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Nilton Mullet

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http://dx.doi.org/10.

1590/S1413-24782019250002

ARTIGO
Ensinar história [entre]laçando futuros
Nilton Mullet PereiraI
Carmem Zeli de Vargas GilI
Fernando SeffnerI
Caroline PacievitchI

RESUMO
O artigo analisa escritos em disciplinas de introdução à prática e estágio em um
curso de licenciatura em história, em uma problematização do tempo e da tempora-
lidade. Parte da premissa de que as questões urgentes do presente são condutoras da
aprendizagem em história. Tal estratégia, decorrente da produção de planejamentos
e de diários dos licenciandos, sustenta-se no tempo futuro como abertura ética da
aula de história em sua relação com o mundo. Nesse sentido, foi fundamental o
pensamento de Pagès como possibilidade para o planejamento de aulas de história,
pautadas nas urgências do presente e de um passado que não passa e que, por isso
mesmo, insiste e subsiste na forma de um acontecimento que distribui seus efeitos
em um tempo não cronológico e não estabilizado.
PALAVRAS-CHAVE
ensino de história; planejamento de aulas de história; tempo presente.

I
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.

Revista Brasileira de Educação   v. 25 e250002  2020 1


Nilton Mullet Pereira, Carmem Zeli de Vargas Gil, Fernando Seffner e Caroline Pacievitch

TEACHING HISTORY (INTER)LACING FUTURES


ABSTRACT
This article analyzes writings on subjects related to the introduction to
practice and internship in a History undergraduate course, based on a
problematization of time and temporality. It assumes that current urgent
issues lead to History learning. This strategy results from the preparation
of plans and diaries by undergraduates and is sustained in the future as an
ethical opening for History classes in its relationship with the world. In
this scenario, Pagès’s thought was fundamental as a possibility for planning
History classes, based on urgencies of the present and a past that remains
and, therefore, persists and survives as an event that distributes its effects
since a non-chronological and unstable time.
KEYWORDS
History teaching; planning History classes; present time.

ENSEÑAR HISTORIA (ENTRE)MEZCLANDO FUTUROS


RESUMEN
El artículo analiza escritos en materias de introducción a la práctica y
pasantía en un curso de licenciatura en historia, a partir de una problema-
tización del tiempo y la temporalidad. Se parte de la premisa de que los
problemas apremiantes del presente son propicios para el aprendizaje de
la historia. Esta estrategia, resultante de la producción de planes y diarios
por los estudiantes de pregrado, se sostiene en el tiempo futuro como la
apertura ética de la clase de historia en su relación con el mundo. En este
sentido, el pensamiento de Pagès fue fundamental como una posibilidad
para la planificación de clases de historia, basadas en las urgencias del pre-
sente y un pasado que no pasa y, por lo tanto, insiste y subsiste en la forma
de un evento que distribuye sus efectos desde un tiempo no cronológico
y no estabilizado.
PALABRAS CLAVE
enseñanza de historia; planes de enseñanza en historia; tiempo presente.

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Ensinar história [entre]laçando futuros

ENSINAR HISTÓRIA É ENSINAR SOBRE O PASSADO?


Poucos são os docentes ou pesquisadores do ensino de história que deixariam o
tempo presente de fora de seus pensamentos e ações profissionais. Tornou-se esta uma
obviedade tal que quase não se pensa sobre ela. De certo ponto de vista, isso significa a
incorporação do papel do professor de história e de seu compromisso com a legislação
educacional produzida após a Constituição Federal de 1988, na qual a formação para
a cidadania recebe destaque. De outro ponto, essa postura significa o reconhecimento
de críticas dirigidas por jovens estudantes e por nossos pares a um ensino de história
tedioso, desinteressante (mesmo que não desinteressado) e memorialista que talvez
(enfatizamos o talvez) fosse muito útil para a formação de certa identidade nacio-
nal, mas que rendia ao ensino de história críticas tais como as recuperadas por Elza
Nadai há trinta anos (Nadai, 1992/1993). Ademais, pode isso significar o reflexo de
perspectivas da teoria da história que acolhem o posicionamento ético e político dos
historiadores na metodologia e na epistemologia da história.
Nossos/as alunos/as, no curso de história, estão imersos em discussões histo-
riográficas que situam a história do tempo presente ou a história recente como um
campo que resgata as subjetividades do historiador e põe em xeque as pretensões de
uma história que acreditava ser possível produzir o passado separado do presente do
historiador. Estão cientes, portanto, do que advertem as autoras Franco e Levín (2007)
de que a história recente define-se por não só exclusivamente regras temporais, episte-
mológicas ou metodológicas, como também por questões que interpelam a sociedade e
transformam os fatos do passado em problemas do presente. Nesse sentido, os aconte-
cimentos traumáticos têm forte presença, mas não só. Diferentes questões convocam o
educador a fazer e ensinar história em uma trama entre o que passou e o que continua
do que passou. Tais discussões constituem ferramentas de análise que definem as es-
colhas dos futuros professores durante o planejamento, ou seja, fazem compreender as
especificidades desse campo baseado em diversas formas de coetaneidade entre passado
e presente; a existência de uma memória social viva do passado; a contemporaneidade
entre a experiência vivida pelo historiador e o passado do qual se ocupa implica pensar
o presente como uma construção histórica que tem relação com a experiência vivida
pelo sujeito que conhece. Não é, portanto, como anuncia Aróstegui, a história de uma
época, mas pode delimitar-se por um lapso histórico de perfil cronológico ou que tenha
sua matriz estabelecida por um acontecimento decisivo: “Sin un tiempo efectivamente
medido no habría posibilidad de historia” (Aróstegui, 2004, p. 57).
Para o professor em formação, compreender os debates em torno da história
do presente é estar comprometido com as implicações do passado no presente, aberto
aos questionamentos sobre a tarefa do historiador diante dos acontecimentos-limite.
Como fazer história diante de algo tão atroz que ocorreu diante dos olhos do mundo,
diante da sociedade moderna, em pleno desenvolvimento das mais finas tecnologias,
que prometiam facilitar nossa vida e melhorar nossas relações uns com os outros e
de todos com o mundo? É, também, exercer a docência ciente da dimensão política
e ética da história, deixando-se interpelar pela pergunta: Como estudar o presente
de forma que as memórias do passado ajudem a interpretar o que passa hoje? As-
sim, a dimensão política e ética da história recente é também uma possibilidade na

  
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construção de futuros. Entre o passado que estuda e o presente que vive, resta ao/a
professor/a de história situar a experiência vivida no contexto histórico de forma
que possa ampliar a compreensão da e abrir a vida para novas experiências, nas quais
a injustiça, o racismo e a violência não existam.
No âmbito do ensino de história, a obra de Joan Pagès talvez seja um exemplo
que bem ilustra a complexidade das relações entre presente, passado e futuro no
campo do ensino. Em sua opinião, o ensino de história, de geografia e de ciências
sociais tem a responsabilidade tanto de posicionar-se perante os problemas do
tempo presente quanto de ajudar as pessoas a agir sobre eles.
Los problemas son profundos. [...] Desde mi punto de vista, los más preocu-
pantes son los que se relacionan con el discurso del odio y el uso de la violencia,
de cualquier tipo de violencia pero, en particular, la que se ejerce contra las mu-
jeres, los niños y las niñas y los y las ancianas y contra las personas y colectivos
que quieren ser diferentes. El incremento de la violencia y de actitudes sexistas,
homófobas, racistas, xenófobas, intolerantes y su traducción política en Europa,
en América y en prácticamente todo el mundo debería ser objeto de una enor-
me preocupación y debería hacernos plantear cuáles son los retos a los que debe-
ríamos dar respuesta a través de la enseñanza de las ciencias sociales, de la geografía
y de la historia y la formación de su profesorado. (Pagès, 2018, p. 19, grifo nosso)

Estabelecidos esses problemas, Pagès sustenta que

la ciudadanía democrática debería ser, sin lugar a dudas, la meta principal de


una enseñanza que ha de poner énfasis en lo que nos hace humanos, en todos
los derechos de todas las personas y en la dignidad humana por encima de
cualquier otra cosa. (Pagès, 2018, p. 20)

A cidadania democrática é, em síntese, aquela que julga como inaceitável qual-


quer tipo de injustiça, fome e violência e que, paralelamente, assume que há muitos
caminhos possíveis para construir sociedades não injustas. O ensino pautado por esses
dois princípios básicos teria por responsabilidade permitir aos jovens o conhecimento
sobre os caminhos percorridos pela humanidade e a possibilidade de se posicionar e de
agir em relação àquilo que precisa ser mudado, a partir do estudo de problemas sociais
relevantes ou de questões socialmente vivas. Ou seja, trata-se de levar as novas gerações
a perceber que é possível mudar o mundo e de oferecer-lhes, de maneira instigante, os
conteúdos necessários para tal (Pagès, 2018, p. 21). Os critérios para selecionar esses
conteúdos — e que questionam, de uma só vez, a organização por círculos concêntricos
e a organização cronológica — deveriam ser os seguintes: permitir uma visão ampla dos
assuntos, incluir protagonistas diversos e estar localizados no tempo e no espaço. Do
ponto de vista metodológico, é necessário estratégias para organizar e tornar complexo
paulatinamente o pensamento dos estudantes (Pagès, 2018, p. 23).
Pagès inclui, por fim, a preocupação com os afetos e sentimentos na sala
de aula, fechando o círculo com as demandas de um tempo presente em que a
mobilização do ódio e do medo tem voltado à ordem do dia. É preciso, para além
de pensar na relação presente-passado, “[...] enseñar para la utopía, es decir para

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Ensinar história [entre]laçando futuros

el futuro, [lo que] puede ser una alternativa razonable a una enseñanza obsoleta y
alejada de los problemas actuales de la ciudadanía” (Pagès, 2018, p. 41).
Ensinar história é, portanto, ensinar sobre os tempos? Ainda que as formas
de representar o tempo, que tem tornado a sala de aula de história um lugar do
“passado frio e disciplinado” (White, 2014), tenham feito coincidir história e tempo,
a premissa que sustenta este artigo indica o contrário. A inserção de questões da
vida pública do presente na aula de história parte do pressuposto de que tempo e
história não são idênticos. Tal suposição sugere, de primeiro, que a abordagem das
urgências do presente proporcionam entrar no delicado debate sobre as políticas do
tempo (Ávila, 2016) em uma aula de história; de segundo, que a problematização
do presente e da atualidade não indica uma submissão da aula ao presente, seja ele
um “presente eterno”, seja ele qualquer forma de “presentismo” (Hartog, 2013).
Pensar o tempo presente na aula de história e, de uma só vez, a cidadania e
a injustiça como elementos por meio dos quais a narrativa histórica assume signi-
ficado na vida das pessoas parece enviar-nos ao plano de uma problematização do
tempo e das temporalidades que tem sujeitado a aula de história como lócus de um
passado morto, disciplinado (White, 2014) e desinteressante. Desse modo, tornar as
urgências do presente em conteúdo da aula de história e disparador da elaboração
de planejamentos consiste em inserir o elemento ético no centro do debate sobre
as implicações do ensino de história, o que significa elaborar uma forte crítica ao
aprisionamento do tempo realizado pelo eurocentrismo, abrindo as possibilidades
de pensar, medir ou representar o tempo de modos ainda não catalogados. Então, o
que propomos é — uma vez desfeita a identidade entre tempo e história — deixar
fluir os devires-minoritários (Deleuze e Guattari, 1997), deixar transitar em nos-
sas salas de aula de história “o povo que falta”, os povos que escaparam à narrativa
histórica, uma vez que foram sempre vistos e ditos por dentro dos marcadores
temporais eurocêntricos (moderno, atrasado, inovador, antiquado, evoluído…),
por essa “imagem de tempo hegemônica em nossa cultura” (Pelbart, 2000, p. 129),
atravessados por uma linha que dividia moralmente a modernidade (europeus) e
o atraso (outros povos) (Quijano, 2005). Do mesmo modo, essa irreconciliação do
tempo com o que se disse dele abre o debate histórico para temáticas que usurpam,
pela força de sua relevância, o tempo sucessivo, linear e evolucionista, que criou uma
distância aparentemente irreconciliável entre o passado e o presente.
Decorre dessa crítica a possibilidade de repensar o presente e suas urgências,
bem como o passado que delas dizemos e abordar tanto esse passado quanto o tempo
presente como coexistentes e coetâneos, o que torna, como já afirmamos, “os fatos
do passado problemas do presente”. Nesse sentido é que o caráter ético e o caráter
estético do ensino de história apresentam-se como a forma pela qual problematizamos
o presente e abrimos possibilidades de futuros. Abordar as questões relevantes da vida
pública no presente, como o racismo, a violência ou o autoritarismo (tal como nos
documentos que analisaremos), revela essa maneira labiríntica de pensar o tempo,
fazendo coincidir passado e presente, apresentando um passado que não passa e que,
por isso mesmo, insiste e subsiste na forma de um acontecimento que distribui seus
efeitos em um tempo não cronológico e não estabilizado. Tudo se passa como se o
tempo não se identificasse com os modos de medi-lo, representá-lo ou significá-

  
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-lo. Ora, se supomos que tais modos são qualidades que uma política cria, produz
e impõe ao tempo, como maneiras particulares e contingentes de estabelecer-lhe os
limites cronológicos, então o tempo passa a ser considerado o em si, ontológico, que,
no seu recuo, se deixa capturar apenas pelas formas particulares por meio das quais
estabelecemos os limites para a experiência. O tempo é um excesso em relação às
temporalidades que criamos para dar forma a ele. São, portanto, criações humanas,
produções culturais, políticas do tempo que, ao se constituírem e se estabelecerem,
excluem outras temporalidades, outros modos de dar qualidades humanas ao tempo.
Esses questionamentos sobre o tempo presente na aula de história não são
casuais. Eles emergiram como o fenômeno conmovedor, que, para Ana Zavala e
Magdalena Scotti (2005), é a origem das investigações práticas da prática, isto é,
de pesquisas feitas por professores sobre suas próprias práticas. Fomos mobilizados
pelas produções de nossos alunos, futuros professores de história, em seus primeiros
ensaios de criação de aulas de história, em duas disciplinas ministradas por nós:
uma de caráter teórico-prático, introdutória aos estágios e ministrada em docência
compartilhada por todos nós, e a disciplina de estágio em ensino fundamental. Essas
produções têm sido objeto de nossos projetos de pesquisa, que se debruçam sobre o
fenômeno da aula de história e da educação histórica das juventudes. A escrita deste
texto é fruto dessa reflexão coletiva, que tem rendido questionamentos diversos,
alguns já publicados. Em outras palavras, as reflexões aqui postas têm tempo e lugar
de nascimento, crescimento e maturação. No entanto, os atores envolvidos não são
apenas os autores do artigo. A natureza das disciplinas que lecionamos faz-nos aten-
tos ao “que anda na cabeça e na boca” tanto dos estagiários quanto dos estudantes
das escolas e de outras instituições onde ocorrem os estágios. A aula de história é
discutida, planejada e organizada no diálogo entre os docentes orientadores e os
estagiários da licenciatura em história, em escolas públicas da Região Metropolitana
de Porto Alegre, em regime de complexas negociações com os desejos e vontades
das culturas juvenis. Todos esses elementos modificaram-se nos últimos anos, ao
incluir as demandas sociais e políticas que recaíram sobre o ensino de História ao
longo do período, a isso somado visível clima de perseguição e censura causado pela
atuação combinada dos movimentos “Escola sem Partido” e “Ideologia de Gênero”,
conforme discutido em Seffner e Picchetti (2016) e Seffner (2017).
As fontes que usamos para pensar a preocupação com o tempo presente no
ensino de história praticado em nossas disciplinas por esse período foram: programas
das disciplinas; planejamentos dos estagiários; diário de campo das observações e das
orientações de estágio; artigos escritos ao longo desse período e que fizeram menção ao
tema. Esses registros foram lidos e analisados, buscando, especificamente, a preocupação
com o tempo presente na aula de história, cotejando com as problematizações teóricas
que apresentamos ao início, o que se transformou em um projeto de pesquisa sobre a
produção do planejamento e a aula de história, na perspectiva de pensar o presente e o
futuro como elementos temporais significativos de uma aula de história. O que se discute
a seguir é pequena parte desse exercício de investigação, construído em dois momentos:
primeiro, situar as preocupações com o presente, examinando a ementa das disciplinas
de estágio docente; e, segundo, analisar alguns planejamentos e práticas dos estagiários
desafiados a pensar o tempo presente.

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Ensinar história [entre]laçando futuros

COMO AS PREOCUPAÇÕES COM O TEMPO PRESENTE


HABITAM/HABITARAM AS DISCIPLINAS DE ESTÁGIO
DOCENTE DA ÁREA DE ENSINO DE HISTÓRIA?
Na ementa dos programas das disciplinas e nos apontamentos feitos para guiar
as aulas dadas por nós, percebemos que, com reformulações na linguagem, aparecem
expressões como “indagar-se sobre a pertinência dos conteúdos em História na sua
conexão com as questões vividas no contemporâneo”; “elaboração do planejamento
das aulas de História em sintonia com a realidade escolar contemporânea”; “atenção
às questões das culturas juvenis”; “evitar o acúmulo de informações históricas que
não guardam conexão com a realidade vivida pelos estudantes”; “acolhimento das
demandas dos alunos”; “ênfase nos tópicos que ajudam alunos e alunas a entende-
rem sua realidade vivida”; “evitar que a história seja vista como ciência que se ocupa
unicamente do passado”; “reflexão sobre a realidade vivida pelos alunos para melhor
desenhar o planejamento das aulas de ensino de História”; “observação prévia ao
estágio da escola e das condições de ensino, e conversa com os alunos da classe em
que se dará a docência, para colher elementos que ajudem a pensar o planejamento
em sintonia com essa realidade”; “capacidade em estabelecer conexões entre os tópicos
da História ensinada e os temas da realidade vivida pelos alunos”; “desenvolver um
ensino de História que permita compreender as ações humanas no tempo e no espa-
ço, fornecendo elementos para pensar os problemas contemporâneos”; “desenvolver
estratégias para produção de aprendizagens significativas em História, entendidas
como aquelas em que as lições do passado iluminam questões do presente e fazem
diferença na vida dos alunos, modificando seus modos de ser e pensar”; “evitar a
tentação de querer ensinar ‘todo’ o conhecimento histórico de determinado período,
preferindo a seleção de tópicos que possam fazer diferença na vida do tempo presente
dos alunos”. Tais questões, para além de constarem nos programas, foram objeto de
artigos escritos à época.
Esses questionamentos implicam repensar um arcabouço de conhecimentos
escolares que possuem uma longa tradição no ensino de História e, em al-
guma medida, romper com essa tradição. Se a História é construção, narra-
tiva, interpretação do passado a partir das questões que nos colocamos no
presente, a aprendizagem na escola estará atenta aos modos de produção de
leituras do passado e de construção de argumentos que explicitem uma nar-
rativa coerente, plausível, situada no tempo e no espaço de modo pertinente.
A elaboração de narrativas do passado a partir de questões do presente supõe
o uso de instrumentos, procedimentos e vocabulário específicos. (Seffner e
Stephanou, 2005, p. 176)

A preocupação com o presente era difusa e servia muitas vezes para combater
certo viés enciclopedista do ensino de história. Atentar para o presente dos alunos po-
deria ser um critério para deixar de lado partes do passado que, naquele momento, não
estavam ajudando a “entender” o presente. Ao longo do tempo, a preocupação com as
questões do tempo presente ampliou-se ao pensar o planejamento das aulas de história,

  
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e, com isso, incorporou conceitos e temas de outras ciências humanas, como a sociologia,
a ciência política e a geografia, dando lugar, em parte, ao chamado ensino de temas
sensíveis, questões socialmente vivas ou questões controversas (Pereira e Seffner, 2018).

POR MEIO DE QUAIS MODOS AS PREOCUPAÇÕES COM O TEMPO


PRESENTE EXPRESSARAM-SE NAS AULAS DOS ESTAGIÁRIOS?
Quanto aos modos pelos quais tal preocupação com o presente se expressou,
identificamos duas estratégias pedagógicas bem distintas. Ao ler os diários de campo da
observação das aulas e dos encontros de orientação com os/as estagiários/as, o presente
não era exatamente o ponto de partida para a aula de história. A ênfase estava posta em
um bom ensino de um tópico do passado, denso e rico em informações e conceitos, que
encerrava com a clássica pergunta: O que isso tem a dizer sobre os dias de hoje? A preo-
cupação com o presente aparecia então após o estudo do passado. No Quadro 1, parte de
um relato do Diário de Campo de Observação das Aulas evidencia isso:

Quadro 1 – Diário de Campo de Observação das Aulas de 1996.


[...] A turma é de oitavo ano, estamos no final do ano letivo, é uma escola pública de região muito pobre
na cidade e todos os indicadores mostram que a maior parte do alunado não vai seguir os estudos para
o segundo grau. [...] Com isso na cabeça, a estagiária, muito articulada e preocupada com a produção
das suas aulas, pensou em dedicar esse momento final do ano letivo para tentar “dar sentido” ao que
tinha sido aprendido em História [...]. Foi colado na parede um enorme mapa mundial, com a divisão
política de alguns países, desenhado em papel pardo, com os contornos em cores fortes de países ou
regiões selecionadas. Um grupo de alunos tinha feito isso nas aulas anteriores, colocando nomes de
países e regiões. [...] Posto o mapa, duplas de alunos colaram, em alguns países e regiões papéis com dois
tipos de informação. Um deles eram recortes de manchetes de jornais, em geral com conflitos, guerras e
coisas do tipo, acontecidas naquele país ou região e retiradas de jornais das últimas semanas. [...] Outras
duplas haviam escrito, em pequenos papéis, informações históricas estudadas acerca desses mesmos
países ou regiões ao longo dos anos nas aulas de História. Nos dois casos, matérias de jornal de hoje e
informações sobre o passado, também se colaram gravuras. Por exemplo, foi colado no Egito (um dos
países selecionados), tanto uma gravura das pirâmides como uma foto da cidade do Cairo hoje. [...] A
atividade de colagem foi encerrada, e a estagiária então conduziu o debate, que foi feito a partir de uma
pergunta [...]. Ela disse: “vamos ver como o que vocês aprenderam nas aulas de História ajuda a entender
o que se passa hoje nestes países”. Essa pergunta é uma variação do que já escutei de outros estagiários,
que quando concluem um tópico de estudos perguntam “o que isso nos ajuda para entender a vida hoje
em dia nessa região”? Embora os esforços e a boa vontade da estagiária, a atividade ficou um tanto longe
do que ela pretendia. Algumas modalidades de conclusões se destacaram. A primeira delas foi algo como
“hoje é assim porque no passado tal coisa aconteceu”, o que foi assumido com certo ar de fatalismo. [...]
Então os alunos estabeleceram uma conexão direta entre exploração no passado e miséria no presente,
que se não deixa de estar um tanto correta, traz uma matriz de explicação histórica bastante mecanicista.
Além disso, por desconhecimento da história africana, muitos concluíram também que a África sempre
havia sido pobre, e que tinha ficado agora mais pobre ainda. Mas o caso do Egito implicou divergências.
Eles disseram que o Egito tinha sido rico antigamente, mas hoje era uma ditadura e um país pobre. Não
foi possível ir além, por falta mesmo de elementos históricos. Na região da América Latina a tônica
foi a mesma [...]. Para a Europa a confusão foi ainda maior: havia fotos de palácios e lindas gravuras
medievais, e para os dias de hoje fotos de Paris, Londres e Berlim. A Europa sempre tinha sido rica
e agora seguia sendo rica. Enfim, uma atividade que implicou tal grau de coleta de informações deu
origem a um debate bastante pobre, o que frustrou a estagiária, mas permitiu interessantes reflexões.
Fonte: acervo da disciplina introdução à prática e estágio em história (Faculdade de Educação/ Universidade Federal do
Rio Grande do Sul — FACED/UFRGS).

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Ensinar história [entre]laçando futuros

A segunda estratégia pedagógica de preocupação com o presente deu-se com


duas ênfases principais: o presente é tudo (é início, meio e fim das aulas de história,
especialmente quando elas são dadas para alunos das classes populares) ou o presente
é terreno do qual se coletam pistas para estudar o passado. No primeiro caso, a aula
de história corre o risco de certo jornalismo contemporâneo; e, no segundo, temos
abertura para o estudo de questões sensíveis do presente, que convive de modo
difícil com a narrativa histórica tradicional, por vezes lembrando mais uma aula de
antropologia ou sociologia do que de história (Quadros 2 e 3).

Quadro 2 – Diário de Campo das sessões de Orientação de Planejamento, 1998.

A sessão de orientação para o planejamento das aulas foi difícil hoje. Os dois estagiários estão em
escola de grande porte em bairro próximo ao centro da cidade, com turmas de primeiro ano do
ensino médio, mesma professora regente, turno da noite. As duas classes são compostas de alunos
trabalhadores. [...] Os dois estagiários são fortemente vinculados a certas posições teóricas e políticas
que falam da revolução feita pelos pobres e trabalhadores para barrar o capitalismo. Ficaram então
um tanto decepcionados ao verificar que o tema das aulas que irão lecionar nestes primeiros anos do
ensino médio é História Antiga [...]. Acresce a isso o fato de que a professora regente, segundo eles,
lhes deu grande liberdade para escolherem os conteúdos a serem lecionados. Estamos em período
eleitoral, com a possibilidade de reeleição aprovada no ano passado. [...] O somatório de todos estes
fatores resultou numa proposta de programa para as aulas de História que era de acompanhamento
das eleições presidenciais e dos demais cargos, combinada com uma avaliação do governo de Fernando
Henrique Cardoso [...]. A História Antiga havia saído completamente do planejamento, substituída
pelo panorama de atualidades eleitorais. Questionados por mim sobre isso, de imediato retrucaram
que para os alunos que iriam dar aulas, todos pobres e trabalhadores, não fazia sentido ficar dando
conteúdos de caldeus, assírios, persas, egípcios, fenícios, com tanta coisa acontecendo na vida política
nacional. Além do mais, ao conversar com as turmas, haviam percebido que, por serem alunos um
pouco mais velhos, vários deles já estavam aptos a votar [...]. Depois de muita negociação, chegamos a
um acordo, em que as aulas teriam uma sessão de acompanhamento da vida nacional (o que chamamos
de observatório do presente), organizada com os alunos e a partir de seus interesses na vida política (e
não a partir dos interesses estritos dos estagiários [...]), e conteúdo de História Antiga em conexão com
a realidade dos países que ora existem naquelas regiões. [...]

Fonte: acervo da disciplina introdução à prática e estágio em história (Faculdade de Educação/ Universidade Federal do
Rio Grande do Sul — FACED/UFRGS).

Quadro 3 – Diário de Campo das sessões de Orientação de Planejamento, 2017.

Ótima conversa hoje de orientação do planejamento das aulas com duas estagiárias, que vão trabalhar
em regime de docência compartilhada no ensino fundamental, oitavo ano. As duas são feministas e
apresentaram uma proposta de aulas que tinha como fio condutor na história do Brasil e da Europa
as questões das mulheres e das relações de gênero. Trouxeram abundante material didático, ótimas
ideias, planejamento feito da primeira à última aula. A classe em que vão lecionar é composta, segundo
elas, por grande maioria de meninas, escola da zona leste da cidade, que no ensino médio é uma
tradicional escola normal. [...] Mas conversamos sobre esses recortes tão profundos, que elegem uma
linha específica, e como isso dialoga, ou pode dialogar, com um relato mais geral de cada período
histórico. Difícil chegar a um consenso ou meio-termo nisso.

Fonte: acervo da disciplina introdução à prática e estágio em história (Faculdade de Educação/ Universidade Federal do
Rio Grande do Sul — FACED/UFRGS).

  
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Este curto histórico ajuda a situar a preocupação com as questões do tempo


presente nas aulas de ensino de história. Nos últimos anos, com a presença cada
vez mais numerosa e ativa de alunos e alunas que ingressaram na universidade pelo
sistema de reserva de vagas e com a presença mais numerosa de mulheres no curso
de licenciatura em história, apareceu uma variante da preocupação com as questões
do tempo presente. Ela é dada pela problematização da figura do estagiário, que
se coloca como um docente marcado pela posição social, geração, gênero, aspec-
tos raciais, pertencimento de classe, trajetória de escolarização, orientação sexual,
convicções políticas, crença religiosa, histórico familiar e projetos de futuro. É cada
vez mais comum que os estagiários, ao apresentarem seus planos de ensino e suas
ideias para o estágio, façam-no problematizando sua própria vida e trajetória pessoal
e política. Isso traz com vigor certa centralidade para seu corpo, um elemento do
presente simbolizado pela cor da pele e pelo conjunto de marcas que nos constitui.
Estudos sobre corpos de professores são recorrentes na literatura em educação.
Nós, professoras e professores, raramente falamos do prazer de Eros ou do erótico
em nossas salas de aula. Treinadas no contexto filosófico do dualismo metafísico
ocidental, muitas de nós aceitamos a noção de que há uma separação entre o cor-
po e a mente. Ao acreditar nisso os indivíduos entram na sala de aula para ensinar
como se apenas a mente estivesse presente, não o corpo. [...] O que se faz com o
corpo na sala de aula? [...] Entrando na sala de aula, determinadas a anular o cor-
po e a nos entregar por inteiro à mente, nós demonstramos através de nossos seres
o quão profundamente aceitamos o pressuposto de que a paixão não tem lugar
na sala de aula. [...] Para restaurar a paixão pela sala de aula ou para estimulá-la
na sala de aula, onde ela nunca esteve, nós, professores e professoras, devemos
descobrir novamente o lugar de Eros dentro de nós próprios e juntos permitir
que a mente e o corpo sintam e conheçam o desejo. (hooks, 2001, p. 115 e 123)

O QUE MUDOU EM 2018?


No primeiro semestre de 2018, a disciplina de introdução ao estágio, planejada
e ministrada em docência compartilhada dos autores deste artigo, como já mencio-
nado, propôs um desafio intenso em torno das conexões entre o ensino de história
e o tempo presente. Em pequenos grupos, os/as estudantes foram convidados/as a
construir uma sequência didática (incluindo um material didático autoral) inspirados
no texto de Joan Pagès (2015), La educación política y la enseñanza de la actualidad en
una sociedad democrática, escolhendo uma das proposições indicadas pelo autor para
ensinar história com problemas do presente. São elas: atualidade como pretexto,
atualidade como presente, atualidade como comparação, atualidade como problema
e atualidade como perspectiva. No texto, Pagès discute a necessidade de relacionar a
formação política dos jovens com o ensino da atualidade, contribuindo para implicá-
-los nos problemas da vida pública. Trata-se de construir um projeto pedagógico de
escola, cuja práxis cotidiana se assente no trabalho cooperativo, na construção de
conhecimento e menos na transmissão repetitiva ou em conteúdos: “[...] han de estar

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Ensinar história [entre]laçando futuros

centrados en problemas políticos que sean fácilmente identificables como tales y sobre
los que se pueda intervenir” (Pagès, 2015, p. 24). Assim, o autor indica a importância
do currículo se constituir, também, da abordagem dos problemas do presente, que
dizem respeito aos debates públicos e políticos da atualidade. No final do semestre,
realizamos um seminário para debater cada planejamento. No Quadro 4, apresen-
tamos oito desses trabalhos, destacando o enfoque sobre o presente, os conceitos, os
objetivos e a metodologia.

Quadro 4 – Planejamentos em 2018/1.

Enfoque Conceitos Objetivos Referências


Edward Said
Compreender os conceitos, romper
Atualidade Imperialismo Paulo Freire
com a ideia de história ligada apenas
1 como Etnocentrismo Nilton Pereira
ao passado e aplicar os conceitos na
perspectiva Racismo Lana Siman e
atualidade.
Araci Coelho

Promover o trânsito presente-passado-


Rafael Saddi
presente por meio de casos de violação
Atualidade Violência Sonia Miranda
de Direitos Humanos na ditadura
2 como Autoritarismo Marizete Lucini
militar.
comparação Direitos Humanos Mével e Tutiaux-
Participar, discutir com argumentos e
Guillon
agir criticamente.

Ler e analisar fontes de forma Alessandra


Atualidade
crítica e refletir sobre as diferenças e Gasparotto
3 como Violência policial
semelhanças entre a ditadura militar e a Enrique Padrós
presente
violência policial atual. Suzana Zaslavsky

Perceber mudanças e permanências nos


Atualidade Propaganda Luis Fernando
conceitos de monarquia e democracia,
4 como Monarquia Cerri
problematizando essa percepção em
problema República Joan Pagès
propagandas e memes.

Atualidade Terrorismo de Estado Debater censura, pensando em


Michel Foucault
5 como Resistência continuidades e descontinuidades entre o
Enrique Padrós
comparação Arte política presente e o período da ditadura militar.

Atualidade Conhecer o período da ditadura militar


Ditadura civil-militar Carla Rodeghero
6 como e suas contradições, pensando nos
Intervenção militar Joan Pagès
comparação apelos recentes por intervenção militar.

Joan Pagès
Atualidade
Conhecer aspectos diversos sobre a Lana Siman e
7 como Imigração
imigração europeia para o Sul do Brasil. Araci Coelho
pretexto
Miriam M. Leite

Conhecer informações históricas


Atualidade Silvia Petersen e
Revolta dos Malês sobre a Revolta dos Malês e o período
8 como Bárbara Lovato
Período regencial regencial. Relacionar com problemas
pretexto João José Reis
atuais a com base em obras de arte.
Fonte: acervo da disciplina introdução à prática e estágio em história (Faculdade de Educação/ Universidade Federal do
Rio Grande do Sul — FACED/UFRGS).

  
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Nos planejamentos em que localizamos as conexões temporais mais com-


plexas, notamos alguns pontos em comum: todos se propuseram a explorar a
bibliografia oferecida na disciplina e a combiná-la com seus referenciais próprios,
criaram materiais ou estratégias didáticas originais e criativas e rechaçaram a
dicotomia entre aula expositiva tradicional e aula “diferente”. Essa reflexão apro-
fundada estimulou a criação de materiais didáticos e/ou estratégias de aula que
podem mobilizar questionamentos e aprofundar os conceitos escolhidos em cada
planejamento. Esses materiais didáticos tiveram, ainda, a função de romper com a
separação entre a apresentação do conteúdo e as atividades, permitindo fluidez e
orientando o raciocínio dos jovens para além da simples aquisição de informações
sobre o passado. Podemos concluir, preliminarmente, que essas produções expõem
o problema do tempo de modo exacerbado na aula de história — cada uma à sua
maneira. Se o presente parece assumir o papel principal, em verdade são os futuros,
o horizonte, que sobrevoa cada uma das aulas. Tratou-se, de maneira deliberada
e interessada, de criar sequências didáticas nas quais as questões que envolvem a
vida pública no presente se constituam em conteúdo do currículo de história. Eis,
portanto, que o presente como disparador para criação de sequências didáticas é
revelador de uma profunda problematização do tempo e da temporalidade.

PLANEJANDO O FUTURO DESDE O PRESENTE


Para finalizar o ciclo de análises, retomaremos dois exemplos de planejamentos
e de aulas de história que foram efetivamente concretizados em situação de estágio.
Consideramos que essas duas produções problematizam o tempo em suas formas
representativas eurocêntricas e seus modos particulares de propor e estabelecer rela-
ções com o passado. A perspectiva que apresentamos nesse momento parte de dois
argumentos centrais: o primeiro diz respeito ao repensar as fronteiras entre passado
e presente, pondo no locus do debate da aula de história a existência de passados que
não passam e que coexistem com o presente; o segundo refere-se à ideia de que o
planejamento propõe que o estudo da história desde o presente indica e remete não
ao passado ou ao próprio presente, mas ao futuro, o qual consiste em um estado de
abertura que possibilita a criação de novas experiências históricas ainda não catalo-
gadas e definidas nos limites do presente. Tudo se passa como se o futuro fosse uma
construção que se dá pela aprendizagem da ampla experiência histórica do passado e
da crítica ao presente, base na qual novos futuros poderão ser construídos.
O primeiro planejamento foi elaborado pelas alunas Luana de Lima da
Silva, Maria Cristina Estima da Silveira, Priscila de Souza Santos e Vitória Gue-
des Duarte. Trata-se do planejamento 1 apresentado no Quadro 4 e envolvia a
realização de três aulas, focadas na aquisição, construção e utilização de quatro
conceitos históricos: imperialismo, resistência, colonização e etnocentrismo. A
estratégia pedagógica utilizada foi partir, na primeira aula, de uma atividade que
permitisse responder a seguinte questão: há fenômenos culturais, políticos e sociais
na realidade vivida pelos alunos que podem ser classificados como modalidades de
imperialismo, resistência, colonização e etnocentrismo? A partir dessa exploração,
a proposição era construir esses quatro conceitos, examinando as articulações entre

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Ensinar história [entre]laçando futuros

eles e seu potencial explicativo. Nas duas aulas seguintes, armados dessas ferramentas
conceituais, os alunos iriam explorar situações do século XIX em que tais conceitos
pudessem ajudar a entender as relações históricas entre algumas regiões. A atividade
foi originalmente prevista para alunos do ensino médio. No semestre seguinte, duas
das alunas autoras do planejamento, Priscila e Vitória, realizaram estágio em uma
turma de sexto ano em uma escola de classe média baixa na Zona Leste da cidade. A
primeira aula, com duração de dois períodos, foi assistida pelo professor supervisor,
que posteriormente debateu com as estagiárias suas observações. O planejamento
feito pelas duas alunas se inspirou naquele do semestre anterior, mas com modifi-
cações importantes, como a descrição a seguir permite ver, e com adaptações para
os temas em estudo no programa do ano indicado.
Contando com 23 alunos, a classe foi acolhida na sala de aula e levada para a
sala de vídeo. A atividade dizia respeito aos conceitos de etnocentrismo e imperialismo
e estava ambientada no Egito Antigo. Na segunda parte, o planejamento previa, com
o uso de gravuras, mostrar como as mulheres foram apagadas ou tiveram seu papel
diminuído na história oficial do Egito. Organizaram-se então em cinco grupos. Foi
solicitado pelas estagiárias que, no primeiro momento, apenas escutassem as músicas
propostas, sem comentar entre si. A primeira música foi a de um rapper egípcio Zap
Tharwat (em colaboração com Amina Khalil), “Nour”, em árabe. Essa música provocou
curiosidade e tentativas de adivinhação da língua. O estilo rap foi identificado e causou
surpresa a alternância entre uma voz masculina e uma feminina. A música brasileira
foi identificada por algumas alunas, tratava-se de “Dona de mim”, da cantora Iza. De
modo sintomático, os meninos da turma não reconheceram letra e melodia dessa
música. Uma rodada de conversa mostrou que a classe não sabia a autoria da música
em árabe, nem do que ela tratava, mas fizeram especulações envolvendo elementos do
Oriente, falando em deserto. Citaram como possibilidade que a língua fosse o árabe
e se puseram a imaginar com quais roupas estariam vestidos, dizendo que deviam ser
terroristas, que era a música de um ritual religioso ou que “estavam todos drogados,
pelo jeito de cantar”. A seguir, o clipe da música em árabe foi projetado, agora com
som e imagem. O debate após a projeção, com mediação das estagiárias, permitiu
que a classe identificasse que se tratava de um homem jovem — tido pelas meninas
como muito bonito e pelos meninos como um sujeito com cara de terrorista — que
se encarregava de cuidar de seus filhos, alimentando, levando à escola, colocando para
dormir e dialogando musicalmente com uma mulher, que poderia ser sua esposa ou
companheira. Em algumas cenas, as tarefas domésticas eram igualmente divididas
entre o homem e a mulher. O videoclipe projetado tinha legenda em inglês, o que
permitiu perceber que o diálogo entre o homem e a mulher falava em equidade de
gênero, mas essa informação não era acessível aos alunos. Ao contrário das especulações
acerca do deserto, o videoclipe se passava em uma cidade e foram apontados tanto
elementos coincidentes com o modo de vida dos alunos quanto elementos diversos,
no que se refere ao aspecto das ruas, transporte coletivo, interior do apartamento onde
viviam as personagens, roupas, comidas consumidas, carros que apareciam nas ruas
etc. De modo unânime, a classe afirmou que não tinha sido possível identificar o tema
da música e que era uma surpresa que se tratasse da história de um homem cuidando
dos filhos, repartindo as tarefas com a mulher. Aqui, o conceito de etnocentrismo

  
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foi construído, e algumas anotações foram feitas pelos alunos nos grupos, a partir da
pergunta: Por que ficamos surpresos ao ver um homem e uma mulher repartindo
as tarefas domésticas, em um clipe de música do Oriente? A seguir foi projetado o
videoclipe da música brasileira. Algumas meninas cantaram junto, os meninos se
mantiveram mais calados, alguns até mesmo um tanto constrangidos, pois a cantora
faz afirmações fortes.
O debate a seguir foi dominado por elas, que demonstraram conhecer a
cantora e citaram muitos casos no bairro, em que mulheres tinham de trabalhar e
cuidar sozinhas dos seus filhos. Uma menina afirmou: “A mulher que é dona de si é
malfalada nessa vila”. Em contrapartida, alguns meninos citaram casos, mais raros,
nos quais o homem é quem cuidava de tudo em relação aos filhos, na tentativa de
mostrar que isso também acontecia ali. De qualquer modo, a centralidade do debate
envolveu o protagonismo feminino, conceito que estava previsto no planejamento.
Em particular, uma frase do videoclipe levantou polêmica: “Já não me importa a
sua opinião/ O seu conceito não altera minha visão/ Foi tanto sim que agora eu
digo não”. Alguns meninos usaram a tática do deboche em relação às meninas e à
própria atividade, improvisando uma estrofe ao som da música que dizia “elas antes
só diziam sim, agora querem dizer não, mas é sim, sim, sim”, o que elevou os ânimos.
A aula aconteceu em uma quinta-feira pela manhã, entre duas datas significativas: no
sábado anterior (29 de setembro de 2018), aconteceram as manifestações feministas
conhecidas como “Ele não”, em referência ao repúdio de grupos de mulheres ao
candidato à presidência Jair Bolsonaro; e o primeiro turno das eleições presidenciais
iria acontecer em 7 de outubro, logo no fim de semana seguinte.
Essa situação, não prevista no planejamento, fez com que o debate incorpo-
rasse posições partidárias. Um menino negro, com argumentação clara e vocabulário
bem cuidado, afirmou enfaticamente que “a mulher não cuida só da casa, ela pode
fazer outras coisas”. Em resposta, um menino branco disse simplesmente: “Eu
apoio o Bolsonaro”. Algumas meninas e o menino negro que havia feito a primeira
afirmação disseram que Bolsonaro era um candidato machista e racista. O menino
branco afirmou então: “Ele pode ser machista e racista, mas ele não está preso”. O
menino negro respondeu: “A prisão do Lula não foi legal”. O branco disse: “Ele
está preso porque ele roubou”, e o menino negro encerrou a discussão dizendo:
“Ele roubou pouquinho, mas ele ajudou os pobres no seu governo”, o que recebeu
certo apoio geral da classe. As estagiárias aproveitaram para encerrar a questão e
encaminhar o debate para o que lhes interessava, que era trazer à tona o cuidado
de um homem com os filhos no vídeo do Oriente e a mulher negra dona de si no
vídeo do Ocidente. Vários alunos e alunas se manifestaram, dizendo que de fato
eles imaginavam que “lá na Arábia” os homens eram todos terroristas, nunca cui-
davam dos filhos, e as mulheres eram completamente submissas, não saíam de casa
nunca e se vestiam da cabeça aos pés de burca. Os meninos tiveram que reconhecer,
pela pressão das meninas, que mulheres donas de si não eram bem vistas por eles.
Um menino com modos afeminados, sentado em um grupo com quatro meninas,
aproveitou para dizer que também os meninos gays eram hostilizados e retomou
o assunto das eleições dizendo: “Eu não vou votar no Bolsonaro”, ao que alguns
retrucaram: “Tu não vota mesmo, porque tu é ‘de menor’”.

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Ensinar história [entre]laçando futuros

As estagiárias fizeram então os alunos anotarem no caderno algumas conclusões


desse primeiro momento, insistindo na questão conceitual. Em seguida, projetaram
diversos slides mostrando mulheres politicamente poderosas no Egito Antigo, caso da
rainha Hatshepsut, importante faraó do Egito. Os alunos se lembraram de Cleópatra e
de Nefertiti, e slides delas foram mostrados. No entanto, o que mais chamou a atenção
da classe foram slides e informações sobre grupos de mulheres com muita autonomia
no Egito Antigo, como carpideiras, prostitutas, donas de pequenos comércios, viúvas
ricas etc. Discutiu-se que essas informações não eram esperadas para aqueles povos
do Oriente, e muito menos no Egito Antigo. Um slide sobre o direito ao divórcio no
Egito Antigo provocou debates, por não ser também esperado. Novamente o conceito
de etnocentrismo foi usado e importantes elementos do conceito de imperialismo
entraram na pauta, com a classe concordando que tudo que sabiam sobre “os árabes”
era de fontes ocidentais e, além do mais, norte-americanas. Todos riram quando uma
menina disse que nenhum deles tinha visitado o Egito na vida e nunca iriam visitar
mesmo. Esse ponto levou ao debate se apenas se poderia saber “exatamente” como era
a vida lá indo até aquele local. Todavia as estagiárias lembraram o videoclipe como uma
fonte de produção local, importante para cotejar com as fontes que eles haviam citado.
Depois dessa atividade, as estagiárias mostraram gravuras apresentando sobre
como os egípcios haviam desenvolvido a produção de papel com papiro. Novamente
alguns comentaram que achavam que o papel era uma invenção da Europa, e não dos
árabes. Os grupos receberam uma atividade de recorte e colagem: produção de papiros
para escrita de frases. A técnica de produção de papiros, envolvendo cola, gaze, borra
de café e algumas folhas de papel, ocupou todo o período seguinte e foi muito atraente.
Ao longo da produção, os grupos discutiram acerca de imagens e frases que seriam co-
locadas no papiro e que mostrassem o protagonismo feminino, com traços da produção
artística egípcia. O debate acerca das frases e imagens foi grande e ocorreu enquanto se
produziam os papiros. Tudo foi colocado para secar em um cordão esticado no fundo
da sala. Em relato posterior, as estagiárias narraram que a maioria da turma optou por
desenhar Cleópatra ou Nefertiti, com poucos grupos dando espaço para as profissões e
ocupações de menor visibilidade que haviam sido mostradas, como prostitutas, carpidei-
ras etc. Os papiros produzidos foram mostrados, permitindo ver o esforço em desenhar
de acordo com os traços artísticos do Egito Antigo. No verso do papiro, estava escrito o
título da pintura e o motivo de sua escolha. Para finalizar, os alunos buscaram encontrar,
em livros didáticos trazidos da biblioteca, informações sobre as mulheres comuns no
Egito Antigo e nada localizaram, e sim apenas referências a mulheres famosas, como
Nefertiti, Cleópatra e, mais raramente, Hatshepsut.
A atividade propiciou um questionamento sobre práticas sociais na atualidade
e o protagonismo feminino, em conexão com etnocentrismo e imperialismo, mas
de modo por vezes “confuso” aos olhos de um historiador profissional, basicamente
porque todo o estudo foi atravessado por questões do cotidiano cultural e social dos
alunos. O objetivo foi pensar a historicidade do presente. Causou espanto nos alunos
saberem do protagonismo feminino em uma sociedade tão recuada no tempo e ainda
mais por estar situada no que eles genericamente designaram várias vezes como “a
Arábia”. O que se verificou foi como conceitos históricos permitem operar com rea-
lidades determinadas e identificar passados que insistem e persistem, em um processo

  
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de coexistência com o presente. Nesse sentido, o presente tornou-se o disparador que


demonstrou desacomodação e angústia em relação à atualidade. A noção de protago-
nismo feminino dialogou de modo intenso com aquela de etnocentrismo, e o passado
constituiu-se em uma experiência que se confunde com o presente do qual ele hoje é
passado. Foi desse modo que pensar de uma só vez o presente e o passado criou uma
cesura no tempo, permitindo um belo exercício de imaginação de futuros não descritos
ou prescritos, nos quais o etnocentrismo, o imperialismo e o machismo não existem.
O segundo planejamento foi uma produção dos estudantes Bruno Corrales
e Misael dos Santos Beskow (2018), que abordou o tema do Brasil Império por
meio de uma estratégia pedagógica que considerou o presente como disparador para
pensar os passados vivos (Pereira e Seffner, 2018), como foi o caso da escravidão no
Brasil. O conteúdo a ser estudado consistia em aspectos socioeconômicos do período,
considerando os diversos grupos sociais implicados nos processos econômicos e o
tema da escravidão, levando em conta “as estruturas de poder envolvidas, métodos de
obtenção de alforrias, resistência escrava (quilombos, fugas e conflitos com senhores),
situação da população negra livre e liberta durante todo o período imperial” (Corrales
e Beskow, 2018, p. 1). A aula constituiu-se, em seu início, como um plano do qual
emergem situações provocantes que criam acontecimentos, implicando relações
inusitadas, problematizações incertas e criações estranhas ao modelo de vínculos
temporais familiares ao eurocentrismo. É assim que o presente entrou nessa aula: como
puro estranhamento. O presente e suas urgências, em vez de apresentarem-se como
o que define o porvir ou o que sugere um limite às relações possíveis com o passado,
tornam-se o próprio tempo, ainda não demarcado pelo padrão de possibilidades de
sua interpretação. Assim, ele provoca uma angústia que se inicia com o professor e
passa aos alunos, tornando-se o próprio tempo da aula. Ou seja, a angústia com o
presente torna-se a justa abertura que permite ir ao passado para problematizar o
presente e aprender com o passado. Foi assim que a aula se iniciou com um clichê
enunciado pelo então presidente eleito do Brasil: “Tudo é ‘coitadismo’, diz Bolsonaro
sobre negros, mulheres e nordestinos” (Veja, 2018 apud Corrales e Beskow, 2018).
O lançamento desse clichê para iniciar uma aula de história sobre o passado
imperial brasileiro foi como criar um fosso por onde desceram todos os modelos já vistos
e experienciados sobre o que consiste em aprender sobre o passado que aqueles alunos
conheciam. As forças continuaram a cruzar o que já era, àquela altura, um acontecimento,
a sala de aula de Bruno e Misael. E eles perguntam aos estudantes: “Será que é ‘coita-
dismo’ mesmo?”. Uma pergunta aparentemente simples é justamente o que angustia e
abre de uma só vez para o campo da imaginação, para o campo da problematização e,
por fim, para o campo da criação. Esse tipo de pergunta faz tremer o senso comum, o
que parece não só inquestionável na experiência histórica dos estudantes, mas também
prepara um não lugar em que todas as crenças podem, num piscar de olhos, ser desfeitas,
e é exatamente aí, numa espécie de gênese da criação, que o passado aparece, ao mesmo
tempo que o presente e o futuro. Misael e Bruno afirmam:
a ideia é discutir com os alunos se os movimentos de luta das populações que
sofrem discriminação podem ser considerados puramente como “vitimismo” ou
se decorrem de uma reação a um processo maior em que esses preconceitos fo-

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Ensinar história [entre]laçando futuros

ram produzidos e construídos historicamente na sociedade brasileira ao longo


dos últimos dois séculos. (Corrales e Beskow, 2018, p. 3)

Essa aula da turma 82 foi notável, pois se propôs abordar temáticas urgentes
que ultrapassam os limites temporais e estudar os conceitos de “escravidão, resistên-
cia, discriminação, racismo e desigualdade social”. Conforme Bruno e Misael, a aula
dividiu-se em três momentos: o primeiro passou pela leitura do artigo 3º da Consti-
tuição Federal de 1988, iniciando-se uma breve discussão sobre como os preconceitos
de origem, raça, sexo, cor e outras formas de discriminação estão presentes na nossa
sociedade hoje em dia, estabelecendo uma relação com discursos discriminatórios
presentes na mídia — nesse momento foram exibidas algumas manchetes de jornais,
trazendo o que pensa o presidente recém-eleito sobre essas questões; no segundo
momento, foi passado aos alunos dados sobre a população negra, em uma tentativa
de pensar historicamente o racismo e o preconceito; o terceiro momento implicou
a exibição do DVD contido na caixa pedagógica “África no Arquivo”, elaborada
pelo Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS).
O mais impressionante e mais difícil foi a inserção nessa aula das questões refe-
rentes à recente eleição presidencial, particularmente o depoimento do então candidato
Jair Bolsonaro, descrito anteriormente. Entretanto, a abordagem do tema da escravidão
e do racismo, a partir da menção aos ditos do agora presidente da República, permitiu
acessar uma realidade social que não pode ser vista mediante uma leitura fria do passado
ou como uma descrição desinteressada de um presente aceitável e considerado normal. O
recurso a pensar historicamente o racismo e a escravidão foi rigoroso, do ponto de vista
conceitual, e necessário, do ponto de vista ético, pois essa abertura e simpatia, criadas
pelo disparador que dissipou as crenças, os clichês e os modelos enraizados sobre as
relações entre passado, presente e futuro, permitiu uma aula em que os problemas do
presente (desigualdade, movimentos de luta, resistências) misturaram-se às questões
do passado (escravidão, protagonismo dos escravizados, aspectos econômicos do Im-
pério) por meio de um estudo com documentos — cartas de alforria, testamento de
ex-escravos, inventários de senhorios, processos-crime e documento de compra e venda
—, possibilitando imaginar futuros, abrir um campo de estranhamento para a criação
de novas experiências, ao passo que revisamos e repensamos nossas relações no presente.

DE PASSADOS, DE PRESENTES E DE
FUTUROS VIVE A AULA DE HISTÓRIA
Pensar em um passado distante de um presente que lhe é tecnológico e
moralmente superior e na de um futuro que promete uma redenção é um modo
muito particular de uma política do tempo que é excludente, violenta e genocida.
Trata-se de uma maneira eurocêntrica de pensar a temporalidade, de dar sentido
ao tempo, de medir, representar e ter experiência. Assim, a identificação entre o
tempo e a história não é outra coisa senão um modo muito sofisticado de tornar
uma forma específica de medir e representar o tempo universal e necessária. Essa
temporalidade quadripartite, contínua, sucessiva e evolucionista é uma maneira
criada pela modernidade europeia de dar qualidade ao tempo. Sua arma principal

  
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Nilton Mullet Pereira, Carmem Zeli de Vargas Gil, Fernando Seffner e Caroline Pacievitch

foi a de fazer coincidir tempo e temporalidade, para esconder seu caráter particu-
lar e político. Abordar as urgências do presente significa, primeiro, supor que não
há identidade entre tempo e temporalidade e entre tempo e história — o que vai
permitir tornar as aulas espaços disponíveis para a abertura a quaisquer formas de
medir, representar ou experienciar o tempo; segundo, supõe pensar o tempo não
mais por dentro dessa temporalidade eurocentrada, sucessiva e linear, desfazendo a
“solidariedade entre tempo e história”, tal como afirma Pelbart (2004, p. 39).

Trata-se, no limite, de desfazer a solidariedade entre Tempo e História, com todas


as implicações éticas, políticas e estratégicas de uma tal ambição. Ao pensar as mul-
tiplicidades substantivas e os processos que nela operam, aí desentocando tempo-
ralidades as mais inusitadas, no arco que vai do Intempestivo até o Acontecimento,
não terá Deleuze dado voz àqueles que, como diz ele num eco benjaminiano, “a
História não leva em conta”? Não se trata, evidentemente, só dos oprimidos ou das
minorias, embora sempre se trate deles também, mas dos devires-minoritários de
todos e de cada um: não exatamente o povo, mas “o povo que falta”, o povo por vir.

É assim que a tematização do presente se constitui num processo pelo qual


a história problematiza o presente e abre-se aos futuros. Tudo se passa como se, ao
problematizar o racismo, o etnocentrismo ou o lugar das mulheres como um passado
que não passa e que coexiste com o presente, a aula de história pudesse abrir o passado
para o escrutínio da experiência. Trata-se não apenas de pensar a historicidade das
práticas racistas e do caráter estrutural do racismo em nossa sociedade, mas também de
aprender sobre experiências humanas do passado em que o racismo não teve lugar, em
que os problemas tiveram modos diferentes de resolução que ainda não conhecemos.
Ora, dessa maneira, criamos uma indiscernibilidade do próprio passado com o futuro,
já que o futuro deixa de ser o desdobramento da historicidade do presente e se torna a
abertura imaginária de novas possibilidades de vida, nesse caso sem o racismo e sem a
injustiça. Eis o elemento ético do ensino de história, que consiste no que Pagès (2018,
p. 41) chama de “enseñar para la utopía”, ensinar para o futuro.
É desse modo que os planejamentos que apresentamos e as aulas deles decorren-
tes estilhaçaram o tempo: jogando com as temporalidades; fazendo com que um acon-
tecimento qualquer, abordado como uma urgência do presente, pudesse se comunicar
com outros presentes, como outros passados e com outros mundos, colocando em xeque
não só o malfadado movimento contínuo da linha que tem colonizado nossos modos
de pensar e de dar aulas de história, como também a possibilidade de uma descrição de
um passado já sem efeito para a vida. Estivemos, neste artigo, procurando por outros
tempos, outras temporalidades: bifurcadas, coexistentes, coetâneas, turbilhonares. Fica-
mos mergulhados na potência da pergunta de Pelbart (2000, p. 218): Quais seriam esses
outros tempos? Esses “que nossas máquinas de amar, sentir, perceber, sonhar, imaginar,
criam incessantemente, e que nem de longe poderiam entrar sob a rubrica disciplinada
de um tempo da história e de seu sentido excessivamente orientado?”.
A consequência disso tudo foram planejamentos e aulas de história que se
voltaram para a imaginação, para a utopia e para o futuro — no sentido de uma po-
tência aberta à criação de novas relações e de novos mundos. Talvez o que tenhamos

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Ensinar história [entre]laçando futuros

feito nesses anos foi perseguir incessantemente os indícios que nossas “máquinas
de imaginar” deixavam pelo caminho, tenuemente sugerindo que existem muitas
outras vidas, muitos outros tempos, muitas outras maneiras de se criar relações com
o passado e com o futuro, desde a angústia que nos constitui no presente.

REFERÊNCIAS
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2004. p. 19-61.
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SOBRE OS AUTORES

Nilton Mullet Pereira é doutor em educação pela Universidade


Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor na mesma instituição.
E-mail: niltonmp.pead@gmail.com
Carmem Zeli de Vargas Gil é doutora em educação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora na mesma instituição.
E-mail: carmemz.gil@gmail.com
Fernando Seffner é doutor em educação pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor na mesma instituição.
E-mail: fernandoseffner@gmail.com
Caroline Pacievitch é doutora em educação pela Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP). Professora na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS).
E-mail: caroline.pacievitch@ufrgs.br

Recebido em 4 de abril de 2019


Aprovado em 6 de agosto de 2019

© 2020 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd


Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.

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