Santificação Profunda
Santificação Profunda
Santificação Profunda
Jesus disse que nossa maior “obra” é crer. Como outros autores vivos, Dane
Ortlund me ajudou a voltar a crer, na medida em que me familiarizou de
novo com a impressionante ternura e beleza de Jesus. Enquanto leio suas
palavras, sou capaz de sentir meu coração crescer em confiança, devoção e
afeições piedosas, com suporte no amor do Salvador por mim. Neste livro
incrivelmente pastoral e abençoador, Dane desenvolve os desdobramentos
dessa visão de Jesus para o crescimento pessoal, mostrando-nos que a chave
para avançar com Jesus é aprofundar-se em sua obra consumada.
J. D. Greear, pastor titular da The Summit Church, Raleigh-Durham,
Carolina do Norte
Agradecimentos
Introdução | Como os cristãos crescem?
1 | Jesus
2 | Desespero
3 | União
4 | Amor
5 | Absolvição
6 | Honestidade
7 | Dor
8 | Respiração
9 | Sobrenaturalizado
Conclusão |E agora?
Agradecimentos
Obrigado, Mike Reeves, por me convidar para contribuir com este livro da
série Union. Essa parceria e a amizade correspondentes são preciosas para
mim.
Obrigado, Davy Chu, Drew Hunter e Wade Urig, irmãos pastores a quem
tanto admiro, por lerem e aprimorarem o manuscrito. Eu os amo.
Obrigado, querida Stacey, por insistir em que eu continue escrevendo e
por me encorajar ao longo desse caminho. Tenho muito carinho por você.
Obrigado, Crossway, por seu cuidado neste projeto, do começo ao fim.
Obrigado, Thom Notaro, por sua maravilhosa parceria neste projeto, na
qualidade de editor.
Dedico este livro a meus professores do seminário. Em agosto de 2002,
quando cheguei ao campus do Covenant Theological Seminary, em Saint
Louis, mal conseguia acreditar no que estava vendo: homens de Deus cuja
instrução, erudição e compromisso com as doutrinas da graça os levaram
a se aprofundar ainda mais em humildade e amor. Eu poderia ter
aprendido grego em qualquer outro lugar, mas só poderia aprender a beleza
dos relacionamentos, fomentada pela teologia reformada, no Covenant
Seminary, sob a orientação do corpo docente que ali se encontrava na
época. Eles me proporcionaram o fundamento teológico necessário para
entender de que forma posso crescer em Cristo. Porém, na época, de forma
ainda mais maravilhosa, eles me ofereceram retratos vivos daquilo que
floresce nesse crescimento. Neste mundo de Mordor, encontrei a mim
mesmo no Condado. Quanta misericórdia de Deus por me enviar para lá!
Eu precisava disso. E ainda preciso. Obrigado, queridos pais e irmãos.
Introdução | Como os cristãos
crescem?
Isso deixa de fora a parte de sua obra que ele está realizando agora
mesmo:
nascimento → vida → morte → sepultamento → ressurreição → ascensão → intercessão.
Resolva hoje mesmo, diante de Deus, que você, por meio da Bíblia e de
bons livros que a explicam, dedicará o restante de sua vida a mergulhar nas
insondáveis riquezas do Cristo verdadeiro.
Permita que ele, em sua plenitude, o ame e o guie em crescimento.
4 C. F. D. Moule, “‘The new life’ in Colossians 3:1-17”, Review and expositor 70, nº 4 (1973): 482.
5 Thomas Goodwin, Encouragements to faith, em The works of Thomas Goodwin, 12 vols. (reimpr., Grand Rapids, MI:
Reformation Heritage, 2006), 4:224.
6 Jonathan Edwards, “The curch’s marriage to her sons, and to Her God”, em The works of Jonathan Edwards, vol. 25,
Sermons and discourses, 1743-1758, ed. Wilson H. Kimnach (New Haven, CT: Yale University Press, 2006), p. 183.
7 C. S. Lewis, The collected letters of C. S. Lewis, vol. 3, Narnia, Cambridge, and Joy, 1950-1963, ed. Walter Hooper (San
Francisco: HarperCollins, 2009), p. 1011; ênfase original.
2 | Desespero
8 Martin Luther, The bondage of the will, em Career of the reformer III, em Luther’s works, ed. Jaroslav Pelikan e Helmut T.
Lehmann, 55 vols. (Philadelphia: Fortress, 1955-1986), 33:61-62.
9 Martyn Lloyd-Jones, Seeking the face of God: nine reflections on the Psalms (Wheaton, IL: Crossway, 2005), p. 34.
10 Robert Murray McCheyne, em uma carta de 1840, apud Andrew A. Bonar, Memoirs and remains of the Rev. Robert
Murray McCheyne (Edinburgh: Oliphant, Anderson, and Ferrier, 1892), p. 293.
11 Augustine, City of God, ed. Vernon J. Bourke, trad. Gerald G. Walsh, Demetrius B. Zema, Grace Monahan e Daniel J. Honan
(Garden City, NY: Image, 1958), 19.25.
12 C. S. Lewis, Till we have faces: a myth retold (New York: Harcourt, 1956), p. 279.
13 Jonathan Edwards, “Miscellany 779”, em The works of Jonathan Edwards, vol. 18, The “miscellanies”, 501-832, ed. Ava
Chamberlain (New Haven, CT: Yale University Press, 2000), p. 438.
14 Veja Paul E. Miller, J-Curve: dying and rising with Jesus in everyday life (Wheaton, IL: Crossway, 2019).
15 Letters of John Newton (Edinburgh: Banner of Truth, 2007), p. 184; de modo semelhante, p. 212-13. De fato, esse é um tema
repetido em todas as cartas de Newton.
16 J. I. Packer, A quest for godliness: the Puritan vision of the Christian life (1990; reimpr., Wheaton, IL: Crossway, 2010), p.
170.
17 Em Barbara Miller Juliani, The heart of a servant leader: letters from Jack Miller (Phillipsburg, NJ: P&R, 2004), p. 244-
45.
3 | União
Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém,
muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor;
porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa
vontade. (Fp 2.12-13)
Para isso é que eu também me afadigo, esforçando-me o mais possível, segundo a sua
eficácia que opera eficientemente em mim. (Cl 1.29)
Seu crescimento espiritual é uma questão de graça divina. Você não pode
alavancar a si mesmo para obter o crescimento. Você precisa ser elevado ao
crescimento. Porém, a graça divina que produz mudança impulsiona e
perpassa nossos esforços, pois estamos no Filho.
Salvo e seguro
Mas o que isso significa? O que significa estar unido a Cristo? Sem dúvida,
esse é um conceito impreciso. Podemos imaginar um bebê canguru “na”
bolsa de sua mãe. No entanto, em que sentido estamos “em” Cristo?
O primeiro fato digno de nota é a simples intimidade e segurança de ser
cristão. Nosso crescimento cristão acontece na maravilhosa esfera da
inevitabilidade, até mesmo da invencibilidade. Estou unido a Cristo. Nunca
poderia ser desunido dele. A lógica das epístolas do Novo Testamento é
que, para eu ser desunido de Cristo, sua ressurreição teria de ser desfeita.
Ele teria de ser expulso do céu, para que eu também fosse expulso dele.
Estamos bem seguros.
O pastor e teólogo escocês James Stewart (1896–1990) compreendeu, de
forma correta, a centralidade da doutrina da união com Cristo e assim a
explicou vividamente:
Cristo é o novo ambiente do homem redimido. Ele foi elevado das restrições limitadoras de
sua vida terrena para uma esfera totalmente diferente, a esfera de Cristo. Foi transportado
para um novo solo e um novo clima. Tanto o solo como o clima são Cristo. O espírito do
crente está respirando um elemento mais nobre. Está avançando numa esfera mais
elevada.22
Para responder a isso, eu lhe falarei o que pretendo dizer com “possuir todas as coisas”.
Quero dizer que o Deus trino, tudo que ele é, tudo que possui, tudo que faz, tudo que fez e
realizou, assim como todo o universo, os corpos e espíritos, o céu e a terra, os anjos, os
homens e os demônios, o sol, a luz e as estrelas, os peixes e as aves, toda a prata e todo o
ouro, os reis e os potentados são tanto do cristão quanto o dinheiro que está em seu bolso, as
roupas que ele usa, a casa em que ele mora ou os alimentos que ele consome — sim,
propriamente dele, vantajosamente dele, em virtude de sua união com Cristo; visto que
Cristo, que possui todas as coisas, é inteiramente dele. Portanto, o cristão possui tudo, mais
do que uma esposa possui a parte do melhor e mais estimado marido, mais do que a mão
possui o que a cabeça dá. Tudo é dele.
Cada átomo no universo é controlado por Cristo em benefício do cristão, bem como toda
partícula de ar ou cada raio do sol; para que ele, no mundo vindouro, quando chegar a vê-lo,
sente-se e desfrute de toda essa imensa herança com uma alegria surpreendente e
maravilhosa.29
18 Citado em Ernest F. Kevan, The grace of law: a study in Puritan theology (Grand Rapids, MI: Reformation Heritage,
1997), p. 236.
19 Tomei de Jerry Bridges essa categorização quádrupla, embora eu não me lembre do lugar exato onde a vi.
20 Jonathan Edwards, “Efficacious grace”, em The works of Jonathan Edwards, vol. 21, Writings on the Trinity, grace, and
faith, ed. Sang Hyun Lee (New Haven, CT: Yale University Press, 2003), p. 251.
21 Essa expressão também poderia ser traduzida como “sua graça em mim”.
22 James S. Stewart, A man in Christ: the vital elements of St. Paul’s religion (London: Hodder and Stoughton, 1935), p. 157.
23 Para uma abordagem rigorosa e técnica na forma de livro, especificamente concentrada nas cartas de Paulo, veja Constantine
R. Campbell, Paul and union with Christ: an exegetical and theological study (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2015). O
autor fala dos quatro significados da linguagem do Novo Testamento sobre a união com Cristo.
24 Henry Scougal, The life of God in the soul of man (Fearn, Ross-shire, Scotland: Christian Focus, 1996), p. 41-42.
25 C. S. Lewis, Mere Christianity (1952; reimpr., New York: Touchstone, 1996), p. 189.
26 John Calvin, Institutes of the Christian religion, ed. John T. McNeill, trad. Ford Lewis Battles (Louisville: Westminster John
Knox, 1960), 3.1.1.
27 Até mesmo a justificação, que, no mundo evangélico, tende a ser centralizada acima de outras realidades salvadoras, acontece
somente em Cristo. “Aquele que não conheceu pecado, ele [Deus] o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça
de Deus” (2Co 5.21). Em outra passagem, Paulo fala de querer “ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria”
(Fp 3.8-9). Em ambos os textos, o substantivo “justiça” possui a mesma raiz usada em “justificação”.
28 Adolf Deissmann, alemão erudito em Novo Testamento, descobriu e mostrou, em um estudo original, que o elemento mais
distintivo do cristianismo do Novo Testamento é o da união do crente com o Deus que ele adora (Deissmann, Die
neutestamentliche formel “in Christo Jesu” [Marburg: Elwert, 1892]).
29 Jonathan Edwards, “Miscellany ff”, em The works of Jonathan Edwards, vol. 13, The “miscellanies”, a-500, ed. Thomas
A. Schafer (New Haven, CT: Yale University Press, 1994), p. 183; linguagem ligeiramente atualizada.
4 | Amor
Quando digo aos meus cinco filhos novos que os amo, apenas dão de
ombros e respondem: “Eu sei, papai”. Mas eles não sabem. Eles creem que
os amo, mas dificilmente o sabem. Não sou capaz de lhes dar um abraço
suficientemente apertado. Não consigo dizer isso em voz suficientemente
elevada. Não sou capaz de expressar isso com frequência suficiente. Tenho
a bendita frustração de não poder comunicar-lhes quão preciosos eles são
para mim.
Se isso é verdadeiro em nível humano, no que diz respeito a um pai
pecador, como deve ser, em nível divino, o amor de Deus, que é um Pai
gloriosamente santo?
Tendemos a pensar que corremos o risco de exagerar o amor de Deus por
nós quando o recebemos na condição de seus filhos. Então, nós, tomando
cuidado para não o exagerar, nos mantemos distantes, não querendo ser
ousados demais. E se meus filhos agissem assim em relação a mim,
mantendo-se à distância de meu amor? Isso partiria meu coração.
Não parta o coração de seu Pai. Abrace-o prontamente. Sorva-o. Permita
que o fogo santo do amor de Deus arda intensamente em sua alma. Esse é o
grande desejo de Deus.
Experimentando o amor divino
Mas como? Como podemos experimentar realmente o amor de Deus?
Como podemos abrir as passagens de nosso coração para deixar o amor de
Deus invadi-lo?
Não há um grande segredo aqui. Os cristãos têm dito a mesma verdade
por dois mil anos. Experimentamos o amor de Deus quando olhamos para
Jesus, e Deus derrama em nossa existência o Espírito Santo, que é, ele
mesmo, o amor divino. Digo que o Espírito Santo é, ele mesmo, o amor
divino porque Tito 3.5-6 diz afirma que Deus derrama em nós o Espírito
Santo, enquanto Romanos 5.5 diz que Deus derrama (mesma palavra grega)
em nós seu amor. Ambas as passagens descrevem a mesma experiência.
Quando digo “experimentar o amor de Deus”, não falo meramente de
emoções, embora nossas emoções, sem dúvida, também estejam
envolvidas. Estou falando do que os cristãos mais antigos chamavam de
“nossas afeições”. Com isso, eles se referiam ao gozo íntimo que o coração
sente, a vibração de alma que somente Deus dá, a calma jubilosa que
envolve os que olham para ele.
Quando vemos mais claramente a segunda pessoa da Trindade — quem
ele é e o que fez —, a terceira pessoa da Trindade cria em nós uma
experiência do amor divino. Assim como o sol dá tanto luz como calor,
você pode pensar no Filho como quem dá luz e no Espírito como quem dá
calor. É essa experiência que torna o pecado feio aos nossos olhos e torna
bela a retidão. É essa experiência que nos aprofunda na comunhão com
Deus. É essa experiência que desarraiga o pecado.
Vemos isso em textos como 1 Coríntios 2.12: “Ora, nós não temos
recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que
conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente”. As palavras “o
que foi dado gratuitamente” traduzem uma única palavra grega, que é a
forma verbal da palavra “graça”. O trabalho do Espírito é abrir nossos olhos
para aquilo com o que fomos agraciados, ou seja, a obra expiatória do
“Senhor da glória” (como a passagem acabou de identificá-lo; 1Co 2.8),
Jesus Cristo. Ou, como o próprio Jesus diz em João 15, o Espírito “dará
testemunho de mim” (v. 26). Retornaremos a essa obra do Espírito no
capítulo 9, mas tenho de mencioná-la brevemente aqui, ao abordar a
experiência do amor divino, visto que o Espírito é o agente por meio de
quem isso acontece.
Olhe para Cristo e veja nele o amor de Deus manifestado. Como disse
John Owen: “Exercite seus pensamentos no eterno, livre e frutífero amor do
Pai e veja se o seu coração não será levado a se deleitar nele”.35 No entanto,
em que lugar podemos olhar para Jesus, de modo que o Espírito Santo seja
novamente derramado em nossa experiência real? Em uma Bíblia, quando a
abrimos. Vemos Jesus andando pelas páginas dos evangelhos, mas, para
além disso, vemos Jesus caminhando pelas páginas de toda a Bíblia, de
Gênesis a Apocalipse; visto que toda a Bíblia possui um enredo único, o
qual trata de nossa necessidade de um Salvador e da provisão dele por parte
de Deus. Por isso, abra sua Bíblia e consiga bons livros que o ajudem a
compreendê-la. Peça a Deus que se revele mais profundamente a você. Peça
ao Pai que o conduza à clareza quanto ao Filho, de modo que você seja
aquecido pelo Espírito.
D. L. Moody, o famoso evangelista de Chicago, ficou desanimado em
seu ministério durante uma visita à cidade de Nova York. Enquanto estava
lá, Moody teve uma experiência do amor divino de tal modo que, segundo
ele próprio narrou, teve de pedir a Deus que detivesse sua mão. Bem, você
diz, ele era um grande cristão. Tratava-se de Moody, o homem que levou
milhares a Cristo! E quanto a mim, desordeiro e vacilante? Sou indigno de
amor.
A resposta a esse tipo de raciocínio é que a consciência de sua
indignidade é exatamente a razão pela qual você se qualifica para vivenciar
Efésios 3 e o amor infinito de Jesus. Se você visse a si mesmo como
amável, isso limitaria quão amado você poderia se sentir. Porém, por sua
própria natureza, o amor não depende da amabilidade do amado. Se você se
sentisse amável, poderia até se sentir, em alguma medida, amado, mas não
poderia admirar-se de quão grandemente amado você é. É precisamente a
nossa desordem interior que torna o amor de Cristo tão surpreendente, tão
chocante, tão cativante e, por isso mesmo, tão transformador.
A natureza surpreendente do amor de Deus é aquilo em que Jonathan
Edwards pensava quando pregou:
Aqueles que encontram Cristo [descobrem que], embora uma pessoa muito gloriosa e
excelente, ele está pronto para receber essas criaturas pobres, indignas e odiáveis. Isso lhes
era inesperado e os surpreende.
Eles não imaginavam que Cristo seria esse tipo de pessoa, uma pessoa cheia dessa graça.
Ouviram que ele era um Salvador santo e que odiava o pecado, mas não imaginavam que
ele estaria tão disposto a receber criaturas vis e ímpias. Pensavam que, por certo, ele nunca
se disporia a aceitar pecadores obstinados, ímpios culpados, pessoas com corações tão
abomináveis.
Todavia, mesmo em virtude disso, ele não titubeia, nem por um momento sequer, em
recebê-los. Inesperadamente, eles o encontram de braços abertos para envolvê-los, pronto a
esquecer para sempre todos os pecados deles, como se nunca tivessem existido. Descobrem
que ele, por assim dizer, corre para se encontrar com eles e os torna muito bem-vindos,
admitindo-os não somente como servos, mas também como amigos. Ele os levanta do pó e
os coloca em seu trono. Torna-os filhos de Deus e lhes fala de paz; anima e revigora o
coração deles. Admite-os em união estrita consigo e lhes dá o mais jubiloso sustento,
prendendo-se a eles como amigo para sempre.
Assim, eles ficam surpresos com o sustento que dele recebem. Nunca imaginaram que
Cristo é uma pessoa cheia desse tipo de amor e graça. Isso está além de toda imaginação e
concepção.36
Olhe para Jesus. Permita-se ser surpreendido pela forma tão espontânea e
permanente como ele o recebe. Desfrute da serenidade de alma que surge
quando o Espírito Santo volta a enchê-lo.
Obstáculos em conhecer o amor de Cristo
Mas, com frequência, isso não é tão simples assim, não é mesmo? Alguns
de nós, não importando quanto tentamos, não importando quanto da Bíblia
já lemos, consideramos a experiência do amor de Deus intangível.
Alguns de nós olhamos para a evidência de nossas vidas, conscientes da
dor que temos suportado, e não sabemos como responder, senão com
cinismo frio. “O amor de Cristo?”, indagamos. “Isso é uma piada? Você
está vivendo em outro mundo, Dane? Isso tudo parece ótimo em teoria, mas
olhe para o fracasso de minha vida. Sei, nas profundezas de minha alma,
que fui criado para ser um palácio magnífico e imponente. Porém, na
verdade, sou uma pilha de destroços em razão da forma como os outros me
têm tratado, prejudicado e vitimizado. Minha vida refuta o amor de Cristo.”
Se você tem pensamentos desse tipo quando ouve sobre o amor de
Cristo, desejo que saiba que está olhando para a vida errada. Sua vida não
refuta o amor de Cristo; sua vida prova o amor de Cristo.
No céu, o eterno Filho de Deus possuía uma magnificência própria de
um palácio, se é que algo assim já existiu. Porém, ele se tornou um homem
e, em vez de reinar com autoridade gloriosa, como se esperava do Deus que
se tornou homem, foi rejeitado e morto. Sua própria vida foi reduzida a
destroços. Por quê? Para que pudesse arrebatar a você, que é pecador, para
as profundezas de seu coração e jamais permitir que saia dali, após haver
satisfeito, com sua morte expiatória, a ira justa do Pai para com você.
Seu sofrimento não define quem você é. Jesus, sim. Você suporta a dor
involuntariamente. Ele a suportou voluntariamente por você. A dor que
você enfrenta tem a finalidade de impeli-lo a fugir na direção de Cristo e ir
até o local onde ele suportou o que você merece.
Se o próprio Jesus se mostrou disposto a fazer um percurso descendente
até o sofrimento de morte, você pode confiar tudo ao amor dele, enquanto
passa por seus próprios sofrimentos em sua jornada ascendente para o céu.
Para outros, não é tanto o que eles têm recebido das mãos de outras
pessoas, mas seu próprio pecado e sua própria insensatez que os fazem
duvidar do amor de Deus. Você é um seguidor de Jesus e continua
estragando tudo. Você se pergunta quando o reservatório do amor de Deus
vai se esgotar.
Eis o que tenho a lhe dizer: você entende como Deus trata seus filhos que
maltratam seu amor?
Ele os ama com todo o ardor.
Deus é assim. Ele é amor. É uma fonte de afeição. É incansável e
incessante em nos receber em seu amor. Em uma carta de 1948 dirigida à
sua igreja, o pastor escocês William Still escreveu: “Deus nunca se cansa de
doar. Mesmo quando não somos gratos, ele doa, e doa, e doa novamente. Às
vezes, quando outros entristecem Deus, como imaginamos, supomos que
ele os visitará, os punirá e lidará severamente com eles. Em vez disso, ele
os enche de mais provas ainda do seu amor”.37
Permita que ele o ame novamente. Levante-se do chão, deixe de sentir dó
de si mesmo e permita que o coração de Deus o mergulhe em seu amor,
mais profundamente do que nunca.
Quer a ruína de sua vida seja fruto de sua própria realização, quer seja de
outrem, quem está em Cristo nunca se afastou das cascatas do amor divino.
Deus teria de deixar de ser Deus para que esse dilúvio se esgotasse. Você
silenciou sua experiência do amor de Deus, mas não pode interromper o
fluxo desse amor, assim como uma pedrinha não pode retardar o fluxo das
Cataratas de Vitória, que têm 1.600 metros de largura e 110 metros de
altura, enquanto os milhões de litros de água do Rio Zambeze colidem com
os rochedos que estão no sul da Zâmbia.
Quer você tenha ignorado, negligenciado, desperdiçado ou
compreendido mal esse amor, quer tenha se endurecido para ele, o Senhor
Jesus Cristo se aproxima de você hoje não de braços cruzados, mas de
braços abertos, na mesma posição em que foi pendurado na cruz, e lhe diz:
Nada disso importa agora. Não pense nisso outra vez.
Tudo que importa agora somos eu e você.
Você sabe que é uma bagunça. Você é um pecador. Toda a sua existência tem
sido construída ao redor de si mesmo.
Saia dessa tempestade. Deixe seu coração se abrir amplamente para a Alegria.
Fui punido para que você não tenha de ser punido. Fui preso para que você seja
livre. Fui acusado para que você seja inocentado. Fui executado para que você
seja absolvido.
E tudo isso é apenas o começo do meu amor. Isso provou meu amor, mas não é o
final; é apenas o acesso ao meu amor.
Humilhe-se para recebê-lo.
Mergulhe sua alma ressequida no oceano do meu amor. Nele, você encontrará o
descanso, o alívio, o acolhimento e a amizade pelos quais seu coração anseia.
A categoria mais abrangente de sua vida não é seu desempenho, mas o
amor de Deus. A característica que define sua vida não é sua pureza, mas o
amor de Deus. O destino mais elevado de sua vida é aprofundar-se cada vez
mais calmamente, mas com uma intensidade sempre crescente, no infinito
amor de Deus. Crescemos espiritualmente ao iniciarmos esse projeto o
quanto antes, aqui mesmo nesta vida terrena caída.
30 Jonathan Edwards, “A divine and supernatural light”, em The works of Jonathan Edwards, vol. 17, Sermons and
discourses, 1730-1733, ed. Mark Valeri (New Haven, CT: Yale University Press, 1999), p. 414.
31 John Bunyan, The saints’ knowledge of the love of Christ, em The works of John Bunyan, ed. George Offer, 3 vols.
(reimpr., Edinburgh: Banner of Truth, 1991), 2:17; ênfase original.
32 Jonathan Edwards, “The terms of prayer”, em The works of Jonathan Edwards, vol. 19, Sermons and discourses, 1734-
1738, ed. M. X. Lesser (New Haven, CT: Yale University Press, 2001), p. 780.
33 Thomas Goodwin, The heart of Christ (Edinburgh: Banner of Truth, 2011), p. 61.
34 John Owen, Communion with the Triune God, ed. Kelly M. Kapic e Justin Taylor (Wheaton, IL: Crossway, 2007), p. 128.
35 Owen, Communion with the Triune God, p. 128.
36 Jonathan Edwards, “Seeking after Christ”, em The works of Jonathan Edwards, vol. 22, Sermons and discourses, 1739-
1742, ed. Harry S. Stout e Nathan O. Hatch, with Kyle P. Farley (New Haven, CT: Yale University Press, 2003), p. 290;
linguagem ligeiramente atualizada.
37 William Still, Letters of William Still: with an introductory biographical sketch, ed. Sinclair B. Ferguson (Edinburgh:
Banner of Truth, 1984), p. 35.
5 | Absolvição
Justificação e idolatria
Aquilo sobre o que realmente temos falado é a idolatria, que é o reverso da
justificação pela fé. A aprovação humana é um ídolo comum, mas olhamos
para muitos falsos deuses em busca desse veredicto final, a fim de nos
certificarmos de que estamos bem e somos importantes e de termos essa
visão enganosa da alma. Eis algumas perguntas diagnósticas que expõem
nossos ídolos:
• Para onde minha mente tende a vaguear quando estou deitado e
acordado na cama?
• Em que costumo gastar minha renda disponível?
• O que me inclino a invejar em outras pessoas?
• Qual é a única coisa que, se Deus aparecesse para mim hoje e dissesse
que eu nunca a teria, faria minha vida parecer sem sentido?
• Se sou casado, a que meu cônjuge diria que sou propenso a me
entregar, fazendo-o sentir-se negligenciado?
• Como meu coração — não minha teologia, mas meu coração —
frasearia o hino “Se _____, sou feliz com Jesus”?
• Há alguma coisa pela qual me pego orando e que não é prometida em
passagem alguma da Bíblia?
De maneira alguma, essas perguntas revelam necessariamente os ídolos
em nosso coração. No entanto, elas têm o propósito de ajudar a trazer à luz
o que pode estar competindo pela lealdade mais profunda de nosso coração
e substituindo silenciosamente Cristo e o consolo abrangente do Evangelho.
A idolatria é a insensatez de pedir uma dádiva para ser um doador.
Este é o ensino que desejo enfatizar: essas são questões
relacionadas à justificação. Idolatria é simplesmente pseudojustificação.
É pedir à criatura, e não ao Criador, que dê o veredicto a meu respeito. Nós
pensamos: “se eu chegar a esse ponto, conseguirei o que quero; depois,
poderei lidar com qualquer coisa”. O problema é que, diferentemente do
Evangelho, os ídolos alimentam uma “coceira” insaciável. Quanto mais nos
coçamos, mais a coceira se propaga. Perseguir o ídolo faz com que ele
continue se movendo para mais longe de nosso alcance. Naquele raro caso
em que, de fato, alcançamos o ídolo pelo qual anelamos, ficamos admirados
ao constatarmos quão vazio e superficial ele é. Todas essas
pseudojustificações do mundo são brilhantes do lado de fora, mas trazem
apenas miséria quando as alcançamos. Elas são como iscas: quando
mordidas, trazem apenas sofrimento.
Qualquer pessoa que esteja remotamente em contato com a realidade
anda neste mundo acuradamente cônscio da profunda insuficiência em seu
interior, o senso de não estar à altura. Costumamos curar esse profundo e
incômodo senso de insuficiência por meio de uma conta bancária gorda, um
rosto perfeito, um corpo escultural, um grande número de seguidores nas
redes sociais, uma boa reputação, um cônjuge bonito, amigos famosos, um
senso de humor apurado, uma inteligência vistosa, manobras e vitórias
políticas, façanhas sexuais e até mesmo um histórico moral de integridade.
Sentimos nossa nudez e procuramos ser “vestidos” com essas realizações.
Buscamos ser justificados por essas coisas. Assim como os gálatas
afirmavam Cristo como seu Salvador, mas acabaram por incorporar
discretamente a circuncisão como um aprimoramento da justificação,
esvaziando o Evangelho de seu poder, também afirmamos Cristo como
nosso Salvador, mas incorporamos discretamente nosso ídolo favorito, de
maneira que esvaziamos o Evangelho de seu poder.
Todo ídolo é criação do homem. Toda falsa justificação é gerada por nós.
Mas o próprio Deus veio até nós, trazendo-nos uma justificação de sua
própria feitura. Trata-se do veredicto expiatório de Jesus Cristo. Podemos
apenas recebê-lo. Fazer um acréscimo a esse veredicto é, portanto, diminuí-
lo. Nós o recebemos simplesmente com uma postura sincera de fé
confiante. Assim, Deus nos justifica — o próprio Deus. Nossa condição,
nosso histórico, nossa identidade e nossa importância não estão mais em
nossas mãos, nem mesmo um pouco.
Foi Martinho Lutero quem abriu meus olhos para isso. Mais de uma vez
em seus escritos, ele ressalta que o primeiro dos Dez Mandamentos é a
proibição da idolatria: “Não terás outros deuses diante de mim” (Ex 20.3).
Lutero explica que o primeiro mandamento é, em essência, um chamado à
justificação pela fé, ou seja, à justificação feita por Deus. Negativamente,
devemos evitar a idolatria. Positivamente, devemos crer em Deus. Afinal de
contas, um ídolo não é apenas uma questão do que adoramos, mas, ainda
mais profundamente, uma questão daquilo em que cremos (Sl 115.4-8).
Por consequência, não há quebra do segundo ao décimo mandamento sem,
ao mesmo tempo, haver a quebra do primeiro. Cometer adultério é quebrar
o primeiro e o sétimo mandamentos, visto que trair é fazer do sexo um ídolo
em que cremos para nos satisfazer e completar. Dessa forma, não deixamos
nossa existência, nossa justificação, nas mãos de Deus. Roubar é violar o
primeiro e o oitavo mandamentos, pois deixamos de descansar na provisão
de Deus quanto às finanças. Demonstramos, assim, que não exercemos fé
somente nele. E assim por diante.51
Viva sua vida na plenitude de sua existência justificada. Honre o
primeiro mandamento. Não seja um idólatra. Permita que Jesus Cristo o
vista, dignifique e justifique. Ninguém mais é capaz disso.
Três últimos retratos
Tudo que eu disse neste capítulo foi razoavelmente teórico. Por isso,
gostaria de concluí-lo mostrando de que forma a verdade que exploramos
aqui foi experimentada de maneira profundamente pessoal por três
personagens da história: Martinho Lutero (1483–1546), C. S. Lewis (1898–
1963) e Francis Schaeffer (1912–1984).
Já mencionei Lutero algumas vezes neste capítulo, e você pode
facilmente aterrissar em qualquer parte de seus escritos, começar a ler e,
sem demora, vê-lo exaltando os consolos do Evangelho — em especial, a
justificação — como ingredientes vitais para a vida e o crescimento cristão.
Lutero viveu o começo de sua juventude como monge, orando, fazendo
obra serviçal, buscando simplicidade, aspirando a esfregar sua consciência
até deixá-la limpa, enquanto também esfregava os assoalhos do monastério
para deixá-los limpos. Ele não conseguiu. Ninguém consegue. A
consciência está insatisfatoriamente necessitada do veredicto de plena
absolvição, uma absolvição que se dê com base na obra consumada de
Cristo e seja recebida pelas mãos vazias e ávidas da fé, sem qualquer
contribuição humana.
Foi pelo estudo do Novo Testamento que o Evangelho se abriu para
Lutero. Ele compreendeu o poderoso reflexo de buscar a justificação por
meio das obras de justiça que o coração humano possui. Ele percebeu, com
notável perspicácia, que todas as pessoas são predispostas a buscar, por
meio de suas realizações, o fortalecimento do favor de Deus e que, por isso
mesmo, não é somente de nossa malignidade que temos de nos arrepender,
mas também de nossa bondade. Lutero considerou essa sutil e, ao mesmo
tempo, profunda insistência em contribuirmos para nossa posição diante de
Deus como uma atitude oposta à sua Bíblia, embora arraigada dentro dele
mesmo e endossada pela Igreja Católica Romana.
Por exemplo, ao pregar sobre João 14.6 (“Eu sou o caminho”), Lutero
disse:
Cristo é não somente o caminho pelo qual temos de começar nossa jornada; ele é também o
caminho certo e seguro no qual temos de andar até o fim. Não ousamos nos desviar desse
caminho [...] Aqui Cristo quer dizer: “Quando você me apreende com fé, está no caminho
certo, que é confiável. Mas cuide para permanecer e continuar nele”. [...] Cristo quer
arrancar e afastar de nosso coração toda a confiança em qualquer outra coisa e nos fixar
apenas nele mesmo.52
38 Andrew A. Bonar, Memoirs and remains of the Rev. Robert Murray McCheyne (Edinburgh: Oliphant, Anderson, and
Ferrier, 1892), p. 293.
39 Letters of John Newton (Edinburgh: Banner of Truth, 2007), p. 380.
40 Edward Fisher, The marrow of modern Divinity (Pittsburgh: Paxton, 1830), p. 227 (parte 1, cap. 3, sec. 8: “Evan: ‘A verdade
é que muitos pregadores insistem mais no louvor de alguma virtude moral e protestam mais contra algum pecado de sua época
do que insistem em que os homens creiam... como se um homem devesse regar a árvore inteira, e não as raízes’”).
41 Richard Lovelace, Dynamics of spiritual life: an Evangelical theology of renewal (Downers Grove, IL: InterVarsity Press,
1979), p. 211-12.
42 Thomas Adam, Private thoughts on religion (Glasgow: Collins, 1824), p. 199.
43 Em Ewald M. Plass, What Luther says: a practical in-home anthology for the active Christian (St. Louis: Concordia,
1959), p. 720.
44 Francis Turretin, Institutes of elenctic Theology, ed. James T. Dennison, trad. George Musgrave Giger, 3 vols. (Phillipsburg,
NJ: P&R, 1992–1997), 2:692-93.
45 Thomas Chalmers, “The expulsive power of a new affection”, em Sermons and discourses, 2 vols. (New York: Robert
Carter, 1844), 2:277.
46 James S. Stewart, A man in Christ: the vital elements of St. Paul’s religion (New York: Harper & Row, 1935), p. 258-60.
47 Herman Bavinck, Reformed dogmatics, vol. 2, God and creation, ed. John Bolt, trad. John Vriend (Grand Rapids, MI:
Baker, 2004), p. 257.
48 G. C. Berkouwer, Faith and sanctification, trad. John Vriend, Studies in dogmatics (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1952), p.
93.
49 Veja “Home is where the heart is: freed inmate refused to leave prison”, 360nobs, 19 de julho de 2013,
http://360nobs.blogspot.com/2013/07/home-is-where-heart-is-freed-inmate.html.
50 J. Gresham Machen, What is faith? (reimpr., Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1979), p. 163.
51 Martin Luther, “A treatise on good works”, em The Christian in society I, em Luther’s works, ed. Jaroslav Pelikan and
Helmut T. Lehmann, 55 vols. (Philadelphia: Fortress, 1955-1986), 44:30-34.
52 Martin Luther, Sermons on the Gospel of St. John 14-16, em Luther’s works, 24:47-48, 50.
53 Alister McGrath e J. I. Packer, ed., Galatians by Martin Luther, Crossway Classic Commentaries (Wheaton, IL: Crossway,
1998), p. 57-58.
54 N.E.: o anglicanismo de Alta Igreja é um movimento que propõe um apego aos padrões litúrgicos e eclesiológicos que a Igreja
da Inglaterra tem tradicionalmente defendido.
55 C. S. Lewis, The collected letters of C. S. Lewis, vol. 3, Narnia, Cambridge, and joy, 1950-1963, ed. Walter Hooper (San
Francisco: HarperOne, 2007), p. 151-52.
56 Lewis, Collected letters, 3:425.
57 Lewis, Collected letters, 3:751 — ênfase original.
58 Lewis, Collected letters, 3:935 — ênfase original.
59 Lewis, Collected letters, 3:1064 — ênfase original.
60 Francis A. Schaeffer, True spirituality (Carol Stream, IL: Tyndale, 1971), p. xxix-xxx.
61 Schaeffer, True spirituality, p. 70.
6 | Honestidade
62 C. S. Lewis, Mere Christianity (1952; reimpr., New York: Touchstone, 1996), p. 161.
63 Dietrich Bonhoeffer, Life together, trad. J. W. Doberstein (New York: HarperCollins, 1954), p. 110.
64 Bonhoeffer, Life together, p. 114.
65 Drew Hunter me ajudou a ver isso por meio de seu livro Made for friendship: the relationship that halves our sorrows
and doubles our joys (Wheaton, IL: Crossway, 2018).
66 Martin Luther, Sermons on the Gospel of St. John 1-4, em Luther’s works, ed. Jaroslav Pelikan e Helmut T. Lehmann, 55
vols. (Philadelphia: Fortress, 1955-1986), 22:24.
67 Para uma abordagem adicional desse parágrafo, ver Bonhoeffer, Life together, p. 114-15.
7 | Dor
Aqui, Lewis expõe nosso coração. Nós, que somos honestos para
conosco, reconhecemos quão intrincadamente entrelaçada está a vinha de
nosso coração neste mundo. Isso não significa que devemos recusar-nos a
gozar as coisas boas do mundo — uma refeição favorita, um lindo pôr do
sol, os prazeres íntimos de um cônjuge, a satisfação de um trabalho bem-
feito. Resistir totalmente a esses prazeres é, de acordo com os apóstolos,
algo demoníaco (1Tm 4.1-5). Em vez disso, devemos reconhecer que nosso
coração se apegará a qualquer coisa deste mundo que seja desprovida de
Deus e buscará obter forças desse objeto criado, e não do Criador e de seu
amor. A qualificação bíblica para essa inclinação perversa de nosso
coração, a inclinação de buscar as coisas do mundo para satisfazer a sede de
nossa alma, é idolatria. A idolatria, conforme defini no capítulo 5, é a
insensatez de pedir a uma dádiva que se torne o doador. A Bíblia nos instrui
a depositar no próprio Deus nossos anseios e anelos supremos. Somente ele
pode nos satisfazer (Sl 16.11), e ele promete que o fará (Jr 31.25).
O problema é que não podemos, por nossos próprios recursos, remover
do mundo as esperanças mais profundas de nosso coração e colocá-las em
Deus. Pensamos que podemos. Tentamos. Porém, isso é como uma criança
que vai para uma cirurgia de coração confiante de que é capaz de reparar
por si mesma o próprio coração. Ela precisa que um cirurgião atente para o
seu caso e empregue toda a sua expertise médica na operação.
Também precisamos de uma cirurgia de coração. Precisamos,
igualmente, dos recursos de um médico, o médico divino, que não somente
tem toda a expertise necessária, como também nos envolveu em seu
amoroso coração e nos ama com um amor tão amplo quanto seu próprio ser
(Ef 3.18-19).
A operação dura toda a vida e costuma machucar, mas está nos curando.
Somente duas escolhas
Em um livro publicado em 1630, cinco anos antes de sua morte, Richard
Sibbes escreveu:
Sofrer traz desencorajamento, por causa de nossa impaciência. “Ai de mim!”, lamentamos,
“Nunca sairei dessa provação”. Mas, se Deus nos leva à provação, ele estará conosco nela e
nos tirará dela mais refinados. Nada perderemos além de escória (Zc 13.9). De nossas
próprias forças, não podemos suportar a menor dificuldade, mas, com a assistência do
Espírito, somos capazes de suportar as maiores. O Espírito se fará presente e nos ajudará a
suportar nossas debilidades. O Senhor nos estenderá sua mão para nos levantar (Sl 37.24)
[...] Traz-nos conforto em condições desoladas o fato de que Cristo tem um trono de
misericórdia ao lado de nossa cama e conta nossas lágrimas e nossos gemidos.69
Observe as palavras “com uma aflição severa”. Foi por meio de uma
provação dolorosa, e não por evitá-la, que a segurança do perdão se instilou
em Owen. Ele havia pregado o Evangelho por anos a fio, mas somente por
meio dessa provação o Evangelho que ele pregava se moveu realmente da
teologia professada para a teologia do coração, de forma que os dois
círculos se sobrepuseram.
Se, um dia, você deseja ser um adulto firme, consistente e radiante,
permita que a dor em sua vida o force a crer em sua própria teologia.
Permita que a dor o leve a uma comunhão mais profunda com Cristo, mais
profunda que antes. Não permita que seu coração resseque. Cristo está em
sua dor. Está refinando-o. Tudo que você perderá, segundo nos lembra
Sibbes, é a escória do ego e a miséria que, no recôndito de seu coração,
você quer mortificar, de alguma maneira. Deus nos ama muito para deixar
que permaneçamos na superficialidade. Quão frívolos e medíocres seríamos
se vivêssemos toda a vida sem dor!
Suas lágrimas são as ferramentas de Deus.
Lágrimas e alegria
Enquanto falamos de lágrimas, talvez seja valioso refletirmos brevemente
sobre o efeito salutar das lágrimas em nossas vidas. Nossas lágrimas não
impedem o crescimento; ao contrário, elas o aceleram e aprofundam. Sem
dúvida, isso nem sempre é verdadeiro. Podemos deixá-las nos amargar, em
vez de nos adocicar. Entretanto, as lágrimas frequentemente refletem apenas
a remoção de uma distração. Entramos, por fim, em contato com a realidade
e com nós mesmos. Vemos mais nitidamente quem realmente somos, em
toda a nossa vileza. Vemos mais profundamente quem Jesus Cristo é, em
toda a sua ternura.
Você não acha, ao repassar sua própria vida, que houve momentos em
que, sentado sozinho, imerso em lágrimas, você experimentou uma sublime
profundidade de alegria, de realidade com Deus, uma alegria que nenhum
comediante de stand-up seria capaz de lhe oferecer? Se alguém houvesse
chegado inesperadamente até você nesses momentos e visto seu rosto
tomado de lágrimas, teria concluído, de imediato, que você estava em
angústia, mas teria interpretado mal o que se passava. Olhando para cima e
vendo quem o interrompeu, você talvez tenha se sentido tentado a se livrar
do constrangimento com uma piada rápida, mas isso teria feito a alegria que
jorrava de você dissipar-se de pronto.
A Bíblia diz:
Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração. (Ec
7.3)
68 C. S. Lewis, The collected letters of C. S. Lewis, vol. 3, Narnia, Cambridge, and Joy, 1950-1963, ed. Walter Hooper (San
Francisco: HarperCollins, 2009), p. 1007-08.
69 Richard Sibbes, The bruised reed (Edinburgh: Banner of Truth, 1998), p. 54-55.
70 Esse é o título do cap. 15 de A última batalha, de C. S. Lewis, 3. ed., trad. Silêda Steuernagel, São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2014, p. 189.
71 John Flavel, Keeping the Heart: How to Maintain Your Love for God (Fearn, Ross-shire, Scotland: Christian Focus, 2012),
p. 43.
72 Sinclair B. Ferguson, John Owen on the Christian life (Edinburgh: Banner of Truth, 1987), p. 100n1. O Salmo 130 se tornou
tão pessoalmente precioso para Owen que ele escreveria uma densa exposição de duzentas páginas sobre esse salmo, contida no
volume 6 da coletânea de suas obras.
73 John Owen, Overcoming sin and temptation, ed. Kelly M. Kapic e Justin Taylor (Wheaton, IL: Crossway, 2006), p. 50.
74 “The big picture: news stories in photographs”, Boston.com, 10 de abril de 2009,
http://archive.boston.com/bigpicture/2009/04/holy_week.html.
75 Flavel, Keeping the heart, p. 45.
76 Flavel, Keeping the heart, p. 94.
77 Lewis, Collected letters, 3:507; ênfase original.
8 | Respiração
O hábito definidor
Portanto, à medida que, para crescer em Cristo, você busca se tornar um
humano mais profundo, aceite e adote a verdade de que terá de se
aprofundar na Escritura para aprofundar-se em seu relacionamento com
Cristo. Ler a Escritura é ler a respeito de Cristo. Ler a Escritura é ouvir a
voz de Cristo. Ouvir a voz de consolo e conselho de Cristo é ouvir um
convite para se tornar o ser humano que Deus o destinou a ser.
Portanto, introduza a leitura da Bíblia em sua vida da mesma forma que
você introduz o café da manhã em sua vida. Afinal de contas, nós,
humanos, somos criaturas que formam hábitos. Nosso café da manhã, nossa
sobremesa da hora do jantar, a maneira como cuidamos de nossos carros,
nossos métodos de descontração, como caminhar, assistir a filmes e
observar os pássaros — todos os nossos hábitos refletem um gosto
adquirido durante um longo tempo, resultando em rituais diários sem os
quais não sentimos ter vivido um dia normal. E quero dizer: faça da Bíblia
seu principal ritual do dia. Torne-a um hábito sem o qual você não vive
um dia normal. Não permita, de modo algum, que isso se torne uma lei que
o condene. O favor de Deus não muda nem um pouco se você deixar de ler
a Bíblia por alguns dias. Contudo, considere-se desnutrido quando tornar-se
normal que você perca essa refeição espiritual. Lute para se manter
saudável. Por meio da leitura diária da Bíblia, mantenha-se conectado à
alimentação, à ajuda, ao conselho e à promessa do Evangelho. Obtenha vida
e força das Escrituras.
Retornando à nossa metáfora original, pegue sua alma asmática em uma
mão e o tanque de oxigênio da Bíblia na outra; em seguida, junte-as. Ler a
Bíblia é inspirar.
Expirar
Orar é expirar. Inspire, expire. Inalamos as vivificadoras palavras de Deus e
as expiramos de volta para Deus em oração.
A razão pela qual quis incluir a Escritura e a oração em um único
capítulo neste livro sobre o crescimento em Cristo é ressaltar quão inter-
relacionadas e mutuamente dependentes são. Podemos facilmente pensar
nessas duas disciplinas como atividades independentes. Lemos a Bíblia e
oramos. Entretanto, a maneira mais eficiente de orar é tomar sua Bíblia e lê-
la em oração,80 enquanto a melhor maneira de ler a Bíblia é em oração.
Como a oração se encaixa neste livro? Este é um livro sobre o
crescimento em Cristo, e meu tema ressoante consiste em que a vida cristã
é, em essência, uma questão não de fazer mais ou de se comportar melhor,
mas de se aprofundar. A primeira ênfase que tenho dado é que crescemos
especificamente ao nos aprofundarmos no Evangelho, no amor de Cristo e
em nossa união com ele. Ao pensarmos agora sobre a oração, isto é o que
estamos fazendo: refletindo sobre a maneira como nossa alma tem de ir a
Deus em Cristo, para desejá-lo, anelar por ele, recebê-lo, viver nele e
agradecer-lhe por seu amor infinito. O Evangelho chega até nós por meio
das Escrituras, e na oração nós o recebemos e o desfrutamos.
Em outras palavras, conectar a oração com a leitura da Bíblia é
simplesmente reconhecer que Deus é uma pessoa real com quem os crentes
têm um relacionamento genuíno, a cada instante. A Bíblia é Deus falando
conosco. A oração consiste em falarmos com Deus. Se não oramos, não
cremos que Deus é uma pessoa real. Podemos até dizer que cremos, mas
não cremos de fato. Se não oramos, pensamos realmente que ele é algum
tipo de força impessoal, um tipo de ideal platônico, distante e separado,
poderoso e abstrato. Não o vemos como um Pai.
Filhos conversando com o Pai
Nunca tive de falar a meus filhos que tentassem começar a falar. Tão
naturalmente quanto começaram a respirar assim que nasceram, começaram
a tentar falar quando tinham apenas alguns meses de idade. O impulso de
falar estava embutido neles.
De modo semelhante, os filhos de Deus encontram dentro de si o
impulso para falar com seu Pai celestial. Romanos e Gálatas nos falam do
desejo balbuciante de falar com nosso Pai que surge quando somos
habitados pelo Espírito — clamamos: “Aba, Pai” (Rm 8.15; Gl 4.6). Esse é
um clamor de intimidade, de dependência, o clamor de um filho. Com
frequência, não sabemos o que ou como orar. Jesus nos deu a Oração do
Pai-Nosso como um meio de nos ajudar. Porém, outra ajuda é o Espírito
simplesmente balbuciar em nosso espírito, ligado a uma mente cheia da
Escritura, elevando-nos ao céu com os gorgolejos de um infante. Jesus nos
disse o que orar; mas, quando não sabemos o que orar, “o mesmo Espírito
intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis” (Rm 8.26).
Fomos unidos a Cristo pelo Espírito; portanto, Deus vive em nós. Quando
não podemos orar, em certo sentido, Deus ora por nós: “o mesmo
Espírito intercede por nós”.
Assim, passamos o dia em oração. A Bíblia diz: “Orai sem cessar” (1Ts
5.17). Isso talvez pareça impossível. Como vou comer, dormir e conversar
com meus amigos se devo orar o tempo todo? Esse, porém, não é o ensino
do texto. O ensino é que avançamos pela vida orando, em vez de apenas
separarmos alguns minutos de manhã ou à tarde para a oração. Certamente,
tempos planejados de oração focalizada são indispensáveis. Mas, se isso é
tudo que fazemos — se, durante todo o dia, nossa única oração são alguns
minutos reservados em que oramos por uma lista de assuntos —, não
conhecemos Deus como Pai. Ainda não absorvemos as verdades sobre as
quais refletimos anteriormente neste livro, ou seja, quem Jesus é mais
profundamente, nossa união vital com ele e assim por diante.81
O que você diria a uma filha de 10 anos que nunca falou com seu pai,
nunca lhe pediu nada, nunca lhe agradeceu, nunca expressou amor a ele,
apesar de suas muitas expressões de amor por ela? Você concluiria que essa
filha acreditava em seu pai apenas em tese, mas não em realidade. Você
poderia apenas concluir que o amor de seu pai não era real para ela.
Passe seu dia orando. Permita que Deus seja seu Pai a cada momento.
Ouça a voz dele na Escritura pela manhã e transforme essa Escritura em
oração. Em seguida, permita que esse tempo com ele — essa comunhão de
ouvir e falar — conceda a você um dia todo de comunhão com Deus.
O livro de oração da Bíblia
Enquanto refletimos sobre oração, precisamos fazer uma pausa e refletir
sobre o único livro da Bíblia que é uma série de orações: o livro de Salmos.
Digo frequentemente que a Bíblia é Deus falando conosco. Os Salmos,
porém, são o único livro da Bíblia dirigido a Deus. Ali, Deus nos toma pela
mão e nos dá palavras para lhe respondermos. Os Salmos são orações.
Por isso, eu lhe proponho que, à medida que for crescendo em Cristo,
forme o hábito vital de fazer do livro de Salmos seu companheiro vitalício.
Seja um amigo íntimo dos Salmos. Nunca fique muito tempo sem fazer
deles sua própria oração. Eles dão voz, voz sagrada, a cada circunstância, a
cada emoção, a cada aflição por que passamos no deserto deste mundo
caído. Mais exatamente, os Salmos treinam nosso coração na direção
evangélica. Conduzem-nos às grandes, gloriosas e básicas verdades que
amamos e confessamos — mais centralmente, à cruz de Jesus, que nos
perdoa e é nosso padrão para a vida. João Calvino escreveu:
Além do mais, ainda que os Salmos estejam repletos de todo gênero de preceitos que
servem para estruturar nossa vida a fim de que a mesma seja saturada de santidade, de
piedade e de justiça, todavia eles principalmente nos ensinarão e nos exercitarão para
podermos levar a cruz; e levar a cruz é uma genuína prova de nossa obediência, visto que,
ao fazermos isso, renunciamos a liderança de nossas próprias afeições e nos submetemos
inteiramente a Deus, permitindo-lhe nos governar e dispor de nossa vida segundo os
ditames de sua vontade, de modo que as aflições que são as mais amargas e mais severas à
nossa natureza se nos tornem suaves, porquanto procedem dele. Numa palavra, aqui não só
encontraremos enaltecimento à bondade de Deus, a qual tem por meta ensinar aos homens a
descansarem nele só e a buscarem toda a sua felicidade exclusivamente nele; cuja meta é
ensinar aos verdadeiros crentes a confiadamente buscarem nele, de todo o seu coração,
auxílio em todas as suas necessidades. Mas também descobriremos que a graciosa remissão
dos pecados, a qual é o único meio de reconciliação entre Deus e nós, e a qual restaura
nossa paz com ele, é tão demonstrada e manifesta, como se aqui nada mais faltasse em
relação ao conhecimento da eterna salvação.82
78 Uma excelente introdução ao assunto de aprender as línguas bíblicas é Dirk Jongkind, An introduction to the Greek New
Testament produced at Tyndale House, Cambridge (Wheaton, IL: Crossway, 2019).
79 Martin Luther, Sermons I, em Luther’s works, ed. Jaroslav Pelikan e Helmut T. Lehmann, 55 vols. (Philadelphia: Fortress,
1955–1986), 51:4.
80 Um guia realmente útil para essa finalidade é Donald S. Whitney, Praying the Bible (Wheaton, IL: Crossway, 2015).
81 O melhor livro que conheço sobre oração e que enfatiza esse ensino de passar o dia em oração em plena consciência de nossa
posição como filhos adotados é Paul E. Miller, A praying life: connecting with God in a distracting world, ed. rev. (Colorado
Springs: NavPress, 2017).
82 João Calvino, Salmos – vol. 1. Série Comentários Bíblicos (São José dos Campos: Editora Fiel, 2009), p. 29.
83 James Nestor, “The healing power of proper breathing”, Wall Street Journal (website), 21 de maio de 2020,
https://www.wsj.com/articles/the-healing-power-of-proper-breathing-11590098696.
9 | Sobrenaturalizado
Em seu livro The tapestry, Edith Schaeffer relata uma conversa suscitada
por uma questão que lhe foi dirigida por seu marido, Francis:
“Edith, gostaria de saber o que aconteceria à maior parte das igrejas e da obra cristã se
acordássemos amanhã e tudo que diz respeito à realidade e à obra do Espírito Santo e tudo
que concerne à oração fossem removidos da Bíblia. Não quero dizer apenas “ignorados”,
mas, de fato, “excluídos”, isto é, que desaparecessem. Gostaria de saber quanta diferença
isso faria.”
Concluímos que isso não faria grande diferença em reuniões de muitas diretorias ou
comitês, bem como em muitas decisões e atividades.84
Lewis prossegue e conclui que é uma atitude simplista ver apenas dois
tipos de pessoas: os desobedientes e os obedientes; já que podemos ser
“obedientes” no sentido de que seguimos determinado código, ainda que à
maneira de um pagador de impostos. A essência do cristianismo autêntico
não é simplesmente fazer o que Deus diz, mas desfrutá-lo. “O preço de
Cristo é algo, de certa maneira, muito mais fácil do que o esforço moral; é
desejá-lo.”87
O objetivo deste livro sobre crescimento cristão é ajudar os cristãos a
abandonarem o segundo tipo de pessoa que Lewis descreve aqui,
transformando-se, cada vez mais profundamente, no terceiro tipo de pessoa.
E este é o ponto: só conseguimos ir da pessoa 2 para a pessoa 3 por meio do
Espírito Santo. Crescer como um discípulo de Cristo não é acrescentar
Cristo à nossa vida, mas, sim, render-nos a ele como a nossa vida. Cristo
não é uma nova prioridade que compete com outras reivindicações, como
reputação, finanças ou satisfação sexual. Ele está nos pedindo que acatemos
a queda livre da rendição total de nossas vidas ao seu propósito. É por isso
que o Espírito Santo habita em nós. Ele está em nós para nos capacitar a
fazer o que seria totalmente impossível se dependêssemos de recursos
carnais — chegarmos à deliciosa e terrificante liberdade de sermos
resolutamente leais a Jesus.
Talvez fazer isso lhe pareça impossível. Essa percepção, porém, é boa.
De fato, fazer isso é impossível. Você nunca chegará lá se, primeiro, não
tentar viver para Cristo por sua própria força e descobrir quão temeroso,
cauteloso e espiritualmente incapaz você é. É nesse momento, quando você
desiste de si mesmo e abandona todo esforço próprio, que seu coração é
mais fértil para o poder sobrenaturalizador do Espírito Santo. Embora o
Espírito habite todo crente, nós sufocamos facilmente sua obra poderosa (Ef
4.30).
Janelas fechadas não podem ser limpas, copos cheios não podem ser
preenchidos, e o Espírito não entra onde tranquilamente agimos com base
em nossa autodependência. No entanto, os aflitos, os vazios, os pedintes, os
que não nutrem esperança em si mesmos, os cansados de pagar a Deus o
imposto da obediência e de tentar viver com o que sobra — o coração deles
é irresistível ao humilde Espírito Santo.
Redirecionando nosso foco
Porém, como? Como exatamente o Espírito Santo impele a mudança
interior nos cristãos?
A principal resposta que o Novo Testamento dá é a seguinte: o Espírito
nos muda ao tornar Cristo maravilhoso para nós. A terceira pessoa da
Trindade faz sua obra ao focalizar a atenção na segunda pessoa da Trindade.
Alguns segmentos da igreja se concentram no Espírito Santo. Sentindo
corretamente a negligência para com o Espírito em certas alas da igreja, eles
tornam o Espírito o ponto central e predominante. “O espírito é o que
vivifica” (Jo 6.63), dizem-nos. “O pendor [...] do Espírito” é “vida e paz”
(Rm 8.6).
Outros setores da igreja enfatizam Cristo — “o qual nós anunciamos”
(Cl 1.28), somos lembrados. “Nós pregamos a Cristo” (1Co 1.23).
Mas o verdadeiro cristianismo apostólico entende que diminuir a
segunda ou a terceira pessoa da Trindade implica, necessariamente,
diminuir a outra. O Espírito fixa nosso olhar em Cristo. Ambos operam em
conjunto. O Espírito e Cristo crescem ou diminuem juntos. Permita-me
mostrar isso brevemente em três passagens da Escritura.
Em primeiro lugar, em João 14 a 16, Jesus conforta os discípulos ao lhes
ensinar que sua partida é boa para eles, para que o Espírito venha. E como
Jesus descreve a obra do Espírito? O Espírito “dará testemunho de” Jesus
(Jo 15.26). O Espírito “glorificará” Jesus (16.13-14). A terceira pessoa
coloca a segunda em destaque. O impulso encorajador do Espírito não é um
poder rude e desprovido de face na vida do cristão. O Espírito inflama
nossa contemplação de Jesus Cristo. A obra subjetiva do Espírito age em
conjunto com a obra objetiva de Cristo.
Em segundo lugar, lembre-se de 1 Coríntios 2.12, passagem rapidamente
mencionada no capítulo 4: “Ora, nós não temos recebido o espírito do
mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por
Deus nos foi dado gratuitamente”. Recebemos o Espírito, diz esse texto, a
fim de compreendermos o que recebemos gratuitamente — a expressão “foi
dado gratuitamente” é uma única palavra grega, derivada da forma verbal
(charizomai) do substantivo “graça” (charis). O Espírito abre nossos olhos
para que vejamos aquilo com o que fomos agraciados. Em harmonia com o
contexto fortemente cristocêntrico de 1 Coríntios 2, tanto antes como depois
do versículo 12, o Espírito abre nossos olhos para que vejamos aquilo com
o que fomos agraciados em Cristo.
Em terceiro lugar, prosseguindo explicitamente com a metáfora de “ver”
(que tenho usado neste capítulo), lembre-se do que Paulo diz em 2 Coríntios
3.18 sobre contemplarmos “a glória do Senhor” (nesse contexto, “Senhor”
refere-se a Jesus). O ensino de Paulo é que a própria contemplação
transforma os crentes. Observe, todavia, o que ele diz em seguida: tudo isso
vem “pelo Senhor, o Espírito” (não uma fusão entre Cristo e o Espírito, mas
simplesmente uma associação sobremodo íntima [cf. Rm 8.9-11]). Em
resumo, o Espírito eficazmente nos leva a contemplar Cristo de uma
maneira que nos transforma.
Meu interesse em considerar essas três passagens é impedi-lo de tentar
andar no poder do Espírito como algum exercício separado de tudo o mais
que eu disse sobre concentrar-se em Jesus Cristo. O capítulo 9 deste livro
não segue uma nova direção. O Espírito Santo realiza tudo o que foi dito
nos oito capítulos anteriores. Seja tão radicalmente guiado pelo Espírito que
você se torne radicalmente centrado em Cristo. Cristo e o Espírito, o Filho
que encarnou e o Espírito que habita — eis sua dádiva em dobro.
Não se concentre demais no próprio Espírito. Concentre-se em Cristo,
pedindo ao Espírito que torne Cristo formoso. O Espírito é a causa eficaz de
seu crescimento, mas Cristo é o objeto que você deve contemplar em seu
crescimento. Um homem não se concentra em seu cérebro quando olha para
sua esposa e reflete sobre quão linda ela é. Ele volta o foco para ela e a
desfruta. Seu cérebro é o que causa eficazmente esse desfrute. Porém, o que
ele poderia responder a alguém que diz que ele tem negligenciado seu
cérebro por ser muito centrado em sua esposa? Ele diria: “Se não fosse meu
cérebro, eu não seria capaz de desfrutar minha esposa. Louvo a Deus pelo
cérebro. Mas não olho para meu cérebro; olho com meu cérebro”.
Um antegosto do céu
Viva em harmonia com a pessoa do Espírito Santo. Peça ao Pai que o encha
do Espírito. Olhe para Cristo, no poder do Espírito. Abra-se para o Espírito.
Consagre-se aos belos caminhos do Espírito em sua vida. Reconheça e
creia, nas profundezas de seu coração, que, sem o poder capacitador do
Espírito, todo o seu ministério, todos os seus esforços, a evangelização e as
tentativas de matar o pecado serão inúteis.
Ao fazer isso, você será um pequeno retrato vivo do próprio céu para
todos ao seu redor, ainda que, sem dúvida, continue a ter inúmeros erros,
pontos fracos e recaídas, como o segundo tipo de homem do qual Lewis
falou. Entretanto, aqui e ali, a princípio por breves impulsos, mas,
gradualmente, por longas extensões do seu dia, você aprenderá a agir com
os próprios recursos sublimes de Deus. Você deixará o rastro do irresistível
sabor do céu, porque levará as pessoas a provar o próprio Jesus, o Senhor
cujo Espírito tomou residência em você.
84 Edith Schaeffer, The tapestry: the life and times of Francis and Edith Schaeffer (Waco, TX: Word, 1981), p. 356.
85 Geerhardus Vos, “The eschatological aspect of the Pauline conception of the Spirit”, em Redemptive history and biblical
interpretation: the shorter writings of Geerhardus Vos, ed. Richard B. Gaffin Jr. (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and
Reformed, 1980), p. 91-125.
86 C. S. Lewis, “Three kinds of men”, em Present concerns (London: Fount, 1986), p. 21. Quanto a formulações semelhantes
ao que Lewis está propondo, embora nenhuma delas seja tão penetrantemente clara quanto a dele, veja Martin Luther, Career
of the reformer III, em Luther’s works, ed. Jaroslav Pelikan e Helmut T. Lehmann, 55 vols. (Philadelphia: Fortress, 1955-
1986), 33:318; Luther, The Christian in society I, em Luther’s works, 44:235-42 (cf. Luther, Lectures on Galatians 1-4, em
Luther’s works, 26:125); Adolf Schlatter, The theology of the apostles, trad. Andreas J. Köstenberger (Grand Rapids, MI:
Baker, 1997), p. 102; Geerhardus Vos, “Alleged Legalism in Paul”, em Gaffin, Redemptive history and biblical
interpretation, p. 390-92; F. B. Meyer, The directory of the devout life: meditations on the Sermon on the Mount (New
York: Revell, 1904), p. 148-51; Herman Ridderbos, Paul: an outline of his theology (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1975), p.
137-40; Søren Kierkegaard, conforme citado em Clare Carlisle, Kierkegaard: A guide for the perplexed (London:
Continuum, 2007), p. 77-83; Martyn Lloyd-Jones, Experiencing the new birth: studies in John 3 (Wheaton, IL: Crossway,
2015), p. 289.
87 Lewis, “Three kinds of men”, p. 22.
Conclusão |E agora?
88 Em Marjory Bonar, ed., Reminiscences of Andrew A. Bonar (London: Hodder and Stoughton, 1897), p. 224.
89 Letters of John Newton (Edinburgh: Banner of Truth, 2007), p. 47-48.
90 Carta de 1840 de Robert Murray McCheyne, em Andrew A. Bonar, Memoirs and remains of the Rev. Robert Murray
McCheyne (Edinburgh: Oliphant, Anderson, and Ferrier, 1892), p. 293.
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