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Jurema Sagrada Alhandra PB Desmatamento Cultura e Religião

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INSTITUTO FEDERAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE PERNAMBUCO

Campus Recife

Departamento de Ambiente, Saúde e Segurança - DASS

Tecnologia em Gestão Ambiental

GABRIEL ANDRADE RIBEIRO PESSOA QUEIROZ

JUREMA SAGRADA - ALHANDRA-PB: Desmatamento, cultura e religião.

Recife - PE

2020
GABRIEL ANDRADE RIBEIRO PESSOA QUEIROZ

JUREMA SAGRADA – ALHANDRA-PB: Desmatamento, cultura e religião.

Projeto de pesquisa apresentado àcoordenação


do curso em Tecnologia em Gestão Ambiental
do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Pernambuco, como requisito para
obtenção do título de Tecnólogo em Gestão
Ambiental.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Moraes Valença

Recife - PE

2020
FICHA CATALOGRÁFICA

Q3j Queiroz, Gabriel Andrade Ribeiro Pessoa.


Jurema sagrada: Alhandra, PB: desmatamento, cultura e religião / Gabriel
Andrade Ribeiro Pessoa Queiroz; orientador Prof. Dr. Marcos Moraes Valença.
Recife: IFPE, 2020.
57f.; il.
Trabalho de Conclusão de Curso (Tecnologia em Gestão Ambiental) –
IFPE - Campus Recife.
. Inclui Referências.

1. Gestão ambiental 2. Desmatamento 3. Intolerância religiosa. 4.


Identidade cultural 5. Jurema. I. Queiroz, Gabriel Andrade Ribeiro Pessoa. II.
IFPE. III. Título.

CDD 304.2
JUREMA SAGRADA – ALHANDRA-PB: Desmatamento, cultura e religião.

Trabalho aprovado. Recife, 01 de dezembro de 2020.

__________________________________________________________
Professor Orientador: Marcos Moraes Valença

Convidado: Emely Albuquerque de Souza

Convidado: Iran Neves Ordonio

Convidado: Valéria Gomes Costa

Recife - PE

2020
Dedicatória

Dedico este trabalho à sociedade como um todo, retornando em forma de


conhecimento a oportunidade de obter uma formação superior através do ensino
público pago pelos cidadãos brasileiros; aos professores e servidores do IFPE que
tornaram a caminhada possível, disponibilizando o melhor de cada um/a.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela minha vida e por poder trilhar caminhos de escolhas livres.

Ao meu orientador, aos demais professores e servidores pelo trabalho sério e


dedicado.

Às amizades construídas durante a jornada, amigos que agradeço pelo


companheirismo, pela luta lado-a-lado nas angústias e nos avanços que sempre se
expressaram como sentimento de vitórias.

Ao meu orientador, Marcos Moraes Valença, pela sua paciência, pela presteza em
servir-me com os seus conhecimentos, pela confiança e dedicação.

A todas as pessoas, que mesmo não mencionadas de alguma forma, contribuíram


durante essa trajetória da minha vida, meus sinceros agradecimentos.
“...assim como os olhos dos morcegos reagem diante da luz do
dia, assim também a inteligência que está em nossa alma se
comporta diante das coisas que, por sua natureza, são mais
evidentes”

Aristóteles (Metafísica)
RESUMO

Esse trabalho teve o objetivo de analisar o desmatamento da árvore jurema-preta e


a relação com a religião jurema sagrada. Foram investigadas as causas que motivam
as derrubadas, a consequente escassez da espécime da árvore Mimosa tenuiflora
(jurema-preta) no município de Alhandra – PB e a partir disso compreendeu-se o
impacto sobre a religião jurema sagrada e a cultura local. Destaque-se o papel da
árvore relacionado ao seu simbolismo ritualístico, commanifestações espirituais no
campo metafísico como elemento de conexão dosadeptos da religião com o mundo
espiritual e a bebida elaborada a partir de partes da árvore, principalmente da casca
durante as beberagens. Na procura pela compreensão dos fatores que levam à
derrubada da árvore, não só foram buscadas as motivações, destaca-se abordar
sobre os efeitos da ausência do elemento principal da religião que é a árvore em si,
nos aspectos sociais, culturais e ambientais. Para compreender os dados levantados
e obter uma análise precisa tanto das causas como das consequências, foi necessário
trazer visões sobre cultura – como o combate ao eurocentristo, diversidade cultural,
pensamento abissal, intolerância religiosa – em: VALENÇA (2019), DESCOLA (2016)
e SANTOS (2019), dentre outros. Trata-se de uma pesquisa de natureza de
abordagem qualitativa, com metodologia de descrição densa (GERTZ, 2004), onde
foram entrevistados quatro sacerdotes dos cinco terreiros existentes no município.
Sublinha-se que na busca por compreender as causas que levam ao desmatamento
foram constatadas motivações ligadas a aspectos religiosos de intolerância incidentes
sobre a religião jurema sagrada e que levam à supressão da árvore que dá nome a
religião, resultando em impactos culturais como socioambientais.

Palavras-chave: jurema. Desmatamento. Intolerância. identidade cultural.


ABSTRACT

This work aimed to analyze the deforestation of the jurema-preta tree and the
relationship with the sacred jurema religion. The causes that motivate the felling were
investigated, as well as the consequent scarcity of the specimen of the Mimosa
tenuiflora (jurema-preta) tree in the municipality of Alhandra - PB and from this the
impact on the sacred jurema religion and the local culture was understood. We highlight
the role of the tree related to its ritualistic symbolism, with spiritual manifestations in
the metaphysical field as an element of connection of the followers of the religion with
the spiritual world and the drink made from parts of the tree, mainly of the bark during
the drinks. In the search for an understanding of the factors that lead to the felling of
the tree, not only were the motivations sought, it is important to address the effects of
the absence of the main element of religion, which is the tree itself, in social, cultural
and environmental aspects. In order to understand the data collected and obtain an
accurate analysis of both the causes and the consequences, it was necessary to bring
views on culture - such as combating the Eurocentrist, cultural diversity, abyssal
thinking, religious intolerance - in: VALENÇA (2019), DESCOLA (2016) and SANTOS
(2019), among others. This is a qualitative research, with a dense description
methodology (GERTZ, 2004), in which four priests from the five terreiros in the
municipality were interviewed. It is emphasized that in the search to understand the
causes that lead to deforestation, motivations were found linked to religious aspects of
intolerance on the sacred jurema religion and that lead to the suppression of the tree
that gives religion its name, resulting in culturaland socio-environmental impacts.

Keywords: jurema. Deforestation. Intolerance. Cultural identity.


LISTA DE ILUSTRAÇÔES

FIGURAS

Figura 1 - Mapa do estado da Paraíba, indicação do município de Alhandra............ 16


Figura 2 - Município de Alhandra .............................................................................. 16

GRÁFICO

Gráfico 1 - Orientação religiosa em Alhandra............................................................ 17

QUADROS

Quadro 1 - Referente à pergunta 1 ........................................................................... 36


Quadro 2 - Referente à pergunta 2 ........................................................................... 36
Quadro 3 - Referente à pergunta 3 ........................................................................... 37
Quadro 4 - Referente à pergunta 4 ........................................................................... 38
Quadro 5 - Referente à pergunta 5 ........................................................................... 38
Quadro 6 - Referente à pergunta 6 ........................................................................... 39
Quadro 7 - Referente à pergunta 7 ........................................................................... 40
Quadro 8 - Referente à pergunta 8 ........................................................................... 41
Quadro 9 - Referente à pergunta 9 ........................................................................... 41
Quadro 10 - Referente à pergunta 10 ....................................................................... 42
Quadro 11 - Referente à pergunta 11 ....................................................................... 43
Quadro 12 - Referente à pergunta 12 ....................................................................... 44
Quadro 13 - Referente à pergunta 13 ....................................................................... 44
Quadro 14 - Referente à pergunta 14 ....................................................................... 45
Quadro 15 - Referente à pergunta 15 ....................................................................... 46
Quadro 16 - Referente à pergunta 16 ....................................................................... 46
Quadro 17 - Referente à pergunta 17 ....................................................................... 47
Quadro 18 - Referente à pergunta 18 ....................................................................... 48
LISTA DE ABREVIATURAS

IFPE – Instituto Federal de Pernambuco

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

PNPCT – Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e


Comunidades Tradicionais
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 13
2 ALHANDRA, A CIDADE BERÇO DA JUREMA SAGRADA ............................. 15
3 JUREMA: A ÁRVORE E A RELIGIÃO............................................................... 18
3.1 A religião jurema sagrada, a sua importância e seus significados........ 18
3.2 A dicotomia entre a moral judaico-cristã ocidental e as manifestações
religiosas afro-indígenas .................................................................................... 23
3.3 A necessária presença de políticas no fomento da educação ambiental
e cultural ............................................................................................................... 27
4 METODOLOGIA ................................................................................................. 32
4.1 Método de pesquisa – Levantamento etnográfico baseado no estudo
antropológico interpretativo ............................................................................... 32
5 RESULTADOS E ANÁLISE ............................................................................... 35
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 49
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 54
13

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo obter respostas às provocações produzidas


pelas interferências incidentes sobre a prática de uma religião de origem indígena,
que nos tempos atuais apresenta elementos de matriz africana incorporados em seu
ritual. Trata-se de uma busca por respostas que elencam os possíveis fatores que
promovem certo tipo de violência contra direitos e garantias fundamentais de cada
indivíduo, previstos na Carta Magna, a nossa Constituição Federal de 1988.

A religião jurema sagrada, objeto desta pesquisa, é bastante praticada no


município de Alhandra, cidade da Paraíba, há aproximadamente 44 km de João
Pessoa. Alhandra é considerada o “berço da jurema” (VANDEZANDE,1975, apud
SALLES, 2010, pg. 16), sobretudo, em virtude do prestígio alcançado, o qual se deve
primordialmente ao último regente dos índios que lá habitavam (SALLES, 2010).

Meu primeiro contato com as manifestações de matriz africana veio com a


capoeira ainda aos 9 anos de idade. A partir da adolescência, aconteceram os
contatos com coco de roda e o com o afoxé, proporcionando a oportunidade de
conhecer de perto a religião Jurema sagrada. Ao me aproximar mais dessa religião,
surge o interesse em saber mais a respeito, pesquisar a sua prática. Logo, descobri
que Alhandra, no estado da Paraíba, é considerada a cidade originária da religião. Ao
aprofundar-me um pouco mais, constatei a existência de uma problemática em torno
da árvore jurema, ao seu desmatamento. Desencadeou-se a inquietação, uma
vontade de ir além, de tentar entender as questões envolvidas e tornando-se o objeto
dessa pesquisa.

Falar em jurema sagrada é estar diante de uma expressão que traz em si vários
significados. É, portanto, polissêmica. “Trata-se de um complexo mítico-semiótico que
se traduz na espécie vegetal, na bebida, no dom, no espaço de culto, no ritual, na
religião e na entidade” (FARIAS, 2016). Sendo assim, para vivenciar a religião jurema
sagrada é necessário estar conectado ao contexto e suas diversas percepções.

A espécie de árvore jurema a ser abordada como foco de estudo será a jurema
preta (Mimosa tenuiflora ou Mimosa hostilis), símbolo maior da religião jurema
sagrada. A M. tenuiflora é uma das espécies encontradas com frequência na
14

região semiárida brasileira, sendo uma leguminosae da subfamília mimosoideae


(Bezerra et al., 2011, apud ALMEIDA et al, 2018).

No entanto, apesar de se tratar de uma religião histórica, não é vista pela


sociedade e nem pelos agentes públicos com o devido reconhecimento, comoagente
na formação cultural e identitária de diversos povos do norte e nordeste do Brasil.
Olhando mais para região objeto do estudo, percebe-se que a religião juremasagrada
se encontra ameaçada no município de Alhandra em consequência de um possível
desmatamento seletivo e direcionado, preferencialmente à espécie da árvore jurema.

É possível ter uma noção da dimensão dos danos causados. Segundo SILVA
JÚNIOR (2011) é através do descaso ao culto que acontece a destruição das cidades
sagradas da jurema. O que era sagrado no passado, nos tempos atuais já não é mais.
A jurema passa a figurar como uma árvore qualquer com o seu passado relegado ao
esquecimento.

Diante do quadro atual em Alhandra, seria necessário investigar se a força do


avanço das derrubadas das árvores jurema representa uma ameaça significativa à
religião jurema sagrada. Destaque-se que se pretende, com este trabalho
investigativo, contribuir para que políticas públicas - no âmbito ambiental e cultural -
sejam mais eficientes para a preservação do meio ambiente e da cultura.

No capítulo dois dessa pesquisa trataremos da caracterização do município de


Alhandra no estado da Paraíba, localizada na região Nordeste do Brasil. Também foi
trazido sobre os povos indígenas originários que precederam a origem do município.

Após a caracterização do município de Alhandra a pesquisa passa, a partir


do capítulo três, a mergulhar no amplo espectro de significações e significados da
palavra jurema. Foi possível, a partir deste aprofundamento, começar a entender a
dimensão da jurema.

Foram apresentadas no capítulo quatro as metodologias aplicadas na pesquisa


para que os resultados esperados fossem alcançados. Observações do contexto
social foram determinantes para a escolha do método de obtenção e análise dos
dados.
15

Nas considerações finais foram feitas as análises dos dados coletados a partir
de entrevistas com sacerdotes conhecidos como juremeiros. As entrevistas foram
conduzidas através de um questionário semiestruturado com questões fechadas e
abertas para uma análise interpretativa. Teve como intuito obter um relato o mais
próximo o possível da realidade da religião jurema sagrada e os efeitos causados
sobre a árvore jurema preta.

2 ALHANDRA, A CIDADE BERÇO DA JUREMA SAGRADA

O município de Alhandra é reconhecido por sua cultura, fortemente relacionada


ao aspecto da religiosidade, apresentando um papel de suma importância em suas
tradições. Consiste de um movimento cultural e religioso atuante no município a partir
da prática da religião jurema sagrada pelos juremeirose adeptos, obtendo assim o
título de “cidade berço da jurema”. O nome da religião advém da utilização da árvore
jurema que é considerada sagrada.

Por volta do ano de 1700, onde hoje se localiza o município de Alhandra, havia
antes os índios Arataguis, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Constantemente, os índios Arataguis travavam batalhas com os
Tabajaras, estes, por sua vez, ocupavam a região onde hoje corresponde a cidade de
João Pessoa.
Na mesma época, uma expedição portuguesa que passava na localidade
empreendeu combate contra os gentios, o que levou a permanecer acampado ali por
certo tempo. Vendo semelhanças topográficas do local com a da cidade de Alhandra
em Portugal, passaram a chamar o lugarejo pelo mesmo nome, permanecendo até os
dias atuais. Transformou-se em um povoamento que em seu período inicial
apresentou pujante prosperidade em virtude dos muitos engenhos de açúcar que se
estabeleceram nas imediações, escoavam a produção para a cidade de Goiana
através do rio Abiaí (IBGE).
Durante a divisão administrativa do estado da Paraíba, em 1911, Alhandra era
distrito do município da Paraíba. Através da lei estadual nº 700, de 04-09-1930, o
município de Paraíba muda de nome para João Pessoa. Em outra divisão
administrativa de 1933, o distrito de Alhandra figura no município de João Pessoa-
Paraíba. E por fim, através da lei estadual nº 2063, de 24-04-1959, o distrito de
Alhandra é emancipado a município mantendo sua denominação (IBGE).
16

Figura 1 - Mapa do estado da Paraíba, indicação do município de Alhandra.

Fonte: IBGE (2010)

A população de Alhandra até o ano de 2019 era estimada em 19588 pessoas


de acordo com o IBGE. Em 2010 o IBGE registrou uma população de 18007 pessoas.
Demograficamente possuía no mesmo ano de 2010 a densidade de 98,58 hab/km2
de acordo com o senso do mesmo ano.

Figura 2 - Município de Alhandra.

Fonte: GOOGLE MAPS (2019)

Os levantamentos relacionados a trabalho e rendimento - dados do IBGE


disponíveis são de 2017. A média salarial mensal em Alhandra é de 2.3 salários
mínimos. A porcentagem de pessoas ocupadas gira em torno de 18.1% do total de
17

habitantes. Comparando com outros municípios do mesmo estado, na média salarial


está em 5º de 223 e em 6º de 223 em nível de pessoas ocupadas. No comparativo
às cidades do país, mantinha a 905ª de 5570 e 1576ª de 5570 posições,
respectivamente. Considerando domicílios com rendimentos mensais de até meio
salário mínimo por pessoa, constatou-se que Alhandra possuía 49.3% da população
enquadrada nessa faixa, ocupando assim a 152º posição dentre as 223 cidades do
estado e a 1521ª posição em relação a todas as 5570 cidades brasileiras.

No tocante à escolarização, apresenta 96,3% dos indivíduos incluídos e estão


na faixa de idade de 6 a 14 anos. Na docência fundamental são 244 profissionais e
85 na docência do ensino médio. Possui 27 estabelecimentos de ensino, 25 são para
o ensino fundamental e 2 para o ensino médio.

Tendo como fonte o levantamento do IBGE (2010), foi possível obter


informações sobre a prática religiosa em Alhandra. Apenas 52 pessoas apresentaram-
se como espíritas. Acredita-se, que diante do panorama de preconceito que se
relaciona à religião jurema sagrada muitos adeptos omitiram ser praticantes.

Gráfico 1 - Orientação religiosa em Alhandra

Fonte: IBGE (2010)

No aspecto econômico, Alhandra possui um PIB per capta de R$ 44.508,60


(IBGE, 2016), ocupando a 5570º posição entre os municípios brasileiros e a posição
18

de 223º dentro do próprio estado. Seu IDHM é de 0,582 (IBGE, 2010), considerado
baixo de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud)
em uma escala que vai de muito alto (0.8 – 1), alto (0,7 – 0,799), médio (0,6
– 0,699), baixo (0,5 – 0,599) e muito baixo (0 – 0,499).

Através do IBGE, no último senso, em 2010, em relação ao saneamento básico,


apenas 9.3% dos domicílios possuíam esgotamento sanitário adequado, 37.3% de
domicílios urbanos em vias públicas com arborização e 0.2% de domicílios urbanos
em vias públicas com urbanização adequada (presença de bueiro, calçada,
pavimentação e meio-fio).

3 JUREMA: A ÁRVORE E A RELIGIÃO

Pra falar a respeito da árvore jurema é necessário mergulhar no “universo” de


significados da palavra jurema, desde seus efeitos aos seus simbolismos. A mística
em torno da jurema mantém íntimos e fortes os laços entre o mundo físico e o espiritual
e, de acordo com o contexto ao qual se aplica o seu nome, pode nos remeter ao
bálsamo, ao unguento, ao portal de transcendência que ao mesmo tempo mantém o
individuo em contato com a terra, com os pés firmes nela. Então, faz-se necessário
perceber a jurema.

3.1 A religião jurema sagrada, a sua importância e seus significados.

Faz-se necessário compreender que a religião jurema sagrada é de suma


importância para preservação cultural e para valorização dos indivíduos que fazem
parte do universo da jurema e, mesmo incorporando novas abordagens e elementos,
passa a ter relevância social. É importante destacar que a jurema sagrada, como
religião espiritualista praticada principalmente entre nordestinos, figura como
elemento cultural consolidado. Elementos do rito também passam a ser objeto de
experimentações por parte dos chamados “psiconautas”1 (GRÜNEWALD, 2018).Cabe
especialmente ressaltar, ainda de acordo com GRÜNEWALD (2018), que

1 Para Labate (2000, p. 340, grifos no original), psiconautas são “um grupo de pesquisadores e
estudiosos das plantas que engloba pessoas com formações diversas, tais como químicos, botânicos,
micólogos (estudiosos de fungos), psicólogos, historiadores, antropólogos, entre outros. Uma diferença
entre este grupo e os demais pesquisadores acadêmicos reside no fato de que os primeiros possuem
obrigatoriamente também uma forte conexão pessoal com o universo dos psicoativos. Tais sujeitos
defendem o conhecimento direto e insubstituível da vivência pessoal da experiência: as pesquisas por
eles produzidas são produto de suas experiências. Os psiconautas são acima de tudo
experimentalistas, conhecem profundamente enorme quantidade de substâncias”.
19

ainda há vigor na jurema, seja ela expressa na forma tradicional ou na pós-


modernidade, pois, o seu uso é ampliado e assume relação em vários contextos,
reforçando o seu caráter cultural e político a partir da polissemia da palavra jurema.

Historicamente, os registros mais antigos a respeito do uso da jurema


ocorreram a partir de 1938 com a Missão de Pesquisas Folclóricas, por iniciativa de
Mário de Andrade (Carlini 1993, apud GRÜNEWALD, 2018). “Através dessas
pesquisas foi possível observar de forma sistemática a manifestação toré dos
indígenas pankararus no interior do Nordeste por Carlos Estevão de Oliveira (1942)”
(GRÜNEWALD, 2018). No entanto, os primeiros registros oficiais do uso da jurema,
segundo GRÜNEWALD (2018), datam de 1942 e foram feitos por Carlos Estevão de
Oliveira, em 1938. Esses registros relatam a festa do Ajucá com o uso da jurema
também entre os Pankararus de Itaparica, em Pernambuco.

Alhandra - PB, como parte do objeto de estudo, também possui registro


isocrônico a 1938 no relato do uso da jurema. Foi a partir de Alhandra que surgiram
as inquietações que provocaram a elaboração desse projeto de pesquisa. Alhandra
experimentou o apogeu da religião jurema sagrada nos anos de 1980, no entanto, nos
tempos atuais, os rituais da religião enfrentam inviabilização, uma vez que o principal
insumo da liturgia tem se tornado cada vez mais escasso e restrito.

A escassez do principal insumo da religião, através do qual obtém-se a casca


que é usada na elaboração da bebida alucinógena que é usada nos rituais, ocorre
porque as poucas árvores da espécie de jurema preta encontram-se dentro de
propriedades privadas inacessíveis e as que eram acessíveis foram derrubadas para
fins diversos, como também com o intuito de sabotar a prática da religião por parte
de pessoas que não aceitam a prática.

A importância da preservação da árvore jurema não está apenas relacionada


à obtenção de um insumo alucinógeno, está intimamente ligado a um processo
místico, simbólico e ritualístico. “Seguindo a tradição do catimbó, um pé de jurema
utilizado na fabricação dessa bebida deve ser “calçado” e consagrado a um mestre
“encantado”, constituindo, assim, uma “cidade berço da jurema” (SALLES, 2010). O
que obtém é uma espécie de vinho, licor que traz em sua composição:

A M. tenuiflora foi identificada por Richard Evans Schultes (1993)


como possuidora de um alcalóide que a princípio foi chamado de
20

nigerina e posteriormente se demonstrou se tratar do alcalóide DMT,


o mesmo alcalóide presente nas leguminosas relacionadas com o
gênero Anadenanthera (Carneiro, 2004). Esse DMT, substância
responsável pela experiência enteógena, está presente em maior
quantidade na casca da raiz, mas está igualmente disponível nacasca
do tronco (Oliveira, 2010, apud ALMEIDA, 2018)

Segundo SILVA JÚNIOR (2011), “Alhandra figurou assim, durante muito


tempo, com essa forte identidade de “cidade jurema”, até os anos de 1980”. SALLES
(2010), a partir do que afirma VANDEZANDE (1975), reforça a importância histórica
de Alhandra como referência ao culto à jurema. Relata o surgimento de Alhandra a
partir do aldeamento dos índios Aratagui, que as tradições indígenas se perderam
ao longo do tempo e que o culto à jurema encontrou uma forma de se manter parte
dessa memória ancestral indígena viva. Alhandra é considera pelos juremeiros
nordestinos como berço dessa tradição. Dentre algumas relevâncias da jurema e do
catimbó, destacam-se: ela é indentitária, é religiosa, é histórica etc.

Vendo o Catimbó, duma maneira geral, o aparato consiste na mesa


estreita, forrada ou não, onde se misturam garrafadas de jurema,
caximbos, novelos de linha, agulhas, botões, imagens de santo,
principalmente um crucifixo, amarrados de cordões e fitas, pequenos
alguidares, maracás, bonecas de pano, cururus secos, fumo de rolo,
etc. Muitos usam o alguidar sobre brasas ao pé da mesa, fervendo
raizes ou ervas. A sessão tem inicio com a abertura da mesa feita em
invocações cantadas, as velas acesas. Distribuem entre os presentes
a jurema. O ritual que se segue varia com o fim mágico desejado.
Começam a invocação aos Mestres (há vários mestres: Mestre
Esperidião, Mestre Carlos, muitos outros) com as toadas cantadas em
coro. (FERNANDES, 1938, p. 87, apud OLIVEIRA, 2017)

A ligação da jurema sagrada com os elementos simbólicos de sua liturgia éde


suma importância para a prática da religião. Esses elementos fazem a conexão entre
o mundo material e o mundo espiritual, é uma forma de fazer com que as entidades
se manifestem através deles e de suas ligações passadas com o mundo carnal. Não
só os elementos simbólicos materiais, como também os cânticos e preces.

A religião jurema traz em si a força que provém de seu simbolismo, da mística


ritualística e do efeito provocado pela substância que permite a abertura ao mundo
espiritual e ao estado de transe mediúnico. É necessário estar no mesmo plano
21

espiritual dos encantados e essa é a finalidade do ritual. Para SOUZA (2016), a liturgia
do catimbó confere à jurema um papel de destaque, sobretudo, na fruição mágico-
religiosa. Ela fornece todos os ingredientes utilizados nos rituais: folhas, cascas e
raízes para fins diversos como banhos, defumadores e primordialmente o licor
ingerido nas sessões.

Garantir aos praticantes da religião jurema sagrada a liberdade de culto é,


também, garantir uma sociedade que respeite os direitos individuas e que nãoadmita
nenhum tipo de cerceamento. É possível compreender bem o sentimento de revolta
ao ver um símbolo de sua religião ser suprimido por uma motivação de intolerância e
descaso:

O destino dos juremeiros caminhantes era chegar a um endereço que


até a década de 1980 era muito conhecido e frequentado: o terreiro da
Mestra Jardecilha, que fica próximo ao centro da cidade. Debaixo do
sol escaldante já se aproximando o meio dia, os juremeiros chegaram
à Rua Manuel Guedes, o endereço da falecida Mestra. Chegando em
frente a casa que era por ela habitada, os juremeiros fizeram alguns
discursos, defendendo a jurema com falas inflamadas e
emocionantes. Denunciavam uma possível derrubada da jurema da
mestra Jardecilha, pelos parentes que agora eram evangélicos, sendo
a única defensora a filha que mora na casa onde por trás ainda é
possível ser visto alguns pés de jurema, uns da época da mestra,
outros mais novos (SILVA JUNIOR, 2011)

Fazer valer o direito à cidadania é entender que é no respeito à diversidade que


uma sociedade deve se consolidar. Como afirma DA SILVA (2004), em seu artigo
sobre religião, diversidade e valores culturais: não existem seitas, pois considera que
não existe religião dominante por seu tamanho, nega o sincretismo devido ao fato das
religiões influenciarem-se e, acima de tudo, não existe para os estudiosos uma religião
melhor do que outra. Cada religião tem sua colaboração no pensamento religioso;
cada uma está ligada à identidade de um grupo e tem o seu valor específico expresso
na diferença.

É necessário promover o fortalecimento da religião e da dignidade dos


indivíduos. As liberdades individuais, também são traduzidas em liberdade de
escolher a sua religião, desde que essa não fira outras garantias:
22

Mesmo com todas as discordâncias e disputas internas e esta


desvalorização do ritual da jurema em Alhandra e as consequentes
devastações dos arbustos acabou por dar um novo fôlego aos
juremeiros, que pareciam, ao menos em Alhandra estarem fadados ao
desaparecimento. Todos estes problemas e a mobilização em defesa
da jurema deram uma visibilidade aos juremeiros que vinham
desaparecendo no município (SILVA JUNIOR, 2011)

Torna-se evidente que a visibilidade através do manifestar-se amplia as


possibilidades na obtenção de apoio, seja este da sociedade civil ou das autoridades
públicas que podem promover ações efetivas em prol da religião, assegurando a sua
prática e fortalecimento.

A tutela do Estado busca estar presente em muitas ações dos indivíduos de


forma a garantir seus direitos fundamentais, seus anseios, bem como observar o
exercício dos seus deveres. Baseado no princípio da eficiência é possível perceber se
essa presença tem alcançado a sua finalidade, se de forma satisfatória tem
efetivamente exercido o seu dever de garantir ao indivíduo o exercício dessesdireitos,
seja na sua individualidade ou na coletividade a qual faz parte. Esses direitos de forma
ampla, principalmente quando previstos em nossa Carta Magna de 1988, não podem
ser negligenciados, seja pela ausência do poder público ou por ações não planejadas
de acordo com a realidade.

A ineficiência das ações governamentais em favor das mais diversas


manifestações culturais, principalmente as que historicamente se estabelecem em
ambientes conflituosos, ensejam ações abusivas e torna crescente a sensação de
desamparo. Desta forma, a ausência da presença do estado torna necessário que
sejam levadas às entidades e órgãos competentes a situação em que se encontra a
religião jurema sagrada, para que políticas públicas sejam elaboradas e
implementadas, baseadas inicialmente em ações educativas que são a pedra
fundamental na sustentação dos diálogos entre os interlocutores locais. Só assim é
possível que se alcance amplos resultados positivos e duradouros, revertendo todos
os aspectos de intolerância.
23

3.2 A dicotomia entre a moral judaico-cristã ocidental e as manifestações


religiosas afro-indígenas.

Ao se trazer à luz a reflexão a respeito das causas relacionadas aos conflitos


que perseguem e jogam na subalternidade um culto ou uma fé religiosa, nos
indagamos sobre o que poderia legitimar uma cultura a se sobrepor a outra. Logo, é
possível enxergar o quão similar é no tocante à relação de poder se comparada às
questões epistemológicas, que em nenhum momento procura manter horizontalidade
para um convívio de valorização dos diversos saberes, é simplesmente a
epistemologia do Norte ignorando o conhecimento do Sul. Para VALENÇA:

A ecologia dos saberes e a justiça cognitiva contrapõem-se à ciência


moderna, conhecimento privilegiado na contemporaneidade,
apresentado e aceito como monocultura do saber que produz um
imperialismo epistemológico, que produz hierarquização e exclusão de
saberes e gentes. (VALENÇA, 2019, p. 19).

De forma análoga às questões epistemológicas, percebe-se que o


eurocentrismo enxerga as religiões afro-indígenas como algo menor, gerando um
processo de subalternização. Acredita-se que esse tipo de relação se justifica em
ausências como conhecimento, desprendimento do poder e da educação
sociocultural. Esses ingredientes tão necessários na promoção do respeito às
diferentes culturas, aos diferentes saberes e às diferentes formas de relação do
indivíduo com natureza, torna a dinâmica social incompleta, uma vez que não
incorpora saberes relevantes que deveriam fazer parte de uma epistemologia maior.
Em uma abordagem antropológica DESCOLA observa sobre diferenças culturais que:

...não importa a comunidade com que você escolhe conviver durante


algum tempo - seja ela em seu próprio país ou bem longe da sua casa
-, os hábitos dessa comunidade serão obrigatoriamente diferentes dos
seus, mais ou menos diferentes conforme a distância que você
percorrer. A partir daí, na tentativa de se identificar com os que têm
um modo de existência distinto do seu para compreendê-los melhor,
do interior, dividindo suas alegrias e tristezas e as razões que alegam
para fazer o que fazem, você será necessariamente
24

levado, por contraste, a questionar a evidência dos hábitos de vida


de sua própria comunidade. (DESCOLA, 2016, p. 10)

É possível perceber através de VALENÇA (2019), em sua obra investigativa,


quando analisa - e critica - o posicionamento da ciência moderna ocidental,
eurocêntrica, determinista e criadora dos conceitos de “desenvolvimento” e
“civilização”. Nesse sentido, afirma-se que o meio científico ainda encontra-se atrelado
às amarras hegemônicas da teoria crítica moderna, ignorando outros saberes,
enxergando-os como irrelevantes e incapazes de promover o aperfeiçoamento social.
Dessa forma, deixa-se de promover justiça cognitiva e emancipação social enfatizada
por VALENÇA ao parafrasear SANTOS:

Reafirmo que para tentar compreender essa fronteira, faz-se


necessário partir da ecologia dos saberes (Santos, 2006) que produz
o encontro e respeito entre saberes, sejam científicos, empíricos, do
senso comum, da arte etc. Cada saber possui uma maneira própria de
ver o mundo e, consequentemente, uma importância singular. Nesse
sentido, o conceito de tradução surge como essencial para a
compreensão das relações entre essas diferentes culturas (SANTOS,
2006, apud VALENÇA, 2019)

De acordo com SANTOS (2019), a teoria crítica moderna interpreta que a


construção da humanidade tem bases nos direitos humanos universais, mas éincapaz
de libertar-se da ideia de que o humano só existe porque existe o sub- humano. Dentro
da mesma percepção, Frantz Fanon ressalta as exclusões provocadas pela linha
abissal, entre metropolitanidade e colonialidade. Esta mesma linha abissal promove
uma divisão radical entre a sociabilidade metropolitana e formas de sociabilidade
colonial, dois mundos distintos. Podemos ver através da definição:

Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que


estas últimas fundamentam as primeiras. As distinções invisíveis são
estabelecidas por meio de linhas radicais que dividem a realidade
social em dois universos distintos: o "deste lado da linha" e o "do outro
lado da linha". A divisão é tal que "o outro lado da linha" desaparece
como realidade, torna-se inexistente e é mesmo produzido como
inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer modo de ser
relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como
inexistente é excluído de forma radical porque
25

permanece exterior ao universo que a própria concepção de inclusão


considera como o "outro". A característica fundamental do
pensamento abissal é a impossibilidade da co-presença dos dois lados
da linha. O universo "deste lado da linha" só prevalece na medida em
que esgota o campo da realidade relevante: para além da linha há
apenas inexistência, invisibilidade e ausência não-dialética (SANTOS,
2019)

É diante das considerações de SANTOS, no tocante à metáfora da linha


abissal, que devemos ficar atentos à dinâmica social das relações humanas que define
a diversidade nas suas formas de expressão, em suas necessidades e anseios. O
pensamento pós-colonial ou pós-abissal nada mais é que o libertar-se das
dominações do Norte neo-colonial e promover o convívio com as epistemologias do
Sul.

As exclusões promovidas contra as manifestações culturais afro-indígenas,


além de subalternizar, são também resultado do preconceito quando promove a ideia
de que existe uma “relação oculta com maligno”. Erguem-se, então, muralhas
invisíveis, divisão que ignora outros saberes da dinâmica da sociedade, saberes esses
que estão presentes, mas que são marginalizados em relação à epistemologia do
Norte. Esse tipo de comportamento, visão com relação à cultura não dominante, passa
a fazer parte do inconsciente social, não ajuda no processo de emancipação do
pensamento e da visão de mundo. De acordo com PENNA; GARCIA:

O inconsciente social, por sua vez, é comum a pessoas que pertencem


a uma mesma sociedade e representa, portanto, uma forma mais
homogênea de internalização das normas culturais de uma dada
sociedade. De uma maneira geral, portanto, o superego, embora
apresente valores herdados restringe-se à psicodinâmica individual
inconsciente, ou de um número restrito de pessoas, enquanto que o
inconsciente social abrange um dado sistema social desde suas
origens (Hopper; Weinberg, 2011, apud PENNA; GARCIA 2011).

Através das noções inconscientes de certo e errado que convicções legitimam


ações contra a jurema sagrada, promovendo a violação do direito fundamental do
indivíduo, seja por subterfúgios ou até mesmo por violência deliberada para tentar
calar e impedir que a manifestação religião jurema sagrada aconteçam. As autoras
SOUZA e FICAGNA (2016), parafraseando CROCHIK (2006) trazem esses aspectos:
26

Este processo só é passível de compreensão se considerado seus


aspectos culturais e históricos, neste sentido, a manifestação do
preconceito é um fenômeno individual, pois é respondente de
manifestações irracionais (adaptação à luta pela sobrevivência) de
cada indivíduo, assim o preconceito surge como uma resposta a esses
conflitos (CROCHIK, 2006, apud SOUZA; FICAGNA, 2016, pa.55).

O olhar que se lança sobre a prática das religiões de invocação de entidades


espirituais é condenada e tratada como religião subalterna e deve carregar em si o
sentimento de marginalizado como expressa BRUMANA E MARTINEZ (1991) ao
trazer em sua obra o retrato perfeito de um sentimento de exclusão:

O catolicismo, o protestantismo denunciam a crença na feitiçaria e com


isso o conjunto dos sistemas religiosos vinculados a esta como
superstição. A crença na feitiçaria é uma crença falsa, mas, antes de
mais nada, é uma crença dos outros (BRUMANA; MARTINEZ, 1991,
pa. 70)

E é sob esse olhar condenador que a intolerância se consolida no inconsciente


coletivo, relegando saberes que são grandes e ricos em si mesmos, representando
todo um legado ancestral que não pode ser sufocado por uma mentalidade diminuta.
Então se instauram os conflitos religiosos e eles são indiferentes à dor do outro. É
possível entender a dimensão desses conflitos através do que traz COSTA (2009) em
seu livro:

Além dos preconceitos e pressões das instâncias oficiais, o povo-de-


santo teve que enfrentar a segregação dentro da própria categoria das
religiões mediúnicas, como as espíritas kardecistas que
implementaram nos espaços sociais a ideia de espiritismo científico,
afastando-se das religiões afro-brasileiras (QUEIROZ, 1999, pa. 96;
apud COSTA, 2009, pa. 51)

E é sob essa atmosfera de preconceitos e intolerância que os praticantes da


jurema sagrada têm que seguir os seus dias, se apoiando na persistência fortalecida
pela própria fé e através da vivência na religião, que sob a assistência das entidades
espirituais, também são fortalecidos.
27

3.3 A necessária presença de políticas no fomento da educação ambiental e


cultural

O atual panorama da degradação ambiental, associada à questão específica


do desmatamento seletivo da árvore jurema no município de Alhandra, é uma
evidência da realidade conflituosa de culturas, da cultura ancestral nativa que
sobrevive, mesmo com suas modificações nos dias atuais, e a cultura trazida pelo
europeu desde o tempo colonial. A cultura do dominante europeu sobre a cultura do
subalterno dominado se sobrepõe seja por autocoerção, quando sociedade já
assimilou os novos hábitos e por isso passa a ser considerada civilizada e educada,
ou por coerção através de punições, assim nos mostrado Norbert Elias em sua obra
O Processo Civilizador ao analisar a obra de Della Casa e Erasmo quando tratam
sobre os costumes (DE OLIVEIRA, 2012).

Dessa forma, é possível perceber em quais pontos o processo civilizatório falha


e entra em crise, sem conseguir atingir o seu intuito de educar em longo prazo. Traz
consigo aspectos culturais supressores de outras culturas e não de valorização e de
coexistências.

Elias afirma que para que o homem possa ser livre e feliz, é necessário
um equilíbrio mais durável, uma sintonia mais fina, entre as exigências
gerais da existência social do homem, por um lado, e suas
necessidades e inclinações pessoais, por outro. Dito de outra forma é
preciso satisfazer as necessidades e desejos pessoais, no entanto
essa satisfação não pode destoar das regras da sociedade (DE
OLIVEIRA 2012, p. 6)

Nesse sentido, é preciso entender a dimensão e a importância que a educação


socioambiental tem em um possível novo processo civilizatório, diferente do que é
apresentado na obra de Norbert Elias, mas no que se propõe ser emancipador, que
promove a horizontalidade epistemológica e leva em consideração o microcosmo
onde as relações sociais estão imersas.

Na perspectiva da educação ambiental crítica, transformadora e


emancipatória, os temas ambientais não podem ser conteúdos
curriculares no sentido que a pedagogia tradicional trata osconteúdos
de ensino: conhecimentos pré-estabelecidos que devem ser
transmitidos de quem sabe (o educador) para quem não sabe (o
educando). A educação crítica e transformadora exige um tratamento
28

mais vivo e dinâmico dos conhecimentos, que não podem ser


transmitidos de um pólo a outro do processo, mas apropriados,
construídos, de forma dinâmica, coletiva, cooperativa, contínua,
interdisciplinar, democrática e participativa, pois somente assim pode
contribuir para o processo de conscientização dos sujeitos para uma
prática social emancipatória, condição para a construção de
sociedades sustentáveis. Para superar o caráter informativo em busca
de uma educação preocupada com a formação do sujeito ecológico,
os temas ambientais, locais – significativos, têm que ser tomados
como ponto de partida para análises críticas da realidade
socioambiental (TOZONI-REIS, 2006, p.97)

A citação acima deixa claro que é necessária a imersão do indivíduo em vários


aspectos que proporcionam a ele a emancipação e a transformação em um indivíduo
ecológico. Tozoni-Reis enfatiza a educação viva e dinâmica, coletiva e cooperativa,
entre outros aspectos positivos que devem ser aplicados no aperfeiçoamento do
indivíduo conectado com a realidade socioambiental.

O que também é fascinante ao olhar o indivíduo pela perspectiva do ser


aprimorável é que o mesmo pode ser considerado como uma pedra preciosa que
precisa ser lapidada para que o seu verdadeiro valor tenha o efeito esperado. Esse
efeito é algo que promoverá entre outros indivíduos a visão das possibilidades de se
transformar e um ser transformador, ser atuante através de si mesmo e dos efeitos
alcançados. É dessa forma que deve ser a busca em Alhandra, o respeito através de
emancipação social, da lapidação cultural.

É também perceptível que o principal entrave da emancipação do pensamento


se encontra no aparelho de dominação social representada pela administração
pública, que em sua atuação pragmática busca estar tão somente de acordo com os
seus próprios princípios, submetendo a sociedade a resultados numéricos não
humanizados. Então, observa-se que o foco da administração do Estado se concentra
nas ações da manutenção do monopólio dos recursos e na sua aplicação. Esse tipo
de trato da coisa pública sobre os indivíduos implica na postura passiva de
dependência, e que inevitavelmente influencia no modo como os indivíduos interagem
com ambiente. Por se considerar o detentor dos direitos promovidos pelo Estado, não
se vê como potencial parte atuante nas questões socioambientais, não se é
estimulado nos indivíduos o senso de ação-reflexão-ação do caráter político da
pedagogia freireana.
29

Paulo Freire não se dedicou especificamente ao estudo da educação


ambiental, mas sua leitura de mundo sistematizada, tendo sido tão
ampla quanto profunda, abre possibilidades para refletirmos sobre
essa compreensão de educação subsidiada em sua teoria do
conhecimento. Paulo nos ensinou não só o processo de como se pode
conhecer, mas, sobretudo, através de sua práxis teórica, nos oferece
meios para refletirmos sobre o ético, o político e o pedagógico no ato
de ensinar-aprender. Por isso, inúmeros cientistasdas mais diversas
áreas do conhecimento têm se valido de seu pensamento para criar
novos saberes. Podemos, pois, procurar na sua obra e práxis os
pressupostos teóricos para subsidiar a educação ambiental que nos
demanda mais do que qualquer outra ao cuidado, ao entendimento e
à preservação da VIDA. Procurar nãomecanicamente porque outros e
outras fizeram-no e continuam fazendo na busca de construir corpos
teóricos dentro das ciências às quais se dedicam, mas, porque, na
verdade, sua teoria é capaz disso. Ela, estou certa, tem muito a dizer
e a propor para a ação dos que se preocupam séria, intencionalmente
e sistematicamente com anecessária educação ambiental vista na sua
totalidade. (FREIRE, 2003, p. 11, apud TOZONI-REIS, 2006, p. 101)

A partir do entendimento de que as ações governamentais através de suas


políticas públicas não são suficientes em si mesmas para alcançar o objetivo
esperado, é necessário entender os anseios dos sujeitos aos quais as políticas são
direcionadas. É necessário desenvolver em cada indivíduo o sentimento de
protagonismo nessa busca e que passa a ser vista como meta social, ambiental e
cultural. Em suas relações, cada indivíduo é capaz de contribuir com o seu
conhecimento, os seus saberes – mesmo em relações conflituosas não se pode deixar
de reconhecer que também existem outras relações cotidianas que acontecem sem
a mesma conotação. É preciso entender que é durante o processo de educar que o
educador também obtém todos os subsídios que contextualizará as suas ações de
acordo com a percepção. Dessa forma é possível estimular nos indivíduos não
praticantes da religião os fundamentos do respeito, despertando o princípio de
tolerância que permitem a convivência harmoniosa entre as diferenças culturais.

De maneira mais pragmática é necessário pensar nas iniciativas


governamentais a partir de suas políticas públicas, estas formalizam a busca de uma
sociedade melhor, procurando atender aos anseios e promover a inclusão dos
segmentos que em determinados aspectos encontram-se em estado de cerceamento
de suas liberdades. Sendo assim, a educação sempre será o melhor caminho para a
emancipação do pensamento e do desenvolvimento humano. Como
30

instrumento, podemos citar a Lei de Diretrizes e Base (LDB)2 como a principal


ferramenta na formação do indivíduo capaz de compreender a multiculturalidade e a
interculturalidade de forma respeitosa e como algo normal dentro do universo aos
quais os indivíduos fazem parte, sem tentar impor a sua cultura como a correta. A
educação de base é capaz de introduzir o indivíduo a essa compreensão, formatando
o seu pensar nas premissas assinaladas abaixo:

A diversidade religiosa é um desses aspectos da diversidade cultural


aportados pelos documentos oficiais e educacionais do Brasil, a qual
deve ser trabalhada na educação básica, com vistas a formar cidadãos
multiculturalistas e superar a discriminação, o preconceito,a exclusão
e perseguição das religiões minoritárias presentes em nossa
sociedade. (KADLUBITSKI, 2012, p. 30, apud SOUZA; MELO, 2016,
p. 5)

Para que se possa compreender e fazer uma leitura de mundo no qual os


indivíduos estejam inseridos, reconhecendo e respeitando as diversidades culturais,
mesmo que essas dividam espaços geográficos que as colocam tão próximas, é
necessário que a educação cultural seja requisito fundamental para a promoção da
emancipação do pensamento e para o desatrelar das imposições de padrões culturais
hegemônicos. E não menos importante, principalmente quando fechamos visão sobre
a derrubada da árvore jurema, é necessário, também, através de um processo
educativo, mostrar para as pessoas os efeitos no meio ambiente que é causado
quando uma árvore é derrubada, todo o efeito ecossistêmico causado. Percebe-se
que a educação ambiental e cultural não e dissociam.

No trabalho de SOUZA e MELO (2016), apresentado no terceiro congresso


nacional de educação, é enfatizado que através de leis, medidas e programascriados
pelos governos é onde se encontra o seu arcabouço jurídico, viabilizando a execução
de políticas públicas. No tocante à questão religiosa citam as leis 10.639/2003 e a
11.645/2008 que preveem a valorização das culturas afro-brasileira e indígena. Abaixo
podemos entender a importância da Lei 11.645/2008 em seu artigo 26, quando
destacam:

2 Lei de Diretrizes e Bases (LDB) - LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996, estabelece as


diretrizes e bases da educação nacional.
31

Dessa forma, as culturas afro-brasileiras ganharam um espaço de


discussão maior no contexto educacional, sendo que ainda não era o
esperado ou desejado e por esta razão foi criada outra Lei que
incorpora também os indígenas e o direito de estar presente no
ambiente escolar respaldada pela Lei 11.645/2008, fazendo do texto
do artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
contemple as religiões afro-brasileiras e indígenas, conforme a
redação apresentada no artigo 26 em sua redação atual (SOUZA;
MELO, 2016)

Logo se entende que é possível, a partir das diretrizes 3 nacionais para a


educação das relações étnico-raciais, promover a interação entre as diversas culturas
e suas religiões, criando assim o convívio e o contato que possibilitam a sensibilização
dos jovens quanto às questões de religiões de matriz afro-indígena – que, apesar de
grande importância, não irei aprofundar neste trabalho.

Sendo assim, sob essa mesma perspectiva, devem ser observados os


aspectos ambientais, sabendo que ao garantir as mitigações de impactos incidentes
sobre o meio ambiente, também atenuará impactos nas identidades culturais,
principalmente quando os elementos do meio ambiente são necessários para que a
cultura se mantenha viva. Logo, percebe-se que cultura em muitos aspectos, não pode
estar dissociada da questão ambiental, ambas se sustentam e estabelecem uma
relação de existência mútua.

Embora não se constatem políticas públicas referentes à prática e nem aos


praticantes da religião jurema sagrada no município de Alhandra, se tem como política
sob âmbito nacional norteadora para a criação de políticas futuras mais específicas o
DECRETO Nº 6.040, DE 7 DE FEVEREIRO DE 2007, que institui a Política Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos Povos de Comunidades Tradicionais – PNPCT.
Esse decreto, em seu anexo em Art. 1º, inciso I, dirimi no tocante às necessidades de
Alhandra e traz as ações e atividades para o alcancedos objetivos dessa política de
seguinte forma:

“o reconhecimento, a valorização e o respeito à diversidade


socioambiental e cultural dos povos e comunidades tradicionais,
levando-se em conta, dentre outros aspectos, os recortes etnia, raça,
gênero, idade, religiosidade, ancestralidade, orientação sexual e

3Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e
Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências.
32

atividades laborais, entre outros, bem como a relação desses em cada


comunidade ou povo, de modo a não desrespeitar, subsumir ou
negligenciar as diferenças dos mesmos grupos, comunidades ou
povos ou, ainda, instaurar ou reforçar qualquer relação de
desigualdade” (DECRETO 6.040/2007)

Através da citação acima, é possível estabelecer um norte no amparo à cultura


dos povos tradicionais. Trata-se de um regramento federal que serve como referência
ampla e abrangente para elaboração de políticas públicas e, por isso, também inclui
o culto da religião jurema sagrada. Colocadas em prática, desempenham o efeito
garantidor de liberdades individuais, principalmente no que tange a liberdade de culto.

No entanto, é a falta de uma representatividade, da mobilização popular e de


outros atores políticos que resulta no sufocamento do ecoar desse clamor, torna o
praticante da religião jurema sagrada e a própria religião invisível ou algo queninguém
quer ver devido a tão presente e tão distanciadora “linha abissal”4 a que se refere
Boaventura de Sousa Santos.

4 METODOLOGIA

De acordo com uma análise prévia do contexto da religião jurema sagrada


relacionada à realidade da prática no município de Alhandra, foi possível considerar
mais adequada uma abordagem qualitativa interpretativa baseada nos relatos dos
sacerdotes através de entrevistas com perguntas estruturadas.

4.1 Método de pesquisa – Levantamento etnográfico baseado no estudo


antropológico interpretativo

Para alcançar os objetivos desta pesquisa, utilizei como metodologia uma


abordagem focada em caracterizar os indivíduos dentro do espaço etnográfico de
cidade de Alhandra, fazendo um estudo antropológico aos moldes do que propõe

4 Para Santos (2007, p. 4) a linha visível que separa a ciência dos seus “outros” modernos está assente
na linha abissal invisível que separa de um lado, ciência, filosofia e teologia e, do outro, conhecimentos
tornados incomensuráveis e incompreensíveis por não obedecerem, nem aos critérios científicos de
verdade, nem aos dos conhecimentos, reconhecidos como alternativos, da filosofia e da teologia.
33

GEERTZ (2004) e direcionado aos praticantes da religião jurema sagrada em contexto


local. Essa abordagem é orientada aos significados que estão relacionados ao
universo do indivíduo, como também aos indivíduos em grupos, no modo como
conduzem as suas vidas, as suas relações com os seus símbolos e sistemas de
símbolos. É necessário para isso compreender o cerne dessa metodologia como
explica GEERTZ quando expressa o relativismo da antropologia como positivo:

No entanto, é um relativismo que não defende o niilismo, nem o


ecletismo, nem a noção de que qualquer coisa é válida; nem tampouco
se satisfaz simplesmente com demonstrar, ainda uma vez, que além
dos Pireneus as verdades são o oposto das nossas. Ao contrário, é
um relativismo que funde os processos de autoconhecimento, auto
percepção e auto entendimento com os processos de conhecimento,
percepção e entendimento do outro; que identifica, ou quase,
organizando o que somos e entre quem estamos (GEERTZ, 2004)

É necessário sim elaborar um estudo com bases antropológicas para que os


detalhes e nuances que compõem o fenômeno em estudo não sejam depreciados em
seu valor e relevância como observa GEERTZ (2004) ao afirmar que quando isso
ocorre é como se a “sugestão para uma espécie de alquimia perversa que
transformaria ouro em chumbo”. Ainda, de acordo com GEERTZ (2004), é preciso
observar como o “saber local e objetivos cosmopolitas podem se comportar, ou não
se comportar, na desordem mundial emergente. Sem me deixar intimidar pela
modéstia ou pelo senso comum” e a partir dessas observações obter um resultado o
mais preciso possível. Possível porque não haverá perfeição, evidenciado a seguir:

Vol-tar-me-ei finalmente para essa última questão na terceira parte


do ensaio, argumentando, acho eu, que ninguém tem resposta para
tais perguntas, mas que as conjeturas antropológicas merecem, no
mínimo, a atenção do mundo jurídico (GEERTZ, 2004)

Sendo assim, considerando ser de extrema relevância identificar os fatores que


de forma direta ou indireta levam à derrubada de árvores jurema, principalmente a
utilizada na religião, foram aplicadas entrevistas aos líderes dos centros com
autorização prévia dos mesmos.
34

As entrevistas tiveram por finalidade obter as opiniões dos indivíduos que estão
ligados à religião de forma mais efetiva e possuem propriedade sobre a temática, e
dessa forma, procurar entender as causas que possam estar provocando a tomada do
espaço que antes era pertencente às espécies da árvore.

Como amostragem, o projeto submeteu a entrevistar quatro juremeiros


(sacerdotes), dos cinco terreiros existentes no município, salientando que esses cinco
são locais de prática de maior visibilidade no contexto do município, no entanto, sabe-
se que a prática da religião também acontece sob portas fechadas em um contexto
mais restrito devido ao fato das pressões sociais provocadas pelo preconceito. Essas
entrevistas têm como objetivo compreender, na perspectiva do juremeiro, quais
impactos incidem sobre a religião no atual contexto de escassez de indivíduos da
árvore específica utilizada nos rituais da religião jurema e a realmotivação que leva à
supressão.

Na obtenção dos dados foi utilizada a metodologia de MINAYO (2009) baseada


em entrevistas com perguntas estruturadas em questionários na busca dos dados
necessários e que possibilitam a aplicabilidade ao que BARDIN define como:

Conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter,


por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a
inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens"
(BARDIN, 1979, p.42, apud MINAYO, 2009, pag.83).

Na pesquisa qualitativa, a interpretação assume um foco central, uma vez que


“é o ponto de partida (por que se inicia com as próprias interpretações dos autores)
e é o ponto de chegada (porque é a interpretação das interpretações)” (GOMES et al.,
2005, apud MINAYO, 2009, p. 80).

Dentro da metodologia proposta por MINAYO (2009), as descrições dos dados


foram feitas a partir de um esquema de análise interpretativa e, para isso, foram
utilizadas a descrição e a análise dos dados como caminhos para a interpretação das
informações geradas onde o processo investigativo caminhará para a sua finalização.
35

Através dessas entrevistas semi-estruturadas foi gerada uma pesquisa social


direcionada à religião – ao universo da religião jurema sagrada – relacionando aos
elementos pessoais nas figuras dos sacerdotes juremeiros, no contexto social, cultural
e ambiental relacionada à supressão da árvore jurema e que tem levado à escassez
da mesma no município de Alhandra. Identificou-se que a aplicação de questionários
com perguntas abertas é metodologicamente adequada na busca do objeto
investigado de acordo com BARDIN (1979):

A Análise de enunciado costuma ser usada para se analisar


entrevistas abertas. Nela, levamos em conta a comunicação como
um processo e não como um dado estatístico. Essa modalidade
trabalha com (a) as condições de produção da palavra (respeita as
exigências da lógica socialmente aceita — a fala é um discurso); (b)
analise das estruturas gramaticas; (c) analise da lógica de organização
do discurso; (d) análise das figuras de retórica. Tal técnica, sob a
influência da psicanálise lacaniana, procura focalizar estruturas
formais que podem esconder conflitos latentes, analisando jogos de
palavras, chistes, lapsos e silêncios. Considera cada entrevista
estudada em si mesma. Se houver mais de uma entrevista, o estudo
é desenhado a partir de vários casos. Nela, não há hipóteses prévias
para a análise dos enunciados (BARDIN, 1979; MINAYO, 2006, apud
MINAYO, 2009).

O levantamento também abordou as percepções dos juremeiros com relação


à religião no atual contexto, principalmente no que diz respeito à realidade restritiva
da prática. A ideia inicial era realizar as entrevistas de forma presencial, no entanto,
devido ao contexto de pandemia do COVID-19, não foi possível fazê-las, cabendo a
aplicação das mesmas através de ligações de celular gravadas e transcritas.

Dessa forma, tentou-se compreender a dimensão dos impactos causados


pela supressão – e principalmente no que tange aos aspectos da identidade cultural.
O roteiro das entrevistas foi elaborado com o intuito de se obter um panorama
situacional real, referentes às condições que possibilitam a prática da religião e a sua
perspectiva futura de manutenção e existência.

5 RESULTADOS E ANÁLISE

A partir das entrevistas aplicadas aos sacerdotes juremeiros, por meio de


gravações e posteriores transcrições organizadas em tabelas, foram feitas as devidas
análises. A enumeração de cada pergunta aberta que consta no
36

questionário enumerará as respectivas tabelas correspondentes. Como apresentado


na metodologia, as análises foram feitas a partir de checagens comparativas na busca
de aspectos convergentes e divergentes.

Quadro 1 - Referente à pergunta 1

1. Há quanto tempo o(a) sr(a) faz parte da religião jurema sagrada?


Nome Respostas
Johnny R: Desde criança. Conhecimento a partir dos sete anos de idade.
Siriaco
José Lucas R: Desde o meu nascimento.
Edu R: Há 25 anos (53 anos de idade).
Judite R: Desde os 7 anos.
Fonte: Autor (2020)

Percebe-se, a partir dos relatos dos entrevistados, que a prática da religião


jurema sagrada é vivenciada a partir da infância, com a exceção do juremeiro Edu.
Em se tratando de uma questão de inserção familiar, no contexto da religião, é
possível entender que esta influência pode ser um aspecto preponderante na escolha
da religião.

Quadro 2 - Referente à pergunta 2

2. É morador do município de Alhandra? Se não, qual o motivo que o(a) faz


se deslocar para outra cidade.
Nome Respostas
Johnny R: Morador de Alhandra.
Siriaco
José Lucas R: Morador de Alhandra.
Edu R: Nascido em Igarassu, foi pra Alhandra com 10 anos.
Judite R: Nascida em Goiana e criada em Alhandra.
Fonte: Autor (2020)

Todos são moradores de Alhandra, mas não necessariamente nascidos na


cidade. Focando na religião jurema sagrada, podemos constatar que na cidade de
Alhandra existem pessoas que migraram ainda criança e se tornaram praticantes.
37

Quadro 3 - Referente à pergunta 3

3. Que motivo levou o(a) sr(a) a escolher a religião jurema sagrada para
professar sua fé?
Nome Respostas
Johnny R: Nasceu com o dom e dentro da hierarquia.
Siriaco
José Lucas R: O motivo que me fez continuar foi pela preservação da minha
ancestralidade (cultural).
Edu R: Era evangélico, vivia muito doente, procurou o espiritismo e
ficou bom (conversão).
Judite R: Por que já nasceu com esse dom, foi para a igreja e se
manifestou no templo. O pastor disse que ali não era o lugar dela.
Manifestou-se de baixo de um pé de mangaba.
Fonte: Autor (2020)

Da amostragem, a partir dos quatro juremeiros entrevistados, constata-se que


dois se consideram nascidos com o dom para a prática da religião, bem como nos traz
FARIAS (2016) o que é conhecido como o ter a jurema que “inclui poder incorporar
suas entidades, em especial os Mestres, obtendo a partir disto uma gama de atributos
e competências”.

Já no caso do juremeiro José Lucas, o mesmo relata que sentiu-se motivado


em preservar a sua ancestralidade que, de acordo com SOUZA (2016), é “resultado
de um processo de inscrição histórico-cultural sobre o corpo do indivíduo”,
configurando dessa forma uma questão cultural . E com relação ao juremeiro Edu,
existiu a conversão religiosa a partir do contato com a mesma.

Logo, é possível afirmar que a prática da religião na maioria das vezes está
relacionada com vivência direta, o contato que promove a inserção cultural nocontexto
de proximidade. Mesmo sendo o indivíduo portador do dom da mediunidade, é
necessário que ele faça parte do universo ou tenha o contato para que possa
identificar-se. O dom definirá a função hierárquica dentro do terreiro, sendo o dom da
mediunidade o mais relevante para que se alcance o sacerdócio dentro da religião.
Qualquer pessoa também pode ser adepto da religião mesmo que não possua dons
específicos, o praticante pode cultuar e vivenciar as doutrinas da religião.
38

Quadro 4 - Referente à pergunta 4

4. Em sua opinião, existe uma relação do meio ambiente natural e a religião


jurema sagrada. Se sim, quais aspectos leva a essa conclusão?
Nome Respostas
Johnny R: Sim. A religião está conectada com a natureza e é a partir dos
Siriaco elementos naturais que se obtém a energia espiritualista.
José Lucas R: Sim. Somos de uma tradição que cultua a natureza em si e
tudo que está inserido nela: o homem, o encanto, as forças da
natureza, os minerais. Todos esses elementos exercem uma
força espiritual dentro da jurema que vai depender da intenção de
quem a manipula. A natureza está conectada ao nosso contexto
de sagrado.
Edu R: Tem, por causa que (sic) nas matas existe um caboclo
chamado Oxóssi, Sete Flechas.
Judite R: A jurema é um pau (sic) sagrado, Deus revelou a jurema como
árvore de cura.
Fonte: Autor (2020)

Dentro da simplicidade como cada um lança o seu olhar ao meio ambiente


natural e o relaciona com as questões espirituais, é possível perceber que esses
aspectos – religião e natureza – são indissociáveis. E podemos traçar uma linha
analítica sobre esse aspecto através do olhar de VALENÇA (2019) ao expressar que
“o reconhecimento da existência de uma pluralidade de formas de conhecimento além
do científico”, reconhece que há sabedoria na relação com o meio ambiente.

Quadro 5 - Referente à pergunta 5

5. O sr(a) se considera um(a) praticante experiente da religião jurema sagrada


e possui conhecimentos profundos no entendimento dos elementos que
fazem da liturgia/ritual da jurema sagrada? Pode explicar?
Nome Respostas
Johnny Siriaco R: Sim, em vários aspectos. Já nasci estudando, conhecendo,
aprendendo e cultivando a religião. E leva muito tempo.
José Lucas R: Não, a tradição, como é uma tradição oral e uma pluralidade
de elementos, ainda vai levar uma série de tempo e de busca de
conhecimento para que eu tenha uma afirmação de bagagem
dentro da tradição.
Edu R: Me considero.
Judite R: Considero, pela história e pela caminhada. Cinquenta e três
anos.
Fonte: Autor (2020)
39

Mesmo sendo a ritualística da religião rica e complexa nos seus elementos, é


possível constatar que a maioria dos juremeiros se considera experiente. Dessa forma
podemos perceber que a vivência com a religião é bem aprofundada entre a maioria
dos entrevistados que conduzem a liturgia. SILVA JUNIOR (2011) nos traz uma
reflexão muito pertinente no que diz respeito à experiência e ao domínio ao que
juremeiros chamam de ciência da jurema:

É comum que os juremeiros se refiram à jurema como uma ciência, a


“ciência da jurema”, sempre que eles fazem uso deste termo, o nome
ciência aparece como sendo o conhecimento. Portanto, a “ciência da
jurema” é o conhecimento que eles possuem da jurema sagrada.
Sempre que aparecer este termo no texto, ele estará sendo referido
no mesmo sentido a que os juremeiros fazem uso (SILVA JUNIOR,
2011, pág. 48).

Quadro 6 - Referente à pergunta 6

6. O(A) Sr. (a) concorda que está havendo uma diminuição no número de
árvores jurema-preta em Alhandra? Se sim, quais os motivos?
Nome Respostas
Johnny R: Sim, devido ao preconceito, à intolerância e à própria maldade
Siriaco com a natureza. Diz que não pode condenar as outras religiões,
mas sente maior abalo a partir do cristianismo, são tidos como
demônios, mais por parte dos evangélicos, por falta de
conhecimento.
José Lucas R: Sim, com certeza. Os principais motivos são a intolerância
religiosa que sabendo que em torno dessa planta há um culto,
uma tradição, posso dizer milenar, e que ainda é pouco
conhecida, e o pouco que é conhecido é muito distorcido ao
ponto de ser muito maculada juntamente com os seus adeptos, e
como não existem leis de preservação dessa planta, fica fácil de
vilipendiar essa árvore. O segundo motivo seriam as carvoarias
clandestinas.
Edu R: Concordo. Porque que tem gente que não tem conhecimento e
também pela intolerância religiosa.
Judite R: Sim, por questão religiosa.
Fonte: Autor (2020)

Como forma de atingir a religião, muitas das pessoas, motivadas por aspectos
de intolerância, acabam atacando o elemento principal da religião que se materializa
40

na própria árvore, promovendo sua supressão. FARIAS (2016) atribui o


encorajamento dessas ações na omissão do Estado:

Estado que, por meio do direito, envernizou a persistência dos valores


da colonialidade e consagrou uma estrutura social, jurídica e política
excludente, baseado na lógica do latifúndio, patriarcalismo.
heteronormatividade, racismo e intolerância religiosa, ou seja:negação
de direitos, mesmo diante de um conjunto de normas que enunciava a
liberdade e igualdade formal enquanto alicerce da sociedade política
(FARIAS, 2016, pag.118).

Entende-se que essa atitude é bem direcionada e tem como objetivo promover
a ausência do elemento de conexão espiritual do/a praticante com as entidades
espirituais.

Quadro 7 - Referente à pergunta 7

7. Das áreas onde historicamente sempre existiram árvores jurema-preta, o(a)


Sr.(a) pode me relatar em quais ainda é possível encontrá-las?
Nome Respostas
Johnny R: É possível encontrar na casa da mestra Jardecilha, no sítio
Siriaco Tocoá perto da mata redonda, perto do Trinta e Quatro (34), no
Acais, no Sítio Travessia na área do templo da mestra Aderita.
Todas são área privadas. Acesso para juremeiros.
José Lucas R: Em Alhandra é possível encontrar a jurema-preta na região de
Estivas, no Acais, na casa da mestra Jardecilha e basicamente
tenho conhecimento desses três locais. Um exemplar no terreiro
de mãe Judite.
Edu R: Eu não sei se ainda tem na estiva. A do Acais foi cortada. Na
frente do meu barracão/terreiro. Na mestra Jardecilha.
Judite R: Dentro de Alhandra em Lucas (templo da mestra Jardecilha),
ainda tem no Acais, no meu próprio terreiro, um pé na estiva, mas
não sabe se ainda está vivo.
Fonte: Autor (2020)

Através dos relatos de todos os juremeiros entrevistados constatou-se que as


árvores de jurema preta só são encontradas em alguns terrenos privados. Entende-
se que assim, para manter as árvores, e em sua maioria pertencente aos próprios
terreiros.
41

Quadro 8 - Referente à pergunta 8

8. Nas áreas que ainda possuem árvores jurema-preta o (a) Sr. (a) pode me
relatar se são acessíveis? É possível conseguir autorização para obter delas
os elementos necessários para o ritual?
Nome Respostas
Johnny R: É possível, sim, permite-se que acesse os locais para reza e
Siriaco obtenção da jurema-preta.
José Lucas R: É possível, sim, desde que tenha um nível de aproximação,
intimidade para que consigam acesso. Não se permite a
ritualística.
Edu R: Acho que pode não. No meu pé de jurema só quem tira a
casca sou eu mesmo.
Judite R: Pode pegar na estiva, pede ao proprietário que ele fornece.
Fonte: Autor (2020)

Quando indagados com relação ao acesso a essas áreas para a obtenção


das partes da árvore utilizadas nos rituais, a maioria disse que são acessíveis desde
que autorizados e respeitando as que são estipuladas pelos proprietários. No entanto,
constatou-se que há juremeiro, com o intuito de preservar, mantém em casa
espécimes da árvore cujo manuseio para a extração da casca é feita apenas por ele.

Quadro 9 - Referente à pergunta 9

9. Por favor, descreva o tipo de atividade ou destinação que passou a ser


estabelecido nos locais onde havia árvores jurema-preta.
Nome Respostas
Johnny R: Foram plantadas outras espécies de vegetação como capim.
Siriaco
José Lucas R: No caso do Acais, hoje, é apenas um terreno abandonado.
Geralmente as terras ficam inativas.
Edu R: Plantio de cana.
Judite R: O terreno foi vendido para o plantio de cana e o outro é de
propriedade de um gerente de banco que planta umas frutas.
Fonte: Autor (2020)

Nas áreas onde havia maior concentração de espécimes da árvore jurema


preta constatou-se que as suas derrubadas foram para finalidades diversas. Relatou-
se que há áreas com predominância de capim, não se sabe se é forrageiro, já em
outro local observa-se apenas um terreno abandonado e em outra área, que hoje é
privada, as árvores de jurema deram lugar a árvores frutíferas. Foi também
42

tomado como relato que duas outras áreas foram transformadas em plantio de cana.
A partir desses dados, não é possível concluir que seja um desmatamento motivado
por intolerância, no entanto, não se pode deixar de considerar a possibilidade de ser
um ato de subterfugio. Esse aspecto pode ser observado através da afirmação de
Silva Junior:

Contudo, esta manobra de sua memória tentando desqualificar a


jurema, dizendo que nunca houve esta valorização da jurema nem
mesmo pelos seus seguidores, e justificado isso até pela derrubada
de uma jurema que era bem famosa na cidade, a jurema do Rei Heron,
situada no sítio Tapuiu, bem próxima à zona urbana do município,
onde ela afirmou que esta jurema teria sido derrubadasem nenhum
problema, e o lugar teria dado espaço para uma plantação de acerola
(SILVA JUNIOR, 2011, pag. 63).

Quadro 10 - Referente à pergunta 10

10. A opinião dos praticantes da religião jurema sagrada sempre é levada em


consideração quando árvores de jurema preta são derrubadas para dar lugar
a outras destinações, que tipo de sentimento surge quando isso acontece?
Nome Respostas
Johnny R: Não. Se sente magoado pela religião e pela natureza, sente
Siriaco tristeza pelo ato criminoso porque uma árvore é uma vida. Sente-
se trancado em um quarto apertado.
José Lucas R: Não. São vários os sentimentos, o primeiro é de revolta,
depois vem o de impunidade e o terceiro é de medo (a
impunidade gera o medo que o sacrifício das árvores se
transforme e sacrifício de juremeiros).
Edu R: Não. Sentimento de impotência. Sinto muita tristeza.
Judite R: Não. Sinto-me triste.
Fonte: Autor (2020)

A não participação dos juremeiros no que diz respeito à derrubada das árvores
de jurema preta é um indicativo da indiferença, seja ela por parte da administração
pública, como também por parte dos próprios cidadãos alhandrenses. A autora
TOZONI-REIS (2006) enfatiza que a educação ambiental para a sustentabilidade é
um processo de aprendizagem permanente “baseado no respeito a todas as formas
de vida e que afirma valores e ações que contribuam para as transformações
socioambientais exigindo responsabilidades individual e coletiva,local e planetária”.
43

Demonstra que os aspectos culturais que envolvem a religião estão relegados


à marginalização, como também à falta de preocupação com os fatores psicossociais
provocados com cerceamento da manifestação religiosa, uma vez que essa assume
papel também de amparo emocional aos praticantes.

Quadro 11 - Referente à pergunta 11

11. Dentre os vários elementos da religião jurema sagrada, você poderia dizer
qual a importância da árvore jurema-preta para ritual?
Nome Respostas
Johnny R: Não posso dar muita informação, mas posso falar que é uma
Siriaco árvore encantada, mas na hierarquia do tempo várias cidades
(espécie de locais espirituais sagrados com nomes similares a de
outros locais do mundo físico) foram despertadas através da sua
presença. Jurema é uma espécie de fornecedora da energia, é
uma fortaleza para o médium. E essas características se
expressam no mundo físico como cura, bálsamo, corrobora
também para a estabilidade social.
José Lucas R: Ela é indispensável pela questão da transmutação de energia,
por servir como portal energético para os ancestrais. A
beberagem, através de seu “contexto” (princípio) ativo leva ao
estado de transe, e deste transe a comunicação com o espiritual,
o lado oculto. Tem o lado medicinal, é bactericida e cicatrizante.
Edu R: A casca pra fazer uma tronqueira de mestre, raiz com a casca
pra fazer uma jurema pra dar pros filhos quando tiver um toque
de jurema, a semente pra enjuremar o filho, pra beberagem.
Judite R: A jurema serve pra muita coisa, fazer a jurema, raiz pra batizar
os filhos, a casca pra fazer banho, pra curar enfermidade.
Fonte: Autor (2020)

Os praticantes expressam de forma clara que a árvore jurema tem papel


fundamental na existência da própria religião, tanto no que diz respeito à conexão
espiritual nos rituais, como também fornece insumos para diversas finalidades, como
fármaco poderoso com atuação bem diversificada. OLIVEIRA (2017) nos conta um
relato do Mestre Dió (Deodato):

Ouvi ainda nessas conversas informais, em horário de intervalo em


algumas obrigações, que quem já foi na Cidade sabe contar 1 história
de seu Mestre, de seu Caboclo e que volta sabendo das suasCiências,
como por exemplo as ervas que pertencem ao seu fundamento, as
cascas, sementes e frutos que curam determinadas doenças e ainda,
a pessoa viria batizada pela força maior da Jurema,recebendo uma
consciência maior do plano encantado. Faço esta
44

observação aqui para ilustrar o pouco que se ouve no "descuido" de


alguns juremeiros e juremeiras mais antigos ao conversarem, sem
ser em entrevista, sobre este tema de grande segredo na religião. Um
relato que contribui para um maior entendimento das Cidades
(OLIVEIRA, 2017, pag. 181).

Quadro 12 - Referente à pergunta 12

12. Em quais aspectos a ausência da jurema-preta na religião jurema sagrada


pode comprometer os ritos de celebração?
Nome Respostas
Johnny R: Sem a jurema-preta é como uma árvore sem sombra, como
Siriaco uma pessoa sem alma, mas dá pra religião manter-se sem ela,
sobreviver, porque a energia da árvore está dentro de cada
juremeiro através da fé e da mediunidade, mas sempre haverá o
sentimento de que falta algo.
José Lucas R: É possível que se faça a ritualística sem que haja um pé de
jurema próximo, mas com a ceifa (escassez) passa-se a perder o
meio de comunicação com o meio espiritual, tende a ficar mais
difícil a conexão com o sagrado.
Edu R: Sobrevive sem a jurema a partir das outras árvores que
também fazem parte da liturgia e o que importa é a fé.
Judite R: Compromete tudo.
Fonte: Autor (2020)

Metade da amostragem aponta que a ausência da árvore jurema impossibilita


a prática da religião devido aos aspectos que os elementos necessários representam,
elementos esses já citados em outros momentos da pesquisa. Já a outra metade, que
afirma ser possível manter a religião jurema sagrada, o faz justificando o uso dos
outros elementos que sempre compuseram a liturgia e através do dom mediúnico.
Percebe-se o surgimento de um distanciamento do ritual originário da religião que se
fundamentou na própria árvore a partir do relato obtido que a ausência da mesma não
impede a continuidade da religião.

Quadro 13 - Referente à pergunta 13

13. A árvore jurema-preta e seus diversos significados para cada contexto


onde há a sua aplicação ritualística justifica a própria existência da religião?
É possível que a religião consiga manter-se apenas com os outros elementos
que também fazem parte dos rituais? Explique.
Nome Respostas
Johnny R: Dá pra religião manter-se sem ela, sobreviver, porque a
Siriaco energia da árvore está dentro de cada juremeiro através da fé e
45

da mediunidade, mas sempre haverá o sentimento de que falta


algo.
José Lucas R: Não consegue ser praticada sem a presença da jurema devido
ao contexto das sete energias que estão ao nosso auxílio, a partir
do momento que eu tiro uma energia dessa eu não consigo que
esse culto seja vigente.
Edu R: É possível sim.
Judite R: Não sobrevive, a árvore da jurema é fundamental.
Fonte: Autor (2020)

Nessa pergunta subsequente intencionou-se obter um dado redundante sutil


relacionado à ausência da árvore jurema e conseguimos reafirmar que a retirada do
elemento árvore e seus insumos, através da visão dos próprios juremeiros, gerou uma
opinião dividida sobre a inviabilidade e a possibilidade considerando os outros
elementos envolvidos.

Quadro 14 - Referente à pergunta 14

14. Como você descreveria o sentimento dos praticantes da religião jurema


sagrada frente à escassez da árvore jurema-preta?
Nome Respostas
Johnny R: Se sente magoado pela religião e pela natureza, sente tristeza
Siriaco pelo ato criminoso porque uma árvore é uma vida. Sente-se
trancado em um quarto apertado.
José Lucas R: São vários os sentimentos, o primeiro é de revolta, depois vem
o de impunidade e o terceiro é de medo (a impunidade gera o medo
que o sacrifício das árvores se transforme e sacrifício de
juremeiros).
Edu R: Sentimento de impotência. Sinto muita tristeza.
Judite R: Sinto-me triste.
Fonte: Autor (2020)

Percebe-se que os juremeiros não só se sentem agredidos quando árvores de


jurema-preta são derrubadas, mas também sofrem de forma empática ao
reconhecerem a árvore como ser vivo. Demonstram dessa forma, uma consciência
ecológica nata e mais desenvolvida no aspecto da educação e da enculturação com
relação ao ambiente ao qual está inserido.
46

Quadro 15 - Referente à pergunta 15

15. Em sua opinião, a não garantia à livre prática da religião jurema sagrada
devido à escassez da árvore jurema-preta, pode levar a uma redução
significativa na quantidade de adeptos à religião?
Nome Respostas
Johnny R: Leva a redução pelo fato da intolerância que traz medo. Quem
Siriaco nasce no berço e quer praticar, tem medo de ser reprimido pela
população, tem medo de ser apedrejado como já aconteceu e
sofrer xingamentos.
José Lucas R: Sim. Porque como se a história fosse apagada e não teria como
os novos adeptos conhecer com o maior símbolo sendo ceifado,
leva ao enfraquecimento e o desaparecimento dos terreiros.

Edu R: Sim, porque muitos ficam tristes com o que está acontecendo
e se afastam.
Judite R: Não. Acontece não, quem é juremeiro mesmo acontece não
(sic). Cada juremeiro traz a ciência das entidades em si mesmo.
Fonte: Autor (2020)

A partir do ponto de vista dos entrevistados, constatou-se que a maioria


considera que poderá haver uma diminuição ainda maior que a percebida nosúltimos
anos, se não houver uma garantia para a livre prática da religião e uma preservação
da própria árvore jurema. Sem a garantia de que os indivíduos estão protegidos a
partir da iniciativa governamental para o livre exercício de sua religião,é possível que
a intolerância se intensifique e desestimule o surgimento de novos adeptos.

Quadro 16 - Referente à pergunta 16

16. Você considera a jurema sagrada, além de uma religião, um elemento da


cultura popular? Por quê? A jurema sagrada faz parte da identidade dos
cidadãos de Alhandra? Caso sim, em quais aspectos?
Nome Respostas
Johnny R: Sim. Tudo que é histórico, tudo que tem a ver com o índio,
Siriaco com culturas diferentes, é cultura. É cultura, é natural, é cultura
brasileira. Relata a ausência de políticas públicas em prol da
jurema. Sim, cidade de Alhandra já é intimamente ligada à jurema
sagrada e vice-versa.
José Lucas R: Com certeza. Posso citar os cânticos como a “a ema gemeu,
no tronco do juremá” que faz referência à árvore e também em
poemas nordestinos onde mostra a relação do vaqueiro que entra
na mata e se espeta nos espinhos da jurema, ela remete ao
47

sertão, faz parte da cultura. É fortíssima na identidade dos


alhandrenses. A estrutura de Alhandra foi erguida pelos
indígenas potiguás e arataquis que mostrou os benefícios da
jurema.
Edu R: Ela é uma cultura, a gente faz muita coisa com a jurema. Faz
parte da cultura mesmo que as pessoas não saibam.
Judite R: É cultura, é uma cultura da jurema, a jurema traz a ciranda,
traz o coco de roda. Faz parte de identidade, mas tem gente que
não quer nem saber. Não está morando em Alhandra? Sabe que
aqui é o berço da jurema.
Fonte: Autor (2020)

Dentro da percepção dos entrevistados relacionada ao conceito de cultura,


obteve-se uma totalidade no que diz respeito à religião como elemento da cultura do
município de Alhandra. A partir do que foi relatado nas entrevistas, percebe-se que há
no aspecto do inconsciente da coletividade alhandrense o reconhecimento da religião
como elemento cultural já inserido, que faz parte do cotidiano, da vivência dos
habitantes do município. Um panorama da realidade é demonstrado através de SILVA
JUNIOR (2011), onde expressa que:

Não podemos tomar os relatos de nossos entrevistados como meras


coincidências. O período informado por eles como intensificação da
presença e da evangelização católica, as décadas de 1975 e 1980,
também é o período do declínio do culto da jurema em Alhandra.
Analisamos então sendo este um dos fatores que contribuiu para o
crescente silenciamento e desvalorização da jurema no município de
Alhandra (SILVA JUNIOR, 2011, Pag. 67).

Historicamente sempre se conviveu, mesmo que de forma não tão pacífica,


com a prática da jurema sagrada. Ela está nos alicerces culturais do município e não
se dissocia devido ao fato da cidade ser o berço da religião.

Quadro 17 - Referente à pergunta 17

17. A sua convivência com a jurema sagrada pode ser considerada resultado
de uma tradição que foi passada de geração a geração? De que forma é feita
essa transmissão cultural? Existem obstáculos para que isso aconteça?
Caso sim, quais?
Nome Respostas
Johnny R: De uma família de 20 filhos, apenas 3 nasceram com o dom e o
Siriaco desenvolveram e viraram juremeiros. Os obstáculos sempre foram
o preconceito, a intolerância e o medo do convívio com
48

outras pessoas. Praticava-se uma espécie de bullying e usavam


expressões inerentes à religião de forma pejorativa como
catimbozeiro. Em vários momentos havia a necessidade de
aceitação, de se sentir acolhido no convívio como relata o mesmo,
o simples ato de ser escolhido no futebol era um sentimento que
lhe faltava. Foi necessário se aceitar como diferente e especial, e
por isso se aprofundou na religião e devolveu ao mundo algo
melhor e não o mesmo que recebeu. Considera que ser juremeiro
é compartilhar o dom e fazer o bem através da cura, ajudando os
necessitados. Mostra ao mundo que eles não são nada do que o
julgaram.
José Lucas R: Sim, passada de forma hereditária. Não houve obstáculo no
convívio familiar, mas houve no contexto social devido ao
preconceito, até mesmo na vida adulta, na vida profissional, devido
ao preconceito e trabalha como autônomo porque não consegue
emprego. O conhecimento e aperfeiçoamentoacontecem ainda na
infância com inclusão na ritualística, emalguns fundamentos, isso
gera o engajamento na tradição dareligião. Mas sempre com o livre
arbítrio.
Edu R: Sim, é passado de geração pra geração. No meu caso foi
passada a ciência da jurema. Quando deixei de ser crente, as
pessoas vinham me dar conselho, mas a minha opiniãoprevaleceu.

Judite R: Sim, de geração pra geração, minha avó trabalhava, ela dizia
que eu tinha o dom aos 3 anos e aos 7 anos eu me manifestei.
Passei por dificuldades porque eu sempre fui de falar e sempre
dizia que se viesse pra cima de mim eu mandaria um processo.
Fonte: Autor (2020)

Todos os entrevistados consideraram que a tradição cultural da jurema sagrada


sempre se deu de forma intergeracional, a partir dos seus antepassados familiares e
não familiares. Dentro do aspecto familiar sempre se tem um contato direto com a
prática e isso se torna muito relevante para que um indivíduo possa se tornar um
adepto e mesmo diante de todas as dificuldades enfrentadas pelo preconceito de ser
uma religião espírita, o fator familiar acaba fortificando a escolha diante dos abusos e
da intolerância.

Quadro 18 - Referente à pergunta 18

18. Como o(a) Sr.(a) avalia a religião jurema sagrada em Alhandra nos dias de
hoje?
Nome Respostas
Johnny R: Não se pode julgar porque todos têm as suas falhas. Inventam
Siriaco elementos que não existem, usufruem do nome da religião para
49

fazer comércio de elementos que pertencem ao ritual. Há também


a soberba e o sentimento de superioridade por parte de alguns. No
entanto, existem pessoas que são maravilhosas, mas muitos usam
de má fé, usando o nome da religião, vendendo, fazendo comércio.

José Lucas R: Avalio que ela perdeu muito de sua identidade, perdeu muito da
sua raiz, e mesmo com a chegada da umbanda na década de 80,
perdeu muito a sua força e muito de sua identidade, e euvejo,
hoje, a jurema de hoje muito enfraquecida, visto que só temos
quatro terreiros de jurema atualmente, terra conhecida
internacionalmente como a terra do catimbó, cidade com 20 mil
habitantes e só quatro terreiros.
Edu R: Não se unem pra fazer celebrações juntos e nem festividades
pra prestigiar a religião.
Judite R: O sistema está muito diferente não tinha um melhor que o outro,
tinha união, hoje não tem. A desunião dos juremeiros de Alhandra.

Fonte: Autor (2020)

Na avaliação dos juremeiros entrevistados é possível perceber que existe um


forte descontentamento com relação à união entre os mesmos. A unidade
representativa da religião é um fator ausente e que poderia ajudar bastante no
fortalecimento da tradição cultural da mesma, como também de suas reivindicações.
Há uma grande perda nos aspectos tradicionais da religião e que podem comprometer
a sua identidade. É importante salientar que é necessário que se revitalizem
elementos que fazem parte do seu fundamento, da sua ancestralidade.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para alcançar os objetivos desse trabalho foram entrevistados sacerdotes da


religião jurema sagrada. Através da análise interpretativa (MINAYO, 2009) e
comparativa das entrevistas, identificou-se que todos são residentes do município de
Alhandra, e que em sua maioria se tornaram juremeiros pelo fato de nascerem e
estarem inseridos em contato direto desde o nascimento e/ou na segunda infância,
logo, são indivíduos imersos na vivência e prática da cultura da religião, que tiveram
no dom e no espírito de manutenção da ancestralidade o fator de escolha. Observa-
se que a conversão religiosa também foi um elemento na formação de um dos
sacerdotes.
50

Podemos também constatar que os sacerdotes entrevistados se consideram


experientes na prática e na condução do ritual, mesmo sendo se tratando de uma
ritualística permeada de muitos elementos. Esse fato denota uma ligação religiosa
aprofundada pela vivência com a liturgia.

Na abordagem feita aos entrevistados também foi necessário identificar como


os mesmos enxergam a relação da religião com a tradição cultural da jurema, assim
como a sua transmissão da geração mais velha para as mais novas, seja essa
transmissão feita por familiares ou não. No contexto familiar o contato é mais intenso
e de vivência, sendo o dom como fator de maior influência para que o indivíduo
assuma a sua inclinação para a religião. Já o indivíduo sem histórico de inserção
familiar, necessitará do contato com a religião para converter-se, seja para assumir
funções dentro da jurema baseado no dom, ou pela conversão como praticante da
doutrina. A família tem papel muito importante como fator de atenuação às
hostilidades proferidas pela sociedade preconceituosa e intolerante.

Na busca das principais causas que levaram e ainda levam à supressão das
espécimes da árvore Mimosa tenuiflora (jurema-preta), conseguimos convergir
através das respostas das entrevistas, que as derrubadas são formas de atingir a
religião jurema sagrada, a real motivação são os aspectos de intolerância. O corteda
árvore é uma forma de atacar o elemento principal. É sem dúvida uma forma
direcionada, com o intuito de cercear através da ausência do elemento de referência
que justifica não só a denominação da religião, mas também a conexão espiritual.

Identificou-se, também, que em algumas áreas que foram desmatadas


acabaram dando lugar a outro tipo de vegetação. Obtiveram-se relatos de que há
áreas apenas cobertas de capim. Já em dois locais, um tornou-se apenas umterreno
abandonado e o outro é uma área privada onde foram plantadas árvores frutíferas.
Mas foi no plantio da cana que observamos o maior avanço de acordo com os relatos
das entrevistas.

A partir da fala dos entrevistados, não é possível concluir que o desmatamento


tenha como clara motivação apenas intolerância religiosa, no entanto, não se pode
desconsiderar a possibilidade que os responsáveis pelasderrubadas recorrerem ao
subterfugio de ocorrerem em virtude da necessidade de outras destinações para as
áreas, talvez um tipo obscuro de “unir o útil ao agradável” com o intuito de sufocar a
prática da religião jurema sagrada.
51

É importante salientar que os aspectos de intolerância sempre foram


vivenciados na sociedade, de forma mais intensa nos tempos antigos, mas inda está
presente nos dias atuais causando danos emocionais e de exclusão. Não é difícil ouvir
comentários de cunho pejorativo a respeito do povo de terreiro, relegando-os a
marginalidade e a subalternidade.

Não se pode fechar os olhos aos fatos, principalmente quando esses causam
dor nos indivíduos e agride o meio ambiente. O grande mal que acomete a
humanidade é acomodar-se em seu estado de ignorância. Os indivíduos muitas vezes
assumem na sua existência as condições de serem indiferentes, egoístas e perversos.
Essa condição é resultado de uma educação que não estimula a empatia e nem uma
relação de respeito com o meio ambiente. Tudo isso gera a intolerância e está
amalgamado com os padrões eurocêntricos que há muito põe os homens uns contra
os outros.

Observa-se o confronto dicotômico gerado pela epistemologia do Norte que


despreza e tenta tornar legítimas as violências imprimidas sobre o saberes que estão
“do outro lado” da linha abissal, pertencentes aos sujeitos do Sul Global. O
colonialismo presente nos dias atuais ainda define os padrões do comportamento
social que negam-se a emancipar-se e a oferecer no convívio social o respeito, de
elevar o saber que se encontra subalternizado ao patamar de igualdade que
promoverá a harmonia entre as diferenças.

Entretanto, o fato da derrubada dos espécimes de jurema preta, mesmo


sabendo de sua importância, o que ela representa para uma religião e principalmente
para cultura alhandrense, contatou-se que não há ou houve consultas públicas, ou
algo similar, que promova a participação dos juremeiros no processo decisório de
derrubada. Esse aspecto faz sugir nos juremeiros o sentimento de estarem relegados
à indiferença da sociedade e da administração pública. E dentre o sentimento de
marginalização, há também os diversos prejuízos psicossociais.

Os entrevistados deixam claro que a árvore jurema tem papel fundamental na


existência da própria religião, promovem a conexão espiritual, fornece os insumos e
tem o papel importante no bioma. Entretanto, obtivemos uma divisão em metade dos
entrevistados, que expressam que a ausência da árvore jurema impossibilita aprática
da religião. A outra metade que afirma ser possível a continuidade da religião
52

a partir de outros elementos que compõem o ritual da liturgia e através do dom


mediúnico. Como opinião embasada na percepção das respostas abertas do
questionário, surge a preocupação de um distanciamento do ritual tradicional e a
consequente perda de identidade do ritual originário.

Na busca de tentar entender como o ritual ainda é possível nos tempo atuais,
procurou-se saber se ainda há locais para se obter a jurema preta e obteve-se a
resposta de que são encontradas em alguns terrenos privados na tentativa de
preservação da mesma. O acesso a essas áreas para a obtenção das partes e rituais
próximos a elas, a maioria afirma que são acessíveis com a devida autorização. Entre
os entrevistados, foi constatado que um juremeiro possui uma espécime plantada em
sua casa e que o manuseio de extração de casca é feita apenas por ele.

Como análise final, através de uma opinião crítica dos próprios sacerdotes da
jurema sagrada, pedimos que os mesmos avaliassem a religião e os praticantes no
contexto atual e os mesmos afirmaram não existir uma união fortalecida entre os
membros e nem tão pouco entre os terreiros. O fortalecimento da união entre os
praticantes poderia representar o fortalecimento da tradição cultural, das lutas frente
à sociedade e diante dos representantes governamentais. Relataram também a perda
progressiva dos aspectos tradicionais da religião e a possível perda de identidade.

Sublinha-se que a educação ambiental e cultural é essencial como ação


político-pedagógica permanente para a reparação dos elementos sociais e culturais
sob ameaça. E é de fato perceptível que os aspectos do educar para a formação do
sujeito ecológico sempre estará atrelado aos paradigmas do conhecimento e cultura
como o cerne socioambiental na síntese do sujeito ecológico. Esses aspectos, o
ambiental e cultural, devem ser trados como irmãos siameses. Eles se fortalecem
quando focados da perspectiva dimensional dos espaços produzidos pela
religiosidade. É possível perceber que a cultura, mais uma vez, se apresenta
materializando-se em espaço em sua concepção dimensional.

A partir desses olhares, sempre sob as ópticas da educação cultural e


ambiental, que mais uma vez reafirmam-se indissociáveis, que se promoverá a tão
necessária restauração da religião jurema sagrada através da busca de reinserção
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dos seus elementos tradicionais históricos, de sua ancestralidade e dos elementos


ambientais representados na árvore jurema.

A voz dos praticantes da religião jurema sagrada, que hoje a veem sob ameaça,
precisa ser ouvida. Por esse motivo reforça-se a necessidade de que haja uma
representatividade junto às autoridades locais do município, possam compreender a
demanda urgente da religião jurema sagrada em Alhandra. Leis específicas
relacionadas à preservação da árvore jurema-preta precisam ser elaboradas para que
haja amparo legal e punibilidade. Políticas que promovam o replantio também são
imprescindíveis.

Na busca por tentar entender as causas que levam à escassez da árvore


jurema-preta (Mimosa tenuiflora), que representa a própria religião e dá a ela o seu
nome, foi possível trazer para a sociedade como se dão as relações humanas, que
ainda nos dias de hoje constatam a falta de respeito cultural e a intolerância religiosa.
Diante disso é necessário lançar um alerta de que precisamos nos empenhar em
promover na sociedade uma abordagem educacional que estimule a convivência
harmoniosa entre as diferenças culturais e as práticas religiosas que nelas estão
inseridas. No tocante ao meio ambiente, é possível identificar aspectos relacionados
que estão além de fatores climáticos, físicos e químicos, que também são afetados
pela devastação de matas, o aspecto humano e o vínculo que é criado.

Ao iniciar o trabalho, não imaginava que o universo em torno da árvore jurema


fosse tão vasto e rico. Percebi que há uma vastidão de aspectos relacionados, no
entanto, gostaria de me aprofundar na visão do não praticante da religião jurema
sagrada no município de Alhandra, tentar compreender a construção do
comportamento de intolerância em torno da religião e dos praticantes. Acredito que
um estudo com essa abordagem seria de suma importância para elaborar uma
estratégia de educação cultural e ambiental. Quem sabe não serão os meus próximos
passos?
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