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COMENTÁRIO BÍBLICO
BEACON
LUCAS 1-9
COMENTÁRIO BÍBLICO
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LUCAS 1-9
D A V I D A. NEALE
GERÊNCIA EDITORIAL Luke 1-9 New Beacon Bible Commentary / David A. Neale / © 2011
Published by Beacon Hill Press of Kansas City, A division of Nazarene Publishing
E DE PRODUÇÃO
House. Kansas City, Missouri, 64109 USA. This edition published by arrangement
Jefferson Magno Costa
with Nazarene Publishing House. All rights reserved.
Copyright © 2015 por Editora Central Gospel.
COORDENAÇÃO
EDITORIAL
Michelle Candida Caetano
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
COORDENAÇÃO
DE COMUNICAÇÃO Autor: NEALE, David A.
E DESIGN Título em português: Novo Comentário Bíblico Beacon: Lucas
Regina Coeli 1—9
Título original: Luke 1-9 New Beacon Bible commentary
Rio de Janeiro: 2015
TRADUÇÃO 280 páginas
Elias Santos Silva
1. Bíblia - Teologia I. Título II.
REVISÃO
Maria José Marinho
Queila Memoria
CAPAE
PROJETO GRÁFICO
Eduardo Souza
1a edição: Outubro/2015
À Christine
EDITORES DO COMENTÁRIO
Editores gerais
Alex Varughese George Lyons
Ph.D., Drew University Ph.D., Emory University
Professor de Literatura Bíblica Professor do Novo Testamento
Mount Vernon Nazarene University Northwest Nazarene University
Mount Vernon, Ohio Nampa, Idaho
Roger Hahn
Ph.D., Duke University
Reitor do Corpo Docente
Professor do Novo Testamento
Nazerene Theological Seminary
Kansas City, Missouri
Editores secionais
10
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON SUMÁRIO
11
ÍNDICE DE ANOTAÇÕES
COMPLEMENTARES
16
PREFÁCIO DO AUTOR
20
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON ABREVIAÇÕES
Sofonias Sf
Ageu Ag
Zacarias Zc
Malaquias Ml
(Nota: A numeração de capítulo e versículo no TM e na LX X geralmente difere em com-
paração com as Bíblias em inglês/português. Para evitar confusão, todas as referências bí
blicas seguem a numeração de capítulo e versículo das traduções para o português, mesmo
quando o texto TM e L X X está em discussão).
Novo Testamento
Mateus Mt
Marcos Mc
Lucas Lc
João Jo
Atos dos
Apóstolos At
Romanos Rm
1 Coríntios 1 Co
2 Coríntios 2 Co
Gálatas G1
Efésios Ef
Filipenses FP
Colossenses Cl
1 Tessalonicenses lT s
2 Tessalonicenses 2 Ts
1 Timóteo 1 Tm
2 Timóteo 2 Tm
Tito Tt
Filemom Fm
Hebreus Hb
Tiago Tg
1 Pedro 1 Pe
2 Pedro 2 Pe
1 João ljo
2 João 2 Jo
3 João 3 Jo
Judas Jd
Apocalipse Ap
Apócrifos
Bar. Baruque
1 —2 Mac. 1 —2 Macabeus
3 —4 Mac. 3 —4 Macabeus
O. Man. A Oração de Manasses
Tob. Tobias
SS A Sabedoria de Salomão
21
ABREVIAÇÕES NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
Pais da Igreja
Irineu Haer. Contra as H eresias
Eusébio Hist. Eel. H istória Eclesiástica
Tertuliano Marc. Contra M arcião
Pseudoepígrafos do AT
lE n . 1 Enoque (Apocalipse Etiópico)
As. Mo. A Assunção de Moisés
Jos. Asen. José e Asenate
Jub. Os Jubileus
S. Sal. Os Salmos de Salomão
T. Ab. Testamento de Abraão
T.Jac. Testamento de Jacó
Pergaminhos do mar M orto e textos relacionados
Q Qumrã
1 QHa Hodayota ou Hinos de Ações de Graças
1 QM Milhamah ou Pergaminho da Guerra
1QS Serek Hayahad ou Regra da Comunidade
Josefo
Ant. Antiguidades Judaicas
Textos rabínicos
Avot Aboth
k Talmude B abilónico
H ag H agigah
m. M ixná
Sabb. Sabbat
Sanh. Sinédrio
Tamid Tamid
Yoma Yoma
Transliteração do grego
Grego Letra Transliteração
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22
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31
INTRODUÇÃO
34
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON INTRODUÇÃO
2. Fontes sinóticas
O assim chamado Problema Sinótico é um debate constante sobre a inter
dependência de Mateus, Marcos e Lucas como fontes literárias. Embora não
35
INTRODUÇÃO NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
4. Os primeiros leitores
Para quem Lucas escreveu o seu Evangelho? Já que nada se sabe sobre a
comunidade na qual ele vivia, as tentativas de descrevê-la são uma questão de
conjectura. Todavia, a informação sobre a comunidade dos primeiros leitores
pode ser deduzida por sua abordagem teológica.
Primeiro, a mensagem tem um apelo fundamental àqueles que estão fora
do judaísmo étnico. Ela é um convite para os que eram anteriormente excluí
dos, a fim de que se unam à salvação do Deus de Israel. Numerosas histórias no
Evangelho tornam esse ponto evidente (a viúva de Sarepta em Sidom, Naamã,
o sírio [ambos do material L], o centurião, o endemoninhado geraseno [ambos
do material sinótico], o banquete messiânico, no qual os filhos de Israel são ex
cluídos e outros são incluídos [material Q]). Quando essa ênfase é combinada
com a mensagem do evangelho de Atos aos gentios, sugere-se que, pelo menos
parcialmente, o público de Lucas não era judeu.
Entretanto, essa não é a história completa, já que Lucas, assim como to
dos os Evangelhos, também apela à exclusão dos judeus étnicos dentro de
Israel (os leprosos, os publicanos e pecadores, a mulher com o fluxo de san
gue [todos Sinóticos], a mulher pecadora, os samaritanos, o filho pródigo,
Lázaro, Zaqueu [todos L], o grande banquete ignorado [Q]). Logo, é difícil
categorizar o público do Evangelho como judeu ou como gentio, já que ele
apela a todos os que estão sofrendo uma exclusão baseada na ortodoxia reli
giosa. O primeiro público de Lucas quase certeiramente incluía tanto judeus
quanto gentios.
Se esse Lucas for o companheiro de Paulo, que viveu viajando amplamente
pela bacia do Mediterrâneo, podemos concluir que o seu público era, em gran
de parte, não palestino. Sua pouca noção de geografia palestina sugere que o seu
39
INTRODUÇÃO NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
Evangelho foi a criação de uma diáspora; e o seu apelo principal seria o público
daquele mundo.
vida de seis indivíduos que se encontram com Jesus (veja Tannehill, 2005, p.
84-101). A confissão de Simão Pedro introduz o tema: “Afasta-te de mim, Se
nhor, porque sou um homem pecador!” (5.8). Isso aparece próximo à história
do chamado de Levi (5.27-32) e da controvérsia entre Jesus e os fariseus sobre
a comunhão com os pecadores. No final dessa história, Jesus anuncia: “Eu não
vim chamar justos, mas pecadores ao arrependimento”.
O arrependimento também é a proclamação paradigmática da parte cen
tral de Lucas. Depois, vem o arrependimento da mulher pecadora em 7.36-50,
do filho pródigo em 15.11-32, do publicano em 18.1-8 e, finalmente, do arre
pendimento de Zaqueu, o cobrador de impostos em 19.1-10.
Na passagem final sobre Zaqueu nessa temática, um anúncio conclusivo
sobre o arrependimento dos pecadores é encontrado: “Hoje houve salvação
nesta casa! Porque este homem também é filho de Abraão. Pois o Filho do
homem veio buscar e salvar o que estava perdido” (Lc 19.9,10). Essa declaração
faz o encerramento do ministério galileu, quando Jesus entra em Jerusalém no
final do capítulo 19. Talvez seja o objetivo de Lucas que aqueles que lessem cui
dadosamente pudessem encontrar a oportunidade para a sua própria redenção
nas histórias desses penitentes. Se esses terríveis pecadores podiam ser salvos,
os leitores concluiriam muito bem que eles também poderiam ser salvos. Se for
assim, o propósito retórico de Lucas não é apenas contar a história de Jesus,
mas induzir os leitores ao arrependimento.
As causas para o arrependimento de seus leitores são variadas: um milagre
(Pedro), um chamado (Levi), estar na presença de Jesus (a mulher pecadora), a
experiência de uma necessidade extrema (o pródigo), a santidade no templo (o
publicano) e uma visita de Jesus (Zaqueu). Os resultados da experiência tam
bém são diferentes: Pedro prostra-se de joelhos; Levi abandona sua mesa de
coleta; a mulher pecadora fica cheia de remorso e gratidão; o pródigo humi
lha-se e volta para casa; o publicano bate no peito, e Zaqueu promete devolver
o dinheiro. Contudo, todos são transformados de alguma maneira.
Existe uma linha de narrativa que permeia a ilustração desses pecadores —
um sentimento compartilhado de santidade. Todos eles experimentam temor e
reverência em seu encontro com Jesus. E há um resultante sentimento de culpa
pessoal (e institucional) que leva ao arrependimento e à transformação. Essas
experiências dos personagens de Lucas alimentam o seu paradigma de arrepen
dimento e perdão no decorrer do Evangelho.
Na perspectiva da teologia prática, será que essa salvação pelo arrepen
dimento e perdão é expressa na plena transformação do indivíduo? Nós não
vemos nesse Evangelho o resultado de discípulos transformados em cristãos
41
INTRODUÇÃO NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
2. A eleição redefinida
Em Lucas, os termos usados para descrever o relacionamento da huma
nidade com Deus são mudados de eleitos (Israel) e não eleitos (as nações ou
os gentios) do AT para “perdidos” e “achados” do Evangelho. Colocando isso
de outra forma, os israelitas, como o povo de Deus no centro da história da
salvação, são substituídos por um novo povo — aquele que se arrepende e é
perdoado. A categoria de “nações”, característica da teologia do AT, é suplan
tada por uma nova categoria, os perdidos — todos os que se recusam a aceitar
o Messias de Israel.
Nesse novo conceito de salvação, Israel é privilegiado ou excluído, conde
nado ou salvo; é um povo que simplesmente perde sua posição de ser singu
lar entre os escolhidos. Assim como todos os povos, ele deve arrepender-se e
humilhar-se diante de Deus. Para usar a ilustração de Lucas 13.22-30, aqueles
que não se arrependerem, sejam judeus ou gentios, achar-se-ão excluídos do
banquete messiânico. Eles serão deixados de fora, nas ruas escuras e perigosas.
“Em Lucas/Atos, a expansão da salvação e a inclusão de todas as pessoas da
família de Deus representam o plano do Senhor. Além do mais, a reação de
arrependimento do homem à oferta da salvação abrange uma parte vital desse
plano” (Nave, 2002, p. 29).
Em Lucas, então, a aliança entre Deus e Sua vinha, Israel (Is 5), ficou
subordinada a uma mensagem de salvação mais ampla. Essa é uma inovação
42
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON INTRODUÇÃO
justo c promover devoluções por quaisquer delitos de seu passado. Todos es
ses pecadores demonstraram como a salvação funciona. A conduta deles como
pecadores arrependidos exemplifica a vida de santidade e plenitude que Jesus
veio disseminar.
Os gentios realmente encontram o caminho para Jesus no Evangelho, ali
ás, demonstram uma grande fé (7.1-10; 23.7). A semente da integração do gen
tio está contida no sermão inaugural de Jesus em Nazaré. Nele, Cristo exalta a
bondosa inclusão de Deus quanto aos gentios por intermédio de Elias e Eliseu
(4.25-30). Todavia, a significância desse novo paradigma não é plenamente re
alizada na teologia de Lucas antes de seu segundo volume, Atos dos Apóstolos.
Neste, os primeiros não judeus a serem incluídos no movimento cristão fazem
isso na base do arrependimento e do perdão, demonstrando que não é pela
identidade étnica ou pelos termos históricos da referência de Deus e de Sua
nação eleita que a salvação funciona (At 10.43).
O novo mecanismo da salvação é a atitude do coração — independente
mente se o indivíduo é judeu ou gentio. É aí, no deslocamento do evangelho
de Jerusalém para Roma, em Atos, que a nova visão de Lucas sobre o acesso
universal à salvação emerge — o estágio da salvação é vastamente expandido
para a nova era da Igreja (veja mais, Por trás do texto, Lc 15.1-10).
3. Outros temas
Jerusalém . Lucas é um autor cujo olhar repousa sobre o centro geográfico
do judaísmo do templo — Jerusalém. A história viaja em um circuito, come
çando em Jerusalém e seus arredores com as narrativas do nascimento de João
e do de Jesus, e depois vai da Galileia de volta a Jerusalém, nos capítulos 5— 19>
em que o drama final acontece nos capítulos 20—24. Como é a cidade de Seu
destino (9.31,44,51), Jesus não pode perecer em nenhum outro lugar (13.33).
Ele p a rte de Jerusalém após a Sua ressurreição, indicando a trajetória exterior
que o evangelho, então, percorrerá (24.15,46,47). Dessa órbita em torno da
cidade mais santa do judaísmo, esse centro de gravidade, a mensagem será lan
çada ao mundo gentio.
Esperança suspensa. Existe também um forte sentimento de expectativa
messiânica davídica no decorrer do Evangelho (1.32; 18.35-43). A comunida
de de Lucas havia ficado desanimada na antecipação de seu livramento. M ui
tas décadas se passaram desde que Jesus andara pelas montanhas da Galileia,
e Paulo já havia morrido há tempos. Aquela era uma comunidade que queria
44
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON INTRODUÇÃO
desistir. Lucas lidou com esse tema em seu material especial em 18.1-8 (veja
também o comentário em 21.19). A hostilidade contra o movimento cristão
havia se tornado a realidade dominante na época em que o Evangelho de Lucas
foi escrito. A perseverança da comunidade da fé é uma das lentes fundamentais
pela qual a narrativa de Lucas deve ser lida. É nesse sentido de esperança sus
pensa que o material de Lucas sobre a expectativa messiânica discorre.
D. Estrutura e trama
Algumas observações gerais podem ser feitas sobre a trama do Evangelho
de Lucas. Em Marcos e Mateus, o ministério de Jesus, quando adulto, aparece
completamente formado no capítulo 1. Lucas, seguindo um prólogo normal,
expõe um complexo contexto cronológico e religioso para as origens de Jesus.
Sua história começa com uma extensa narrativa do precursor do Messias, João
Batista. Tendo criado esse contexto, Lucas passa para o nascimento de Cristo, e
dois acontecimentos no templo confirmam a Sua identidade como o escolhido
de Deus (Simeão e Ana). Pulando para 12 anos depois, Lucas traz uma ilustra
ção do menino Jesus no templo, trazendo mais confirmação e complexidade à
imagem do jovem. Com outro salto cronológico de 18 anos, a história começa
a convergir com o retrato sinótico do início do ministério de João como um
homem já adulto.
Seguindo o teste inaugural de sua lealdade a Deus no deserto, a parte cen
tral do Evangelho de Lucas começa recontando o ministério de Jesus em Sua
cidade natal e nos arredores. A porção galileia de Seu ministério estende-se até
9.50. Em uma série de eventos de curas, libertações e ensinamentos, o ministé
rio de Jesus é apresentado com a aprovação de Seus seguidores e do público em
geral. Obscuridades começam a surgir, entretanto, quando os líderes religiosos
fazem objeção à Sua conduta. Desde questões legais, do tipo de companhia que
Ele tinha até as referências cada vez mais evidentes à Sua identidade como Fi
lho de Deus, um ethos de conflito começa a formar-se em torno de Jesus como
uma figura controversa. O auge dessa seção é a transfiguração, na qual a Sua
identidade é plenamente revelada, e Seus oponentes são claramente revelados
como injustos. O palco agora est dark edges á preparado para o restante da
história.
No final do capítulo 9, numerosas referências ao martírio começam a surgir
no texto, e o Seu percurso para Jerusalém, cidade de Seu destino, fica estabele
cido. Ali, Ele encontrará a Sua morte preordenada. Dos capítulos 10 a 19, Jesus
ministra no caminho para Jerusalém em um contexto narrativo cronológico e
geográfico levemente apresentado. Na medida em que a narrativa desenvolve
-se rumo à climática entrada em Jerusalém, muito do material peculiar de Lu
cas é encontrado: Suas parábolas sobre o filho perdido, o administrador astuto,
o fariseu e o publicano e a história de Zaqueu. Essas características constituem
a influência mais marcante de Lucas na tradição do Evangelho.
Uma vez que Jesus entra na cidade sagrada, a história de Seu sofrimento fica
bem paralela à tradição sinótica. Seguidamente à Sua morte, Lucas novamente
47
INTRODUÇÃO NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
E. Conflito
A trama tem uma máquina de conflito impulsionando a história adiante.
Em Lucas, cinco histórias de conflito fornecem o combustível para a contro
vérsia em torno de Jesus: a cura do paralítico (5.17-26); o chamado de Levi
(5.27-32); a questão do jejum (5.33-39); a colheita do grão no sábado (6.1-5)
e a cura do homem da mão atrofiada, no sábado (6.6-11). Lucas segue Marcos
nesse material (Mc 2.1—3.6).
Todas as cinco histórias têm um formato comum:
F. Caracterização
Os autores constroem personagens para preencherem seus mundos his
tóricos. Em certos pontos do comentário, alguma referência será feita sobre
como Lucas constrói os seus personagens. Ele confere aos personagens de sua
história, entre outras coisas, opiniões, motivação, padrões de comportamento
e falas, emoções, ambição, defeitos e fracassos. Os personagens desenvolvem
uma relação uns com os outros. Alguns são protagonistas, outros, antagonistas,
e ainda outros, espectadores. Por meio dos relacionamentos entre esses perso
nagens, o autor constrói um mundo histórico de significado.
Na narração do Evangelho por Lucas, encontramos o diabo, Deus, os
profetas, Jesus, José, Maria, Zacarias e Isabel, João Batista, Simeão e Ana, os
discípulos, as multidões, os pecadores e os cobradores de impostos, Herodes,
Zaqueu, o filho pródigo, o bom samaritano, os fariseus e os mestres da lei, e
muitos outros. Esses são os protagonistas da história, e o que sabemos sobre
eles vem inteiramente da caracterização do autor sobre cada um. Uma rápida
olhada para Jesus e para os fariseus pode demonstrar esse ponto.
Em todos os quatro Evangelhos, Jesus é uma figura complexa, alguém que
faz uma ponte entre o mundo divino e o humano. Em Lucas, Jesus consegue
vencer todo tipo de oposição e tem confiança em Sua missão como o Filho
de Deus. Ele surpreende aquele à Sua volta, falando e agindo de maneira que
transforma aqueles a quem Ele encontra. No decorrer da narrativa, Cristo so
brepõe o diabo e os fariseus por um lado, e a doença física, a insanidade e a
morte (do filho da viúva de Naim) por outro lado. Os demônios, os centuriões
e as multidões obedecem à Sua palavra e cumprem Suas ordens. Sua divindade
49
INTRODUÇÃO NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
é atestada por todos esses feitos, pela voz do próprio Deus e pelos profetas da
antiguidade, que ficaram ao Seu lado no monte da Transfiguração.
Quando Jesus entra em Jerusalém, entretanto, Ele entrega-se aos poderes
ceifadores da morte e voluntariamente se submete às autoridades de Jerusalém,
até mesmo à morte na cruz. E necessário que Ele “sofra” e “seja morto” (9.22),
conforme a narrativa nos diz. E uma questão de compulsão redentora, e Ele,
final e prontamente, submete-se à autoridade dos sacerdotes por uma questão
de escolha. Quando Jesus morre, Ele o faz porque assim escolhe (“não seja feita
a minha vontade, mas a tua” [22.42]). E é aí que a força moral e espiritual da
morte reside. Ele é uma figura complexa e sobrenatural, mas é alguém com
quem o leitor rapidamente se simpatiza de maneira plena.
A escolha que Ele faz de submeter-se à cruz é central ao significado de Sua
morte. Pode-se até dizer que, da perspectiva de Lucas, Jesus sujeita-se à morte
na cruz como o Seu supremo ato de humildade. Essa é a mesma característica
que salva a todos no Evangelho de Lucas (veja mais no comentário em 23.32
43).
Toda essa caracterização faz parte da estrutura teológica de referência de
Lucas. Embora o mal tenha o seu dia de glória na crucificação de Jesus, isso
acontece com a permissão divina. Ao mesmo tempo, Jesus tem uma responsa
bilidade humana que surge de Sua existência humana. O drama duplo da pro
vidência e da agência humana mistura-se na apresentação da paixão por parte
de Lucas. O aspecto humano da natureza de Jesus está livre para agir (como
afirma a teologia wesleyana). Contudo, isso tudo ocorre dentro da agência so
berana de Deus. Esse é o supremo mistério da vinda de Cristo para o meio dos
homens — Deus e os homens como coautores em um mundo. A força da teo
logia wesleyana está na disposição de abraçar o mistério da função humana na
ação divina e de tentar entender a vida na ambiguidade desse mistério. Nesse
sentido, a caracterização de Jesus carrega o coração da mensagem teológica de
Lucas.
A caracterização dos fariseus, por outro lado, é quase inteiramente nega
tiva no terceiro Evangelho. Os fariseus servem como uma perfeita frustração
para a sabedoria e o poder de Jesus, os quais eles não conseguem compreender.
Eles são o exemplo negativo dos leitores, instruindo-os em como não devem
pensar e agir em relação à reivindicação de Jesus quanto à filiação.
Os leitores contemporâneos não devem, porém, adotar a caracterização
como um retrato histórico dos líderes judaicos em geral ou como a seita dos
fariseus em particular. Embora alguns de Seus contemporâneos realmente se
oponham a Jesus, essa caracterização dos líderes judaicos em oposição a Ele
50
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON INTRODUÇÃO
1. O apocalipse
A passagem desta presente época e a chegada do tempo futuro era uma
característica central na ideologia do cristianismo primitivo. As primeiras es
critas de Paulo são evidências de que o fim da história era tido como iminente,
especialmente em 1 e 2 Tessalonicenses. A tradição sinótica também contém
material que lida com o fim da história e a introdução do mundo celestial que
virá. Analisadas em conjunto, as testemunhas dos Evangelhos e os escritos de
Paulo indicam que havia um grande sentimento entre os primeiros seguidores
de Jesus de que o presente século estava rapidamente chegando ao fim e que o
Reino de Deus seria logo estabelecido.
51
INTRODUÇÃO NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
presente? Ou será que Ele concebia um Reino na terra que logo chegaria? Nos
estudos do Evangelho, Marcos parece, para muitos, ser o mais apocalíptico em
seu tom (Mc 13; veja, porém, as visões expressas por Brower, M arcos, também
presente nesta série, que enxerga Marcos 13 como essencialmente relacionado
à destruição do templo). A reedição de Marcos por Mateus também é conside
rada mais inclinada ao apocalíptico. Lucas, entretanto, parece ter amenizado
a natureza apocalíptica desse material (veja Fitzmyer, 1981, 1:18-22), assim
como nós também.
A comunidade de todos os evangelistas tinha a sua própria perspectiva
sobre a transformação dos séculos. Quando mais desesperada fosse a situação
dela com respeito às potências da região, mais se engajaria em uma especulação
apocalíptica para aliviar o aparente desespero de sua luta. Lucas parece ter ame
nizado ainda mais o tom apocalíptico de Marcos e Mateus.
Diversas características dão vazão a essa observação: a mais óbvia é que
Lucas escreveu uma obra em dois volumes, que contava não só a história de
Jesus, mas também a história da Igreja primitiva, isto é, Lucas viu o drama da
história desenrolando-se em três estágios: a era da lei e dos profetas, a era de
Jesus na terra e a era da Igreja (à qual o livro de Atos é dedicado; Conzelmann,
1982, p. 95). O último estágio era entendido por Lucas como um longo espaço
de tempo, a era da Igreja. Essa ênfase deu ânimo à jovem Igreja para viver no
mundo assim como ele era, enfrentar as perseguições e engajar-se nos empreen
dimentos missionários em um esforço para transformar o mundo.
A inclinação para amenizar o sentimento apocalíptico do material do
Evangelho pode ser visto de outras formas. Lucas é conhecido, como abun
dantes evidências neste comentário demonstrarão, por sua preocupação com
o atual sofrimento do pobre, do enfermo e do marginalizado. A evidência do
Reino é a cura dos doentes e a expulsão dos demônios no tempo presente, isto
é, na mitigação do sofrimento neste mundo.
Em Lucas 6.20, a bem-aventurança diz: “Bem-aventurados vocês, os po
bres, e não os pobres em espírito”, como em Mateus 5.3. Em Lucas, a teologia
do arrependimento e do perdão parece cobrir a teologia da redenção pela obra
da cruz. Seus seguidores são exortados a tomar aquela cruz e a carregá-la “dia
riamente” (9.23). A comunidade de Lucas aceitou a vida cristã como um com
promisso para a vida toda, sem expectativa alguma de uma morte prematura
trazida pelo fim do mundo.
Considerar que Marcos 13 é ou não um texto apocalíptico é uma questão
de debate. Entretanto, Lucas especificamente lança o denominado “pequeno
apocalipse” no contexto da destruição de Jerusalém. Para Lucas, os eventos de
53
INTRODUÇÃO NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
2. Discipulado
A próxima observação na distinta teologia de Lucas vem da nova visão de
discipulado que emerge na narrativa pós-ressurreição. Há muito se observa que
Lucas conserva uma perspectiva da “história da salvação” em sua obra de dois
volumes. Isso significa que ele coloca a experiência cristã em um contexto no
qual uma ampla longevidade da Igreja é esperada. Assim, o segundo volume
de sua obra (Atos) lida com os primeiros dias da Igreja e sua transformação de
um movimento sectário em Jerusalém para um movimento religioso em Roma.
O Evangelho de Lucas desenvolve uma teologia para levar a Igreja àquela vida
prolongada na terra após a partida de Jesus, na ascensão.
O fundamento para essa tradução em Lucas/Atos é o esclarecimento dos
discípulos no período da pós-ressurreição. Como notaremos no comentário
em 24.13-27, o encontro com o Jesus ressurreto no caminho de Emaús é uma
indicação de que o discipulado implicará em um compromisso para toda a
vida, e não apenas um breve interlúdio antes da chegada do Reino. Ali e nas
subsequentes aparições aos discípulos, Jesus torna-se o Mestre ressurreto. Ele
reinterpreta as Escrituras hebraicas para os Seus seguidores em luto. Ele repre
ende-os, dizendo: “Não devia o Cristo sofrer estas coisas, para entrar na sua
glória?”
Ele, então, coloca em operação uma nova exegese da Escritura hebraica à
luz da ressurreição: “E começando por Moisés e todos os profetas, explicou
-lhes o que constava a respeito dele em todas as Escrituras” (24.27). Aos discí
pulos reunidos, Ele diz: “Foi isso que eu lhes falei enquanto ainda estava com
vocês: Era necessário que se cumprisse tudo o que a meu respeito estava escrito
na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (v. 44).
• Isso é tão importante quanto o aspecto eficaz da vida cristã em Lucas e o
seu esplendor no período pós-ressurreição. Os discípulos não receberão a es
perada vindicação pública da identidade messiânica de Jesus na parusia. Ao
contrário, eles serão chamados para viver a duração da vida em fé, em estudo
e em reflexão. Os discípulos da pós-ressurreição terão de buscar um novo en
tendimento da Escritura. Então, eles deverão viver em testemunho da verdade,
que permanece velado a todos, exceto aos cristãos.
54
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON INTRODUÇÃO
outras palavras, a vontade e a ação humanas podem mover Deus quando vêm
em forma de um coração ardente e santo.
Essa é a teologia de Lucas sobre a necessidade da oração. E uma teologia
distintamente relacional, que enfatiza o dinamismo entre Deus e o cristão. A
escolha tem uma importância moral, e as responsabilidades do discipulado de
terminam o relacionamento de alguém com Deus. A responsabilidade humana
é relevante para a vida. Esse destaque está na ênfase da teologia wesleyana sobre
a graça responsável.
Finalmente, Lucas conduz o nosso coração a pensar sobre as questões mo
rais. Ele desafia-nos a aceitarmos um chamado radical para a santidade. É, na
verdade, a confusão moral de nosso mundo de mudanças rápidas que convida
uma interpretação renovada de Lucas e dos outros Evangelhos. Em tempos de
rápidas mudanças, um anseio pelo permanente e pela verdade leva-nos de volta
à história de Jesus.
Qualquer leitor que se engajar seriamente no texto do Evangelho encon
trará nele uma produtiva experiência moral. Entretanto, aqueles que o fazem
com um coração de fé também o acharão espiritualmente vivificante, abrindo
novas janelas de possibilidades para a vida de santidade. O presente de Lucas
para a teologia do Evangelho é a liberdade do espírito humano de escolher
a redenção. A responsabilidade de escolher a santidade vem junto com essa
liberdade. Ao abraçar as boas-novas da liberdade e da graça para escolher a re
denção, o Evangelho também convida seus leitores ao imperativo da vida santa.
O b om s a m a rita n o
O a d m in is tra d o r in ju s to 16 .1-8
A re co m p e n sa do se rvo 17 .7 -10
xc
O fa ris e u e o p u b lic a n o
59
COMENTÁRIO
A. Prólogo (1.1-4)
de Deus” (Mc 1.1). Mateus introduz o seu relato com a genealogia de Jesus,
enfatizando a importância da linhagem e da história judaica para começar a
narrativa. O famoso prólogo de João começa com uma sofisticada declaração
teológica sobre a natureza da pessoa de Cristo.
Lucas inicia apelando aos que procuram a verdade histórica. Nesse senti
do, o método confessado por Lucas é particularmente “moderno”. Hoje, mui
tos leitores se identificarão com essa estrutura de referência histórica mesmo
que não estejam inteiramente convencidos de sua precisão histórica.
O tom geralmente objetivo dos versículos 1-4, contudo, é substituído de
forma rápida, a partir do versículo 5, por uma história com estilo mais judaico,
caracterizada por epifanias e numerosas alusões ao AT. Isso significa, especial
mente, o caso no decorrer das narrativas dos nascimentos (cap. 1—3). Em
bora esses capítulos tenham informação histórica sobre governantes e datas,
essa questão dá lugar, no capítulo 4, a um estilo mais impreciso e cronológico
característico da Bíblia em geral e do material sinótico em particular.
“O corpo do Evangelho em si abandona qualquer pretensão de secularida-
de e é tanto uma proclamação como todos os outros” (Nolland, 1989, p. 11).
Mais parecido com Josefo do que com Tucídides nesse sentido, Lucas vê a mão
de Deus em tudo o que transpira e nunca é reticente para invocar o envolvi
mento divino nas questões humanas.
NO TEXTOI
A PARTIR DO TEXTO
Para Lucas, o evangelho é uma tradição de vida repassada de testemunha a
testemunha. Por meio de sua história, essas “testemunhas oculares e servos da
palavra” (1.2) entram no presente para testificar a um novo público. Apesar de
seu professado interesse na certeza histórica, Lucas não é um juiz da história
sagrada e nem um participante dela. Ainda assim, o desejo de saber “o que
realmente aconteceu” é tão antigo como o fato de lembrar-se. Para Lucas,
a informação dos fatos é importante na busca da verdade. Nós devemos,
65
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
argumenta ele, ser capazes de confiar em nossa informação. Logo, Lucas inicia
o seu Evangelho com a premissa de que a comunidade não pode funcionar sem
um entendimento compartilhado da realidade.
Em A H u ndred Years o fS o litu d e, Gabriel Garcia Márquez conta a história
de um vilarejo que contrai amnésia comunitária devido a um vírus estranho.
Eventualmente, quando a base linguística compartilhada fica perdida, os mem
bros da comunidade começam a colocar sinais nas coisas para lembrarem-se
dos nomes delas. Com o tempo, eles se esquecem do próprio alfabeto. Essa
amnésia coletiva provoca um completo colapso na comunidade e na cultura
daquele vilarejo.
Semelhantemente, as comunidades cristãs não podem funcionar sem o
compartilhamento do alfabeto e seus significados. Lucas acredita que a con
fiabilidade histórica de seu relato é fundamental para a comunidade comparti
lhada. Isso nos diz algo significativo sobre a natureza da inspiração bíblica. O
relato de Lucas é informado por aqueles que haviam previamente pesquisado e
compilado a história. Ela, então, é reformulada em sua mente, alimentada pela
curiosidade intelectual e pelo desejo de conhecer a verdadeira história. A ins
piração do texto deriva do Espírito, mas chega à página escrita por meio do in
telecto da pesquisa humana por um significado. Essa união da mente humana
com a experiência do divino Espírito produz um texto que une a comunidade.
Quando um conjunto de verdades compartilhadas no texto é colocado em
comum com o Espírito, a possibilidade de uma comunidade profunda é criada.
Reciprocamente, quando um senso compartilhado de verdade entra em colap
so, é inevitável que a comunidade entre em colapso — uma advertência impor
tante para a igreja moderna. Se entregarmos a ideia da verdade compartilhada
ao relativismo moderno ou pós-moderno, a igreja certamente irá perder o seu
caminho no mundo, assim como aconteceu com o vilarejo latino ficcional de
Márquez.
66
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
68
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
NO TEXTO
H 5 Depois do prólogo, a narrativa muda imediatamente para um novo tom.
Lucas abandona sua linguagem técnica e adota um estilo mais próximo à nar
ração judaica de histórias do que a objetividade tucididiana. Ele introduz o
personagem principal do capítulo: Havia um sacerdote chamado Zacarias.
Zacarias era um sacerdote comum do vilarejo que estava trabalhando em uma
de suas escalas semianuais de serviço no templo. Ele é membro do grupo de
Abias, um dos 24 grupos de sacerdotes que trabalhavam na escala (1 Cr 24.10).
É digno de nota que o grupo de Abias precede imediatamente a nona rotação
de Yeshua (o nome hebraico de Jesus), assim como João precede Jesus nesse
drama.
Lucas é cuidadoso em apontar que até a mãe de João tem uma estirpe sacerdo
tal impecável. Isabel é uma das filhas de Arão {ek tõn thu gaterõn A arõn). O ca
samento de sacerdotes com as filhas de sacerdotes era altamente valorizado no
costume judaico. O cuidado tomado nes >as questões era tanto que a linhagem
de uma possível noiva tinha de ser confirmada por muitas gerações passadas.
Essa estirpe sacerdotal da família de João, tanto do pai como da mãe, eleva a
posição do Batista na narrativa. Finalmente, é a linhagem que determina a po
sição social entre o povo comum da antiga Palestina, e não a riqueza ou a posi
ção. Embora Jesus mesmo não seja de uma linhagem sacerdotal (veja Hb 7.14),
Seu nascimento é plenamente afirmado pela tradição sacerdotal em Lucas.
■ 6 Zacarias e Isabel não apenas possuem a linhagem sacerdotal apropriada,
mas ambos eram justos aos olhos de Deus (v. 6). Justo (dikaioi) é a lingua
gem do AT usada para designar aqueles que observam as Leis de Deus com um
coração puro. “Pelo menos nas passagens narrativas que descrevem os relacio
namentos judaicos, a palavra dikaios sempre se refere aqui à fidelidade à Lei”
69
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
(Schrenk, 1964, p. 189; veja também Marshall, 1978, p. 52,53; veja 1.17; 2.25
e 12.57).
Isso ressoa no restante da frase: Obedecendo de modo irrepreensível a todos
os mandamentos e preceitos do Senhor (v. 6). Mandamentos (entolais\ veja
18.20; 23.56) significam decretos legais. A palavra preceitos (dikaiõm asin) é
frequentemente encontrada na LXX como um estatuto legal ou lei (ex.: Gn
26.5; Dt 4.40). A LXX é uma tradução grega primitiva do AT usada nas sina
gogas de língua grega naquele tempo.
A palavra dikaiõm a deve também ser entendida como referindo-se à guarda da
“tradição dos anciãos” (um termo aludido em 11.37-41; || Mc 7.3; Mt 15.2).
Esses são os halak ahot judaicos, ou prescrições legais, tanto escritas quanto
orais, que faziam parte integrante da vida e piedade judaicas (veja as anotações
complementares em 6.6-11).
Na narrativa de Lucas, Zacarias e Isabel representam tudo o que é nobre na
prática do judaísmo do primeiro século: devoção pessoal, respeito a Deus e
ao templo e justiça moral em observação à lei, em perfeito equilíbrio com a
devoção ao Senhor. Ao enfatizar a justiça deles e sua linhagem sacerdotal, Lu
cas mostra que ele não compartilha a visão das outras seitas judaicas, como a
comunidade Qumrã, de que o templo é irremediavelmente corrupto. Embora,
talvez um ideal romântico, esse é o ambiente religioso do qual João surgiu no
mundo histórico de Lucas.
1 7 Eles não tinham filhos, porque Isabel era estéril; e ambos eram de ida
de avançada. Isso parece irônico, dado o ideal de judaísmo que o casal apresen
ta. A falta de filhos e a infertilidade apresentadas na Bíblia são consideradas um
sinal do desfavor de Deus, até mesmo uma indicação de pecado (Ex 23.26; Dt
7.14; Pv 30.16). Entretanto, essa é a situação na qual Isabel e Zacarias encon
tram-se. Assim como outros casais bíblicos, cuja falta de filhos tornou-se uma
fonte dè bênção para Israel, a esterilidade deles tem um propósito particular e
uma função a desempenhar-se na história da aliança.
Essa história assemelha-se à de Abraão e Sara (Gn 18.9-15). Green vê uma
extensa interdependência entre a história de Abraão em Gênesis 11—21 e
Lucas 1.5—2.52 (1997, p. 52-58). Observando a referência a Abraão em Lu
cas 1.55,73, ele considera a abertura de Lucas como uma continuação de uma
história “enraizada na aliança abraâmica” (1997, p. 57). Ambos os casais são
avançados em idade, sem filhos e recebem uma visitação especial de um ser
angelical. Como um sacerdote da ativa, Zacarias deveria ter menos de 50 anos
(veja Nm 8.25), ainda jovem pelos padrões contemporâneos ocidentais.
70
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
Embora Isabel não fosse tão idosa quanto Sara (Gn 17.17), ela era estéril e
de idade avançada (v. 7). Ambos os casais descreram na promessa de Deus
de torná-los pais. Contudo, finalmente, Sara dá à luz o filho que estabelece a
nação de Israel, Isaque. Isabel, após uma vida sem filhos, dá à luz o arauto do
Messias de Israel.
Ao alinharmos a narrativa do nascimento de João com a de Isaque, Lucas desta
ca as memoráveis implicações do nascimento de João. Assim como a narrativa
de Isaque posiciona-se na inauguração da nação de Israel, a narrativa de João
posiciona-se na inauguração do reino messiânico de Davi. Ambos procedem
de um ventre estéril como um sinal de bênção e fertilidade, que atende à pre
sença de Deus no ponto de virada da história.
A PARTIR DO TEXTO
A teologia da santidade enfatiza que as obrigações da vida ética devem ser
mantidas em equilíbrio com uma genuína fidelidade interior para com Deus.
Essa visão encontra suporte no equilíbrio da lei e da devoção encontradas na
narrativa de Zacarias. As regras e os regulamentos da vida religiosa são meros
legalismos, a não ser quando estão infusas com genuína devoção ao Senhor.
Reciprocamente, o entusiasmo religioso desgovernado pelos imperativos mo
rais e éticos do evangelho é mero emocionalismo. A arte da vida santa é encon
trada na integração desses dois imperativos: devoção de coração e fidelidade às
demandas morais de uma vida justa.
Zacarias e Isabel são apresentados como um casal idealizado. Eles são fiéis
de coração e na prática, sacerdotais de linhagem e, contudo, pessoas comuns
do vilarejo. Isso deve ser algo como o ideal judaico daquela época. No entanto,
a vida deles tem os seus desapontamentos; a infertilidade dela é a antítese do
mandamento da aliança abraâmica de multiplicar-se. Essa ironia parecia cruel
para Isabel, referindo-se à anulação do “meu opróbrio perante os homens”
(1.25 ARA).
Até quando Deus intervém na vida deles com uma gravidez, a dor de ambos
não chega ao fim. A alegria deles fica misturada à vergonha da incredulidade de
Zacarias. Mais tarde, a vida de João como um profeta ascético pode ter gerado
uma alienação da família e do lar, como parece ter acontecido na experiência
de Jesus. A visita de Deus a Zacarias e Isabel é jubilosa, mas é também o início
de uma vida de perturbação e incerteza. Quando o mensageiro angelical de
Deus aparece, todo sentimento de normalidade e de ordem desaparecem.
71
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
NO TEXTO
H 8 - 1 0 Zacarias estava servindo como sacerdote diante de Deus (v. 8).
A oportunidade de levar a oferta de incenso caía sobre um homem uma vez
na vida (veja m. T am id 5:2—6:3) e, ainda assim, apenas para aquele escolhi
do por sorteio (v. 9). Esse momento singular para Zacarias deve ter sido uma
questão de providência e bênção. Zacarias entra no sa n tu á rio (v. 9, ton naon,
não simplesmente no templo, ieron ). Ali, o sacerdote nomeado deve oferecer
incenso no altar do sacrifício, um vestíbulo dentro da estrutura na qual ficava
o Santo dos Santos. Uma cortina cobrindo uma porta separava o vestíbulo do
Santo dos Santos. A oferta de Zacarias, nesse texto, é o ta m id , ou oferta diária
inteira (Êx 30.7,8).
Cinco indivíduos entram no santuário para preparar a oferta: “Um segurando
o coletor de cinzas; outro, a vasilha de azeite; outro, o fogo; outro, a vasilha de
[incenso]; e outro, a concha e a tampa” (Mixná Tamid, 7:2). Depois que todas
as preparações são feitas, o sacerdote com o incenso fica sozinho no santuário
para queimar a oferta e prostrar-se em reverência. Era provavelmente a oferta
da tarde, e não a oferta da manhã, já que uma multidão se fazia presente: “O
povo todo estava orando do lado de fora” (v. 10; veja a comovente oração Ta
m id de Esdras em Ed 9.6-15). Essa assembleia incluiria sacerdotes, levitas e
homens judeus, mas não mulheres. O altar estava no átrio dos israelitas, logo,
fora do limite das mulheres e dos gentios.
H 1 1 - 1 5 a Um anjo apareceu (õph tbe) a Zacarias à direita do altar de incenso,
o lugar de honra (v. 11; veja Dn 9.21). Ele é identificado como Gabriel em 1.19
(veja Por trás do texto, em 1.26-38). A posição do anjo significa que ele traz
boas novas, e não más (veja M t 22.44). Ele diz a Zacarias: Não tenha medo (v.
13, m êp h o b o u ), frase que é lugar-comum em Lucas na ocasião de milagres, epi
fanias e mensagens proféticas (1.30; 2.10; 5.10; 8.35,50; 9.34; fora disso, só em
72
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
Mc 5.36, nos Sinóticos). O medo é uma reação humana normal que aparece
na Bíblia quando ocorre manifestação do que é divino (m êp b o b o u aparece 36
vezes na LXX). Uma epifania é uma aberração, um desvio da ordem natural.
Significa que ela não pode ser prevista. Uma aparição inesperada do que é divi
no é, por natureza, um acontecimento espontâneo — Deus toma a iniciativa.
O medo parece uma resposta natural quando Deus ou Seus agentes aparecem.
O anjo também diz: Sua oração foi ouvida (v. 13; veja Dn 9.22,23). Os leito
res presumem que ele esteja falando da oração do casal por um filho; mas eles
também podem ter orado pela libertação da nação (veja 2.25). Talvez essa seja
a oração à qual o anjo se refere. Uma oração dessas, naquela época, expressa
va o anseio messiânico de todos os judeus: “Veja, Senhor, e levanta-lhes o rei
deles, filho de Davi, para reinar sobre Israel, seu servo, no tempo que escolhes
te, Deus” (5. Sal. 17.21, primeiro século d.C.). A declaração do anjo refere-se
além do nascimento de um filho para um casal estéril. Ela tem a ver com a
alegria que vem com o livramento nacional: M uitos se alegrarão por causa do
nascimento dele, pois será grande aos olhos do Senhor (v. 14b, 15a; também
1.32,69,76; 2.10,11,28-32).
■ 15b-17 O discurso direto do anjo continua até o versículo 17. O filho
prometido nunca tom ará vinho nem bebida fermentada (v. 15b). Essa frase
alude ao voto nazireu em Números 6.1-21. Três proeminentes personagens bí
blicos são chamados de nazireus por toda a vida: Samuel (1 Sm 1.11), Sansão
(Jz 13.3-5) e João Batista. Todas as três histórias possuem narrativas de nasci
mentos com intervenção divina.
Logo, a frase e será cheio do Espírito Santo desde antes do seu nascimento
(v. 15c) enfatiza a ordenança divina do ministério de João como uma interven
ção de Deus na história. Isso também evoca a conexão de João com Samuel, um
colega nazireu. Samuel foi o profeta/nazireu inaugural da monarquia davídica
original, e João é o profeta/nazireu inaugural da nova era davídica.
O voto nazireu
O te rm o nzr, e m hebraico, significa "um consagrado". O voto nazireu
invocava um período de abstinência de q u a lq u e r produto da vinha, uso de
navalhas e im p ureza ao aproxim ar-se d e m ortos. Em Núm eros 6, o voto é
volu ntário e tem p o rá rio , com o no caso de Paulo, em Atos 2 1 .2 3 ,2 4 . Isso
torna o voto vitalício de João e de seus predecessores, Sam uel e Sansão,
atos peculiares d e devoção a Deus. O fato d e os sacerdotes a b sterem -se
do vinho e n q u a n to s e rvem no tem p lo dá ao voto nazireu um a sensação
73
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
A ideia de que João Batista fará retornar (...) o povo de Israel ao Senhor, o
seu Deus (v. 16) identifica o seu ministério como um movimento de renova
ção do judaísmo. Dada a ênfase anterior de Lucas sobre a ligação de Zacarias
ao sacerdócio, pelo menos parte da convocação está de volta à fidelidade a essa
tradição. Entretanto, ele rapidamente amplia esse contexto ao mencionar o po
der profético de Elias no discurso do anjo: João virá no espírito e no poder de
Elias (v. 17). Isso se refere à predição de Malaquias 4.4-6 de que Elias aparece
rá antes do Dia do Senhor. O NT expande a ideia do reaparecimento de Elias
em Mateus 17.10-13 11Marcos 9.11-13 (veja também Mt 11.10 e Lc 7.27). Ali,
João é identificado como Elias. Mas, João só repetiu alguns traços da vida de
Elias, porém jamais foi o mesmo.
Elias deixará um povo preparado para o Senhor e voltará o coração dos filhos
de Israel ao Senhor seu Deus e dos pais a seus filhos (v. 17; citando M l 4.6;
sobre filhos e pais aqui, veja Marshal, 1978, p. 59,60). A alienação entre pais
e filhos parece ser um mal-estar na comunidade da aliança que Lucas deseja
abordar.
Esse mal-estar tem este paralelo: os que são desobedientes à sabedoria dos
justos (v. 17). Essas duas condições, alienação familiar e rebelião, serão, de al
guma forma, corrigidas por uma figura semelhante a Elias. O texto não sugere
como isso será realizado. Todavia, caracteriza o movimento de reforma de João
como preocupado com a cura das famílias (veja os comentários em 12.49-53) e
em restaurar a autoridade dos “justos” dentro da comunidade.
A ligação com Elias novamente enfatiza que João lidera um movimento de re
novação como um precursor do Dia do Senhor (veja Fitzmyer, 1981, 1:327).
João é mais um profeta do que um reformador, anunciando o cumprimento da
profecia do AT (Webb, 1991, p. 62,63). Não obstante, o compromisso trans
formador de João prefigura as tentativas semelhantes de Jesus de reformar as
práticas corruptas dentro do judaísmo.
A prática judaica apropriada do Jesus de Lucas inclui os pilares do templo e a
Lei (ex.: 5.14; 11.42; 18.18-22), mas essas práticas devem ser vivificadas com
humildade, arrependimento, perdão e preocupação com o próximo (ex.: 1.52;
5.32; 10.25-37; 13.3; 17.4; 24.47).
H 1 8 - 2 5 Zacarias é incapaz de entender como a mensagem do anjo pode-
74
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
ria ocorrer. Como posso ter certeza disso? (v. 18). A sua dúvida provoca a
repreensão e o juízo de Gabriel: Agora você ficará mudo. Não poderá falar
até o dia em que isso acontecer, porque não acreditou em minhas palavras,
que se cumprirão no tempo oportuno (v. 20). Zacarias fracassa em crer nas
palavras do anjo. Consequentemente, ele não conseguia falar nada (v. 22).
Logo, é incapacitado de unir-se à recitação da bênção tradicional (m . T amid
7:2) quando sai do santuário.
A perda da fala, às vezes, surge por ordem de Deus, conforme descrita na Bíblia
(Êx 4.11). Ficar mudo é um símbolo bíblico para a falta de entendimento (Is
56.10). O silêncio de Zacarias é uma indicação inicial no Evangelho acerca da
consequência da rejeição à mensagem recebida. A dúvida de Zacarias é con
trastada com a fidelidade de Isabel que, aos cinco meses de gravidez (v. 24),
regozija-se: Isto é obra do Senhor! Agora ele olhou para mim favoravel
mente, para desfazer a minha humilhação perante o povo (v. 25). Isabel não
é abençoada como recompensa por acreditar nas “coisas certas”. No entanto,
diferentemente de Zacarias, quando confrontada com a evidência da inter
venção divina, ela responde com fidelidade, sem duvidar (Green, 1997, p. 89).
Nesse sentido, Isabel e Maria evidenciam uma resposta positiva a Gabriel (veja
1.38 e o Cântico de Maria a Deus, em 1.46-55).
75
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
pode ter conotações políticas. Os sinédrios locais das grandes cidades pratica
vam uma forma de expulsão cívica para os pregadores renegados com base em
Deuteronômio 13 (veja Neale, 1993, p. 87-101; veja o comentário em 9.1-6 e
10.8-16). Certamente, Jesus teria sido exposto à cultura romana e ao alvoroço
de uma grande rota comercial enquanto crescia em Nazaré. Ele pôde, aliás, ter
trabalhado como artesão em Séforis (mas falta evidência direta quanto a isso).
A epifania de Maria começa com a aparição do anjo Gabriel (v. 26). Pouco
se fala sobre Gabriel na Bíblia. Ele aparece na Escritura apenas aqui e em Da
niel (8.16; 9.21). No entanto, é frequentemente mencionado na literatura não
bíblica do período intertestamentário. Nela, Gabriel é identificado como um
dos sete arcanjos da tradição judaica: Uriel, Gabriel, Rafael, Raguel, Miguel,
Sariel e Jeremiei. Segundo o livro extrabíblico T estam ento d e J a có (T. Jac. 5.10
15; cerca de 100 d.C.), Gabriel é o arcanjo do paraíso que acompanhou Jacó
até o céu. Essas histórias pseudoepígrafas eram uma parte comum do mundo
histórico judaico do primeiro século e provavelmente informavam a compre
ensão dos leitores sobre esse pitoresco personagem. Até os gentios “tementes
a Deus” podem ter sido bem familiarizados com essa literatura judaica (veja o
perfil do leitor implícito de Tyson, [1992, p. 35-37]).
Essa aparição a Maria é o segundo “tipo de cena de anunciação” em Lucas
(Green, 1997, p. 83,51-58). As semelhanças entre o nascimento de Jesus e o de
João ficam imediatamente aparentes (veja Fitzmyer, 1981, 1:313-316; Green
1997, p. 82-85). O tratamento de Lucas quanto às duas narrativas no capítulo
1 compartilha as seguintes características:
HHBHBHI. 1í . . J
h Z a c a ria s [| M aria
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C irc u n s tâ n c ia s 5-9 27
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3 5 -3 7
76
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
NO TEXTO
H 2 6 - 2 8 O relato em prosa da epifania de Maria contém detalhes pessoais
íntimos e também importantes temas teológicos. Note a semelhança de estilo e
conteúdo com a história do nascimento de Sansão. Ambas são histórias muito
humanas, até encantadoras. Elas tratam de uma mulher estéril, da aparição de
um anjo, da mensagem do mensageiro e de um nascimento miraculoso (veja Jz
13.2-24 e o comentário em Lc 1.15b-17).
78
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
O relato de Lucas sobre a aparição de Gabriel perante Maria (v. 26-28) segue
o mesmo padrão da aparição a Zacarias (v. 5-20). Essa repetição do padrão co
necta os dois incidentes e cria uma dramática ação na história. Uma promessa
divina, primeiro, traz um bebê para uma mulher idosa e estéril e, depois, outro
bebê para uma jovem virgem, mulheres estas em posições opostas na experiên
cia de vida e fertilidade. Isso cria um contraste pungente totalmente peculiar à
experiência feminina, tudo mediado pelo mesmo mensageiro angelical.
Maria é uma virgem prom etida em casamento a certo homem chamado
José, descendente de Davi (v. 27). O noivado era um processo em que a jovem
desposada (de 12 ou 13 anos de idade) continuava a viver na casa de seu pai
por um período de tempo depois de ficar noiva. Foi durante esse período que
Gabriel apareceu a Maria. O tema davídico é introduzido aqui pela primeira
vez em Lucas; mas será referido outras 12 vezes no Evangelho dele (veja o co
mentário em 1.32,33; veja também Tannehill, 1996, p. 47-49).
Na interpretação grega de Lucas sobre a saudação de Gabriel a Maria, há um
ritmo aliterativo: Chaire, kecharitõmenê\ Alegre-se, agraciada! O Senhor
está com você! (v. 28). A palavra agraciada transmite o sentido de uma bên
ção divina (o cognato charin aparece no v. 30: Vocêf o i agraciada p o r D eus). A
saudação cla ire, “alegre-se”, é exuberante, semelhante ao júbilo do povo restau
rado por Deus em Sofonias 3.14: C ante \chaire], ó cidade de Sião. A sauda
ção “preenche melhor o quadro de júbilo que permeará o terceiro Evangelho”
(Green, 1997, p. 87). A passiva perfeita k echaritõm enê indica alguém favoreci
do por Deus. A visitação de Gabriel (v. 26) transfere a narrativa para a esfera
do sobrenatural e confirma o nascimento (veja 1.11).
H 2 9 - 3 1 M aria ficou perturbada com a aparição de Gabriel (veja 1.12,29:
tarassõ/diatarassõ, “profundamente confusa ou chocada”). A exortação «ão te
m a s é frequente nas epifanias do AT e também em Lucas (1.30; 2.10; 5.10;
8.35,50; 9.34). Gabriel gentilmente diz a Maria; Não tenha medo, M aria;
você foi agraciada por Deus! (v. 30; veja v. 13).
Já que Gabriel aparece somente em Daniel no AT, essa epifania relembra os
leitores do acontecimento central de Daniel: a profanação do templo por An-
tíoco IV Epifânio (167 a.C., Dn 8.16; 9.21-27). Ao ecoar a imagem de vitória
sobre Antíoco, o texto implica que a história novamente chega a um ponto de
virada e que Deus restaurará a dignidade de Israel. Os leitores bem podem es
perar que isso aconteça, assim como aconteceu nos dias dos macabeus — pela
revolta dos camponeses. Já que aquela vitória sobre Antíoco era de natureza
política e militar, não seria de surpreender que alguns entendessem que essa
79
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
1 O texto em língua estrangeira é: "Therefore the Lord himself will give you a sign: The
Virgin will be with child and will give birth to a son, and will call him Immanuel".
80
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
Deus lhe dará o trono de seu pai Davi, e ele reinará para sempre sobre o
povo de Jacó; seu Reino jamais terá fim (v. 32,33). Essas palavras transmitem
a essência do entendimento de Lucas sobre a identidade de Jesus como o Filho.
Suas diversas expressões para a filiação de Jesus são maneiras diferentes de ex
pressar o relacionamento peculiar de Cristo com Deus. Ele é o Filho de Deus
(1.35; 3.22; 4.3,41; 9.35), Filho do Altíssimo (1.32; 8.28) e Filho do Homem
(5.24; 6.5; 7.34; 9.22 etc.).
A apresentação característica de Lucas do nascimento de Jesus nessa lingua
gem foi provavelmente informada por uma variedade de contextos linguísti
cos, incluindo o AT. O Messias davídico como o Filho de Deus origina-se em
2 Samuel 7.14; Salmo 2.7; 89.26; SS 18.13. Pode também haver influência da
ideia grega do theios a n êr, “Homem divino” (Martitz, 1972, p. 338-340). Na
literatura do Qumrã, as frases “Filho de Deus” e “Filho do Altíssimo” apare
cem pela primeira vez em um texto pseudodaniélico (do ultimo trimestre do
primeiro século a.C.; veja Fitzmyer, 1977, 2:90-93 e 102-107 citando M ilik).
Os termos podem originalmente ter sido aplicados a um dos governantes se-
lêucidos da síria.
Essas diversas instâncias de literatura apontam para um complexo ambiente so
cial e linguístico para a linguagem do humano e do divino no primeiro século.
Os cristãos primitivos adotaram essa linguagem do divino para o seu Senhor e
debateram pelo seu direito exclusivo de usá-la.
Jesus também se assentará no trono de Davi, de acordo com Lucas (v. 32; tam
bém 1.27,69; 2.4,11; 18.38; 20.41). Aqui, Jesus como o Filho aparece pela pri
meira vez ligado ao conceito do messianismo davídico. Além do mais, a eterni-
zação da dinastia davídica, o povo de Jacó, está implícita no v. 33: Seu Reino
jamais terá fim. Essa é uma referência intertextual a 2 Samuel 7.12-16. Nesse
ponto, Deus promete, pela primeira vez, estabelecer uma dinastia davídica que
continuará para sempre (veja SI 89.3,4; 132.11,12; Is 9.7; D n 7 .l4 ; M q4.7). O
fato de o Reino de Jesus, como Filho de Davi, durar para sempre transforma a
profecia de Natã em 2 Samuel. Ele esperava uma dinastia terrestre duradoura;
Lucas, entretanto, esperava um escatológico “Reino sem fim do Messias” —
uma mudança sutil, porém significativa (Tannehill, 1996, p. 49).
A expectativa de um herdeiro davídico para o trono era corrente entre os ju
deus do primeiro século, não apenas como um conceito religioso, mas também
político (Wright, 1996, p. 491; Horsley, 1992, p. 792). Os Salmos de Salomão
17.21,22 levantam o espectro de uma Jerusalém reivindicada pelos gentios por
intermédio do “Filho de Davi” Os leitores estariam inclinados a ver um poten
cial militante para o advento de Jesus.
81
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
NO TEXTO
H 3 9 - 4 5 Maria preparou-se e foi depressa para a uma cidade da região
montanhosa da Judéia (v. 39). Quando Maria chega, Isabel tem uma expe
riência extática, na qual ela é cheia do Espírito Santo (v. 41). Essa plenitude
cumpre a profecia de Gabriel em 1.15 de que João, um nazireu vitalício, seria
cheio do Espírito Santo ainda “antes de seu nascimento” (veja o comentário em
1.15b-17).
O tema da presença e da plenitude do Espírito Santo é proeminente nas nar
rativas da infância e da juventude, ocorrendo nove vezes nos capítulos 1—3
(1.15,35,41,67; 2.25,26,27; 3.16,22). Esse tema culmina com a descida do
Espírito sobre Jesus em Seu batismo (3.22). Daí em diante, o Espírito San
to é mencionado sete vezes em Lucas, sendo a última menção no capítulo 12
(4.1,14,18; 10.21; 11.13; 12.10,12). Certamente, o Espírito Santo é um dos
personagens dominantes nos estágios iniciais da história do Evangelho de Lu
cas. Ele aparece sempre em conexão com proclamações sobre a identidade de
83
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
A PARTIR DO TEXTO
Uma donzela em uma aldeia retrógrada recebe uma mensagem de Deus
longe de Jerusalém e do templo. A história dela não poderia ser mais diferente
da de Zacarias e Isabel. Eles têm status sacerdotal e são fiéis servos do templo
de Jerusalém. Como parente de Isabel, Maria deve compartilhar dessa heran
ça, mas ela está sobrecarregada pela suspeita de infidelidade ao seu noivo. É
somente por José que ela tem qualquer conexão com a tribo de Judá e a casa de
Davi, a raiz de Jessé da qual o Messias surgiria (Is 11.10; Lc 3.23 11M t 1.16; Rm
15.12; veja 1 Sm 17.12; Hb 7.14-19; Ap 5.5). Ela é uma candidata improvável
para sua função como mãe do Senhor (v. 43).
84
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
Maria com a oração de Ana. Ela também chama a atenção para a confiança de
Ana nas ideias de outras partes do AT (especialmente os Profetas Menores e
os Salmos).
As adorações de ambas as mulheres justapõem a humildade e o orgulho, o
pobre e o rico, o fraco e o forte, o justo e o injusto. Ambos são hinos de júbilo
de uma mulher que concebe um filho pela graça de Deus. O cântico de Maria
está profundamente arraigado na história bíblica.
A oração de Ana questiona os poderes estabelecidos e apela ao retomo
da justiça bíblica para o oprimido. Ao modelar o cântico de Maria na oração
A b ra ã o 1.55 Mq 7 .2 0 ; Gn 1 7.7
NO TEXTO
88
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
1979, p. 408-412).
Seguindo uma breve descrição do nascimento de João, os vizinhos e fami
liares reúnem-se. No oitavo dia foram circuncidar o menino (v. 59). João é
circuncidado segundo o mandamento de Gênesis 17.9-14.
A circuncisão era praticada de diversas formas no antigo Oriente Próximo,
desde um período remoto, principalmente pelos sacerdotes e guerreiros nas
culturas sírias e egípcias (Hall, 1992, p. 1025-1031). Os israelitas adotaram
a prática como um sinal de inclusão na aliança abraâmica, que lhes prometia
descendentes como “multidões de nações” e a terra dos cananeus como perpe
tuidade. A circuncisão também é uma metáfora bíblica para um coração ple
namente obediente à vontade de Deus ou comprometido com Deus (Js 5.2-9;
> 4 .4 ).
A cultura greco-romana do primeiro século d.C. considerava a circuncisão
uma prática degenerada, o que levava à zombaria e à exclusão dos judeus de
uma sociedade maior, especialmente do ginásio, uma instituição importante
da cultura helenizada de Jerusalém na época do nascimento de João.
NO TEXTO
■ 5 7 - 6 6 Lucas narra as circunstâncias da nomeação de João em um estilo
direto. O Senhor elevou Isabel da “humilhação” para a grande misericórdia
(1.25,58). O Senhor, kyrios, é encontrado frequentemente nos Evangelhos em
referência a Deus. No capítulo 1, kyrios é usado diversas vezes referindo-se a
Deus (1.25,28,32,45,58,66). No entanto, kyrios também serve como uma for
ma respeitosa de dirigir-se a um homem (comparável a Senhor), como quando
se dirigiam a Jesus ou a outros.
Lucas caracteriza Deus de forma direta, como pessoalmente envolvido no
desenrolar dos fatos. Logo, no versículo 58, grande misericórdia (...) o Se
nhor (...) havia dem onstrado a Isabel indica que isso é mais do que sorte ou
providência comum. Ambas as mulheres são receptoras da atenção especial de
Deus, como nas histórias do AT em que Deus intervém na vida das mulheres
estéreis.
Os meninos recém-nascidos tradicionalmente recebiam o nome no dia da cir
cuncisão, e o ritual da nomeação era crucial para perpetuar e verificar a genea
logia da família. Isso era especificamente importante nas famílias sacerdotais,
como na de Zacarias. Logo, os vizinhos ficam surpresos e protestam quando
Isabel escolhe o nome de João (v. 60,65; veja 1.13), que não fazia parte de sua
árvore genealógica. Isabel espontaneamente escolhe o nome que o anjo deu a
89
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
NO TEXTO
I 6 7 Assim como o cântico de Maria, o cântico de Zacarias tem uma intro
dução (v. 68), uma estrutura (v. 69-79) e uma conclusão (v. 80). Ele tem outra
estrutura dupla: os versículos 68-75 referem-se ao Messias vindouro; os versí
culos 76-79 referem-se a João Batista.
Agora, Zacarias também foi cheio do Espírito Santo e profetizou (v. 67), as
sim como Isabel e o bebê João haviam sido cheios do Espírito na visita de Maria
(v. 15, 41). Os verbos para encher estão na voz passiva (plêsthésetai/eplêsthê),
indicando que Isabel, Zacarias e João são os receptáculos, e não os iniciadores
da ação divina. Na narrativa sobre Maria, o Espírito Santo a “cobrirá” (v. 35).
De uma forma quase contagiosa, a presença do Espírito Santo está espalhando
-se na narrativa, engolfando todos aqueles envolvidos no drama.
Essa visitação do Espírito na vida pessoal é o aspecto definidor da nova comu
nidade. Quando as pessoas entram na comunidade, elas compartilham uma
90
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
A PARTIR DO TEXTO
O ministério de João é teologicamente importante para Lucas, porque
João enfatiza que o arrependimento e o perdão dos pecados são exigidos da
comunidade para a vinda do Messias (1.77; 3.8). Nessa teologia, a mera ideia
de um messias inspira contrição, porque o seu advento deve ser a consumação
da busca humana pelo perdão dos pecados. Mais amplamente no NT, essa con
sumação é a resolução de toda a história da rebelião humana, desde Adão até
95
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
97
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
drama galileu é de um ano, dois, três? Isso parece não ter importância dentro
da narrativa, porque Lucas não está focado em “o que aconteceu quando”, mas
em “quem Jesus é”.
Então, na narração de Sua última semana, o tempo novamente desacelera
e quase para. Os momentos têm importância, e os detalhes pessoais íntimos
de extrema ansiedade, sonolência, medo e ira trazem cor e emoção à narrativa.
Retoricamente, Lucas atrai profundamente o leitor para o drama da paixão ao
desacelerar o tempo.
A maioria das características do nascimento de Jesus descritas no capítulo
2 é peculiar a Lucas:
• O recenseamento e o motivo da viagem (v. 1-7).
• O anúncio aos pastores (v. 8-20).
• A circuncisão e a oferta de purificação no templo (v. 21-24).
• A apresentação a Simeão (v. 25-35).
• O reconhecimento da profetisa Ana da “redenção de Jerusalém” (v. 36
38).
• A volta à Galileia e os anos intermediários de Seu crescimento (v. 39,40).
• A viagem de retorno a Jerusalém como um menino que encanta os profes
sores locais (v. 41-51).
Quando comparado a Mateus, que introduz a única outra narrativa de
nascimento de Jesus na Bíblia, a diferença de tom e substância é marcante. A
descrição de Mateus não tem recenseamento/motivo da viagem, não tem um
José e uma Maria desabrigados procurando um refugio urgente em uma man
jedoura para o parto. Em Mateus, Belém parece ser o local de residência de
José e Maria, enquanto que, em Lucas, ela é a cidade natal que eles visitam por
ocasião do recenseamento. Mateus tem a estrela, e não os pastores, mas Lucas
não tem os magos. A lente política de Lucas é global, enfatizando o nascimento
em “todo o mundo romano”, enquanto Mateus é distintamente local, focado
em Herodes, o rei vassalo da Palestina.
Embora bem diferentes, essas duas narrativas do nascimento têm sido con
fundidas na imaginação popular. Os magos e os pastores ajoelham-se juntos
ao presépio moderno. Isso aponta para um contexto folclórico mais amplo, no
qual essas histórias residem no cristianismo moderno.
98
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
NO TEXTO
I 1 - 3 A historicidade do recenseamento (v. 1, apographesthai, lit., r e g is
tra r ou a lista r) tem sido questionada pelos intérpretes modernos. Embora a
realização de um recenseamento de larga escala não fosse desconhecida na
quele período, nenhum abrangeu “o mundo inteiro”, como a frase de Lucas
pa san tên oik oum enên insinua quando ele a utilize em outros lugares (4.5;
21.26; At 11.24; 17.31; 24.5). A NVI traduz a frase como todo o império
romano (possível em At 24.5).
A importância do recenseamento é o modo pelo qual ele se situa no nasci
mento de Jesus no palco do mundo. Um recenseamento mundial estabelece
um amplo contexto geopolítico para a natividade e garante que o nascimento
do Messias seja de importância global. Ao invocar o desejo de César Augusto
(v. 1) no recenseamento e a facilitação do governador da Síria, Quirino (v. 2),
Lucas mostra a significância do nascimento em relação às estruturas do poder
político do dia — uma questão significativa, sem dúvida, para os leitores.
Entretanto, no mundo histórico, Lucas mostra que esses governantes são ape
nas pequenos personagens no drama do Messias, meramente cumprindo o
papel designado a eles por Deus. Desde os assuntos internacionais de César,
dos assuntos regionais de Quirino até uma insignificante aldeia judaica, é o
Deus onipotente que reina na narrativa de Lucas, e não César. Logo, essa nar
rativa transporta a ênfase do primeiro capítulo de que a história de Jesus está
na encruzilhada da história.
O recenseamento é também politicamente significante, já que o alistamento
estabelece uma responsabilidade fiscal. Um recenseamento, de forma inva
riável, trazia um aumento de impostos para os residentes, o que significava
uma menor safra para a subsistência — uma questão de vida ou morte para
os camponeses plebeus que viviam em uma estreitíssima margem de sobre
vivência (Crossan, 1991, p. 126). Não é de surpreender, por exemplo, que o
recenseamento de Quirino no ano 6 d.C. causara uma revolta entre o povo
da Galileia e o da Judeia.
Essa revolta foi liderada por Judas da Galileia (At 5.37), que, na história con
tada por Josefo, fundou o movimento dos zelotes, finalmente responsáveis
pela Grande Revolta de 65—70 d.C. Logo, a realização do recenseamento
foi uma causa na cadeia de acontecimentos que, eventualmente, culminaram
na destruição do templo. Em vista dessas realidades políticas, o posiciona
mento que Lucas deu ao nascimento de Jesus no contexto do recenseamento
é significativo. A mensagem de um Salvador na época do recenseamento car
rega consigo conotações de libertação das mãos de um opressor e enfatiza, de
modo sutil, as implicações políticas do advento do Messias para os primeiros
leitores de Lucas.
99
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
outros parentes na região? Será que ele nasceu em Belém ou morou lá alguma
vez? Se a resposta para qualquer uma dessas perguntas for sim, podemos ape
nas imaginar por que José e Maria encontravam-se tão sozinhos na hora em que
mais precisavam de ajuda.
A significância da localização de Belém na narrativa tem a ver com a identida
de de Jesus como o Filho de Davi. Essa é a essência da identidade de Jesus em
Lucas (1.27,32,33,69; 2.11; veja Mt 1.1). O nascimento em Belém reforça esse
proeminente tema de 1 Samuel 16.1, no qual a cidade é chamada de casa de
Davi. A “cidade de Davi” {polin dauid) geralmente se refere a Jerusalém (ex.: 2
Sm 5.7; 2 Rs 9.28). Contudo, aqui é Belém, cidade de Davi, ou a “cidade de
Davi, chamada Belém” (ARA).
O nascimento de Jesus em Belém demonstra a conscientização de Lucas so
bre uma passagem entendida pelos cristãos primitivos como uma profecia da
localização do nascimento do Messias. “Mas tu, Belém-Efrata, embora sejas
pequena entre os clãs de Judá, de ti virá para mim aquele que será o governante
sobre Israel. Suas origens estão no passado distante, em tempos antigos” (Mq
5.2, citado em Mt 2.5; veja Jo 7.42). Essa evidência textual torna o nascimento
do Messias em Belém uma necessidade teológica para os cristãos primitivos.
Ele não poderia ter acontecido em nenhum outro lugar.
história: um sacerdote comum e sua esposa, uma humilde donzela, e agora pas
tores comuns — todos são visitados por extraordinários seres angelicais. A re
petição do tema da inclusão de “todas as pessoas” (1.48; 2.10,31; 3.6) enfatiza
ainda mais o amplo alcance desse advento para as pessoas comuns.
NO TEXTO
I 6-7 José, em uma urgente necessidade de encontrar um lugar para sua mu
lher dar à luz, não encontra acolhimento em Belém. A hospitalidade era uma
característica vital da cultura judaica nesse momento, contudo, nem mesmo
a hospedaria (v. 7, em tõ katalym ati) podia acomodar o desesperado casal. Já
que Lucas usa o termo técnicop a n d och eion para uma hospedaria comercial em
10.34, parece provável que aqui ele se refere a uma casa particular.
O bebê recém-nascido é colocado em uma manjedoura da propriedade (v. 7,
p h a tn ê, um estábulo ou um cocho para a alimentação de animais; veja 13.15).
Lucas é enfático nesse ponto, mencionando a manjedoura três vezes (v. 7,12,16).
Alguns sugerem que o emprego de katalym ati aqui se refira a um canto de um
cômodo central lotado de uma casa da Palestina, isto é, não havia lugar para o
bebê no cômodo principal, então, ele foi colocado de lado, em um espaço reser
vado para os animais (Nolland, 1989, p. 106; veja Carlson, 2010, p. 326-342).
Era comum que os animais fossem guardados dentro das casas naquela cultura.
Ironicamente, aquele que subirá ao trono de Davi ingressa no mundo como um
desabrigado. Da mesma forma, Lucas menciona duas vezes o detalhe íntimo
de que Maria o envolveu em panos (v. 7,12; ARA: “enfaixou-o”). Ela impro
visou uma solução para a noite fria. Esses detalhes dão a Lucas uma narrati
va de infância imediatista e pungente, um “paradoxo de divina complacência”
(Nolland, 1989, p. 106).
De qualquer forma, nem os familiares nem os amigos estão presentes para
prestar socorro ao casal, embora isso possa ser esperado da cidade natal de José
(Carlson, 2010, p. 327). O clima da narrativa dessa passagem comunica o iso
lamento, o medo e a solidão das circunstâncias nessa história. Esses detalhes
íntimos servem para diminuir o ritmo da ação da narrativa e dramatizar a cena.
Esse nascimento sem teto é profético da falta de um lar permanente para Jesus
no decorrer do Evangelho. O Jesus de Lucas está constantemente em movimen
to, mesmo antes de Seu nascimento. Ainda antes de nascer, Ele viaja de Nazaré
para a casa de Isabel, em Ain Karem, e depois de volta a Nazaré. Maria carrega
o bebê em seu ventre de Nazaré a Belém. Após o nascimento, Mateus registra a
fuga da família toda da Judeia para o Egito, antes de retornar para Nazaré, anos
102
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
Até este ponto, as narrativas dos nascimentos têm sido cheia de admiração
e júbilo. Os anjos prepararam os participantes para a chegada do Messias e
anunciaram gloriosamente o Seu nascimento. Uma sombra sinistra agora co
meça a escurecer a narrativa. Embora Simeão e Ana profetizem publicamente
sobre a unção do menino como “o Cristo do Senhor” que efetua “a redenção
de Jerusalém” (v. 26,38), os leitores aprenderão que uma tragédia ocorrerá nas
próximas páginas (v. 33-35).
As palavras-chaves nos versículos 34 e 35 determinam o clima do conflito:
destino, queda e elevação, oposição, a perfuração da alma. Quanto mais longe
a mensagem viaja no domínio público na narrativa, maior é a complexidade de
sua recepção. Inicialmente, todos se alegram com as novas do Messias. Entre
tanto, em cada novo cenário público (templo, o diabo no deserto, Nazaré, Ca-
105
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
farnaum etc.), torna-se claro que o advento do Messias criará problemas com a
presente ordem.
NO TEXTO
1 2 2 - 2 4 Maria e José apresentam-se para a purificação no templo em Jerusa
lém, depois do nascimento da criança (v. 22). A mulher era considerada ritual
mente impura por sete dias após o parto, até que o menino fosse circuncidado
no oitavo dia (v. 21; Lv 12.1-8). Essa oferta tirava a impureza ritual contraída
pela mulher no processo do nascimento, para que ela pudesse novamente en
trar no templo. Embora Lucas se refira à purificação deles (v. 22), essa oferta
tecnicamente se aplicava somente às mulheres (Marshall, 1978, p. 116). Já que
eram pobres, José e Maria oferecem a mais barata oferta de purificação: Duas
rolinhas ou dois pombinhos (v. 24; Lv 12.6-8; veja Beale e Carson 2007, p.
269-271).
A consagração do primogênito, por outro lado, era uma oferta separada (v.
23). Deus havia ordenado, no êxodo, que todo primogênito macho em Israel
deveria ser consagrado a Ele (Ex 13.11-15). No caso dos animais, isso signifi
cava matá-los. Contudo, os primogênitos do homem eram “resgatados” por
um sacrifício substituto. José e Maria buscavam tanto a purificação de Maria
quanto a consagração de Jesus.
Essa história se assemelha à consagração de Samuel por Ana (1 Sm 1.21-28).
Samuel, o profeta que estabeleceria a linhagem davídica ao ungir o rei Davi, foi
dedicado ao Senhor desde o nascimento. Ana levou Samuel ao templo assim
que ele foi desmamado e deixou que seu filho fosse criado pelos sacerdotes.
Jesus, é claro, não foi deixado no templo por Seus pais, tampouco era nazireu
como Samuel e João (veja o comentário em 1.15b-17). Ainda assim, todos es
ses três personagens desempenham um papel importante no drama bíblico do
advento do Messias davídico.
1 2 5 - 2 6 Os anjos fizeram a primeira proclamação pública do nascimento aos
pastores de Belém (2.8-14). Esses pastores divulgaram a palavra a todos os qu e
ouviram (v. 17,18). Duas outras confirmações da identidade de Jesus se suce
dem: uma particular e outra pública. Ambas ocorreram no recinto do templo.
A primeira proclamação vem de Simeão. Lucas indica que o Espírito Santo
estava sobre ele (v. 25). O Espírito Santo, que encheu Zacarias, Maria e Isabel
(1.35,41,67; veja o comentário em 1.39-45), está agora sobre Simeão (N TLH:
“estava com ele”). O Espírito está so b r e ou co m Simeão, semelhante ao modo
pelo qual Ele veio sobre e a cobriu (1.35). Isso reflete a percepção de Lucas
106
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
de Israel, teu povo (v. 32). A nova teologia do “universalismo” de Lucas abar
ca, simultaneamente, tanto Israel quanto os gentios. A oferta da salvação é para
todos os que se arrependerem, sem importar a identidade nacional ou étnica.
Isso é semelhante em natureza à oferta da salvação a todos no universalismo
de Paulo. A teologia dele funciona com a declaração de Jesus como o Senhor,
como seu princípio fundamental. Lucas difere um pouco da fórmula de Paulo
ao colocar a ênfase principal na importância operacional do arrependimento.
Ainda assim, a ideia da oferta da salvação a todos é o fio de ligação entre o mun
do do pensamento de Paulo e o de Lucas.
I 3 4 - 3 5 O surgimento de Jesus, segundo Simeão, é também o prenúncio do
julgamento. A mensagem de Simeão é uma palavra particular a Maria, a qual o
leitor tem o privilégio de ouvir também. Isso revela tanto a vida interior da mãe
quanto o futuro turbulento do filho. A vida de Jesus não será pacífica, e sim
atormentada por conflitos e oposições. Este menino está destinado a causar
a queda e o soerguimento de muitos em Israel (v. 34). Uma sombra apocalíp
tica é lançada sobre a vida do bebê. Ela aponta para a descrição da vida de Jesus
como alguém que colocará o pai contra o filho (12.51-53).
A vida dele dividirá o coração de homens e mulheres, uns contra os outros, e
exporá profundamente a vida de ambos — o pensamento de muitos corações
será revelado (v. 35). A revelação de pensamentos e feitos é um tema caracte
rístico do julgamento apocalíptico (veja Rm 2.5; 1 Co 3.13; Ap 15.4).
E uma espada atravessará a sua alm a (v. 35). Dada a divisão que a vida de
Jesus trará às famílias, essa não é uma espada de julgamento, como em Ezequiel
14.17, mas uma espada de angústia (veja Bock, 1994, 1:248-1250 para suges
tões sobre como interpretar essa passagem).
Maria sentirá a dor pessoal de um filho que repudia sua própria família e é
eventualmente traído por todos (Evans, 1990, p. 220). “Simeão insinua a difi
culdade que ela terá em aprender que a obediência à Palavra de Deus transcen
derá até os laços familiares” (Fitzmyer, 1981, 1:430; veja o comentário dos v.
48-52 a seguir; em 8.19-21; 9.59-62; e 12.51-53).
I 3 6 - 3 9 As mulheres continuaram a desempenhar um papel importante na
história. A piedade e o sofrimento de Ana eventualmente a levaram a uma
vida de devoção dentro do templo. Ela era uma profetisa (v. 36), uma posição
obtida por apenas algumas mulheres na Bíblia (Êx 15.20; Jz 4.4; 2 Rs 22.14;
Ne 6.14). Assim como a impotente virgem Maria e a estéril Isabel, essa mulher
idosa era socialmente desprivilegiada. Nesse caso, ela tinha estado viúva depois
de apenas sete anos de casamento (v. 36).
Na Bíblia hebraica, as viúvas simbolizam a desolação e a angústia (ex.: Is 54.4,5;
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
Lm 1.1,2). Elas tinham pouca chance de ter uma vida normal. Entretanto, as
viúvas têm um lugar especial na história de Lucas. Somente ele registra as his
tórias das viúvas encontradas em 4.26; 7.11-17 e 18.1-8. Talvez, essa simpatia
leve Lucas a escolher a profetiza viúva como uma das primeiras pessoas a pro
clamar a identidade de Jesus.
Ana, agora próxima da morte, finalmente encontra a alegria: Deu graças a
Deus e falava a respeito do menino a todos (v. 38). A tribo dela, Aser, signifi
ca “alegria”. Isso parece encaixar-se com o aparecimento do bebê, especialmente
depois da longa e dificultosa vida de Ana como uma viúva. Aser era uma tribo
do norte, que respondeu ao convite de celebrar a Páscoa em Jerusalém depois
da queda de Samaria (2 Cr 30.10-12).
Alguns sugerem que essa referência seja uma precursora da missão de Lucas aos
samaritanos em Atos 8.1-25 (Beale e Carson, 2007, p. 274). Parece também
uma conjectura razoável, já que Lucas usa o termo “luz para revelação aos gen
tios”, emprestado de Isaías 42.6 e 49.6, no louvor de Simeão e em seu crescente
interesse temático por esse assunto (veja At 13.47; 26.23).
I 4 0 A afirmação sintetizadora de Lucas no final da narrativa do nascimento
de João (1.80) depende de 1 Samuel 2.26. Novamente, quase idêntica a 1 Sa
muel, Lucas sumariza a narrativa do nascimento de Jesus: O menino crescia e
se fortalecia, enchendo-se de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele
(v. 40; compare com o v. 52; veja o quadro adiante).
A temática da sabedoria aparece na descrição de Isaías sobre o ramo do tronco
de Jessé, em Isaías 11.1-3, uma passagem com implicações messiânicas davídi-
cas. A figura messiânica terá “o Espírito que dá sabedoria e entendimento, o
Espírito que traz conselho e poder, o Espírito que dá conhecimento e temor do
Senhor” (compare com S. Sal. 17.37; 1 En. 49.2,3).
A estatura física robusta de Jesus teria sido considerada como um sinal da bên
ção de Deus (veja o comentário em Lc 1.80). Essa descrição de Seu crescimento
e força em 1.40 encaixa-se no perfil esperado para um líder judeu. Devemos
imaginar um Jesus histórico, na idade de 12 anos, como precavido, energéti
co, ruivo e inquisitivo. Alguns autores têm especulado sobre “os anos ocultos”
de Jesus, na maior parte pelo ângulo da análise psicológica (veja Capps, 2000,
p. 129-163; Miller, 1997, p. 31-54). Uma questão frequentemente se levanta
sobre o pai de Jesus e a probabilidade de Sua morte precoce. Que tipo de efei
to isso teria tido sobre o jovem Jesus, especialmente como o filho mais velho
de uma família palestina? O nosso conceito sobre Jesus é enriquecido quando
consideramos tais aspectos naturais de Sua experiência humana.
109
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
110
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
ano, para os dias santos — Páscoa, Pentecostes (ou Festa das Semanas) e a Fes
ta das Tendas (ou Tabernáculos; veja Ex 34.23; Dt 16.16; quanto à idade dos
jovens participantes, veja m. Hag. T.l). O termo “subir” deriva da altitude de
Jerusalém, situada no alto de uma longa serra no leste da Palestina.
A Páscoa era a principal festa anual. Ela atraía um número imenso de pe
regrinos de grandes distâncias, todos os anos. Parece razoável que de “300.000
a 500.000” judeus inundassem a cidade anualmente. Isso teria exigido o sacri
fício de 30.000 cordeiros, um para cada dez pessoas (Sanders, 1992, p. 128; e
não os 255.600 sugeridos por Josefo). A população normal de Jerusalém era de
30.000 pessoas, mas o templo podia acomodar 400.000 adoradores, e a Páscoa
era a festa mais popular (Sanders, 1992, p. 128).
Tal jornada era impossível para muitos judeus de locais distantes. No en
tanto, José e Maria empreendiam a árdua caminhada de 150 km, todos os
anos. Isso indica a piedade deles e a importância social da celebração na capital
espiritual do judaísmo. Os peregrinos da mesma região viajavam juntos (v. 44;
veja Sanders, 1992, p. 125-138; Safrai e Stern, 1974, 2:891,892).
NO TEXTO
1 4 1 - 4 7 Aos doze anos de idade (v. 42), Jesus estaria próximo da época em
111
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
que os judeus hoje chamam de bar m itzvahy o “filho dos mandamentos” {m.
Avot, 5.21). Essa é a fase de transição da infância para a idade adulta. Esperava-
se que os jovens assumissem o jugo da Lei. Embora a emancipação não seja
mencionada no texto, a idade de 12 anos tem um significado para a matura
ção de Jesus e para Sua criação como um judeu. Em Lucas, esse é o evento da
“emancipação” de Jesus.
Não é difícil imaginar um menino maravilhado com a Cidade Santa e os átrios
do templo (v. 46), uma maravilha arquitetônica do mundo. As expectativas de
Seus pais logo podem ser esquecidas. O conhecimento do garoto impressiona
os mestres de Jerusalém. A educação dos filhos começava aos cinco anos. As
famílias que tinham condições enviavam seus filhos para ayesh iva (escola paro
quial). Jesus deve ter tido o privilégio de estudar com os melhores professores
de Sua aldeia. O maior custo de frequentar-se a escola era a ausência dos filhos
na profissão dos pais, um grande peso para as famílias pobres. O ponto de vista
de Lucas sugere que o “Filho de Deus” era obrigado a aprender. Nada acerca de
Sua divindade o dispensava de Sua necessidade humana.
O menino precoce de 12 anos atraía a atenção nos átrios do templo de Jeru
salém. Isso é extraordinário em si se o número de pessoas presentes na Páscoa
for considerado. Depois de três dias inteiros que o menino desapareceu, Ele
ainda continuava profundamente engajado na conversação com os mestres no
templo. O menino Jesus estava sentado entre os mestres, ouvindo-os e fa
zendo-lhes perguntas. Todos os que o ouviam ficavam maravilhados com
o seu entendimento e com as suas respostas (v. 46,47).
Essa cena é remetida para trás e para frente na narrativa. Para trás, porque a
precocidade de Jesus deriva de Sua identidade como “o Filho de Deus” (1.35),
e para frente, porque pressagia Sua posição como um grande mestre e rabi em
Seu ministério público.
Mais especificamente, esse relato prefigura 19.47 e o próximo retorno de Jesus
ao templo, onde “todos os dias ele ensinava”. A extensa narrativa sobre o ensino
em 20.1—21.38 é paralela a do menino Jesus no templo. De uma forma quase
midráshica, ouvimos sobre como Sua experiência inicial aos 12 anos floresce na
vida do Jesus adulto. Isso está em acordo com aquilo que Ele realmente diz e faz
no templo e como os outros reagem. De maneira irônica, em cada referência
subsequente sobre o templo em Lucas, Jesus está em conflito com as autorida
des dali (ex.: 20.1 ss.; 21.6; 22.52).
Na caracterização de Lucas, desde os dias iniciais como menino até a culmina
ção de Seu ministério em Jerusalém, Jesu s en sina as Escrituras. Até mesmo em
Sua pessoa pós-ressurreta, no caminho de Emaús, a mente de Jesus está imersa
112
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
na Escritura e no seu ensino. Para Lucas, isso é o que Jesus é e deve ser conside
rado, ou seja, uma das facetas centrais de Sua caracterização (veja o comentário
em 24.13-49; At 1.3).
1 4 8 - 5 2 Jesus separa-se de Sua família quando saem de Jerusalém. Uma vez
que eles percebem isso, seus pais desesperadamente procuram encontrá-lo. Os
três dias que gastam para encontrá-lo incluem um dia de viagem, saindo de
Jerusalém, um dia de retorno e um dia procurando na cidade (Marshall, 1978,
p. 127). Ao ser encontrado no templo, a cena de Maria e José com seu filho
introduz um elemento no Evangelho que reaparecerá mais tarde em Sua vida.
Maria expressa o que qualquer mãe sentiria em situação semelhante: Filho,
por que você nos fez isto? Seu pai e eu estávamos aflitos, à sua procura (v.
48) . A resposta de Jesus à Sua mãe sugere impaciência: Por que vocês estavam
me procurando? Não sabiam que eu devia estar na casa de meu Pai? (v.
49) . A devoção ao templo evidenciada pelos pais é refletida na vida do menino
Jesus. Porém, mais importante, isso demonstra a preeminência que a lealdade à
obra de Deus terá na vida de Jesus.
A frase genitiva tou p a tros m ou — d e m eu P ai — tem um sentido tanto de
localização como de origem. Jesus enxerga essa casa como mais santa do que
qualquer outra; e Ele identifica-se com ela como uma representação de Seu
relacionamento com Seu Pai. Essa é uma declaração de autoidentificação em
termos de lugar sagrado.
Essa frase sugere uma origem patrilinear. A expressão “casa do pai”, ou b et *av, é
um dos três níveis do sistema social de parentesco. Juntamente com tribo e clã,
ela identifica o lugar de alguém na sociedade (veja os comentários em 15.11
16). E uma localização física, onde a terra, os rebanhos e a família encontram
-se. Entretanto, é também uma declaração de linhagem, estabelecendo o lugar
de alguém dentro das gerações.
Jesus não é o filho de José, pelo que se parece dizer, mas o filho do Pai (compare
com Pv4.3; Ne 1.6). Assim comojacó e sua escada em Gênesis 28.12-22, a casa
de Seu Pai é um lugar de realização da promessa, o lugar para onde Seu coração
sempre ansiará regressar.
A tensão entre Jesus e Sua família surgirá na narrativa de Lucas durante Sua ida
de adulta. Dois eventos da tradição tripla (Mateus 11 Marcos 11 Lucas) mostram
que Jesus experimentou uma distância emocional de Sua família posteriormen
te em Sua vida (Lc 8.19-21; Mt 12.46-50; Mc 3.31-35; Lc 14.26; Mt 10.37;
Mc 8.34). Na tradição dupla ou material Q (Mateus || Lucas), temos a difícil
113
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
máxima: “Deixe que os mortos sepultem os seus próprios mortos” (Lc 9.59-62
||Mt 8.21-22); e o monólogo sobre a divisão dentro da família (Lc 12.51-53 ||
Mt 10.34-36), os quais refletem uma distância emocional de Sua família. Ou
tras referências sobre esse assunto ocorrem uma única vez no Evangelho (Mc
3.21; Lc 11.27 e Jo 2.4). Os Evangelhos não teriam preservado uma evidência
tão difícil dessa sobre a vida pessoal de Jesus, sugere um erudito, “sem a garantia
dos fatos” (Taylor, 1952, p. 235; veja Miller, 1997, p. 31-54).
Lucas conclui tanto a narrativa do nascimento quanto a da pré-adolescência
com declarações sumárias em 2.40 e 2.52 (veja 1.80). Isso é uma emulação
consciente de 1 Samuel 2.26 e 3.19, nos quais um par de sumários semelhantes
delimitam as narrativas do nascimento e da juventude de Samuel.
A PARTIR DO TEXTO
O aspecto humano da experiência de Jesus em relacionamentos familiares
nos ensina muita coisa sobre a cristologia e a natureza física de Cristo. Jesus
experimentou os laços íntimos da vida familiar e conheceu Suas alegrias e Seus
conflitos. A cristologia deve incorporar essa realidade. O Filho de Deus teve a
responsabilidade de ser o filho primogênito, experimentando a pobreza conhe
cida de todos os aldeãos, as demandas e os custos do esforço para aprender um
ofício em meio a essas pressões e a necessidade de estar em conformidade com
as expectativas da família e da aldeia de inúmeras maneiras.
A conscientização das responsabilidades cotidianas de Jesus deve encora
114
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
jar a todos os que lutam na vida. Jesus passou por tensões e problemas em Sua
vida que não são muito diferentes dos nossos. Como de costume ocorre no
caso de pais modernos, os pais de Jesus “não compreenderam o que lhes dizia”
(2.50). O exemplo mais pleno da humanidade dele é inimaginável. No final,
entretanto, Ele foi “obediente” (v. 51) e voltou para casa com José e Maria.
Teologicamente, as realidades humanas de Sua natureza física nos ensinam
que todas as nossas lutas são compreendidas por Deus. Ele foi “um homem de
dores e experimentado no sofrimento e, embora sendo Filho, ele aprendeu a
obedecer por meio daquilo que sofreu” (Is 53.3; Hb 5.8). Cristo vem a nós e
se coloca ao nosso lado — compartilhando a nossa humanidade no sofrimento
corriqueiro da vida diária comum a todos. Ninguém que experimenta o rom
pimento da família e do lar ou o desespero da pobreza precisa sentir-se só. O
próprio Deus está conosco.
115
II. 0 INÍCIO DO MINISTÉRIO DE JOÃO E O BATISMO DE
JESUS: LUCAS 3.1-38
NO TEXTO
tanto para os judeus como para os gentios. Nos capítulos 5—19, seis exemplos
dessa experiência demonstrarão aos leitores a eficácia do arrependimento para
os pecadores (veja, a seguir, A partir do texto e Por trás do texto, para 5.1-11).
O batismo de João possui um imperativo existencial, moral e ritual (3.10-14).
Todos estes preparam o caminho não só para o Messias, mas para a apresenta
ção de Lucas sobre como a salvação opera na nova era.
■ 4 - 5 Isaías 40.3 é citado em várias formas por todos os quatro escritores dos
Evangelhos (Mt 3.3; Mc 1.2,3; Lc 3.4-6 [que sozinho acrescenta Is 40.4,5]; Jo
1.23). Os Evangelhos tratam do texto como um m idrash. Eles oferecem uma
exposição tipop esh er sobre Isaías 40, que interpreta a missão de João como um
retorno do exílio. Já que o retorno foi um momento para a restauração nacio
nal, assim também a mensagem de João trará restauração. Dessa vez, entretan
to, ela será baseada no arrependimento, e não na hegemonia política.
A referência ao “deserto” (v. 2) ecoa a profecia de Isaías (veja Is 40.3): Voz do
que clama no deserto (Lc 3.4). Em Isaías, o deserto refere-se à terra entre a
Babilônia e Jerusalém, atravessada pelos exilados que retornaram (veja Is 35).
Isaías clama para que o caminho do deserto torne-se reto. O Evangelho reaplica
isso a João, que “preparará” o caminho de Jesus (Fitzmyer, 1981, 1:452,453).
Somente Lucas, entre os Sinóticos, cita também Isaías 40.4,5. Isaías promete
que todos os vales, ao longo do caminho, serão levantados. Lucas coloca o
verbo gregop lêrõth êseta i, preenchido, com sentido duplo aqui. P lcroõ é usado
21 vezes nos Evangelhos (sete em Lucas) e em Atos, para indicar o cumpri
mento de uma profecia. O ministério preparatório de João metaforicamente
preenche os vales, aplanando o caminho para o Messias. Contudo, a vinda dele
também cu m pre a profecia.
Da mesma forma, o verbo tapeinõthêsetai, usado na frase todas as montanhas
e colinas, niveladas e em outras partes do NT, sempre significa “humilhado”.
O ministério do batismo para o arrependimento pregado por João chama os
pecadores para humilharem-se diante de Deus. Então, Lucas novamente em
prega um sentido duplo baseado na passagem de Isaías.
As estradas tortuosas serão endireitadas e os caminhos acidentados, apla
nados. No m idrash de Lucas, essa frase de Isaías 40 refere-se às demandas éticas
da mensagem de João. A estrada tortuosa é o caminho do ímpio (Pv 2.12-15);
a estrada endireitada é o dos justos (Pv 3.6). Em Lucas 3.10-14, João explici
tamente indica às “multidões” como as estradas tortuosas podem ser endirei
tadas. A fim de evitar o martelo do julgamento, o povo deve fazer doações aos
necessitados e viver uma vida honesta.
121
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
I 6 Com a inclusão da citação de Isaías 40.5, Lucas foi além de seus compa
nheiros evangelistas para enfatizar a promessa de salvação aos gentios: Todas as
pessoas verão a salvação de Deus (Lc 3.6; veja 2.30,31). Essa salvação encontra
sua culminação nos versículos finais de Atos: “Portanto, quero que saibam que
esta salvação de Deus é enviada aos gentios; eles a ouvirão!” (At 28.28).
A primazia da fé no judaísmo
123
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
A PARTIR DO TEXTO
Um exemplo moderno de corrupção demonstra a importância da fé interior
no judaísmo. Recentemente, um financista judeu caloteou bilhões de dólares
de investidores em uma enorme fraude financeira. Muitos dos investidores
124
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
12). A água simboliza a pureza moral (SI 26.6; 51.2; Is 1.16; Zc 13.1), e o
fogo representa a presença purificadora do próprio Deus (Gn 15.17-18; Êx
3.2; 19.16-21; Is 6.6,7; Ml 3.2). A água e o fogo eram “purgativos e refinadores,
para aqueles que se arrependiam, e destrutivos... para os que permaneciam im
penitentes” (Dunn, 1970, p. 13).
O advento do Messias, segundo João, virá com o batismo com o Espírito San
to, descrito como o batismo com fogo (v. 16). João, Zacarias, Isabel, Maria
e Simeão, todos foram descritos como “cheios do Espírito Santo” Eles foram
indivíduos sobre os quais o Espírito Santo repousou (1.15,35,41,67; 2.25). A
mensagem de João oferece essa plenitude como disponível ao público em ge
ral: Ele os [plural, hym as] batizará com o Espírito Santo e com fogo.
Esse batismo co m [en\ o Espírito Santo é uma expansão da comunidade sa
grada para incluir o povo comum. A experiência da intimidade com Deus vem
junto com essa inclusão, por intermédio do Espírito Santo, uma intimidade an
teriormente reservada apenas para os personagens principais no drama: João,
Zacarias, Isabel, Maria, Simeão e Ana. A mensagem de João diz que haverá
uma repentina “democratização” da intimidade de Deus com o surgimento do
Messias. Isto é clássico da teologia de Lucas: o povo comum pode compartilhar
imediatamente da vida cheia do Espírito por meio do arrependimento (v. 3).
128
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
129
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
lado leste, na Pereia, uma região que se estendia desde o rio Arnom, no sul, até
o rio Jarmuque, no mar da Galileia. Herodes Antipas era casado com a filha de
Aretas IV, rei de Nabateia (9 a.C - 40 d.C.), o reino sul da Pereia.
Essa articulação produziu um longo período de paz entre os dois reis. No en
tanto, Herodes Antipas apaixonou-se por Herodias (v. 19), a mulher de seu
meio-irmão Filipe (Lc 3.1; Mc 6.17). Herodias exigiu que Antipas se divor
ciasse de sua esposa nebateia e se casasse com ela, o que ele fez. Isso enfure
ceu Aretas, a quem a primeira mulher de Antipas recorreu. Aretas e Antipas,
eventualmente, guerrearam por causa dessa questão, uma guerra na qual Aretas
prevaleceu.
João se opôs à união de Herodes Antipas e Herodias porque a lei judaica proi
bia o casamento com a esposa do irmão enquanto ele ainda estivesse vivo (veja
o comentário em Lucas 15.11,16 e 20.27-40; compare com Marcos 6.18). João,
ao que tudo indica, garante que tal articulação tornava Herodes ritualmente
impuro e também um fora da lei (Webb, 1991, p. 33,367). Tal pregação na
região da Pereia teria atrapalhado os interesses de Herodes naquela localidade.
Não é de surpreender que Herodes não tolerava tal conduta de um populista
que conseguia reunir grandes multidões. Os nabateus que moravam na Pereia
sentiram grande ofensa pelo desprezo de sua casa real e, sem dúvida, apoiaram
a agitação de João contra Herodes. Isso levou a uma instabilidade política na
região. Não obstante, Herodes piorou a situação, colocando João na prisão (v.
20). Josefo diz que Herodes agiu contra João porque temia uma revolta lidera
da por João (A nt. 18.5.2, §118).
A PARTIR DO TEXTO
NO TEXTO
I 2 1 - 2 2 Lucas, diferentemente de Mateus 3.13 e Marcos 1.9, não afirma
explicitamente que João batizou Jesus. Q u a n d o to d o o p o v o estava sen d o b a ti
zado, ta m b ém J esu s o f o i (v. 21). Também não fica definido quem ouviu a voz
do céu. Em Mateus, é um acontecimento público — “Este é o meu Filho ama
do” (Mt 3.17). Em Marcos e Lucas, parece ser uma epifania pessoal — “Tu és o
meu Filho amado”. Existem poucos detalhes no relato de Lucas, comparados a
Mateus e Marcos. Embora minimize sua natureza pública, ele retém a essência
do fato — uma autenticação divina da posição de Jesus.
Essa afirmação divina introduz uma nova informação na narrativa. Os leitores
já sabem da identidade de Jesus como o Filho do Altíssimo (1.32,76), o Filho
de Deus (1.35) eo Salvador da casa de Davi (1.69; 2.11). Nós já sabemos sobre
o batismo (3.3,7). E o Espírito Santo tem sido uma força ativa no decorrer
da narrativa (1.15,35,41,67; 2.25,26; 3.16). Todas essas características já estão
presentes na narrativa antes que Lucas narre o batismo de Jesus.
O que é diferente é o modo pelo qual todas essas características da narrativa
são unidas em uma cena sintetizadora; e a consolidação teológica acontece ali.
A partir dessa localização, a história se move agressivamente em direção ao
ministério de Jesus (veja Green, 1997, p. 186). Dois outros detalhes precisam
ser observados.
Primeiro, na cena onde uma interferência da teologia trinitária pode, pela pri
meira vez, ser discernida no Evangelho, o fato é autenticado por uma voz do
céu (B at Q ôl). O Pai fala do céu; Jesus, o Filho, é batizado na terra; e o Espírito
Santo media a presença de Deus. A voz celestial é a suprema e incontrovertível
testemunha da revelação de Deus. Essa é uma n ova palavra de Deus, acima e
além das formas passadas de revelação. Ironicamente, isso confirma a verdade
dos pronunciamentos passados do AT sobre o advento do Messias.
Segundo, o tema trinitário nunca antes manifesto nos Evangelhos pode ser
mais desenvolvido em Lucas, com base nesse fato fundamental. Por exemplo,
os leitores são preparados para enxergar o Filho como um representante do
Pai no tempo vindouro (9.26). A descrição íntima do relacionamento Pai/
133
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
A B a tQ ô l
O Espírito que desceu (v. 22) é descrito por Lucas como sõm atikõi, em forma
corpórea. A forma corpórea desceu (hõs peristeran ) como uma pomba. Isso
significa que o Espírito veio, não na imagem de uma pomba, mas planando
134
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
A VOZ DO CÉU
B ^ S a l m o 2.7 ___ ® li Isaías 4 2.1
hi i f f f i r r ^ — —• >5 .. -H l -
NO TEXTO
I 2 3 - 3 8 Como uma introdução à Sua genealogia, somos informados de que
Jesus tinha cerca de trinta anos de idade quando começou seu ministério (v.
23). Doze anos era a idade da passagem para a idade adulta na cultura judaica.
136
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
138
III. 0 MINISTÉRIO DE JESUS NA GALILEIA: LUCAS 4.1
9.50
ekpeirazõ\ veja Green, 1997, p. 192). Israel é o “filho primogênito” de Deus (Êx
4.22) assim como Jesus é o Filho de Deus. Ambos são testados pelo Pai. Deu-
teronômio 8.2 diz, “Lembrem-se de como o Senhor, o seu Deus, os conduziu
por todo o caminho no deserto, durante estes quarenta anos, para humilhá-los
e pô-los à prova, a fim de conhecer suas intenções, se iriam obedecer aos seus
mandamentos ou não”. Os temas de ser guiado pelo deserto por 40 anos/dias
(veja Êx 16.35; 24.18) e testados estão presentes em ambas as histórias. Jesus
mesmo cita Deuteronômio 6.16 ao diabo (Lc 4.12: “Não ponha à prova o Se
nhor, o seu Deus”) comparando Sua própria provação com as lutas de Israel no
deserto.
As diferenças entre Jesus e Israel são simplesmente impressionantes. A
questão de Lucas pode muito bem ser que Jesus passou no teste do deserto,
enquanto que Israel não passou. Logo, Jesus mostra-se obediente à chamada
de Deus e preparado para assumir Suas obrigações como o Messias (Green,
1997, p. 193; Fitzmyer, 1981, 1:510). Além do mais, a peregrinação de Israel
no deserto é um castigo por sua culpa de desobediência (veja Js 5.6). Este não é
o caso de Jesus nem de Abraão; ambos são inocentes.
Jó é outro personagem que pode fornecer alguma base intertextual para a
provação de Jesus. (Bock [1994, p. 364] chama Jó de “o paralelo mais próximo
do AT”. Mas ele insiste que a provação de Jesus é um incidente “sem preceden
tes” na literatura bíblica). Jó é um dos pagãos piedosos da Bíblia, semelhante a
Melquisedeque, aos marinheiros de Jonas e o rei de Nínive, e a Ciro, rei da Pér
sia. A pergunta global do livro de Jó é filosófica em tom e é representada pela
indagação do adversário: “Será que Jó não tem razões para temer a Deus?” (Jó
1.9). Tanto Jó como Jesus são figuras inocentes, presumidas puras por Deus.
Ambos emergem vindicados da provação; Jesus, porém, mais do que Jó.
O mais impressionante é a “negociação” fechada pelo adversário (Hb: stn ,
Satanás; LXX; diabolos) e Deus em Jó. Será que o Espírito Santo e o diabo (ho
diabolos) semelhantemente cooperaram em Lucas ? Em Jó, a negociação é ex
plícita (Jó 1.6-12). Em Lucas, ela é implícita. Isto é, a negociação entre Deus e
o diabo se deu fora do palco, antes do encontro com Jesus. Mas o Espírito clara
mente leva Jesus para o deserto. A conduta de Jesus em Seu deserto poderia ser
considerada o supremo exemplo de piedade altruísta. Jó falhou de alguma for
ma (Jó 3), mas Jesus permaneceu firme em Sua lealdade e obediência a Deus.
Em termos da estrutura de Lucas 3.T I 3, Lucas usou duas características.
A primeira é uma série de contrastes usados para elevar o drama da cena da
provação. A segunda é um evento, uma fala e uma estrutura de resposta.
143
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
Pão (v. 3)
Q u a re n ta d ia s {v. 2)
NO TEXTO
I 1 - 2 Jesus voltou do Jordão (v. 1), a região sudeste de Jerico onde Seu ba
tismo aconteceu (veja 3.3). Uma tradição do sétimo século localiza a provação
144
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
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NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
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LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
A PARTIR DO TEXTO
O perigo do mal às vezes é encontrado em suas semelhanças com o bem:
as predições de um falso profeta realizam-se (Dt 13.1-3); 666 é só um pouco
menor que a perfeição divina de 777 (Ap 13.18); o falso Messias exteriormente
parece ser uma figura genuína e facilmente mal interpretada como o verdadeiro
Messias (Lc 21.8; 2 Co 11.13-15). O perigo do mal é a forma como ele se mas
cara como o caminho reto.
O diabo tenta Jesus para que burle as restrições de Sua natureza física ao
pegar um caminho mais fácil para a Sua legítima herança, e não aquele exigido
pela Sua humanidade. O destino é o mesmo; o diabo simplesmente e razoavel
mente sugere, “Por que não pegar outro caminho ? O custo único é pequeno
- simplesmente adore-me”. O caminho para o maior bem envolve sofrimento
e dificuldade na história bíblica. Esse foi o caso de Jesus. E assim deve ser co-
149
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
NO TEXTO
1 9-12 O diabo leva Jesus para o pináculo do templo para testá-lo com outro
ato de autopreservaçao. O templo era o símbolo de tudo o que era sagrado no
judaísmo do primeiro século. A posição do diabo na parte mais alta (v. 9) am
plifica a blasfêmia de seu sarcasmo. Isso também reitera o “lugar alto” do v. 5 e
ecoa a dúbia reivindicação do diabo à autoridade e à exaltação.
No duelo das citações das Escrituras, o diabo cita Salmo 91.11,12, Pois está es
crito: “’Ele dará ordens a seus anjos a seu respeito, para o guardarem; com
as mãos eles o segurarão, para que você não tropece em alguma pedra’” (Lc
4.10,11). A resposta de Jesus é da mesma passagem de Deuteronômio 6 que Ele
havia citado no segundo teste. Dessa vez, a resposta é do v. 16: Não ponham à
prova o Senhor, o seu Deus.
O texto de Deuteronômio refere-se ao teste de Deus pelo povo de Israel em
Massá em Êxodo 17.1-7. Ali, o povo estava morrendo de sede e “testou” o Se
nhor, exigindo saber, “O Senhor está entre nós, ou não?” Talvez, Jesus tenha
usado essa passagem para refletir um entendimento de que o pecado de Massá
foi a falta de confiança explícita no Senhor, independente de quão desespera
do ra é a situação. A questão para Jesus, como foi anteriormente para os israeli
tas, era a fidelidade a Deus.
BI 13 O diabo agora deixa Jesus até ocasião oportuna. O comentário parece
referir-se ao seu reaparecimento na narrativa da paixão na sedução de Judas
(22.3). Ao contrário, existe apenas uma breve referência a ele como um perso
nagem na parábola do semeador (8.12). Do ponto de vista da narrativa, o dia
bo está decisivamente e prontamente dispensado como um oponente bem me
nos que formidável na história. Como diz Milton, o diabo “está bem perdido,
e todos os seus dardos já foram gastos”. A disputa dos cosmos estava bem longe
de ser perdida nesses testes. Jesus passou nesse teste estilo Êxodo com uma inal
terável fidelidade a Deus e uma genuína piedade altruísta como a de Jó.
A PARTIR DO TEXTO
Na obra B rothers K aram azov, de Dostoievski, o inquisidor geral argu
menta que Cristo poderia ter resolvido todos os problemas da humanidade
se Ele simplesmente tivesse cedido aos testes do diabo. Milagres, mistério e
autoridade - é isso que as pessoas vis e ignorantes exigem, argumenta o diabo.
Dê-lhes um pão miraculoso para acalmar o estômago, um mistério para acal
mar sua mente confusa e um pouco de autoridade para aliviá-las das dolorosas
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
NO TEXTO
1 1 4 - 1 5 Lucas usa uma fórmula concisa para fazer a transição de um estágio
para outro da história. O sumário contém:
153
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
pelo Espírito. Eles foram “cheios” (1.35,41,67; 2.25) do Espírito. Ele “revelou”
algo para eles (2.26), Ele os “guiou” (2.27), ou os “batizará” (3.16,21). Este
tema culmina com Jesus em Lucas 3.22. Ali, o Espírito desce “sobre ele”, como
uma pomba. Agora, o Espírito também repousa “sobre” Jesus, ungindo-o para
esta missão. O senso de Lucas quanto ao local sagrado para o Espírito, sobre as
pessoas, é semelhante à presença do Espírito sobre os profetas da antiguidade
(veja comentário em 1.67 e 2.25,26).
O texto define o ministério de Jesus em termos de compaixão e boas novas
para os pobres, presos, cegos e oprimidos (4.18; veja comentário em 8.1).
Naquela que alguém diz ser “provavelmente a passagem mais importante de
Lucas/Atos” (Kimball, 1994, p. 97), a compaixão para os desfavorecidos é co
locada no centro deste Evangelho.
Isaías 61.2, o ano da graça do Senhor (v. 19), refere-se ao ano do jubileu e às
ideias associadas a ele, como o perdão das dívidas, a repatriação da propriedade,
e a libertação dos escravos (Evans e Sanders, 1993, p. 21,22). Isso teria sido,
sugere Sanders, uma das passagens favoritas da congregação. Eles, sem dúvida,
enxergavam a si mesmos como os destinatários a quem o livramento foi prome
tido. Ao ouvirem a interpretação de Jesus, que identificava os gentios como os
destinatários, a admiração deles transformou-se em ofensa.
Nos capítulos 5—19, a história continua retornando repetidamente a esse
tema do compassivo tratamento dos desfavorecidos. A definição de “pobre”
deve ser entendida em termos de uma série de questões relacionadas à posição
social na cultura mediterrânea, e não da simples pobreza. Essa compreensão
mais ampla de “pobre” concorda bem com o âmbito de indivíduos representa
dos como pecadores em Lucas. Embora alguns sejam economicamente pobres,
outros são pobres em “educação, gênero, herança familiar, pureza religiosa, vo
cação, economia, e assim por diante” (Green, 1997, p. 211; veja p. 209-213).
A visão social de Lucas é que as atuais estruturas sociais serão invertidas. A
opressão e a necessidade serão abolidas pelo Reino de Deus. A alegria irá subs
tituir o sofrimento dos humildes (veja Is 58.6-9; veja o comentário em 1.46-53;
6.17-26,27-31 e 7.18-23).
Lucas e Isaías
Lucas acred ita que a com preensão das Escrituras é a chave para a
in te rp re ta ç ão da vida de Jesus. Ele te m "u m a firm e convicção de que um a
leitura correta das Escrituras, de Moisés e dos Profetas fornece a capaci
d ad e de e n x e rg a r o que está acontecendo no m undo real" (Evans e San
ders, 1 9 9 3 , p. 18).
155
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
NO TEXTO
I 31-37 Continuando o padrão de ensinar em sinagogas locais no sábado
(v. 31; veja 4.16,44), Jesus começou Seu ministério na próspera aldeia pesquei
ra de Cafarnaum. A autoridade (v. 32) de Jesus sobre o reino espiritual é um
tema emergente na história de expulsão de demônios nos v. 33-36. Ser testado
pelo diabo na primeira parte do capítulo prepara o pano de fundo para a luta
de Jesus contra as forças demoníacas dos vilarejos da Galileia.
No deserto, o diabo reivindicou ter domínio sobre “todos os reinos do mundo”
(4.5). Nos capítulos vindouros, Lucas registra quatro histórias de indivíduos
possuídos por demônios (4.33-37; 8.26-39; 9.37-43; 11.14-23). Numerosas
referências passageiras e declarações sumárias referem-se ao ministério de Jesus
como um libertador (4.41; 6.18; 7.21,33; 8.1-3; 9.1,49,50; 10.17-20; 11.24
26; 13.31,32).
As histórias são exemplos da luta espiritual global na teologia de Lucas. A
luta pelo domínio do mundo espiritual é “de significância gigantesca” para a
compreensão de Lucas (Garrett, 1989, p. 37). Ela culmina na controvérsia de
Belzebu em 11.14-23. Depois que Jesus foi acusado de expulsar demônios por
Belzebu, Ele afirma, “se é pelo dedo de Deus que eu expulso demônios, então
chegou a vocês o Reino de Deus” (11.20).
O objetivo de Lucas nesse estágio da história não é sobre a compaixão ou a
salvação individual. O interesse dele é demonstrar a vitória de Deus sobre o
mestre secular do reino terrestre, o próprio diabo e seus ajudantes (veja o co
mentário em 9.1-6).
A história da libertação em 4.33-37 é representativa desta emergente vitória
do Reino. Enquanto que a ascendência do reino foi proclamada pelos anjos
(1.32,33; 2.11), ela é agora proclamada pelos poderes opostos do mundo espi
ritual, os demônios (veja Por trás do texto em 8.26-39).
O homem desta história estava possesso de um demônio, de um espírito
imundo (v. 33). Isto é, mais precisamente, ele tinha “um espírito imundo”. O
fato de Lucas usar o adjetivo akathartos, im u n d o , para descrever um demônio
é peculiar. Isso pode ter surgido da cultura greco-romana na qual os demônios
158
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
NO TEXTO
H 3 8 - 4 4 Pessoas amontoaram-se em torno da casa de Pedro buscando cura
para vários tipos de doenças (v. 40) e possessões demoníacas. Os versículos
40,41 funcionam como outra declaração sumária dos acontecimentos iniciais
do ministério de Cafarnaum. Eles reforçam o motivo da hegemonia de Jesus
no reino espiritual. Os leitores devem entender que as expulsões de demônios
e suas proclamações de Sua filiação foram característicos daquele período inau
gural da obra de Jesus. O efeito cumulativo confirma esse sentimento de ine
vitabilidade do sucesso de Jesus em Seu papel de Filho. Os demônios exclama
vam, “Tu és o Filho de Deus!” (v. 41).
O sucesso da missão é tanto que não pode ser confinado geograficamente a
uma aldeia (veja Tyson, 1992, p. 24-26). A história está explodindo em ter
mos de geografia. Jesus precisa visitar outras aldeias e cidades para proclamar
as boas-novas. Ele reitera a citação de Isaías 61 no v. 18, E necessário que eu
pregue as boas novas do Reino de Deus noutras cidades também, porque para
isso fui enviado (v. 43; veja o tratamento de Nave [2002, p. 13-24] quanto à
necessidade divina em Lucas).
Quais são as boas novas do Reino ? A expressão “trazer boas-novas” (evan geliz o)
foi dita primeiramente pelos lábios dos anjos em Lucas 1.19 e 2.10 referindo-
-se ao nascimento de João e de Jesus. João “pregava as boas novas” (3.18), que
eram, entre outras coisas, um “batismo de arrependimento para o perdão dos
pecados” (3.3; veja o comentário em 3.15-17).
Semelhantemente, em 7.22, Jesus aconselha os discípulos de João que lhe di
gam que “as boas novas são pregadas aos pobres”. Em Atos, as “boas-novas”
referem-se à identidade de Jesus como o Cristo (At 5.42; 8.12,35). Logo, “as
boas novas do Reino de Deus” têm um amplo raio de significados em Lucas.
Jesus proclama o reino, não de uma posição geográfica estacionária, mas em
movimento. Essa é a antítese da teologia baseada no templo. Seus ensinamentos
não tinham paredes, nem geografia sagrada. O reino deve ser espalhado
160
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
fisicamente, e não pode emanar de um só local. Ele deve ser levado às cidades
e aldeias (veja 9.2,60).
O relacionamento de Jesus com as cidades e aldeias da Galileia é o componen
te chave no Evangelho de Lucas. Ele era geralmente bem-vindo inicialmente,
mas eventualmente, desaprovado por muitos. As referências de cidades e vila
rejos na Galileia e em Samaria são encontradas em 5.12,17; 7.11; 8.1; 9.10,57;
10.1,10,13-15,38; 13.22; 19.1.
A história tem sua primeira virada dramática para o palco de um público mais
amplo quando Jesus sai para visitar as sinagogas da Judéia (4.44). Essa iden
tificação das aldeias como Judéia é problemática, já que Lucas 4.14; Mateus
4.23; e Marcos 1.29 indicam a Galileia como a proveniência das primeiras
atividades de Jesus. Geralmente, diferente dos Sinóticos, o Evangelho de João
presume que Jesus ia e voltava entre as duas regiões. Os copistas posteriores
mudaram o texto de Lucas para “Galiléia”. Mas Judeia é usada pelos tradutores
modernos porque é a leitura mais difícil. Logo, é mais provável que seja o texto
original de Lucas.
A PARTIR DO TEXTO
O que podemos dizer sobre os demônios ? Na linguagem do mundo his
tórico do NT existe uma tensão universal, até um equilíbrio do bem e do mal.
Wesley observou que, ‘A totalidade da vida espiritual é um sutil equilíbrio que
está sempre suscetível a desequilibrar” (Oden, 1994, p. 339). As boas-novas
garantem que um dia as forças do bem vencerão as força do mal. O evangelho
também reconhece que esse dia ainda não chegou, e por isso, a nossa necessi
dade do evangelho. As forças demoníacas são uma parte natural e necessária do
mundo histórico de Lucas. São também as lentes pelas quais todos os autores
do NT enxergam o mundo e organizam sua compreensão da vida.
No evangelho (e em quase todas as formas de religião) essas forças são
personificadas. Existe um filho de Deus e um diabo. Existem anjos; e existem
demônios. Existe um céu e um inferno. Todos esses representam sua posição na
estrutura cosmológica do mundo criado.
Essa visão de mundo, ao personificar o bem e o mal, transforma o universo
cosmológico em um universo moral. Os respectivos poderes querem amar, des
viar, punir, ditar, persuadir, fazer o bem, e fazer o mal, assim como as pessoas
fazem. Essas polaridades do bem e do mal estão na base da crença cristã da
antiguidade. E por extensão, constituem o fundamento da fé cristã tradicional.
161
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
De que o mal não só é encontrado aqui e ali no mundo, mas que todos
os males em particular formam um só poder que, em última análise, cres
ce a partir das próprias ações dos homens, que formam uma atmosfera,
uma tradição espiritual, que sobrepuja todo homem. As consequências
e os efeitos dos nossos pecados tornam-se um poder que nos domina, e
não podemos livrar-nos dele (...) Um poder que misteriosamente escraviza
cada membro da raça humana. (21)
162
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
163
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
NO TEXTO
I 1 - 3 A chamada dos discípulos começa com Jesus perto do lago de Ge-
nesaré, com as pessoas amontoadas ao Seu redor ouvindo a palavra de Deus
(5.1). Aqui, Lucas começa a construir sua caracterização de Jesus como um
mestre. Ele já ensinava “nas sinagogas” (4.15) e em Nazaré “com autoridade”
(4.32). Todos ficavam “admirados” com Suas palavras (4.22,32). Assim como
em todos os Evangelhos Sinóticos, o ensino será a atividade principal do mi
nistério galileu (veja Mt 4.23; Mc 1.39). Intercalados com essa atividade estão
165
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
Essa cura prepara o ambiente para duas outras narrativas sobre leprosos
que somente Lucas registra: a história do leproso Lázaro em 16.19-31 e a cura
dos dez leprosos em 17.11-19. A segunda história novamente enfatiza Jesus
curando e incluindo os renegados. Ambas as histórias desenvolvem esse tema
no Evangelho um pouco mais.
NO TEXTO
I 1 2 - 1 6 Essa história da purificação do leproso introduz um tema impor
tante em Lucas: a restauração da família, da sociedade e do templo marginali
zados. Os leprosos sofriam uma dupla maldição do contágio físico da impureza
ritual. Eles ocupavam uma posição extrema entre os excluídos da sociedade. No
início de Lucas, esses indivíduos são curados e recebidos em um novo reino. A
cura deles é citada como evidência da identidade de Jesus como o Cristo em
7.22: “Voltem e anunciem a João o que vocês viram e ouviram: os cegos vêem,
os aleijados andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são
ressuscitados e as boas novas são pregadas aos pobres”.
Em 4.27, Lucas menciona Naamã, o leproso gentio que simbolizava o extremo
em marginalização física e social. A menção de Jesus quanto à cura dele sinaliza
que os desterrados d e d en tro e d efo ra da etnia de Israel serão incluídos em Sua
nova comunidade. O fato de Lucas usar a história do leproso nos v. 12-16 ex
pande seu tema de salvação para os excluídos.
169
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
O homem estava coberto de lepra (v. 12), uma frase que enfatiza o infortú
nio de sua condição. Ele vive em estado permanente de impureza ritual cau
sado por sua condição natural, e não por ter pecado. Ele prostrou-se em terra
e rogou que Jesus o limpasse. O clamor dele foi: Senhor, “Se quiseres, podes
purificar-me” (v. 12). Assim como os outros personagens do capítulo 5, ele é
humilde, prostra-se com o rosto em terra, e está cheio de fé. O leproso pede
uma purificação, e não a cura. Isso sugere a natureza unitária de sua condição
em sua mente. Sua impureza e doença para ele são uma só coisa.
Jesus estendeu a mão e tocou nele (v. 13). Ao fazer isso, Ele não violou a Lei
de Moisés, já que Levítico 13 não diz que um leproso não pode ser tocado (veja
Green, 1997, p. 237; Nolland, 1989, p. 227). Mas, esse ato teria transferido
uma impureza ritual a Jesus. Isso não é particularmente significante em si. Uma
vez curado, a impureza do leproso é facilmente limpa, como demonstrado pela
instrução de Jesus ao leproso para que se apresentasse ao sacerdote local (v. 14).
Semelhantemente, a Jesus seria exigido uma ação rotineira de purificação. Mas
o contato entre Jesus e o leproso tem uma significância mais profunda aqui.
Contrário às expectativas, o toque de Jesus reverte o caminho normal do con
tágio da lepra. A pureza, em vez da impureza, torna-se contagiosa (Blomberg,
2005, p. 137). Logo, ele disse ao leproso, S eja p u r ifica d o ! (v. 13, seja lim po).
Sua palavra e Seu toque removem tanto a doença como a impureza ritual. Não
há distinção na narrativa entre a impureza ritual e a enfermidade. A linguagem
da purificação serve o propósito de curar ambas as condições.
Existe uma ideia subversiva aqui em relação ao templo. No curso normal das
coisas, os sacerdotes não curam nem purificam leprosos. Eles simplesmente os
declaram limpos quando a condição é removida. O sacerdote é apenas o me
diador da santidade que emana do templo, e não a fonte da mesma. Mas Jesus
transmite pureza pela ação direta. Aliás, Ele suplanta a atividade mediadora do
sacerdócio.
O papel do ritual torna-se obsoleto, e a pureza do templo é, de fato, sinônima
do contado com a mão de Jesus. Isso é uma inovação radical.
A injunção Não conte isso a ninguém (v. 14) é minimizada em Lucas ao ser
comparada a Marcos. Ali, Jesus advertiu “firmemente” ao leproso para manter
silêncio (Mc 1.43). Jesus ordenou ao leproso, que já estava limpo e curado: vá
mostrar-se ao sacerdote e ofereça pela sua purificação os sacrifícios que
Moisés ordenou, para que sirva de testemunho (v. 14). Será que isso não se
ria um ato desafiador comparado com 5.22-26? Isto é, será que Jesus cura para
poder confrontar Seus contemporâneos com Sua identidade? Ou, será que a
Sua ordem é simplesmente um ato de submissão à Lei? O contexto sugere que
170
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
19). Nos tipos mais severos, sete dias de purificação era m exigidos para
171
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
im p ed im en to físico na vida.
Isso vai contra diversos estudos anteriores do NT. De Jerem ias a Borg,
se a im pureza ritual não era considerada pecam inosa, com o Klawans ar
g u m en ta, é difícil reivindicar que havia lim ites sociais e ntre os pecadores
NO TEXTO
■ 1 7 - 1 9 A cura do paralítico é uma história complexa e dramática em Lucas.
Especuladores importantes, incluindo mestres da lei e fariseus, vieram de to
dos os povoados da Galiléia, da Judéia e de Jerusalém (v. 17). Essa descrição
levanta um nível de conflito porque a oposição de Jesus é vista representan
do uma ampla área geográfica. Além disso, as multidões são um contraponto
quanto ao sigilo ordenado na história anterior (v. 14). O drama é ainda enfati
zado pela observação de que o poder do Senhor estava com ele para curar os
doentes (v. 17). A cena tem a sensação de um evento altamente volátil.
No ambiente desse episódio em Marcos, Jesus estava simplesmente “em casa”
(Mc 2.1). Esse episódio também é menos público no equivalente em Mateus
9.1,3. Mas, em Lucas, a cura é programada como um evento crucial. A mesma
tendência de ajustar o cenário é vista em Lucas 6.17 comparado com Mateus
5.1.
Os fariseus (v. 17,21) são introduzidos aqui pela primeira vez como os prin
cipais antagonistas de Jesus. Eles desempenharão esse papel consistentemente
ao longo do restante de Lucas. A dúvida e a oposição deles neste incidente se
tornarão a reação característica de todos os fariseus na narrativa. Os leitores,
a par desta informação confidencial sobre esses adversários (v. 21), tornam-se
indispostos a considerá-los simpaticamente. Eles são “uma caricatura daqueles
que devem ser evitados moralmente” (Darr, 1992, p. 92).
173
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
A multidão (v. 19) é a designação de Lucas para o povo “normal” presente. Ela
é tão grande que uma massa caótica de pessoas restringe o acesso físico a Jesus.
Pode-se imaginar o barulho, os empurrões e a tensão lutando por um espaço.
Esse acontecimento tem uma sensação catalítica, especialmente em relação à
presença de líderes políticos de toda a região.
O paralítico (v. 18) e seus amigos estão determinados a conseguir acesso a Je
sus. Não conseguindo fazer isso, por causa da multidão, subiram ao terraço
e o baixaram em sua maca, através de uma abertura, até o meio da multi
dão, bem em frente de Jesus (v. 19). Nesta cena, o paralítico e seus amigos são
contrastados com os fariseus e os mestres da lei que estão passivos e cheios de
dúvidas. Eles simplesmente observam e opõem-se a Jesus questionando Suas
ações no coração (v. 21).
Essa justaposição de ansiedade e passividade demonstra aos leitores que os su
plicantes têm a atitude correta; e as autoridades religiosas, a atitude errada. O
autor onisciente oferece aos leitores acesso aos pensamentos escondidos dos
fariseus: “As ideias sobre personagens, eventos, cenários, ideologia etc. estão
continuamente sendo reafirmadas, negadas, revisadas e suplementadas. (...) As
construções mentais são sequenciais, cumulativas e sujeitas a mudanças” (Darr,
1992, p. 30). Lucas constrói a caracterização dos simpatizantes e oponentes de
Jesus sequencialmente e cumulativamente.
1 2 0 - 2 6 Em resposta à grande fé do paralítico e seus amigos, Jesus diz: “Ho
mem, os seus pecados estão perdoados” (v. 20). Isso é equivalente a dizer: “a
sua fé o salvou” (como em 17.19). Era comumente entendido no judaísmo que
somente Deus pode perdoar pecados (SI 130; Is 43.25). Aqui, a voz passiva -
“seus pecados estão perdoados” - era um modo convencional que os mestres
judeus às vezes insinuavam uma ação de Deus (Sanders, 1995, p. 213). Mas os
v. 21 e 24 desmentem essa interpretação. Jesus concede o perdão em nome de
Deus, e a declaração é chocante para pelo menos alguns dos que estavam pre
sentes, que descreveram isso como uma blasfêmia (v. 21).
A teologia do perdão do pecado intencional no AT é direta. Ela envolve confis
são, restituição e uma oferta (veja a anotação complementar). Aqui, a disputa
com os fariseus é a apropriação de Jesus do direito de declarar algo normalmen
te concedido apenas por Deus. Assim como a purificação que Jesus concedeu
ao leproso ao tocá-lo diretamente, isso também traz uma reivindicação radical
ajesus.
Por que um homem paralítico precisa do perdão de pecados ? Havia uma linha
indefinida e sutil entre o pecado e a enfermidade no AT e no judaísmo contem
porâneo. Essa é outra situação na qual as duas questões chocam-se. Jesus parece
174
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
sofrer (9.22,44; 22.22,48,69; 24.7), a Jesus como uma figura de conflito (6.22;
12.8,10), e a alguém que retorna escatologicamente (como em 9.26; 12.40;
17.22,24,26,30; 21.27).
Em 21.27, Lucas cita Daniel 7.13, onde o uso de “Filho do homem” certamen
te tem uma conotação apocalíptica. Mas essa influência não está sempre clara
mente presente no uso dessa frase por Lucas. Embora pareça ser um termo um
tanto benigno de referência própria aqui em 5.24, a passagem de Daniel 7 não
pode estar longe da mente do leitor antigo como um subtexto tumultuador.
(Veja 17.22,23 e o comentário em 18.31-34 e 21.27)
176
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
A PARTIR DO TEXTO
A resposta de Jesus ao paralítico introduz um novo aspecto da caracteri
zação de Lucas quanto à Sua identidade. Ele apropria-se da prerrogativa de de
clarar o perdão de Deus. Essa garantia de “autoridade” pelo “Filho do homem”
é um ponto decisivo na narrativa. Logo, é um ponto decisivo para o leitor. As
linhas de conflito foram traçadas, e os leitores precisam decidir: “Do lado de
quem ficarei neste conflito ?”. Esse é o propósito retórico do texto de um Evan
gelho. A indiferença não é uma opção; o indivíduo deve decidir agora como irá
responder a esta apresentação de Jesus como o Filho do Homem. Ele pode ficar
do lado dos fariseus, os adversários estereotipados da obra de Jesus. Ou, pode
ficar do lado dos pecadores, que aceitam Jesus e Sua cura.
O narrador não é desinteressado; e os leitores estão sujeitos às “sequenciais
e cumulativas” articulações mentais que o narrador criou - uma “hierarquia de
perspectivas”. O narrador é visto como confiável, assim como o são os simpá
ticos personagens da história. Os adversários, em contraste, são duvidosos por
causa de sua transparente falta de fé e da hostilidade para com Jesus. Isso leva à
“percepção retórica” à qual os leitores estão sujeitos na narrativa (Darr, 1992,
p. 30,53-59).
Dentro desse processo, questões pertinentes surgem para o leitor. Quem,
realmente, pode perdoar pecados senão Deus? E quem entre nós pode facil
mente tolerar, como os fariseus são desafiados a fazer, a desconstrução de cren
ças tão queridas? Será que um milagre é causa suficiente para abandonar as
convicções sagradas? E, isso seria sábio, de alguma forma? De que maneiras
a aderência à tradição cega-nos para uma nova verdade? Essas são perguntas
sugestivas a partir da cura do paralítico e da declaração de Jesus.
Em um nível mais pragmático, as ações dos amigos do paralítico refletem
o pensamento público criado pela paralisia naquela cultura. A imobilidade de
177
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
NO TEXTO
1 2 7 - 2 8 O publicano chamado Levi, como é característico de todos os co
bradores de impostos e pecadores em Lucas, responde positivamente ao con
vite de Jesus e segue-o. Ele deixou tudo e seguiu Jesus imediatamente, assim
como Pedro e seus companheiros pescadores. Para Levi, aquilo era uma com
pleta quebra da rotina de sua antiga vida e ocupação, um ato concreto de ar
rependimento (Nave, 2002, p. 167, 169). Isso é incrementado no comentário
de Lucas 3.12 concernente aos publicanos que vieram ser batizados por João
Batista. Os pecadores arquetípicos estavam ansiosos para reagir positivamente
a João e a Jesus. Uma atração gravitacional de pecadores em direção a Jesus está
acumulando-se na narrativa, juntamente com uma correspondente alienação
da elite religiosa.
I 2 9 - 3 2 Então Levi ofereceu um grande banquete a Jesus em sua casa.
Havia muita gente comendo com eles: publicanos e outras pessoas (v. 29).
Essa cena alegre na casa de Levi é um paradigma do programa de Lucas quan
to ao perdão e a inclusão para os pecadores. A cena é um grande banquete,
patrocinado por Levi. Essa expressão só é usada depois na descrição de Lucas
sobre um banquete em 14.13. Em Mateus, Jesus está simplesmente “jantando
179
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
na casa” (Mt 9.10). Essa não seria necessariamente a casa de Levi, afinal (Mt
9.10 ||Mc 2.15).
O banquete de Levi, como um evento planejado, é intensificado pela presença
de “uma multidão de publicanos e outros” (v. 29b ARC). Os outros Sinóticos
referem-se simplesmente a “publicanos e pecadores” (Mt 9.11; Mc 2.15).
Quem eram esses “outros” convidados? Do ponto de vista literário, eles são
indivíduos considerados além dos limites da inclusão pela elite religiosa. A
passagem não estabelece a identidade histórica dos acompanhantes de Jesus,
somente que Ele se associa com os que estão fora da aceitação religiosa ma
joritária. Ele está em conflito com Seus correligionários sobre a inclusão das
pessoas de fora na comunidade da aliança (veja a Introdução, Temas teológicos
em Lucas).
Os fariseus egongyzon, queixaram-se (v. 30) sobre os hábitos de Jesus à mesa.
Essa palavra grega é frequentemente usada na LXX para a murmuração dos
filhos de Israel no deserto (ex.: Êx 15.24; 16.7-12; 17.3; Nm 11.1; Beale e Car
son, 2007, p. 293). Eles perguntaram aos Seus discípulos: Por que vocês co
mem e bebem com publicanos e ‘pecadores’? (v. 30). Os oponentes de Jesus
consideravam Sua interação com aquelas pessoas inapropriada.
A acusação contra Jesus não era traição, como se estivesse comendo com cola
boradores romanos. Do contrário, os fariseus teriam dito, “Por que o seu mes
tre está traindo Israel?” Isso seria uma acusação muito mais eficaz; mas eles
parecem não objetar a associação de Jesus com os publicanos e pecadores até
que Ele com a com eles (veja Blomberg, 2005, p. 98-103; Adams, 2008, p. 115
117).
Jesus estaria correndo o risco de consumir d em a i, ou alimento não dizimado
no banquete. Uma parte da colheita sempre devia ser reservada para os sacer
dotes segundo as leis bíblicas do dízimo. Aqueles que desejavam ser gentis £ob
servadores simplesmente separavam o dízimo no prato, se não tivessem certeza
da situação do mesmo. Mas as pessoas, geralmente, violavam as leis do dízimo
nesse período; e a maioria estava ritualmente impura quase todo o tempo. Os
fariseus, entretanto, eram escrupulosos em ambos os casos. Essa pode ter sido
a base para a afronta deles.
Jesus, certamente, contrairia impureza ritual de Seus anfitriões. Como resul
tado, Ele seria impedido temporariamente de entrar no templo. Mas isso era
a Galileia, então, ninguém estaria preocupado, a não ser os sectários que se
empreendiam em um nível supérfluo de observância (Neale, 1991, p. 24-26).
Tais eram as preocupações dos fariseus, e não da sociedade em geral. Isso mal
podería ter sido a causa de um escândalo público.
180
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
Mesmo assim, o convite de Jesus aos pecadores não é radical e nem heroico.
E a responsabilidade bíblica de o pastor buscar as ovelhas perdidas de Isra
el (Ez 34.4-16). Essa é a responsabilidade que os fariseus aboliram enquanto
pastores. Ao estender a graça ao publicano Levi, Jesus simplesmente fez o que
o servo do Senhor deve fazer. O Filho do Homem precisa chamar o desviado
de volta ao relacionamento com Deus.
Jesus chama Israel de volta aos seus valores fundamentais de amor e compaixão
pelos perdidos e à lei original de amor ao próximo como a si mesmo. Logo, Ele
mostra que é um verdadeiro e fiel pastor para as ovelhas de Israel. A chamada
dele é radical, porém, no “grau” de graça que Ele estende àqueles descritos pelo
termo normalmente reservado aos irredimíveis - pecadores.
A base para o termo “pecadores” no AT da LXX é “ímpios” (Hb: reshaim\
Gg: ham artõloí), o irremediavelmente perdido (veja o comentário em 6.32
36). Aqui, os pecadores são incorporados em uma nova comunidade. O uso
do termo desta forma é uma inovação do N T; o irremediavelmente perdido é
prontamente salvo (Neale, 1993, p. 94,95).
A PARTIR DO TEXTO
Os profetas de Israel chamavam os israelitas de volta aos valores funda
mentais do judaísmo monoteísta quando eles perdiam-se em seus caminhos.
O criticismo profético dos pastores de Israel em Ezequiel 34.4-24 é um bom
exemplo. Ali, as autoridades religiosas são acusadas por Deus de não estar cui
dando dos perdidos: “Vocês não fortaleceram a fraca nem curaram a doente
nem enfaixaram a ferida. Vocês não trouxeram de volta as desviadas nem pro
curaram as perdidas. Vocês têm dominado sobre elas com dureza e brutalidade”
(Ez 34.4). Em Ezequiel 34.8,16, o próprio Deus disse, “uma vez que os meus
pastores não se preocuparam com o meu rebanho (...) Procurarei as perdidas”.
Essa passagem era, provavelmente, bem conhecida entre os contemporâ
neos de Jesus. O uso da linguagem de Ezequiel 34 por Ele indica que Jesus
estava acusando aqueles fariseus em particular de descuido no dever sagrado.
Eles tinham um comissionamento sagrado de cuidar das ovelhas perdidas de
Israel. Essas eram os publicanos e os pecadores que eles menosprezavam. Era
d ev er dos fariseus procurar essas ovelhas perdidas em vez de desprezá-las como
pecadoras.
Nessa narrativa, Jesus e Seus oponentes fariseus diferem quanto à
localização dos limites para a exclusão da comunidade da aliança. Lucas já
nos mostrou um Jesus que acredita que até os gentios estão dentro do escopo
182
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
dos cuidados de Deus (4.26,27). Agora Ele também abrange aqueles nas mais
distantes margens da comunidade da aliança (5.29,30). Em Atos, Lucas irá
estender essas fronteiras ainda mais até alcançar o distante mundo dos gentios,
a própria Roma.
Em 5.31 há um eco do comovente relato da redenção de Manassés, o pior
pecador da história de Israel. Manassés era culpado de uma longa lista de pe
cados, mas finalmente arrependeu-se (2 Rs 21.1-18; 2 Cr 33.12,13). Sua ora
ção de arrependimento está registrada no apócrifo A oração d e M anassés: “Tu
porém, ó Senhor, Deus dos justos, não designaste a graça para os justos como
Abraão, Isaque e Jacó, aqueles que não pecaram contra ti; mas designaste a
graça para mim, que sou um pecador” (v. 8). A similaridade com a máxima de
Jesus no v. 31 é impressionante. Será que Ele conhecia essa oração evocativa do
maior pecador de Israel e usou o arrependimento de Manassés como um mode
lo para aqueles considerados irremediavelmente perdidos para a elite religiosa?
1 3 3 - 3 5 Jesus e Seu círculo social serão criticados for sua franca comensalida-
de ao longo do Evangelho (5.30; 11.37-41; 14.12-14,15-24; 15.1,2; 19.1-10).
Os hábitos de comer e beber de Jesus são questionados em 7.33,34 novamente
em conexão com os discípulos de João. João era famoso como ascético. Sendo
nazireu, ele abstinha-se do vinho (Lc 1.15; 7.33). Sem dúvida, os discípulos de
João tinham hábitos semelhantes de abnegação, o que deve ter alimentado o
criticismo dos fariseus quanto a Jesus e Seus discípulos.
Comparado com o asceticismo de João, o prazer de Jesus na comida e no
vinho parecia uma devassidão para alguns de Seus contemporâneos. Sua res
posta a esse criticismo é uma interessante janela para o Seu senso interior de
identidade. Ele tem uma jubilante abordagem de Sua vida e missão. O jejum
estava associado aos momentos de amargura na tradição judaica (veja 1 Sm
31.13; 2 Sm 1.12; 1 Cr 10.12; Beale e Carson, 2007, p. 293). Jesus respon
deu às objeções de Seus adversários. Simplesmente não era hora de abstenção:
Podem vocês fazer os convidados do noivo jejuar enquanto o noivo está
com eles? (v. 34). Jesus identifica a si mesmo como o “noivo”. A celebração do
casamento, como um dos aspectos mais alegres da cultura hebraica, representa
um forte contraponto para o jejum.
O casamento era a principal instituição social dos judeus. O processo do
noivado significava o júbilo e a antecipação da unidade do casal. A festa de
casamento em si era uma exultante procissão com música, comida e risos. Que
Jesus tenha estabelecido a si mesmo como o noivo nesse papel é um retrato
íntimo do jubiloso relacionamento que Ele compartilhava com os Seus segui
dores. O luto viria com o tempo; dias virão quando o noivo lhes será tirado,
disse Jesus (v. 35). Mas agora era hora de celebração. Essa é a primeira vez que
Lucas faz alusão à morte de Jesus (veja Lc 2.35; também Snodgrass, 2008, p.
480; Fitzmyer [1981, p. 1.599] discorda).
1 3 6 - 3 9 A parábola dos remendos e das vasilhas de vinho é um comentário,
e não a incompatibilidade entre a Antiga e a Nova Aliança (como sugerem
alguns: Fitzmyer, 1981, p. 1.601). Em Lucas, sua preocupação é com a dificul
dade de aceitarem uma maneira diferente de enxergar uma situação familiar.
Nesse caso, o que está em discussão é uma mudança da etnia para o arrependi
mento como o método de entrada na nova comunidade. Não é a substituição
do judaísmo por uma nova religião. A parábola convida o judaísmo a abraçar
novamente a inclusão dos gentios, de acordo com a salvação universal prevista
pelos profetas da antiguidade.
184
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
NO TEXTO
H 1-5 Os discípulos de Jesus estavam catando espigas no campo de um agri
cultor; os observadores farisaicos foram contra esse comportamento, que con
sideravam impróprio. A presença dos fariseus, aparentemente muito próximos
de Jesus, dá continuidade à sensação de alto drama iniciada em 5.17. Ali, “os
fariseus e mestres da lei” de cada canto do país tinham vindo observar Jesus.
Do ponto de vista da narrativa, a fase privada do ministério de Jesus havia ter
minado. Por essa razão, os leitores não ficam particularmente surpresos pela
presença dos adversários de Jesus ao Seu lado.
186
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
Em Lucas, a máxima de Marcos sobre o Sábado ser feito para os homens é omi
tida. Somente a declaração sumária permanece: O Filho do homem é Senhor
do sábado (compare com 5.24). Essa sutil revisão torna a comparação de Jesus
a Davi o assunto da história lucana. Isso não é só uma disputa sobre o Sábado
ou a pureza das leis. Jesus descreve a si mesmo como o “Filho do homem”, o
“Senhor do sábado”. Essa descrição torna-se um comentário sobre Sua iden
tidade real e Sua prerrogativa. Jesus parece dizer, “Já que Davi torceu a lei por
necessidade humana, eu posso torcer a lei por uma necessidade humana”. Jesus
assume a prerrogativa do rei-herói para fazer julgamentos sobre a santidade e
a lei.
A citação da história de Davi evoca um nível ainda mais profundo de significa
do intertextual no argumento. Davi era um rei justo, devidamente ungido por
Samuel, mas perseguido pelo corrupto Saul. Enquanto fugia, Davi encontrou
um aliado em Aimeleque, o sacerdote do vilarejo de Nobe, que havia disposto
os pães consagrados (1 Sm 21.2) e os deu a Davi e a seus homens famintos. A
compaixão de Aimeleque é contrastada com a figura de Doegue o edomita,
um mercenário gentio que se dispôs a massacrar os 85 sacerdotes de Nobe em
retribuição à bondade de Aimeleque para com Davi. Os próprios soldados de
Saul haviam recusado a ordem do rei de matar os sacerdotes (1 Sm 22.18); mas
Doegue cumpriu o desejo do rei.
Quando Jesus se refere a essa história em resposta à objeção dos fariseus acerca
da colheita ad hoc, Ele faz três coisas:
1.Identifica a si mesmo como o Filho de Davi com as mesmas prerrogativas
reais, incluindo a discrição no uso daquilo que é ritualmente santo.
2. Ao descrever a si mesmo como o “Senhor do sábado”, Ele apropriou para si
o papel do árbitro da lei, valorizando a compaixão e a necessidade humana
acima da rígida observância da lei. Essa crescente independência de pensa
mento em questões de interpretações legais (veja 5.22,30,31) é um aspecto
emergente da caracterização que Lucas faz de Jesus.
3. Ele lança seus adversários em uma luz discordante em referência à história
de Samuel quando sutilmente os alinhou aos oponentes de Davi. Doegue
implementou a cruel retribuição de Saul que se opôs à ação de Davi. De
modo semelhante, os fariseus são vistos em oposição a Jesus, mostrando
que eles são mais como Saul e Doegue do que como o compassivo Aimele
que. Os adversários de Jesus teriam ficado ofendidos com essa insinuação.
188
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
189
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
A antiga prática jud aica expan diu -se na m e n sag em básica da Bíblia
de três modos. Dois era m orais e um era escrito (veja Neale, 1 9 9 1 , p. 2 8
36 ).
A halacá é definida com o "u m a expressão ou um a história sobre a
m an eira com o algo d eve ser feito , um a declaração designada a te r um
efeito prático e p o rtar um a auto rid a d e n orm ativa, ou um a indagação da
lógica ou do princípio legal que está por trás de um a regra" (N eusner,
1 9 7 1 , 3:5).
A halacá era evolucionária porque era um diálogo e n tre os rabis, ao
longo das gerações, sobre com o a plicar a Escritura às d em a n d a s diárias
da vida. E v e n tu a lm e n te , por m eio desta d ialética, surgia um a solução que
obtinha a m edida de um p recedente. Dessa fo rm a, o jud aísm o a d a p ta v a a
lei ao m eio social, o qual está em con stan te m udança.
A halacá era legítim a em n atu reza. Era a Torá expan did a para cobrir
muitos assuntos da vida não e s p e c ific a m en te tra tad o s ali. No NT, isso é
g e ra lm e n te cham ado de "trad ição dos anciãos", e m b o ra essa frase não
seja usada por Lucas (M t 15.2; Mc 7 .3 ,5 ARA). O propósito principal da
halacá era p re v e n ir o d e s m e m b ra m e n to da Torá, o q ue Pirke Aboth 1.1
( m . A vo t) c e leb re m e n te cham a de "colocar um a cerca e m torno da lei".
A segunda form a oral era o hagadá, um term o d erivado da palavra
ara m a ic a que significa "fluir". O seu propósito era tra n s m itir "e n s in a m e n
tos m orais e éticos q ue tra ta v a m de problem as da fé e da a rte de v iver"
(Herr, 1 9 7 1 , p. 3 5 6 ). Era um m étod o a lta m e n te a d a p tá v e l. Ele abraçava
a alegoria e a analogia com o ferra m e n ta s básicas e buscava inspirar a fé
190
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
NO TEXTO
■ 6 - 1 1 Em outro Sábado, Jesus curou um homem que tinha a mão atrofiada.
A narrativa continua a desenvolver-se como um conflito hostil com os fariseus
e os mestres da lei (v. 7). Eles estavam p r o cu r a n d o u m m o tiv o para a cu sa r Je
sus (v. 7, como em um procedimento legal). E lesfica ra m fu rio so s e co m eça ra m
a d iscu tir e n tr e si o q u e p o d e r ia m fa z e r co n tra J esu s (v. 11). A ação de Jesus
é ostensivamente confrontante. Ele ordena ao homem: “Levante-se e venha
para o meio” (v. 8). Lucas omite a descrição de Marcos sobre a resposta emo
cional de Jesus aos Seus críticos. Lá, Ele “Irado, olhou para os que estavam à sua
volta e, [ficou] profundamente entristecido por causa do coração endurecido
deles”, uma descrição consoante com o tom do ambiente de Lucas (Mc 3.5).
O ponto crucial é colocado como uma pergunta: “Eu lhes pergunto: o que é
permitido fazer no sábado: o bem ou o mal, salvar a vida ou destruí-la?”
(v. 9). Isso é um boru th , uma pergunta sem resposta designada a envergonhar
Seus oponentes (veja 5.23 e 20.22). Isso tem o efeito de aumentar a tensão do
ambiente. Ele desafia os adversários a declararem sua opinião. A pergunta dele
insinua, “Um homem está sofrendo de uma aflição durante toda a sua vida.
Como podería o alívio dessa aflição ser considerado qualquer outra coisa a não
ser bom?” A postura branda de Jesus tem a lógica da compaixão ao Seu lado.
Sua ira mostra a intensidade do debate.
Günther Bornkamm disse acerca dos provérbios de sabedoria de Jesus: “A ca
racterística deles é esta, eles apelam diretamente ao conhecimento, à experiên
cia e à compreensão do homem e rejeita qualquer necessidade de prova externa”
(1960, p. 106). O mesmo pode ser dito de Sua cura compassiva. Assim como
nos conflitos anteriores, a compaixão supera o escrúpulo religioso. A maioria
das pessoas consegue enxergar o sentido disso, e os leitores ficam admirados
de que os fariseus e os mestres da lei não enxergassem. Aliás, os fariseus pare
cem um tanto ridículos nessa cena, e esse é o propósito do narrador: reforçar a
empatia do leitor pela postura de Jesus ao retratar Seus adversários com uma
191
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
A PARTIR DO TEXTO
O relacionamento da comunidade de Lucas com seus próprios inimigos
era, sem dúvida, um ímpeto adicional para essa imagem negativa dos adver
sários de Jesus. Os textos literários podem conter história; mas eles também
continuam a viver na vida de seus leitores. Aqueles fariseus, de certa forma,
também representavam os adversários da própria comunidade de Lucas, assim
como, talvez, eles representem para nós hoje. Raramente nos vemos na rigoro
sidade dos fariseus e estamos muito mais propensos a enxergar os nossos opo
nentes como cegos e hipócritas. A ética do amor pode ser maravilhosamente
destrutiva do dogma ou do preconceito não examinado. Esse texto ganha vida
quando investigamos a respeito das maneiras pelas quais nossos próprios siste
mas de crença impedem-nos de demonstrar compaixão.
Os movimentos, às vezes, escolhem a estrada da diferenciação cultural
como o caminho para se estabelecer e preservar uma identidade separada. A
“alteridade” do movimento pode ser mantida exigindo-se comportamentos
culturais que, com efeito, erigem um muro em volta da comunidade. A ex
clusão é o princípio operante que define tal comunidade diferenciada. O NT
apresenta os fariseus como quem prefere esse tipo de exatidão cultural acima
da compaixão. Isso o impede de abraçar a ideia inclusiva do amor de Deus de
fendida por Jesus.
Quando uma comunidade de fé segue o caminho da inclusão e da com
paixão, a comunidade se evolve e muda de formas inesperadas. Os valores da
abertura e da inclusão são perigosos para a tradição. O caminho da santidade
como exemplificado na vida de Jesus era (e ainda é) tanto cheio de perigo como
de promessa. O mesmo é verdade quando a igreja moderna escolhe a ética da
inclusão e da compaixão para os de sua sociedade. O caminho é um perigo para
entidades ultrapassadas baseadas na exclusão como uma forma de operação.
Porém, ele é cheio de aventura de graça e ação.
192
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
NO TEXTO
I 1 2 - 1 6 O círculo mais íntimo dos discípulos de Jesus é chamado de os
Doze (6.13; 8.1; 9.1,12; 18.31; 22.3,28-30). Mas, ocasionalmente, o termo
“discípulos” também é usado em referência a este grupo (7.11; 8.22; 9.18,43b).
Os Doze são os confidentes de Jesus e ficam a par dos segredos do reino (8.10).
Jesus promete-lhes um lugar especial no mundo porvir (18.28-30). Jesus reve
la-lhes Sua identidade e iminente morte. Mas eles não entendem o que Ele quer
dizer (9.18-27; 18.31-34). Eles conduzirão as doze tribos de Israel (22.28-30;
veja£. Sal. 17.6).
O relacionamento de Jesus com Seus discípulos já foi comparado com os re
lacionamentos dos mestres rabínicos e seus alunos naquela época. Os minis
térios de outros mestres rabínicos daquela época eram caracterizados por um
local fixo, um período limitado de compromisso com o mestre (ex.: At 22.3), a
transmissão da tradição estática e apenas homens como membros (Theissen e
Merz, 1996, p. 214). Os discípulos de Jesus diferiam no sentido de que levavam
uma vida itinerante, eram considerados como tendo feito um compromisso
permanente, experimentaram a “tradição da livre formação” e incluía mulheres
(Theissen e Merz, 1996, p. 214).
193
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
1. As bem-aventuranças (6.17-26)
NO TEXTO
H 1 7 - 1 9 Jesus desce de Sua noite de poder no monte para ficar em um lugar
plano (v. 17). Isso tem sugerido um “segundo Moisés” para alguns (veja Êx
3.1-15). Moisés trouxe a Lei lá de cima do monte, assim como Jesus desce da
montanha para estabelecer os Seus ensinamentos. Mas a maioria vê isso apenas
como nominalmente presente em Lucas (veja Bock, 1994, p. 562; Fitzmyer,
1981, 1:623).
Todos procuravam tocá-lo porque dele saía poder que curava a todos (v. 19).
A vigília de oração durante toda aquela noite anda de mãos dadas com o Seu
poder de curar (compare 4.1,42; 5.17).
A referência à Tiro e Si dom (v. 17) alude ao tema lucano mais amplo da salva
ção para os gentios (já em 2.31,32; 3.6; 4.24-27), desenvolvido um pouco mais
posteriormente no Evangelho e em Atos. Em Lucas 10.32, os moradores dessas
cidades gentias são citados como exemplos de disposição para o arrependimen
to - uma contundente crítica aos judeus que se recusam a fazer isso. Essa refe
rência é uma precursora de Lucas 24.47, na qual, “em seu nome seria pregado
o arrependimento para perdão de pecados a todas as nações, começando por
Jerusalém”.
1 2 0 - 2 6 Duas coisas importantes são realizadas na história pelo Sermão da
Montanha. A primeira é a tremenda diferenciação entre os discípulos de Jesus e
os adversários de Cristo. Os discípulos são equiparados aos “verdadeiros” pro
fetas (v. 23); os adversários são equiparados aos falsos profetas (v. 26).
Esse é um julgamento definidor a respeito da identidade e solidariedade da
emergente comunidade de Jesus, e um julgamento definidor que se torna uma
característica do mundo histórico deste ponto em diante. A história procede
com base em um “conosco” (os discípulos e os simpatizantes) vs. “eles” (os
fariseus e mestres da lei). Isso esclarece as decisões que os leitores devem tomar
ao interagir com a história.
O segundo resultado do sermão é uma redefinição conceituai extremamente
abrangente das realidades sociais enfrentadas pelos ouvintes (e mais tarde, pelos
195
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
Bem -aventurados vocês, que agora têm fome Pois serão satisfeitos
Ai de vocês, que agora têm fartura Porque passarão fom e
A maioria dos eruditos presume que uma única tradição que se originou
em Jesus fundamenta o famoso Sermão do Monte e o Sermão da Montanha.
Contudo, Lucas preserva essas declarações em uma forma que enfatiza sua
significância social e física. Ele acredita que os “pobres” e os que “têm fome”
ficarão livres de sua aflição física. Mateus, por outro lado, acredita que os “po
bres em espírito” e aqueles que “têm fome e sede de justiça” serão abençoa
dos. Esse é um exemplo de como os evangelistas moldam o material sinótico
aos seus próprios propósitos teológicos. Tais diferenças são, às vezes, devido à
redação das fontes, mas elas também podem apontar para questões complexas
sobre a natureza das fontes das quais os evangelistas obtiveram o material (veja
Marshall, 1978, p. 243-245).
A referência a verdadeiros profetas e falsos profetas (v. 23b, 26b) acres
centa uma dimensão prática ao tema de conflito inerente a essa passagem.
Como os fiéis irão reconhecer o profeta “como” Moisés que lhes “dirá tudo”
aquilo que Deus lhes ordena (como prometido em Deuteronômio 18.15-22)?
Deuteronômio tem dois testes: primeiro, se as palavras do profeta provam
não ser verdadeiras, aquele profeta é um falso profeta (Dt 18.22; veja Neale,
1993, p. 90-94). Segundo, se o profeta anuncia um “sinal miraculoso ou um
prodígio”, e isso realmente acontece, mas ele encoraja Israel a “seguir outros
deuses” (Dt 13.1,2), esse também é um falso profeta. Logo, o teste do profeta é
sempre o teste de Israel. Jesus desafia Sua nova comunidade a fazer julgamentos
sobre aqueles que reivindicam falar em nome do Senhor. Ele já tinha sido acu
sado de blasfêmia pelos Seus adversários (5.21) e a acusação de falsa profecia,
sem dúvida, logo seguiria. Jesus chama os Seus discípulos para alinharem-se
197
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
com Ele como um verdadeiro profeta - como Moisés (9.33). O peso do discer
nimento da verdade em meio à ambiguidade faz parte do desafio do discipula-
do na nova comunidade.
meio desses cinco conflitos. Jesus encoraja Seus discípulos a amar os “inimigos”
como aqueles responsáveis por essas experiências (veja Green [1997, p. 272],
que sugere que os próprios pecadores são os “inimigos”).
Essa ética de amor segue o caminho do bem para com os outros, independente
das oposições. Jesus não aconselha uma submissão passiva quanto à maldade.
Ao contrário, Ele recomenda o amor como uma força urgentemente ativa.
Lucas implica que, “E dessa forma que devemos interpretar o que Jesus acabou
de fazer em relação a esses cinco conflitos. É isso que esse sermão significa em
termos de ação humana”. Ame aqueles que os opõem.
I 2 9 - 3 1 Três admoestações têm uma sequência de um aspecto pessoal e físi
co. Talvez os discípulos de Jesus já tivessem experimentado a violência física ou
tivessem sido roubados. Ofereça-lhe também a outra (v. 29a); não o impeça
de tirar-lhe a túnica (v. 29b); Dê a todo aquele que lhe pedir (v. 30). É isso
que os discípulos engajados no ministério devem especificamente fazer para
responder aos adversários do Filho do Homem.
Muitos dos verbos e pronomes nesses verbos estão no plural, indicando uma
responsabilidade comunitária em ação. Quando os indivíduos agem sem vio
lência e com generosidade, isso é poderoso. Mas, quando as comunidades o
fazem, isso é muito mais poderoso, levando à transformação de uma cultura.
Como uma declaração sumária sobre a ética de vida segundo o reino, Jesus
exorta Seus seguidores: Como vocês querem que os outros lhes façam, fa
çam também vocês a eles (v. 31). Existem comparações paralelas quanto a
isso na literatura contemporânea da época (veja Marshall, 1978, p. 262). Elas
são encontradas tanto na formulação negativa, e mais raramente, a formulação
positiva é encontrada aqui. O intertexto é Levítico 19.18, “ame cada um o seu
próximo como a si mesmo”.
O tratamento de Mateus quanto a esse material (Mt 5.38-42) refere-se a Exodo
21.23-25. Esse texto prescreve uma restituição proporcional nos casos de injú
ria pessoal: “olho por olho, dente por dente, mão por mão” (v. 24). A lei procu
rava manter a restituição proporcional ao dano causado, e, logo, prevenia uma
vingança excessiva. Aqui em Lucas, a exortação é abrir mão desse princípio
para o bem do reino (6.27-31).
A PARTIR DO TEXTO
Alguns já disseram que a não violência como um meio político de vida era
característico da Igreja primitiva antes de Constantino. Nos tempos modernos,
o ímpeto do pacifismo tem encontrado expressão na teologia dos anabatistas,
199
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
I 4 1 - 4 2 Pior do que o guia cego é o hipócrita que alega ver, mas é o mais
cego de todos. A imagem mental de alguém com uma viga no olho, tentando
remover um cisco do olho do outro, tudo isso em uma tentativa hipócrita de
corrigir os defeitos do outro, é engraçado. Isso não é “intencionalmente grotes
co” (Fitzmyer, 1981, 1:642); mas é comicamente eficaz (Phipps, 1993, p. 94).
A exclamação hipócrita deve ter sido feita com um sorriso torto e recebida
com uma gargalhada da multidão. O objetivo das histórias nos v. 41,42 é fa
cilmente compreendido. Os que presumem ensinar ou guiar devem fazê-lo em
espírito de humildade.
203
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
Embora a bondade de uma árvore seja demonstrada pelos seus frutos, a bon
dade de uma pessoa é demonstrada por suas palavras e ações. A bondade flui
facilmente do interior do indivíduo. Dessa bondade, fluem as ações do corpo e
as palavras da boca. Esse é um retrato simples e pleno da vida santa.
Lucas usa a audição como uma analogia para a conscientização espiritual nova
mente em 8.4-15, em conexão com a parábola do semeador.
A PARTIR DO TEXTO
“Por que vocês me chamam ‘Senhor, Senhor’ e não fazem o que eu
digo?”. A pergunta de Jesus toca profundamente. Por que, realmente, as
pessoas o chamam Senhor, porém, agem como se Ele não o fosse? Em suas
D issertações, Michel de Montaigne capturou bem o dilema humano, “Mas nós
somos, não sei como, duplos por dentro, com o resultado de que não cremos
naquilo que cremos, e não conseguimos livrar-nos daquilo que condenamos”.
Infelizmente, às vezes, até os devotos agem contrários às suas convicções. As
palavras de Jesus convidam a uma íntima conexão de fé e ação.
Jesus convida-nos para muito mais do que uma mera obediência. A ética
ativista de amar os inimigos é um remédio para a ira que separa as pessoas. São
os nossos in im igos, afirma Jesus, que precisam ser amados. Essa solução radical
para o mal social é repetida em Lucas 10.25-37, onde Jesus identifica o nosso
“próximo” como sendo o samaritano odiado.
Há uma inovação dupla na ética de Jesus. Primeiro, Ele radicalmente es
tende a definição de próximo para que inclua aqueles a quem preferiríamos
odiar. Segundo, Ele diz que a nossa ira, a evidência de nossa necessidade de
Deus, ensina-nos a quem devemos amar. O princípio é eternamente declarado:
“Amem, porém, os seus inimigos, façam-lhes o bem e emprestem a eles, sem
esperar receber nada de volta” (Lc 6.35).
A reciprocidade, a qual Jesus repudia no comportamento ético pessoal do
homem, é prerrogativa de Deus somente. A recompensa pela bondade para
com os inimigos vem em forma de serem chamados filhos do Altíssimo, por
que ele é bondoso para com os ingratos e maus (v. 35). Essa frase tem um
poder programático para a história completa de Lucas.
A salvação do ingrato e do mau torna-se o programa da narrativa. Isso es
tabelece uma completa reversão das expectativas com respeito à sua identidade
diante de Deus. Serão exatamente aqueles que antes foram ingratos e maus
que compreenderão a verdadeira identidade de Jesus. Os que eram suposta
mente “justos”, que continuam sem entender, estão de fora. O fator operante, o
fator evangelho, é a misericórdia de Deus para com os ingratos e maus: “Sejam
misericordiosos, assim como o Pai de vocês é misericordioso” (v. 36; compare
com “ser perfeito” em Mateus 5.48).
205
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
NO TEXTO
I 1-5 A cena retorna a Cafarnaum (v. 1) após um período nas cidades e al
deias circunvizinhas (4.44—6.49). Cafarnaum, em contraste com Nazaré
(4.20-29), recebeu Jesus calorosamente (4.31-37) e continua sendo retratada
positivamente no Evangelho (até Lc 10.15). Em Cafarnaum, alguns líderes re
ligiosos dos judeus (7.3; veja 4.36) abraçam o ministério de Jesus e rogam-lhe
que socorra o piedoso centurião, citando as suas boas obras.
Esse retrato positivo dos residentes de Cafarnaum coloca os adversários de
Jesus em uma luz ainda mais desagradável. Ele é acolhido pela população
local, mas é oposto pelos que são de longe. Os fariseus e os mestres que o
desafiaram anteriormente (5.21) eram “procedentes de todos os povoados da
207
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
208
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
"E n q u a n to Pedro a in d a #
e s ta v a fa la n d o e s ta s !t
p a la v r a s fo E s p írito S a n to
d e sce u s o b re to d o s os
q u e o u v ia m a T n e n s a g e m .
Os ju d e u s c o n v e rtid o s
q u e v ie ra m c o m Pedro
fic a ra m a d m ira d o s de :
q u e o d o m do E sp írito
S a n to fo s s e d e rra m a d o
a té s o b re os g e n tio s ", (v.
4 4 ,4 5 ) *
209
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
mesmo tendo apenas ouvido falar de Jesus (v. 3). Esse tipo de fé fica em con
traste com o tipo que requer provas visíveis e demanda sinais (veja 11.16).
2) Ele é humilde e confiante: nem me considerei digno de ir ao teu en
contro. Mas dize uma palavra, e o meu servo será curado (v. 7). Em Mateus
8.3, o centurião vem pessoalmente a Jesus, mas não aqui em Lucas. Aqui, a
humildade do centurião o impede de aproximar-se de Jesus.
3) Ele é um soldado da ocupação romana, e, logo, um renegado para os
judeus. Mas, ele é um homem compassivo. Ele pede a Jesus para curar um servo
que estava (...) doente, quase à morte (v. 2).
Ele possui, em suma, todas as características de um discípulo ideal. E irô
nico que o líder militar das forças ocupantes da Galileia seja o indivíduo mais
piedoso que Jesus encontrou no Evangelho até agora. Em contraste, Seus ad
versários judeus responderam com fúria quando Jesus curou o homem da mão
atrofiada no Sábado (6.11). Mais tarde, eles irão acusar Jesus de falar em nome
de Belzebu (11.15). O centurião, e aqueles que se opõem a Jesus, representam
os polos opostos de como as pessoas reagem a Jesus em Lucas. É claro que, é
com o primeiro que o simpático leitor está sendo não tão sutilmente encora
jado a identificar-se. Lucas conclama: “Seja como o centurião, e não como os
que duvidam”.
210
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
interior não eviden ciad a pelos judeus ritu alm e n te observadores. Do ponto
de vista da n arrativa, am bas as histórias a rm a m o caso da inclusão dos
gentios na com un idad e salva. Am bas ta m b é m ap o n ta m a estre ite za de
m e n te daqueles q ue se opõem a Jesus e à inclusão dos gentios (veja At
11). Todavia, elas fa ze m isso sem d ar um a d eclaração contra as leis da
pureza.
Enquanto o je s u s de Lucas dem on stra um a ten d ên cia geral de ignorar
as leis da pureza ritual (5 .3 0 ; 1 1 .3 8 -4 1 ), Ele não denigre as observâncias
em si (5 .1 4 ). A Sua aprovação da conduta do fiel, tan to judeu com o gentio,
afirm a isso (5 .1 4 ; 7 .6 ,7 ,3 9 -4 9 ; 8 .4 6 -4 8 ). Ele rejeita, porém , a inextricável
conexão que a m aioria dos judeus presum ia existir e n tre a pureza ritual e
a santidad e pessoal (veja o com entário em 5 .1 2 -1 6 ; 7 .3 9 e 8 .4 2 b -4 8 ). E,
assim , um a a titu d e judaica que excluiria os gentios da salvação baseada
em questões de pureza é p ro gressivam en te desconstruída por Lucas.
Fé em re la çã o aos m ila g re s 8 .2 5 ; 1 7 .5 ,6
212
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
Fé em re la çã o à co n s tâ n c ia no
22.32
c o m p ro m is s o
C heio de fé 6.5; 1 1 .2 4
A PARTIR DO TEXTO
A história da fé do centurião é pungente porque surge de um lugar inespe
rado, a presença militar romana na Palestina. Não existe uma indicação osten
siva na história sobre as complexas questões sociais e políticas que uma força de
ocupação na Galileia levantaria. Contudo, o subtexto do conflito social nunca
está longe da consciência do leitor.
Como em todo lugar nos retratos de Lucas sobre o ministério de Jesus,
aqueles de quem a fé é menos esperada possuem a mais nobre fé. A fé do cen-
turião é como a dos marinheiros e dos ninivitas no livro de Jonas, pagãos que
demonstraram a melhor piedade, para o desgosto dos escolhidos (Jn 3.4,5; Lc
11.32). Ele é como Naamã, o sírio, em Lucas 4.27 (2 Rs 5.1-15), outra figura
militar que aborda o profeta judeu Eliseu pedindo cura.
A interação entre o centurião e Jesus enfatiza a humildade na aproximação
de alguém a Deus, a compaixão pelos necessitados e a abertura aos margina
lizados. Tais peculiaridades são práticas saudáveis para todos os cristãos, mas
particularmente para os wesleyanos, cuja teologia enfatiza a santidade como
meio de vida. O estilo de vida santa é um compromisso pessoal que deve levar a
uma vida de ação e responsabilidade social em vez da autoabsorção e infindável
introspecção.
O drama do centurião e de Jesus desenvolveu-se no contexto de um confli
to social, político e religioso real, no qual o desejo de cruzar todos os tipos de
fronteiras trazia cura e restauração. E para semelhante vida de coragem, decisão
e abertura, que a igreja moderna é chamada.
213
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
fora, certamente ficaria parecendo que uma revolta galileia estava em anda
mento. No todo, parece mais historicamente plausível que os que realmente
viajaram com Ele em Seu ministério itinerante eram em centenas e não em
milhares.
NO TEXTO
H 1 1 - 1 3 A ressurreição do filho da viúva de Naim é um ponto importante
na narrativa. Esse não era o primeiro milagre público (veja 5.25; 6.10,18), mas
é o mais marcante do ministério de Jesus até esse ponto. A grande multidão
não só está acompanhando Jesus, mas uma grande multidão da cidade está
presente também (7.11,12).
O texto retrata uma cena visual de duas grandes multidões convergindo-se,
com Jesus, a viúva, e seu filho morto no centro do quadro. A partir dessa loca
lização, emana um poderoso milagre da ressurreição de um morto.
Existe, aliás, um crescente padrão de maravilhas na narrativa. Os demônios
foram expulsos, e os enfermos foram curados (4.33-37,39,40,41; 5.13,17-26;
6.6-11; 7.1-10). Agora, a ressurreição de um homem é escalada adiantada na
narrativa lucana. Estruturalmente, esse acontecimento levará à pergunta de
João Batista sobre a identidade de Jesus: “Es tu aquele que haveria de vir?” (Lc
7.19). A identidade de Jesus é completamente pública em Naim e só é esclare
cida pelos eventos subsequentes no decorrer da narrativa.
Quando Jesus entrou em Naim, Ele deparou-se com uma procissão funerária
de uma viúva que havia perdido seu filho único (v. 12; sobre a preocupação
de Lucas pelas viúvas, veja 2.36-40; 4.23-27; 7.1-17; 18.1-8; 20.47; 21.2; At
6.1). Ao vê-la, o Senhor se compadeceu dela e disse: “Não chore” (v. 13).
Lucas tende a referir-se a Jesus como o Senhor, uma expressão usada previa
mente em seu Evangelho apenas em referência a Deus (1.28; 2.15). Essa é uma
significante declaração cristológica (compare também com 7.19; 10.1,39,41;
11.39; 12.42; 13.15; 17.5,6; 18.6; 19.31,34). De outra forma, em Mateus e
Marcos, temos essa forma de abordagem em apenas alguns lugares (ex.: Mt
21.3; 24.42; Mc 5.19; 11.3).
O Jesus de Lucas é geralmente mais estoico do que o de Mateus e Marcos. Eles
frequentemente usam o jargão da palavra compaixão (splangchnizom ai); en
quanto Lucas, geralmente, omite-a no material compartilhado (Mt 14.14) ou
omite a história toda (M t 15.32-39; 18.27-35). Mas aqui ele usa a palavra (tra
duzido: Seu coração enterneceu-se; veja também 10.33 e 15.20).
215
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
A compaixão de Jesus por essa viúva é semelhante à que Elias expressou pela
viúva de Sarepta, que também perdeu seu único filho por causa de uma enfer
midade (4.25,26). Em 1 Reis 17.17-24, Elias ressuscita o filho da viúva em uma
cena similar de ternura. A história lucana também ecoa a ressurreição do filho
da sunamita por Eliseu em 2 Reis 4.8-37. Isso ocorreu a apenas três quilôme
tros ao sul de Naim em Suném (Rogerson, 1989, p. 141). A história da viúva
de Naim tem o sentimento de uma história do AT descrevendo as proezas de
um profeta.
H 14-17 Depois, aproximou-se e tocou no caixão, e os que o carregavam
pararam (v. 14). Note que Jesus tocou os soros, um esquife ou maca, e não um
caixão fechado (Fitzmyer, 1981, 1:659). Esse ato teria transmitido uma impu
reza ritual a Jesus, algo do qual Ele não foge em Lucas (veja anteriormente em
7.1-10). A contínua minimização da importância da pureza ritual estabelece o
caso de Lucas de que a fé, e não o templo, é o princípio adjudicante do evan
gelho. Também, como se em uma afirmação da fé do centurião em 7.7, nova
mente, Jesus cura com apenas uma palavra: Jesus disse: “Jovem, eu lhe digo,
levante-se!” (v. 14; veja 1 Rs 17.20,21).
A ressurreição em Naim tem outro ponto de intercessão com a viúva de Sa
repta. Após a ressurreição de seu filho, a viúva de Sarepta disse: “Agora sei que
tu és um homem de Deus e que a palavra do Senhor, vinda da tua boca, é a
verdade” (1 Rs 17.24). Em Naim, a ressurreição do morto primeiro causa um
alarme - “Todos ficaram com muito medo” (v. 16 N TLH ; “medo” em vez de
temor é o significado normal deph ob os em Lucas). Assim como em Sarepta, a
ressurreição de uma pessoa faz com que as pessoas glorifiquem a Deus: “Um
grande profeta se levantou entre nós”, diziam eles (v. 16). Jesus é aclamado
um profeta como Elias.
Em 7.16, a realização da “visitação” predita na profecia de Zacarias (1.68,78) é
cumprida. Ali, a palavra episkeptom ai, “visitar”, forma um inclusio (i.e., colche
tes literários) na canção sobre a vinda da salvação. O hino começa e termina
com essa significante “visitação” divina no nascimento de João. Em 7.16, essa
palavra reaparece. Deus agora, de fato, interveio em favor (epeskepsato) do seu
povo. A ressurreição do filho da viúva de Naim é, então, uma evidência direta
da realização da profecia de Zacarias.
Por causa da grande multidão (v. 12) que estava presente, as notícias do mi
lagre espalharam-se por toda a Judéia e regiões circunvizinhas (v. 17). O
ministério de Jesus agora deu uma virada decisiva em sua natureza pública. Daí
em diante, Sua própria ação tem implicações públicas na narrativa.
216
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
NO TEXTO
a. Os d is c íp u lo s d e J o ã o v is it a m J e s u s ( 7 .1 8 - 2 3 )
que João (e os leitores de Lucas) reavalie sua perspectiva à luz da nova infor
mação (Darr, 1992, p. 32). As expectativas de João servem como um desvio
enfatizando suas diferen ças da natureza do ministério messiânico de Jesus.
I 2 3 A palavra de Jesus aos discípulos de João é: feliz é aquele que não se
escandaliza por minha causa (v. 23). Mateus e Lucas usam a mesma frase
grega, kai makarios estin hos ean m c sk andalisthc en em ou Ela é diversamente
traduzida nas Bíblias modernas. M akarios, como em bem-aventuranças, sem
pre é traduzido como “bendito”. O restante da frase é visto de várias formas:
“aquele que não achar em mim motivo de tropeço” (ARA), “não duvidam de
mim” (N TLH), ou “aquele que em mim se não escandalizar” (ARC) (John
son, 1991, p. 121).
Essa noção de tropeçar é uma referência intertextual de Isaías 8.14,13. Ali, o
Senhor todo-poderoso é referido como a causa do tropeço para o desobediente
Israel. Paulo cita esse texto de Isaías em seu discurso na aceitação do evangelho
pelos gentios e sua rejeição pelos judeus. A reivindicação de que Jesus era o
Cristo era para eles uma “pedra de tropeço” (Rm 9.32). A linguagem de Jesus
em Lucas 7.23 evoca a advertência profética de Isaías para não se achar nesse
tipo de oposição a Deus.
O uso de skandalizõ no NT é frequentemente encontrado em referência a per
cepções ofuscantes. Quando Pedro não consegue aceitar o sofrimento de Jesus
como integrante de Sua função messiânica, ele é chamado de sk anadalon, uma
pedra de tropeço (Mc 8.33; Mt 13.5711Mc 6.3 ||Lc 20.17,18; SI 118.22). A in
certeza de João acerca da identidade de Jesus e a resposta de Jesus na linguagem
de Isaías 8.14,15 implicam que João estava em perigo da cegueira espiritual que
Isaías predisse (Lc 7.23).
sacerdotes infiéis com o “fogo que nunca se apaga” (3.17). Isso foi previsto em
Malaquias 3.2b: “ele será como o fogo do ourives”.
O narrador, mais uma vez, entra no palco central nos v. 29,30 para dar ao leitor
uma análise da opinião da multidão. O alinhamento conceituai com Malaquias
prossegue. Todo o povo, até os publicanos (v. 29) ficaram do lado de João
Batista. Ele era o mensageiro de Deus para preparar o caminho do Senhor. A
“multidão” e o “povo” conseguem claramente ver a mão de Deus trabalhando.
A elite religiosa está cega. Os sacerdotes em Malaquias defendem a si mesmos
com interrogações petulantes quando chamados a prestar contas com Deus
(Ml 1.2,6,13; 2.17), e, semelhantemente, os fariseus recusam-se a reconhecer o
que o povo comum e os pecadores conseguem ver: Elias já veio!
c. A p a r á b o la d a s c r ia n ç a s n a p r a ç a (7 .3 1 -3 5 )
retórica com o Senhor. Nessa leitura, os líderes religiosos criticam Jesus por
falhar em jogar pelas regras deles, quer o jogo seja um casamento ou um funeral
- a dança ou o lamento.
A maioria dos comentaristas entende os homens desta geração (v. 3 1) em ter
mos da segunda opção. As crianças na praça são a elite religiosa, elite que critica
tanto Jesus como João (por exemplo, Green, 1997, p. 303; Tannehill, 1996,
133; Bock 1994, p. 681; Marshall, 1978, p. 297).
O editorial complementar nos v. 29,30 parece retratar a população em geral
em uma luz positiva e os fariseus em uma luz negativa. Essa interpretação é
apoiada também pelo discurso indireto nos v. 33,34, que só fazem sentido nos
lábios dos críticos de Jesus.
Mais uma ironia levanta-se. Jesus e João seguem caminhos diferentes ao cum
prir cada um o seu chamado - celebração vs. abnegação, no entanto, eles são
incapazes de separarem-se de seus padrões tradicionais de pensamento. A João,
eles dizem de fato, “O seu jejum não é o nosso estilo”. A Jesus, eles dizem: “Sua
celebração não é o nosso estilo”. Eles são incapazes de receber os mensageiros
de Deus, independentemente do estilo de vida no qual a mensagem é expressa.
É isso que faz a prática religiosa deles parecer tão empolada ao leitor.
Os fariseus e peritos na lei devem ser vistos como crianças que ficam senta
das na praça e gritam umas às outras: ‘Nós lhes tocamos flauta, mas vocês
não dançaram; cantamos um lamento, mas vocês não choraram’ (v. 32). Os
sacerdotes incrédulos em Malaquias responderam a Deus em termos insolentes
(1.6,7,13; 2.17; 3.13). Essa parábola semelhantemente reprova a inconstância
dos fariseus por suas atitudes. Eles são petulantes, egoístas e indispostos a ou
vir. Eles não ficam satisfeitos, não importa qual seja a situação. Eles não aceita
ram o asceticismo de João nem aceitavam a conduta mais liberal de Jesus para
com os pecadores. Quem poderá agradar o inconstante e o egocêntrico? Para
acrescentar ao aguilhão da parábola, as crianças inconstantes representam os
líderes do povo.
H 33-35 Pois veio João Batista, que jejua e não bebe vinho, e vocês di
zem: ‘Ele tem demônio’ (v. 33). Um sentido consecutivo é comunicado por
P ois v eio no início do v. 33. Isto é, isso explica um pouco mais a inconstância
dos fariseus sobre os gritos e o lamento no v. 32c. Semelhantemente, o v. 34
explica a inconstância sobre as flautas e a dança no v. 32b.
O ponto fundamental da explanação expandida dos v. 33,34 é que a elite reli
giosa interpreta erroneamente tanto a atividade de João como a de Jesus. Por
222
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
A PARTIR DO TEXTO
Em Malaquias 1.6, Deus causticamente pergunta aos Seus sacerdotes, “Se
eu sou pai, onde está a honra que me é devida?” Semelhantemente, aqui em
Lucas, chegou a hora de Elias preparar o ambiente para que o Messias resolva
a intolerável arrogância. João não conseguia enxergar nenhuma solução para
arrogância, a não ser o fogo e a destruição. Mas Jesus tem uma concepção mais
ampla do reino e de seus novos participantes, os pecadores.
Em Malaquias (1.3,11,14), as nações gentias são elogiadas por sua fideli
dade. Agora, no mundo histórico de Lucas, todos os que foram excluídos pela
elite religiosa são novamente chamados a abraçar o convite de Deus para a in
clusão. Eles são os pecadores, os publicanos, e os gentios - os últimos que pode
ríamos esperar que tivessem um esclarecimento espiritual quanto à identidade
do Filho do Homem.
Como em Malaquias 2 e também em Lucas: Deus vira o Seu rosto em dire
ção àqueles que demonstram integridade e justiça. Mas a sabedoria é compro
vada por todos os seus discípulos (v. 35). Essa resolução da parábola capta a
ideia de que a sabedoria não respeita o cargo nem o privilégio - ela sempre fica
do lado da justiça (veja Green, 1997, p. 304).
223
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
NO TEXTO
H 3 6 - 3 8 Somente em Lucas, Jesus entra na casa de um fariseu para comer. Ele
faz isso três vezes (7.39; 11.37; 14.1; veja Thompson, 2007, p. 79-90; Tyzon,
1992, p. 64,65). Em 7.39, assim como em 11.37, Lucas acrescenta o detalhe do
material da tradição tripla e adota um modo estereotipado de expressão. Em
14.1, toda a cena da refeição na casa do fariseu é material lucano. A presença
dessas refeições na narrativa enfatiza a importância que a comunhão à mesa
tem para os relacionamentos de Jesus com os fariseus em Lucas (veja mais em
Brower, 2005, p. 54,55).
Jesus está na casa do fariseu reclinando à mesa (v. 36), como era o costume
oriental. Essa é uma cena de grande intimidade. Ela combina a proximidade de
uma refeição em conjunto, as sutilezas da hospitalidade e, mais indiretamente,
uma referência aos cânones da pureza ritual.
Uma suposição subjacente da narrativa é que se pode esperar a pureza ritual
à mesa de um fariseu praticante (Green, 1997, p. 307; Thompson, 2007, p.
87,88). A tensão da história surge porque esse, aliás, não é o caso.
A imagem da mulher aos pés de Jesus, descobrindo a cabeça e banhando os
pés dele com suas lágrimas é uma das cenas mais emotivas do NT: Chorando,
começou a molhar-lhe os pés com suas lágrimas. Depois os enxugou com
seus cabelos, beijou-os e os ungiu com o perfume (v. 38).
O fato de a mulher soltar os cabelos tem conotações eróticas, de certa forma
é parecido com a nudez pública na sociedade de hoje (Green, 1997, p. 310).
Logo, a atenção dela para com Jesus pode ter levantado questionamentos na
mente de Simão sobre a natureza do contato físico. Ela prostra-se aos pés de
Jesus (veja Jos. Asen. 15.11), chorando e derramando um perfume caro. E uma
cena de um memorável poder emotivo.
A mulher não é bem-vinda: ela é: uma ‘pecadora’ (v. 39), diz o fariseu em
seu coração. Ela é caracterizada pelo narrador como tendo vivido uma vida
226
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
de pecado (v. 37) na cidade. Mas, cabe a nós supor o significado dessa frase. A
provável reclamação contra ela seria de prostituição (Derrett, 1970, p. 167,168;
Corley, 1989, 520,521). Outros apontam para um grupo mais complexo de
questões sociais que resultam na posição rebaixada dela (veja Carey, 2009, p.
1-15). De qualquer forma, sua condição de pecadora é referida três vezes na
história (v. 37,39,47). Isso insinua que ela era “realizada em suas transgressões”
(Mullen, 2004, p. 110).
Lavar os pés dos viajantes cansados era considerado um refrescante ato de hos
pitalidade nos dias de Jesus. O caro frasco de alabastro com perfume (v. 37),
que a mulher usa, simboliza o ato que ela realiza. Talvez, ele contivesse mirra
ou incenso, unguentos que eram raros e caros no antigo Oriente Próximo (veja
Mc 14.5). Nesse caso, sua raridade representa a profundidade de sua sinceri
dade, uma penitência extravagante. Podemos imaginar a inebriante fragrância
enchendo o ambiente, um símbolo potente de sua vida quebrantada e oprimi
da.
Embora tal realização tenha sido um ato público de hospitalidade, neste caso,
as lágrimas dela, o cabelo solto e a prostração tornam a cena de uma intimidade
chocante. Ela parece alheia aos outros que estavam no aposento. Sua angústia
misturava-se com a gratidão em um gesto profundo. Isso fica claro, embora a
mulher não fale nada. Talvez um silêncio envergonhado entre os convidados
servisse de recepção àquele ato, especialmente dada a sua reputação como mu
lher de baixa moral. “Ela entra em uma casa onde não é convidada, interrompe
um banquete e, publicamente, comporta-se com intimidade imprópria” (Tan
nehill, 1996, p. 135). É assim que Lucas molda a história para exemplificar a
ética do arrependimento em seu Evangelho.
H 3 9 Aq ui, o narrador novamente demonstra onisciência ao revelar o que
o fariseu estava pensando. Esse artifício é ocasionalmente usado pelos outros
Evangelhos (veja Mt 12.25; Mc 14.4); mas Lucas faz um uso particular desse
método aqui no v. 39: “Se este homem fosse profeta, saberia quem nele está
tocando e que tipo de mulher ela é: uma ‘pecadora’”. Normalmente, nin
guém pode ler a mente do outro; e Lucas está no melhor de seu editorial aqui
(embora Jesus realmente pareça ler a mente das pessoas em Lucas [veja 9.47;
11.17]). Lucas mostra a frieza exterior do coração de Simão e sua vida julgado
ra interior no mesmo versículo. Essa penetração ao cerne da vida do pensamen
to do mundo histórico é uma característica lucana (3.8; 12.17; 15.17; 16.3,15).
Os pensamentos íntimos do fariseu aqui são semelhantes àqueles do fariseu
injusto em Lucas 18.11. Ele fica à parte e agradece a Deus em seu coração
227
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
porque “não [é] como os outros homens”. Ambos são exemplos de orgulho, que
é o oposto da humildade salvadora em Lucas. Em contraste, o arrependimento
da mulher alcança os mais profundos pensamentos de seu coração e depois é
demonstrado exteriormente, o corpo e o coração em harmonia e humildade
diante de Jesus.
Simão é caracterizado como o representante insensível dos fariseus. A empada
e a sinceridade do ato da mulher perdem-se nele; ele só consegue vê-la como
uma pecadora, e não como uma penitente (v. 40). Da perspectiva dos leitores
de Lucas, a lógica do arrependimento e do perdão está começando a sobrepujar
todas as considerações da religiosidade. A frieza de Simão coloca a compaixão
de Jesus pelos perdidos em alto relevo.
Isso faz ficar aparente que a reclamação dos fariseus sobre o hábito de Jesus
comer com os pecadores seja moralmente falha (5.30; 7.34). Simão, o fariseu,
parece ser exatamente como a criança que brinca na praça: egoísta e cego para
com os outros.
Simão faz uma particular objeção à mulher tocando Jesus. Tocar não é apenas
um ato íntimo do discurso social (“que tipo de mulher é esta?”), mas também
de muitos níveis de significado na cultura Palestina. Jesus toca as crianças para
abençoá-las (18.15). Ele toca para curar (veja 5.12-16; 7.14; 22.51). Mas, às
vezes, as pessoas procuram tocar Jesus, como se para adquirir uma bênção por
meio de m idras (“pressão”—i.e., transmitido pelo toque). Note especialmente
a mulher com o fluxo de sangue (veja os comentários em 8.44; 6.19). Ela asse
melha-se ao caso da mulher pecadora aqui. Ela procura ser abençoada e aben
çoar por meio do toque humano. A base para a reação de Simão provavelmente
envolve um complexo de razões (contra Snodgrass, 2008, p. 86).
■ 4 0 - 4 3 Alguns dos momentos mais notáveis em Lucas são aqueles em que
Jesus volta-se, em uma conversação pessoal, para um indivíduo (veja 5.10,14,27;
7.13; 8.48; 9.20 e outros). Esse é o caso aqui. Nesses momentos, Ele lida com
a condição do coração do indivíduo. Aqui, Simão não é um malvado fariseu,
mas um ser humano que precisa de instrução (veja as análises da caracterização
de Simão por Tannehill, 2005, p. 268-270; também mais em geral, veja Snod
grass, 2008, p. 77-92). O texto mostra a intimidade do momento quando Jesus
usa o seu nome: Simão. Somente aqui e em 22.31 Jesus usa um nome pessoal
no discurso direto em Lucas. A história da mulher pecadora e de Simão é, em
todos os aspectos, muito pessoal quanto à tonalidade.
A história dos dois devedores é a tentativa de Jesus de explicar a grande emoção
da mulher. O perplexo Simão não consegue entender o que vê acontecendo
228
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
diante de seus olhos. Ele não é retratado como um pecador, mas como alguém
que não consegue entender a tremenda emoção sentida por um pecador per
doado. A mulher é como aquele a quem muito foi perdoado; Simão, ao que
pouco foi perdoado (v. 47). Lucas não presume nada sobre a vida pregressa de
Simão como pecador ou justo. Seu objetivo é mostrar que o verdadeiro erro
de Simão é a falta de gratidão, o indicador mais importante de uma vida santa
para Lucas.
A lição da história é baseada na proporção da dívida cancelada. A história con
ta sobre um credor que perdoou a dívida de duas pessoas. Uma pessoa fica
livre de uma dívida de quinhentos denários, cerca de um ano e meio de salário
de um trabalhador. A outra fica livre da dívida de cinquenta denários (v. 41),
cerca de um mês e meio de salário. Jesus pergunta: Qual deles o amará mais?
(v. 42).
A história faz uma ligação peculiar do perdão, aqui análogo à dívida perdoa
da, ao amor. Aquele cuja maior dívida é cancelada ama mais (v. 42; maior em
qualidade e quantidade de amor, assim como a fé em 7.9 e 17.5,6). A mulher,
cujos pecados são muitos, amou muito (v. 47). Os verbos traduzidos como
a m a r (do agapaõ, v. 42 e 47) não se referem à afeição ou união emocional, mas
à gratidão e lealdade (como em 10.27). Jesus explica a Simão que essas emoções
são a fonte da extravagante demonstração da mulher (v. 44-46).
I 4 4 - 4 7 O aforismo sumário em 7.47 está posicionado sobre duas ideias
contraditórias. O ato de contrição da mulher nos v. 36-39 é, no sentido tex
tual, a p recon d içã o para o perdão, que é proclamado no v. 47. Ela demonstra
seu generoso amor antes que Jesus pronuncie o Seu perdão. Na parábola dos
dois devedores, porém, o amor é a consequência do perdão. O versículo 47 tem
elementos de ambas as sequências. Portanto, eu lhe digo, os muitos pecados
dela lhe foram perdoados; pois ela amou muito. Mas aquele a quem pouco
foi perdoado, pouco ama.
Sobre a questão da causalidade, Blomberg diz:
A PARTIR DO TEXTO
O teólogo e professor de Cambrige, C. F. D. Moule, explora a ligação cau
sal entre o divino perdão e o perdão de uma pessoa para com a outra no nível
humano. A versão de Mateus sobre a oração do Senhor parece sugerir termos
condicionais para o perdão de Deus: “Perdoa as nossas dívidas, assim como
perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6.12; o tempo verbal perfeito indica
um presente estado resultante de um acontecimento passado). A tradução em
Lucas parece mais aberta a um perdão contemporâneo, um perdão que ocorre
quando ou depois que Deus perdoa: “Perdoa-nos os nossos pecados, pois tam
bém perdoamos a todos os que nos devem” (11.4, no tempo verbal presente).
A explicação de Moule é digna de nota:
A chave para a resposta a esta pergunta está, por um lado, em distinguir en
tre ganhar ou merecer o perdão, e, por outro lado, adotar uma atitude que
torne possível o perdão (...). Tornar o perdão condicional ao arrependi
mento não é de forma alguma o mesmo que dizer que o perdão tem de ser
(ou realmente possa ser) merecido pelo recebedor. O real arrependimento,
231
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
NO TEXTO
história familiar. Lê-la é como ler um romance de mistério pela segunda vez;
todas as dicas parecem tão óbvias quando se conhece o final. Nós conhecemos
a interpretação alegórica da parábola fornecida nos v. 9-15 e não conseguimos
enxergar a parábola por nenhuma outra lente.
Embora o significado pareça óbvio, os discípulos ficaram confusos com a
parábola até que Jesus a explicasse para eles. Essa é uma forma pela qual Lucas
inclui seus leitores em um relacionamento privilegiado. Nós sabemos de coisas
que nem os discípulos sabem ou não podem saber.
A história mais ampla do gênero da parábola tem sido amplamente pes
quisada. Guias compreensivos continuam a ser publicados (veja Snodgrass,
2008, p. 1-60, sobre o fundamento da parábola). As parábolas foram usadas
tanto na cultura hebraica como greco-romana na época de Jesus, contudo, o
uso generalizado desse gênero não é encontrado antes do primeiro século d.C..
Existem exemplos rabínicos, mas com datas posteriores a Jesus. Disso podemos
ter certeza, como contador de parábolas, Jesus destacou-se como um inovador
e mestre do gênero (McArthur e Johnston, 1990, p. 165,166).
Nunca se pode expressar exageradamente a importância da parábola do
semeador para os estudos dos Evangelhos Sinóticos. Esse é o primeiro exemplo
substancial desse gênero em todos os três Evangelhos. A versão de Marcos é o
“meio termo”, a fonte da qual os outros derivaram. Em todos os três, ela con
tém, dentro de sua estrutura, uma explicação da interpretação baseada em Isaí-
as 6.9,10. Snodgrass chama isso de parábola acerca das parábolas” (2008, p.
145).
Existem, na realidade, quatro versões da parábola do semeador. Além dos
Evangelhos Sinóticos, a quarta está no Evangelho de Tomé (veja Snodgrass,
2008, p. 149; anotação complementar). Com exceção de Tomé, existe uma
estrutura dupla: a parábola em si (Lc 8.4-8 || Mt 13.1-9 || Mc 4.1-9) e uma
interpretação alegórica da parábola (Lc 8.11-15 ||Mt 13.18-23 ||Mc 4.13-20).
Tomé não registra uma explicação alegórica.
O contexto narrativo mais amplo da parábola é o conflito entre Jesus e
Seus contemporâneos. Esse cenário contém as seguintes cenas: as cinco his
tórias de conflito de Lucas 5.17—6.11, as exclusivas contrapartes ai das bem
-aventuranças no Sermão da Montanha (6.24-26), o convite para se amar os
perseguidores (6.27), o conflito com os fariseus sobre o batismo de João e o
ministério de Jesus (7.33-35), e a história da mulher pecadora e a controvérsia
causada quando Jesus perdoa os pecados dela (7.36-50).
Esse é o contexto do conflito ao qual a parábola do semeador pertence
e que vem crescendo desde o capítulo 5. Jeremias considerou todas essas
237
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
O Evangelho de Tomé
Em 1945, 13 códices antigos foram descobertos perto d e Nag
H a m m a d i, no Egito. Entre esses docum entos, que d a ta m do século 15
d.C., estava um e vang elh o atribuído a Dídim o Judas T o m é (veja Robinson,
1 9 7 7 , p. 1 1 7 ). O Evangelho de Tomé, desde então, te m sido de interesse
para os eruditos do NT, já que registra paralelos com alguns dos m ateriais
dos evang elh os canônicos.
O Evangelho de Tomé con tém versões de três parábolas fam osas do
Evangelho: a parábola do sem eado r, a parábola do trigo e o joio, e a p a
rábola da vinha. Todas as versões de Tomé desses paralelos o m item as
exten sas interp retações alegóricas contidas em suas c o n trap artes c anô
nicas. Alguns eruditos a rg u m e n ta m q ue o Evangelho de Tomé contenha
form atos sucintos e mais antigos dessas parábolas. Outros co n ten d em
que o Evangelho de Tomé ten h a rem ovido o m aterial alegórico do fo rm ato
original da parábola por razões teológicas (Scott, 1 9 8 9 , p. 3 0 ,3 1 ).
entre espinhos (v. 14) são aquelas que “cresceram demais com ocupações va
zias” (Cirilo de Alexandria, citado por Just, 2003, p. 134).
Os vários tipos de solo representam diferentes tipos de reações ao ministério
itinerante de Jesus:
• Aqueles que ouvem, mas não seguem (ex.: 18.23).
• Aqueles que seguem por um tempo, mas desviam-se, sufocados pelos cui
dados do mundo (12.16-21).
• Aqueles que deixam tudo e unem-se à comunidade itinerante (5.11,28).
Esses últimos posicionam-se contra todos os outros como a única “boa terra”.
Esses são aqueles que ouvem a palavra e permanecem firmes com um coração
bom e generoso. Eles a retêm e dão fruto, com perseverança (v. 15).
243
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
Aqueles que veem a luz devem também mudar de lugar; eles precisam en
trar para que possam ver a luz (v. 16). Isso sugere uma localização geográfica
associada à luz. Quando isso é combinado com o dinamismo geográfico dos
v. 1-3 (veja o comentário) em geral, os temas de movimento e espaço ficam
evidentes na narrativa. Existe localização, movimento e ação da parte dos que
veem essa luz. Se você “entrar” onde a luz se encontra, sua cegueira espiritual
será tirada. Aqueles que “entram” na comunidade de Jesus verão a luz. Esse
tema faz parte da estratégia narrativa de Lucas.
Em Lucas, a entrada na comunidade cristã requer um desejo de participar
da suprema forma do movimento e do lugar sagrado - isto é, a itinerância. O
provérbio implica que, ao entrar na vida itinerante, os discípulos se engajarão
na semeadura da luz da palavra. Estendendo a analogia à vida cristã moderna,
“o cristão maduro, por causa de sua retenção da palavra de Deus e de sua persis
tência, torna-se uma luz para os outros’” (Fitzmyer, 1981, 1:718).
No julgamento vindouro, não há nada oculto que não venha a ser re
velado, e nada escondido que não venha a ser conhecido e trazido à luz
(v. 17; veja 12.1-3,33). A reivindicação de que as coisas serão trazidas à luz é
outro tema de lugar e movimento. Isso sugere que o dia do juízo irá m o v er as
ações humanas das trevas para a luz. Aqui novamente, a luz refere-se ao “lugar
sagrado”.
Os comentários de Jesus aqui aumentam mais ainda a importância da de
cisão que os leitores fazem concernente à Sua identidade. A garantia de que
tudo será revelado no julgamento deve fazer o leitor parar e pensar: que tipo de
solo eu sou? O texto insinua que o tipo de solo que escolhemos ser é conhecido
de Deus. Já que Ele é o juiz, as nossas escolhas irão determinar a nossa redenção
ou o nosso julgamento.
Logo, os ouvintes são prevenidos a prestar cuidadosa atenção em como
responder: A quem tiver, mais lhe será dado; de quem não tiver, até o que
pensa que tem lhe será tirado (v. 18; veja 19.26). A falha em responder afir
mativamente à luz resultará na perda de todas as coisas.
245
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
NO TEXTO
■ 1 9 - 2 1 A mãe e os irmãos de Jesus não conseguem se aproximar de Jesus
por causa do tamanho da multidão (v. 19). Mais do que isso, eles ficaram lá
fora (v. 20). Essa indicação do lugar não só se refere à localização física deles,
mas, simbolicamente, indica que a família de Jesus estava fora de Sua comuni
dade itinerante.
Jesus declina-se a trazer sua família para dentro quando seus parentes se apre
sentam. Essa distância física e emocional é um símbolo das prioridades e da le
aldade que governa a missão de Jesus. Os laços familiares não são simplesmente
secundários em importância quanto ao discipulado; eles são suplantados por
seus imperativos. “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a pala
vra de Deus e a praticam” (v. 21).
O que significa praticar a palavra de Deus? Isso traduz um singular particípio
grego (poiountes). A NRSV traduz simplesmente como: “Faça-a”. Na narrativa
lucana, isso significa levantar-se e andar, ou seja, “seguir” Jesus (5.27; 9.23,61;
14.27; 18.22).
246
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
Nessa seção, Lucas relata um milagre natural, uma libertação e dois inci
dentes de cura em uma rápida sucessão (|| Mc 5.1-43). Esses quatro eventos
têm como tempo de duração apenas um dia (v. 22) em Lucas 8.22-56:
• A travessia do mar da Galileia e a calmaria da tempestade (v. 22-25).
• O incidente com o endemoninhado geraseno (v. 26-39).
• A ressurreição da filha de Jairo (v. 40-42a, 49-56).
• A cura de uma mulher com um fluxo de sangue (v. 42b-48).
Como um artifício narrativo, esse dia cheio de ações tem o efeito de desa
celerar o tempo e aumentar a intensidade dramática da história.
Analisados em conjunto, essas histórias definem ainda mais a identidade
de Jesus e as fronteiras da comunidade salva. A narrativa move-se da falta de fé
dos discípulos na calmaria da tempestade, para a redenção do endemoninha
do entre os gentios, seguida da fé exemplar do líder da sinagoga, até à cura de
uma mulher impura de Israel. Esses temas poderosos, colocados lado a lado,
demonstram o alcance do evangelho. As águas caóticas e os demônios obede
cem-no (até em território gentio); a morte física é superada por uma palavra;
e doenças de longa data são curadas com um toque - tudo em uma rápida su
cessão. Essas histórias indicam como alguém deve reagir como uma “boa terra”
(Green, 1997, p. 343).
247
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
NO TEXTO
H 22-25 A calmaria da tempestade é um material da tripla tradição (Mc 4.35
41 || Mt 8.23-37) e o antecedente da visita de Jesus aos gerasenos pagãos. A
cena é similar à aventura marítima de Jonas, que também concerne à evange
lização dos pagãos (veja o quadro abaixo). Os leitores originais familiarizados
com a história de Jonas, e que talvez soubessem da simpatia de Jesus pela men
sagem de Jonas (veja 11.29-32), conseguiriam fazer uma conexão entre essas
duas histórias.
Assim como em Jonas, a calmaria da tempestade prepara o caminho para a
visita de Jesus a uma terra pagã (aqui, Gerasa). A narrativa é sobre a legitimida
de de Deus estender-se aos que não eram judeus. Ela também ecoa o tema da
onipresença de Deus fora da Terra Santa em Jonas, e a irônica conversão dos
odiosos gentios inimigos de Israel. Analisada juntamente com o acontecimen
to de Gerasa, a calmaria da tempestade funciona como uma crítica profética do
judaísmo baseado no templo que excluía as nações gentias da salvação.
V io le n ta te m p e s ta d e no m a r e 8 .2 3 1.4
um n a vio ch eio de água.
248
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
Jesus salva os Seus discípulos do perigo (v. 23) acalmando o mar bravio.
Esse ato demonstra o mesmo poder dominante manifestado por Deus sobre as
águas caóticas na história de Jonas (1.15; veja também Gn 1.2). Os discípulos
de Jesus perguntam, “Quem é este que até aos ventos e às águas dá ordens, e
eles lhe obedecem?” (Lc 8.25). A pergunta retórica levanta uma comparação
implícita entre Deus e Jesus, os quais, ambos, ordenaram o mar. Existe, então,
uma sutil alusão à divina identidade de Jesus na comparação.
Os discípulos não passam no teste de fé representado pelo barco que se
afundava. Os marinheiros gentios do navio de Jonas tiveram fé. Os ninivitas
gentios tiveram fé. Mas, quando seu barco estava em perigo, os discípulos de
Jesus não tiveram fé: “Mestre, Mestre, vamos morrer!” (v. 24). Ele pergunta-
-Ihes, “Onde está a sua fé?” (v. 25). Como ocorre frequentemente em Lucas,
a fé está faltando onde deveria ser encontrada. E a fé é encontra, em vez disso,
nos lugares inesperados, nesse caso, em Gerasa dos gentios quando o barco che
ga ao litoral do outro lado.
NO TEXTO
■ 2 6 - 2 7 Jesus chega aos túmulos escuros da região dos gentios, e Sua luz cura
o indivíduo mais marginalizado daquela população. Isso certamente expressa a
natureza extremamente alcançadora da teologia da salvação em Lucas.
A região dos gerasenos está na Decápolis dos gentios, as “dez cidades” do li
toral leste do mar da Galileia. A região leva o nome da cidade de Gerasa, a
moderna Jerash. As cidades da região eram cosmopolitas. Embora tivessem al
gumas populações judaicas, eram, na maior parte, helenistas em ética e religião
(Rogerson, 1989, p. 210).
A visita de Jesus ali era uma rara excursão no território gentio. Ele deixa o país
judaico somente mais uma vez nos Evangelhos - para visitar Tiro e Sidom (Mc
7.24 || Mt 15.21), uma viagem que Lucas falha em mencionar. Logo, da pers
pectiva da narrativa, essa história é paradigmática das atitudes de Jesus nas re
lações judia e gentia. O texto não diz tão explicitamente, mas parece presumir
que o endemoninhado fosse gentio.
250
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
251
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
NO TEXTO
H 4 0 - 4 2 a Jairo é um dos poucos líderes judeus que os Evangelhos caracte
rizam de piedosos. José de Arimateia é outro (veja 23.50-53 || Mc 15.42-46 ||
Mt 27.57-60). De outra forma, no material especial de Lucas, os fariseus que
aconselham Jesus a fugir para salvar a sua vida (13.31) conseguem sua única re
presentação positiva no terceiro evangelho. Paulo era um fariseu, é claro, assim
como o eram outros cristãos primitivos. E a representação dos fariseus em Atos
é geralmente bem positiva (15.5; 23.7-9,26). Na realidade, Jesus, provavelmen
te, tinha mais do que alguns patrocinadores entre a liderança judaica (ex.: veja
Jo 3.1,2), mas não encontramos menção deles no Evangelho de Lucas.
253
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
Jairo era um líder da sinagoga de Cafarnaum. Ele pode muito bem ser aquele
que recomendou o centurião a Jesus, de acordo com Lucas 7.3-5. Há um sen
timento de urgência em sua fé (8.41). Nisso, ele assemelha-se à mulher curada
do fluxo de sangue na próxima vinheta (v. 47). Semelhantemente, os detalhes
acerca da idade da menina doente - doze anos (v. 42) - e a duração da condi
ção da mulher - doze anos (v. 43) dificilmente parece coincidência.
Tanto Jairo como a mulher sofrem com o peso de uma enfermidade: o ho
mem por causa de sua filha; a mulher por si mesma. Ambos ficam cheios de
emoção em sua interação com Jesus. Jairo humildemente prostrou-se aos pés
de Jesus, implorando-lhe que fosse à sua casa (v. 41). A mulher, primeiro
chegou por trás dele; depois de ser curada, ela veio tremendo e prostrou
-se aos seus pés (v. 47). A súplica dos pecadores em Lucas é entusiasmada
e sincera (5.8,12b,18,19; 7.2-4,13,38). A caracterização cumulativa de Lucas
quanto à abordagem adequada de Jesus continua a crescer nessas duas histórias
entrelaçadas.
Os adversários de Jesus, por outro lado, são caracterizados por Lucas como
frios e calculistas (5.21; 6.3,7; 7.39). Isso reforça a percepção dos leitores de
que aqueles que encontram a cura e o perdão têm a resposta emocional apro
priada associada à penitência. Essa unidade existencial naquilo que alguém
sente, faz e acredita é característico da antropologia da salvação de Lucas.
Isso não é uma difamação da razão na teologia de Lucas. Mas sua teologia re
almente tem uma concepção pronunciada acerca da natureza relacional da ex
periência cristã. A conexão entre as emoções humanas e a experiência do amor
de Deus e perdão é encorajada e celebrada tanto no terceiro Evangelho como
em Atos. A narrativa de Lucas certamente nos mostra, como nenhum outro
Evangelho, o pkthos - a experiência emocional - daqueles que vêm a Jesus.
H 4 2 b -4 8 O tamanho da multidão que seguia Jesus veio aumentando pro
gressivamente.
• Em 6.17: “Estavam ali muitos dos seus discípulos e uma imensa multidão
procedente de toda a Judéia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de SidonT.
• Em 7.11: Ele está acompanhado de “uma grande multidão”.
• Em 8.4: “Reunindo-se uma grande multidão e vindo a Jesus gente de várias
cidades”.
Na cena da cura da mulher hemorrágica a multidão o comprimia (v. 42; veja
o v. 45). Lucas retrata o ministério galileu de Jesus como manifestamente, até
caoticamente, público. Como leitores, estamos preparados para os aconteci
mentos dramáticos e conflitos que refletem essa sequência de eventos.
254
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
Enquanto caminhavam para a casa de Jairo, eles encontram uma mulher he
morrágica (v. 42b). Ela não seria bem-vinda na casa de Jairo devido sua impure
za ritual causada por sua crônica desordem menstrual (Lv 15.25-33). Sua cura
ao longo do caminho indica que o ministério de Jesus estende-se dos líderes da
sinagoga àqueles categoricamente excluídos da vida ritual da religião da nação.
Fortes questões de gênero, sangue e impureza estão representadas na enfermi
dade da mulher. Ela exemplifica não só a posição marginalizada das mulheres
em geral, mas também daquela cuja condição física (emissão de sangue) a torna
uma fonte de impureza ritual a todos os que a tocam. Isso provavelmente expli
ca sua tentativa de tocar Jesus secretamente: Ela chegou por trás dele, tocou
na borda de seu manto (v. 44).
Ao fazer isso, a mulher transmite uma impureza m idras, uma violação por meio
da “pressão” do toque. Essa transmissão de impureza ritual pelo toque é uma
condição particular conhecida apenas por quem a possui (Lv 12.4; Nm 19.11).
O conhecimento da mulher, de que ela estava em estado de impureza ritual é,
então, um assunto pessoal. Já que o estado de impureza ritual não produz ne
nhum efeito visível, geralmente ninguém, exceto a pessoa contaminada, sabe
da condição.
As proibições associadas com a pureza ritual são observadas em um sistema de
honra. Isso explica porque os fariseus, que voluntariamente tentavam manter
-se na pureza ritual dos sacerdotes, evitavam os mercados públicos ou outros
contatos comuns com a população em geral. A pessoa nunca sabe quem está
impuro. Logo, o escrúpulo coordenava seus contatos sociais de forma a evitar
os que fossem “suspeitos” ou aqueles cuja pureza ritual fosse desconhecida.
O verbo to ca r aparece três vezes nessa seção (v. 44,46,47). Mais cedo, Jesus “es
tendeu a mão e tocou” o leproso (5.13). Agora, Sua atitude casual em relação à
impureza da mulher sinaliza que a condição dela não é vista com alarme (veja
o comentário e a anotação complementar em 5.12-16). Isso também sinaliza a
prioridade que Ele dá à compaixão em detrimento da pureza ritual.
O comportamento supersticioso e furtivo da mulher indica o seu desespero
pelo poder curador de Jesus. Ela procurava tocá-lo, mesmo que fosse subver
sivamente. A piedade dela era trapaceira, e Jesus tacitamente aprovou isso (v.
48). Assim como a mulher pecadora do capítulo 7, e Jairo no capítulo 8, ela
simplesmente p recisa va ter graça para enfrentar o momento seguinte de sua
vida.
Em muitas das histórias dos pecadores em Lucas, a necessidade desesperada
empurra os suplicantes para a presença de Jesus. Em contraste com aqueles
que estão preocupados com regras e regulamentos, a necessidade intensa
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
256
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
A PARTIR DO TEXTO
Três histórias no capítulo 8 tratam de forças sobre as quais as pessoas não
têm controle: o mar bravio (v. 22-25), a possessão demoníaca (v. 26-39) e a
enfermidade debilitante (v. 40-56). Lucas demonstra nessas histórias que Jesus
controla a natureza, as potestades espirituais e as enfermidades do corpo. Em
Sua identidade como o “Cristo” (2.11,26; 4.41; 9.20; 20.41; 22.67; 23.35,39;
24.46), o “Santo de Deus” (4.34), e “o Filho de Deus” (4.3,9,41; 8.28; 22.70),
Ele comanda esses poderes. E eles têm de obedecer à Sua soberana autoridade.
Cada vez mais, tudo o que Jesus faz na história é visto através das lentes
dessa identidade emergente. Esses atos de controle sobre os reinos físico e espi
ritual são possíveis por causa de quem Ele é: o Cristo, o Santo de Deus, o Filho
de Deus. Por tais meios, Lucas convida seus leitores a abraçarem Jesus nessa
identidade e tornarem-se Seus obedientes seguidores.
Mais amplamente, os instrumentos de separação de Deus são descontru-
ídos na narrativa. A impureza ritual e o pecado não mais excluem a mulher
pecadora da presença do Filho de Deus. A doença, a morte, a possessão demo
níaca, que há muito separavam suas vítimas de Deus, têm o seu poder repen
tinamente revertidos e derrubados. Os mortos são ressuscitados. Os doentes
são curados, e os endemoninhados tornam a ganhar uma mente sã. O toque
de Jesus suplanta as noções convencionais de impureza ao reverter o fluxo da
impureza, tornando limpos aqueles que o tocam (5.12-16; 8.42b-48).
A nova comunidade possui uma santidade de livre fluxo, liberta das con
venções que a mantinham presa antes que o Messias surgisse. Todos os que
entram na comunidade sentem seus efeitos de formas terapêuticas e transfor
madoras de vida. Esse poder liberador pode inspirar as comunidades cristãs
257
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
modernas a chegar até aqueles que estão alienados de Cristo e da igreja. Como
nos pecadores em Lucas, a ênfase da graça redentora oferece um convite aberto
à comunidade cristã para os desprivilegiados e todos os que têm necessidades
desesperadoras. A graça e a piedade renegada estão acima da prática ritual e da
tradição.
À medida que a identidade de Jesus “amadurece” na narrativa, torna-se
evidente que Ele é aquele que está no controle absoluto de tudo o que está
à Sua volta. As forças da oposição acumulam-se, mas não podem prevalecer
contra o Seu poder. Nem toda tempestade é acalmada, nem todo demônio é
expulso e nem todo enfermo é curado. Mas, esses incidentes mostram que a luz
está raiando, e as trevas estão sendo vencidas.
Como Jesus enfatizou para os discípulos de João Batista, “Voltem e anun
ciem a João o que vocês viram e ouviram: os cegos vêem, os aleijados andam,
os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados e as
boas novas são pregadas aos pobres; e feliz é aquele que não se escandaliza por
minha causa” (7.22,23).
homem não tem onde repousar a cabeça” (v. 58). O Jesus dos Evangelhos não
tem um lugar para chamar de lar. Lucas insinua que o mesmo é, de certa forma,
verdadeiro quanto aos seguidores de Jesus.
O tema da itinerância ecoa em diversos outros assuntos relacionados em
Lucas:
• A alienação da família (veja 8.19; 12.53; 14.26; 18.28-30).
• O desprendimento de uma existência e emprego garantidos (2.6,7;
5.11,28; 9.57-62; 18.28-30).
• A dependência da caridade para o sustento (8.3; 9.3; 10.4).
• A polarização da comunidade foi, na verdade, encorajada por Jesus no co
missionamento dos Doze (9.5; 10.10-16).
Tal itinerância e pobreza são encontradas na vida de outros profetas pe
regrinos na Bíblia. Moisés, Elias, Eliseu e João Batista, todos viveram sem um
lar permanente durante seu ministério. Os fariseus dos dias de Jesus também
tinham seus pregadores itinerantes (Mt 23.15). Pelo menos outro judeu ope
rador de maravilhas do primeiro século, Hanina ben Dosa, vivia em extrema
pobreza (veja Vermes em Judeus carismáticos, 1973, p. 69-80).
Paulo de Tarso foi um evangelista cristão primitivo que abandonou o con
forto do lar e da família para viajar pregando o evangelho (veja 1 Co 9.5,6). Lu
cas e Atos mencionam outros pregadores e homens que expulsavam demônios
quase contemporâneos (ex.: Lc 9.49,50; At 1.8; 8.4,5; 10.23,24; 19.13,14).
Alguns eruditos comparam Jesus com os filósofos cínicos, ambulantes de
rua descritos por Epiteto. Eles eram pedintes sem-teto, sujos, grosseiros e mal
trapilhos. “Seminus, imundos, expostos aos elementos, e vivendo dia a dia -
não é de admirar que Epiteto alertasse o futuro cínico quanto a ingressar nesse
modo de vida” (Hock, 1992, p. 1223,1224). A influência direta dos cínicos na
tradição do evangelho, porém, nunca foi estabelecida.
Qualquer que seja sua origem e precedentes, a itinerância era uma vida de
extrema dureza e privação, e foi para isso que Jesus chamou os Seus seguido
res. Algo sobre a transitoriedade desse estilo de vida itinerante é essencial para
o Reino de Deus na narrativa. Não levar nada pelo caminho: nem bordão,
nem saco de viagem, nem pão, nem dinheiro, nem túnica extra (9.3) sugere
a iminência do reino. E agora. Nessa forma temporária, ele não pode continuar
indefinitivamente. Não tendo sacola, nem pão, nem dinheiro não é uma vida
sustentável. O seu fim - tanto como objetivo e conclusão - há de vir.
259
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
NO TEXTO
NO TEXTO
H 7 - 9 Esse Herodes não é o Herodes, o Grande, mencionado em Lucas 1.5.
Esse é o filho dele, Herodes Antipas, o tetrarca da Galileia, inimigo de João Ba
tista mencionado em Lucas 3.1 (também em 13.31; 23.7). A caracterização de
Lucas quanto a Herodes é um tanto equivocada em seu Evangelho. Ele é uma
figura perigosa, como a morte de João Batista por suas mãos indica. Mas, com
Jesus, Herodes demonstra mais curiosidade do que más intenções.
Herodes tentou ver Jesus (v. 9). Mais tarde, quando Jesus é enviado a Herodes
por Pilatos, Herodes “ficou muito alegre, porque havia muito tempo queria ve
do. Pelo que ouvira falar dele, esperava vê-lo realizar algum milagre” (Lc 23.8).
Em Lucas 13.31, alguns fariseus avisam a Jesus que Herodes o quer morto.
Mas, quando teve a oportunidade de tê-lo executado em Jerusalém, Herodes
meramente o insulta, veste-o de roupas elegantes, e envia-o de volta a Pilatos
(23.11).
Lucas 9.7-9 é uma interessante janela para a percepção pública de Jesus por
Seus contemporâneos. Herodes já havia decapitado João. Mas alguns agora
estavam dizendo que João tinha ressuscitado dos mortos (v. 7). Aqui, Lucas
confirma a morte de João, embora omita a narrativa de sua execução (relatada
em Mc 6.17-29 ||Mt 14.1-12). Herodes fica perplexo pelos rumores de que
Jesus é João que voltou à vida, mas dispensa-os referindo-se à decapitação de
João.
Não há nada em nenhum lugar na literatura daquele período sobre uma pessoa
morrer e voltar à vida como outra pessoa. Marshall chama esse relato sobre
João de uma “superstição popular mal concebida”, mas não consegue ver por
que “crenças tão estranhas não deveriam ter existido” (Marshall, 1978, p. 356;
veja 9.19). As três frases nos v. 7-9 formam referências a crenças sobre a ressur
reição :
• Ê gerthê ek nekrõn: ressuscitado dos mortos (v. 7).
• Elias ep han ê: Elias tinha aparecido (v. 8).
• P rophêtés tis tõn archaiõn an estê: um dos profetas do passado tinha vol
tado à vida (v. 8).
No nível da narrativa, essas referências estabelecem o fundamento conceituai
para a compreensão da ressurreição de Jesus.
262
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
NO TEXTO
NO TEXTO
1 1 8 - 2 0 Jesus desafia os discípulos a oferecerem suas próprias opiniões sobre
a Sua identidade. Isso faz parte do desenvolvimento narrativo deles enquanto
seguidores. Ou seja, eles precisam responder a essa pergunta “corretamente” a
fim de que o significado da identidade de Jesus se aprofunda na história. Como
notamos no início do capítulo, um processo de uma era vindoura para os dis
cípulos está em ação aqui.
A pergunta de Jesus vem em dois estágios. O primeiro é mais impessoal:
“Quem as multidões dizem que eu sou?” (v. 18). As multidões têm sido um
importante personagem apoiador na história até esse ponto. Mas o entendi
mento delas acerca de Jesus é falho e obscuro. Elas pensam que Ele pode ser
João Batista ou Elias ou um dos profetas do passado que ressuscitou (v. 19).
A segunda pergunta é mais direta. Jesus desafia os Seus seguidores: “E vocês,
o que dizem?” perguntou. “Quem vocês dizem que eu sou?” (v. 20). Pedro,
266
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
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NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
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LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
Essa é uma ideia comum em outras religiões orientais onde a “ligação” a rea
lidades físicas é geralmente considerada a causa de todo sofrimento. Ao “des
prender-se” dos desejos mundanos, a vida espiritual torna-se possível. A ideia
do axioma de Jesus não é tão diferente. Sua chamada ao altruísmo não desva
loriza a vida, como o faz o martírio. Ao contrário, ela exorta os discípulos a
valorizar o aspecto espiritual da vida acima do físico.
O versículo 25 expande essa ideia. Aqui, o problema específico é o apego às
posses. Aquele que ganhar o mundo irá, no entanto, perder a vida. Aque
les que valorizam os bens materiais acima dos espirituais colocam-se em risco.
Aliás, cada um irá negar a si mesmo e perderá sua verdadeira identidade. O
materialismo cobra um preço mortal da alma. É por isso que até os “pobres” em
Lucas podem ter alegria (6.20).
No v. 26, Jesus adverte: aqueles que se envergonham de mim e das minhas
palavras, demonstram colocar a opinião dos companheiros humanos acima
da opinião do divino. Isso é, novamente, uma valorização do físico acima do
espiritual.
1 2 7 0 dito final desse grupo de cinco é tão enigmático que já deu lugar a vá
rias interpretações: alguns que aqui se acham de modo nenhum experimen
tarão a morte antes de verem o Reino de Deus. Alguns intérpretes sugerem
que isso pode referir-se à ressurreição de Jesus e ao estabelecimento da igreja no
Pentecostes. Outros sugerem que a passagem alude à transfiguração, a narrati
va da qual segue imediatamente em 9.28-36 (Green, 1997, p. 376; Fitzmyer,
1981, 1:786). Isso presume que o Reino de Deus refere-se à glória de Deus
revelada na presença de Moisés e Elias na montanha. Já que a transfiguração
foi apenas alguns dias mais tarde, a mesma não pode resolver completamente a
dificuldade (Evans, 1990, p. 412). Se o Reino de Deus refere-se ao apocalipse,
então Lucas preserva uma profecia falha de Jesus, já que todos os Seus discí
pulos imediatos morreram sem ver a chegada do mesmo. Ele havia predito:
alguns que aqui se acham de modo nenhum experimentarão a morte antes
de verem isso. Dependendo de quando Lucas escreveu, será que ele teria pre
servado uma predição tão problemática?
A PARTIR DO TEXTO
Os três imperativos do v. 23 (abnegar-se, levar diariamente a cruz e seguir
Jesus) são a “base da lealdade cristã” (Fitzmyer, 1981,1:784). Albert Schweitzer,
certa vez, disse que os maiores ditos de Jesus são como bombas explosivas soltas
em um canto esquecido. Quando encontramos um e o pegamos, examinando
271
LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
3. A transfiguração (9.28-36)
272
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
NO TEXTO
I 2 8 - 2 9 Assim como em tantos momentos significativos em Lucas, o con
texto desse evento é a oração (3.21; 6.12; 9.18). Eles haviam se retirado, mais
uma vez, para um local solitário para orar; dessa vez, foram para um monte (v.
28).
A transfiguração tem numerosas alusões a outras histórias do AT. Enquanto
os três seguidores mais íntimos de Jesus olhavam para Ele, a aparência de seu
rosto se transformou (v. 29). Isso é reminiscente da glória brilhante no rosto
de Moisés quando ele esteve na presença de Deus (Êx 34.30-35). As roupas de
Jesus ficaram alvas e resplandecentes como o brilho de um relâmpago ou
“muito branca e brilhante” (NTLH), assim como a vestimenta de Deus era
“branca como a neve” em Daniel (7.9; veja At 9.3).
Significantemente, o texto de Daniel 7.13,14 logo depois fala do Filho do Ho
mem que recebeu “autoridade, glória e o reino; todos os povos, nações e ho
mens de todas as línguas o adoraram. Seu domínio é um domínio eterno que
não acabará, e seu reino jamais será destruído” (v. 14). Esse crucial ensinamen
to do AT sobre o Filho do Homem não poderia estar longe da mente do antigo
leitor, já que Lucas refere-se ao Filho do Homem frequentemente (25 vezes)
em seu Evangelho, e recentemente em Sua autoidentificação em 9.22 (veja o
comentário em 5.24).
I 3 0 - 3 3 Quando Moisés e Elias (v. 30) repentinamente aparecem conver
sando com Jesus, eles também aparecem em glorioso esplendor (v. 31). O
aparecimento dessas duas figuras centrais do AT com Jesus indica que Ele é o
profeta prometido “como” Moisés. Deus prometeu a Moisés em Deuteronô-
mio que Ele levantaria “do meio dos seus irmãos um profeta como você; porei
minhas palavras na sua boca, e ele lhes dirá tudo o que eu lhe ordenar” (Dt
18.18; At 3.22,23). Deus também prometeu a Moisés em Deuteronômio que
pediria “contas” a todos se não obedecessem às palavras do profeta (Dt 18.19).
Em Atos 7.37, Lucas especificamente identifica Jesus como o profeta de quem
Moisés se referia. Dada a controvérsia com os líderes religiosos sobre a identi
dade de Jesus em Lucas, a alusão a essa profecia aqui parece particularmente
relevante. Em Deuteronômio, a autenticidade de um profeta era comprovada
quando suas profecias cumpriam-se (Dt 18.21,22). Já que Jesus acaba de profe
tizar a Sua morte e ressurreição (Lc 9.22), o leitor sabe que Jesus é o verdadeiro
profeta a quem Moisés se referia. E, contundentemente, Moisés e Jesus ficam
lado a lado no monte da Transfiguração, com o próprio Moisés dando a Jesus a
sua aprovação como profeta.
274
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
Uma voz celestial emana da nuvem: “Este é o meu Filho, o Escolhido; ouçam -
-no!” (v. 35). Marcos e Mateus registram “meu amado Filho” (ho huios m ou ho
agapêtos\ Mc 9.7 ||Mt 17.5). Essa B a tQ ô l (= “filha de uma voz”) é semelhante
à ocorrência no batismo de Jesus (veja 3.21,22). Em ambas as experiências, a
voz declara que Jesus é meu Filho. Essas declarações são o centro teológico do
Evangelho de Lucas (como também em Mt 3.17 e 17.5 || Mc 1.11 e 9.7). Elas
estabelecem a questão da identidade de Jesus por meio da proclamação divina.
A dependência dos cristãos primitivos nessa passagem teria sido controversa
entre os judeus (veja o comentário sobre o batismo em 3.21,22). A voz do céu
na tradição judaica constituía uma autoridade divina que o argumento racio
nal não poderia contestar. A reivindicação cristã de uma voz declarando Jesus
como Filho de Deus usurpava a Torá no assunto central da fé judaica. Tal rei
vindicação teria sido especialmente provocativa após a destruição do templo,
quando a Torá ficou sozinha no centro da prática judaica.
As precisas palavras da voz celestial diferem um pouco daquelas pronunciadas
no batismo de Jesus. P rim eiro, agora ela está na terceira pessoa: Este é o meu
Filho (v. 35), e não na segunda pessoa: “Tu és o meu Filho” (3.22). Isso torna-a
um anúncio aos discípulos, e não uma afirmação pessoal a Jesus.
S egu n do, dessa vez ela não está acompanhada de um modificador, o Escolhido,
e da ordem: ouçam-no. A palavra escolhi (<ek lelegm enos, fonte da palavra “elei
ção”, em português) ecoa a linguagem da eleição, feita por Deus, de Israel entre
as nações (SI 33.12; 65.4; Is 41.8; At 13.17), da tribo de Judá (SI 78.68-70), e
de Moisés (SI 105.26).
Semelhantemente, Jesus “escolheu” Seus discípulos (eklegom ai, Lc 6.13; At
1.2). Essa palavra não é usada nos outros Evangelhos (veja Mc 3.13-19 || Mt
10.1-4). Essa linguagem também ecoa em Deuteronômio 18.15-21 (veja an
teriormente o comentário em 9-30). Em Deuteronômio, a aceitação de um
profeta como Moisés é acompanhada pela obrigação de aceitar o que ele diz:
“O Senhor, o seu Deus, levantará do meio de seus próprios irmãos um profe
ta como eu; ouçam-no” (Dt 18.15). Logo, temos aqui em Lucas: ouçam-no
(9.35). Jesus é o profeta como Moisés, que deve ser obedecido.
276
NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON LUCAS 1-9
NO TEXTO
H 3 7 - 4 3 a Uma sensação de expectativa acompanha a descida de Jesus do
monte após a transfiguração: No dia seguinte, quando desceram do monte,
uma grande multidão veio ao encontro dele (v.37). Talvez pudéssemos ter
antecipado um grande milagre ou uma proclamação pública após a sublime ex
periência da transfiguração. Ao contrário, encontramos Jesus em uma expulsão
de demônio particularmente turbulenta.
Certo homem implora que Jesus atenda ao seu único filho: Um espirito o do
mina; de repente ele grita; lança-o em convulsões e o faz espumar; quase
nunca o abandona, e o está destruindo (v. 39). As convulsões e a boca espu
mando são características de uma enfermidade de ataques epiléticos (compare
com o endemoninhado geraseno, que também era “apoderado” pelo demônio,
8.29).
O paralelo de Mateus refere-se ao menino como um “epilético” (Mt 17.15
NTLH). Essa condição era associada, nos tempos antigos, com as fases da lua.
Logo, os que sofriam disso eram chamados de selên iadz om ai, lu n á ticos. De for
ma irônica, os que eram afligidos pela epilepsia antigamente eram considera
dos santos, por causa das similaridades entre os ataques e o estado profético de
êxtase (Sussman, 1992, p. 12).
Embora Jesus tenha facilmente curado o menino, Sua frustração é diferente de
tudo que já encontramos na narrativa até este ponto. O objeto de Sua conster
nação está em Seus discípulos. Ele lhes diz: O geração incrédula e perversa (v.
41). Lucas falha em dizer o que causou aquele comentário de Jesus. De acordo
com Mateus, os discípulos não tiveram fé suficiente para expulsar o demônio
(17.20-21). Semelhantemente, Marcos culpa a “incredulidade” como o empe
cilho para expulsar demônios. O pai do menino roga: “Ajuda a minha incredu
lidade!” (Mc 9.24 ARC).
Lucas conclui sem comentar sobre a causa da incapacidade de os discípulos
expulsarem o demônio. Ele diz apenas que as pessoas estavam atônitas ante a
grandeza de Deus e maravilhadas com tudo o que Jesus fazia (Lc 9.43).
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LUCAS 1-9 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO BEACON
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C O M E N T Á R IO B ÍB L IC O
BEACON
LUCAS 1-9
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