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Anemia: conceito e etiologia

A anemia, importante indicador de saúde, é uma condição em que a quantidade de

células vermelhas (e consequentemente sua capacidade de transporte de oxigênio) é

insuficiente para atender a necessidades corporais. Tais necessidades fisiológicas são

específicas e variam de acordo com idade, sexo, altitude, comportamento tabagista e

diferentes estágios da gravidez (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2011).

Do ponto de vista epidemiológico, a causa mais frequente de anemia parece ser de

origem nutricional. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2001). A deficiência de ferro é

considerada a causa mais comum de anemia em nível global, mas outros fatores e deficiências

nutricionais (incluindo as de folato, vitamina B12 e vitamina A) agudas e crônicas, inflamação,

infecções parasitárias e distúrbios hereditários ou adquiridos que afete a síntese de

hemoglobina, a produção e/ou sobrevivência de glóbulos vermelhos podem causar anemia

(WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2011).

A anemia poderia ainda estar relacionada ao consumo excessivo de fitatos, oxalatos e

taninos, substâncias que, em demasia na alimentação, podem reduzir a biodisponibilidade de

minerais como o ferro (SILVA; SILVA, 1999) e de compostos fenólicos, presentes em alguns

chás, cacau e café (LEMOS et al., 2015). Embora, o próprio processamento, por trituração,

cozimento ou outras formas de preparo alimentar, costuma eliminá-los parcial ou totalmente

(BENEVIDES et al., 2011). Outros tipos mais raros de anemias nutricionais poderiam ser

causados pela deficiência de piridoxina, riboflavina e proteína (OSÓRIO, 2002).

A real distribuição etiológica das anemias nas diferentes populações não é conhecida e

alguns dados da literatura não coincidem com as estimativas da Organização Mundial da

Saúde – OMS (BATISTA FILHO; SOUZA; BRESANI, 2008). Uma revisão sistemática com

meta-análise de efeitos aleatórios, com dados de 23 pesquisas nacionais representativas que

relataram a prevalência de deficiência de ferro, anemia ferropriva e anemia foram agrupadas,

e estimou, entre crianças pré-escolares, a proporção de anemia atribuível à deficiência de ferro

em 25,0% (IC95%: 18,0 - 32,0) (PETRY et al., 2016).

Essa proporção foi menor em países onde a prevalência de anemia era superior a

40,0%, especialmente nas populações rurais e em países com exposição muito elevada à
processos inflamatórios, todavia, informam existir grande heterogeneidade das suas análises

indicando que as estratégias e programas de redução da anemia devem basear-se em uma

análise de dados específicos do país, uma vez que a deficiência de ferro pode não ser sempre

o principal determinante da anemia (PETRY et al., 2016). Já a World Health Organization

(WHO) estimou que, em nível mundial, 42% (38% - 46%) das anemias em crianças de 6 a 59

meses são modificáveis pela suplementação de ferro, sendo possível que seja 56% (48% -

63%) nas Américas, na mesma faixa etária (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015).

Buscando sobre prevalência de formas menos comuns de anemia, identificou-se uma

revisão sobre hemoglobinopatias no Brasil da década de 1980, que indica os distúrbios

representados por HbS, HbC (de origem africana) e ß-talassemia (introduzido

predominantemente por imigrantes italianos) como os mais frequentes (ZAGO, 1986). Um

estudo de hemoglobinas anormais entre habitantes do Brasil utilizando amostras de 55.217

indivíduos provenientes de centros de saúde, escolas e bancos de sangue de 40 cidades, no

período de 1978 a 1985, detectou hemoglobinas anormais em 3,08% dos indivíduos estudados

(NAOUM et al., 1987).

Estudos mais recentes identificaram a prevalência das hemoglobinopatias no Estado de

Santa Catarina, na cidade de Natal, no Distrito Federal e em Fortaleza no Ceará, as quais

foram respectivamente, 1,0%, 1,91%, 3,23% e 4,1% (ARAÚJO et al., 2004; BACKES et al.,

2005; DINIZ et al., 2009; PINHEIRO et al., 2006). A prevalência de anemia hereditária, por

talassemias e hemoglobinas variantes, em Goiás foi de 10,1%, porém, com nenhum caso de

homozigose encontrado (MELO-REIS et al., 2006).

Analisando dados de pacientes com anemia não ferropriva, verificou-se que 63,8%

destes eram portadores de alguma forma de anemia hereditária; no grupo de controles foram

14,1% (WAGNER et al., 2005). Constituindo um grupo de doenças raras no Brasil a

incidência de anemia aplástica era de 2,7 casos/milhão de habitantes/ano, com mínima

variação entre as diferentes regiões (HAMERSCHLAK et al., 2005).

2.2 Epidemiologia

A prevalência global estimada de anemia para crianças em idade pré-escolar é de


42,6% (37,7% – 47,4%), o que classificar-se-ia como de grave severidade e a concentração de

hemoglobina na mesma faixa etária 11,1 g/dL (11,0 – 11,3). Para 2011 as Américas, essa

prevalência foi estimada em 22,3% (17,7% – 27,9%), indicando um problema de saúde

pública de moderada magnitude social para a região (WORLD HEALTH ORGANIZATION,

2015).

As concentrações médias de hemoglobina no sangue e as prevalências de anemia

variaram entre as regiões e os países (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015). O nível

do problema em saúde pública para crianças pré-escolares está ilustrado no mapa a seguir.

Figura 1 – Estimativa global da prevalência de anemia em crianças com idade entre 6 e 59

meses, 2011.

2.3 Diagnóstico populacional

Sobre o diagnóstico na anemia, em análise histórica realizada por Lira e Ferreira sobre

anemia ferropriva (KAC; SICHIERI; GIGANTE, 2007), há a descrição sobre a administração

médica, na antiga Grécia, de água potável ou vinho, no qual uma espada tivesse sido

enferrujada, para tratar pacientes com palidez acentuada, mas apenas no ano de 1916, foi

desenvolvido um método espectométrico para medir em escala populacional a concentração

de hemoglobina.

O diagnóstico clínico em associação ao laboratorial, a saber: anamnese detalhada

(atenção especial aos aspectos dietéticos, história perinatal, perda de sangue, distúrbios

gastrointestinais, transtorno ou síndrome de pica, origem geográfica e uso de suplemento de

ferro); exame físico completo; e análises laboratoriais (hemograma com reticulócitos e índices

hematimétricos, ferremia, capacidade total de saturação de ferro, porcentagem de saturação e

ferritina sérica) é mais completo de diagnóstico da anemia ferropriva e deficiência de ferro

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014; SOCIEDAD ARGENTINA DE PEDIATRÍA, 2017).

A combinação de diferentes métodos diagnósticos seria ideal para avaliar a

prevalência de anemia numa população, como também suas causas orgânicas. Como exemplo,

podemos citar um trabalho realizado no ano de 2004 no estado de Pernambuco - Brasil, com

uma amostra de 301 crianças entre seis e 30 meses de idade, usuárias de creches públicas de

Recife, o qual, usou uma combinação de diferentes parâmetros hematológicos e bioquímicos,


e considerando a combinação da concentração de hemoglobina, ferritina e do receptor de

transferrina, verificou que 34,2% dos investigados apresentavam anemia sem deficiência de

20

ferro, o que revelou a necessidade de serem identificados outros determinantes de anemia

além do déficit desse mineral (CARVALHO et al., 2010).

Entretanto, o hemograma é o exame de sangue mais usado mundialmente na clínica

médica. E a dosagem da hemoglobina (Hb) o mais utilizado em escala populacional para o

diagnóstico de anemia, pois apesar da baixa especificidade, é o que melhor se presta para o

conhecimento das anemias nas populações (KAC et al., 2007).

A concentração média de Hb dos eritrócitos é medida indiretamente por dispositivos

contadores de Hb e está classicamente reduzida na deficiência de ferro (ÖZDEMIR, 2015).

Apesar da concentração isolada de Hb não diagnosticar tal deficiência. Quando usada em

associação com outras medidas de status de ferro, a concentração de Hb pode fornecer

informações sobre a gravidade da sua falta (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2011).

Além do exposto, o uso de fatores de correção adaptados à altitude é considerado

fundamental para evitar um diagnóstico errôneo (ROBALINO FLORES et al., 2017). Assim,

a anemia pode ser classificada de acordo com sua severidade em leve, moderada e severa, e

diagnosticada por meio da dosagem de hemoglobina (Hb), a nível do mar, conforme quadro

abaixo:

Por outro lado, em algumas localidades, a sazonalidade pode ser uma questão. Um

estudo brasileiro com amostra de 120 crianças e adolescentes de idade escolar, residentes em

comunidades ribeirinhas de Porto Velho – Rondônia, analisou hematócrito, hemoglobina,

ferritina, ferro sérico, contagem total de glóbulos brancos, linfócitos, eosinófilos, proteína C-

reativa e níveis de imunoglobulina E nas estações seca e chuvosa e verificaram que os

parâmetros hematológicos da série de glóbulos vermelhos e a homeostase do ferro tiveram

variação sazonal. A prevalência de deficiência de ferro foi menor (9,2%) na estação chuvosa e

maior (25,8%) na estação seca, período no qual se observa um aumento nos poluentesatmosféricos
derivados dos incêndios na região pesquisada (RODRIGUES; IGNOTTI;

HACON, 2017).
Em relação ao método de escolha para o diagnóstico em nível populacional ou fora do

ambiente laboratorial, uma revisão sistemática para avaliar a precisão da Escala de Cor de

Hemoglobina da OMS (um método quantitativo simples e barato para avaliar a concentração

de hemoglobina fora do laboratório), verificou que a combinação da avaliação clínica

associada com esse método pode resultar em maior sensibilidade, o que pode reduzir

significativamente os diagnósticos errados de anemia quando em comparação com a avaliação

clínica isolada (MARN; CRITCHLEY, 2016).

Entretanto, uma revisão restrita aos estudos publicados com crianças menores de cinco

anos de idade no Brasil entre 1989 e 2005 (JORDÃO; BERNARDI; BARROS FILHO, 2009)

identificou que 52,5% (n=28) dos artigos analisados, cujos locais de coleta eram creche,

Unidade Básica de Saúde, escola, hospital ou visita domiciliar, utilizaram HemoCue como

método diagnóstico da anemia. Os dispositivos portáteis contadores de Hb são uma opção

precisa, rápida e segura para a estimativa de hemoglobina (PARKER et al., 2018; SANCHIS-

GOMAR et al., 2013) e apesar de algumas limitações podem classificar corretamente o estado

anêmico dos pacientes em 80% ou mais de casos (PARKER et al., 2018).

Em relação a interpretação dos resultados obtidos para a identificação de saúde em

uma população, prevalências de anemia superiores a 5% indicam um problema de saúde

pública, assim, encontram-se dispostas no quadro abaixo as categorias de significância da

anemia como problema em nível populacional (WORLD HEALTH ORGANIZATION,

2011).

2.4 Fatores associados à anemia em crianças

Diferente do que ocorre com a desnutrição proteico-energética (DEP), com as doenças

diarreicas e com as parasitoses intestinais, a anemia se apresenta em níveis significantes,inclusive entre


famílias com melhores condições financeiras, o que assinala a necessidade de

estudos mais apurados sobre frequência, distribuição e determinantes do problema

(SZARFARC, 2010).

Artigo de revisão sobre determinantes da anemia em crianças publicado em 2002

expõe um modelo hierárquico dos fatores determinantes da anemia como pode ser visualizado
na Figura a seguir, o qual é composto por condições socioeconômicas como grupo de

variáveis as quais guardam relação com características favoráveis ao agravamento da carência

de ferro, seja por uma alimentação inadequada, precariedade de saneamento ambiental ou por

outros indicadores, direta ou indiretamente (OSÓRIO, 2002).

A falta de saneamento adequado impacta na contaminação por parasitoses, as quais

apresentam prevalências diversas a depender da região e condição de moradia e convivência

dos indivíduos pesquisados. Em crianças de 2 e 5 anos acompanhadas pela Unidade de Saúde

da Família da Pirajá, em Belém-PA, se observou que 49,1% estava infectada por pelo menos

um enteroparasita, destacando-se a Giardia lamblia e o Ascaris lumbricoides (DIAS et al.,

2017). Em Alagoas, 67,1% das crianças menores de cinco anos, do povo Karapotó em São

Sebastião apresentavam parasitoses (CAMPOS et al., 2016).

A fim de verificar a prevalência de enteroparasitoses em crianças de 1 a 3 anos de

creches de Santo Ângelo no Rio Grande do Sul, foram coletadas 51 amostras de fezes,

registrando uma prevalência de parasitoses de 18%, sendo 16% referentes às creches públicas

e 2% às creches particulares. Os parasitas encontrados foram Endolimax nana (67%), Giardia

lamblia (22%) e Trichuris trichiura (11%) (ANTUNES; LIBARDONI, 2017).

Figura 1 - Modelo hierárquico dos fatores determinantes da anemial

O consumo de sangue por parasitos que vivem no intestino delgado presos à mucosa e

perdas consideráveis de sangue nas fezes, verificadas nestas infecções, podem explicar a

ocorrência de anemia. A espoliação do organismo pode resultar em anemia, em indivíduos

com ingestão inadequada ou com elevadas necessidades fisiológicas, todavia, pode ainda

depender da intensidade da infecção, de fatores nutricionais específicos do grupo estudado e

das reservas de ferro do hospedeiro (ALBONJCO et al., 1998; BROOKER; BETHONY;

HOTEZ, 2004; LOUKAS; CONSTANT; BETHONY, 2005; STEPHENSON; LATHAM;

OTTESEN, 2000; STOLTZFUS et al., 1997).

Mecanismos imunológicos e sintomas gastrointestinais, como anorexia, dor

abdominal, febre, diarreia e vômitos podem ocasionar perda de apetite, prejuízo de absorção e

utilização de nutrientes causando anemia, como ocorre com os helmintos intestinais A.

lumbricoides, T. trichiura e parasitos da família Ancylostomidae (STEPHENSON et al.,


2000). Já a malária, fortemente associada à anemia grave em regiões de transmissão sazonal,

não o é em áreas em que a parasitose é holoendêmica, apresentando mecanismo diverso

(CALIS et al., 2008).

Em pesquisa realizada na área urbana de dois municípios do Acre, foram identificados

a presença de Ancylostoma duodenale (0,4%), Ascaris lumbricoides (3,3%), Strongyloides

stercoralis (0,2%) e Trichuris trichura (1,8%) em crianças de 6 a 60 meses, e essa infestação

por geohelmintos conferiu risco para anemia, anemia ferropriva e deficiência de ferro sem

anemia (CASTRO et al., 2011). Já em uma favela da periferia de Maceió - Alagoas, onde

96,4% das crianças eram anêmicas, quase todas, apresentaram pelo menos um tipo de parasita

(83,2%), destas, 50,9% eram poliparasitadas (FERREIRA et al., 2002). Estudo realizado em

creches filantrópicas de Salvador, Bahia, cuja prevalência de anemia foi inferior a 4,0% onde,

apesar de receberem tratamento antiparasitário tiveram 29,2% das amostras com ao menos um

tipo de parasita, não observou associação das infecções parasitárias com anemia, entretanto,

com o status de vitamina B12 sim (LANDER et al., 2014).

Considerando a relação sinérgica entre anemia e parasitoses foi estimado que a

prevalência da anemia poderia ser diminuída em cerca de 25%, a anemia por deficiência de

ferro em 35% e a forma grave da anemia em 73%, se a infecção por estes helmintos fosse

erradicada (STOLTZFUS et al., 1997).

Uma pesquisa com menores de 10 anos de idade pertencentes às famílias cadastradas

em uma Estratégia Saúde da Família de Viçosa-MG, objetivou avaliar aspectos

socioeconômicos e culturais relacionados à parasitoses e identificou-se que 45,1% dascrianças nunca


realizaram tratamento para verminoses; além disso, 75,5% das crianças tem o

hábito de andar descalços, 25,5% afirmaram que a família lava as mãos às vezes, 32,3% das

crianças também lavam as mãos às vezes antes das refeições e 51,0% possuíam animais em

casa (SILVA et al., 2017).

Além da educação em saúde, importante para melhoria das condições individuais de

higiene e, também comunitárias, o uso periódico de antiparasitários para as enteroparasitoses

mais prevalentes é recomendado. No desconhecimento sobre os tipos de parasitas mais

prevalentes, seria indicado um fármaco de amplo espectro (SOCIEDADE BRASILEIRA DE


MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE, 2009).

Os dados acima sobre parasitoses demonstram a importância do controle e do

tratamento das doenças infecciosas e parasitárias na prevenção da anemia (OSÓRIO, 2002).

Assim há a necessidade de medidas que modifiquem os hábitos de higiene que possam levar a

contaminações por parasitos (SILVA et al., 2017) associadas ao saneamento ambiental.

Parte das condições socioeconômicas indicadas como fator determinante da anemia

estão: residir em área rural, pela dificuldade de acesso a alimentos ricos em ferro e vitamina

C, assim como desmame precoce; menor renda, quando a criança tem até dois anos de idade;

menor escolaridade materna, por repercutir em piores trabalhos e menor renda, além de

dificuldade de acesso a alimentos e práticas inadequadas relacionadas aos cuidados com a

criança; e maior número de crianças na residência, o que além de aumentar a demanda por

alimentos, diminui os cuidados de saúde e alimentação oferecidos à criança (OSÓRIO, 2002).

Uma dieta inadequada em ferro e, especialmente, de baixa biodisponibilidade do

mineral, constituem fator importante no risco de anemia, haja vista que a partir dos seis meses

de vida, a criança se torna mais dependente da alimentação (cerca de 30%) para atingir suas

necessidades orgânicas de ferro, diferente do adulto, o qual consegue reciclar 95% do ferro

requerido a partir da lise de suas próprias células vermelhas (OSÓRIO, 2002).

A biodisponibilidade trata do aproveitamento do nutriente pelo organismo, o ferro

pode ser classificado em ferro heme (que é melhor absorvido e menos afetado pelos demais

componentes da refeição e presente em produtos de origem animal) e o ferro não heme,

presente em produtos de origem vegetal e cuja absorção do ferro é estimulada por alimentos

ricos em vitamina C, vitamina A e hortaliças (BRASIL, 2013).

Zinco, cobre, cobalto, níquel, cádmio, manganês e cálcio são minerais considerados

inibidores ou competidores no processo da absorção de ferro não-heme, o fitato ou ácido

fítico, encontrados em cereais integrais, fibras e feijões, e o ácido oxálico, encontrado no

espinafre, na beterraba e em algumas leguminosas, também inibem a absorção de ferro.

Oscompostos fenólicos (flavonoides, ácidos fenólicos, polifenóis e taninos), reconhecidos

atualmente por apresentar diversas atividades biológicas como antimicrobianos, antifúngicos,

antiparasitários, anti-inflamatórios, anticâncer ou antioxidantes (GOUVINHAS et al., 2017;


GUTIÉRREZ-GRIJALVA et al., 2017; KUMAR, 2017; MALMIR et al., 2018; RAIOLA et

al., 2017), em excesso, podem reduzir a biodisponibilidade do ferro e estão presentes

principalmente nos chás, preto e mate, no café, em alguns refrigerantes, no chocolate, no

vinho tinto e, em menor proporção, em alguns vegetais e leguminosas (GERMANO;

CANNIATTI-BRAZACA, 2002; SILVA; SILVA, 1999).

As leguminosas, do qual o feijão comum faz parte, podem ser fonte de minerais, mas

também de fatores antinutricionais que podem afetar a absorção desses elementos. As

lentilhas têm um alto teor de ferro, mas sua biodisponibilidade é muito inferior à do ferro de

grãos brancos e grão-de-bico. Os feijões brancos apresentam os maiores teores de cálcio e

ferro biodisponíveis (SAHUQUILLO; BARBERA; FARRE, 2003). Contudo, técnicas de

processamento adequadas, como o remolho, podem melhorar a biodisponibilidade in vitro de

ferro (BARAKOTI; BAINS, 2007).

Por outro lado, há três principais táticas de intervenção nutricional para encarar a

deficiência de ferro preconizadas por organismos internacionais que são: a mudança nos

hábitos alimentares, o enriquecimento de alimentos com o mineral e a suplementação

medicamentosa de sais de ferro, as quais são indicadas há mais de 60 anos (KAC et al., 2007).

Como nem sempre se alcança a recomendação de todos os micronutrientes apenas com

alimentação em algumas faixas etárias (LANDER et al., 2014), os programas de

suplementação de micronutrientes tem sua importância na prevenção de deficiências

nutricionais, que, atuando como assistência à saúde em associação ao adequado consumo

alimentar, propiciam estado nutricional mais favorável.

Há mais de 10 anos encontra-se implantado no Brasil o Programa Nacional de

Suplementação de Ferro (PNSF), criado por meio da Portaria nº 730, de 13 de maio de 2005

do Ministério da Saúde e desde 2013, o PNSF consiste, para crianças de 6 a 24 meses, na

suplementação profilática com 1mg de ferro elementar/kg de peso/dia seguindo as

recomendações oficiais da Organização Mundial da Saúde e da Sociedade Brasileira de

Pediatria, para prevenção e controle da deficiência de ferro; além disso, os responsáveis pelas

crianças atendidas devem ser orientados acerca de uma alimentação saudável e sobre a

importância do consumo de alimentos ricos em ferro, incluindo informações sobre alimentos


facilitadores ou dificultadores da absorção do mineral, com vistas à prevenção da anemia por

tal deficiência (BRASIL, 2005;2013).

Em suplementações, ao adicionar outros micronutrientes ao ferro (MICHELAZZO et

al., 2013; PEDRAZA, 2014) ou, até mesmo, ao se utilizar apenas o micronutriente deficiente,

pode se obter melhores resultados (LOPES et al., 2006), como demonstrou estudo na

Indonésia, no qual houve excelentes resultados na elevação da concentração da hemoglobina

(Hb) de gestantes com o emprego de vitamina A associada ao ferro (SUHARNO et al., 1993)

e estudo transversal com crianças pré-escolares do Estado da Paraíba que analisou as

concentrações médias de hemoglobina, retinol sérico e zinco sérico, de acordo com a

suplementação prévia com vitamina A, onde a prevalência de anemia associada à deficiência

de vitamina A foi de 5,8% (PEDRAZA; SALES, 2014), e mais recentemente, em uma revisão

da literatura realizada para estimar o efeito da suplementação de vitamina A em

biomarcadores de estado de ferro e anemia em seres humanos (CUNHA; HANKINS;

ARRUDA, 2018).

Na região semi-árida de Alagoas em 2007, a prevalência de hipovitaminose A em

crianças menores de cinco anos foi 45,4% (VASCONCELOS; FERREIRA, 2009). A

cobertura dos programas de suplementação de ferro e/ou vitamina A geralmente está abaixo

da recomendada pelo Ministério da Saúde ou sofrem com períodos de aumento do número de

indivíduos assistidos alternados com período de redução (ALMEIDA et al., 2010; SILVA et

al., 2014). Em Alagoas, uma dissertação (CALHEIROS, 2017) verificou-se com dados do II

Diagnóstico de Saúde da População Materno Infantil do Estado de Alagoas, que, tanto a

cobertura do PNSF (número de crianças que receberam sulfato ferroso nos últimos três meses;

20,5%), quanto a taxa de adesão ao uso do suplemento (aqueles que tendo recebido, estavam

fazendo uso; 47,9%), foram baixas, e menores que as registradas na base de dados do sistema

de informação do Ministério da Saúde sobre o Programa.

Quanto a estratégia de enriquecimento das farinhas do país, após o enriquecimento das

farinhas com ácido fólico, apesar redução verificada (cerca de 30%) na prevalência de

doenças do tubo neural em bebês, nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Não reduziu a

prevalência da anemia no Brasil, apesar de impacto positivo nos níveis de ferritina (BAGNI et
al., 2009). Revisão sistemática concluiu que é limitada a evidência da eficácia da fortificação

de farinha para reduzir a prevalência de anemia (PACHÓN et al., 2015).

O baixo impacto da estratégia de enriquecimento na redução da anemia no Brasil pode

ser explicado pela adição de compostos de ferro de baixa biodisponibilidade às farinhas. A

Resolução RDC n° 150 de 2017 atualiza a norma da RDC n° 344, de 2002 e tenta sanar essa

problemática. Agora são permitidos apenas sulfato ferroso, fumarato ferroso e suas formas

encapsuladas. Pelas novas regras, os fabricantes estão obrigados a enriquecer as farinhas detrigo e de
milho com 4 a 9 mg de ferro para cada 100g de produto e com 140 a 220 µg de

ácido fólico também para cada 100g de farinha (ANVISA, 2017).

Diante do exposto, e em virtude da complexidade da alquimia alimentar para se ter

uma adequada absorção de nutrientes, conhecer a adequação de nutrientes e micronutrientes

nas dietas infantis permitiria o rastreamento de fatores nutricionais que afetam as intervenções

em populações em risco, contribuindo para a prevenção primária de deficiências nutricionais

como a anemia (BARBOSA et al., 2014). Apesar desses estudos serem dispendiosos, foram

identificados oito estudos que analisaram consumo de leite, de ferro, adequação energética

e/ou densidade de ferro da dieta em um artigo de revisão (LEAL; OSÓRIO, 2010), o qual

revelou que havia consenso entre trabalhos que estudaram menor densidade de ferro na dieta e

maior proporção de calorias provenientes do leite de vaca como fatores de risco para anemia.

Estudar fatores específicos da dieta é importante para a compreensão do quadro

epidemiológico (OSÓRIO, 2002). Uma revisão sistemática recente sobre a anemia ferropriva

infantil no Brasil, sugere que o aumento da prevalência da anemia por deficiência de ferro em

crianças pode ser decorrente das mudanças nos hábitos alimentares, que acompanham a

transição nutricional no país (LEITÃO; OLIVEIRA, 2016).

A assistência à saúde por sua vez, está presente no acompanhamento do crescimento e

desenvolvimento da criança, com orientação sobre aleitamento materno e alimentação

complementar (OSÓRIO, 2002), assim, se reflete no estado nutricional e na morbidade.

Entretanto, o fator unânime de risco para anemia é a idade da criança, especialmente entre 6 e

24 meses de idade. Nessa fase é biológico ocorrer crescimento acelerado e comum uma menor

diversidade na ingestão de alimentos (OSÓRIO, 2002).


Revisando artigos publicados de 1997 a 2010 com amostras representativas de

crianças menores de seis anos de vida que estimaram prevalência de anemia e/ou deficiência

de ferro e seus fatores associados, revelou que os fatores mais citados foram: idade da criança,

escolaridade materna, renda familiar, diarreia, área geográfica, índice de riqueza do domicílio,

peso ao nascer, indicador altura/idade, indicador peso/altura, etnia, sexo, densidade de ferro e

calorias provenientes do leite de vaca. (LEAL; OSÓRIO, 2010).

As crianças de menor idade são tão vulneráveis ao desenvolvimento da anemia pela

própria demanda biológica de crescimento e desenvolvimento (OSÓRIO, 2002), que um

atraso no clampeamento do cordão umbilical, o qual permite a passagem contínua do sangue

da placenta para o bebê por mais 1 a 3 minutos após o nascimento, é conhecido por aumentar

as reservas de ferro do bebê em mais de 50% aos 6 meses de idade entre aqueles nascidos a

termo (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2014).

A menor idade da criança foi comumente citada nos estudos nacionais e internacionais

como fator determinante para anemia e as regiões em desenvolvimento, a escolaridade

materna e os fatores socioeconômicos e ambientais também mostraram associação com a

enfermidade. Os autores da revisão concluem que há multiplicidade de fatores associados à

anemia/deficiência de ferro existentes em diferentes contextos e que essa multicausalidade do

problema requer ações integradas de prevenção e tratamento considerando características

específicas de cada população e seus principais fatores etiológicos (LEAL; OSÓRIO, 2010).

A avaliação simplificada de que a grande maioria das anemias decorre simplesmente

da carência primária de ferro, apesar de teoricamente satisfazer a compreensão da situação

etiológica e epidemiológica das anemias, bem como das diretrizes universais para seu

controle, como o enriquecimento das massas alimentícias com ferro e folato, supondo que

estariam cobertas as duas grandes vertentes etiológicas relacionadas à carência nutricional

primária (BATISTA FILHO et al., 2008) podem desviar a atenção de outras variáveis que

contribuem para as elevadas prevalências de anemia encontradas na faixa etária infantil.


Introdução

A anemia, definida como uma concentração reduzida de hemoglobina no sangue,

constitui-se num importante problema de saúde pública no mundo. De susceptibilidade

universal, acomete indivíduos tanto dos países pobres como dos países ricos (WORLD

HEALTH ORGANIZATION, 2011).

Metanálise realizada com base em artigos publicados entre 1996 a 2006, verificou que

a anemia em crianças brasileiras consistia um grave problema de saúde pública

independentemente dos cenários onde as amostras haviam sido obtidas: 52,0% segundo os

estudos realizados com amostras oriundas de creches/escolas, 60,2% nos estudos realizados

em serviços de saúde, 66,5% nas crianças de populações em iniquidades e 40,1% nos estudos

de base populacional. Contudo, como pode ser observado, a situação era mais preocupante

para as populações em condição de iniquidade social, tais como indígenas e comunidades de

favelas (VIEIRA; FERREIRA, 2010).

Considerando o processo de transição nutricional e a implementação de políticas

públicas visando a prevenção da anemia no País, a exemplo do Programa de Fortificação de

Farinhas de Trigo e de Milho com ferro e ácido fólico e do Programa Nacional de

Suplementação de Ferro, criado em 2005 pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2005), existe a

expectativa de que a quantidade de crianças anêmicas nos diferentes contextos venha

declinando em todo o País. No entanto, não existem estudos nacionais que permitam essa

conclusão, o que justifica-se a realização de um nova revisão da literatura que integre os

diversos estudos pontuais realizados no período posterior à metanálise realizada em 2006

(VIEIRA; FERREIRA, 2010).

Este trabalho tem por objetivo atualizar a estimativa da prevalência de anemia em

crianças brasileiras segundo diferentes cenários epidemiológicos considerando os artigos

publicados a partir de 2007 e até 2017.

Métodos
A identificação das publicações de interesse foi realizada nas seguintes bases de dados

bibliográficos: MedLine (U. S. National Library of Medicine), via PubMed

(http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed); LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe

em Ciências da Saúde [http://lilacs.bvsalud.org/]); e no Banco de Teses da Capes

(http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/).

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ISSN 0103-0582.

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