Boletim #185
Boletim #185
Boletim #185
(semana nº 4)
Boletim Criminal Comentado 185-
Maio de 2022
Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo
Assessores
Olavo Pezzotti
Ricardo Silvares
Rogério Sanches Cunha
Fabíola Sucasas (descentralizada)
Paulo de Palma (descentralizado)
Danilo Pugliesi (descentralizado)
Analistas Jurídicos
Ana Karenina
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SUMÁRIO
1- Tema: Feminicídio contra pessoa menor de 14 anos: antes e depois da vigência da Lei Henry
Borel......................................................................................................................................................4
1-Tema: Rol de testemunhas. Art. 396-A do Código de Processo Penal. Apresentação extemporânea
pela defesa. Indeferimento. Nulidade. Inexistência..............................................................................7
2- Tema: Violação de domicílio. Presença de justa causa para o ingresso forçado de policiais.
Informações obtidas por inteligência policial. Diligências prévias. Atitude suspeita. Exercício regular
da atividade investigativa. Fundadas razões..........................................................................................8
3- Tema: Teoria do juízo aparente pode ratificar medidas cautelares adotadas em inquérito
policial.................................................................................................................................................10
DIREITO PENAL....................................................................................................................................13
1-Tema: Furto no período noturno. Causa de aumento de pena. Art. 155, § 1º, do Código Penal. Furto
qualificado. Não incidência. (Tema 1087)............................................................................................13
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ESTUDOS DO CAOCRIM
1-Tema: Feminicídio contra pessoa menor de 14 anos: antes e depois da vigência da Lei Henry Borel
Antes da Lei 14.344/2022, o autor de um crime de homicídio contra pessoa menor de 14 anos, nos
termos do §2-A do art. 121 do CP, além da qualificadora do feminicídio, teria em seu prejuízo a
incidência da causa de aumento do § 7º, II, em razão da idade da vítima.
A pena de 12 anos – se permanecesse no mínimo - seria aumentada pelo magistrado de 1/3 até 1/2,
culminando numa sanção privativa de liberdade superior a 16 anos, a ser cumprida inicialmente em
regime fechado. Sendo superior a 15 anos de reclusão, seria determinada, inclusive, a execução
provisória da pena, nos moldes do que dispõe o art. 492, I, “e”, do CPP.
Com a nova lei, alterando-se o art. 121, §§ 2º e 7º, do CP, a pena, nas mesmas circunstâncias, muda
(pra menos!). É que a causa de aumento “crime contra pessoa menor de 14 anos” foi revogada,
passando a idade da vítima a servir de circunstância qualificadora. Os jurados, reconhecendo que o
feminicídio foi cometido contra pessoa menor de 14 anos de idade, permite concluir que o crime está
qualificado por duas circunstâncias, uma atuando como tal, fazendo incidir o § 2º, e a outra, já
estando o crime qualificado, servindo ao juiz na fixação da pena-base ou, se prevista em lei, como
agravante.
Contudo, o aumento nessa etapa, mesmo considerando a divergência na jurisprudência, pode variar
de 1/6 até 1/8. Percebe-se que, o legislador, ao que parece involuntariamente, acabou, de qualquer
modo, favorecendo o agente, podendo o condenado pleitear a nova ordem a fato cometido antes da
vigência da Lei 14.344/2022, com fundamento no art. 2º, parágrafo único, do CP.
O que não pode o condenado pleitear é responder somente pelo feminicídio, de modo a não ter
considerada em seu prejuízo a idade da vítima. Esse contorcionismo redundaria em indisfarçável
combinação de leis, o que acabaria na criação de uma terceira lei, violando-se a separação dos
Poderes. Diante desse cenário, o juiz, apurando a maior benignidade entre a lei posterior e anterior,
deve trabalhar com a integralidade das leis em conflito no tempo.
Em sentido semelhante – mas retratando a Lei de Drogas – sumulou o Superior Tribunal de Justiça:
“É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas
disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n.
6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis” (súmula 501).
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Situação semelhante se deu com o advento da Lei 13.654/2018, que revogou a majorante da “arma
branca do crime de roubo”. O STJ, na época, logo concluiu que o emprego de arma branca, mesmo
com a lei revogadora, era apto a fundamentar o aumento da pena-base devido às circunstâncias mais
graves do roubo, e esta operação poderia ser feita até mesmo em grau de recurso sobre fatos
cometidos ainda sob a vigência da majorante revogada, sem que se cogitasse a ocorrência de
reformatio in pejus. Vejamos com mais detalhes essa decisão, não somente por conta da sua
explicação didática, mas também porque serve de paradigma para o debate ora exposto:
“(...) Em grau de apelação, o Tribunal de origem, por maioria, reformou parcialmente a sentença para
afastar a majorante pelo emprego da arma branca no roubo, mas reposicionou a força negativa dessa
circunstância para o primeiro estágio dosimétrico, a fim de exasperar em mais 1 (um) ano a pena-
base, o que resultou na sanção corporal de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime
inicial fechado, e pagamento de 20 (vinte) dias-multa (e-STJ fl. 195).
Os embargos infringentes e de nulidade manejados pela defesa (e-STJ fls. 240-242) foram acolhidos
para afastar a valoração negativa sobre o emprego da arma branca e, com isso, redimensionar a pena
corporal para 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento
de 20 (vinte) dias-multa (e-STJ fls. 255-269).
(...)
Nas razões do recurso especial (e-STJ fls. 322-343), o Ministério Público reputou contrariado os arts.
617 e 619 do Código de Processo Penal e o art. 59 do Código Penal. Suscitou, em primeiro lugar, a
omissão do Tribunal de origem sobre a suposta inconstitucionalidade da supressão do inciso I do §
2º do art. 157 do CP. Na sequência, alegou que o emprego da arma branca, embora não seja mais
passível de configurar causa de aumento para o crime de roubo, pode ser utilizado para majoração
da pena-base. Demais disso sustentou a ausência de reformatio in pejus no caso concreto, pois, a
despeito do recurso exclusivo da defesa, a transposição da referida circunstância do terceiro para o
primeiro estágio dosimétrico não implicou a fixação de pena definitiva maior que a estabelecida no
primeiro grau de jurisdição.
(...)
Ao que se nota, a reforma do acórdão referente ao julgamento da apelação foi justificada pela
inadmissibilidade da reformatio in pejus no caso de recurso exclusivo da defesa.
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Contudo, consoante a jurisprudência desta Corte Superior, "[não] há que se falar no presente caso
em ofensa ao princípio da ne reformatio in pejus. De fato, esta Corte Superior entende que o
emprego de arma branca, embora não configure mais causa de aumento do crime de roubo, poderá
ser utilizado para majoração da pena-base, quando as circunstâncias do caso concreto assim
justificarem" (HC n. 436.314⁄SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 16⁄8⁄2018,
DJe 21⁄8⁄2018).
(...)
No caso concreto, conforme assinalado no voto condutor do julgamento da apelação, "o uso
ostensivo de um facão, arma com altíssima potencialidade lesiva, para ameaçar a vítima" (e-STJ fl.
193) durante a execução do roubo, elevou o senso de reprovabilidade da conduta a ponto de
justificar a exasperação da pena-base, por valoração negativa das circunstâncias do crime” (AgRg no
REsp 1.818.235/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 19/09/2019).
Em síntese, a análise de qual legislação é mais benéfica deve comparar a integralidade do regime
jurídico antigo e do novo, não fatiar a lei e retroagir apenas trechos dela.
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DESTAQUE:
Nos moldes do art. 396-A do Código de Processo Penal, o rol de testemunhas deve ser apresentado
no momento processual adequado, ou seja, quando da apresentação da resposta preliminar, sob
pena de preclusão. Em respeito à ordem dos atos processuais não configura cerceamento de defesa
o indeferimento da apresentação extemporânea do rol de testemunhas.
A teor dos precedentes desta Corte, inexiste nulidade na desconsideração do rol de testemunhas
quando apresentado fora da fase estabelecida no art. 396-A do CPP (REsp 1.828.483/MG, Rel.
Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 03/12/2019, DJe de 06/12/2019).
Na hipótese, não há falar em manifesto prejuízo para a defesa do réu, em razão do indeferimento da
apresentação do rol de testemunhas em momento posterior. Consoante a fundamentação
apresentada pela Corte local, não obstante a defesa do acusado seja exercida pela Defensoria
Pública, observa-se, no caso em exame, que houve pedido genérico para apresentação do rol de
testemunhas de forma extemporânea, sem levar em consideração que a audiência de instrução foi
designada para data distante, havendo, portanto, tempo disponível para que a defesa tenha acesso
ao acusado, atualmente recolhido ao cárcere, mesmo com todas as dificuldades e limitações
decorrentes da pandemia.
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Por fim, como é de conhecimento, no processo penal, as nulidades observam ao princípio pas de
nullité sans grief, consagrado no art. 563 do CPP, segundo o qual "Nenhum ato será declarado nulo,
se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa".
Assim, esta Corte Superior já entendeu que: não é de presumir-se o prejuízo para o réu, pois a
inquirição - se essencial para a busca da verdade real - poderá ser realizada, de ofício, nos termos do
artigo 156 do Código de Processo Penal, restando, ainda, a possibilidade de aportarem-se aos autos
tais fontes de prova sob a forma documental, posto que atípica (HC 202.928/PR, Rel. Ministro
Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em
15/05/2014, DJe de 08/09/2014).
Processo: AgRg no RHC 161.330-RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por
unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 08/04/2022.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
Não tendo sido apresentado o rol de testemunhas no momento oportuno, tem-se o fenômeno da
preclusão. Foi o que decidiu o STJ no julgado em comento.
Importante lembrar que, no caso de denunciado assistido pela Defensoria Pública, também já se
decidiu não se revestir de juridicidade a menção de excesso de serviço e precariedade dos quadros
da Defensoria Pública, na medida em que, tempestivamente, apresentada a resposta escrita.
A circunstância de não se dispor dos endereços das testemunhas não impediria o seu arrolamento,
apontando-se a peculiaridade ao juízo, com a solicitação de prazo para a complementação da
qualificação (STJ – HC n° 192959-RS, Rel. Maria Thereza de Assis Moura, j. 11.04.2013, DJe
23.04.2013).
2- Tema: Violação de domicílio. Presença de justa causa para o ingresso forçado de policiais.
Informações obtidas por inteligência policial. Diligências prévias. Atitude suspeita. Exercício
regular da atividade investigativa. Fundadas razões.
DESTAQUE:
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O ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial para busca e apreensão é legítimo se
amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto,
especialmente nos crimes de natureza permanente, como são o tráfico de entorpecentes e a posse
ilegal de arma de fogo.
Afere-se a justa causa para o ingresso forçado em domicílio mediante a análise objetiva e satisfatória
do contexto fático anterior à invasão, considerando-se a existência ou não de indícios mínimos de
situação de flagrante no interior da residência.
Com efeito, a investigação policial originada de informações obtidas por inteligência policial e
mediante diligências prévias que redunda em acesso à residência do acusado não se traduz em
constrangimento ilegal, mas sim em exercício regular da atividade investigativa promovida pelas
autoridades policiais.
Processo: AgRg no HC 734.423-GO, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por
unanimidade, julgado em 24/05/2022, DJe 26/05/2022.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
Conforme decidido pela Suprema Corte: “A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é
lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas
a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de
responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos
praticados” (Tema 280).
Em que pese o STJ, a depender das circunstâncias, divorciar-se da tese do STF, no caso em exame
dela se aproximou.
Percebe-se que o Pretório Excelso estabeleceu a necessidade de haver uma plausibilidade prévia,
concretamente demonstrável a posteriori, na afirmação de que está a ocorrer um delito no interior
da residência para que se justifique a incidência da exceção constitucional à proteção do domicílio.
Note-se que foi reafirmada a compreensão no sentido de que o crime permanente está sempre em
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Ainda que possa parecer uma obviedade, há, inarredavelmente, um aclaramento em relação ao
regime da presunção de legitimidade dos atos estatais na seara penal. Depreende-se da decisão que
essa presunção pressupõe a demonstração da observância da fórmula constitucional por parte do
agente público, isto é, sua conduta deve ter lastro em circunstância concreta a permitir a afirmação
de que está ocorrendo um crime no interior do domicílio; somente assim sua ação estará́ coberta
pela exceção constitucional, não sendo suficiente, para tanto, a simples denúncia anônima, p. ex.
De se destacar que o caso concreto tinha um crime de tráfico de drogas como pano de fundo, sendo
esta espécie delitiva a que comumente gera esse tipo de discussão, justamente pela elevada
ocorrência e por compreender, dentre as condutas que o concretizam, as de ter em depósito e
guardar.
3- Tema: Teoria do juízo aparente pode ratificar medidas cautelares adotadas em inquérito policial
Notícias do STJ
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a jurisprudência segundo a qual a
teoria do juízo aparente é aplicável para ratificar medidas cautelares no curso do inquérito policial,
quando autorizadas por magistrado aparentemente competente.
O caso julgado teve origem em investigação de supostos desvios de recursos públicos em contrato
de gestão firmado entre uma organização social e um município, para que a entidade administrasse
hospital municipal utilizando recursos provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo os autos, durante o inquérito, a Polícia Civil requereu medidas judiciais de quebra de sigilo
fiscal e de dados, interceptação telefônica, prisão preventiva, sequestro de bens e busca e
apreensão. A prisão foi indeferida pelo juiz, e as outras medidas foram cumpridas pela polícia.
Um dos investigados, em habeas corpus, alegou a incompetência da Justiça estadual para a aplicação
das medidas cautelares, sob o argumento de que as verbas transferidas pelo SUS aos entes
federados, embora incorporadas aos respectivos fundos, não deixam de ser federais, o que
determinaria automaticamente a competência da Justiça Federal. Assim, seriam nulas as provas
colhidas por ordem do juízo incompetente.
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O pedido não foi conhecido pelo tribunal estadual, o qual consignou que não seria o habeas
corpus meio adequado para discutir a questão. Ao STJ, a defesa reforçou os mesmos argumentos.
Em seu voto, o relator do recurso, ministro Ribeiro Dantas, ponderou que, de fato, a jurisprudência
do STJ tem entendido que a ocorrência de desvio de verbas do SUS atrai a competência da Justiça
Federal, tendo em vista o dever de fiscalização e supervisão da União nesse caso.
Entretanto, destacou o ministro, ainda que se reconheça a incompetência do juízo estadual, os atos
processuais até então praticados devem ser avaliados pelo juízo competente, para que ele decida se
os valida ou não.
"Nesta Corte Superior de Justiça, é pacífica a aplicabilidade da teoria do juízo aparente para ratificar
medidas cautelares no curso do inquérito policial, quando autorizadas por juízo aparentemente
competente", afirmou.
Ribeiro Dantas citou precedentes nos quais a Primeira e a Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal (STF) entenderam que, devido à aplicação dessa teoria no processo investigativo, as provas
colhidas ou autorizadas por juízo aparentemente competente à época da autorização ou
da produção podem ser ratificadas posteriormente, mesmo que se reconheça a incompetência do
juízo.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
A teoria da aparência se caracteriza e produz os efeitos que a lei lhe atribui, somente quando realiza
determinados requisitos objetivos e subjetivos. São estes, na lição de Vicente Ráo (e citados no
acórdão):
a) uma situação de fato cercada de circunstâncias tais que manifestamente a apresentem como se
fora uma situação de direito;
b) situação de fato que assim possa ser considerada segundo a ordem geral e normal das coisas;
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c) e que, nas mesmas condições acima, apresente o titular aparente como se fora titular legítimo, ou
o direito como se realmente existisse.
a) a incidência em erro de quem, de boa fé, a mencionada situação de fato como situação de direito
considera;
b) a escusabilidade desse erro apreciada segundo a situação pessoal de quem nele incorreu.
Como se vê, não é apenas a boa fé que caracteriza a proteção dispensada à aparência de direito. Não
é, tampouco, o erro escusável, tão somente. São esses dois requisitos subjetivos inseparavelmente
conjugados com os objetivos referidos acima, - requisitos sem os quais ou sem algum dos quais a
aparência não produz os efeitos que pelo ordenamento lhes são atribuídos" (Ato Jurídico, Saraiva,
São Paulo, 2ª ed. 1979, p. 226).
A teoria em comento tem larga aplicação jurisprudencial na seara civil, processual civil e no Código
de Defesa do Consumidor. No STF, foi usada, de forma pioneira, no RE n 77 814-SP, que tratava da
responsabilidade da empresa, por ato de antigo dirigente que, embora tendo ficado impedido de
continuar a presidir a empresa, pelo fato de ter sido nomeado corretor dos fundos públicos
continuou a operar de fato em nome e por conta da mesma. Por sua vez, o STJ, em julgado da sua 4ª
Turma, no RESP. n 12.811, tendo corno relator o ilustre Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, decidiu, por
unanimidade, que a teoria da aparência mostra-se aplicável nos casos em que vendedor, gerente ou
pessoa equiparada, por expressa ou tácita permissão do comerciante, vende mercadorias, salvo se
comprovado erro inescusável ou má fé de adquirente.
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DIREITO PENAL:
1- Tema: Furto no período noturno. Causa de aumento de pena. Art. 155, § 1º, do Código Penal.
Furto qualificado. Não incidência. (Tema 1087).
INFORMATIVO 738-STJ
DESTAQUE:
A causa de aumento prevista no § 1° do art. 155 do Código Penal (prática do crime de furto no período
noturno) não incide no crime de furto na sua forma qualificada (§ 4°).
Ressalte-se, preliminarmente, que se pode pensar que a fixação de um precedente judicial guarda
relação direta com a consolidação da orientação jurisprudencial uníssona e reiterada do Superior
Tribunal de Justiça, sobretudo quanto coincidente com a posição adotada pelo Supremo Tribunal
Federal.
A disposição técnica do Código Penal assim se apresenta: refere-se o art. 155, § 1º, do CP à pena do
furto simples, prevista no caput desse dispositivo. Desse modo, não se refere à cominação do furto
qualificado, que se encontra três parágrafos depois. Seguindo a técnica legislativa, para que
considerasse aplicável a majorante no furto qualificado, deveria o legislador colocar o § 1º após a
pena atribuída, o que não ocorreu. Se a qualificação do delito é apresentada em parágrafo posterior
ao que trata da majorante, é porque o legislador afastou a incidência desta em relação aos crimes
qualificados previstos no § 4º do art. 155 do CP. Nesse contexto, aderindo a uma interpretação
sistemática sob o viés topográfico, em que se define a extensão interpretativa de um dispositivo legal
levando-se em conta sua localização no conjunto normativo, a aplicação da referida causa de
aumento limitar-se-ia ao furto simples, não incidindo, pois, no furto qualificado.
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Outra forma interpretativa para dirimir a questão é o método hermenêutico teleológico. Aqui, o que
se propõe é a averiguação do objetivo da norma, de seus fins sociais, objetivos ligados à justiça, à
segurança jurídica e à dignidade da pessoa humana. Com efeito, quando se busca o atendimento a
esses aspectos, especialmente o relativo à dignidade humana, devem ser atendidos os princípios da
proporcionalidade e da taxatividade.
Ora, a agravação da pena derivada da incidência da majorante do furto noturno nas hipóteses do
furto qualificado resultaria em um desproporcional quantitativo. Veja-se: o dispositivo relacionado
ao furto cometido durante o repouso noturno (art. 155, § 1º, do CP) prevê acréscimo fixo de 1/3 da
pena. Se possível a incidência dessa mesma majorante no furto qualificado (art. 155, § 4º, do CP),
seriam gerados aumentos excessivos no quantitativo da pena: se considerada a pena mínima, o
acréscimo seria de 8 meses (pena mínima de 2 anos do crime qualificado, aumentada em 1/3). De
outra parte, se considerada a pena máxima, o aumento resultaria em 2 anos e 8 meses. Dessa forma,
a pena do crime de furto qualificado, acrescida do quantum relativo à incidência da majorante,
desconsiderando-se a incidência de quaisquer outras circunstâncias agravantes ou causas de
aumento, poderia resultar em 10 anos e 8 meses, pena superior à do crime de roubo, tipo penal em
que se protegem não só bens patrimoniais, tal qual no crime de furto, mas também a integridade
corporal. Sendo assim, não se mostra razoável que determinada pena possa ser semelhante para
crimes de gravidades diversas, como são o furto, ainda que em sua forma qualificada, e o roubo.
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Ora, é evidente que a lesividade advinda do cometimento do furto qualificado durante o repouso
noturno é maior que a do furto simples ocorrente no mesmo período.
Assim, é razoável admitir a possibilidade de, diante das circunstâncias fáticas, a prática do furto
durante o período de repouso noturno ser levada em consideração na dosimetria da pena. Em outras
palavras, se a incidência da majorante no furto qualificado mostra-se excessiva, poderá ser utilizada
como circunstância judicial negativa na primeira fase da dosimetria (art. 59 do CP). Nessa
oportunidade, o órgão julgador avaliará, sob a ótica de sua discricionariedade, o elemento relativo
ao espaço temporal em que a infração foi cometida, podendo, se assim considerar, analisar a
circunstância judicial referente às circunstâncias do crime com maior reprovabilidade. Esse proceder
possibilitaria calibrar a reprimenda de modo a atender o postulado da proporcionalidade diante do
caso concreto.
Sob o prisma do princípio da taxatividade, como garantia expressa do postulado da legalidade, deve-
se entender que, ao ser positivada uma norma penal incriminadora - tal como uma causa de aumento
de pena -, deve ela ser clara e precisa com vistas a não permitir discricionariedades, bem como ser
de fácil compreensão para os destinatários.
Efetivamente, não há precisão e clareza desejáveis na proposição penal prevista no art. 155, § 1º, do
CP quando se deve definir sua aplicabilidade tanto ao furto simples quanto ao furto qualificado.
Restrita essa norma a indicar situação temporal em que há aumento de pena, não se veem nela
elementos que lhe confiram extensão para que incida nas hipóteses do furto qualificado.
Pensamento diverso, de modo a justificar a incidência extensiva dessa disposição legal, equivaleria a
um agravamento dos tipos já existentes através de uma reinterpretação de garantias do Direito
Penal, especialmente aquela relacionada à interpretação favorável ao réu nos casos em que há
dúvida acerca do sentido da norma. Deve-se ressaltar que a interpretação no sentido de possibilitar
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Também não se justifica a premissa de que, uma vez possível a aplicação da regra do furto
privilegiado (art. 155, § 2º, do CP) ao furto qualificado, seria possível a incidência da causa de
aumento relativa ao cometimento do furto durante o repouso noturno (art. 155, § 1º, do CP) no furto
qualificado.
O privilégio previsto no § 2º do art. 155 e a causa de aumento relativa ao furto noturno são hipóteses
fático-jurídicas diversas. A primeira refere-se a uma norma penal não incriminadora; a segunda, a
uma causa de aumento, uma norma penal incriminadora.
Sendo o furto privilegiado uma norma não incriminadora, pode comportar extensividade quando
utilizado para integração do sistema jurídico penal. Já o furto cometido durante o repouso noturno,
por ser uma norma incriminadora, tem sua extensividade vedada, visto que tem por consectário o
agravamento da situação do réu. Com efeito, o uso de raciocínio analógico integrativo no âmbito do
Direito Penal é inadmissível em hipótese em que haja prejuízo para o acusado.
Desse modo, também sob a ótica de uma interpretação finalística, em que se deve conferir
aplicabilidade aos princípios da proporcionalidade e da taxatividade, a incidência da causa de
aumento referente ao cometimento do furto noturno limita-se ao furto simples, não se aplicando ao
furto qualificado.
Processo: REsp 1.890.981-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Terceira Seção, por unanimidade,
julgado em 25/05/2022 (Tema 1087)
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
“1. Não convence a tese de que a majorante do repouso noturno seria incompatível com a forma
qualificada do furto, a considerar, para tanto, que sua inserção pelo legislador antes das
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qualificadoras (critério topográfico) teria sido feita com intenção de não submetê-la às modalidades
qualificadas do tipo penal incriminador. 2. Se assim fosse, também estaria obstado, pela concepção
topográfica do Código Penal, o reconhecimento do instituto do privilégio (CP, art. 155, § 2º) no furto
qualificado (CP, art. 155, § 4º) - como se sabe, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a
compatibilidade desses dois institutos. 3. Inexistindo vedação legal e contradição lógica, nada obsta
a convivência harmônica entre a causa de aumento de pena do repouso noturno (CP, art. 155, § 1º)
e as qualificadoras do furto (CP, art. 155, § 4º) quando perfeitamente compatíveis com a situação
fática”1.
"'Admite-se o uso de informações processuais extraídas dos sítios eletrônicos dos tribunais, quando
completas, a fim de demonstrar a reincidência da parte ré, sendo descabido o entendimento de que
apenas a certidão cartorária tem condição de demonstrar a referida circunstância agravante.
Precedentes' (AgRg no HC 448.972/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 16/8/2018, DJe 24/8/2018). "
AgRg no HC 704.114/PR, relator ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe de 2/3/2022.
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COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
1-Tema: Divergência acerca do foro competente para apuração de tráfico de drogas (remessa de
substâncias psicoativas pelo correio).
Autos n.º 1500xxx-5x.2021.8.26.0346 – MM. Juízo da Vara Única da Comarca de Patrocínio Paulista
Suscitante: Promotor de Justiça de Patrocínio Paulista
Suscitado: Promotor de Justiça de Martinópolis
Assunto: divergência acerca do foro competente para apuração de tráfico de drogas (remessa de
substâncias psicoativas pelo correio).
Cuida-se de investigação penal instaurada para apurar a prática do crime de tráfico ilícito de
entorpecentes (art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/06), praticado por meio de remessa de substância
psicoativa via postal para a Penitenciária de Martinópolis (fls. 2/3).
Depreende-se da análise dos autos que, no dia 12 de maio de 2021, por volta das 13h40min,
os agentes penitenciários Luciano Rodrigo Magi e Sérgio Antônio Mazetti estavam na Penitenciária
"Tacyan Menezes de Lucena", localizada à Rodovia SP 284, altura do km 542, na cidade de
Martinópolis, quando em revista à correspondência enviada ao sentenciado CARLOS ALESSANDRO
MARTINS, enviada via SEDEX, foram localizadas 10 tiras de papel, aparentando ser droga ilícita "K4",
constando como remetente José Carlos Alessandro, genitor do sentenciado, regularmente inscrito
no rol de visitas da unidade (cf. Boletim de ocorrência de fls. 4/5).
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Apurou-se que a droga foi postada na data de 03 de maio de 2021 na Cidade de Itirapuã, que
é abrigada pela Comarca de Patrocínio Paulista (fls. 28/29).
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Vieram aos autos folha de antecedentes e certidões criminais do investigado (fls. 127/138).
O pleito ministerial foi atendido a fls. 126, sendo os autos encaminhados a Comarca de
Patrocínio Paulista.
Vieram os autos a esta Chefia Institucional para solução do impasse (fls. 145).
Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do
Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado
(conflito negativo), ou quando dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem
a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime
Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pp. 486-487).
Pois bem.
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A razão assiste ao Douto Suscitado, com a máxima vênia do Ilustre Suscitante; senão,
vejamos.
Verte dos autos que a droga foi postada na agência dos Correios do município de Itirapuã
(Comarca de Patrocínio Paulista) e remetida, via Sedex, à cidade de Martinópolis, constando como
destinatário o sentenciado CARLOS ALESSANDRO MARTINS. Consumou-se, assim, crime de tráfico
ilícito de entorpecentes.
O tráfico de drogas é delito de ação múltipla, de conteúdo variado, cuja consumação deriva
diretamente do núcleo verbal a que se subsome a conduta específica do agente. In casu, cotejando-
se a ação criminosa – evidentemente, dentro do que foi apurado até o momento – com os dezoito
verbos que compõe o tipo, conclui-se que o melhor enquadramento típico se insere no núcleo
remeter.
Fixado isso, e analisando-se o iter criminis percorrido pelo agente, tem-se que o delito se
consumou no exato instante em que o objeto foi entregue na agência dos Correios, de modo que,
aplicando-se a norma processual-base sobre competência (artigo 70 do Código de Processo Penal),
assenta-se que a competência para apreciação dos fatos é o Juízo Criminal da Comarca de Patrocínio
Paulista, a que pertence a cidade de Itirapuã, do que descende a atribuição do Promotor de Justiça
respectivo.
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Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 18/3/2020), sempre conectados ao atrativo da
melhor produção probatória.
Na hipótese ora tratada, já apurada de pronto a materialidade com a apreensão, deve seguir
a investigação no sentido da elucidação da autoria, e, quanto isso, tem-se que as únicas diligências
úteis relacionadas à Comarca de Martinópolis, notadamente as constantes do procedimento
disciplinar, já foram realizadas.
Importante mencionar, ainda, que o precedente apontado pelo Douto Suscitante trata de
hipótese muito diferente da tratada nos presentes autos. Na hipótese trazida, o Colendo Superior
Tribunal de Justiça flexibilizou o disposto na Súmula 528 para entender competente o foro do local
do destino da droga, nas hipóteses de importação de entorpecentes.
Em tal contexto, realmente, faz muito mais sentido que a investigação e a instrução
probatória sejam realizadas no local de destino do entorpecente; até porque os fatos não possuem
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conexão alguma com a barreira alfandegária responsável pela apreensão nem, tampouco, é possível
se apurar o local preciso e exato da entrada da mercadoria no país.
Outra é a hipótese dos autos: a conduta de remeter teve o seu local de consumação
precisamente identificado, de modo que não há falar-se na aplicação analógica das conclusões
alcançadas no citado acórdão, já que totalmente díspares as circunstâncias, se aproximando apenas
no concernente a um dos elementos – a remessa postal.
E, por outro lado, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já se manifestou em hipótese que
melhor se aproxima do caso ora tratado:
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E mais recentemente:
DECISÃO:
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É o relatório.
Decido.
Nesse sentido:
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Publique-se. Intimem-se.
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Diante do exposto, conhece-se deste incidente, declarando-se que a atribuição para atuar
no caso incumbe ao Douto Promotor de Justiça de Patrocínio Paulista.
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