Cult Foucault
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CUL
ANO2 RS 9,90 www.revis
ENTREVISTAS
Júlio Medaglia
e René Girard
DOSSIE
A HERANÇA DE
Michel FOCO
O homem um dia desaparecerá como
um rosto de areia na orla do mar
a
pubhCaÇ
30 SF
REVIS
raçaSantoAgostinh -
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SãoPaulo
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3385-33R5
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sugostós;
redacao@revistaCu(ofn
EspaçoRevistaCULT
e
Matérlas Editoraa
Editora
Bregantini 1 2
1974
publicação do primeiro volume da na PUC do Rio de Janeiro e publicadas em
vontade de saber", em 1976, provocou sistir a uma confrontação direta de Foucault com
um frisson entre os psicanalistas. Neste a psicanálise. Naquela ocasião, ao final do ciclo,
Foucault e, principalmente, o psicanalista Hélio
ivro, ao contrário dos anteriores, Foucault dirigia
à psicanálise uma severa crítica, ao inscrevë-la na Pelegrino discutiram propósito
a questão do
da
história da confissão crist e na engrenagem dos Edipo e Foucault criticava a psicanálise toman-
do partido, explicitamente, tanto dos helenistas
mecanismos do biopoder. Não que nos livros an-
franceses da escola de Jean-Pierre Vernant, quan-
teriores a psicanáliseaparecesse isenta de críticas.
Ao contrário. Entretanto, essas críticas eram sem- to de Deleuze e Guatarri, que haviam publica-
também por diversos do há pouco o Anti-Edipo. Sua perspectiva, di-
pre matizadas, nuançadas
zia Foucault, não levava em consideração nem
elogios. O ponto alto desses elogios tinha sido, a questão do "mito", muito menos a da "inter-
sem dúvida, o último capítulo de As palavrase
as coisas (1966), quando Foucault
considerava a pretação. Tratava-se, simplesmente, de analisar
psicanálise como uma contraciência que questio- um texto, o da tragédia de Sófocles, no que dizia
de um saber "cien- respeito às práticas juríidicas e sua relação com
nava, radicalmente, o projeto
tífico" sobre o homem, que havia sido paciente- a verdade. As vezes, éé indisfarçável a impaciên-
mente gestado desde o final do século 18. cia de Foucault: "Repito que não sou psicanalis-
Da polêmica a propósito da História da sexu- ta mas surpreendo-me quando ouço dizer que a
alidade, o leitor brasileiro passa a tomar conhe psicanálise é a destruição das relações de poder",
cimento com a publicação de "Sobre a História diz ele a Hélio Pelegrino. Apresentando-se como
da sexualidade", discussão de Foucault com os "historiador", Foucault afirma encarar a psica-
lacanianos da revista Ornicar?, publicada na edi- nálise como um "fenômeno cultural" de "real
ção de julho de 1977 da revista e incluída na co importância no mundo ocidental", mas de modo
letânea Microfísica do poder, publicada no Brasil algum a considera uma confrontação com as rela-
em 1979. Não se tratava, é bom que se diga, de çöes de poder (como queria Pelegrino, pensando
quaisquer "lacanianos", mas daqueles que, em certamente no contexto da ditadura brasileira),
torno de Jacques-Alain Miller, assumiamo lu- mas, ao contrario, se dirigia para os processos de
gar de defensores da "ortodoxia" lacaniana e os normalização. Há um "esforço", acrescenta um
mais dignos representantes do mestre. Entretanto, benevolente Foucault, no sentido de destruir as
o público brasileiro que compareceu ao famoso relações de poder no interior da psicanálise, mas
ciclo de conferéncias intitulado "A verdade e as IssO não seria suficiente para pensá-la como uma
formas juridicas", proferidas em maio de 1973 ciencia que questiona o poder".
48 cULr n'134 .
DOSSIE
da discussão Oca num tema que será a tönica impasses e tensóes que
cercaram a fran
hlosofia
Merleau-Ponty, Lévi-Strauss e
0s anos cesa do pós-guerra.
os
ca subsequentes,
mplicação da psiSIcanálise qual seja,
com a biopolitica, a
a
Heidegger, por exemplo,
eram leituras exemplares
Mas psanal.
uto
lado,
do nconsciente cono lnguagem
encontrou em
e acolhda.
ac.an toi,
Birman trazia a tor1a, Foucault reconhecnento
CUA ai4
49
DOSSIE MICHEL FOUCAULT
mecanismos do biopoder
dos
"psi" na engrenagem
Foucault inscrevia as disciplinas
Sanatorio abandonado em Denbigh (Reino Unido).
propósito do biopoder
e
em diversos momentos, um
colocar na ordem do dia as
portanto,
batido: para justih- da biopolítica vão
também foio inimigo a ser
abertas por Foucault
naspáginas hnais
crítica de Foucault, em questões
basta lembrar a no panorama
car isso, entre lei de "A vontade de saber". Assim,
"A vontade de saber", às imbricações entre Foucault e a
atual, a questão das relações
e desejo expressão da concepção jurídica
como diretamente associadas,
de vista, também aqui psicanálise passam a ser
de poder. Do meu ponto à do cuidado de si e, por
livro ainda vis- por um lado, questão
Foucault se afasta do Anti-Edipo, cuidado de
à da biopolítica. Psicanálise e
ceralmente à questão do desejo; o livro
ligado
outro,
constituir
uma si, psicanálise e biopolíticapassam a se
torna-se agora
festejado alguns anos antes, no problema a ser estudado
e enfrentado. Até
sem, entretanto,
espécie de reverso da psicanálise, onde sei, em que pese o considerável
número de
ordem das coisas. Trata-
alterar radicalmente a um livro
ainda de... desejo. Na "Introdução"
artigos e de teses a respeito, há apenas
se sempre e
da publicado sobre o assunto: de Marcus Teshainer
o segundo volume
dos Prazeres",
a O uso
(2006). Entretanto, muitos psicanalistas e pes-
Foucault dirá que não
História da sexualidade,
pelo desejo, nem pelo sujeito quisadores em psicanálise tëm-se pronunciado a
se interessa nem
interesse é histórico e essas pre- respeito da questo com bastante veemëncia e,
do desejo. Seu neste diapasão, a psicanálise, em especial na sua
Ocupações, sob a égidedo desejo, estão fora do
versão lacaniana, aparece diretamente vinculada
campo histórico.
dos anos 1990, ao "cuidado de si". Lacan é invocado, muitas
A publicação a partir do final vezes e de forma paradoxal, como uma espécie
dos cursos de Foucault no Collège de France mu-
so "Hermenêutica do Sujeito" de 1981-1982, pu- bastante tempo, a relação entre psicanálise e po-
blicado no Brasil em 2004, passa a ser lido e der. De todo modo, trata-se de um tema e de uma
comentado exaustivamente. O Foucault "filósofo questão em aberto, com muitos outros ângulos
do poder" torna-se o "ilósofo do cuidado de si. e perspectivas à espera do paciente trabalho de
Ao mesmo tempo, as análises do filósofo italia- investigação. G
50 CULT n'134
DOSSIE MICHELI0UCAUIT
Pensar a educação
depois de Foucault
a sociedade
A passagem da sociedade disciplinar para
atuais mudanças
de controle permite entender as
da instituição escolar
MARIA RITA DE AssIs CÉSAR
de
O processo de disciplinarização dos corpos
epois das análises de Michel Foucault,
a
D
encontra no centro das preoo-
Ccola nunca mais foi a mesma, A par- crianças e jovens se
de Vigiar e punir. Ela ocorreu em locais
tir da história genealógica, a educação cupações
na sua modalidade escolarizada passou arquitetonicamente preparados para aquele fim,
isto é, locais cercados, quadriculados, com uma
a ser considerada maquinaria destinada a discipli-
nar corp0s cm açáo, Em Vigiar e punir, Foucault disposição espacial estudada e um mobiliário es-
decreveu vários processos de disciplinarização pecialmente desenhado, sem falar na presença de
dos corpo5 em diferentes instituiçöes, como co- especialistas preparados para a aplicação de exer-
quartéis, cícios para a mente e para o corpo. O nascimento
légios, fábricas, oficinas, conventos e
demonstrando que a principal característica de da chamada escola disciplinar se deu em um pe-
tais instituiçoes é a disciplina corporal.
Dentre to- ríodo de intensas modificações nas estruturas de
das as instituiçóes disciplinares, a cscola possui a poder, as quais deram origem ao aparato social e
maior abrangéncia, pois é nela que os indivíduos político que Foucault denominou "sociedade dis-
passam a maior parte da sua formação,
até que ciplinar". Em uma palavra, a genealogia foucaul-
cstejam prontos para a vida adulta, Por sua vez, tiana nos ofereceu um importante modelo teórico
a diciplina no interiuor da instituição educacional
para entender o surgimento não apenas da escola
nao se restringe ao corpo, pois ali também ocor- moderna, mas também da prisão, do hospital, do
re a submissáo dos conhecimentos à disciplina hospital psiquiátrico e da fábrica, instituições por
institucional, isto é, a cscolarização dos saberes. excelência da modernidade.
Ela consistiu numa operaão histórica de orga- Em um conjunto de conferências
nização, cassificação, depuraão e censura dos
proferidas
no Rio de
Janeiro em 1973, posteriormente pu-
conhecimentos, de modo que a operaçâo mora- blicadas com o título de As verdades e as formas
linadora náo atingiu só os corpos, mas também juridicas, Foucault empreendeu uma abordagem
n práprios conhecimentos a serem ensinados. A muito particular sobre o poder, tema sobre o qual
ewola diciplinar nåo distingue entre corpo e co- vinha desenvolvendo investigações desde sua aula
nhecimento, praticando a moraliza_ão de ambos inaugural no Collèege de France, em 1970. Nestas
na medida em que seu objetivo é a produçäo do conferências, Foucault demonstrou as transfor-
sujeito sujeitado. maçöes das relações de poder que deram origem
54 4w34
DOSSIE
Normal e anormal
O processo de
mecanismos de
disciplinarização corresponde aos
SOs de
normatização, isto e, aos proces-
nominação e separação entre o individuo
normal 'anormal'. Esse processo de
e o
sepa
ação é fundamental em se tratando da produ-
sao do sujeito moderno, o sujeito normalizado.
lodos os
ho
procedimentos disciplinares presentes
interior da
instituição escolar, da
40S
cadernos de classe, dos exercíciosarquitetura
fisicos a0s
ames, concorrem
Ormalizado. Para Foucault,produção
para a do sujeito
a
instiruição escolar
O1 lugar privilegiado das medidas
entares destinadas a garantir a saúde higiènicas e
fisicae
ral de jovens e crianças. Instituição
ola constituiu como local
se disciplinar,
aão exaustiva de
privilegiado da
GOes e exercícios, exames, puni
recompensas centradas no corpo intantil.
das As
leis de
obrigatoriedade escolar na Europa
ültimas décadas
19 tinham como do século 18
e
primeiras do
objetivo capturar as crianças das
cando-lColocá-las
hes em um ambiente cerrado,
exercicios disciplinares que visavaapli
des
açãous corpos e almas.
foi a A
contrapartida
diata
eapavam àquela rededehnição
como
das crianças
Mt
Eno Lompldesordem
eto con social. Assim
a
potencials
estabeleceu se
cau-
almasanormal, na yjusta
rrepartia
mfância entre nor
na
a
das
cranças erammed1dacapturados
que em 0s Co A escola primaria torma de captura da ut.ane ia
como e como
institn ho
captur
egover- que divide a propria unfancia entre normal
e anomal
DOSSIË MICHEL FOUCAULT
56 CULT n 3 4