotina que possa se estender por mais de uma
hora, se possível, ou diminuir para apenas dez minutos, ou até menos,
quando o amor exigir.
Por exemplo, você pode considerar um padrão simples como o que
estamos adotando neste livro: comece com a leitura bíblica, passe à
meditação, complete com oração. Nos dias em que você tem mais tempo,
pode ler e meditar mais, fazer anotações no diário, reservar um tempo para
memorizar alguma passagem rica e permanecer em oração, da adoração à
confissão, do agradecimento à súplica. Mas em uma manhã caótica, você
pode terminar a sequência de leitura-meditação-oração em apenas alguns
breves minutos, se necessário.
Em vez de ler todas as passagens designadas em seu plano de leitura
bíblica, leia apenas um pequeno salmo, um pequeno relato do Evangelho ou
uma pequena seção de uma epístola. Procure uma manifestação da bondade
de Deus na passagem, medite sobre essa bondade aplicada a você em Jesus
e tente inserir essa verdade em seu coração. Em seguida, ore por essa
verdade à luz do seu dia e das necessidades diante de você, junto com
quaisquer outros pedidos espontâneos em sua mente naquela manhã.
Se o tempo estiver realmente apertado, pelo menos faça uma breve pausa
para orar e procure manter um espírito de oração e dependência durante o
dia. Cristo pode encontrá-lo na correria. Diga a Deus que parece que as
circunstâncias e o chamado do amor estão conduzindo você direto para a
vida hoje. Reconheça que você não pode obter a ajuda dele com um longo
período de meditação e oração, mas peça que ele se mostre forte hoje, sendo
a sua força quando você se sentir espiritualmente fraco.
Na verdade, muitas vezes é nos dias caóticos que nos sentimos mais
dependentes, e nosso senso de fraqueza é bom para que Deus nos mostre
sua força. “A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na
fraqueza” (2Co 12.9).
4. Procure a provisão de Deus por meio de outros
Os meios da graça não são simplesmente pessoais. Eles são
profundamente comunitários. Até mesmo nossa meditação bíblica e oração
pessoal são profundamente moldadas por nossa vida em comunidade e por
aqueles que nos ensinaram intencionalmente. A nutrição bíblica e a oração
pessoal podem ser poderosas, e são hábitos da graça que vale a pena
perseguir diariamente; mas um lembrete da graça de Deus vindo de um
cônjuge, amigo ou irmão na fé também podem ser. Não negligencie o poder
da comunhão como meio da graça de Deus.
Se o tempo a sós com Jesus simplesmente não aconteceu nessa manhã
caótica, fique atento para alguma porção de alimento do evangelho em uma
conversa com alguém que ama Jesus. Se for um dia caótico para ambos,
talvez uma conversa rápida, apontando um ao outro para Cristo e sua
bondade para conosco, produzirá para os dois um alimento que não
receberiam de outra forma.
5. Avalie depois o que você pode aprender para a próxima vez
Quando a manhã e o dia caóticos passarem, procure aprender como você
pode melhorar em se precaver e tratar disso no futuro. Se você ficou
acordado até tarde para assistir a algum programa ou filme
desnecessariamente, a lição pode ser, muito simplesmente, planejar melhor
da próxima vez. Contudo, muitas vezes não há nada para aprender; é apenas
a vida nesta era.
Os dias caóticos chegarão. E há tempos da vida, como quando há um
recém-nascido em casa, em que todas as pretensões são suspensas e é
apenas uma época caótica. Mas com um pouco de intencionalidade, e com
um plano modesto em prática, você pode aprender a navegar nesses dias, e
até mesmo andar dependendo mais de Deus, sabendo muito bem que não é
a execução ideal de nossos hábitos matinais de graça que garante seu favor
e bênção.
Você pode ter comunhão com Cristo nos dias caóticos.
Agradecimentos
É preciso ajuda de muitos — para criar um filho e também para escrever
um livro. Minha jornada com os hábitos da graça remonta à infância, desde
antes de que consigo lembrar. Mamãe e papai não apenas procuraram
cultivar sua própria comunhão com Jesus na leitura bíblica diária e na
oração, mas também criaram o hábito de reunir as crianças para as
devocionais em família antes de dormir. Depois do próprio Cristo, minha
primeira expressão de agradecimento é para mamãe e papai.
Em seguida, vêm os pacientes e amáveis pais voluntários do ensino
fundamental e médio da Primeira Igreja Batista em Spartanburg, Carolina
do Sul. Muitos (mais do que posso nomear) investiram em nós incontáveis
manhãs de domingo e noites e noites de quarta-feira. Além dos líderes da
juventude, o pastor Don Wilton nos ensinou que podemos confiar na Bíblia,
e Seth Buckley foi o modelo tanto do ministério de jovens quanto de
masculinidade cristã.
Na Furman University em Greenville, Carolina do Sul, as influências
fundamentais foram os discipuladores Faamata Fonoimoana e Matt Lorish,
sob a liderança de Ken Currie. Faamata sacrificou-se como um veterano
para investir em míseros calouros. Ele foi um discipulador em todos os
aspectos da vida, incluindo os hábitos de graça. Então, depois de dois anos
com Faamata, Matt me colocou sob sua proteção nos meus últimos dois
anos em Furman. Ele me deu a tarefa de ler Disciplinas espirituais, de
Donald S. Whitney, e confiou em mim o suficiente para ensinar
publicamente os alunos mais jovens em projetos de treinamento de verão.
Agora, nesses doze anos em Minnesota, as influências se multiplicaram.
Paul Poteat, Matt Reagan e Andrew Knight viveram comigo essa visão da
comunhão diária com Jesus, que aplicamos no discipulado dos estudantes
universitários.
Agradecimentos especiais vão para meu ex-colega de trabalho e agora
colega de ministério pastoral, Jonathan Parnell, que enviou o fatídico e-mail
não solicitado, em 28 de dezembro de 2011: “Fico pensando se você
deveria pensar em escrever um livro sobre as disciplinas… Pense nisso”.
Bem, eu pensei. E mesmo que parecesse algo distante no início, surgiu a
oportunidade de ensinar as disciplinas para alunos no Bethlehem College &
Seminary (BCS) e, em seguida, escrever sobre elas em desiringGod.org. Por
fim, a Crossway foi gentil em fornecer o espaço e o suporte para fazer
surgir o livro que você tem em mãos. Agradeço em particular a Ryan
Griffith do BCS, aos colegas da equipe de conteúdo em desiringGod.org
(Marshall Segal, Tony Reinke, Phillip Holmes, Stefan Green, John Piper e
Jon Bloom) e aos queridos amigos da Crossway, especialmente Justin
Taylor, que acreditou neste projeto o suficiente para sugerir que fizéssemos
um guia de estudo. Agradeço à grande editora Tara Davis por abordar este
projeto com tanta experiência e cuidado, e a Pam Eason por sua ajuda e
orientação no guia de estudo.
Agradeço à minha esposa, Megan, a meus filhos gêmeos Carson e
Coleman e à minha filha mais nova Gloria. Vocês se ajustaram para me dar
tempo de costurar os últimos fios em janeiro e agosto de 2015. E Megan,
por mais de oito anos, você tem sido minha parceira feliz no cultivo dos
hábitos da graça e em fazer de nosso lar um lugar para ouvir a voz de Deus,
ser ouvido por ele e pertencer a seu corpo. Este livro não existiria sem o seu
incentivo, paciência e graça notável.
Finalmente, e mais importante, agradeço ao Deus-homem, assentado com
poder no trono do universo, sob cuja sábia e bondosa soberania as sementes
deste pequeno livro foram plantadas e nutridas no solo e na água de sua
misericordiosa providência. De fato, as divisas caíram-me em lugares
amenos (Sl 16.6). Minha oração é que Jesus — Senhor, Salvador e maior
tesouro — seja mais devidamente amado, estimado e apreciado por meio
deste pequeno livro. Que ele possa inspirar muitos hábitos de sua graça em
seus admiradores, à luz de seus gloriosos meios de graça em sua palavra,
ouvido e corpo. E que esse seja realmente o grande fim: que ele seja ainda
mais nosso maior tesouro (Mt 13.44) e grande alegria (Sl 43.4).
O Ministério Fiel visa apoiar a igreja de Deus, fornecendo conteúdo fiel
às Escrituras através de conferências, cursos teológicos, literatura,
ministério Adote um Pastor e conteúdo online gratuito.
Disponibilizamos em nosso site centenas de recursos, como vídeos de
pregações e conferências, artigos, e-books, audiolivros, blog e muito mais.
Lá também é possível assinar nosso informativo e se tornar parte da
comunidade Fiel, recebendo acesso a esses e outros materiais, além de
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Todo mundo quer ser feliz. O site do ministério Desiring God nasceu e
foi construído para a felicidade. Queremos que as pessoas em todos os
lugares entendam e abracem a verdade de que Deus é mais glorificado em
nós quando estamos mais satisfeitos nele.
Reunimos mais de trinta anos de mensagens e textos de John Piper,
incluindo traduções em mais de quarenta idiomas. Também fornecemos um
fluxo diário de novos recursos em texto, áudio e vídeo para ajudá-lo a
encontrar verdade, propósito e satisfação que nunca terminam. E tudo isso
está disponível gratuitamente, graças à generosidade das pessoas que foram
abençoadas pelo ministério.
Se você quer mais recursos para a verdadeira felicidade, ou se quer
aprender mais sobre nosso trabalho, nós o convidamos a nos visitar:
www.satisfacaoemdeus.org
Table of Contents
Sumário
Apresentação
Prefácio
Introdução | Graça indomada
Parte 1 | Ouvir a vozde Deus — Palavra
1 | Molde sua vida com as palavras de vida
2 | Leia para amplitude, estude para profundidade
3 | Aqueça-se no fogo da meditação
4 | Leve a Bíblia em seu coração
5 | Memorize a mente de Deus
6 | Decida ser um aprendiz por toda a vida
Parte 2 | Ser ouvido por Deus — Oração
7 | Desfrute da dádiva de ser ouvido por Deus
8 | Ore em secreto
9 | Ore com constância e companhia
10 | Afie suas afeições com o jejum
11 | O diário como um caminho para a alegria
12 | Faça uma pausa no caos
Parte 3 | Pertencer ao seu corpo — Comunhão
13 | Aprenda a voar com a comunhão
14 | Acenda a chama da adoração comunitária
15 | Ouça a graça no púlpito
16 | Lave-se novamente nas águas
17 | Cresça em graça na mesa
18 | Receba a bênção da repreensão
Parte 4 | Desfecho
19 | A comissão
20 | O dinheiro
21 | O relógio
Epílogo | Comunhão com Cristo em um dia caótico
Agradecimentos