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Psicopedagogia e Tics: Luciane Magalhães Corte Real Tania Beatriz Iwaszko Marques

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Série Ensino, Aprendizagem e Tecnologias

Psicopedagogia e
TICs
Luciane Magalhães Corte Real
Tania Beatriz Iwaszko Marques
Organizadoras
Reitor
Rui Vicente Oppermann
Vice-Reitora e Pró-Reitora
de Coordenação Acadêmica
Jane Fraga Tutikian

EDITORA DA UFRGS
Diretor
Alex Niche Teixeira
Conselho Editorial
Álvaro Roberto Crespo Merlo
Augusto Jaeger Jr.
Carlos Pérez Bergmann
José Vicente Tavares dos Santos
Marcelo Antonio Conterato
Marcia Ivana Lima e Silva
Maria Stephanou
Regina Zilberman
Tânia Denise Miskinis Salgado
Temístocles Cezar
Alex Niche Teixeira, presidente
Série Ensino, Aprendizagem e Tecnologias

Psicopedagogia e
TICs
Luciane Magalhães Corte Real
Tania Beatriz Iwaszko Marques
Organizadoras
© dos autores
1ª edição: 2017
Direitos reservados desta edição:
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Coordenação da Série:
Laura Wunsch, Gabriela Trindade Perry, Tanara Forte Furtado e Marcello Ferreira
Capa: Ely Petry
Projeto gráfico: Editora da UFRGS
Editoração eletrônica: Tiago Dillenburg
Revisão: Equipe de Revisão da Série Ensino, Aprendizagem e Tecnologias
Curso de Especialização em Psicopedagogia e Tecnologias da Informação e Comunicação —
modalidade a distância
Coordenação geral: Profa. Dra. Luciane Magalhães Corte Real
Coordenação pedagógica: Profa. Dra. Tania Beatriz Iwaszko Marques
Equipe multidisciplinar:
Profa. Dra. Glaucia Helena Motta Grohs
Profa. Dra. Jaqueline Santos Picetti
Profa. Dra. Luciane Magalhães Corte Real
Profa. Dra. Tania Beatriz Iwaszko Marques
Prof. Mestre Paulo Francisco Slomp
Profa. Dra. Silvana Corbellini
Especialista Jocineide Rodrigues Hallberg
A grafia desta obra foi atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1990,
que entrou em vigor no Brasil em 1º de janeiro de 2009.

P974 Psicopedagogia e TICs / organizadores Luciane Magalhães Corte Real [e] Tania Beatriz
Iwaszko Marques; coordenado pela SEAD/UFRGS. – Porto Alegre: Editora da UFRGS,
2017.
187 p.: il. ; 16x23cm
(Série Ensino, Aprendizagem e Tecnologias)
Inclui quadros e tabelas.
Inclui Referências.
1. Educação. 2. Psicopedagogia. 3. Psicopedagogia – Tecnologias da informação e
comunicação. 4. Psicopedagogia – Tecnologias – UFRGS. 5. Psicopedagogia – Ensino
superior. 6. Ambiente virtual de aprendizagem – Interações. 7. PBworks – Educação
a Distância. 8. Facebook – Educação a Distância. 9. Tutori a – Educação a Distância
– Século XXI. 10. Relação professor-aluno. 11. Adolescência – Escola - Construção
– Reconstrução. I. Real, Luciane Magalhães Corte. II. Marques, Tania Beatriz Iwaszko
III. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Secretaria de Educação a Distância.
IV. Série.
CDU 37.015. 3
CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação.
(Jaqueline Trombin – Bibliotecária responsável CRB10/979)
ISBN 978-85-386-0350-4
Sumário

Apresentação������������������������������������������������������������������������������������ 7

A trajetória do curso:
caminhar em várias direções ��������������������������������������������������������9
Silvana Corbellini e Luciane Magalhães Corte Real

O que é psicopedagogia: uma breve


revisão bibliográfica���������������������������������������������������������������������� 27
Tania Beatriz Iwaszko Marques e Jaqueline Santos Picetti

Psicopedagogia e TICs: intervenções


com alunos com dificuldades de aprendizagem��������������������� 39
Luciane M. Corte Real e Silvana Corbellini

Investigações em psicopedagogia
e tecnologias na UFRGS��������������������������������������������������������������� 49
Luciane Magalhães Corte Real

Trocas intelectuais em curso:


o método de cooperação��������������������������������������������������������������57
Silvana Corbellini

Psicopedagogia e ensino superior:


alternativa de uma avaliação participativa������������������������������77
Marcos Pereira Diligenti e Jaqueline Santos Picetti

Interações em um Ambiente Virtual de Aprendizagem������� 87


Luciane Magalhães Corte Real, Franceline Michailoff e Juliana Duarte Flores
PBWorks na educação a distância:
um relato de experiência com
projetos de aprendizagem��������������������������������������������������������� 101
Muriel Lago e Glaucia Silva da Rosa

Facebook na EAD������������������������������������������������������������������������� 119


Natália Hends de Medeiros e Iris Cristina Datsch Toebe

Tutoria em EAD no século XXI������������������������������������������������� 131


Mara Rosane Noble Tavares

A educação a distância sob o olhar


de quem trabalha e de quem estuda com ela����������������������� 149
Jocineide Rodrigues Hallberg

Relação professor-aluno: o déjà-vu freudiano��������������������� 159


Gláucia Helena Motta Grohs

Possibilidades de construção/reconstrução
na/da adolescência na escola���������������������������������������������������163
Gláucia Helena da Motta Grohs e Luciane Magalhães Corte Real

O educar kantiano����������������������������������������������������������������������� 175


Luiz Antônio Corte Real

Psicopedagogia: alguns conceitos


básicos para reflexão e ação����������������������������������������������������� 181
Jaqueline Santos Picetti e Tania Beatriz Iwaszko Marques
Apresentação 7
......

Este livro é o resultado do esforço coletivo da equipe envolvida com a segunda


edição do Curso de Especialização em Psicopedagogia e Tecnologias da Informação
e Comunicação na modalidade a distância.
Após a oferta do curso em uma primeira edição, a segunda edição foi pro-
movida pela Secretaria de Educação a Distância (SEAD) da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pela Universidade Aberta do Brasil (UAB), e
atendeu a 160 cursistas, em cinco diferentes polos do Rio Grande do Sul: Porto
Alegre, Santa Maria, São Francisco de Paula, Sapiranga e Três Passos.
O curso, com carga horária de 360 horas, além da escrita orientada de TCC,
foi realizado no período de novembro de 2014 a abril de 2016 e teve como objetivo
oferecer aos profissionais relacionados com a área da educação a possibilidade de
construção de competências para o desenvolvimento do trabalho psicopedagógico,
usando as tecnologias digitais como recurso, com ênfase no ambiente escolar.
O público-alvo do curso foram, prioritariamente, professores de redes pú-
blicas de ensino (municipal, estadual e federal), com atuação na Educação Infantil,
no Ensino Fundamental, no Ensino Médio e no Ensino Técnico. Puderam também
se inscrever gestores, orientadores educacionais e coordenadores/supervisores pe-
dagógicos das redes de ensino públicas do Rio Grande do Sul.
Consideramos relevante compartilhar experiências e reflexões realizadas por
toda a equipe envolvida na realização do curso, incluindo docentes, secretária e
tutoras presenciais e a distância, além de convidados que trazem contribuições re-
levantes para a temática.
Esperamos que a leitura deste material possa dar subsídios ao leitor para
pensar as questões psicopedagógicas a partir das contribuições das Tecnologias da
Informação e da Comunicação.

As Organizadoras
A trajetória do curso: caminhar em 9
......

várias direções1

Silvana Corbellini2
Luciane Magalhães Corte Real3

INTRODUÇÃO

A inserção das tecnologias na sociedade do conhecimento vem acarre-


tando modificações no panorama social, de forma geral, e na educação, de
forma específica. Os diversos componentes das instituições educacionais estão
precisando urgentemente de mudanças visando a alcançar uma formação con-
dizente com as demandas sociais atuais. A educação na modalidade a distância
tem se mostrado como um recurso eficiente para auxiliar neste processo.
Hoje, o uso das tecnologias tornou-se imprescindível nos processos de
ensino e de aprendizagem. As aprendizagens ocorrem através destes meios e
tornou-se obrigatória a sua inserção nas formações dos profissionais da edu-
cação. Hoje, não há mais dicotomia entre o espaço sala de aula e aquele de
fora da sala de aula. Na sociedade atual, quando falamos em aprendizagem,
aprendemos em todos os tempos e espaços.
Da mesma forma, a multiplicidade de olhares sobre o mundo faz com
que haja alterações em termos de conteúdo, estruturas, práticas pedagógicas

1 Adaptado de: REAL, L. M. C., CORBELLINI, S., PALHARES, J. P., MARTINS, A. O Currículo em construção em
um curso de especialização on-line. In: Simpósio Internacional de Educação a Distância SIED 2014 e Encontro de
Pesquisadores em Educação a Distância EnPED 2014, São Paulo, Anais do SIED, 2014. ISSN 2316-8722. Disponível
em: <http://www.sied-enped2014.ead.ufscar.br/ojs/index.php/2014/article/view/794/299>.
2 Professora do Curso de Especialização de Psicopedagogia e Tecnologias da Informação e Comunicação na modalidade
a distância (UFRGS). Doutora em Educação. E-mail: silvanacorbellini@gmail.com.
3 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS. Doutora em Informática na Educação. Coordenadora do Curso de
Especialização em Psicopedagogia e TIC. E-mail: luciane.real@ufrgs.br.
10 e currículos, que precisam ser adequados constantemente em uma sociedade
......
fluida. Trabalhar com os interesses dos alunos, ainda mais quando o foco são
cursos de especialização, torna-se um requisito para estas formações, pois os
alunos buscam conhecimentos específicos, visando a qualificar suas práticas e,
desta maneira, o direcionamento de um curso precisa de reformulação para
atender a essas demandas. Paviani (2005, p. 48) afirma:

A complexidade exige flexibilidade. O processo de determinação e de inde-


terminação de cada ciência ou disciplina, enquanto sistema de conhecimentos,
faz com que toda organização e produção teórica estejam abertas ao seu “meio
ambiente”, às necessidades da sociedade e às condições atuais da ciência. O
conceito de complexidade propõe um novo conceito de autonomia às ciências
e às disciplinas. Seus limites tornam-se ao mesmo tempo horizontes que se re-
fazem permanentemente, segundo os objetivos e as condições epistemológicas
e metodológicas de cada programa de pesquisa ou de ensino.

Com base nesses princípios é que este curso, que traz uma proposta ino-
vadora ao aliar a prática da psicopedagogia ao uso das tecnologias, também se
propôs a modificar sua estrutura curricular, no próprio percurso, objetivando
responder aos interesses que os alunos demonstravam em determinados as-
suntos, propiciando melhores encadeamentos dos conteúdos disponibilizados.
As especializações, de uma forma geral, são cursos que pretendem res-
ponder a demandas específicas de profissionais de determinadas áreas. Mesmo
que as aprendizagens ocorram nas mais variadas situações, como nas comuni-
dades virtuais de aprendizagens, nas pesquisas via web e em congressos, as insti-
tuições ainda são as maiores responsáveis pela educação formal, respondendo e
se responsabilizando pelos conteúdos disciplinares básicos que compõem uma
área de conhecimento.
Assim, as discussões realizadas entre pesquisadores e docentes na criação
de corpus teóricos, de ciências e de limitações de cada área sofrem influências
do tempo histórico em que vivemos. Hoje, as alterações dos conhecimentos e
as necessidades que os profissionais enfrentam no seu dia a dia requerem uma
maior flexibilidade das instituições, inclusive no que tange ao aspecto curricular 11
......
de seus cursos. Como refere Paviani (2005), “o desenvolvimento da ciência
moderna é acompanhado pela permanente multiplicação de disciplinas, de de-
partamentos e currículos acadêmicos” (p. 34). Afirma, ainda, que a história
da ciência e a epistemologia não conseguem dar conta da complexidade que
envolve as teorias e os métodos científicos.
A sociedade do conhecimento trouxe consigo esperanças de novas apren-
dizagens e de novas formas de ensinar. O uso das tecnologias acenou com di-
versas possibilidades; um universo a ser explorado inclusive na educação, mas a
realidade das nossas instituições ainda se encontra à margem dessas inovações.
Os motivos apontados para isto são de diversas ordens, tais como: falta de
formação dos docentes, falta de dispositivos nas escolas, falta de tempo, entre
outros. Neste trabalho, elencamos dois aspectos que, acreditamos, têm impli-
cações para a alteração dessa situação: a concepção epistemológica que sustenta
a prática docente e o engessamento das estruturas curriculares.
A metodologia utilizada foi a pesquisa qualitativa, com ênfase no estudo de
caso (YIN, 2010). O referencial teórico utilizado foi a teoria proposta por Jean
Piaget, pois se acredita que esta teoria fornece os subsídios necessários para
fundamentar a presente proposta de trabalho e sustenta a prática construtivista
dos docentes do curso.
A expectativa de modificações que a sociedade impõe sobre a educação
precisa ser pensada para que possa ser atendida, pois esta é uma de nossas
funções. Nesse sentido, o presente trabalho retrata uma experiência vivenciada
nesse curso. Tal experiência priorizou a flexibilização do currículo, que ocorreu
durante a realização do curso, com vistas a adequá-lo às demandas dos alunos.
Dessa forma, com o objetivo de qualificar o curso, a estrutura curricular e as
atividades que tinham sido predeterminadas sofreram mudanças.
12 METODOLOGIA
......

Trata-se de pesquisa qualitativa na forma de um estudo de caso (YIN,


2010): a primeira turma do Curso de Especialização em Psicopedagogia e TICs
na modalidade a distância realizado na Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. O objetivo específico deste trabalho foi investigar a estrutura curricular e
as atividades que foram desenvolvidas durante o curso.
O estudo de caso como estratégia metodológica privilegia o entendimento
dos fenômenos que se procura compreender. A teoria que fundamentou a
prática e a análise de dados deste trabalho foi a Epistemologia Genética de Jean
Piaget.
A turma era composta por 54 alunos. O corpo docente compreendia oito
professores e uma professora integradora. Procurou-se investigar a alteração
curricular realizada e as atividades que foram propostas – aquelas que tiveram
maior envolvimento dos alunos, detectado através do número de postagens.
Com base nessas variáveis, analisaram-se os processos de ensino e de aprendi-
zagem ocorridos no curso.

CONSTRUINDO NOVOS CAMINHOS NO CURSO

A concepção epistemológica que Piaget defende é o construtivismo.


Rompendo com os métodos tradicionais do empirismo e do apriorismo, que
colocavam o sujeito em posição passiva, tanto como receptores do conheci-
mento quanto como precisando despertar o que já possuem dentro de si; o
construtivismo traz a ideia de um sujeito ativo. O construtivismo é definido
como:

[...] a ideia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que especificamente,
o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado.
Ele se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o
simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por força
de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no 13
......
meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo
nem consciência e, muito menos, pensamento. (BECKER, 1993, p. 88)

Assim, o construtivismo opõe-se ao empirismo, que postula que o conhe-


cimento tem sua origem e seu desenvolvimento a partir das experiências que
os sujeitos acumulam durante a existência. Afirma o sujeito como produto do
meio. O construtivismo também se opõe ao apriorismo, que parte do princípio
de que se nasce com as estruturas do conhecimento e que o conhecimento
advém à medida que nos desenvolvemos; postula ainda que o conhecimento é
o resultado da interação entre sujeito e meio.
Brooks e Brooks (apud NCREL, 1995) estabeleceram um quadro apon-
tando as principais diferenças em relação ao currículo nas diferentes concepções.
Afirmam que, na sala de aula tradicional, fundamentada nas concepções empi-
ristas ou aprioristas, o currículo é apresentado de forma dicotômica, das partes
para o todo, com ênfase nas habilidades básicas. O seguimento rigoroso do cur-
rículo é valorizado, e as atividades são baseadas essencialmente em livros textos
e exercícios repetitivos. Na sala de aula construtivista, por sua vez, o currículo
é apresentado do todo para as partes, e a ênfase ocorre nos conceitos gerais. A
procura pelos interesses dos alunos é valorizada, e as atividades fundamentam-
-se nas fontes primárias dos dados e em materiais manipuláveis.
As práticas tradicionais não conseguem mais dar conta da complexidade
do momento atual. São necessárias novas práticas, novas constituições, mais
dinâmicas, mais flexíveis, mais fluidas, visando a abarcar esta multiplicidade de
conhecimentos. Assim como postula o construtivismo, cada conhecimento é
compreendido de acordo com a etapa do desenvolvimento na qual o sujeito se
encontra, e é no processo de construção e reconstrução de conhecimento que
o sujeito e as ciências se desenvolvem.
Esse processo requer educadores atentos ao que ocorre na sociedade e
que se valham de uma concepção epistemológica construtivista para propor
e sustentar práticas interativas. Precisa-se de um sistema que não engesse as
14 práticas inovadoras nas quais se pretende alicerçar a educação. A introdução de
......
práticas educacionais inovadoras requer instituições abertas, permeáveis com a
sociedade, atualizando seus sujeitos, professores e alunos, bem como gestores e
os demais, com o mundo em que se vive. Para que os processos de ensino e de
aprendizagem sejam condizentes, as mudanças precisam acontecer.
Reflete-se sobre a necessidade do curso de ter uma direção e de que esta
direção possa ser alterada, se assim se julgar necessário. Com o referencial
piagetiano, parte-se do pressuposto de que o conhecimento é um processo de
equilibração, no qual novos elementos vão se agregando e modificando a es-
trutura. Dessa forma, através deste contínuo, que Piaget denomina de espiral,
procura-se justificar as alterações realizadas no curso.
Destaca-se que, quando se fala em mudanças, não se parte do princípio de
que tenham que ser grandes; aliás, são as pequenas mudanças que vão alavan-
cando e possibilitando novas alterações. Assim, qualquer ato que objetive me-
lhoria na qualidade do ensino implica uma construção prévia, uma equilibração.
Dessa forma, o que se buscou com esta prática relatada aqui foi constituir uma
pequena alteração na estrutura curricular e nas atividades que haviam sido pro-
postas, pois acreditou-se que, com essa reorganização, o curso alcançaria êxito
em sua proposta de formação dos alunos.
Entende-se por currículo, de acordo com Silva,

[...] um dos locais privilegiados onde se entrecruzam saber e poder, repre-


sentação e domínio, discurso e regulação. É também no currículo que se
condensam relações de poder que são cruciais para o processo de formação de
subjetividades sociais. Em suma, currículo, poder e identidades sociais estão
mutuamente implicados (SILVA, 1996, p. 23).

Llavador (1994) refere que “a palavra currículo engana-nos porque nos


faz pensar numa só coisa, quando se trata de muitas simultaneamente e todas
elas inter-relacionadas” (p. 370). Então, o que podemos refletir é que há cur-
rículos e não somente um currículo possível, e uma das funções dos docentes
é procurar formas, caminhos, para os processos de ensino e de aprendizagem.
Pensando na formação com uso das Tecnologias da Informação e 15
......
Comunicação em um curso na modalidade a distância, adequada à formação
de um psicopedagogo, a grade curricular foi estruturada em eixos temáticos,
visando a facilitar o estudo e os elos entre os conhecimentos adquiridos, in-
terligando-os nesse processo. No projeto inicial, a estrutura do curso estava
configurada da seguinte forma:

Carga
Disciplinas
horária
Eixo 1: Introdução à EAD
Módulo I Introdução à EAD 15h
Módulo II Educação: Aprendizagem Desenvolvimento e 75h
Problemas de Aprendizagem

Eixo 2: Psicopedagogia Institucional


Módulo III Fundamentos Gerais da Psicopedagogia 30h
Módulo IV Técnicas de Intervenção Psicopedagógica 60h
Eixo 3: Pesquisa e Psicopedagogia
Módulo V Iniciação à Pesquisa Científica 30h
Módulo VI Jogos e Educação 30h
Eixo 4: Ambientes Virtuais e Psicopedagogia
Módulo VII Ambientes Virtuais de Aprendizagem 30h
Módulo VIII Projetos e Relações de Aprendizagem 30h
nos ambientes virtuais
Eixo 5: Investigações em Psicopedagogia e
Monografia
Módulo IX Investigações em Psicopedagogia 60h
Módulo X Produção da Monografia 360h
16 Entretanto, sua efetivação ocorreu desta forma:
......

Carga
Disciplinas
horária
Eixo 1: Introdução à EAD
Módulo I Introdução à EAD 15h
Módulo II Fundamentos Gerais da Psicopedagogia 75h

Eixo 2: Psicopedagogia Institucional


Módulo III Educação: Aprendizagem Desenvolvimento e 30h
Problemas de Aprendizagem

Módulo IV Ambientes Virtuais 60h


de Aprendizagem
Eixo 3: Pesquisa e Psicopedagogia
Módulo V Iniciação à Pesquisa Científica 30h
Módulo VI Projetos e Relações de Aprendizagem 30h
nos ambientes virtuais
Eixo 4: Ambientes Virtuais e Psicopedagogia
Módulo VII Jogos e Educação 30h
Módulo VIII Técnicas de Intervenção Psicopedagógica 30h
Eixo 5: Investigações em Psicopedagogia e
Monografia
Módulo IX Investigações em Psicopedagogia 60h
Módulo X Produção da Monografia 360h
Módulo X Produção da Monografia 360h
No projeto do curso, cada Eixo apresentava objetivos específicos, assim 17
......
dispostos:
(1) Aprendizagem e Introdução à educação a distância: objetiva a familia-
rização com ambientes virtuais e fundamentos gerais da psicopedagogia;
(2) Psicopedagogia Institucional: aborda a especificidade do papel da psi-
copedagogia em relação à educação e suas técnicas de intervenção, assim como
dificuldades de aprendizagem e a função do profissional nestes ambientes;
(3) Pesquisa e Psicopedagogia: é a formação em pesquisa no trabalho psi-
copedagógico, oferecendo subsídios para os alunos adquirirem conhecimento
científico e incentivar a produção intelectual;
(4) Ambientes Virtuais e Psicopedagogia: trata dos ambientes virtuais e
suas infinitas possibilidades, especificando os projetos que podem ser desen-
volvidos no âmbito escolar voltados à área psicopedagógica num trabalho tanto
com alunos quanto com professores; e
(5) Investigações em Psicopedagogia e Monografia.

Ao final do curso, desejava-se que os alunos dessem um feedback sobre


conteúdo que foi trabalhado até aquele momento e que produzissem uma
monografia.
Durante a realização do curso, foram utilizadas duas plataformas de
ensino: o Moodle e o Pbworks. Cada uma dessas plataformas apresentava obje-
tivos específicos na composição do curso e, por isso, foram selecionadas pelos
proponentes do curso.
O Moodle é a plataforma de ensino a distância mais utilizada pelas ins-
tituições de ensino superior. É a principal plataforma de sustentação das ati-
vidades, e é por meio dela que os professores disponibilizam os materiais e os
conteúdos das disciplinas, postam atividades e recebem os trabalhos entregues
pelos alunos. O Moodle tem diversas ferramentas, ofertando aos professores
uma infinidade de possibilidades de estruturação das disciplinas. Além disso,
essa plataforma permite a publicação de conteúdos e o gerenciamento de ati-
18 vidades on-line, de chats, de videoaulas, de fórum, de lista de discussão, de
......
correio eletrônico, de mural, de enquete, etc.
O Pbworks é uma ferramenta eletrônica, um wiki de fácil manejo, que
permite editar e criar páginas coletivamente, ou seja, as páginas não são es-
tanques, os alunos podem modificá-las, inclusive os textos iniciados pelos pro-
fessores. Importante destacar que se trata de uma plataforma gratuita que não
necessita de cadastro institucional. Nesse sentido, facilita a criação de novos
Pbworks para todos aqueles que quiserem utilizá-los em suas práticas.
Da mesma forma que a estrutura curricular sofreu alterações durante o
período de vigência do curso, também as atividades foram sendo modificadas.
Procurou-se, dentro da proposta de um curso com uma visão construtivista,
desenvolver atividades mais dinâmicas, promovendo interações e cooperações
entre os participantes. Assim, as atividades do curso foram alvo de pesquisas
realizadas pelos professores, principalmente no que tange a um olhar sobre a
interação entre os participantes.
A seguir, mostramos as práticas que apresentaram maior interesse e par-
ticipação por parte dos alunos, analisadas a partir das postagens e do grau de
envolvimento demonstrado com as propostas. As atividades que tiveram maior
destaque foram: (1) Tomada de Consciência; (2) Caso AC; (3) Coletando
Perguntas; (4) Como Estrelas na Terra, toda Criança é Especial; e (5) TICs e
Psicopedagogia.
A atividade 1, intitulada “Tomada de Consciência”, solicitava que cada
aluno publicasse na plataforma a descrição da aplicação de uma atividade ou
jogo que tivesse realizado. Após, o aluno deveria analisar a publicação de um
colega. A seguir, deveria responder ao comentário feito pelo colega sobre sua
atividade. Foi criado um fórum para que os alunos pudessem compartilhar
essa atividade. Essa proposta fundamentou-se na Epistemologia Genética, re-
querendo a interação entre os sujeitos e a necessidade de argumentações e
contra-argumentações.
No “Caso AC”, a atividade 2, utilizou-se a técnica de júri simulado (REAL 19
......
e MENEZES, 2007). Os cursistas foram divididos em três grupos: acusação,
defesa e jurados. Os professores e tutores participaram do último grupo.
Apresentou-se uma proposição que foi colocada em julgamento: “Ana tem pro-
blemas de aprendizagem e precisa de uma psicopedagoga para fazer os temas
e as atividades da aula junto com ela”. Cada grupo, dentro da sua posição,
debateu a proposição, apresentando argumentos teóricos a favor ou contra. Os
jurados tiveram a função de instigar os debatedores, questionando as suas pos-
tagens e, também, de apresentar um parecer final. Com essa proposta, buscou-
-se estabelecer uma relação de cooperação entre os alunos, de acordo com a
teoria piagetiana (PIAGET, 1973). Observou-se um envolvimento dos alunos e
um crescimento em termos de conteúdos e de forma, através da ampliação de
materiais, ampliando os referenciais teóricos, trazendo vídeos e (re)elaborando
seus argumentos iniciais.
Na terceira atividade, o filme “Como Estrelas na Terra Toda Criança é
Especial” foi utilizado como desencadeador de uma série de atividades da dis-
ciplina de Jogo e Educação, dentre as quais destacam-se a Caixa Lúdica e o
Passeio Lúdico. A Caixa Lúdica consistia em montar uma caixa com jogos,
brinquedos e brincadeiras de materiais concretos e digitais, com o objetivo
de servirem de ferramentas auxiliares para a intervenção psicopedagógica do
personagem Ishaa. Foi elaborado um fórum para a apresentação dos materiais
selecionados pelos alunos para a composição da caixa, podendo ser utilizadas
listas, fotos ou figuras. Foi também criado um fantoche, um personagem que
ajudasse na aproximação do psicopedagogo com seu paciente. Os fantoches
tiveram voz no fórum, dialogando “uns com os outros”, com o desafio de criar
perguntas e respostas infantis. O fantoche foi o protagonista do passeio lúdico:
foi fotografado; após, foi registrado o relato no fórum. Um dos objetivos dessa
proposta foi promover a interação e a criatividade entre os cursistas, tal qual
referenciado por Piaget (2002).
A atividade 4, “Coletando Perguntas”, propôs uma pergunta como ge-
radora de Projetos de Aprendizagens. Nessa atividade da disciplina de Projetos
20 e Relações de Aprendizagem nos Ambientes Virtuais, os cursistas sugeriram,
......
nas suas salas de aulas, que seus alunos pensassem em coisas que tinham curio-
sidade e que formulassem perguntas sobre esses assuntos. A partir daí, sele-
cionaram uma das questões e justificaram sua escolha. O objetivo da atividade
foi propiciar interação entre cursistas e crianças, desafiando-os a questionar
o que pensam, a procurar respostas; ou seja, coerentemente com a teoria de
Piaget, procurou-se desequilibrá-los para, a partir de então, promover a busca
de novos equilíbrios.
A quinta atividade que se destacou foi “TICs e Psicopedagogia”. Tal ati-
vidade propôs a elaboração de um diagnóstico fictício e um roteiro de ativi-
dades de intervenções do psicopedagogo com o uso das tecnologias. A reflexão
sobre o processo de aprendizagem e sobre o papel do psicopedagogo tinham
destaque nesta atividade, uma vez que eram solicitadas justificativas teóricas
sobre as intervenções descritas. Essa atividade estava de acordo com a proposta
de formação do profissional do curso, de um psicopedagogo com condições de
atuar de forma a qualificar as aprendizagens por meio do uso de tecnologias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O oferecimento de um curso que visou à formação do profissional psico-


pedagogo com o uso das tecnologias da comunicação e informação, realizado
na modalidade a distância, surgiu a partir de uma demanda específica detectada
junto a ex-alunos de um curso de graduação na UFRGS. Vários foram os pe-
didos de egressos da área de educação no sentido de que uma formação mais
ampla fosse oferecida. A delimitação do campo foi sendo estabelecida por meio
da análise da equipe de trabalho, que refletiu sobre as demandas específicas dos
alunos e procurou contemplar as demandas mais amplas da sociedade.
Nesta imersão, as tecnologias, obviamente, tiveram seu papel de destaque,
seja devido ao que ela oferece em termos de possibilidades, seja devido ao que
ela demanda em termos de necessidade de formação. Hoje, a educação sem o
uso das tecnologias é impensável. Dessa forma, procurou-se contemplar esses 21
......
aspectos na concepção da estrutura curricular do curso.
O currículo foi planejado visando a integrar aspectos fundamentais para
a formação de especialistas na área da Psicopedagogia, disciplinas consideradas
imprescindíveis aliadas às tecnologias que proliferam hoje na sociedade. O ob-
jetivo era que estes profissionais, ao final do curso, tivessem desenvolvido com-
petências para realizar o trabalho de psicopedagogos, utilizando as TICs como
recursos. No percurso do curso, observou-se que outra estrutura curricular
poderia cumprir melhor este objetivo e alterou-se a ordem das disciplinas, vi-
sando a acompanhar os interesses que os alunos demonstravam.
Como refere Macedo (1994), ao abordar a formação de professores numa
proposta construtivista, é necessário considerá-la em quatro pontos, que ele
julga essenciais na prática docente: (1) o professor deve tomar consciência da-
quilo que faz ou pensa a respeito de sua prática pedagógica; (2) o professor deve
ter uma visão crítica das atividades e procedimentos na sala de aula e, também,
dos valores culturais de sua função docente; (3) ele deve adotar uma postura
de pesquisador e não de mero transmissor; e (4) ele deve ter conhecimento
suficiente acerca dos conteúdos escolares e das características de aprendizagem
de seus alunos.
Da mesma forma, destaca-se que esta leitura e este entendimento dos in-
teresses dos alunos são respaldados na teoria piagetiana, que parte do princípio
de que o interesse é o motor da aprendizagem. Piaget e Inhelder referem que
a afetividade constitui a energética das condutas e de que não há conduta, por
mais intelectual que seja, que não comporte fatores afetivos e, reciprocamente,
não há estados afetivos sem a intervenção da estrutura cognitiva. Assim, con-
cluem: “os dois aspectos afetivo e cognitivo são, ao mesmo tempo, inseparáveis
e irredutíveis” (PIAGET e INHELDER, 1994, p. 133).
A alteração curricular foi realizada com finalidades específicas e se manteve
aberta ao longo do curso, para que, caso se fizesse necessário, ela pudesse ser
novamente alterada. Assim, considera-se que essa flexibilidade, aberta às de-
22 mandas que se apresentavam, pode ser um plus para a qualificação profissional
......
de especialistas.
A flexibilidade da estrutura curricular que se pretende, coerentemente
com as propostas construtivistas e com as demandas sociais emergentes, visa a
contribuir para a criação de “novos currículos” – currículos multidirecionais,
currículos interdisciplinares, webcurrículos – que sustentem a complexidade da
sociedade do conhecimento nos processos de ensino e de aprendizagem.
O uso das TICs na educação requer também sua integração na estrutura
curricular, o que deu origem ao termo webcurrículo. Este, de acordo com Almeida
e Silva,

[...] toma como elemento fundante para esta construção o conceito de currículo
enquanto uma construção social que se desenvolve na ação, em determinado
tempo, lugar e contexto, com o uso de instrumentos culturais presentes nas
práticas sociais. (ALMEIDA e SILVA, 2011, p. 08).

Segundo as autoras, “os registros dos processos e produções desenvol-


vidos pelos sujeitos do ato educativo permitem identificar o currículo real
(ALMEIDA, 2010), que decorre da recriação do currículo na ação” (ALMEIDA
e SILVA, 2011, p. 08).
Dessa forma, aponta-se para a necessidade de realização de novas pes-
quisas que englobem as mudanças que se detectam nos caminhos de cursos
que, principalmente, se utilizam de tecnologias, investigando-se as alterações
que elas acarretam nos processos de ensino e de aprendizagem. Libertar-se de
ideias preconcebidas, de pensamentos lineares, é um novo jeito de caminhar
na educação, visualizando-se novos horizontes, conforme o caminhar do
caminhante.
O estudo e a promoção de atividades interativas durante o curso também
tiveram repercussões nas aprendizagens. A oferta de atividades diferenciadas,
como o uso de um “Espaço Integrador” no qual se uniam espaços para dú-
vidas, para socializações, proporcionou um número maior de trocas afetivas e
intelectuais entre os participantes. O projeto do curso tinha um planejamento, 23
......
a priori, pronto. Mas, com o andamento do curso, o projeto foi sendo alterado,
de forma que se procurou priorizar os interesses dos alunos, flexibilizando cur-
rículos e modificando-se atividades em prol do que estava surgindo, criando
novas direções nos processos de ensino e de aprendizagem. Os alunos, ao final
do curso, demonstravam um grau de envolvimento, capacidade de cooperação,
capacidade argumentativa e de autonomia bastante acentuados (CORBELLINI,
2015).
Seguimos as ideias de Piaget (1973), que aborda a interação de duas ma-
neiras – entre sujeito e os objetos e entre o sujeito e outros sujeitos – sendo
indissociáveis uma da outra, pois cada interação entre sujeitos individuais mo-
dificará os sujeitos uns em relação aos outros, demonstrando que uma con-
cepção epistemológica construtivista por parte dos integrantes possibilita novas
formas de aprender. Assim, insere-se o conceito de interatividade como um dos
alicerces para a educação na modalidade a distância e busca-se, coerentemente
com a teoria piagetiana, trabalhar de acordo com o pressuposto de que o co-
nhecimento ocorre na interação entre sujeito e meio.
Valente (1999) comenta a importância de o educador explicitar e exer-
citar suas concepções educacionais, relativizando-as e modificando-as, com
base na realidade em que atua. Não elimina as diretrizes dos trabalhos peda-
gógicos, mas, sim, aponta para que o educador seja flexível e cumpra com os
objetivos aos quais se propõe. Ou, nas palavras do autor, “[...] é importante que
o educador reinterprete tais diretrizes de modo que o trabalho pedagógico que
realiza seja compatível com as necessidades e expectativas de sua sala de aula”
(VALENTE, 1999, p.12).
A educação, hoje, não se limita mais a um professor detentor de saber
e nem a conteúdos predeterminados. Ela requer flexibilidade nos processos
de ensino e de aprendizagem e também requer que os conhecimentos sejam
construídos a partir de relações alicerçadas em respeito e cooperação. A so-
ciedade demanda profissionais que contemplem com autonomia e cidadania os
novos conhecimentos que surgem a cada instante, capazes de construir novas
24 perguntas e novas respostas aos desafios atuais. A formação desses profissionais
......
precisa estar pautada em novos valores que possam ajudar a responder aos
novos anseios.

A Educação a Distância possibilita, pelos seus recursos, novas formas de co-


municação, o convívio com as diversidades; o acesso aos diversos saberes; o
acolhimento aos diferentes estilos de aprender; a cooperação; entre outros.
Cumpre ao educador organizar esse processo do aprender, de maneira que
possamos desenvolver as competências necessárias para a efetiva formação de
cidadãos capazes de contribuir para a sociedade. (CORBELLINI, 2012, p. 10)

A reflexão que deixamos em aberto é a seguinte: a multiplicidade de


olhares permite diversos caminhos, e não existe um único a ser trilhado.
Permitir que cada aluno trilhe o seu caminho, nas suas mais diversas possibili-
dades, é um desafio da educação contemporânea. E fica o entendimento de que
não podemos manter o gesso, a rigidez, quando falamos de aprendizagens, pois
toda a aprendizagem é fruto de uma construção e requer “tempos e espaços”.

REFERÊNCIAS

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YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre:


Bookman, 2010.
O que é psicopedagogia: uma breve 27
......

revisão bibliográfica

Tania Beatriz Iwaszko Marques1


Jaqueline Santos Picetti2

INTRODUÇÃO

Este texto consiste em uma breve revisão bibliográfica a respeito da psico-


pedagogia. Centra-se numa tentativa de definição de seu papel, de seus funda-
mentos teóricos e de sua área de atuação. Além disso, busca-se delimitar suas
especificidades e formas de atuação em contraste com áreas afins.
Este trabalho está vinculado a dúvidas levantadas por cursistas de um curso
de especialização em psicopedagogia que diziam respeito à definição da área. O
objetivo é auxiliar na identificação e na depuração de alguns aspectos básicos
relacionados às definições e às especificidades do trabalho psicopedagógico.

DEFINIÇÕES

Psicologia, para o dicionário Aurélio (1986), é “a ciência dos fenômenos


psíquicos e do comportamento”, e psicologia experimental é “o ramo da psico-
logia que submete à experimentação científica os fatos conhecidos pela obser-
vação a fim de verificá-los e deles extrair as leis gerais”. Pedagogia, no mesmo

1 Professora de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação da UFRGS. Doutora em Educação. E-mail: tania-
bimarques@bol.com.br.
2 Professora da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. Doutora em Educação. E-mail: jaquelinepicetti@gmail.
com.
28 dicionário, significa “teoria e ciência da educação e do ensino”. Psicopedagogia
......
é definida, na mesma obra, como sendo a “aplicação da psicologia experimental
à pedagogia”.
Ao direcionar a busca dessas definições para o campo teórico, encontram-se
as palavras da psicopedagoga Leda Barone (1987), que afirma que o problema
específico da psicopedagogia diz respeito à “existência de pessoas normalmente
desenvolvidas que não aprendem, embora colocadas numa situação normal de
escolaridade” (BARONE, 1987, p. 17).
A ideia acima é complementada pela de outra psicopedagoga, Edith Ru-
binstein (1987), que diz que o objetivo da psicopedagogia é “compreender
o indivíduo enquanto aprendiz. Como alguém cheio de dúvidas, fazendo es-
colhas e tomando decisões a cada passo do longo caminho percorrido em vida”
(RUBINSTEIN, 1987, p. 15).
A psicopedagogia pode ser definida como uma área de estudo sobre o
processo de aprendizagem, assim como suas dificuldades, a partir de uma ação
profissional que engloba, integra e sintetiza vários campos de conhecimento
(SCOZ, 1992). Trata-se de uma área que visa a relacionar a ciência pedagógica,
psicológica, fonoaudiológica, neuropsicológica, psicolinguística, entre outras,
na busca de uma compreensão integradora da aprendizagem (KIGUEL, 1987).
Assim, a partir dessas definições, pode-se reiterar a ideia de que a psico-
pedagogia é uma área de conhecimento que busca compreender e atuar sobre
os processos de aprendizagem, bem como sobre o que os dificulta, a partir da
relação de diferentes campos teóricos.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PSICOPEDAGOGIA

A psicopedagogia constitui-se numa área de conhecimento. Apresenta


fundamentos teóricos e técnicos que servem de suporte, tanto na formação
quanto na prática profissional do psicopedagogo:
A Psicologia do desenvolvimento nos aspectos cognitivo e afetivo, o desenvolvi- 29
......
mento da aquisição da linguagem, a lingüística aplicada, técnicas e metodologias
da reeducação da leitura e escrita e, fundamentalmente, o conhecimento do
processo de aprendizagem, bem como das inúmeras variáveis que nele interferem
(RUBINSTEIN, 1987, p.14).

Além das áreas citadas acima, Barone (1987) inclui outras quando rela-
ciona áreas importantes para a psicopedagogia: “filosofia, sociologia, psicologia,
ciências médicas e [...] psicolinguística. [...]. Contribuem, também, para a ação
do educador, as descobertas no campo das ciências biológicas, principalmente
da neurologia” (p. 18).
A maioria dos profissionais que desenvolve o trabalho psicopedagógico,
tanto preventivo quanto curativo, provém das áreas da psicologia, da pedagogia
e da fonoaudiologia. Essa formação, em nível de graduação, é complementada
na realização de cursos de especialização lato sensu em psicopedagogia. Esses
cursos geralmente têm seu enfoque na aprendizagem, estudando-a sob seus
aspectos evolutivos normais e patológicos, a partir de fundamentos neuroló-
gicos, psicológicos e cognitivos e relacionando-os à influência do meio como a
família, a escola e a sociedade (KIGUEL, 1987).
Bossa (1996a), ao introduzir o livro Avaliação psicopedagógica da criança
de zero a seis anos, salienta a importância da relação entre a Psicanálise e a
Epistemologia Genética na fundamentação teórica da psicopedagogia e lembra
que essa “articulação [...] fica evidente quando se trata de observar os problemas
de aprendizagem, pilar da teoria psicopedagógica”. E complementa essa ideia,
afirmando que “a clínica tem se constituído em eficiente laboratório da teoria”
(p. 8). Bossa (1996a) também frisa a importância, para o desenvolvimento do
trabalho psicopedagógico, do conhecimento do “conjunto de leis que regem
o processo de construção do conhecimento em geral, bem como os inerentes
à construção de cada área do conhecimento em particular” (p. 9). A autora
afirma que é só esse conhecimento aprofundado dos processos normais de
construção do conhecimento que permite que se possa distinguir um processo
normal daquele que é considerado sintomático. Complementa-se com a ideia
30 de que esse conhecimento também possibilita a construção de um trabalho
......
psicopedagógico que busca a superação das dificuldades de aprendizagem.

ÁREAS DE ATUAÇÃO E DELIMITAÇÃO DE ESPAÇOS

Podem destacar-se duas formas básicas de trabalho psicopedagógico:


a primeira é o atendimento clínico, que tem como objetivo a recuperação,
a outra é a institucional, que tem como objetivo principal a prevenção.
Atualmente há um grande interesse no trabalho preventivo, situação que não
é exclusiva da área psicopedagógica. Ao contrário, é uma tendência em várias
áreas. Acredita-se que dessa forma muitos problemas podem ser evitados.
Nesse sentido, há o exemplo da Associação Estadual de Psicopedagogos de
São Paulo que vem “promovendo atividades para professores, onde são abor-
dadas questões sobre: como o indivíduo aprende a ler, por exemplo, ou quando
são convidados os pais para participar do debate ‘A alfabetização, a família e a
escola’ ” (RUBINSTEIN, 1987, p. 15).
Barone (1987) cita a psicopedagoga francesa Janine Mery que lista as
seguintes especificidades do trabalho psicopedagógico: em primeiro lugar, o
problema de aprendizagem não é entendido de forma isolada, mas, ao con-
trário, “é considerado como manifestação de uma perturbação que envolve a
totalidade da personalidade”; em segundo, o problema de aprendizagem não é
considerado como uma “entidade fixa”, mas em “uma perspectiva dinâmica”;
também considera que, para o desenvolvimento da relação educativa, é preciso
que se estabeleça uma “verdadeira relação transferencial e contratransferencial”
entre a criança e o psicopedagogo; concluindo, diz que “a tarefa do psicope-
dagogo é levar a criança a reintegrar-se à vida normal, segundo suas possibili-
dades e interesses” (BARONE, 1987, p. 17).
Nunes (1987) contribui para a delimitação do papel do psicopedagogo no
livro A atividade da orientação educacional em uma dimensão psicopedagógica:
O orientador educacional não é um psicopedagogo. Porém, suas atividades 31
......
estão na área da Psicopedagogia. Isto porque ele está preocupado com o aluno
e com o seu autoconceito que, na escola, está estreitamente vinculado ao êxito
ou fracasso na aprendizagem. Na verdade, é o profissional que age institucional-
mente com uma função psicopedagógica específica, definida pela Lei n 5692/71.
(NUNES, 1987, p. 283)

Uma boa delimitação da atuação do psicopedagogo pode ser encontrada


no livro Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem, de autoria da psico-
pedagoga argentina Sara Paín (1985). Num capítulo dedicado às relações entre
aprendizagem e educação, ela se propõe, entre outras coisas, a

[...] delimitar o terreno de competência do psicólogo dedicado à aprendizagem e


o terreno do especialista em ciências da educação, que atende às perturbações na
aquisição dos processos cognitivos. Este último se preocupa principalmente em
construir situações de ensino que possibilitem a aprendizagem, incrementando
os meios, as técnicas e as instruções adequadas para favorecer a correção da
dificuldade que o educando apresenta. Diferentemente, o psicólogo se interessa
pelos fatores que determinam o não-aprender no sujeito e pela significação que
a atividade cognitiva tem para ele; desta forma a intervenção psicopedagógica
volta-se para a descoberta da articulação que justifica o sintoma e também para
a construção das condições para que o sujeito possa situar-se num lugar tal que
o comportamento patológico se torne dispensável (PAÍN, 1985, p. 13).

Observa-se que, enquanto a autora se esforça por diferenciar a atuação do


psicopedagogo da do pedagogo, ao mesmo tempo, em algumas passagens, ela
não diferencia o psicopedagogo do psicólogo.
Com relação às especificidades do trabalho do psicopedagogo, Macedo
(1992) compara abordagens que estão intimamente relacionadas, porém dife-
renciadas por detalhes, não apenas técnicos, mas por uma leitura diferenciada
do problema de aprendizagem. O autor diz que

[…] toda vez que um profissional da pedagogia realiza esta ação levando em
conta aspectos psicológicos nela envolvidos, comporta-se como um psicopeda-
32 gogo. Por outro lado, toda vez que um profissional da psicologia realiza esta ação
......
levando em conta aspectos pedagógicos, comporta-se como um psicopedagogo
(MACEDO, 1982, p. VIII).

As palavras de Borges (1992, p.28-9) podem resumir essa questão da de-


limitação de espaços de trabalho do psicopedagogo com relação a outras áreas,
quando afirma que essa é “uma área do conhecimento que ainda se constrói,
que necessita de diferentes informações” de várias áreas, “mas caminha cada
vez mais para delimitar o seu objeto de trabalho”.

ATUAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO

Uma bela exposição do trabalho do psicopedagogo, nos níveis curativo


e preventivo, oferece-nos Kiguel (1987, p.26). Segundo a autora, entre as
funções relativas ao trabalho preventivo, encontra-se a atuação em

[…] escolas e em cursos de formação de professores, esclarecendo sobre o


processo evolutivo das áreas ligadas à aprendizagem escolar (perceptiva motora,
de linguagem, cognitiva, emocional), auxiliando na organização de condições de
aprendizagem de forma integrada e de acordo com as capacidades dos alunos
(KIGUEL, 1987, p. 26).

Ainda falando sobre o trabalho preventivo com professores, a mesma


autora trata da importância de eles vivenciarem situações que os façam pensar a
respeito de como ocorre a aprendizagem. Ela afirma que, se “o psicopedagogo
considera que é a ação o ponto de partida para a construção do conhecimento
[...], terá que oportunizar situações que envolvam a ativa participação na desco-
berta de como se aprende” (KIGUEL, 1987, p.37).
Tal afirmação é fundamental ao se levar em conta as observações de
Becker (1993, p.337) na pesquisa realizada com professores de todos os níveis
do ensino, por meio da qual constata que grande parcela dos professores entre-
vistados se surpreende quando se deparam com as seguintes questões: “Como
se dá o conhecimento? O que é para você o conhecimento? Como se passa de 33
......
um menor conhecimento para um maior conhecimento? ”. Ou seja, muitos pro-
fessores passam toda a vida ensinando sem pensarem no que significa aprender e
como esse processo ocorre.
Sobre o trabalho curativo, pode-se dizer que ele se destina a crianças,
adolescentes e adultos com dificuldades de aprendizagem. Nessas situações, o
diagnóstico necessita ser feito levando-se em conta vários procedimentos, como
a anamnese, a análise dos trabalhos escolares, conversa com os profissionais da
escola e com familiares, observação do desempenho em situação de aprendi-
zagem, realização de atividades e jogos psicopedagógicos, entre outros (KIGUEL,
1987).
A partir dos dados obtidos, pode-se explicitar a forma como o sujeito
aprende, identificando as áreas em que encontra sucesso e aquelas nas quais tem
dificuldades. É somente entendendo as causas das dificuldades e seu significado
para o sujeito, para a família e para a escola, que se pode chegar a um diagnóstico
preciso e organizar uma ação psicopedagógica eficiente (KIGUEL, 1987).
Outra contribuição importante na tentativa de identificar as especifici-
dades da atuação psicopedagógica pode ser encontrada no livro Linguística e
psicopedagogia:

[...] o psicopedagogo atua diretamente junto ao educando que apresenta ‘pro-


lemas’ de aprendizagem, na tentativa de identificar os fatores que interferem no
seu processo de aprendizagem e de ajudá-lo a superar as dificuldades, através de
um acompanhamento ‘remedial’. Essa atuação o define necessariamente como
um mediador entre a instituição social escola e a instituição social família, ambas
preocupadas com os sintomas de ‘fracasso’ da criança (ABAURRE, 1987, p.187).

Falando especificamente sobre o diagnóstico, Weiss (1992) diz que ele


tem como objetivo “identificar os desvios e os obstáculos básicos no modelo de
aprendizagem do sujeito que o impedem de crescer dentro do esperado pelo
meio social” (p. 96). A autora entende esse modelo de aprendizagem como
sendo o
34 [...] conjunto dinâmico que estrutura os conhecimentos que o sujeito já possui,
......
os estilos usados nessa aprendizagem, o ritmo e as áreas de expressão da conduta,
a mobilidade e o funcionamento cognitivos, os hábitos adquiridos, as motivações
presentes, as ansiedades, defesas e conflitos em relação ao aprender, as relações
vinculares com o conhecimento em geral, e com os objetos de conhecimento
escolar em particular, o significado da aprendizagem escolar para o sujeito, para
sua família e a escola (WEISS, 1992, p.97).

Somente após chegar a esse modelo de aprendizagem é que se tem, segundo


a autora, dados suficientes que nos possibilitam levantar hipóteses sobre as causas
dos problemas de aprendizagem, bem como traçar um plano de orientação e de
tratamento.
Ainda no que diz respeito ao diagnóstico, Weiss (1992) afirma que muitos pa-
cientes não admitem a existência de um momento isolado dedicado ao diagnóstico,
pois ele faz parte do processo terapêutico. Nesses casos, quando se trata de crianças,
ela realiza “sessões do tipo ludodiagnóstico, mas sempre centradas na aprendizagem,
procurando observar concomitantemente aspectos afetivos, cognitivos e pedagógicos”
(p.98). Para realizar tal procedimento, porém, requer-se bastante conhecimento a
respeito do significado do brinquedo para a criança, contando com subsídios teóricos
para a interpretação das brincadeiras realizadas, levando-se em conta uma premissa
básica da psicanálise, segundo a qual através do brinquedo a criança pode elaborar o
que sofre passivamente.
Por outro lado, Rubinstein (1992) salienta a importância da relação do
psicopedagogo com o seu cliente, concluindo que, através dela, pode ajudá-lo
a “resgatar [...] a identificação com o conhecimento e, portanto, com a possi-
bilidade de aprender” (p. 104). Além disso, a autora menciona o fato de que

[...] não basta que haja apenas a identidade com o conhecimento, o aprendiz
necessita também de suas estruturas cognitivas para que através delas possa ter
acesso ao conhecimento. Compete-nos como profissionais da área da apren-
dizagem contribuir para que o aprendiz tenha melhores condições para utilizar
suas estruturas cognitivas (RUBINSTEIN, 1992, p. 105).
Falando sobre a criança dos sete aos onze anos, Bossa (1996b) lembra que 35
......
nessa faixa etária a relação da criança com o adulto é mediada por uma tarefa,
na qual se inclui a participação do adulto “quer seja incluindo-se no jogo, quer
seja interpretando a conduta da criança ao jogar. Assim, um procedimento
muito eficiente na avaliação psicopedagógica” é o jogo (p. 12-3).
Na continuação, Bossa tece comentários interessantes a respeito da
importância do jogo no diagnóstico psicopedagógico, afirmando que, dessa
forma, temos acesso ao mundo interno da criança, constituindo-se o jogo no
equivalente às palavras do adulto. “A observação, bem como a participação na
brincadeira da criança, permite-nos reconhecer a normalidade no processo de
desenvolvimento” (Idem, p.13). Durante o jogo, pode-se identificar a maneira
como o sujeito constrói estratégias para a solução de problemas, suas capaci-
dades de ordenar, seriar, classificar, e, assim, a maneira como compreende e
utiliza as informações que recebe.

CONCLUSÃO

A trajetória da Psicopedagogia pode ser sintetizada a partir da ideia de que,


no seu início, a preocupação centrava-se no como fazer, encontrando-se cursos, na
época, que se dedicavam ao ensino de técnicas. Atualmente, observa-se uma neces-
sidade mais ampla e de aprofundamento das questões teóricas e metodológicas que
fundamentam a prática psicopedagógica em relação a como ocorre o processo de
aprendizagem (RUBINSTEIN, 1987).
Rubinstein (1987) complementa a ideia acima afirmando que,

[...] a partir do momento em que o foco de atenção passa a ser a compreensão


do processo de aprendizagem e a relação que o aprendiz estabelece com ela, o
objeto da psicopedagogia passa a ser mais abrangente: a metodologia é apenas
um aspecto no processo terapêutico. (RUBINSTEIN, 1987, p.103).

A autora lembra que o principal objetivo do psicopedagogo que se dedica


36 à clínica “é a investigação da etiologia da dificuldade de aprendizagem, bem
......
como a compreensão do processamento da aprendizagem considerando todas
as variáveis que intervêm neste processo” (p.103).
Scoz (1992, p.3) segue a mesma argumentação exposta no parágrafo
precedente e não se mostra interessada em “ensinar novas metodologias de
ensino”. A autora acredita que as escolas precisam encontrar trajetórias que
oportunizem aos professores refletir sobre sua ação pedagógica, buscando a
construção de alternativas de mudanças necessárias para o sucesso na aprendi-
zagem; o que torna possível tal trabalho é a confluência de diversas áreas, para
que se possa ter um conhecimento dos sujeitos como um todo. Para tanto, é ne-
cessário um profissional que atue como mediador, integrando e sintetizando as
diferentes áreas de conhecimento, ou seja, necessita-se de um psicopedagogo.
Os questionamentos, as incertezas, as dúvidas e as contribuições apresen-
tadas no sentido de contextualizar a Psicopedagogia podem ser resumidas nas
palavras de Lino de Macedo (1992), ao prefaciar o livro que reúne a coletânea
de textos do IV Encontro de Psicopedagogia, realizado em São Paulo, em julho
de 1990. O autor diz que “psicopedagogia é uma (nova) área de atuação profis-
sional, que tem (ou busca) uma identidade e que requer uma formação de nível
interdisciplinar, como já sugerido no termo psicopedagogia” (p. VIII).
Acredita-se, com base em nossa atuação na área, que as dúvidas apon-
tadas por alunos do curso de Especialização em Psicopedagogia a respeito das
especificidades da Psicopedagogia não são apenas suas, mas também de muitos
profissionais da área. Portanto, não se pretende, de forma alguma, ter abordado
a questão de forma definitiva, mas ter trazido alguns subsídios que possam
contribuir para essa discussão.

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Psicopedagogia e TICs: intervenções 39
......

com alunos com dificuldades de


aprendizagem1

Luciane M. Corte Real2


Silvana Corbellini3

INTRODUÇÃO

A inserção das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na so-


ciedade é um fato incontestável. Crianças, adolescentes e adultos convivem
diariamente com redes sociais, jogos on-line e correio eletrônico. A escola
necessita aproveitar essas tecnologias para implementar a aprendizagem dos
alunos, visto que seus interesses se encontram voltados a essa direção. Uma
área específica da escola é a Psicopedagogia Institucional que propõe recursos
e práticas pedagógicas para alunos com problemas de aprendizagem e com ne-
cessidades educativas especiais.
O presente artigo apresenta um recorte de uma pesquisa realizada a partir
do Curso de Especialização em Psicopedagogia e TICs, da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, iniciada em janeiro de 2014, em escolas de Ensino Fun-
damental. A questão norteadora da pesquisa foi: “Como as TICs podem au-
xiliar no processo ensino-aprendizagem em instituições educativas com alunos

1 Adaptado de: REAL, Luciane M. C.; CORBELLINI, Silvana. Psicopedagogia e TICs: intervenções com alunos com
dificuldades de aprendizagens e Necessidades Educativas Especiais. In: 4° Congreso Internacional Multidisciplinar de
Investigacion Educativa. #CIMIE 2015, Valencia.
2 Professorada Faculdade de Educação da UFRGS. Doutora em Informática na Educação. Coordenadora do Curso de
Especialização em Psicopedagogia e TIC. E-mail: luciane.real@ufrgs.br.
3 Professora do Curso de Psicopedagogia e Tecnologias da Informação e Comunicação na modalidade a distância
(UFRGS). Doutora em Educação. E-mail: silvanacorbellini@gmail.com.
40 com dificuldades de aprendizagem?”.
......
O objetivo foi investigar como as TICs podem ser instrumentos auxi-
liares no processo de ensino-aprendizagem em instituições educativas com
alunos com dificuldades de aprendizagem e necessidades educativas especiais.
Para tal fim, foram estudados seis casos de alunos e/ou turma de alunos que
apresentavam crianças com dificuldades de aprendizagem, as tecnologias que
foram utilizadas e os resultados alcançados. O marco teórico inclui questões
relativas ao campo da Psicopedagogia, aprendizagem e TICs. Os estudos reali-
zados mostraram que o uso das TICs é um recurso valioso para o trabalho nas
escolas, promovendo novas formas de intervenções que favorecem o processo
de ensino-aprendizagem.

MARCO TEÓRICO

A Psicopedagogia considera em seu bojo os aspectos intelectuais, afetivos e


sociais. Parte do entendimento de que, para que a aprendizagem possa ocorrer,
deve participar do processo “um equipamento biológico com disposições afe-
tivas e intelectuais que interferem na forma da relação do sujeito com o meio,
sendo que essas disposições influenciam e são influenciadas pelas condições
socioculturais do sujeito e do seu meio” (BOSSA, 2000, p. 24).
Desta forma, a Psicopedagogia é um campo voltado para a compreensão
dos processos de aprendizagem, nos diversos âmbitos: preventivo, diagnóstico
e tratamento, dentro ou fora do âmbito escolar.
As dificuldades de aprendizagem são consideradas, conforme Paim (1989),
como um sintoma, isto é: “[...] o não aprender não configura um quadro perma-
nente, mas ingressa numa constelação peculiar de comportamentos, nos quais
se destaca como um sinal de descompensação” (p. 28). A autora aponta que a
causa desses sintomas não deriva de um único fator, mas, sim, de vários fatores,
tais como: orgânicos, específicos, ambientais e psicógenos; além de destacar
que a aprendizagem deve ser direcionada para a realização do sujeito, de forma
que o torne independente para aprender e que propicie a autovalorização. 41
......
As TICs, na sociedade atual, são componentes fundamentais em todos os
âmbitos e podem ser exploradas no processo de ensino-aprendizagem. A incor-
poração das TICs no contexto escolar é um elemento que pode ser considerado
como ferramenta, um importante aliado dos profissionais da educação para a
superação de dificuldades de aprendizagem. Por meio delas, o professor pode
atuar como propulsor, auxiliando na inclusão de alunos com necessidades edu-
cativas especiais. Considera-se que a inclusão perpassa ações promovidas para
a igualdade de oportunidades do aprender de acordo com as idiossincrasias de
cada sujeito.
Delval (2013) argumenta que os professores sabem pouco sobre os ca-
minhos do pensamento infantil e salienta que não existe um ponto de partida
zero para ensinar e aprender, pois cada um de nós tem conhecimentos. Assim,
reflete-se que as intervenções psicopedagógicas com as TICs podem potencia-
lizar os caminhos da construção do conhecimento.
A busca de novas formas de um “intervir psicopedagógico” com o uso
das tecnologias tem sido alvo de nossas pesquisas; parte-se do pressuposto de
que se precisa investigar as relações existentes entre desenvolvimento cognitivo,
dificuldades de aprendizagem e o uso das TICs como ferramentas promotoras
para auxiliar nesse processo. Considera-se que o objetivo de uma intervenção
psicopedagógica é contribuir para que o aluno que apresenta dificuldade
de aprendizagem passe a ser um protagonista do seu processo de aprender
(RUBINSTEIN, 1991).
O objetivo da aprendizagem escolar deve ser o aumento da capacidade
do aprender. Becker (2009) afirma que aprender significa aumentar a nossa
capacidade de transformar o mundo e, assim, transformar a nós mesmos. Ao
docente compete desafiar o aluno de forma que esse produza conhecimento.
Observa-se o uso contínuo das TICs pelos alunos no âmbito extraescolar.
É algo que compõe suas vidas. Dificilmente encontra-se, hoje, um aluno que
não tenha acesso às tecnologias na sua vida social, enquanto na sua vida es-
42 colar, o acesso ainda é limitado. As instituições escolares encontram-se de-
......
fasadas, pois não dispõem de tecnologias e de docentes capacitados para esse
tipo de atuação. Este fator é apontado, por exemplo, por Demo (2012): “Não
nos demos conta de que para o aluno aprender com computador e internet,
precisa, antes, que seu professor saiba resolver essa charada” (p. 14).
Ferreiro (2013) refere contribuições que os recursos tecnológicos podem
trazer à educação dos dias de hoje, tais como a acessibilidade a maior diver-
sidade de textos e maior autonomia dos alunos, e reforça que os professores e
os livros didáticos não são a única fonte de informação. Destaca, ainda, a ne-
cessidade de que o professor continue efetuando um planejamento cuidadoso
e que faça intervenções adequadas.
Assim, é importante que se permaneça atento ao fato de que a presença
da tecnologia por si só não garante o aprender. Não é suficiente a existência de
computadores, tablets ou lousas digitais nas salas de aula para que o aprender
aconteça. O uso das tecnologias requer estudos minuciosos de suas possibili-
dades e um saber para que se possa utilizá-las de forma didática, de maneira
que atuem como colaboradoras no processo de ensino-aprendizagem. Os
jogos, de forma geral, por exemplo, têm sido incluídos nas atividades esco-
lares e podem ser aliados importantes, quando bem explorados, para promover
aprendizagens.
Para Piaget (1978), “os jogos infantis constituem admiráveis instituições
sociais e servem para interagir e conhecer o mundo” (p. 23). É imprescindível
utilizá-los de forma responsável, não sendo recomendado seu uso apenas como
joguinhos livres e agradáveis para passar o tempo. Um jogo para ser educativo
precisa ter muito claro qual será sua finalidade e “isso implica ser capaz de
refletir sobre a aprendizagem a partir de dois polos: a promoção do ensino ou a
construção do conhecimento pelo aluno” (VALENTE, 1999, p.19).
ESTRATÉGIA METODOLÓGICA 43
......

No processo de construção de conhecimentos, o método é fundamental, pois


se constitui num conjunto de técnicas que permitem compreender o objeto de
estudo. A escolha de um método depende do objeto e do tipo de questões da pes-
quisa (JACQUES, 1993). Assim, para atender à complexidade do objeto de estudo,
aos objetivos e às questões que norteiam esta pesquisa, optou-se por um método
qualitativo de coleta e análise de dados. A metodologia que apoiou o percurso deste
trabalho foi a Pesquisa Qualitativa com ênfase no Estudo de Caso (YIN, 2010).
Os participantes da pesquisa são crianças atendidas por cinquenta (50) alunos
do Curso de Especialização em Psicopedagogia e TICs da UFRGS. Para este artigo,
foi realizado um recorte: foram selecionados seis casos de alunos de escolas públicas e
particulares do Rio Grande do Sul que apresentavam dificuldades de aprendizagem.

PRÁTICAS EFETUADAS

Seguem alguns casos que serviram para sustentar a ideia da aliança da tec-
nologia com a Psicopedagogia.
1 – Caso de aluno com dificuldades de aprendizagem, com traços de trans-
torno obsessivo compulsivo, avaliado com inteligência limítrofe e diagnóstico de
hiperatividade, funcionando aquém de seus potenciais. Foi realizado um plane-
jamento de intervenções psicopedagógicas no qual incluíram-se jogos e quebra-
-cabeças digitais, operados a partir de um olhar diferenciado da psicopedagogia.
2 – Caso de uma aluna de 3° ano de ensino fundamental no qual utili-
zaram-se jogos e as TICs para superação de dificuldades matemáticas. A criança
apresentava dificuldades na composição das quantidades e na realização das
quatro operações básicas; também apresentava resistência aos registros escritos
para representar a maneira como realizava as atividades matemáticas.
3 – Caso no qual a intervenção psicopedagógica com as TICs foi o ins-
trumento principal utilizado com um aluno do 4º ano do ensino fundamental
44 de uma escola pública de Porto Alegre/RS. O aluno apresentava queixa de difi-
......
culdades de aprendizagem na leitura e na escrita. Tais dificuldades foram sendo
superadas com o uso de jogos de palavras e história em quadrinhos.
4 – Investigação das possibilidades de diálogo do Laboratório de
Aprendizagens com práticas de Psicopedagogia no âmbito escolar teve por
objetivo integrar e socializar crianças que apresentam dificuldades de apren-
dizagem. Considerou-se que o Laboratório deve ser um espaço no qual o psi-
copedagogo pode criar estratégias adequadas para as aprendizagens, utilizando
as TICs como ferramentas.
5 – Estudo realizado sobre um trabalho desenvolvido a partir de um livro
base, com uma turma de 3° ano do ensino fundamental de uma escola municipal
de Porto Alegre, que teve como objetivo investigar a escrita dos alunos na sala
de aula e no laboratório de informática. Tal estudo mostrou que as atividades
oportunizadas permitiram evoluções no que se refere aos níveis de escrita e o
desenvolvimento da leitura em muitas práticas de letramento.
6 – Uma pesquisa sobre aprendizagens colaborativas no uso de portfólios
virtuais na iniciação à docência representou uma experiência na qual os registros
dos docentes em formação passaram a ser efetuados em portfólios digitais. Essa
pesquisa apontou para a dificuldade que a literatura acusa: falta de formação dos
docentes no que tange ao uso das TICs. Além disso, trouxe resultados anima-
dores, mostrando o quanto o uso das tecnologias no universo da formação pode
contribuir para a qualificação que os tempos atuais têm requerido dos docentes.

RESULTADOS E/OU CONCLUSÕES

Frente às diversas práticas que foram investigadas e aqui apresentadas, pode-se


considerar que as Tecnologias da Informação e Comunicação no âmbito escolar,
através do olhar do psicopedagogo, podem ser instrumentos frutíferos a serem ex-
plorados no trabalho com alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem.
As práticas relatadas demonstraram que a inserção das TICs despertou
nos alunos o prazer do lúdico implementado a partir das intervenções psicope- 45
......
dagógicas com as TICs, promovendo, desta forma, superações de dificuldades
de aprendizagem, as quais fomentaram o desejo do aprender, a curiosidade e a
autonomia.
A diversidade de sujeitos requer um amplo leque de opções para dar conta
das diferentes formas de aprender. A inclusão, desta forma, fornece espaços
profícuos para socialização, afetos e aprendizagens, atentando-se para que as
oportunidades sejam equivalentes, propiciando formas de aprender, conforme
as possibilidades e limites de cada aluno. Nesse sentido, o uso das TICs mostrou
ser um recurso valioso tanto quantitativa quanto qualitativamente. Podendo-se,
por seu intermédio, a partir de planejamentos diversos, contemplar as singula-
ridades de cada sujeito.
Os estudos que foram realizados mostraram que o uso das TICs é um
recurso valioso para os trabalhos nas escolas, promovendo novas formas de in-
tervenções que favorecem o processo de ensino-aprendizagem. Nessas práticas,
detectou-se que seu uso no âmbito escolar contribui com a aprendizagem tanto
dos docentes quanto dos discentes.

CONTRIBUIÇÕES

O ponto forte deste trabalho foi a comprovação da eficácia do uso das di-
versas tecnologias como ferramentas auxiliares no processo de ensino-aprendi-
zagem dos alunos com dificuldades de aprendizagem. Constatou-se que é neces-
sário um planejamento específico para cada aluno, respeitando as singularidades,
visando à superação de suas diferentes dificuldades cognitivas e afetivas. A pes-
quisa verificou que os atendimentos realizados com os alunos contribuíram para
o processo de inclusão em suas respectivas turmas do ensino regular.
Um ponto importante que se destaca diz respeito à necessidade de fle-
xibilização dos recursos educacionais, das ferramentas tecnológicas, dos pla-
nejamentos do processo de ensino-aprendizagem, procurando contemplar a
46 diversidade existente na escola. A formação dos profissionais que atuam na
......
educação requer coerência com a sociedade atual, necessitando uma formação
ampla, na qual se incluem os recursos tecnológicos, visando à sua utilização em
prol de um trabalho inclusivo no âmbito escolar.
Ao explorar as múltiplas possibilidades de uso das TICs no contexto da
educação, mostra-se um campo profícuo para investigações em prol da sua
qualidade. Os objetivos da investigação alcançados podem ajudar os professores
e a equipe pedagógica das escolas a desafiarem a aprendizagem de seus alunos.

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YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre:


Bookman, 2010.
Investigações em psicopedagogia e 49
......

tecnologias na UFRGS

Luciane Magalhães Corte Real1

A escola é o espaço em que a aprendizagem é mais problematizada, pois


é ali que os problemas do aprender ou não-aprender são mais visíveis. Nossas
considerações, assim, partem da problematização dessa aprendizagem em uma
perspectiva piagetiana. Prosseguem com um histórico sobre o início de nossa
preocupação com o não-aprender escolar e com projetos que envolvem tecno-
logia e aprendizagem a partir do Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC) da
UFRGS. E finalizam com os objetivos que estão na gênese da criação do Curso
de Especialização em Psicopedagogia e TICs na modalidade a distância.
Na tentativa de “ensinar”, a escola “subverte” (inverte) uma questão im-
portante: o “aprender”. Não é novidade que não se ensina nada a ninguém e
que a aprendizagem é parte do próprio sujeito, ou seja, que é uma construção
interna que necessita de uma atividade sobre o objeto de conhecimento. A
interação com esse objeto vai depender do estádio de desenvolvimento de cada
sujeito. Um bebê age sobre uma caneta diferentemente de uma criança de 5
anos ou de um adolescente de 15 anos. Qual será a atividade da criança com
a caneta? Colocar na boca, chupar, jogar, bater. Talvez a criança de 5 anos, se
já tiver tido experiência com canetas, utilize-a para rabiscar um desenho. Já o
adolescente pode utilizá-la para escrever algo em seu diário.
Piaget (1973), no livro Para onde vai a educação?, publicado em 1ª. Edição
em 1948, já questiona os métodos educacionais baseados apenas na memori-
zação, no condicionamento, no ensino programado (máquina de ensinar de

1 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS. Doutora em Informática na Educação. Coordenadora do Curso de


Especialização em Psicopedagogia e TIC. E-mail: luciane.real@ufrgs.br.
50 Skinner) ou no uso de imagens sem uma proposta que coloque o aluno em
......
uma posição ativa frente ao conhecimento. E refere que a maioria das atividades
baseadas em tais métodos privilegiam o figurativo em detrimento do operativo.
A preocupação que Piaget externou em 1948 segue a mesma em 2016.
Mesmo com a tecnologia disponível para professores e alunos, muitas das
propostas seguem a linha skinneriana da aprendizagem como acúmulo de in-
formações, da importância em “passar” todo o conteúdo, da memorização.
Observam-se jogos de repetição no computador para memorizar letrinhas, de-
corar regras, etc.
Na UFRGS, em 1979, surge o Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC),
um centro de pesquisas que investiga os processos cognitivos dos estudantes em
situações de aprendizagem em interação com o computador e as dificuldades
dos alunos no processo de construção de conhecimento. O referencial teórico
utilizado é a Epistemologia Genética de Jean Piaget.
O LEC foi fundado e coordenado pela professora Dra. Lea da Cruz
Fagundes. Em torno de 1989, formou-se um grupo de pesquisadores interes-
sados em refletir sobre a aprendizagem e a não-aprendizagem dos estudantes.
Naquela época, o LEC pesquisava a informática a partir da Linguagem LOGO
de programação, que possibilitava a interação entre sujeito e computador, de
forma ativa, já que a linguagem exigia programação.
Nas investigações realizadas, observou-se que os alunos apresentavam
grande motivação para a interação. Por um lado, por poderem “trabalhar” em
um computador e, por outro, por estarem em uma posição ativa na qual a
proposta os desequilibrava, exigindo-lhes uma nova adaptação, no sentido de
assimilação e acomodação ao objeto de conhecimento.
Naquela época, o grupo de pesquisadores, coordenado pelos profes-
sores Lea da Cruz Fagundes e Luiz Caon, e formado pelos mestrandos Cleci
Maraschin, Rosane Aragon, Carlos Kessler e Luciane Corte Real, questionava
o que fazia com que os alunos, muitas vezes encaminhados pela comunidade,
se desenvolvessem e aprendessem em interação com a linguagem LOGO, visto
que eram ou alunos que apresentavam dificuldades de aprendizagem na escola, 51
......
ou com paralisia cerebral, ou com diagnóstico de deficiência mental. O debate
acerca dessa questão trouxe, além de um estudo aprofundado de alguns pontos
da teoria piagetiana, também um estudo da Psicanálise. Os estudos de Piaget
faziam pensar na adaptação da criança à linguagem LOGO, no processo de
desenvolvimento em tal interação, e a Psicanálise desafiava-nos a pensar sobre
as questões transferenciais presentes no atendimento.
Em uma sala de aula na qual o atendimento era individual, organizou-se
um laboratório de estudos. Na sala, havia um computador com a linguagem
LOGO, além de brinquedos, lápis, canetas, folhas de papel para desenho, etc.
A criança/adolescente poderia escolher o que fazer. O atendimento era de uma
hora, normalmente uma ou duas vezes por semana. Alguns trabalhos deram
suporte ao debate, e outros surgiram a partir dele.
Em 1986, Maraschin estudou os processos cognitivos envolvidos na ati-
vidade de crianças de 4 a 6 anos com a linguagem Logo de programação. O
estudo ocorreu diretamente na escola e tratou da construção da escrita dessas
crianças na interação com o computador.
Na mesma linha, Nevado, em 1989, estudou as abstrações na construção
da língua escrita e do espaço métrico na interação com o computador, durante
o processo de alfabetização. A pesquisadora aplicou aos alunos de uma escola
pública provas de competência cognitiva antes e no final do estudo, e concluiu
que a interação foi favorável às mudanças de níveis relativas à competência
cognitiva nos alunos que interagiram com a Linguagem LOGO. Concluiu ainda
que a interação das crianças com o microcomputador permite a manipulação
da representação do conhecimento, favorecendo as trocas simbólicas e levando
os sujeitos a refletirem sobre sua produção, conduzindo da abstração pseu-
doempírica à abstração reflexiva.
O grupo avançou na discussão e refletiu sobre a seguinte pergunta: Por
que não aprendem certas crianças?. Kessler (1991) abordou tal questão na
dissertação de mestrado, pensando nas questões cognitivas e afetivas que es-
52 tavam presentes na sua interação com a linguagem LOGO de programação. No
......
estudo, pode-se verificar que o computador ofereceu possibilidades e recursos
específicos para a expressão dos alunos que, combinados com a necessidade do
raciocínio para sua utilização, permitiram aos sujeitos a superação das situações
afetivas que interferiam no seu desenvolvimento.
Em razão do encaminhamento de crianças da comunidade com diagnóstico
de deficiência mental e outras com paralisia cerebral, Real (1992) e Costa (1992)
dedicaram-se a esses estudos. Real (1992), em sua dissertação de mestrado, in-
vestigou o diagnóstico do desenvolvimento do raciocínio em crianças portadoras
de deficiência mental em interação com o computador (linguagem LOGO). Foi
realizado um estudo longitudinal com alunos diagnosticados com deficiência
mental leve e que, naquela época, frequentavam a classe especial. Os alunos in-
teragiram com o computador três vezes por semana, durante seis meses, e eram
desafiados a partir do método clínico piagetiano. Foram levantadas algumas ca-
tegorias de análise (após a interação) para possibilitar o acompanhamento do
desenvolvimento dos alunos, a saber: conhecimento prático, representação do
número, representação do espaço, escrita da linguagem artificial, estruturação
lógica em linguagem de programação, escrita da língua natural e verbalizações.
Dessa maneira, foi possível acompanhar o desenvolvimento do raciocínio dos
alunos e suas oscilações devido a interferências de perturbações afetivas, coinci-
dindo com as análises de Inhelder (1971), que observou, em suas investigações
com deficientes mentais, oscilações de pensamento como uma tentativa de assi-
milação sem acomodação.
Em 1992, Costa pesquisa as possibilidades de alunos com paralisia ce-
rebral interagirem com o computador no Centro de Reabilitação de Porto
Alegre (CEREPAL) e demonstra que a interação com a linguagem LOGO lhes
possibilitou desenvolvimento.
Na continuidade das investigações na escola, mas já com as possiblidades
da internet, Real (2007) parte de uma experiência de intervenção, realizada
em uma Escola Municipal de Porto Alegre, construída na interface da meto-
dologia de Projetos de Aprendizagem (PAs) e Tecnologias Digitais, e propõe o
conceito da Aprendizagem Amorosa que nasce na confluência do conversar com 53
......
a Biologia do Conhecer de Humberto Maturana, com a Epistemologia Genética
de Jean Piaget e com o pensamento de outramento de Michel Serres. Os PAs
e as Tecnologias Digitais são a matriz da construção da rede de conversações da
experiência vivida e analisada. As conclusões apontaram para a importância do
emocionar presente na rede de conversação para a constituição de um domínio
cooperativo para que exista uma aceitação da legitimidade do outro que se
operacionaliza em um processo de descentração cognitiva e afetiva. Fundar um
domínio de ações de cooperação pode fundar um emocionar que considera a
legitimidade do outro na ação.
Em 2006, inicia o Curso de Graduação em Pedagogia – Licenciatura, mo-
dalidade a distância (PEAD) para formação, predominantemente a distância, de
professores em exercício na rede pública de ensino do Estado do Rio Grande
do Sul. O Curso foi implementado em cinco polos: Alvorada, Gravataí, São
Leopoldo, Sapiranga, Três Cachoeiras. A partir das apresentações dos Trabalhos
de Conclusão de Curso (TCC), verificou-se que os desafios das alunas-profes-
soras do curso com suas turmas em sala de aula possibilitaram aprendizagem
de diversos conteúdos e principalmente com alunos que apresentavam dificul-
dades de aprendizagem.
Nessa linha, surgiu o Curso de Especialização em Psicopedagogia e Tec-
nologias da Informação e Comunicação (TICs) para desafiar as aprendizagens
a partir das TICs. O primeiro curso, iniciado em 2013, foi coordenado pelas
professoras Luciane M. Corte Real e Tania Beatriz I. Marques. O objetivo do
curso foi oferecer aos profissionais relacionados com a área da educação a pos-
sibilidade de construção de competências para o desenvolvimento de um tra-
balho psicopedagógico, que usou tecnologias digitais como recurso, com ênfase
no ambiente escolar.
Os TCCs do curso em questão foram apresentados publicamente. Esses
trabalhos foram redigidos em forma de artigo, sendo que seu principal objetivo
foi a intervenção, em nível institucional, que envolvesse a Psicopedagogia e as
TICs. Vários campos de pesquisa foram abertos pelas alunas em suas escolas:
54 jogos como potencializadores da aprendizagem (REAL et al., 2015), jogos para
......
desenvolvimento de diversas capacidades, utilização de jogos com alunos com
dificuldades de aprendizagem, propostas envolvendo vídeos, imagens, inter-
venções individuais e em grupos, entre outras.
Na continuidade, foi oferecida uma segunda turma do Curso de
Especialização em Psicopedagogia e TICs, em parceria com a Universidade
Aberta do Brasil (UAB), com a finalidade de propiciar aperfeiçoamento a pro-
fessoras do ensino público para trabalhar aprendizagens ou alunos com pro-
blemas de aprendizagem em seus locais de trabalho. O Curso foi oferecido em
cinco polos dentro do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, Sapiranga, Santa Maria,
Três Passos e São Francisco de Paula, e contou com um total de 160 alunos.
O curso iniciou em novembro de 2014 e foi encerrado em abril de 2016.
Atualmente, encontra-se na fase de apresentação de TCCs, os quais já apontam
para intervenções criativas a partir da especificidade de cada polo, ou seja, da
comunidade em que os alunos estão inseridos.
Neste breve histórico, foi apresentado um pouco da caminhada da
Psicopedagogia e TICs na UFRGS, envolvendo o Instituto de Psicologia e a
Faculdade de Educação. Várias pesquisas estão sendo implementadas a partir
deste trabalho, com o objetivo de intensificar sua divulgação para que a escola
possa se apropriar de uma proposta ativa envolvendo as TICs e seus alunos.

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Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1988.
Trocas intelectuais em curso: o método 57
......

de cooperação

Silvana Corbellini1

INTRODUÇÃO

Diante da amplitude e da importância do tema do uso das tecnologias


na área da educação e afins, surgiu a proposta do Curso de Especialização em
Psicopedagogia e Tecnologias da Informação e Comunicação na modalidade
a distância. Este curso foi realizado na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul e ocorreu no período de 01 de abril de 2013 a 01 de abril de 2015. O
presente estudo foi realizado na primeira edição do curso – um curso pago que
teve como diferencial em relação a outros cursos o número de participantes, 50
alunos, com diversos níveis de formação (graduação, especialização, mestrado
e doutorado). A faixa etária variava entre 22 e 64 anos, a maioria era do gênero
feminino e moradores de Porto Alegre ou cidades vizinhas. Havia uma aluna de
outro Estado. Faziam parte do universo oito docentes, que foram responsáveis
por ministrar as nove disciplinas que constituíram a grade curricular do curso
e por orientar os trabalhos de monografias.
O objetivo do curso era oferecer aos profissionais relacionados com a área
da educação a possibilidade de construção de competências para o desenvol-
vimento de um trabalho psicopedagógico, usando as tecnologias digitais como
recurso, com ênfase no ambiente escolar.
Para abarcar a multiplicidade de fatores que envolvem o processo de um

1 Professora do Curso de Psicopedagogia e Tecnologias da Informação e Comunicação na modalidade a distância


(UFRGS). Doutora em Educação. E-mail: silvanacorbellini@gmail.com.
58 curso de especialização, atenta-se para seus componentes: corpo docente, tu-
......
tores, alunos, escolhas dos conteúdos, uso das tecnologias, design do curso,
interação entre os participantes, práticas pedagógicas, entre outros. A partir de
diversos olhares dos profissionais envolvidos, realizou-se um cuidadoso plane-
jamento de todas as atividades desenvolvidas.
Investigar esses aspectos mostra-se fundamental para o processo de cons-
trução de conhecimento. O estudo das práticas utilizadas no curso e o método
de cooperação são aspectos que podem auxiliar no desenvolvimento de um
curso mais dinâmico, interativo, visando a desenvolver maior autonomia entre
os discentes (CORBELLINI, 2015). De acordo com André (1992), investigar
as práticas de bons professores permite que se desloque o foco de atenção do
fracasso para o sucesso. Aponta a autora que as práticas de sucesso são aquelas
advindas das experiências realizadas pelos docentes e que têm tido efeitos po-
sitivos nos processos de ensino e de aprendizagem. Assim, considera-se que
as práticas propostas pelos docentes são instrumentos profícuos que irão pos-
sibilitar ou não a interação entre os discentes e as suas consequências, como
melhoria da aprendizagem, a autonomia do sujeito, o respeito mútuo, entre
outros. A ocorrência da cooperação é um dos objetivos a que nos propomos
no curso, e o alcance deste objetivo torna a prática bem-sucedida em maior ou
menor grau. O estudo destas práticas permite a abrangência da compreensão
sobre o método de cooperação e, quiçá, a sua aplicabilidade a outros ambientes.
Neste sentido, importa também situar a concepção epistemológica da
qual partimos, pois esta acarreta implicações paradigmáticas que irão possibi-
litar ou não a aplicação do método da cooperação nos processos de ensino e de
aprendizagem. No Empirismo, o docente é visto como aquele que detém todo
o conhecimento e também como aquele que tem o poder de transmiti-lo; no
Apriorismo, o sujeito já possui a priori as possibilidades de adquirir o conhe-
cimento, e o docente precisa “despertá-lo”. Para Piaget, no Construtivismo
o conhecimento é o resultado da interação sujeito-objeto. É através das suas
ações que o sujeito extrai informações sobre seu ambiente, assimilando e aco-
modando as estruturas cognitivas do sujeito (BECKER, 2001).
Hoje, estamos (re)aprendendo a aprender e (re)aprendendo a ensinar, 59
......
principalmente pela integração das tecnologias na sociedade e nos processos de
ensino e de aprendizagem. Com isso, requer-se que docente e discente alterem
seus papéis e considerem outras formas de aprender e de ensinar, em todos
os contextos e permanentemente, ou seja, aprender a aprender. Assim, para
refletir sobre essas questões, apoiamo-nos na teoria de Piaget (1973), que diz
que a aprendizagem cooperativa é a forma de aprender a aprender por meio
de atividades (ações e operações) – interações sejam estas com objetos físicos e
culturais, individuais ou coletivas.
Desta forma, ao refletir sobre a aprendizagem, observa-se que a modifi-
cação, quase que instantânea, dos conhecimentos na sociedade atual exige uma
constante aprendizagem individual e social, e as tecnologias são instrumentos
profícuos para esse processo. As tecnologias, as informações disponibilizadas
em rede e o componente social da internet propiciam novas formas de se ad-
quirir informações e trazem consigo diversas questões, como a validade dos
conhecimentos, as relações entre aprendentes e ensinantes, a construção dos
conhecimentos, entre outras.
Outro ponto que se destaca é o fato de que é necessário aprender a
aproveitar o potencial que a internet propicia, buscando um equilíbrio entre
a rapidez e a quantidade de informações com o tempo de construção do co-
nhecimento. Nesse sentido, o papel do psicopedagogo torna-se também fonte
de reflexão, pois este profissional atua em diversos espaços, incluindo-se os
espaços virtuais, de forma preventiva ou terapêutica, visando a compreender os
processos das aprendizagens, utilizando estratégias para resolução de problemas
(BOSSA, 2000). E, na sociedade do conhecimento, as tecnologias ajudam a
compor este cenário.
A contribuição deste trabalho vem no sentido de apontar para o método
de cooperação, de acordo com a teoria piagetiana, como um caminho que
permite ultrapassar algumas das dificuldades que surgem nas novas demandas
nos processos de ensino e de aprendizagem, como aprender a aprender, maior
interação, mais autonomia, entre outros. Busca-se, assim, compreender os pro-
60 cessos que participaram da ocorrência do método de cooperação neste curso
......
de especialização.

O MÉTODO DE COOPERAÇÃO

O estudo do método da cooperação é realizado a partir da Epistemologia


Genética. Piaget dedicou parte de sua obra ao estudo da cooperação, principal-
mente nos seus Estudos Sociológicos (1973). Para o autor, a cooperação é um
acordo (explícito ou implícito) entre as partes, de uma forma clara e em que
todos ganham, sendo o melhor caminho para o desenvolvimento da autonomia
intelectual e moral. É um tipo de interação em que é necessário que os valores
trocados estejam em equilíbrio, em que não haja opressão, coerção, abuso do
outro. Nas palavras de Piaget:

É onde a cooperação implica um sistema de normas, diferindo da suposta livre


troca cuja liberdade se torna ilusória pela ausência de tais normas. E é porque
a verdadeira cooperação é tão frágil e tão rara no estado social dividido entre os
interesses e as submissões, assim como a razão permanece tão frágil e tão rara
em relação às ilusões subjetivas e ao peso das tradições (PIAGET, 1973, p. 111).

Piaget (1998) traz a cooperação como uma superação das relações hete-
rônomas, mas sem que sejam substituídas totalmente. Além disso, trata a coo-
peração como um assunto, tanto moral como intelectual. Enfatiza o “método
da cooperação” comparando-o a uma atitude científica, a qual requer a des-
centração do ponto de vista do sujeito para conhecer os demais e coordená-los;
mas alerta para a manutenção do ponto de vista próprio, como uma garantia
de se manter próximo ao real, uma vez que este é particular. Montangero e
Maurice-Naville (1998) explicam que a noção de descentração dá conta da
direção do desenvolvimento cognitivo. A princípio, a atividade cognitiva en-
contra-se submetida à ação própria e ao ponto de vista imediato, sendo que,
posteriormente, se libera de forma progressiva de seus limites, o que ocorre
devido à descentração, processo fundamental do desenvolvimento cognitivo.
O “método da cooperação” é mencionado como “lógica das relações”, 61
......
sendo esta lógica produto deste método. Piaget explica o “método da coope-
ração” como um instrumento da cooperação e apresenta três condições para que
se efetive: (1) desfazer-se do egocentrismo intelectual e moral; (2) libertar-se das
coerções sociais; e (3) operar no método da reciprocidade.
Camargo e Becker (2012) caracterizam o “método da cooperação” por
meio de duas tendências: a de aceitar o real como parece ao sujeito e a de corrigir
o real. É necessária a coordenação das diferentes perspectivas, compreendendo
que o ponto de vista próprio é apenas mais um possível entre os demais e que
não pode ser visto como absoluto e nem pode ser renunciado por completo, mas
deve ser relacionado aos demais na busca da manutenção da lógica. Salientamos
que uma proposição não pode ser ignorada, deve ser considerada a cada nova
fundamentação de novas proposições: é a lógica da reciprocidade ou a “lógica das
relações”. Essa lógica consiste em corrigir e superar o ponto de vista imediato,
para situá-lo num sistema de conjunto capaz de coordenar esta perspectiva parti-
cular com um número crescente de visões diferentes (PIAGET, 1998).
O aprender a aprender requer que as interações sejam baseadas em regras
e em respeito mútuo entre todos que fazem parte do coletivo de aprendizagem
e que interagem para estabelecer trocas, como as operações do tipo correspon-
dência, complementaridade e/ou reciprocidade. Então, a cooperação é o con-
junto de interações entre os indivíduos que desejam alcançar o mesmo objetivo.
Frisamos que, para Piaget (1973), a cooperação tem um importante papel
na função social: conduz à autonomia, não somente a cognitiva, como também a
moral. O produto da cooperação advindo desse método é a “autonomia” e com-
preende o respeito mútuo, que é o ponto de partida da cooperação. A cooperação
é uma construção, não é inata, e requer a superação do egocentrismo, ou seja,
requer que o sujeito supere sua lógica individual. Cooperar – operar com – é o
estabelecimento de trocas equilibradas entre os sujeitos. Implica a existência de
espaço para que as trocas ocorram, de forma que cada um consiga dispor seus
pontos de vista, alternar posições, argumentar e contra-argumentar ideias, isto é,
descentrar-se, saindo de “si mesmo” (PIAGET, 1973).
62 ESPAÇOS DE COOPERAÇÃO
......

Com base nos pressupostos apresentados, nossas questões são: Como ins-
tituir o “método de cooperação”? Como propiciar trocas intelectuais no curso?
Dessa forma, ao iniciarmos a primeira edição do curso, essas questões já faziam
parte do planejamento e continuaram fazendo parte do planejamento da segunda
edição. Diversas práticas foram planejadas e implantadas visando a proporcionar
oportunidades de trocas intelectuais entre os participantes, tais como o Espaço
Integrador, que foi uma proposta de integrar aspectos gerais do curso, como
apresentação, cronograma, organização na EAD, entre outros. Outro é o Fórum
do \_/@ (Fórum do Cafezinho), que é um espaço para socializações (REAL e
CORBELLINI, 2008), um Fórum de Dúvidas, lugar no qual os discentes podem
postar suas dúvidas de forma geral (sobre a organização, sobre os prazos, sobre os
materiais, etc.). No Espaço das Comunidades de Escrita, procurou-se constituir
um espaço coletivo, onde todos os integrantes do curso tivessem acesso à pes-
quisa dos colegas e pudessem cooperar entre si. Com isso, buscou-se estimular a
prática de pesquisa cooperativa. Estruturou-se este tópico ao final do curso, para
o período das monografias. Em cada disciplina, foram promovidas atividades que
tivessem uma proposta interativa.
Assim, ao se procurar trabalhar com o conceito de cooperação como um dos
alicerces da educação na modalidade a distância, buscou-se, coerentemente com
a teoria piagetiana, criar espaços para que ocorressem trocas entre pares, descen-
trações e construção de conhecimento. Lemos (2002) afirma ser o ciberespaço
um espaço de reunião de pessoas de todo o mundo, de comunhão; Campos et
al. (2003) falam sobre a possibilidade de ampliação da comunicação na rede e
condições potencializadas de aprendizagens cooperativas na EaD; Parente (2004)
também refere a utilização da internet e suas possibilidades cooperativas, entre
outros. Reflete-se que as tecnologias, neste universo, possam servir de apoio para
uma maior interatividade entre os sujeitos do curso, auxiliando a promover uma
maior cooperação.
Destaca-se como essencial a existência de um “espaço” que possibilite a
ocorrência da cooperação intelectual. Esse espaço deve ser continente suficiente 63
......
para abarcar o que os integrantes trazem como contribuições, bem como con-
tingente no sentido de poder suportá-las e encaminhá-las, pontuando diferenças,
acréscimos de pontos de vista, conflitos, novos argumentos, enfim, que possibilite
movimentos baseados no respeito mútuo e em relações de cooperação intelectual
e de construção de conhecimentos.

COOPERANDO A DISTÂNCIA

No curso, investigou-se como ocorrem as trocas intelectuais entre os su-


jeitos, como se constituem e como são construídas, procurando-se, primei-
ramente, identificar “observáveis” que contribuíssem para a ocorrência da
cooperação.
Observáveis são “aquilo que a experiência permite constatar por uma
leitura imediata dos fatos por si mesmo evidentes” (PIAGET, 1976, p. 46).
Podemos mencionar, como exemplo, a existência de um código, neste caso, a
língua portuguesa, que é compartilhado por todos, com um sistema de noções
definidas, sendo que as definições podem convergir inteiramente ou divergir
parcialmente, mas requer que os sujeitos tenham uma mesma chave que lhes
permita traduzir as noções de um dos sujeitos no sistema do outro. Para Piaget,
os observáveis são definidos por meio daquilo que o sujeito crê constatar e não
apenas daquilo que é constatável.
Buscaram-se observáveis de cooperação durante o curso, mapeando-se
atividades desenvolvidas. Dentre estas, elegeram-se três fóruns, de três disci-
plinas diferentes e de três momentos distintos (início, meio e fim do curso)
para o estudo aprofundado da ocorrência do método de cooperação. O
Fórum é uma atividade para discussão assíncrona que permite a interatividade
entre os usuários (docentes, discentes, tutores, monitores) sobre algum tema
determinado.
Neste sentido, visamos a identificar observáveis que serviram como indi-
64 cadores para verificar a existência de cooperação. Alguns dos observáveis que
......
podem servir de norteadores para o planejamento de disciplinas na modalidade
a distância, visando a fomentar a cooperação, que conseguimos elencar, são:
reconhecimento do corpus teórico do curso; normas do curso valorizadas
pelo grupo; adequação à proposta; domínio instrumental do uso das TICs;
objetivo comum dos integrantes em terminar o curso; responsabilidade com
os processos de ensino e de aprendizagem de cada um e do todo; responsa-
bilidade com os procedimentos, conteúdos e prazos; observância dos acordos
realizados; referência à existência de obrigações mútuas e respeito mútuo; nível
de satisfação e/ou insatisfação nas trocas intelectuais; atividades realizadas em
grupo, postura pedagógica dos docentes como orientadores; compartilhamento
de experiências pessoais e profissionais, entre outros.
Com este mapeamento, conseguimos visualizar elementos que se consti-
tuíram nas trocas intelectuais entre os discentes nos distintos tempos do curso.
No momento inicial do curso, destaca-se a determinação de conceitos comuns,
a definição do papel do psicopedagogo que está em formação no curso, as
práticas inerentes a essa profissionalização, busca de maior clareza dos termos
científicos, entendimento da concepção epistemológica de cada sujeito, entre
outros. Segue, como exemplo, postagem realizada por uma aluna em um fórum
que ocorreu no início do curso.

Após ler, ver e analisar as entrevistas e vídeos de Alícia Fernandes, e comparar


com as minhas experiências tanto como aluna como docente, percebi o quanto
tenho a refletir e a estudar sobre a psicopedagogia e sua utilização em favor
das aprendizagens dos alunos [...]. Como disse anteriormente, tenho muito a
aprender sobre conceitos e teorias acerca da psicopedagogia.

No percurso da especialização, outros elementos foram sendo salientados


através das trocas, como a necessidade do reconhecimento do que foi acordado
entre os sujeitos, impedindo contradições e permitindo a continuidade das
trocas intelectuais. Assim, o cumprimento dos acordos é visto como inerente ao
processo. No exemplo a seguir, retirado de um fórum que ocorreu na metade 65
......
do curso, uma aluna, frente às afirmações de outra colega sobre pontos que
haviam sido combinados para a realização do trabalho, retoma seu raciocínio,
completando sua atividade.

DI 47, lendo o teu trabalho, me dei conta que não coloquei na minha reflexão
sobre Projetos de Aprendizagem a formação de grupos. E este é um dos aspectos
fundamentais deste trabalho.

Ao final do curso, destaca-se a reciprocidade entre os sujeitos de forma


mais cuidadosa, com a existência de obrigações recíprocas e o reconhecimento
do respeito mútuo. As trocas apresentam contribuições e coordenações de
pontos de vista, conduzindo a uma qualidade na aprendizagem, no que tange a
relacionar as práticas e as teorias estudadas ao longo do curso.
Partiu-se dos seguintes observáveis: o egocentrismo intelectual nas in-
terações – quando o sujeito não se coloca em posição de reciprocidade, não
abandona o seu próprio ponto de vista, para se colocar em relação com o outro,
coordenando os diversos pontos de vista possíveis –; a presença de respeito
mútuo – quando os sujeitos se atribuem, reciprocamente, um valor pessoal nas
interações –; a capacidade de descentrar dos sujeitos; e as condições de esta-
belecerem coordenação de pontos de vista, entre outros. A reciprocidade nas
relações é exemplificada a partir de um excerto de diálogo entre duas alunas.
66
...... Os vídeos remeteram-me às crianças, às práticas escolares, refleti muito sobre
o meu planejamento diário. Alicia Fernandez é uma autora que li quase nada,
apenas reportagens de revistas um e outro artigo. Vejo-me agora com necessidade
de buscar saber a obra de Alicia e efetivamente seu foco de estudo. [...] Os
alunos estão em processo, desenvolvendo capacidades e nesta hora pensei no
meu planejamento para o 3º ano. Que atividades e propostas estou lançando aos
meus alunos? Estou trabalhando na perspectiva da alegria que promove o desejo
de mudança? Às vezes, acho que sim, às vezes, certos conteúdos precisam muito
de um reforço da memória, e para eles é chato. Mas como fazer diferente? Mas
mover para Alegria será meu foco mobilizando em força oposta a indiferença.
É preciso tirar alguns [alunos] deste lugar da Indiferença. Disto estou certa!!

Assim como você, ao ler Alicia Fernandez, pensei primeiro em aprofundar


minhas ideias sobre sua obra, mas, de imediato, passei a pensar no planejamento.
Concordo contigo quando dizes que alguns conteúdos precisam de reforços e,
às vezes, parece-me que se tornam chatos para as crianças. Eu tenho uma turma
de 5° ano e com eles não é diferente. Embora sempre tenha tentado variar
as atividades e propostas, algumas coisas precisam ser reforçadas de alguma
maneira. Lembrarei do teu comentário e das palavras de Alicia Fernandez ao
preparar as aulas daqui para a frente, tendo como foco a alegria e também a
mobilização das crianças para o espírito investigador e criativo. Um abraço.

Desta forma, pode-se concluir que estes observáveis apontam para uma
construção do método de cooperação durante o curso, cada qual cumprindo com
aspectos pertinentes ao momento em que estão situados. Ou seja, no momento
inicial do curso, há a necessidade de uma constituição de grupo, de um senti-
mento de pertencimento ao grupo, de identidade, construção de valores comuns
que sustentem essa identidade. Para corroborar esses achados, citam-se exemplos
de postagens de alunos em fórum realizado no início do curso.
67
Logo vi, sim, muitos termos diferentes e inovadores, como hiperpassividade na ......
sua relação com hiperatividade, onde se trata sobre a passividade dos alunos,
na qual também devemos estar de olho, pois isso também pode dificultar os
processos de aprendizagem dos alunos. (Aluna C)

Retomar os estudos com Alicia Fernandez sempre é enriquecedor para nosso


fazer pedagógico e para irmos refletindo sobre o papel do psicopedagogo no
contexto atual. (Aluna D)

Nestes exemplos, situa-se a valorização da construção de uma linguagem


comum ao curso. Os participantes buscam alcançar precisão e rigor nas con-
ceituações científicas que estão sendo estudadas. Precisa ocorrer a elaboração
de equivalência no entendimento dos conceitos e a aceitação dos pressupostos
necessários ao curso. Também se observa a construção de uma identidade do
papel do psicopedagogo na sociedade contemporânea.
No segundo momento, estes observáveis aparecem mais no sentido de
manter-se o status quo, isto é, torna-se necessário zelar pela preservação dos
valores, dos acordos realizados, de forma que as trocas se tornem possíveis. No
terceiro momento, os observáveis situam-se através da capacidade de estabe-
lecer relações recíprocas; uma vez que os valores firmados se encontram acor-
dados e são atualizados, pode-se trocar sem perder a sua própria singularidade
dentro do grupo. Ou seja, cada qual pode colocar-se nas relações, descentrar-se,
argumentar e construir novos conhecimentos, sem perder o seu próprio ponto
de vista. Os exemplos seguintes mostram cobranças realizadas entre os parti-
cipantes, visando à clareza de conceitos e à manutenção de acordos firmados.
68
...... Não deixaste claro o que entendes por “muito por cima” ou “muito por baixo”.
Eu entendo que [...]. Participações que não alcançam argumentações lógicas ou
consistentes com os conceitos e autores estudados. Gostaria que esclarecesses
isto. (Aluna E)

Ainda não tinha lido a entrevista 3. Agora, encontrei a resposta para a minha
dúvida. [...]. O relato da Prof. X sobre o “gênero” na aprendizagem, entendi
que há uma diferença entre os meninos e as meninas no momento de aprender.
Seria isto? Meninos com mais facilidade em algumas coisas e dificuldades em
outras e as meninas o oposto? Neste ponto tentarei me aprofundar mais ou
pedir a Prof. X que coloque mais algumas explicações. Fiz esta postagem para
me justificar. (Aluna F)

Pode-se observar a conservação de acordos citada como um fator impor-


tante nas trocas entre os participantes. A partir do momento em que, coorde-
nados em uma mesma perspectiva de pontos de vista, da qual são coautores, os
sujeitos requerem que as normas sejam cumpridas por todos.
Piaget (1998) aponta para a lógica da reciprocidade, ou lógica das re-
lações, dizendo que esta consiste em “[...] corrigir e superar o ponto de vista
imediato, para situá-lo num sistema de conjunto capaz de coordenar essa pers-
pectiva particular com um número crescente de visões diferentes” (p. 80-81).
Assim, julga-se, ao analisar o curso a partir de três momentos, em seu
início, na metade e no final, que as trocas intelectuais são uma construção
realizada pelos sujeitos no processo. E, em consonância com a teoria piage-
tiana, observa-se que os sujeitos, ao se engendrarem nos atos comunicativos,
precisam coordenar os diversos pontos de vista, atentando para que seu próprio
ponto de vista seja um dos possíveis entre o grupo e relacionando o seu próprio
ponto de vista com o dos demais. O sujeito precisa desfazer-se de seu egocen-
trismo através da lógica da reciprocidade, corrigindo e superando o ponto de
vista inicial através da coordenação dos pontos de vista dos colegas. É neces- 69
......
sário que cada um situe o seu universo dentre os outros: individual e social. O
método da reciprocidade, assim, consiste em uma adaptação ao mundo social e
equivale ao método de coordenação do ponto de vista científico.
Os exemplos seguintes mostram relatos de alun@s que apontam para
aprendizagens a partir das trocas entre colegas. Destacam-se as descentrações
que implicam condições para que os sujeitos se desloquem de seus pensa-
mentos egocêntricos, comparando-os com os dos colegas, incluindo o ponto
de vista singular, no coletivo, contemplando, assim, relações de reciprocidade.

Tenho que agradecer à colega DI 44, pois seu texto me auxiliou muito na
compreensão de todos os vídeos e entrevistas. A descrição de suas vivências e
o modo como relacionou com a autora foram muito significativos para mim.
(Aluna G)

Confesso que estou com dificuldades de escrever sobre tudo que estou lendo.
Sempre aprendi com a fala dos professores em sala de aula e agora, só com as
leituras, está sendo um enorme desafio. Mas, é ótimo termos este espaço, onde
aprendemos umas com as outras, os relatos são enriquecedores e nos fazem
refletir mais sobre as leituras teóricas (Aluna H)

Querida colega x! Adorei ler o relato que fizeste sobre tua experiência na X e
reconhecer o quanto tuas práticas realmente possibilitaram aos educandos a
manifestação de uma corporeidade reprimida, desacreditada. Como educadora
de jovens e adultos, também busquei romper com esses estigmas e senti maior
facilidade de fazer isso durante o meu trabalho no x, que não era um espaço
institucional, embora a turma se reunisse em uma escola. (Aluna I)

A ocorrência da cooperação como método, tal qual proposta por Piaget


(1973), evidenciou-se nas condutas dos alunos no curso, como, por exemplo,
nos fóruns estudados observou-se que os atos comunicativos auxiliaram os dis-
70 centes a se apropriarem de pontos de vista de colegas, desencadeando reconhe-
......
cimento e coordenação de diferentes posicionamentos. Além disto, as trocas
intelectuais foram alterando-se no processo do curso, observando-se maior
estreitamento de laços entre os cursistas, aprofundamento de teorias e relações
cooperativas.

Para concluir, também me remeto ao questionamento da colega x: “Quais


referenciais dei/dou aos meus alunos?” Nos textos de outros colegas há certas
colocações que remetem a este questionamento, alguns fizeram esta reflexão.
Eu também pensei e refleti que, mesmo não sabendo, eles estiveram ali e
tiveram influência direta no meu trabalho, no conteúdo e desenvolvimento
dele. (Aluna J)

Assim, pensa-se no que Piaget (1998) aponta como elementos para a


lógica da reciprocidade, sendo necessário que os sujeitos efetuem a correção
e superação dos seus pontos de vista, coordenando com os demais pontos de
vista, ou como ilustrado no seguinte exemplo:

O curso propôs tarefas em grupo ou duplas e outras nos fóruns. Acredito


que os fóruns são os ambientes mais adequados para trocas de experiências e
aprendizagens, pois, com a leitura das postagens, novas ideias surgem e assim
reconstruímos nosso pensamento. (Aluna K)

Salienta-se que o desenvolvimento do sujeito, entendido como um pro-


cesso individual, é fundamental para a ocorrência do método de cooperação. O
sujeito só conseguirá operar conjuntamente a partir de suas condições a priori de
estabelecer relações, atuando com reciprocidade em processos interindividuais,
possibilitando a cooperação. A atividade operatória interna e a cooperação ex-
terior são, no sentido preciso dos termos, dois aspectos complementares de
um único conjunto, pois do equilíbrio de um depende o do outro. Assim, esta 71
......
forma de equilíbrio não é considerada como resultante do pensamento indi-
vidual, nem como exclusivamente produto social. Piaget refere que:

[...] se a lógica se atém às coordenações gerais da ação elas são tão interindi-
viduais como interiores ao indivíduo: e, efetivamente, analisando as operações
intervenientes nas trocas cognitivas, encontramos as mesmas que nas construções
individuais, de tal maneira que as primeiras são fonte das segundas e reciproca-
mente, permanecendo as duas indissociáveis a partir das suas raízes biológicas
comuns (PIAGET, 1970, p. 120).

Desta maneira, aponta-se para a indissociabilidade entre o sujeito indi-


vidual e o social como elementos das trocas intelectuais. Docentes e discentes,
cada qual com sua singularidade, formam um todo nesse contexto e, como
condição para que ocorra o método de cooperação, é necessário que estas re-
lações sejam equiparadas, ou seja, ocorram entre pares. Assim, sempre de uma
forma progressiva, o método da cooperação pode ser construído nos processos
de ensino e de aprendizagem, inclusive na modalidade a distância. O docente
tem papel fundamental ao propiciar espaços que amparem as diversas formas
de relativizar os pontos de vista, incentivando a coordenação desses pontos de
vista, visando à construção da cooperação.
O docente permanece, assim, indispensável aos processos de ensino e de
aprendizagem, mas agrega as funções de arquitetar “espaços e tempos” que
sejam condizentes com os interesses dos seus discentes, e isso implica coope-
ração, no sentido estrito da palavra “co-operar”. Ou seja, neste caso, tal qual
o curso pesquisado, parte-se da premissa de que os valores, os acordos e suas
conservações precisam ser de responsabilidade de todos, não como condição
dada, mas, sim, como parte do processo a ser construído.
72 CONSIDERAÇÕES FINAIS
......

O método de cooperação é condizente com a sociedade do conheci-


mento, na qual os desafios impostos pelas necessidades educacionais se pautam
não somente em competências técnicas, mas na necessidade de valores. Gatti
(2010) afirma que não se trata de ensinar às novas gerações o conhecimento
que temos acumulado, mas que há uma urgência na consolidação de valores,
princípios, éticas, cidadania, entre outros. De maneira similar, Belloni (1998)
destaca a necessidade de uma educação na modalidade a distância estar pautada
em uma filosofia que ordene e encaminhe para uma concepção educacional
ligada a valores singulares e sociais. Salienta a autora que conceitos que levem
à construção de valores sociais, como respeito, interatividade e autonomia, são
destaques nesta nova ordem. Para Piaget, parte-se deste princípio:

[...] na vida social, como na vida individual, o pensamento procede da ação


e uma sociedade é essencialmente um sistema de atividades, cujas interações
elementares consistem, no sentido próprio, em ações se modificando umas às
outras, segundo certas leis de organização ou equilíbrio [...]. É da análise des-
sas interações no comportamento mesmo que procede então a explicação das
representações coletivas, ou interações modificando a consciência dos indivíduos
(PIAGET, 1973, p.34).

A presença de coação e/ou egocentrismo – de ordem política, familiar ou


educacional – impede o preenchimento das condições para que ocorra o equi-
líbrio ou a cooperação. Isso se deve a três fatores: (1) não existe uma escala de
valores em comum (os sujeitos utilizam uma linguagem com sentidos e signifi-
cados privados ou respondem a um discurso externo); (2) não existe conser-
vação suficiente dos acordos estabelecidos, porque falta obrigação (os sujeitos
esquecem o que contrataram, contradizendo-se, e a obrigatoriedade depende
da autoridade); e (3) não existe reciprocidade regulada (cada qual considera o
seu ponto de vista como único possível).
Refletindo dessa forma, entende-se que a cooperação, de acordo com
Piaget (1973), é um tipo de interação em que é necessário que os valores tro- 73
......
cados estejam em equilíbrio, em que não haja opressão, coerção, abuso do
outro. Nas palavras do autor:

É onde a cooperação implica um sistema de normas, diferindo da suposta livre


troca cuja liberdade se torna ilusória pela ausência de tais normas. E é porque
a verdadeira cooperação é tão frágil e tão rara no estado social dividido entre os
interesses e as submissões, assim como a razão permanece tão frágil e tão rara
em relação às ilusões subjetivas e ao peso das tradições (PIAGET, 1973, p. 111).

Frisamos que, para Piaget (1973), a cooperação tem um importante


pressuposto na função social: conduz à autonomia, não somente a cognitiva,
como também a moral. O produto da cooperação advindo desse método é a
“autonomia” e compreende o respeito mútuo, que é o ponto de partida da
cooperação.
Neste sentido, a reflexão sobre a prática pedagógica de um curso na mo-
dalidade a distância e a proposta do “método de cooperação” tornam-se atuais
e pertinentes à sociedade do conhecimento. Os novos espaços virtuais, hoje,
propiciam novas formas de nos relacionarmos uns com os outros, inclusive
no âmbito da aprendizagem. O ciberespaço, conforme Lemos (2002), reúne,
integra e redimensiona uma infinidade de mídias e diversas interfaces que pos-
sibilitam comunicações, caracterizando a sociedade atual como conectada e em
rede. O autor considera a rede como a palavra-chave do ciberespaço, tal qual
o hipertexto mundial interativo, no qual se pode adicionar, tirar, modificar,
equiparando-o a um texto vivo, um organismo que se auto-organiza. A neces-
sidade de compreensão do como essas redes funcionam, quais são seus fluxos e
como os sujeitos podem cooperar com elas torna-se fundamental na sociedade
do conhecimento.
O que queremos realçar é que a cooperação necessita, antes de qualquer
coisa, de um espaço (quer “físico”, quer “virtual”) para que ela ocorra. Se
o ambiente virtual de aprendizagem for configurado de forma tal que não
permita possibilidades de trocas entre os integrantes, não há como construir
74 conhecimento nesse ambiente, nem como auxiliar o discente no seu desenvol-
......
vimento integral. O ambiente virtual também propicia, nesse sentido, através
da disjunção tempo-espaço, deslocamentos, reestruturações, escritas e rees-
critas de indivíduos e interações entre os mesmos, através de contribuições
singulares e coletivas. Estas organizações e reorganizações, que são impostas
pelas contribuições dos integrantes, impõem uma nova adaptação do sujeito ao
contexto, pois cada novo dado desacomoda e requer uma nova acomodação e,
consequentemente, uma nova construção.
Para a ocorrência do método de cooperação na modalidade de ensino a
distância, entende-se como necessário ao processo um ambiente composto de
espaços que sustentem a possibilidade de trocas intelectuais e o uso de diversas
tecnologias que ofertem as condições de execução do processo. Esses são fa-
tores que alicerçam a cooperação na modalidade a distância; alia-se a estes a
concepção epistemológica dos docentes e dos discentes. A conjunção desses
fatores implica a prática pedagógica que norteia a educação hoje. A prática
fundamentada em uma concepção epistemológica construtivista permitirá a
construção do método de cooperação e ajudará a evitar que se tenha expec-
tativa de se ter, a priori, um discente autônomo. O docente, desta maneira,
conduzirá o processo, priorizando o método da cooperação. Ou, como refere
Piaget (1998): “Se o objetivo da educação é formar seres autônomos, então o
ensino baseado na transmissão oral e na autoridade deve ser abolido” (p. 12).
Os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) fornecem lugares nos
quais podemos reformular relações, diversificar espaços de construção de co-
nhecimentos e interações, possibilitando novas formas de dialogar. A sala de
aula ampliada pelos constantes acessos a diversos mundos instantaneamente
agrega distintas pessoas, credos, culturas, etnias, etc., rompendo barreiras.
Assim, os sujeitos se encontram no mesmo “espaço e tempo” e, imbuídos
do mesmo objetivo de aprender através da cooperação e do respeito mútuo,
podem construir a autonomia. Nesses termos, reforçamos a necessidade de
superação de práticas individualistas e competitivas para práticas sociais e coo-
perativas no contexto educacional e na sociedade contemporânea.
REFERÊNCIAS 75
......

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aberto, Brasília, ano 11, n. 53, p. 29-38, jan./mar. 1992.

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Psicopedagogia e ensino superior: 77
......

alternativa de uma avaliação


participativa

Marcos Pereira Diligenti1


Jaqueline Santos Picetti2

INTRODUÇÃO

O processo avaliativo da aprendizagem constitui-se em um importante


desafio aos educadores e educandos dos diferentes níveis de ensino. Esse tema
gera positiva inquietação, principalmente naqueles que trabalham com um
fazer pedagógico fundamentado na educação como instrumento de emanci-
pação. A avaliação da aprendizagem tornou-se também um importante aspecto
de discussão na área da Psicopedagogia, visto que essa se dedica ao estudo e
investigação dos processos de aprendizagem nas instituições educativas, e, com
isso, tem-se colocado como um espaço de reflexão e avanços teórico-práticos
de forma geral.
A reflexão em torno da avaliação escolar tem impulsionado a busca de al-
ternativas transformadoras no que diz respeito a essa área de estudo na educação.
Com embasamento em uma pesquisa realizada junto a alunos e professores dos
cursos de Engenharia e Arquitetura de uma instituição de ensino superior, a partir
de um enfoque psicopedagógico, propõe-se, nesta investigação, uma alternativa
ao processo de avaliação tradicional da aprendizagem, vislumbrando a possibi-

1 Professor Titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul. Doutor em Educação. E-mail: mdilig@pucrs.br.
2 Assessora Pedagógica da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. Doutora em Educação. E-mail: jaque-linepi-
cetti@gmail.com.
78 lidade de relações e adequações aos demais níveis de ensino escolar. Denomina-se
......
essa alternativa de avaliação participativa3 e destaca-se que sua efetivação implica a
compreensão das interações dessa avaliação com as várias etapas do currículo escolar.
Compreende-se o currículo escolar como o conjunto das atividades constituintes do
processo educativo, abrangendo os conteúdos, os métodos de ensino e os processos de
avaliação, até o seu momento histórico de aplicação, suas inter-relações com aspectos
sociais e culturais, sendo, portanto, dinâmico e permanentemente construído pelos
participantes (professores e alunos) do processo educativo. Foram tomados como
principais referenciais teóricos para subsidiar os avanços da pesquisa os estudos de
Paulo Freire e Philippe Perrenoud.
Destaca-se, ainda, que uma perspectiva de ruptura com modelos tradi-
cionais de avaliar a aprendizagem consiste numa reavaliação e reestruturação
da própria concepção epistemológica do conhecimento. As transformações
avaliativas necessitam transcender uma visão focada em apenas uma etapa
da aprendizagem e contemplar o currículo escolar de forma abrangente.
Preliminarmente, faz-se necessária uma descrição das formas avaliativas tra-
dicionais nos referidos cursos, que, historicamente, apresentam poucas reno-
vações em suas concepções práticas.

O PROCESSO TRADICIONAL DE AVALIAÇÃO

As avaliações da aprendizagem dos alunos nos cursos de Engenharia e


Arquitetura, na instituição analisada, são baseadas usualmente em provas realizadas
durante o semestre, que envolvem tópicos trabalhados durante o período escolar.
Essas provas têm o valor de dez pontos e através da média aritmética das notas
obtidas chega-se à nota final, que, sendo superior a um valor predeterminado, esta-
belece a aprovação do aluno; sendo inferior, determina a realização de um exame de
recuperação, no qual se procura atingir a média para a aprovação.

3 Ver mais em DILIGENTI, M. P. Avaliação Participativa no ensino superior e profissionalizante. Porto Alegre:
Mediação, 2003.
As dificuldades encontradas nesse procedimento avaliativo se dão, se- 79
......
gundo depoimentos de alunos e professores, nos mais diferentes aspectos.
Com frequência, os alunos registram sua discordância quanto às escolhas dos
tópicos a serem abordados nas provas e descontentamento com a forma de
elaboração dos exercícios, denominando-os de “armadilhas de prova” ou “pega
ratão”. Muitas vezes, em seus registros, responsabilizam o professor em caso de
resultados não satisfatórios e apontam que nas avaliações há uma valorização
excessiva da memorização de conteúdos em detrimento de outras habilidades.
Já no grupo de professores, verificam-se, da mesma forma, muitas insatisfações
no processo de avaliação tradicional. Dentre essas, ressaltamos a impessoalidade im-
bricada na avaliação da aprendizagem tradicional, a dificuldade de avaliar o aluno com
base apenas em algumas provas pontuais, as frequentes reclamações quanto aos parâ-
metros utilizados e conceitos atribuídos na avaliação e as dúvidas permanentes relativas
às escolhas de tópicos a serem trabalhados nas provas escritas.
Freire (1996), ao questionar os métodos de avaliação, ressaltando a sua
vital importância no processo pedagógico, sugere: “A questão que se coloca a
nós, enquanto professores e alunos críticos e amorosos da liberdade, não é,
naturalmente, ficar contra a avaliação, de resto necessária, mas resistir aos mé-
todos silenciadores com que ela vem sendo às vezes realizada” (p.131). Nessa
mesma linha de raciocínio, as consequências de um procedimento avaliativo
tradicional são explicitadas por Perrenoud (1999): “A avaliação tradicional, não
satisfeita em criar fracasso, empobrece as aprendizagens e induz, nos profes-
sores, didáticas conservadoras e, nos alunos, estratégias utilitaristas” (p. 18).
Reforçando o questionamento a essa visão estreita do avaliar, que induz ao
descaso com que muitas vezes a relação professor-aluno é tratada, com a adoção
de uma cultura da impessoalidade e de priorização de conteúdos programá-
ticos, Freire adverte (1996, p. 49):

É uma pena que o caráter socializante da escola, o que há de informal, na


experiência que se vive nela, de formação ou deformação, seja negligenciado.
Fala-se quase exclusivamente no ensino de conteúdos, ensino lamentavelmente
80 quase sempre entendido como transferência do saber. Creio que uma das razões
......
que explicam este descaso em torno do que ocorre no espaço-tempo da escola,
que não seja atividade ensinante, vem sendo uma compreensão estreita do que
é educação e do que é aprender.

Nessa concepção avaliativa, verifica-se uma postura pedagógica na qual


a transmissão mecânica de conceitos, dentro de uma perspectiva meramente
informativa, gera uma série de dificuldades que impedem o aprofundamento
no trabalho educativo. Muitas vezes, no sistema verticalizado de avaliar, são
desestimuladas as potencialidades criativas no grupo de trabalho e inibida a
interdisciplinaridade dos saberes educativos.

AVALIAÇÃO PARTICIPATIVA: A CONSTRUÇÃO DE UMA


ALTERNATIVA PSICOPEDAGÓGICA POSSÍVEL

Avançar, no sentido de trabalhar a avaliação como elemento impulsio-


nador da aprendizagem, exige de educadores e educandos a assunção de suas
utopias e justifica-se no embasamento da relação professor-aluno como troca
recíproca e solidária. Segundo Hadji, essa atitude passou a ser assumida pelos
professores que:

[...] compreenderam que podiam colocar as constatações pelas quais se traduz


uma atividade de avaliação dos alunos, qualquer que seja a sua forma, a serviço
de uma relação de ajuda. É a vontade de ajudar que, em última análise, instala
a atividade avaliativa em um registro formativo [...]. Trata-se exatamente de
um modelo regulador, de uma utopia promissora, que indica objetivo, não o
caminho. (HADJI, 2000, p. 22)

Uma proposta de ensino debatida com professores e alunos promove um


trabalho em sala de aula de forma crítica, aberta e questionadora. Ele pode
apontar para um método de avaliação com uma diferenciada concepção, na
qual questões de ensaio, projetos de trabalho4 e seminários assumem seus lu- 81
......
gares como formas representativas de mediação, compartilhadas na forma de
um pacto pedagógico por educandos e educadores.
Na avaliação participativa não são excluídas provas individuais escritas, mas
sua operacionalização é totalmente diversa daquela observada tradicionalmente.
A proposta psicopedagógica participativa, analisada na pesquisa mencionada5,
inclui um momento de elaboração de prova. Nesse momento são definidos,
conjuntamente por alunos e professores, os tópicos de conteúdos de maior
relevância trabalhados no período anterior, os mais significativos nas suas fu-
turas atividades profissionais e os de maior necessidade para a continuidade
do curso. Através dessas interações é organizada, em conjunto, pelo professor
e pelos alunos, a prova escrita, atentando para as reivindicações de todo grupo
de trabalho. Muitas vezes, esse momento é confundido pelos alunos com uma
simples aula de revisão de conteúdo. É importante questionar e discutir com o
grupo a sua substancial diferença: a aula de elaboração de prova é, na avaliação
participativa, uma espécie de coroamento e a continuidade coerente de uma
proposta psicopedagógica corresponsabilizadora do grupo de trabalho, na qual
se substitui um parâmetro impositor e, inúmeras vezes, excludente, pela parti-
cipação efetiva de alunos e professores.
Após as realizações das provas escritas, elas são revisadas pelo professor
a fim de que possa apresentar ao aluno uma sugestão de conceito que vai ser
discutido individualmente com cada aluno na aula subsequente, para, então, se
efetivar a atribuição conjunta de um conceito final.
Além das atividades de seminários, trabalhos extraclasse e provas escritas,
acreditamos na importância de encontrar no processo de avaliação da aprendi-
zagem um espaço observador da atitude do grupo de trabalho no transcorrer
das atividades curriculares. Esse espaço procura avaliar desde a frequência e
interesse demonstrados até a capacidade solidária do aluno para com o grupo

4 Sobre projetos de trabalho, ver HERNANDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1998.
5 DILIGENTI, M. P. Avaliação Participativa no ensino superior e profissionalizante. Porto Alegre: Mediação, 2003.
82 e a sua compreensão no reconhecimento do que se desenvolve na sala de aula
......
como uma atividade de inserção e transformação social.
Dentro desta perspectiva psicopedagógica, vislumbra-se a possibilidade de
uma opção mais concreta no relacionamento do trabalho técnico com as diferentes
realidades na sociedade e a importante conscientização do estudante como sujeito/
protagonista de sua história individual e coletiva de aprendizagem6.
Deve-se ressaltar, ainda, que, como resultado desse processo, verifica-se na
pesquisa em pauta que várias das dificuldades anteriormente apontadas por alunos
e professores na concepção tradicional de avaliação foram sendo minimizadas e,
até mesmo, anuladas com a proposta psicopedagógica participativa de avaliação da
aprendizagem.
Importa saber que o componente participativo introduz com intensidade
a corresponsabilização avaliativa. As provas escritas deixam de ser elementos de
separação e oposição entre alunos e professores para se ressignificarem em um
trabalho conjunto de aproximação. A usualmente constatada “cola”7 , instru-
mento que habitualmente se constitui em uma lógica de trabalho pedagógico
baseado na memorização de conteúdos, perde seu significado e a ética da trans-
parência adquire um patamar de naturalidade.
Constata-se, também, que as surpresas quanto às especificidades ou nível
de dificuldades dessas avaliações escritas são muito relativizadas. Essas ava-
liações, que são decorrentes do trabalho cotidiano em sala de aula, deixam
de representar uma fonte de incertezas e inseguranças impositoras para
serem compreendidas como “mais um” dos elementos do processo avaliativo
participativo.
A radicalidade democrática necessária para uma legítima implementação
de um processo participativo é assim comentada por Freire (1994, p. 194):

[...] o ensino da democracia não se dá através apenas do discurso sobre a de-

6 A execução das maquetes arquitetônicas das futuras habitações de uma vila popular pelos alunos é um exemplo
destas atividades pedagógico/conscientizadoras. Ver mais detalhes em Condomínio dos Anjos: a história de uma con-
quista (BRUNEL e DILIGENTI, 2000).
7 Cópias não autorizadas, trocadas entre alunos em provas individuais.
mocracia, não raro contraditado por comportamentos autoritários. O ensino 83
......
da democracia implica também o discurso sobre ela, não abstratamente feito,
mas sobre ela ao ser ensaiada e experimentada.

Finalmente, por um lado, não podemos deixar de destacar uma acentuada


diminuição dos índices de reprovação após a utilização das técnicas partici-
pativas de avaliação e, se a sua estratégia não se restringe apenas a um olhar
quantitativo de resultados, acredita-se, por outro lado, que esses dados não
devem ser desprezados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos, a avaliação da aprendizagem escolar nos níveis universitários,


bem como em outros níveis escolares, é um tema recorrente de discussão no
que tange à mudança de uma educação tradicional para uma educação eman-
cipatória. A compreensão de que a avaliação consiste em uma parcela do cur-
rículo enseja o alargamento de perspectivas transformadoras.
Dito de outra forma, fica evidenciado que a mudança do avaliar implica
a mudança do currículo que, por sua vez, sinaliza diretamente para reinterpre-
tações da epistemologia do conhecimento escolar.
A compreensão que a limitação do conhecimento proposto pela moder-
nidade implica a transformação de uma perspectiva ainda dominante que se
baseia em uma racionalidade lógica-objetiva. A transcendência para a visão do
conhecimento que contemple uma diretriz ontológica perceptiva faz-se neces-
sária para que as transformações avaliativas nas etapas do processo educativo
não incorram no equívoco de questionamentos a partir de modelos dados
como perenes (SOETHE, 2005).
Avançando nessa linha de raciocínio, conclui-se que o conhecimento é,
antes de mais nada, uma atitude perante à vida, e sua forma de organização
gesta a relação do ser com a realidade. Ao viver, ser e estar na vida, produzimos
saberes que não se esgotam à redutibilidade da razão e aos domínios discipli-
84 nares que ela circunscreve, mas transbordam pelas vias da emoção, intuição,
......
percepção e sensibilidades.
Por outro lado, as consequências da fragmentação dos saberes se fazem
notar cada vez mais na atitude de educandos que, submetidos a esses preceitos,
fragmentam-se a si próprios (DILIGENTI e DIAS, 2015).
É nesse sentido que transformar a avaliação/educação requer compreender
a positiva e necessária radicalidade de alternativas inovadoras. A esperança
transformadora aparece como uma opção daqueles que são comprometidos
com uma educação libertadora. Se o momento de esgotamento científico da
perspectiva da modernidade está em crise, a sua superação depende do reem-
poderamento dos silenciados para um futuro feito de expectativa atuante ou
ainda, como sugere Bloch,

Somente uma maneira de pensar direcionada para a mudança do mundo, que


municia com informação este desejo de mudança, diz respeito a um futuro que
não é feito de constrangimento (futuro como espaço de surgimento inconcluso
entre nós) e a um passado que não é feito de encantamento. Por isso, o decisivo
é que apenas o saber como teoria-práxis consciente diz respeito ao que está
em devir e que, por isto mesmo, é passível de decisão. (BLOCH, 2005, p.18)

Esses processos têm em um pensamento crítico da educação um potente


aliado. Na dialogicidade do local para o global, os desafios correspondem ao
nível da responsabilidade dos atores envolvidos. Para construir essas novas re-
lações, educadores e educandos estão convocados a exercer seu papel de pro-
tagonistas nesse caminho, que, como se vê, é constituído de avanços e, até
mesmo, de alguns recuos, mas inexoravelmente implica luta.

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2005. 3 v.
BRUNEL DO NASCIMENTO, Carmen Teresinha; DILIGENTI, Marcos 85
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SOETHE, José Renato. Transdisciplinaridade: um novo padrão civilizatório? São


Leopoldo: Oikos, 2005.
Interações em um Ambiente Virtual de 87
......

Aprendizagem

Luciane Magalhães Corte Real1


Franceline Michailoff2
Juliana Duarte Flores3

INTRODUÇÃO

A proposta pedagógica de um curso é de suma importância para ampliar


as possibilidades de aprendizagem de seus alunos. Atualmente, os cursos na
modalidade a distância (EAD) apresentam propostas lineares ou em rede. Na
perspectiva linear, observamos atividades que o aluno realiza individualmente e
“posta” para o professor e/ou tutor apreciarem. Já os cursos construídos com
uma visão de rede valorizam a interação entre seus alunos, tutores e professores.
É na concepção de uma proposta em rede com base construtivista que o
presente estudo é apresentado. Neste sentido, entende-se que, para que ocorra
aprendizagem, é necessária a interação do sujeito com o meio (PIAGET, 1998),
além da importância do trabalho em grupo.
A presente investigação reflete a importância da proposta pedagógica para
colocar em interação os alunos do Curso de Especialização em Psicopedagogia
e Tecnologias da Informação e Comunicação na modalidade a distância. É uti-
lizado o modelo da comunidade de inquérito de Garrison e Anderson (2000),
com a finalidade de categorizar e analisar as interações dos alunos, professor e

1 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS. Doutora em Informática na Educação. Coordenadora do Curso de


Especialização em Psicopedagogia e TIC. E-mail: luciane.real@ufrgs.br.
2 Graduanda em Pedagogia pela UFRGS. E-mail: francellinne@hotmail.com.
3 Graduanda em Pedagogia pela UFRGS. E-mail: juju.flores@hotmail.com.
88 tutor em um fórum de discussão. Trata-se, assim, de uma pesquisa qualitativa
......
na forma de Estudo de Caso.
Na EAD há vários espaços que suportam propostas que valorizam inte-
ração, como, por exemplo, fóruns de discussão, “wikis” que possibilitam es-
critas coletivas, edição de vídeos, construção de blogues, etc.
No presente artigo, apresentamos e analisamos a interação que ocorreu
na última atividade do referido curso e que foi realizada em fórum de discussão
no ambiente Moodle. Salientamos que os fóruns possibilitam interações para
o desenvolvimento das aprendizagens, proporcionando trocas de informações,
experiências e compartilhamento de saberes. Segundo Araújo e Cunha (2015),
muitas vezes as interações em fóruns oportunizam aprendizagens a partir da
participação e colaboração de vários sujeitos. As redes de colaboração per-
mitem a produção de um saber ressignificado, compartilhado e reinventado.
Real e Picetti (2012) afirmam que os fóruns podem ser um espaço de
debate, de construção de conhecimentos e de encontro entre alunos e pro-
fessores, possibilitando diferentes formas de se analisar e refletir sobre deter-
minado conteúdo. As autoras concluem que os fóruns podem possibilitar acei-
tação de diversos pensamentos e de diferentes níveis de aprendizagem.
A partir do que foi exposto, são problematizadas neste artigo as interações
nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), salientando a importância dos
diversos atores – professor, tutor e alunos –, assim como de uma proposta
pedagógica que os coloque em interação. A comunidade de inquérito foi uti-
lizada com a finalidade de pensar e avaliar as interações a partir da presença
de Ensino, da presença Cognitiva e da presença Social. Na continuidade, são
apresentados exemplos das presenças encontradas no fórum analisado, o que
permitiu concluir sobre a importância de a proposta pedagógica ser baseada na
interação.
INTERAÇÕES EM AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM 89
......

Segundo Real (2013), é importante favorecer a cooperação nos Ambientes


Virtuais de Aprendizagem, incentivando para que ocorram interações em todos
os níveis: professor, alunos e tutores. A autora cita Piaget (1977), que salienta a
importância da discussão entre pares, pois, para ele, a crítica nasce da discussão,
que produz a reflexão e a verificação objetiva, e só é possível entre iguais.
Tratando-se de interação em diversos níveis, Zaupa et al. (2014) referem
que a atividade de tutoria é determinante para o sucesso da EAD, pois o tutor
on-line deve desempenhar um papel de mediador entre os sujeitos envolvidos.
Alguns pesquisadores dão sustentação às possibilidades de investigações
nos fóruns e à utilização da comunidade de inquérito para avaliação das pro-
postas. Rojas e Gonzàlez (2013) utilizam o modelo de inquirição em um curso
semipresencial (b-learning) de graduação para analisar o favorecimento do de-
senvolvimento de atividades de escrita acadêmica e concluem que a presença de
ensino apoia a presença cognitiva, favorecendo as aprendizagens significativas e
a escrita acadêmica.
Araújo e Cunha (2014) pesquisam o papel do professor como mediador
nas interações em fóruns on-line como possibilidade de um aprender colabo-
rativo. Os autores mapeiam indicadores da mediação pedagógica nos fóruns de
discussão analisados, a partir da comunidade de Garrison e Anderson (2003),
e classificam as categorias em Presença Cognitiva, Presença Social e Presença
de Ensino. Araújo e Cunha buscam indícios que apontam para a eficácia de tais
categorias/indicadores no que diz respeito à promoção de interações professor/
aluno/conteúdo.
Garrison, Anderson e Archer (2010) afirmam que, ainda que não haja es-
tudos aprofundados sobre a qualidade do processo de Comunicação Mediada pelo
Computador (CMC) e seus resultados em relação à aprendizagem, é inegável o po-
tencial da CMC, a qual está se tornando cada vez mais comum no ensino superior.
Para Dias (2008), o principal desafio para o desenvolvimento dos am-
90 bientes de educação em rede é aproximar a construção de conhecimento dos
......
espaços de produção profissional, por meio da aprendizagem on-line, e, com
isso, a educação em rede tem por finalidade possibilitar a inovação colaborativa
através da construção de aprendizagens.
A partir do exposto, não é possível negar a importância da interação dos
alunos nos AVAs para possibilitar a aprendizagem. Professores e tutores devem
ter um papel ativo como mediadores nesses ambientes. Neste sentido, pensar
as presenças Social, Cognitiva e de Ensino pode ajudar na reflexão sobre as
interações e, consequentemente, sobre as aprendizagens.

PRESENÇAS SOCIAL, COGNITIVA E DE ENSINO

O presente estudo foca o modelo de comunidade de inquirição de


Garrison, Anderson e Archer (2000), constituindo-se de três elementos prin-
cipais, os quais caracterizam a análise de fóruns com transcrições escritas, sendo
denominadas presenças: Cognitiva, Social e de Ensino. Partindo das presenças,
é possível elaborar investigações com fins educacionais, como em Real et al.
(2015). As autoras avaliaram uma disciplina de Graduação a partir de Projetos
de Aprendizagens (Fagundes et al., 2000) e as relações entre os estudantes,
conteúdos e tutores.
A presença Cognitiva necessita de um evento disparador, uma proposta do
professor que motive a interação dos educandos no fórum. Eles podem fazer
uma exploração por meio das informações e conhecimentos possibilitados/
desafiados pelo mediador, e, dessa forma, exploram e conectam suas ideias e
aprendizagens.
Por meio da presença Social aparece a expressão das emoções, a comuni-
cação é mais livre e aberta, e os alunos podem incentivar e elogiar seus colegas,
bem como compartilhar experiências pessoais, estabelecendo uma relação mais
próxima e afetiva uns com os outros.
A presença de Ensino é caracterizada pelo acompanhamento e assistência
do professor e tutores através de planejamento, instruções, direcionamento e 91
......
subsídios como intervenções em debates ou dúvidas e materiais (bibliografias,
textos, vídeos, etc.). A partir dessas presenças, podem-se levantar categorias de
análise em ambientes que tenham interações.

FÓRUM INTERVENÇÃO E INOVAÇÃO

O Curso de Especialização em Psicopedagogia e Tecnologias da Informação


e Comunicações na modalidade a distância é realizado em cinco (5) polos:
Porto Alegre, Santa Maria, Sapiranga, São Francisco e Três Passos. Neste artigo
foram analisados os fóruns de três polos: Santa Maria, Porto Alegre e Sapiranga.
A última disciplina do curso – Investigações em Psicopedagogia – teve como meta
a “caracterização da psicopedagogia como exercício constante de investigação,
a partir de diversas contribuições teóricas-práticas e enfatizando as principais
estratégias de intervenção do psicopedagogo nas dimensões individual e insti-
tucional. Fundamentos da intervenção psicopedagógica nos vários contextos”.
O fórum analisado foi #IntervençãoeInovação que teve como mote a
seguinte diretriz para os alunos: “Proponham uma intervenção inovadora a
partir do olhar do psicopedagogo, utilizando-se das TICs”. Tal proposta deveria
contribuir para o aprimoramento do trabalho. Num segundo momento, os
discentes examinam as propostas dos colegas e as criticam construtivamente,
trocando ideias e revendo autores estudados, inventando novas formas de
saber-fazer!
O objetivo do fórum foi uma retomada de todo o curso, com o intuito
de oportunizar que os alunos repensassem possíveis práticas pedagógicas de-
senvolvidas no seu decorrer. Os sujeitos que constituem os debates somam um
total de 89 alunos, com 141 postagens nos fóruns, conforme a tabela abaixo.
92 Tabela 1 – Número de alunos e postagens no fórum por polos
......
Polo Alunos Postagens no fórum
Porto Algre 28 40
Santa Maria 35 58
Sapiranga 26 43
Total: 89 141
Através das publicações feitas no fórum #IntervençãoInovação, as pos-
tagens foram classificadas em presenças Cognitiva, Social, Ensino, Cognitiva
com Interação, Cognitiva e de Ensino, Cognitiva e Social e Social Agregadora.
As categorias Cognitiva com Interação, Cognitiva e Social e Social Agregadora
foram criadas a partir das postagens dos alunos. Real e Machado (2014) acom-
panharam as presenças de Ensino, Social e Cognitiva em fóruns de discussão
e apontam para a importância da existência conjunta das categorias presença
Cognitiva e Social para uma aprendizagem significativa, pois, assim, se articulam
as construções teóricas com as experiências dos alunos. Seguem exemplos:
Presença Cognitiva 93
......
Quadro 1 – Exemplos de presença Cognitiva
Conforme nos coloca Rubinstein (1992), “a intervenção psicopedagógica tem
como principal meta contribuir para que o aprendiz consiga ser um protagonista
não só no espaço educacional, mas na vida em geral”. Desta forma propomos
algumas intervenções a serem realizadas: Em uma escola como a apresentada no
vídeo poderia incluir aulas de informática para a comunidade aos finais de semana
nas quais os próprios alunos poderiam ensinar – o conhecimento já adquirido
em informática – aos interessados. Poderia promover também competição
entre os alunos com jogos – games – mesclando jogos do interesse dos alunos
e jogos com critérios relacionados a algumas dificuldades apresen-tadas por
eles com relação à aprendizagem. Segundo Alves e Bianchin (2010), “jogando
a criança experimenta, inventa, descobre, aprende e confere habilidades [...] o
jogo é importante não somente para incentivar a imaginação das crianças, mas
também para auxiliar no desenvolvimento de habilidades sociais e cognitivas.”
(Aluna C).

O projeto criado pelo professor foi uma maneira que ele elaborou para que a
comunidade percebesse que a escola é um importante meio de conhecimento e
cultura, resgatando assim o gosto pela escola e pelo saber. Como proposta de
intervenção seria construção de um jornal mensal da escola, que os alunos através
dos meios tecnológicos realizariam entrevistas com a comunidade, pesquisas
sobre assuntos atuais e polêmicos, escreveriam sobre assuntos pertinentes a
necessidade da comunidade. Como aponta Weiss (1987, p. 80) ... “Estes aspectos
sociais estão integrados na unidade funcional da pessoa que aprende e fazem
parte do seu modo de se relacionar com os objetos e situações de aprendizagem,
assim como interferem no desenvolvimento de suas construções cognitivas
e afetivas”. Os alunos nesta atividade fariam toda a parte de organização do
material, como a escrita dos artigos e pesquisas dentro das mídias tecnológicas.
Acredito que com o envolvimento do aluno dentro da sua sociedade despertaria
mais o seu interesse em estar dentro do espaço escolar. (Aluna D)
94 Presença Social
......
Quadro 2 – Exemplos de presença Social
Oi colega!!!! Parabéns pela proposta e sucesso!!! Abraços (Aluna B)
Postei o meu trabalho, porém não consegui ter acesso aos outros comentários
dos colegas, por isso, não comentei nenhum. (Aluna C)

Presença de Ensino
Quadro 3 – Exemplos de presença de Ensino
Proponha uma intervenção inovadora a partir do olhar do psicopedagogo,
utilizando-se das TICs, de forma que sua proposta contribua para o
aprimoramento deste trabalho. Após, leia as propostas dos colegas, critique
construtivamente, troque ideias, (re)vejam autores estudados! Inventem novas
formas de saber-fazer! (Professora)
Pessoal! Sejam profundos e sintéticos! Máximo 20 linhas! Usem a criatividade!
(Professora)

No levantamento das categorias, foram encontradas novas presenças que


auxiliaram a pensar os tipos de interações entre os alunos.

Presença Cognitiva com Interação


Constatou-se a presença cognitiva com interação ao perceber que o aluno
expressa seu aprendizado relacionando textos e, ao mesmo tempo, interagindo
com os colegas no fórum. Por exemplo: respondendo à pergunta de...; con-
cordo com o comentário da colega tal ...; relacionando com o que o colega
falou...
Quadro 4 – Exemplos de presença Cognitiva com Interação 95
......
Concordo plenamente colega J., a escola precisa ser acolhedora, dinâmica,
inovadora, e acredito também que deva ser libertadora. Que os alunos tenham
a oportunidade de se expressarem, de expor suas descobertas e dúvidas. Muito
interessante a ideia do blog, pois com o grande avanço da tecnologia, é preciso
termos escolas dispostas a oportunizar aos alunos a busca de conhecimentos
e informações, que o mundo da tecnologia nos oferece. "A tecnologia deve
servir para enriquecer o ambiente educacional, propiciando a construção de
conhecimentos por meio de uma atuação ativa, crítica e criativa por parte de
alunos e professores". (MORAN, 1995)
MORAN, José Manuel. Novas tecnologias e o reencantamento do mundo.
Revista Tecnologia Educacional. Rio de Janeiro, vol. 23, n2 .126, set. / out.
1995. (Aluna A)

Presença Cognitiva e de Ensino


A presença cognitiva e de ensino ocorre quando o aluno se coloca no
lugar de professor ou monitor e intervém nas publicações dos colegas com
informações sobre o assunto que está sendo tratado, ajudando na compreensão
de algum conceito, ou da disciplina.
Quadro 5 – Exemplo de presença Cognitiva e de Ensino
Olá R.! A tua ideia é muito boa, pois os jornais nas escolas geralmente têm uma
aceitação e participação muito boa por parte dos alunos. A minha sugestão é
de que este jornal fosse on-line para ter um acesso ainda mais facilitado pelos
interessados, além de economizar no papel e impressão. Tu achas que esta
possibilidade seria possível já que a grande maioria dos alunos tem acesso a
alguma tecnologia como celular, tablet ou computador. (Aluna A)
96 Presença Cognitiva e Social
......
Na presença cognitiva e social, além de trazer uma análise cognitiva sobre
a atividade proposta, o aluno cumprimenta/elogia o colega e pode até sugerir
alguma ideia ou proposta.
Quadro 6 – Exemplo de presença Cognitiva e Social
Olá colega M., Achei sua proposta, “Karaokê no recreio”, excelente, pois umas
das atividades que os alunos gostam muito são as que envolvem música. Quero
também te parabenizar pela excelente argumentação, de fato a música incentiva
à linguagem, a criatividade, surgindo daí, muitas vezes, paródias, versos, poesias
e aprendizagens de forma lúdica, com resultados surpreendentes, no que se
refere à fluência e desinibição dos alunos. Desenvolve também um clima de
respeito, de organização, o esperar sua vez, prestigiar o colega, criar duplas, etc.
Torna-se importante salientar que essa atividade podemos equiparar ao que nos
diz Lea Fagundes referindo-se à ativação da aprendizagem “trabalhar consigo
mesmo a percepção de seu próprio valor e promover a autoestima e a alegria de
conviver e cooperar” esse pode ser, com certeza, um dos objetivos da atividade
de Karaokê, quando bem coordenada e organizada.
Fonte: FAGUNDES Léa da Cruz - Texto – Projeto? O que é? Como se faz? Do
livro Aprendizes do futuro: as inovações começaram! (Aluna A)

Presença Social e Agregadora


A presença social e agregadora ocorre quando o aluno traz algum tipo de
conhecimento, seja por outros textos lidos, por experiências vividas ou apren-
dizagens construídas em outras disciplinas, porém não traz nenhum conheci-
mento cognitivo relacionado ao texto que faz parte da atividade presente no
fórum.
Quadro 7 – Exemplos de Presença Social e Agregadora 97
......
Oi J.! Adorei a sua proposta... como professora de Educação Infantil acho que
seria uma ideia muito válida. Cheguei a pensar que poderia ser criada uma
"maleta da leitura" com um tablet ou algo do gênero. Temos essa prática na
minha escola e juntamente mandamos um caderno onde as famílias fazem o
registro, poderíamos fazer tudo isso em um instrumento só. Claro que, essa
ideia fica restrita de acordo com a situação social da turma, pois depende de
maiores cuidados. Por isso, a ideia de uma biblioteca virtual é interessante, pois
acessaria somente quem já possui acesso a esses dispositivos. Parabéns pela ideia
:D (Aluna B)
Oi J. e R. Este aspecto que vocês pontuaram sobre um jornal virtual é
excelente!!! Acredito que a maioria dos alunos e professores teriam acesso e
participação também. Mas alguns alunos (do ensino fundamental) da escola
não teriam acesso, já que a escola está inserida em uma comunidade muito
humilde, somente frequentando o Laboratório de Informática da mesma, que
não seria com tanta frequência. A sugestão foi show e de grande valia para uma
intervenção psicopedagógica utilizando as TICs. Abraços. (Aluna D)

A tabela abaixo resume a frequência das presenças.


Presenças Porto Alegre Santa Maria Sapiranga TOTAL
Fórum/
Polos
Cognitiva 19 32 19 70
Social 11 4 5 20
Ensino 1 1 2 4
Cognitiva 0 3 7 10
com
interação
Cognitiva e 2 0 0 2
de ensino
Cognitiva e 2 3 0 5
Social
98
...... Social 5 15 9 30
agregadora
dos alunos
Total de 40 55 42 141
presenças
Tabela 2 – Resumo das presenças encontradas

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta pedagógica da atividade da disciplina Investigações em Psico-


pedagogia possibilitou a interação dos alunos, gerando aprendizagem. As
aprendizagens dos alunos foram observadas a partir das interações entre eles, o
professor e o tutor, e puderam ser seguidas a partir das presenças encontradas
nos fóruns.
A presença Cognitiva aponta para as aprendizagens, pois são postagens que
trazem o conteúdo da disciplina e do próprio curso como um todo. Tratando-se
do último fórum do curso, observou-se que a presença de Ensino não foi de-
terminante, pois, do total de 141 presenças, foram encontradas apenas quatro
(4) de ensino e setenta (70) cognitivas. Este dado sugere que o curso foi se
construindo com uma proposta que gerou autonomia aos alunos, ou seja, estes
não ficaram dependentes da presença do professor, e o grupo se autogeriu.
As presenças Social e Social Agregadora (20 e 30 respectivamente) podem
apontar para a relação que foi construída ao longo do curso, sendo que os
alunos se cumprimentam, trocam experiências, etc. A presença social é impor-
tante para que um curso se mantenha.
A análise do fórum foi positiva no sentido de se encontrar as interações e
a possibilidade de categorizar as presenças. O estudo aponta para a autonomia
dos alunos, entretanto seria necessário um estudo longitudinal nos fóruns do
curso para poder acompanhar a sua evolução.
REFERÊNCIAS 99
......

ARAUJO, Beatriz Meggiato Oreques de; CUNHA, Ana Paula de Araujo. O papel
do professor como mediador nas interações em fóruns online: possibilidades
de um aprender colaborativo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENSINO
SUPERIOR A DISTÂNCIA, 11, 2014, Florianópolis. Anais..., 2014. Disponível
em: <http://esud2014.nute.ufsc.br/anais-esud2014/ files/pdf/128207.pdf>.
Acesso em: 28 ago. 2015.

CORTE REAL, Luciane Magalhães. O uso de um espaço virtual desafiando a escrita


coletiva em uma universidade pública. In: CONGRESO LATINOAMERICANO
PARA EL DESARROLLO DE LA LECTURA Y LA ESCRITURA, 12; FORO
IBEROAMERICANO DE LITERACIDAD Y APRENDIZAJE, 4, 2013, Puebla,
México. Memoria de Trabajos del XII CLDLyE y IV FILA. Puebla, México,
2013, p. 1039-1046.

CORTE REAL, Luciane Magalhães; MICHAILOFF, Franceline; MACHADO,


Rafaela F.; MACIEL, Aline. Proposta pedagógica em um ambiente virtual de
aprendizagem com ênfase na interação dos alunos para o desenvolvimento
da autonomia. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENSINO SUPERIOR A
DISTÂNCIA, 12, 2015, Salvador. Anais..., 2015.

CORTE REAL, Luciane Magalhães; MACHADO, Rafaela F. Pensando e


avaliando propostas interativas a distância no ensino superior. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO, 3, 2014, Dourados, MS.
Anais..., 2014. p. 233-241. Disponível em: <http://www.br-ie.org/pub/index.
php/wcbie/article/view/3220>.

CORTE REAL, Luciane Magalhães; PICETTI, Jaqueline Santos. Fórum de


discussão: espaço de possibilidades de transformações na convivência. In:
MOODLE MOOT, 2, 2012, Montevideo. Anais..., 2012, p. 1-5.

DIAS, Paulo. Da e-moderação à mediação colaborativa nas comunidades de


aprendizagem. Educação, Formação & Tecnologias, Minho, v. 1, n. 1, p. 4-10, maio
100 2008. Disponível em: <http://eft.educom.pt/index.php/eft/article/view/17>.
......
Acesso em: 28 ago. 2015.

GARRISON, D. Randy; ANDERSON, Terry; ARCHER, Walter. Critical inquiry


in a text-based environment: computer conferencing in higher education. The
internet and higher education, Alberta, Canada, v. 2, n. 2-3, p. 87-105, 2000.
Disponível em: <http://cde.athabasca u.ca/coi_site/documents/Garrison_
Anderson_Archer_Critical_Inquiry_model.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2015.

PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? 14. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1998.

ROJAS, Gerardo Hernández; BECERRIL, Rosa Stephanie Caballero;


GONZÀLEZ, Patricia Sánchez. Creando contextos de b-learning basados en
foros de discusión para la escritura académica de estudiantes universitários.
In: CONGRESO LATINOAMERICANO PARA EL DESARROLLO DE
LA LECTURA Y LA ESCRITURA, 12; FORO IBEROAMERICANO DE
LITERACIDAD Y APRENDIZAJE, 4, 2013, Puebla, México. Anais... 2013, p.
1019-1028. Disponível em: <http://www.inaoep.mx/~cplorg/pdfs/m1.pdf>.
Acesso em: 18 ago. 2015.

ZAUPA, Aglaê Pereira; PEREGO, Cássia Alves; LIBERATI, Maria José Crepaldi
Ganancio; RIZO, Cristiane Maciel. Planejamento para atuação dos tutores
online. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENSINO SUPERIOR A DISTÂNCIA,
11, 2014, Florianópolis. Anais..., p. 1059-1073. Disponível em: <http://
esud2014.nute.ufsc.br/anais-esud2014/files/pdf/126881. pdf>. Acesso em:
18 ago. 2015.
PBWorks na educação a distância: um 101
......

relato de experiência com projetos de


aprendizagem

Muriel Lago1
Glaucia Silva da Rosa2

INTRODUÇÃO

Os avanços tecnológicos que vêm ganhando impulso nas últimas décadas


impactam de forma significativa a sociedade como um todo e modificam os
modos de pensar, agir e de viver da sociedade contemporânea. Diariamente en-
viamos e-mails e mensagens de textos, fazemos pesquisas on-line, registramos
recados no correio de voz, descobrimos telefones e endereços utilizando a in-
ternet, postamos fotos em nossos álbuns virtuais, arquivamos documentos em
nuvens, entre tantas outras coisas. E isso tudo acontece cada vez mais de forma
natural no nosso dia a dia!
Essa naturalidade com que as coisas foram evoluindo e se modificando
também se tornou parte do cenário educacional brasileiro. Inserida na so-
ciedade, a educação, aos poucos, vem dando conta da absorção dessas transfor-
mações, reorganizando-se para atender às demandas deste novo tempo.
O ensino, que há algum tempo era concebido somente na modalidade pre-
sencial, passou a ser ministrado também na modalidade a distância, ganhando,
assim, espaço e tempo nas atividades das pessoas e difundindo-se rapidamente.

1 Tutora do Curso de Especialização em Psicopedagogia e TICs (UFRGS – Polo de São Francisco de Paula. Especialista
em Psicopedagogia e TICs. E-mail: muriellago@yahoo.com.br.
2 Tutora do curso de Especialização em Psicopedagogia e TICs (UFRGS). Especialista em Psicopedagogia e TICs.
E-mail: glauciabert@hotmail.com.
102 Neste contexto, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) são
......
ferramentas indispensáveis, confiando credibilidade, seriedade, e assegurando
meios eficazes ao desenvolvimento da aprendizagem, na modalidade de edu-
cação a distância. Ao pensar nas TICs aplicadas à educação, citamos as palavras
de Corbellini e Real (2012) que nos indicam que “os chats, fóruns, lista de
discussões, blogs, wikis, e-mails e outros” (p. 12) são exemplos destas ferra-
mentas, capazes de frutificar a aprendizagem sob outra perspectiva.
É no contexto apresentado acima que a proposta de desenvolvimento e
pesquisa deste trabalho se insere. Acreditando, cada vez mais, no potencial de
conhecimentos e aprendizagens que podem ser gerados a partir do uso das
TICs no ensino a distância, é que desenvolvemos este estudo de caso a partir
da reflexão acerca de uma disciplina ministrada no Curso de Especialização em
Psicopedagogia e TICs. Essa pesquisa objetivou investigar como acontece uma
aprendizagem significativa por meio da organização de projetos de aprendi-
zagem com a utilização do PBWorks3 na educação a distância.
O presente trabalho está organizado em cinco seções : a primeira faz uma
breve apresentação da temática do trabalho; a segunda apresenta o PBWorks
como uma ferramenta pedagógica para o desenvolvimento de atividades na
modalidade a distância; a terceira aborda a metodologia de projetos de apren-
dizagem; a quarta traz o relato de experiência realizada com a utilização do
PBWorks para construção de um projeto de aprendizagem; e a quinta apresenta
algumas considerações finais sobre a investigação.

PBWORKS: UMA FERRAMENTA PEDAGÓGICA

O PBWorks é uma ferramenta eletrônica de trabalho utilizada para a


construção de páginas na internet de fácil manuseio, em que são permitidas a
edição e a alteração de conteúdo, inclusive por meio de arquivos, entre múl-
tiplos usuários. Nesse espaço, as criações ficam por conta dos usuários que

3 http://www.pbworks.com
podem utilizar links, vídeos, imagens, gifs, textos, enfim, os mais diferentes re- 103
......
cursos para comunicar suas intenções, sejam elas educacionais ou profissionais.
A criação de uma conta no PBWworks é bem simples e está associada às neces-
sidades dos clientes, que escolhem espaços pagos ou gratuitos de acordo com
as condições de armazenamento.
Os workspaces são espaços destinados à construção interativa, e podem ser
públicos ou privados, de acordo com os objetivos propostos para a sua utili-
zação. O responsável pela página pode convidar outros usuários para visitar ou
editar seus workspaces. Também há um espaço destinado aos comentários, que
pode servir como meio de comunicação entre os usuários da página. A foto do
perfil junto ao nome do usuário colabora para a identificação da origem dos
comentários deixados.
No caso de a página contar com mais de um usuário editor, pode-se ve-
rificar o histórico de edição, visualizando os responsáveis pela mesma, recupe-
rando e retornando a versões antigas, caso haja necessidade. Cabe ressaltar que
as edições e comentários apresentam o registro de data e horário em que foram
realizados, facilitando o controle por parte do administrador da página.
Com tantas possibilidades, é visível que o PBWorks oferece benefícios à
construção do conhecimento, que ocorre de maneira interativa e dinâmica,
abrindo caminho à pesquisa, à investigação e à elaboração de relações simples e
complexas, no intuito de exigir do aluno uma postura ativa no desenvolvimento
de suas aprendizagens. Nesse sentido, tutores e alunos reorganizam seus papéis,
comprometendo-se cada qual com suas tarefas, quais sejam: o aluno-pesquisador
e o tutor-problematizador. Concordamos com Silveira e Carvalho (in Silva e Ayres,
s.d) quando relatam que “o desafio das propostas pedagógicas em espaços digitais
de aprendizagem está na superação das práticas que privilegiem o individualismo,
a passividade, o ajustamento e a repetição” (p. 4).
Considerando as ideias apresentadas, a seguir descreveremos a metodologia
de trabalho desenvolvida na disciplina de Projetos e Relações de Aprendizagens nos
Ambientes Virtuais.
104 METODOLOGIA DE PROJETOS DE APRENDIZAGEM
......

Questionar, problematizar e estimular a curiosidade são algumas das ta-


refas necessárias ao educador, no intuito de provocar a construção do conhe-
cimento nos educandos. Da mesma forma, cabe ao aluno a tarefa de investigar,
pesquisar, avaliar hipóteses e tomar decisões para reorganizar seus pensamentos
e evoluir no seu processo de busca pelo saber.
Nesta perspectiva, entendemos os Projetos de Aprendizagem (PAs) como
uma metodologia fundamentada numa concepção epistemológica interacio-
nista-construtivista-sistêmica. É importante destacar que, segundo Trein e
Schlemmer (2009), o projeto não segue uma ordem prévia de suas etapas,
que são: certezas provisórias, dúvidas temporárias, objetivos, desenvolvimento
e sistematização. Sendo assim,

[...] a metodologia pode ser desenvolvida a partir de uma plataforma temática


definida ou livre, sendo esta uma decisão coletiva entre estudantes e educado-
res, que considera desejos, necessidades, atualidade, características da área de
conhecimento em questão e propósitos a serem perseguidos. As decisões são
heterárquicas e o trabalho se desenvolve num clima de colaboração e respeito
mútuo na busca do desenvolvimento da autonomia, da autoria e coautoria, da
cooperação e da solidariedade. (BACKES e SCHLEMMER, 2013, p.251)

Organizada a partir da plataforma temática de interesses dos alunos, essa


metodologia contribui para o desenvolvimento da autonomia e da autoria, tanto
individual quanto coletiva, estimulando a colaboração e a cooperação entre os
sujeitos envolvidos.
De acordo com Magdalena e Costa (s.d.), os PAs são carregados de sentido
por serem elaborados a partir de temas de interesse de seus autores. São ori-
ginados a partir de dúvidas e questionamentos, de questões que inquietam o
grupo de pessoas, e, portanto, são passíveis de pesquisa e investigação.
Seguindo esta lógica, os PAs tornam-se ricos instrumentos de aprendi-
zagem, na medida em que oportunizam o estudo a partir da pesquisa, da análise,
do confronto e da reorganização de ideias, aumentando, assim, o espírito de 105
......
investigação e busca pelo saber.
A metodologia dos PAs vai ao encontro da utilização do PBWorks en-
quanto ferramenta de ensino, pois ambas carregam características similares. A
ferramenta PBWorks possibilita a criação dos espaços do ambiente, pois nela
não há nada pronto. Cabe ao usuário utilizar sua imaginação e conhecimentos
para “fazer nascer” a sua página, que pode ser composta pelos mais diferentes
recursos, avaliados e escolhidos pelo administrador (aluno), no intuito de
tornar-se atraente e confiável, de acordo com os objetivos a que se propõe. De
modo similar, a metodologia dos PAs confere ao aluno uma postura de busca
autônoma, que exige investigação, reflexão e tomada de decisões. Sendo assim,
ambos se tornam mecanismos de construção coletiva.

RELATO DE EXPERIÊNCIA: A CONSTRUÇÃO DE UM PA NO


PBWORKS

O presente relato apresenta um trabalho desenvolvido durante a reali-


zação da disciplina de Projetos e Relações de Aprendizagem nos Ambientes Virtuais do
Curso de Especialização em Psicopedagogia e TICs da UFRGS, no Polo de São
Francisco de Paula. O objetivo da disciplina foi promover o contato das alunas
com a metodologia de ensino dos PAs a partir do uso das TICs, no intuito de
que elas pudessem refletir acerca da sua viabilidade e dos benefícios de sua
aplicação no âmbito educacional.
A proposta foi ministrada após, aproximadamente, seis meses do início do
curso e foi precedida por disciplinas que lhe deram subsídios: Introdução à EAD;
Educação: Aprendizagem, Desenvolvimento e Problemas de Aprendizagem; Fundamentos
Gerais da Psicopedagogia; Ambientes Virtuais de Aprendizagem.
De acordo com as professoras responsáveis pela disciplina em questão,

Os projetos de aprendizagem são apresentados como fontes de inspiração


para a construção e planejamento de práticas pedagógicas em sala de aula, nas
106 quais a interação, interdisciplinaridade, autonomia e autoria são elementos
......
fundamentais em um processo de produção de conhecimento acerca do que os
alunos verdadeiramente querem aprender. As propostas para o desenvolvimento
desses projetos devem ser construídas em torno do levantamento e exploração
de perguntas feitas pelos alunos, oriundas dos seus interesses de aprendizagem
(REAL e HERNANDEZ, 2015) 4

Sendo assim, o desenvolvimento da proposta ocorreu em etapas com-


plementares que fomentaram o estudo, a reflexão e, posteriormente, a apli-
cação das aprendizagens. Após realizarem leituras referentes à importância de
incentivar o desenvolvimento do espírito investigativo e curioso, as alunas do
curso foram solicitadas a lançar, em um fórum, perguntas para as quais ainda
não tinham respostas, as quais deveriam partir de suas curiosidades e de seus
interesses.
Segundo Piaget (1976), em sua teoria sobre o processo de aprendizagem,
a construção do conhecimento não pode ser compreendida apenas pela es-
trutura interna do sujeito. O autor apresenta o processo de aprendizagem como
resultado da interação do sujeito com o objeto, não existindo conhecimento
resultante de um simples ato de observação. Sendo assim, faz-se necessário
perceber a importância da reflexão, da perturbação e do questionamento.
Freire e Faundez (2002) propõem uma pedagogia da pergunta, pois é a
partir da pergunta que surge o interesse pelo conhecimento. Desta forma, esti-
mular uma aprendizagem voltada para a pergunta e para curiosidade é auxiliar
o aluno a desenvolver um pensamento crítico e criativo. Fagundes et al. (1999)
sustentam que uma prática mais flexível e desafiadora a alunos e professores é
que leva ao surgimento das perguntas.
No contexto deste relato, a primeira pergunta e dificuldade que o grupo
trouxe foi: “O que perguntar?”. Percebemos que a dificuldade em questionar
não é uma afirmação de que conhecemos ou sabemos tudo, e sim um reflexo
da educação a que fomos submetidos na sociedade, na família e na escola.

4 REAL, Luciane Magalhães Corte; HERNANDEZ, Evelyse Ramos Itaqui. Disponível em: <https://moodle.ufrgs.br/
course/view.php?id=29575>.
Nascemos curiosos, sedentos pelo saber, porém, pouco a pouco, pelas influências 107
......
do meio social e educacional, essas curiosidades são banidas, julgadas, até se tor-
narem adormecidas. A curiosidade dá lugar a certa acomodação, e o óbvio ocupa
o lugar do inusitado.
Em contrapartida, temos ciência de que são as perguntas que nos movem,
que nos incentivam e nos motivam na busca pelo saber. Deste modo, para formar
alunos pesquisadores, precisamos, antes de mais nada, assumir essa postura de
professor investigador e pesquisador. Para tanto, necessitamos nos permitir ser
curiosos, ser observadores e questionadores frequentes, tomando sempre as cer-
tezas como provisórias e as dúvidas como temporárias, concebendo a flexibilidade
da informação a partir de nossa capacidade de reflexão acerca dela.
Finalizado o período de divulgação das curiosidades em forma de per-
gunta, foram organizados no PBWorks os grupos de trabalho. Constituíram-se
seis grupos de acordo com a afinidade das curiosidades que foram apresentadas
no fórum inicial. As comunidades de escrita criadas foram: Alimentação e Saúde;
Diagnóstico e Inclusão; Processo Ensino-Aprendizagem; Comportamento Humano; Prática
Pedagógica e Escola; Escola e Cultura.
Desse momento em adiante, ocorreu uma mudança de postura na cons-
trução do conhecimento, que passou do modo individual para coletivo. A partir
da pergunta inicial registrada no fórum, organizou-se uma tabela que continha
duas colunas: certezas provisórias e dúvidas temporárias. Nessa tabela, cada componente
do grupo registrou o que julgava ter certeza sobre o tema em discussão, lançando
também as suas dúvidas. Destacam-se os termos “provisórias” e “temporárias”,
tendo-se em vista a transitoriedade dos conhecimentos que adquirimos. Nada é
estável; pelo contrário, na busca pelas informações, as ideias se recompõem à luz
de nossas pesquisas, ganhando outros enfoques e direcionalidades.
No quadro abaixo, ilustramos algumas certezas provisórias e dúvidas tem-
porárias registradas pelos grupos que se formaram no Polo de São Francisco de
Paula.
108
...... Temática do Grupo Certezas Provisórias Dúvidas Temporárias
O sedentarismo está O que fazer para que não
sendo considerado tenhamos mais crianças tão
Alimentação e Saúde
a doença desta sedentárias?
geração.
A escola inclusiva Na escola há um processo de
necessita de interação ou inclusão?
mudanças
no contexto
educacional, nas
transformações
Diagnóstico e In-
de ideias, de
clusão
atitudes, e da
prática das relações
sociais, tanto no
âmbito político,
administrativo, como
didático-pedagógico.
Está comprovado que Quais são as contribuições
aprendemos quando que o uso das Tecnologias da
sentimos curiosidade Informação e Comunicação
e quando nos (TICs) podem trazer para o
Processo Ensino- sentimos encorajados processo ensino-aprendizagem?
Aprendizagem a questionar.
Também sabemos
que cada ser é único
e tem seu ritmo de
desenvolvimento.
O ser humano Quando, como e por que o
tem a necessidade homem passou a questionar sua
Comportamento
de buscar realidade e ir em busca de novas
Humano
conhecimento. possibilidades de mudanças e,
em consequência, evolução?
A formação Mediamos a aprendizagem ou 109
......
continuada dos formatamos o saber?
Prática Pedagógica e
professores tem que
Escola
atender às exigências
da sociedade atual.
A educação está Há diferença entre a cultura
Escola e Cultura totalmente ligada à apresentada na escola e a
cultura, e vice-versa. cultura vivenciada fora dela?

A partir desta pequena amostra, e observando os registros organizados


por cada grupo, percebemos que, para cada “certeza provisória” registrada na
tabela, foi inserida mais de uma “dúvida temporária”. Ao total foram regis-
tradas 149 “dúvidas temporárias” que emergiram de 80 “certezas provisórias”.
Esses números reafirmam a ideia de que o ato de perguntar deve ser explorado
e instigado, para gerar novos conhecimentos a partir das buscas pelas respostas
a esses questionamentos. Relacionando esta etapa com a etapa inicial de lan-
çamento de perguntas no fórum, pudemos perceber o avanço dos grupos, que
se permitiram questionar, que refletiram e, a partir de suas reflexões, iden-
tificaram elementos e ideias que não conheciam por completo, e, portanto,
mereciam pesquisa e investigação.
Após a etapa inicial do trabalho e também de familiarização com o PB-
Works, iniciou-se o desenvolvimento da pesquisa e investigação, que tinha
por objetivo testar as hipóteses descritas, analisando-as e reorganizando-as de
acordo com as descobertas que vinham sendo realizadas. Buscando a ampliação
de seus conhecimentos sobre o assunto, os alunos utilizaram os recursos da
internet, buscando vídeos, imagens e leituras que contribuíssem com a inves-
tigação. Ao pesquisar os assuntos que geravam suas dúvidas, as alunas também
questionaram ou reafirmaram suas certezas temporárias, pois uma leitura,
um vídeo, ou outro material, poderiam, ao mesmo tempo em que dirimiam a
dúvida, desmontar uma certeza.
Pouco a pouco, o workspace do PBWorks foi preenchido por informações
110 complementares com um tema em comum. Tais informações precisavam ser
......
organizadas de modo a compor uma escrita colaborativa e uniforme, que tra-
duzisse as descobertas e conclusões do grupo sobre o assunto.

O desafio de uma produção escrita de maneira colaborativa exige dos partici-


pantes a ênfase e a vontade de fazê-lo, em um processo contínuo de exposição
de ideias, argumentação e negociação. Este processo necessita de uma dinâmica
ágil, onde o esforço a ser despendido possa efetivamente ser dirigido para o ato
criativo em si e não para a busca da superação das dificuldades do ato mecânico
de escrever o material (ALONSO, RIZZI e SEIXAS, 2003, p. 13).

O trabalho de escrita colaborativa no PBWorks requereu mais atenção dos


alunos e dos tutores, ambos participantes do processo. Era necessário que se fi-
zesse uma leitura minuciosa, selecionando aquilo que seria reorganizado, e, talvez,
retirado do workspace, analisando informações que se repetiam e outras que se
complementavam, enfim, amarrando as ideias na construção de uma escrita coe-
rente e coesa que traduzisse os objetivos que o grupo havia se proposto a atingir.
Nesta fase do trabalho, precisa-se chegar a acordos e trabalhar em equipe.
Sem conectividade e colaboração entre os membros do grupo, a pesquisa perde
seu foco e não se constitui como uma pesquisa cooperativa, passando a ser uma
organização gradual de ideias que se assemelham, porém não se completam.
Destacamos aqui as ideias de Piaget, descritas por Sanchis e Mahfound (2010,
p.4), que nos lembram que a

[...] construção do conhecimento (ativa por parte do sujeito, mas possibilitada


por sua inserção no mundo) é o que permite a construção de estruturas de com-
preensão (no sujeito) cada vez mais equilibradas, ao mesmo tempo em que uma
estruturação (em termos de significado) cada vez mais abrangente do mundo.

Desta forma, entendemos que a construção do saber se dá na interação


com os demais, nas construções coletivas, na investigação e nos processos de
tomada de consciência, nos quais cada membro do grupo necessita colocar-se
no lugar do outro, compreendendo sua maneira de pensar, para, assim, expor
seu ponto de vista por meio de argumentos. 111
......
Ressalte-se a importância da atuação dos sujeitos da modalidade EAD,
especificamente os tutores, que têm a função de orientar a relação acadêmica e
de aprendizagem entre aluno e instituição. A esse profissional também é neces-
sária autonomia, pois ele precisa de saberes múltiplos para a efetiva construção
do saber através do direcionamento às práticas necessárias nessa modalidade de
ensino, realizando contatos em grupo e individuais, aclarando as dúvidas que
vão surgindo no decorrer do processo.
Ao utilizar o PBWorks, tutoras e estudantes buscaram o estabelecimento
de uma comunicação clara, que fosse eficaz ao bom andamento das atividades.
Neste caso, além da utilização da troca de mensagens por correio eletrônico,
foram utilizados os contatos via telefone, a fim de que os estudantes criassem
uma relação mais ágil e pontual com as tutoras, resolvendo possíveis dúvidas
apresentadas inicialmente.
No decorrer desse processo, novas interações foram consideradas, como
contatos via Skype e WhatsApp, a fim de garantir o sucesso da aprendizagem
na realização das atividades propostas em grupo, além da conscientização por
parte dos estudantes quanto à rotina e à dedicação necessárias ao seu desenvol-
vimento pleno na utilização dos recursos digitais como meios facilitadores da
aprendizagem e das competências exigidas nessa modalidade de ensino.
Além das ferramentas acima citadas, as mensagens enviadas via Moodle
também foram de grande valia nesse processo. Foram mensagens direcionadas,
destinadas aos grupos específicos que desenvolviam suas escritas no PBWorks.
Nas mensagens, foram utilizadas chamadas para trazer os alunos ao compro-
misso de participar do processo de construção do PA. Essas mensagens foram
essenciais, principalmente na etapa final do trabalho, pois era preciso organizar
o trabalho, redigindo para sua elaboração uma introdução e uma conclusão, de
acordo com a coleta de dados que havia sido realizada.
Como chamada para esta tarefa realizada em equipe foram utilizadas mensagens
semelhantes a esta que segue:
112
......
Olá cursistas!
Na página do grupo no Pbworks, a colega E. já iniciou a escrita de um texto
colaborativo de introdução. Vamos lá! Passem por lá, editem a página e
adicionem suas ideias para contribuir com a introdução do trabalho (lembrem-
se de assinalar seus nomes no final da escrita, para marcar a autoria). Após,
iniciem, ao final das postagens do grupo, uma breve escrita colaborativa para
compor uma conclusão do trabalho.
O trabalho de vocês já conta com várias fontes e materiais interessantes. Vamos
alinhar essa parte (introdução e conclusão) para aproximar as informações
contidas nele.
Aguardo vocês por lá!

Aos poucos, pudemos acompanhar os grupos na organização das escritas


colaborativas da introdução e da conclusão, bem como na organização do con-
teúdo de desenvolvimento das pesquisas realizadas. Percebemos a importância
do envio de mensagens mais direcionadas, na medida em que colocam o grupo
todo na responsabilidade pela realização da atividade, promovendo a colabo-
ração e a interação entre os integrantes do mesmo.
À medida que foram estimuladas e instigadas a participar, as alunas lan-
çaram-se novamente na caminhada de busca pelo saber, estabelecendo relações
e construindo saberes nas trocas vivenciadas. Também, pouco a pouco, aventu-
raram-se no sentido de ganhar autonomia, buscando por si só meios de contato
com as colegas, incitando a participação de todos na elaboração do trabalho.
Como resultado, tivemos PAs bem elaborados, constituídos como uma
trama das “certezas provisórias” e das “dúvidas temporárias” de cada grupo,
carregados de criticidade, empatia, respeito e, acima de tudo, colaboração.
CONSIDERAÇÕES FINAIS 113
......

Acompanhando esta proposta de construção de PAs no PBWorks, foi


possível mensurar a importância do olhar atento do tutor para cada um dos
alunos, visto que cada qual traz consigo suas particularidades, habilidades e
impedimentos.
A partir deste olhar, foi possível perceber também que alguns alunos
foram muitos ágeis, começaram rapidamente a explorar as possibilidades de
construção no espaço virtual, conectando-se ao grupo com maior facilidade e
contribuindo com o desenvolvimento da proposta de uma maneira mais ativa.
Já outros alunos, com maiores dificuldades, precisaram ser orientados de ma-
neira mais cuidadosa, de modo a substituir a resistência inicial pela superação
de seus próprios limites.
Superadas as dificuldades e construídas as aprendizagens, os alunos re-
fletiram acerca da proposta e interagiram com outros grupos, lendo e contri-
buindo com os trabalhos dos colegas. Destacamos, abaixo, alguns relatos que
mostram as sensações ofertadas pela participação na construção dos PAs :

Acredito que este entrosamento é muito válido e é um dos principais objetivos


deste trabalho. Apesar de ser uma ferramenta nova, desafiadora para todos nós,
o grupo se saiu muito bem [...].

Acho muito interessante o trabalho com projetos de aprendizagem. Já trabalhei dessa


forma com alunos, porém na modalidade pesquisa de opinião, em um pro-jeto
desenvolvido em parceria com a Universidade. Essa experiência mostrou-me que
as certezas e dúvidas, sejam elas provisórias ou permanentes, ao logo do processo
são alteradas significativamente. Percebo que para a turma é prazeroso trabalhar
dessa forma, afinal o assunto pesquisado parte do interesse da turma. As surpresas
são imensas quando os alunos percebem que as suas certezas e dúvidas não são
comprovadas. Porém o que mais me deixou impressionada foi o fato do conhecimento
adquirido através dessa metodologia permanecer. Vejo nos Projetos de Aprendizagens
uma forma de tirar nosso aluno da "zona de conforto" e instigá-los a pesquisar.
114
...... Percebi que não fui só eu que me perdi com a nova ferramenta e que toda a
ajuda é bem-vinda. Os PAs e as TICs integram os saberes à prática, assim sendo,
proporciona ao professor uma maior capacidade crítica de sua ação pedagógica
e novas possibilidades de interagir com os interesses dos alunos.

A experiência de estar fazendo uma pós EAD e também de aprender a


manipular o PBWorks pra mim estão sendo de grande aprendizado, além de
aprender, também contribui, com certeza, com meus colegas. O PA para mim
foi uma busca de informações e investigações e no momento das interações com
o grupo foi a parte que achei mais complicada [...] Com essa experiência, um
dos principais aspectos a pontuar foi que temos que aprender muito para que o
trabalho seja de forma cooperativa, nos adaptando mais as trocas e interações
com os grupos e com essa nova forma de aprendizado.

Penso que o percurso a ser trilhado num PA é constituído por professor e aluno,
pois ambos trilham por um caminho de aprendizagens e novas descobertas. O
professor orienta seu estudante a guiar por pesquisas que mostrarão as respostas
para a confirmação das suas certezas e dúvidas. Nesse compasso, nem sempre
tudo estará definido e pronto, muitas alterações podem acontecer, nem mesmo
o professor terá todas as respostas e se surpreenderá com muitos resultados
encontrados. O currículo, no contexto escolar, com suas possíveis flexibili-
dades vai se ajustando conforme a necessidade de estudo e direções que o pro-
jeto vai tomando.

O uso da metodologia de Projetos de Aprendizagem contribui para a formação


de alunos cientistas, pois ao longo do projeto há construção de conhecimentos,
com trocas e socialização de aprendizados. Em todos os momentos acontece a
organização e a reelaboração na produção do projeto, fazendo assim uma cons-
trução de aprendizagem para todos os envolvidos.

Trabalhar com PAs na escola amplia as oportunidades de os alunos enriquece-


rem seus conhecimentos, construindo suas próprias aprendizagens a partir das
relações entre conhecimento prévio, curiosidades e pesquisa.
115
Gostei da metodoloia de projetos de aprendizagem utilizada nesta atividade no ......
PBWorks. Achei dinâmica, desde a organização dos assuntos até na atividade
da elaboração do Projeto de Aprendizagem. O PBWorks foi uma ferramenta
nova para mim; acredito que ela já está ressignificando em minhas práticas
como professora; pois já tenho algumas ideias de Projetos de Aprendizagem
para meus alunos utilizando o PBWorks. Tanto os Projetos de Aprendizagem
como as TICs poderão ser trabalhados de maneira que os alunos construam
sua própria autonomia, é uma construção de aprendizagem mútua, professor e
aluno com experiências desafiadoras.

Analisando os relatos, percebemos quão rica foi a experiência para as


alunas do Curso de Especialização em Psicopedagogia e TICs. Ao vivenciar a
proposta da construção de PA utilizando o PBWorks como ferramenta de re-
gistro, as alunas conheceram uma forma dinâmica, ativa e interativa de cons-
trução do conhecimento e aprendizagem.
Com isso, destacaram, em seus relatos, a importância da interação e
das trocas de experiências contidas nessa “nova forma de aprender”5 . Um
aprender que se alicerça nos interesses dos alunos e em suas descobertas. Um
aprender flexível no tempo e espaço, que é organizado, retomado e planejado
tantas vezes quantas forem necessário, no intuito de gerar uma aprendizagem
significativa. Um aprender que é solidário e, portanto, ampara. Um aprender
que permanece, na medida em que o aluno se torna cientista e autor, à medida
em que ele pesquisa, analisa, interpreta e reformula seus conhecimentos.
As opiniões registradas acima revelam que o objetivo da disciplina foi
alcançado, pois percebemos, a partir delas, que os PAs encantaram seus par-
ticipantes/alunos, mostrando-se uma proposta inovadora aliada às TICs e, por-
tanto, adequada ao cenário educacional contemporâneo.

5 Expressão utilizada em um relato de uma aluna do curso falando da experiência vivenciada.


116 REFERÊNCIAS
......

ALONSO, Cleuza Maria Maximino Carvalho; RIZZI, Claudia Brandelero;


SEIXAS, Louise Marguerite Jeanty de Seixas. Software EquiText: uma
ferramenta para escrita colaborativa na web. In: TALLER INTERNACIONAL
DE SOFTWARE EDUCATIVO, 8, 2003, Santiago, Chile. Anais..., 2003.
Disponível em: <http://www.tise.cl/2010/archivos/tise2003/software/
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BACKES, Luciana. SCHLEMMER, Eliane D. R. Práticas pedagógicas na


perspectiva do hibridismo tecnológico digital. Diálogo Educacional, PUCPR, v.
13, n. 38, p. 243-266. 2013.

CORBELLINI, Silvana; CORTE REAL, Luciane Magalhães. Caleidoscópio:


as multivisões facetadas da pesquisa cooperativa na Educação a Distância.
In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA;
ENCONTRO DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA.
2012. São Carlos. Anais..., 2012. Disponível em: <http://sistemas3.sead.ufscar.
br /ojs/Trabalhos/289-1001-1-ED.pdf 2012>. Acesso em: 8 dez. 2015.

COSTA, Iris Elisabeth Tempel; MAGDALENA, Beatriz Corso. Revisitando os


projetos de aprendizagem, em tempos de web 2.0. Disponível em: <http://
www.virtual.ufc.br/cursouca/ modulo_3/projetos_sbie.pdf>. Acesso em: 8
dez. 2015.

FAGUNDES, Léa da Cruz; SATO, Luciane Sayuri; MAÇADA, Débora


Laurino. Projeto? O que é? Como se faz? In: ____. Aprendizes do futuro: as
inovações começaram! Brasília: MEC, 1999. p. 15-26. (Informática para a
Mudança na Educação). Disponível em: <http://repositorio.furg.br/bitstream/
handle/1/1130/Aprendizes%20do%20Futuro.pdf?sequence=1>. Acesso em:
8 dez. 2015.

FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. 5. ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
PIAGET, Jean. A equilibração das estruturas cognitivas. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. 117
......

SANCHIS, Isabelle de Paiva; MAHFOUD, Miguel. Construtivismo:


desdobramentos teóricos e no campo da educação. Revista Eletrônica de Educação,
São Carlos, v. 4, n. 1, p. 18-33, maio/2010. Disponível em: <http://www.
reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/article/viewFile/120/86>. Acesso em: 24
fev. 2016.

SILVA, Albina Pereira de Pinho; AYRES, Sandra Regina Braz. O uso do Pbworks
como espaço digital de aprendizagem. Minicurso. Disponível em: <http://
sinop.unemat.br/v-semi-info-edu/wp-content/uploads/2013/07/uso_do_
pbworks_como_como_espaco_digital_de_aprendizagem.pdf>. Acesso em: 8
dez. 2015.

TREIN, Daiana; SCHLEMMER, Eliane D. R. Projetos de aprendizagem


baseados em problema no contexto da web 2.0: possibilidades para a prática
pedagógica. e-Curriculum, PUC-SP, v. 4, n. 2, p. 1-20, jun. 2009.
Facebook na EAD 119
......

Natália Hends de Medeiros1


Iris Cristina Datsch Toebe2

INTRODUÇÃO

A Educação a Distância (EAD) vem se destacando como uma modalidade


de ensino no Brasil, indo ao encontro das orientações, previstas na legislação,
para promover o acesso democrático à educação. A EAD está gradativamente
fazendo uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), e os
Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), através do uso da internet, opor-
tunizam um número cada vez maior de interações síncronas e assíncronas entre
professores e alunos, de modo a primar pela qualidade dos processos de ensino
e de aprendizagem. Em 2005 foi criada a Universidade aberta do Brasil (UAB),
a qual concentra cursos EAD para desenvolver a formação continuada de pro-
fessores de escolas públicas do Brasil.
Destaca-se a importância de professores, tutores e alunos desenvolverem
a fluência tecnológica, os princípios da autonomia para alcançar os objetivos do
curso, bem como a construção de conhecimento sólido e significativo.
Este trabalho tem como objetivo demonstrar a importância das interações
socioafetivas no Facebook como um auxílio na prática da EAD. Os dados para
esta pesquisa são provenientes da prática e do acompanhamento de uma turma
de alunos que realizaram o curso de Especialização em Psicopedagogia e TICs, ofe-
recido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no polo

1 Tutora EAD na UFRGS (Polo UFSM). Especialista em Psicopedagogia. E-mail: natalia_hends@gmail.com


2 Professora do Instituto Federal Farroupilha (São Borja). Licenciada em Pedagogia. E-mail: iristoebe@gmail.
com.
120 de Santa Maria. De acordo com critério de seleção para ingresso no curso,
......
os alunos são professores vinculados a instituições públicas de ensino. Neste
trabalho, são descritos os perfis pedagógicos dos sujeitos envolvidos e, ainda, a
importância da integração das TICs na EAD.

PERFIS PEDAGÓGICOS NA EAD

No contexto da EAD, é fundamental que os sujeitos estejam dispostos a


desenvolver fluência em relação aos aparatos tecnológicos. Isso permite que
professores e tutores desenvolvam a capacidade de mediação e problematização
dos conteúdos curriculares, bem como dos desafios que poderão surgir no de-
correr das atividades. Também é fundamental que os estudantes desenvolvam
a fluência tecnológica, pois é através das TICs que eles irão desenvolver as
atividades propostas, e dependerá do empenho de cada um a construção do
conhecimento de modo significativo ou não. A seguir são abordados os perfis
dos sujeitos envolvidos no contexto desta pesquisa.

Professor
Segundo Belloni (2006 apud BEHAR; SCHNEIDER; SILVA 2013) “o
papel que o professor assume na EAD é o de parceiro do estudante no processo
da construção do conhecimento” (p. 153). O professor aproxima-se do aluno
ao acompanhar a construção do seu conhecimento nas participações nos AVAs.
Para tanto, é fundamental que o professor que atua na EAD desenvolva domínio
das novas TICs, de modo a potencializar suas práticas pedagógicas e, assim,
identificar as necessidades curriculares e afetivas dos alunos, possibilitando, por
meio de diálogo problematizador, a construção da aprendizagem significativa e
inovadora.
O professor na EAD necessita também saber compreender a realidade na
qual os seus alunos estão inseridos para, dessa forma, construir situações que
oportunizem a contextualização de suas experiências, para juntos construírem
as aprendizagens por intermédio dos AVAs. Cabe ao professor na EAD propor 121
......
estratégias didáticas por meio das quais o aluno conseguirá organizar seus es-
tudos. Behar (2009) afirma que “as estratégias para aplicação das arquiteturas
pedagógicas dão dinamicidade a elas, ou seja, aos processos constitutivos do
modelo pedagógico” (p. 31). O fazer pedagógico exige que o professor na EAD
planeje e organize a seleção dos materiais para atender e desenvolver as poten-
cialidades dos alunos.
Meirieu (1989 apud PERRENOUD, 2000, p.11), em relação ao papel
docente, afirma que esse é uma:

Prática reflexiva, profissionalização, trabalho em equipe e por projetos, autono-


mia e responsabilidade crescentes, pedagogias diferenciadas, centralização sobre
dispositivos e sobre as situações de aprendizagem, sensibilidade à relação com
o saber e com a lei delineiam um roteiro para um novo ofício.

Assim, pode-se destacar a importância de o professor exercitar a análise


crítica em relação a sua prática, para que seja capaz de desenvolver sua profissão
de modo a contribuir para a formação dos alunos.

Tutores
O tutor na EAD deve ter um perfil instigador na mediação da construção
do conhecimento do aluno. É ele que estimula a participação do aluno, de modo
a auxiliar na sua permanência no curso, esclarecendo dúvidas, incentivando-o a
prosseguir, bem como contribuindo para a avaliação da aprendizagem. Segundo
Netto, Giraffa e Faria (2010 apud NETTO, 2014, p.1):

Para um professor tutor atuar com qualidade na Educação a Distância precisa ter
competência técnica, relacionado ao uso de hardware e software, competência
em metodologias de EAD, organização, disciplina, disponibilidade, flexibilidade,
presença virtual constante e pré-disposição para a interatividade.
122 Conforme Preti (1996 apud BEHAR, SCHNEIDER; SILVA, 2013, p.
......
160):

[...] o tutor, respeitando a autonomia da aprendizagem de cada cursista, estará


constantemente orientando, dirigindo e supervisionando o processo de ensino-
aprendizagem [...]. É por intermédio dele, também, que se garantirá a efetivação
do curso em todos os níveis.

Para tanto, o tutor assume, sem dúvida, um papel importantíssimo que,


para que possa se desenvolver a contento, necessita cada vez mais de respaldo
pedagógico do professor e do psicopedagogo, pois é ele que constrói o elo entre
os principais atores envolvidos na EAD – professor, tutor e aluno.
A relação pessoal é muito significativa entre os tutores e os demais atores
participantes da EAD. O tutor é um educador que necessita desenvolver algumas
capacidades e habilidades, como: maturidade emocional, liderança, bom nível
cultural, empatia, cordialidade e ser um bom ouvinte. Isso porque muitas vezes os
alunos buscam auxílio para compreenderem fatos de suas vivências profissionais
e pessoais.

O tutor deve ser um agente motivador e orientador, além de saber acompanhar,


avaliar e ter conhecimento sobre os conteúdos. Com isso, desempenha um papel
importante para colaborar no processo de ensino e de aprendizagem, princi-
palmente com o permanente feedback para garantir a aprendizagem do aluno a
distância (BEHAR, SCHNEIDER e SILVA, 2013, p. 161).

Alunos
Para estudar na modalidade EAD, o aluno necessita de um novo perfil: um
aluno virtualizado, imerso nas Tecnologias de Informação e Comunicação. Alguns
desses alunos já nasceram em contato com recursos tecnológicos, e outros estão
alfabetizando-se digitalmente.

Da mesma maneira que existem jovens que estabelecem uma relação distante com
as TIC, podemos encontrar pessoas de idade mais avançada que desde o começo
entram na rede e, atualmente, suas formas de trabalhar, comunicar-se e pensar 123
......
estão firmemente mediadas por sistemas informatizados (MONEREO e POZO,
2010, apud LONGARAY, 2014, p. 98).

Para Moore e Kearsley (2008 apud BEHAR; SCHNEIDER; SILVA, 2013, p.


162), nem sempre o aluno virtual consegue se adaptar a essa modalidade de ensino.
Os autores afirmam que:

Toda pessoa que participa da elaboração e do ensino de cursos precisa com-


preender as motivações do adulto para participar de um programa de aprendizado
a distância e o que significa em termos de criação e veiculação de tais programas.
Os adultos possuem muitas preocupações em suas vidas (trabalho, família, vida
social), e a educação a distância precisa incluir essas preocupações com recursos
na elaboração e instrução, e também como fontes potenciais de problemas que
podem dificultar e o estudo.

Nesse sentido, Behar e Notare (2013, p.182) afirmam que:

[...] para que o aluno tenha sucesso em um curso virtual é preciso automotivação
e autodisciplina, pois o ambiente on-line é livre e, juntamente com a liberdade,
deve haver responsabilidade, comprometimento e disciplina. Além disso, deve
saber trabalhar em conjunto com seus colegas para atingir seus objetivos de
aprendizagem e do curso. Sabendo que o professor é apenas o facilitador, o
aluno se torna responsável pelo seu processo de aprendizagem.

É necessário que o professor compreenda o potencial de seus alunos e, da


mesma forma, o tutor consiga instigá-los. Aprender na EAD é um processo gra-
dativo, de construções e reconstruções de conhecimento por todos os atores
envolvidos. Não cabe ao aluno ser receptor de informações, mas, sim, assimilá-las
para lhes dar sentido. Logo compreende-se que, através da partilha de saberes, o
professor e o tutor também aprendem com seu aluno.
Freire (1987), em Pedagogia do Oprimido, apresenta um perfil de aluno que
podemos redimensionar para uma leitura atual na modalidade EAD. O aluno
EAD necessita ter um perfil pedagógico de fomentador de sua autonomia, que
124 seja disciplinado com seus fazeres pedagógicos, que seja proativo, motivado a
......
aprender, organizado, dominante das novas TICs, que saiba compreender o que
lê, que tenha foco, que tenha domínio da linguagem escrita, que saiba administrar
o tempo de estudo, que consiga autogerenciar a continuidade da frequência de
seus estudos sem precisar de supervisão sistemática e que tenha facilidade com
AVA.

O APOIO DAS TICS PARA A INTERAÇÃO NA EAD

As TICs vêm sendo integradas cada vez mais no âmbito educacional, o que
pode ser evidenciado nas instituições de ensino em todos os níveis e modalidades.
Exemplo disso são os cursos desenvolvidos por meio de AVA, e de outras ferra-
mentas, e recursos disponíveis na rede. Assim, é importante compreender alguns
modelos de tecnologias que podem auxiliar nesse processo de integração das TICs
para potencializar os processos de ensino e de aprendizagem.
Ortiz (2001) conceitua três modelos de tecnologia a serem adaptados a todos
os Ambientes Virtuais de Aprendizagem: a) Tecnologias transmissíveis – centradas
no instrutor; b) Tecnologias interativas – centradas no aluno; c) Tecnologia colabo-
rativa – centrada na colaboração em grupo.
Segundo Ortiz (2001), as tecnologias transmissíveis são aquelas adaptadas para
compartilhar informações, as quais fazem o uso de computadores com as diversas
tecnologias digitais, como, por exemplo, os vídeos. As tecnologias de informação e
comunicação interativas oportunizam ao aluno determinado controle de navegação,
ou seja, pressupõem que o aluno seja experiente em ambientes da web. A tecnologia
colaborativa faz o aluno utilizar a interface homem-máquina construindo, nesse
espaço virtual, seu ambiente de partilhas de conhecimento. Quanto mais colabo-
rativo forem os processos de ensino e de aprendizagem com o uso das novas tecno-
logias de informação e comunicação, mais haverá interação, intercâmbios de ideias
e de materiais, tanto entre o professor e o aluno quanto entre os próprios alunos.
O Moodle é um tipo de AVA que reúne um conjunto de funcionalidades,
entre as quais a interatividade, a comunicação e a cooperação, que devem ser 125
......
priorizadas. As principais necessidades e anseios dos alunos devem ser levadas
em consideração, desde a definição do modelo de tecnologia, as ferramentas
de informações e a comunicação e sua usabilidade, dentro da perspectiva pe-
dagógica do curso.

A IMPORTÂNCIA DAS TICS PARA A INTERAÇÃO SOCIOAFETIVA


DO TUTOR EM EAD

Na EAD o papel do tutor é facilitar a construção da aprendizagem es-


timulando o interesse dos alunos e auxiliando-os na superação de desafios,
mantendo-os atentos, motivados e orientados. Para o sucesso do trabalho do
tutor, é necessário que ele domine diversas ferramentas do Moodle e também
de redes sociais ou aplicativos. O bom tutor impressiona pela sua capacidade
de aproximar-se dos alunos, utilizando TICs e criando atalhos no manejo eficaz
no AVA.
O papel do tutor ressignifica-se quando se constrói uma interação so-
cioafetiva, pois o tutor é o elo entre aluno e instituição, sendo responsável pelo
acompanhamento pedagógico, ao garantir o bom andamento das atividades,
evitando a evasão e promovendo o desenvolvimento da aprendizagem.
A criação do vínculo socioafetivo é essencial para a interação e sucesso
do aluno na EAD. O vínculo com o tutor traz segurança ao aluno, facilitando
o processo de aprendizagem, e faz com que ele se sinta acolhido, confiante e
otimista. A interação socioafetiva permite que sejam construídos vínculos entre
tutor e aluno, quando o tutor o acompanha buscando levar em consideração as
necessidades do aluno. Torna-se viável o tutor produzir registros, descrevendo
esse acompanhamento, fazendo autoavaliação em conjunto com os alunos,
para verificar se os recursos aplicados, como o Facebook e o WhatsApp, por
exemplo, estão sendo bem empregados e tendo um bom retorno. É importante
estabelecer desde o início do curso um contrato pedagógico que permita uma
126 relação personalizada. Quando o tutor descumpre o prometido, o aluno pode
......
perder a confiança, e a construção do vínculo socioafetivo fica comprometida.

ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS

Este trabalho buscou entender como as TICs poderiam contribuir com


estratégias para promover interações socioafetivas no Facebook para o auxílio
da prática pedagógica na EAD, identificando como é o desenvolvimento das in-
terações no Facebook na construção do vínculo socioafetivo, além de analisar o
perfil pedagógico dos principais atores envolvidos no curso, a fim de identificar
estratégias psicopedagógicas de apoio que devem ser desenvolvidas por tutores
e professores.
A pesquisa constituiu-se em estudo de caso, a partir de apontamentos
dos diários de campo das tutoras do curso, registros do Moodle e, também,
com apoio nos testemunhos registrados nas interações de alunos, professores
e tutores no Facebook. Esse estudo de caso foi enriquecido com contribuições
buscadas na Análise Textual Discursiva (ADT):

Pesquisas qualitativas têm cada vez mais se utilizado de análises textuais. Seja
partindo de textos já existentes, seja produzindo o material de análise a partir
de entrevistas e observações, a pesquisa qualitativa pretende aprofundar a
compreensão dos fenômenos que investiga a partir de uma análise rigorosa e
criteriosa desse tipo de informação, isto é, não pretende testar hipóteses para
comprová-las ou refutá-las ao final da pesquisa; a intenção é a compreensão.
(MORAES, 2003, p. 191).
ATENDIMENTO, SUPORTE E APOIO AOS CURSISTAS VIA 127
......
FACEBOOK

Foram analisadas interações socioafetivas no Facebook, consideradas como


um auxílio à prática pedagógica na EAD, com vistas à construção do vínculo
socioafetivo. Buscou-se incentivar o desenvolvimento de relações afetivas por
meio das TICs em uma turma de pós-graduação oferecida na modalidade EAD,
sendo este relato um estudo de caso.
A turma analisada faz parte do curso de especialização oferecido pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e está indexado na pla-
taforma Moodle um AVA que possibilita interações síncronas e assíncronas,
que oferece um conjunto de recursos e ferramentas que permitem o desen-
volvimento dos processos de ensino e de aprendizagem de modo potencia-
lizado. Para além das possibilidades de interações que esse AVA nos oferece,
pensando em proporcionar aos estudantes um ambiente menos formal, porém
mantendo-se a qualidade de ensino, buscamos integrar as redes sociais nesse
processo. Destacamos que esse fator foi fundamental no combate à evasão dos
estudantes.
No decorrer das atividades do curso de Especialização em Psicopedagogia e
TICs, os estudantes do polo de Santa Maria criaram um grupo da turma no
Facebook, o que permitiu a interação entre estudante/estudante, estudantes/
tutoras e entre tutora/tutora, pois, sempre que se deparavam com alguma si-
tuação de desafio com relação ao uso das ferramentas do Moodle e conteúdos
curriculares, solicitavam atendimento pela rede social.
Acreditamos que o Facebook foi um grande aliado no combate à evasão,
pois nos possibilitou acesso mais direto aos estudantes a qualquer hora, e, pelo
fato de eles exporem a vida pessoal na rede social, era possível conhecer seu dia
a dia e assim argumentar e problematizar as situações encontradas.
Além disso, a interação síncrona que essa ferramenta oferece permitiu um
atendimento imediato, o que facilitou muitas vezes a solução de problemas com
a plataforma Moodle e de dúvidas referentes a atividades. Quando a explanação
128 de modo dialógico não era suficiente, utilizávamos o envio de imagens instan-
......
tâneas (PrtScr), as quais continham um passo a passo com as possibilidades
de resolução dos desafios. Neste sentido, Gabriel (2013) afirma que “o que
realmente importa em uma revolução tecnológica não é a tecnologia em si, mas
o que fazemos com ela e como ela pode melhorar nossas vidas” (p. 3). Assim,
pode-se afirmar que, embora o Facebook seja uma rede social, pode ser usado
também para o desenvolvimento de processos de ensino e de aprendizagem

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O estudo de caso identificou que o perfil do aluno do curso de pós-gra-


duação tem pouca experiência prévia na modalidade EAD. Tal aluno optou
por essa modalidade de ensino por não ter disponibilidade de tempo para se
dedicar ao ensino presencial. O estudo também mostrou que os alunos tiveram
que dinamizar seu tempo de estudo, a fim de poder dar conta das leituras
solicitadas pelos professores. Foi possível perceber que tanto alunos quanto
professores e tutores sentiram-se mais confiantes e próximos para sanar as dú-
vidas dos alunos no que dizia respeito à sua participação no curso. Isso pode
ser observado em situações em que o aluno pensou em desistir do curso, e as
tutoras utilizaram as TICs para retomar a construção do vínculo afetivo.
Entender como as TICs poderiam contribuir com estratégias de interações
socioafetivas no Facebook para o auxílio da prática pedagógica na EAD foi o
foco principal deste estudo de caso. O fato de os pós-graduandos construírem
um grupo no Facebook como canal de comunicação antes do início das aulas
já leva à primeira ação que deve ser pensada no que diz respeito às formas que
o aluno na EAD utiliza para construir seus vínculos afetivos e de que modo a
equipe docente e discente pode ser beneficiada por esse tipo de ação.
A atuação dos pós-graduandos, tutores e professores no grupo do Facebook
pode ser caracterizada como situações psicopedagógicas de prevenção à evasão
e à promoção da qualidade da aprendizagem por meio da construção de um
canal de comunicação entre alunos, tutores e professores. O estudo de caso 129
......
mostrou que o Facebook, além de um meio de comunicação, permite conhecer
as preferências e as ideias dos participantes. O Facebook permitiu construir
vínculos com os alunos mediante a necessidade de se desenvolver estratégias
que viabilizassem a participação qualificada do aluno no ambiente virtual de
aprendizagem. A forma como essa abordagem foi realizada levou-nos a obter a
resultados positivos.
Desse modo, pode-se dizer que a EAD corresponde, atualmente, a uma
modalidade de ensino que, por meio da parceria entre os principais atores
envolvidos, possibilita o desenvolvimento de processos de ensino e de aprendi-
zagem mediados por recursos humanos e tecnológicos que rompem barreiras
de espaço e tempo. Essa prática de educação, caracterizada por aspectos como
a democratização do acesso ao estudo, autoaprendizagem, interação, interati-
vidade e flexibilidade, ainda merece mais estudos.
Por essa razão, desenvolver canais de comunicação utilizando o Facebook
ou outras TICs possibilita que os alunos sejam orientados de tal forma que
possam compreender e organizar seus estudos. Essa prática auxilia os alunos no
seu desenvolvimento pedagógico, social e emocional. A atuação e participação
dos tutores e professores nos canais de comunicação estabelecidos pelos alunos
são relevantes para o sucesso da aprendizagem, pois vêm ao encontro das ne-
cessidades dos alunos.

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, Marli Elisa D. A. de. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus,


1995.

ANTUNES, Celso. A prática dos quatro pilares da educação na sala de aula. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2010.

AUTHIER, Michel. Le bel avenir du parent pauvre. In: APPRENDRE À


130 DISTANCE. Le Monde de L’Éducation, de la Culture et de la Formation. Hors-
......
série. Paris, sept. 1998.

BEHAR, Patrícia Alejandra (Org.). Modelos pedagógicos em Educação a Distância.


Porto Alegre: Artes Médicas, 2009.

______ (Org.). Competências em Educação a Distância. Porto Alegre: Penso, 2013.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 42. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GABRIEL, Martha. Educar: a (r)evolução digital na educação. São Paulo: Saraiva,


2013.

MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise textual discursiva. Ijuí:


Unijuí, 2007.

ORTIZ, Rafael Casado. El aprovechamiento de las tecnologías de la información y la


comunicación (TIC) para la creación de redes de aprendizaje cooperativa: La experiencia
de Telefónica de España. Madrid: Telefónica de España, 2001.

YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre:


Bookman, 2010.
Tutoria em EAD no século XXI 131
......

Mara Rosane Noble Tavares1

INTRODUÇÃO

Este artigo relata a experiência que tive como tutora a distância de um


curso de especialização voltado para profissionais da área da Educação: Psicope-
dagogia e Tecnologias da Informação e Comunicação na modalidade a distância.
O curso foi oferecido, já em sua segunda edição, pela UFRGS/FACED/UAB, no
Moodle, no período de 2014 a 2016, em cinco polos gaúchos: Porto Alegre,
Santa Maria, São Francisco de Paula, Sapiranga e Três Passos.
Espera-se, ao analisar a experiência de tutoria no polo de Três Passos,
contribuir com reflexões atuais sobre o processo de ensino em Educação a Dis-
tância (EAD), entendendo a EAD como uma modalidade pedagógica eficaz, que
pode ser empregada como uma alternativa adequada de qualificação para um
grande número de profissionais em exercício, sem afastá-los de suas cidades.

APRESENTAÇÃO DO CURSO

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) tem se instru-


mentalizado para oferecer cursos de Licenciatura e Especialização na moda-
lidade a distância, tanto na preparação de seus docentes quanto na adequação
tecnológica, como mais uma alternativa de atendimento à demanda social por
formação continuada na área da Educação.

1 Tutora a Distância do Curso de Especialização em Psicopedagogia e TICS da UFRGS no Polo Três Passos. Especialista
em Psicopedagogia e TICs. E-mail: mara.tavares@ufrgs.br.
132 Algumas experiências nesse sentido vêm acontecendo, como, por exemplo,
......
a oferta de Licenciatura em Pedagogia a Distância (PEAD) e de especializações em
Mídias na Educação, Escola de Gestores e em Psicopedagogia e Tecnologias da Informação
e Comunicação, oferecidas em polos distribuídos por várias cidades gaúchas.
A Especialização em Psicopedagogia e Tecnologias da Informação e Comunicação,
Psicopedagogia e TICs, como será chamada neste relato, foi oferecida pela
Secretaria de Educação a Distância da UFRGS, Faculdade de Educação
(FACED) e pelo Sistema Universidade Aberta do Brasil2 (UAB), no ambiente
virtual de aprendizagem Moodle. Realizada, no período de novembro de 2014
a abril de 2016, nos polos de Porto Alegre, Santa Maria, São Francisco de Paula,
Sapiranga e Três Passos, foi direcionada para profissionais relacionados com a
área da Educação.
Ao apresentar a experiência de acompanhamento dos alunos como
tutora a distância no Polo de Três Passos, procurou-se refletir sobre o uso das
Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) nos processos de ensino
e de aprendizagem na Educação a Distância (EAD) no panorama atual.
O desenvolvimento e uso da tecnologia em todas as áreas de atuação humana,
no panorama mundial, representa um “paradigma emergente” que Castells
(2011) caracteriza como a “Sociedade da Informação”. Castells considera essa
mudança de paradigma responsável pela introdução das TICs na educação pre-
sencial e pela rápida expansão da educação a distância (CASTELLS, 2011, p. 57).
Entende-se que a EAD pode ser uma ferramenta formativa eficaz para qua-
lificar profissionalmente um grande número de pessoas que não têm acesso aos
processos de formação presencial do ensino superior, por várias razões. Entre
essas razões, encontra-se o fato de estarem geograficamente distantes dos grandes
centros urbanos, ou, ainda, por não poderem se afastar do seu cotidiano e de seus
compromissos profissionais.
No caso analisado, o desafio pedagógico da EAD foi qualificar Especialistas
em Psicopedagogia Institucional para atuarem em escolas, capacitando-os para

2 Disponível em <http://uab.capes.gov.br/>.
usar as TICs como ferramentas facilitadoras na superação de dificuldades na 133
......
aprendizagem.
A relevância do tema está consolidada em trabalhos de pesquisadores
como Loyolla e Prates (1998), Moran (2000), Lévy (2001), Pretto (2002), Silva
(2005) e Cruz (2008), que abordam a utilização das TICs como ferramentas
de apoio nos processos de ensino e de aprendizagem e a expansão da EAD na
Sociedade da Informação.

A EAD NO SÉCULO XXI

A EAD é uma modalidade de ensino relativamente antiga, pois se iniciou


no final do século XIX. As duas primeiras experiências de sucesso, conforme
descrevem Loyolla e Prates (1998), aconteceram nos anos de 1881 e 1889,
com o oferecimento de um curso de Hebreu por Correspondência, ministrado
pela Universidade de Chicago, e com um conjunto de cursos oferecido pelo
Queen’s College do Canadá, muito procurado, especialmente pelas grandes
distâncias que separavam os alunos dos centros urbanos e por seu baixo custo.
Desde então, a EAD evoluiu, acompanhando o desenvolvimento das novas
tecnologias, estratégias, ferramentas e referenciais de educação. Com base nas
experiências relatadas por Loyolla e Prates (1998), em Educação a Distância
Mediada por Computador no Ensino Superior, é possível destacar três enfoques
dados à EAD para que a modalidade seja bem-sucedida.
O enfoque tecnológico e pedagógico caracteriza-se pela tendência de
adotar estruturas curriculares contextualizadas e mais flexíveis, que permitam
maior liberdade e adaptação dos alunos quanto às expectativas em relação ao
emprego das potencialidades, pelo respeito ao ritmo pessoal, pelo fomento ao
estudo individualizado independente e autônomo para criar estratégias pessoais
de aprendizagem.
O enfoque da clientela considera que os alunos são predominantemente
adultos, estão relativamente dispersos, têm conhecimentos construídos na
134 prática profissional e não dispõem de tempo para frequentar o ensino pre-
......
sencial. Um curso em EAD deve ser de baixo custo para a instituição e para
os alunos, com materiais didáticos on-line e oferta da estrutura tecnológica do
polo.
O enfoque dado ao acompanhamento do processo considera a comuni-
cação como uma via de mão dupla em que o aluno interfere diretamente no
processo de ensino, intermediado pelo tutor. Um curso em EAD deve trabalhar
com a possibilidade de comunicação, síncrona e assíncrona, mediada por várias
ferramentas tecnológicas, que permitam a adoção de todos os modelos de co-
municação: um-para-um, um-para-muitos e muitos-para-muitos.
Com a introdução dos computadores na educação, a partir da última
década do século XX, também foi possível o desenvolvimento de diferentes es-
tratégias e ferramentas que democratizaram a EAD, antes considerada pela so-
ciedade como uma educação de segunda categoria, destinada frequentemente
àqueles que falhavam na educação presencial, “como um estepe”, nas palavras
de Pierre Lévy (2001, p.170). A tendência para considerar a EAD como uma
educação de segunda categoria, provavelmente, repousa no modelo unidire-
cional de comunicação, adotado no passado pela EAD, um-para-muitos com
o uso do rádio e da televisão, que direcionava essa modalidade de ensino para
uma grande parcela da população (LÉVY, 2001, p.172).
Com a popularização da internet, o mundo levou menos de duas décadas
para se conectar em rede. A possibilidade de conexão provocou no planeta o
acesso quase instantâneo à informação e à comunicação. A velocidade com que
as informações e conhecimentos circulam através da internet deve-se à lógica
de desenvolvimento para aplicação imediata, própria das TICs, que Castells
(2011) aponta ser responsável por “uma revolução diferente das anteriores: a
revolução tecnológica da Sociedade da Informação” (p. 109).
A principal característica dessa revolução, iniciada entre o final do século
XX e início do século XXI, é a aplicação dos conhecimentos e informações pro-
duzidos para gerar novos conhecimentos e dispositivos de processamento e co-
municação da informação, em um ciclo cumulativo entre inovação e uso. Outra 135
......
questão importante é a penetração dessa ideia no tecido da atividade humana,
até sua transformação em paradigma, em todos os níveis. Assim, “as tecnologias
não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem
desenvolvidos” (CASTELLS, 2011, p.108).
A introdução dos computadores, da internet e dos dispositivos móveis
na educação representa a oportunidade de conexão em tempo real com a pro-
dução e a divulgação de conhecimentos dentro e fora da escola. Silva (2005)
diz que o “uso da internet na escola” é uma consequência atual e o ambiente
virtual, disponível a partir da interconexão dessas tecnologias, precisa ser usado
como um “novo espaço de sociabilidade, de organização, de informação, de
conhecimento, de educação” (p. 63). Mas, para que isso aconteça, a relação
estabelecida entre professores, alunos e a produção de conhecimento também
precisa sofrer transformação.
Para Cruz (2008, p.1027), o professor ainda é o sujeito mais bem qua-
lificado para atuar como mediador entre os interesses dos alunos, o uso da
internet e o processo de ensino. Por isso, o autor alerta para a necessidade de
abdicar do papel tradicional, de “dono do saber”, em favor do de “mediador
e problematizador do aprender”, desafiando os alunos para as novas possibili-
dades que se abrem.
Tanto a descrição como a recomendação feita por Cruz para o papel do
professor na escola (2008, p.1027) correspondem também ao papel exercido
pelo tutor na modalidade EAD, pois ser tutor não significa substituir o pro-
fessor no ambiente virtual, muito menos ser um acompanhante para o aluno
enquanto o professor ensina. O papel da tutoria é apoiar o professor no pro-
cesso de ensino, mediar e problematizar o aprender do aluno.
136 RELATO DA EXPERIÊNCIA
......

A experiência como tutora a distância aconteceu na segunda edição do


Curso de Especialização em Psicopedagogia e TICs, no Polo de Três Passos. O ingresso
dos 160 alunos distribuídos nos cinco Polos UAB, na capital e no interior do
Estado, aconteceu por sorteio público realizado na FACED, no final de outubro
de 2014. O curso iniciou em novembro, com carga de 360 horas e 18 meses
de duração.

Funções da Tutoria a Distância e Presencial


De acordo com o Edital de Seleção de Tutores3 , as condições para atuação
dos tutores presenciais e a distância no curso foram: ter dedicação de carga
horária de 20 horas semanais, incluindo possíveis atividades inerentes à tutoria
fora do horário normal de trabalho; ter experiência com o uso do computador,
internet e demais recursos de informática; ter acesso à internet; e ter disponi-
bilidade para participar do Curso de Formação de Orientadores Acadêmicos e
Tutores.
As atribuições comuns às duas modalidades de tutoria foram: dar assis-
tência e participar com os professores dos encontros presenciais; articular-se
com os supervisores e formadores correspondentes à turma assistida; auxiliar
os formadores na gestão acadêmica da turma, oferecendo assistência conti-
nuada ao cursista; criar mecanismos para o cumprimento do cronograma do
curso; manter plantão de apoio aos alunos e formadores a distância; planejar as
atividades de formação, monitorar e enviar ao formador a frequência, acom-
panhar o desenvolvimento, orientar e avaliar as atividades de formação dos cur-
sistas; e enviar os relatórios das atividades quando solicitado pelos professores
formadores e pela coordenação do curso.
Para atuar como tutor a distância, o Edital estabelecia que o candidato
deveria ter formação acadêmica compatível com os temas abordados no curso;

3 As atribuições dos tutores foram retiradas do Edital de Seleção de Tutores, disponível em < https://goo.gl/ogdGiD>.
Procurou manter-se a redação original.
residir em Porto Alegre ou entorno; ter disponibilidade para realizar viagens 137
......
aos polos, quando necessário, e para participar de reuniões com os professores
e coordenação do curso. Foram atribuições específicas da tutoria a distância:
acompanhar o processo de aprendizagem e o desempenho dos alunos da sua
turma, motivando-os e orientando-os na realização das atividades propostas
pelo curso, no ambiente virtual de aprendizagem Moodle, contando com o
apoio dos professores e dos tutores presenciais alocados nos polos; realizar
atividades com interlocução junto aos alunos; participar da organização dos
materiais para avaliações dos cursistas e do curso com a supervisão do professor
formador; apoiar os professores no lançamento de notas no ambiente Moodle;
e auxiliar os tutores de polo em suas dúvidas.
Para atuar como tutor presencial, o Edital estabelecia que o candidato de-
veria residir na cidade de localização do polo ou em seu entorno e ter disponi-
bilidade para participar dos encontros presenciais nos polos. Foram atribuições
específicas da tutoria presencial: acompanhar, responsabilizar-se, auxiliar,
orientar e motivar os alunos na realização das atividades práticas, programadas
pelos professores formadores para serem realizadas nos polos de apoio pre-
sencial; apoiar e participar dos encontros presenciais; e manter diálogo perma-
nente com os professores formadores, tutores a distância e com a coordenação
de curso e de polo.

Perfil do Público-alvo
A turma do Polo UAB da cidade de Três Passos4 foi composta por do-
centes e profissionais ligados à Educação, muitos com grande experiência em
sua área de atuação, vinte e oito mulheres e dois homens com idades entre 25
e 65 anos provenientes da cidade polo e de municípios do noroeste gaúcho.
Foram abertas vagas para suplência em quatro ocasiões5 . Ao finalizar o relato,
a turma contava com vinte e um alunos, dos quais doze se destacaram ao longo
do curso, mantendo frequência no uso do Moodle e nos encontros presenciais,

4 Disponível em: <https://plone.ufrgs.br/psicopedagogiauab/selecao/selecao-tres-passos/at_download/file>.


5 Disponível em: <https://plone.ufrgs.br/psicopedagogiauab/selecao>.
138 interagindo com os colegas, cumprindo os prazos e alcançando conceitos “A” e
......
“B” nas atividades e provas.

PROPOSTA PEDAGÓGICA DO CURSO

O curso foi organizado em cinco eixos temáticos, cada um deles dividido


em módulos, que previam o ensino de conteúdos específicos relacionados entre
si, elaborados e selecionados, especialmente, para cada uma das atividades.
Todas as atividades foram pensadas em acordo com o modelo atual da EAD,
planejadas com base nos estudos de Piaget (1968, p.156), e empregando dife-
rentes tecnologias que visam a desenvolver competências e habilidades para a
atuação do especialista na área da Psicopedagogia Institucional Escolar, tendo as
TICs como ferramentas pedagógicas, conforme o objetivo do curso6 . Partindo
dessa proposta, é possível relatar a experiência apresentando sua dinâmica de
desenvolvimento em três frentes de atuação.
a) Os encontros presenciais
Foram propostos cinco encontros presenciais ao longo do curso, sendo
quatro obrigatórios, três nos polos e o último, realizado em abril de 2016,
na FACED, para apresentação dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC).
Aconteceu um encontro cultural, de caráter facultativo, em todos os polos.
Todos os encontros presenciais foram realizados aos sábados, para atender as
realidades de alunos e docentes, trabalhadores e moradores em localidades
distantes.
No primeiro encontro presencial, a tutora a distância, que exercia suas
funções a partir de Porto Alegre, viajou para Três Passos acompanhada da se-
cretária do curso. Nesse encontro, além das boas-vindas aos alunos, tratou-se
da apresentação da estrutura, da confraternização e da realização de atividades
práticas, com acesso e exploração do Moodle, como, por exemplo, a atividade
de completar o perfil do aluno e de o aluno se familiarizar com as primeiras

6 Objetivo, estrutura e avaliação do curso encontram-se disponíveis em < https://goo.gl/KnfxiZ>.


atividades no ambiente. Ao finalizar o encontro, a secretária, a tutora a distância 139
......
e a tutora presencial reuniram-se para definir as linhas de atuação no atendi-
mento da turma e para trocar impressões sobre os alunos.
O segundo encontro no polo contou com a presença das tutoras e de uma
professora. No turno da manhã, foram sanadas as dúvidas e realizada a primeira
prova. À tarde, foram apresentados subsídios e esclarecimentos referentes à
disciplina Iniciação à Pesquisa Científica, para dar início ao desenvolvimento dos
TCCs.
O terceiro encontro no polo foi cultural, de caráter facultativo, com uma
palestra para profissionais de Educação e afins sobre o tema: Práticas psicopeda-
gógicas contemporâneas, com ênfase nas TICs como ferramentas que podem ser utilizadas
no trabalho psicopedagógico. Esse encontro contou com convidados, com a coor-
denação do curso e com o corpo docente e discente. Foi um momento impor-
tante para os alunos conhecerem pessoalmente as professoras, esclarecerem
dúvidas e manifestarem as inquietações do grupo.
O quarto encontro no polo aconteceu com a presença da tutora a dis-
tância, que aplicou a segunda prova e deu orientação individual aos alunos
quanto aos temas, aos problemas e aos objetivos propostos para os TCCs.
b) As Atividades no Moodle
A segunda forma de atuação foi a proposta do Moodle como ambiente
virtual de aprendizagem, “de socialização, de organização, de informação, de
conhecimento e de educação” (SILVA, 2005, p.63) para o desenvolvimento
do curso, caracterizado pela realização das atividades a distância, disponibili-
zadas com orientação, materiais didáticos obrigatórios e complementares para
consulta (textos, sites, vídeos, jogos, etc.), discussão participativa nos fóruns,
submissão da produção dos alunos, com dinâmicas individuais, em duplas ou
grupos, usando ferramentas tecnológicas variadas.
A elaboração dos módulos teve como princípio problematizar o cotidiano
das escolas, despertando o futuro especialista em Psicopedagogia e TICs para
a escolha das ações e das ferramentas didático-tecnológicas mais adequadas
140 para atuar em situações concretas, nas diferentes dificuldades de aprendizagem
......
apresentadas pelos alunos na escola. As atividades ofereceram oportunidades
de investigação, análise, resolução de problemas e trabalho colaborativo.
Possibilitaram ainda a realização de estudos independentes e aprendizagens,
nos quais os alunos podiam utilizar conhecimentos adquiridos anteriormente
na prática profissional. Essas atividades também estimularam a busca por com-
plementaridade, atualização constante de conhecimentos e reflexão crítica a
partir do contexto e da realidade trabalhados.
No ambiente virtual, as tutoras a distância participaram da organi-
zação dos materiais com a supervisão dos professores formadores como, por
exemplo, criando videoaulas explicativas, que facilitaram aos alunos aprender
a usar as ferramentas do ambiente no desenvolvimento das atividades. As tu-
toras acompanharam o processo de aprendizagem de suas turmas, realizando a
atividade de interlocução junto aos alunos, incentivando a leitura da produção
do grupo, tanto para contribuir criticamente com os colegas quanto para enri-
quecer suas próprias produções; também qualificaram as produções indicando
referenciais, orientando sobre complementações ou alterações para melhorar
o entendimento dos conceitos trabalhados. Além disso, as tutoras motivaram e
auxiliaram os alunos na realização das tarefas propostas pelo curso, com o apoio
dos professores e dos tutores presenciais de cada polo.
c) Avaliação Processual e Formativa
A terceira forma de atuação caracterizou-se pela avaliação processual
e formativa, constituída pela totalidade das atividades, participação e provas
presenciais realizadas pelo aluno, considerando o processo de construção do
conhecimento em sua totalidade, só finalizando com a apresentação do TCC.
Todos os participantes tiveram a possibilidade de retomar ou recuperar as ati-
vidades durante o seu desenvolvimento.
Tanto as tutoras presenciais quanto as tutoras a distância auxiliaram no
processo de avaliação dos cursistas, fornecendo pareceres e observações sobre
o desempenho dos alunos no desenvolvimento das atividades e apoiando os
professores no lançamento das notas no Moodle. Na opinião das tutoras do 141
......
polo de Três Passos, os encontros para realização das provas também foram
os momentos mais ricos de interação no curso, pois representaram a oportu-
nidade de realizar o movimento de avaliação em conjunto e conhecer as parti-
cularidades pessoais dos alunos, facilitando o processo avaliativo.

CONSTRUÇÃO DE UMA TUTORIA COMPARTILHADA

A presença de duas tutoras em cada polo permitiu às tutoras do polo


de Três Passos a construção de uma tutoria compartilhada que possibilitou a
atuação conjunta no atendimento dos alunos para a superação das dificuldades
apresentadas no início do curso.
No período inicial, alguns alunos com maior dificuldade no uso das tec-
nologias, e assustados por essa exigência, afastaram-se do ambiente virtual do
curso e do polo. A partir da comunicação entre as tutoras, foram identificados
os alunos e os tipos de dificuldades apresentadas. A tutora presencial entrou em
contato com os alunos do entorno por meio de visitas, e a tutora a distância fez
contato por telefone, mensagens e e-mails, apresentando as tarefas em atraso e
o tipo de auxílio que seria dado para que esses alunos retornassem ao curso e
superassem suas dificuldades.
A partir das dificuldades apresentadas pelos alunos, como o desconheci-
mento de como usar a tecnologia e a falta de familiaridade com o ambiente, que
os impediam de localizar as atividades, compreender como deveriam desen-
volvê-las, quais as ferramentas mais adequadas para realizá-las e onde deveriam
postá-las, a tutora presencial começou a ajudá-los a superarem essas dificul-
dades específicas no polo, enquanto a tutora a distância elaborou tutoriais para
cada atividade. Tais tutoriais deveriam ser consultados a partir do atendimento
presencial. Do grupo atendido no polo, foram detectados os alunos que apre-
sentaram maior dificuldade com o uso da tecnologia. Esses alunos passaram a
receber acompanhamento a distância mais personalizado.
142 Vencida a etapa de aprendizagem para acesso e uso da tecnologia, outras
......
situações necessitavam atenção de ambas as tutoras, especialmente algumas
ideias equivocadas, ou pertencentes ao senso comum, sobre os temas abor-
dados nas atividades.
Mais do que orientar, desfazer equívocos, instrumentalizar para o uso da
tecnologia, incentivar o trabalho colaborativo, independente e autônomo dos
alunos, as tutoras aprenderam juntas a partir do desenvolvimento de suas ações,
usando-as para apontar novos caminhos e estimular os avanços dos alunos.
Juntas, as tutoras acompanharam o processo de aprendizagem de todos os
alunos, decidindo e propondo novas estratégias para auxiliá-los em suas di-
ficuldades, porque entenderam que ensinar e aprender em EAD não significa
realizar um trabalho isolado, sem nenhum amparo.
O papel que as tutoras, presencial e a distância, desempenharam foi exa-
tamente aquele que consta no Edital do Curso, mas as tutoras ainda acrescen-
taram às suas atribuições o desafio de construir uma relação dialógica com
todos os envolvidos no processo, pois atender os alunos implicou compreendê-
-los como pessoas adultas, com trajetórias de vida pessoal e profissional, com
experiências acumuladas que precisavam ser resgatadas no processo de cons-
trução do novo conhecimento, além de considerar as diferenças de expectativa,
ritmos e estilos de aprendizagem, cultura e realidade distintas, tanto as suas
quanto das professoras e dos alunos.
Algumas soluções adotadas quanto à inclusão digital daqueles alunos que
não estavam familiarizados com tecnologia – como o suporte técnico-peda-
gógico para o uso de ferramentas e equipamentos, elaboração de tutoriais, feed-
backs rápidos e apoio para realizar as atividades, no polo e a distância – foram
importantes para desenvolver a relação dialógica. O contato frequente entre
as tutoras e os alunos, e entre as professoras, com trocas de informações e
possibilidade de construir uma rede dialógica, reforçou a confiança, criou um
sentimento de segurança e a certeza de que as pessoas não estavam sozinhas e
de que os modelos de ensinar e de aprender propostos pelo curso foram verda-
deiramente compartilhados.
A EXPERIÊNCIA EM EAD SOB O PONTO DE VISTA DA TUTORIA 143
......

Na EAD, o currículo pode ser pensado para atender ritmo e tempo de


maneira personalizada; o contato entre tutor e aluno, mediado pela tecnologia,
permite um atendimento individualizado, ainda que ambos estejam geografi-
camente em pontos distantes um do outro. Nesse sentido, as tutoras reconhe-
ceram alguns aspectos da EAD como pontos positivos dessa experiência.
A EAD pode ser um instrumento de democratização e acesso ao conhe-
cimento, pois possibilita que instituições ofereçam para um maior número de
pessoas a oportunidade de ingressar no ensino superior, facultando a formação
nos diversos níveis de profissionalização. A EAD pode ser um meio para incluir
aqueles que ainda são excluídos dos processos educacionais. Tal exclusão ocorre
por várias razões: dificuldade com o horário, localização ou falta de recursos
materiais. A facilidade de comunicação a distância, a partir de qualquer ponto
ou momento sem sair dos espaços e rotinas particulares, proporcionada pela
internet, torna o acesso virtual à educação mais cômodo (PRETTO, 2002).
Trabalhar colaborativamente, interagindo com os colegas de curso sem
sair de casa, foi uma experiência positiva relatada pelos alunos, especialmente
durante o desenvolvimento da disciplina de Projetos de Aprendizagem. Para a tu-
toria também representou a possibilidade de realizar o processo de ensino no
próprio ritmo, tempo disponível e local mais viável, sem deslocamentos diários,
contando com a forte comunicação estabelecida entre todos os segmentos do
curso, o que facilitou o trabalho.
O desenvolvimento de uma tutoria compartilhada representou uma fonte
de apoio e suporte mútuo para lidar com a imprevisibilidade e a flexibilidade,
inerentes aos processos de ensinar e de aprender no espaço virtual, quanto à
mensuração do tempo e à escolha das tecnologias de comunicação que corres-
pondessem ao ritmo, tempo e quadro referencial dos alunos. Significou adotar
uma lógica estruturada de trabalho e redefinir códigos de orientação pessoal,
a fim de afiná-los com os pressupostos do curso e fazer um acompanhamento
diferenciado, personalizado em alguns momentos.
144 Analisando a experiência, considera-se que o êxito de um curso EAD
......
pode ser obtido a partir de um planejamento didático flexível, com produção,
escolha e adequação de conteúdos relacionados às competências a serem cons-
truídas pelo aluno, material didático pertinente à concepção pedagógica e à es-
trutura espacial de suporte organizacional como o Moodle. Por sua vez, o êxito
da experiência em EAD também passa pela seleção de tutores qualificados, que
dominem a tecnologia, o campo teórico e prático do curso e compreendam seu
papel como facilitadores do processo de aprendizagem.
Na relação entre a concepção pedagógica do curso e as estratégias educa-
cionais adotadas pela tutoria, deve predominar o respeito à diferença das ex-
periências de vida, profissionais, culturais e de habilidades, exigindo que o do-
cente que atua como tutor aprenda a trabalhar com essa característica humana.
Segundo a opinião dos alunos do polo, apurada nos encontros presenciais,
o curso foi dinâmico, flexível, com fundamentos teóricos e aplicações práticas
para serem implementadas nas escolas visando à superação das dificuldades de
aprendizagem. O desenvolvimento da criatividade, organização individual, admi-
nistração do tempo e segurança na argumentação foram algumas competências
construídas nas aprendizagens e apontadas pelos alunos.
É possível que, para muitos alunos que estavam estudando pela primeira
vez na modalidade a distância, a proposta do primeiro encontro presencial e o
esforço para a inclusão digital tenham funcionado como um incentivo para pros-
seguirem no curso. Aos poucos, a proposta instrucional do primeiro encontro e
dos tutoriais produzidos em seguida, que continham instruções para a realização
das atividades no ambiente, foram dando lugar às orientações voltadas, especifi-
camente, aos conhecimentos de Psicopedagogia, para que os alunos realizassem
um trabalho cada vez mais compartilhado e autônomo, incentivados pelas tutoras.
As características do ambiente virtual também contribuíram para o acesso
igualitário ao saber e para o estabelecimento de uma relação dialógica a dis-
tância, pois a possibilidade de enviar arquivos em vários formatos para serem
compartilhados e a própria apresentação do ambiente, com módulos contendo
arquivos e registros, organizados como em uma linha de tempo, sempre visíveis 145
......
no decorrer do curso, ofereceram, para os alunos, a certeza de poder acessar
o material on-line no momento de realizar a atividade ou de baixá-lo para o
computador para poder consultar novamente, mais tarde.
Quanto às tecnologias relacionadas à comunicação, apesar de o ambiente
oferecer a possibilidade para a criação de fórum de dúvidas, ferramenta as-
síncrona que permite a discussão entre todos os participantes do curso sobre
vários assuntos, e enviar mensagens instantâneas a partir do ambiente, através
de e-mail, partiu dos alunos a escolha das ferramentas adotadas para esclarecer
dúvidas e trocar informações sobre assuntos referentes ao curso e de interesses
em comum. Os alunos preferiram usar o e-mail pessoal, ligações, WhatsApp e
aplicativos com acesso via celular, elegendo como ponto de encontro o grupo da
turma7 criado pela tutoria no Facebook. Esse aspecto da experiência mostrou a
importância de as tutoras estarem familiarizadas com as tecnologias de comu-
nicação atualmente disponíveis, além da impossibilidade de separar a educação
da comunicação, assim como a necessidade de criar vínculos para além da sala
de aula, representada pelo Moodle, em qualquer modalidade de ensino, indi-
ferente se os vínculos se dão pelo contato físico ou mediados pela tecnologia.
As TICs podem ser usadas para ampliar a percepção dos sujeitos quanto à
aprendizagem, criando possibilidades de comunicação, de tempo e de espaço,
dentro e fora da sala de aula (MORAN, 2000, p.12), proporcionando a oportu-
nidade de interagirem e de trabalharem problemas e projetos significativos para
eles (2000, p.17-18), o que leva à questão da socialização em EAD. As tutoras
observaram, no início do curso, que, para alguns alunos, a modalidade repre-
sentava uma forma de limitação, pois eles viam a comunicação a distância como
um pálido reflexo da comunicação presencial, por não perceberem o ambiente
virtual como um espaço possibilitador de interação e de troca de experiências.
Os encontros presenciais e a frequência dos alunos no polo, no período
inicial e para a realização de algumas atividades, amenizaram a limitação da

7 PsicoTICEAD-3P. Disponível em: <https://www.facebook.com/groups/942925919105572/?fref=ts>.


146 distância no processo de socialização, facilitando que os alunos se conhecessem
......
fisicamente e se aproximassem através do ambiente virtual. Também permitiu
às tutoras identificar características dos alunos na interação presencial e definir
seu grau de envolvimento e participação no ambiente.
As tutoras consideram que a grande força da EAD está, justamente, na
distância, pois possibilita manter o aluno na sua região, no ambiente em que
vive, no seu contexto profissional; isso significa respeitá-lo em sua autonomia
e independência, podendo ser um instrumento potencializador no processo de
aprendizagem e de liberdade para estabelecer redes através das conexões entre
a aprendizagem e a experiência de cada um. Ao mesmo tempo, essas conexões
contribuem para a construção de currículos mais flexíveis, que podem ser ado-
tados em futuras experiências de EAD.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A diferença da EAD enquanto modalidade de ensino, comparativamente


ao ensino presencial, está na flexibilidade da proposta adotada pela instituição,
que pode representar, para o aluno, a possibilidade de realizar uma formação
fora do currículo rígido da sala de aula, lidando com questões pessoais im-
portantes: como e onde estudar, quando e o quanto estudar, e em que ritmo
aprender.
Os autores pesquisados apontam para o risco de se repetir na EAD mé-
todos instrucionais ineficazes, utilizados no ensino presencial, o que leva a en-
fatizar algumas considerações decorrentes da experiência de tutoria.
A EAD é uma estratégia eficaz para atingir pessoas que precisam e querem
ser qualificadas, mas que, por diversas razões, não podem se afastar de suas
cidades. Para muitos alunos, o curso significou a possibilidade de qualificação
na área de atuação profissional, possibilitando a articulação eficaz entre estudo
e trabalho, refletindo na atualização e inovação da prática pedagógica.
Realizar um curso em EAD requer uma proposta sustentada pela com-
preensão de que todas as pessoas aprendem de modo diferente umas das outras. 147
......
Na prática, significa colocar-se à frente do desafio de facilitar o processo de
aprender a aprender para pessoas que pensam e agem pautadas por cotidianos
e contextos diferentes.
Uma relação dialógica implica a concepção de redes, estabelecendo a ideia
de um sistema articulado de trabalho, por temas e interesses comuns, capaz de
provocar uma reação dialética a partir da interação e da discussão entre indi-
víduos e grupos. Implica exercer a docência dentro do princípio da interdepen-
dência, de acordo com o qual administradores, professores, tutores e alunos
constroem um sistema de apoio mútuo, como uma estratégia importante para
estabelecer o vínculo dos alunos com a instituição e reforçar o interesse pelo
curso, motivando a permanência e evitando evasões.
Ao expor os aspectos facilitadores das estratégias de acompanhamento dos
alunos, bem como aqueles que os dificultaram, espera-se subsidiar a reflexão
sobre a concepção da EAD, do ponto de vista da tutoria, enquanto uma mo-
dalidade pedagógica adequada e eficaz para proporcionar o acesso continuado
ao saber para um grande número de profissionais. A análise da experiência e a
investigação do tema indicam que a EAD vem sendo uma estratégia bem-su-
cedida no panorama atual para a educação de adultos que têm uma experiência
acumulada e já estão inseridos no mercado de trabalho, permitindo um ensino
de qualidade.
148 REFERÊNCIAS
......

CASTELLS OLIVÁN, Manuel. A Sociedade em rede. 6. ed. São Paulo: Paz e


Terra. 2011.

CRUZ, José Marcos de Oliveira. Processo de Ensino-aprendizagem na


Sociedade da Informação. Educação e Sociedade. Campinas, v. 29, n. 105,
p. 1023-1042, set./dez. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/
v29n105/v29n105a05>.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Edições 34, 2001.

LOYOLLA, Waldomiro P. D. C.; PRATES, Maurício. Educação a Distância


mediada por computador (EDMC): uma proposta pedagógica. Revista Brasileira
de Educação a Distância, Rio de Janeiro, v. 5, n. 29, p. 3-18, 1998.

MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos Tarciso; BEHRENS, Marilda


Aparecida. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2000.

PIAGET, Jean. A psicologia da criança. 1 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,


1968.

PRETTO, Nelson De Luca. Espaço aberto: formação de professores exige rede!


Revista Brasileira de Educação, n. 20, p. 121-156, maio/jun./jul./ago. 2002.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n20/n20a10>.

SILVA, Marco. Internet na escola e inclusão. In: ALMEIDA, Maria Elizabeth


Bianconcini de; MORAN, José Manuel. Integração das tecnologias na educação:
salto para o futuro. Brasília: MEC, 2005. p. 62-69.
A educação a distância sob o olhar de 149
......

quem trabalha e de quem estuda com


ela

Jocineide Rodrigues Hallberg1

Como estudante, meus primeiros contatos com a educação EAD foram


nos anos 2008 e 2009, quando cursava licenciatura em Ciências Sociais na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Utilizava-se a sala de
aula virtual como ambiente para realização de atividades EAD, porém não havia
tarefas de ensino e aprendizagem propriamente ditas: naquele momento a sala
de aula virtual servia como espaço informativo, pois continha o nome da dis-
ciplina, nome do professor responsável, ementa da disciplina com indicação
de textos para leitura. Pode-se dizer que apenas se ensaiava o que poderia ser
realizado em um ambiente virtual voltado para a educação.
Foi em 2013, como cursista de um curso de especialização EAD2 realizado
na própria UFRGS, que pude experienciar os processos de ensino e aprendi-
zagem característicos da EAD, considerando o que o Decreto nº 5.622, de 19
de dezembro de 2005, define como educação EAD no Brasil:

[...]modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos proces-


sos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias
de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo
atividades educativas em lugares ou tempos diversos. (BRASIL, 2005).

1 Secretária administrativa do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu: Psicopedagogia e Tecnologias da Informação e


Comunicação. Especialista no Ensino da Sociologia para Professores do Ensino Médio. E-mail: jo-cirg@hotmail.
com.
2 Curso de Pós-Graduação Lato Sensu: O Ensino da Sociologia para Professores do Ensino Médio.
150 Como profissional, iniciei minha experiência em 2012, quando fui con-
......
vidada pela professora Célia Elizabete Caregnato, da Faculdade de Educação da
UFRGS, para trabalhar como secretária do Curso de Especialização em Educação
para a Diversidade, na modalidade a distância, e, em 2014, logo após o término
deste curso, passei a trabalhar no Curso de Especialização em Psicopedagogia e
Tecnologias da Informação e Comunicação, coordenado pela professora Luciane
Magalhães Corte Real, curso no qual permaneço trabalhando como secretária.
É a partir destes dois diferentes papéis que desempenhei e desempenho na
educação EAD que proponho uma reflexão sobre esta modalidade de ensino.
Saliento que ambos os cursos de especialização nos quais trabalhei e o curso de
especialização que realizei se inserem nos cursos ofertados pela Universidade
Aberta do Brasil (UAB)3, sendo cursos voltados para a formação continuada,
com duração de 18 meses e gratuitos para o/a cursista.
É inegável que as funções de estudante e secretária são diferentes, mas há
nelas uma aproximação, no que diz respeito às qualidades necessárias para que
se tenha êxito num projeto de ensino na modalidade a distância, pois tanto o
trabalhar quanto o estudar com a EAD exigem disciplina, organização e com-
promisso. Não quero dizer que essas qualidades não sejam exigidas no estudar
e no trabalhar com o ensino presencial, pois elas são necessárias tanto para a
EAD quanto para cursos presenciais. Mas neste artigo trataremos apenas de
analisar a importância da disciplina, da organização e do compromisso dentro
do contexto das atividades de ensino e de aprendizagem e de trabalho na EAD.
Para melhor organizar o desenvolvimento do texto, primeiramente vamos
pensar nas qualidades de disciplina, organização e compromisso em relação ao
trabalho que desenvolvo como secretária de curso EAD.
Antes de pensar em como a organização é importante para desempenhar
meu trabalho, há que se pensar na organização enquanto planejamento do curso
a distância que se pretende realizar. Ele pode ser organizado por disciplina ou

3 O Sistema UAB foi instituído pelo Decreto n. 5.800, de 8 de junho de 2006, para "o desenvolvimento da moda-
lidade de educação a distância, com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação
superior no país". Disponível em: <http://www.uab.capes.gov.br/index.php/sobre-a-uab/o-que-e>.
por módulos, as aulas presenciais variam conforme definido pelo cronograma/ 151
......
calendário do curso, tutores podem atuar por polos ou por turmas. Além disso,
os tutores podem ser presenciais, ou seja, aqueles que atendem diretamente
nos polos, ou tutores EAD, que atendem através da plataforma on-line utilizada
pelo curso. O horário da secretaria pode ser rígido ou flexível, dependendo da
necessidade de atendimento ao público e conforme definição da coordenação.
O corpo docente será definido ainda na elaboração do projeto de curso, mas, se
houver necessidade, poderá haver alteração. Todos estes detalhes, e outros, são
pensados pela equipe de professores que faz a proposta de um curso.
A secretaria do curso pode receber um espaço na universidade para aco-
modar todo o material administrativo do curso, ou pode utilizar a sala do/a
professor/a que coordena o curso. Embora exista o espaço físico da instituição
que oferta o curso, é possível trabalhar em qualquer lugar e a qualquer hora,
sendo indispensável ter um computador com acesso à internet para realizar
atividades de secretaria, tais como: encaminhar e responder e-mails, preparar
documentos, alimentar bancos de dados e manter atualizados os dados de cur-
sistas, professores e tutores em sistemas institucionais como, por exemplo, o
SISUAB4. Entretanto, a flexibilidade de horários e espaço, ou seja, não per-
manecer em um local de trabalho – a secretaria do curso – e cumprir horários
de trabalho nesse local depende do que é acordado com cada coordenação de
curso. A flexibilidade não se limita ao espaço físico e ao horário de trabalho,
ela abrange também a possibilidade de interação em outros ambientes como
o Facebook, e-mail pessoal, WhatsApp e qualquer outro espaço virtual que
permite a interação/comunicação.
Toda e qualquer informação, documentação e encaminhamentos do curso
devem estar registrados e arquivados, ou nas pastas de um armário ou em pastas
no computador. E todas as mensagens trocadas nos ambientes virtuais ou por
celular devem ser comunicadas à coordenação, através do e-mail institucional
do próprio curso, para que tenha conhecimento e para que fique registrado.

4 Uma plataforma de suporte para a execução, acompanhamento e gestão de processos da Universidade Aberta do
Brasil.
152 Nesse sentido, como secretária, considero que a qualidade mais exigida para o
......
desempenho dessa função é a organização, pois é preciso ter cuidado para não
deixar informações e solicitações referentes ao curso sem o devido encaminha-
mento e registro.
A disciplina no trabalho como secretária de curso EAD é importante para
não perder detalhes importantes, que podem comprometer o andamento do
curso e, principalmente, o aprendizado que o curso se propõe a proporcionar.
Ter disciplina no trabalho significa seguir o planejamento e manter um olhar
atento sobre tudo que ocorre para prever ajustes que se façam necessários,
sejam eles financeiros ou de ordem pedagógica. Por exemplo, no ano de 2015,
tivemos, como resultado da crise econômica, um corte das bolsas pagas pela
Capes, assim foi necessário diminuir o número de tutoras para poder manter o
curso até sua fase final, no primeiro semestre de 2016.
E em termos de ajustes pedagógicos, cito o exemplo das webconferências.
No primeiro curso no qual trabalhei, era impossível realizar a aula presencial
com a presença física do professor em todos os polos, pois havia oito polos
atendidos pelo curso e apenas dois professores por disciplina. Para atender
oito polos ao mesmo tempo, resolvemos realizar as aulas por webconferências,
porém a rede de internet não tinha capacidade para transmitir a aula para os
oito polos com qualidade de áudio e imagem, havia muitas falhas na transmissão,
causando ansiedade e frustração tanto para os estudantes quanto para a equipe
do curso. Como forma de eliminar esse problema, adotamos as videoaulas –
cada professor gravava uma videoaula, os estudantes, após fazerem as leituras
dos textos e assistirem à videoaula, enviavam suas dúvidas para o professor, e
este então gravava um novo vídeo respondendo aos questionamentos realizados
pelos estudantes de todos os polos.
E, para que a organização e a disciplina no trabalho como secretária de
curso EAD estejam presentes em todo e qualquer processo que realizo, é preciso
ter compromisso, pois é ele que dá consistência, transparência e eficiência para
as ações realizadas. O compromisso é com o projeto de curso, desde a sua
elaboração até a entrega do relatório final para a emissão dos certificados. O
bom andamento do curso vai depender da disciplina, ou seja, da conduta que 153
......
assegura o bom funcionamento do projeto previamente organizado, o que exige
compromisso.
Passemos agora à reflexão destas mesmas qualidades enquanto discente
de um curso na modalidade a distância. Tendo passado anos estudando em
salas de aula tradicionais, seguindo o que estava no quadro e anotando as ex-
plicações dadas pelo/a professor/a, reconheço que, ao iniciar um curso de es-
pecialização EAD5, tive dificuldades para estabelecer o hábito de diariamente
acessar a plataforma Moodle para ver as leituras indicadas e as tarefas solicitadas
para cada disciplina. A dificuldade era maior em relação ao diálogo que deveria
estabelecer com colegas que eu não conhecia fisicamente, eram apenas nomes
e fotos de pessoas desconhecidas, com as quais eu não via como conseguiria
estabelecer o diálogo.
Após passar a fase de estranhamento total, tracei meu plano para superar
as dificuldades. Nesse ponto, se apresentou a necessidade da organização para
definir de que forma seria mais adequada minha aprendizagem no curso EAD,
assim estabeleci o que era preciso para estudar a distância. A organização partiu
da definição do horário de estudo, passando pela criação de uma pasta especial
em meu computador com todas as disciplinas separadas por subpastas, no-
meadas com os arquivos de leitura e com os arquivos das tarefas solicitadas,
pelas interações com colegas, professores e tutores e indo até a organização
para as viagens feitas ao polo UAB de São Francisco de Paula para as aulas
presenciais.
A organização também foi fundamental em função da EAD ter um tempo-espaço
diferente de uma sala de aula presencial com a figura docente presente, pois a moda-
lidade de ensino EAD ocorre por meio de tecnologias de informação e comunicação,
sendo que alunos e professores encontram-se em locais distintos e não interagem ne-
cessariamente ao mesmo tempo, havendo uma interação indireta (ALVES, 2011).

5 Os cursos de pós-graduação lato sensu, segundo o art. 11 da Resolução n. 1, de 2001, também conforme o disposto
no § 1º do art. 80 da Lei n. 9.394/96, de 1996, estabelece que esses cursos na modalidade a distância só poderão ser
oferecidos por instituições credenciadas pela União e deverão incluir, necessariamente, provas presenciais e defesa
presencial de monografia ou trabalho de conclusão de curso. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>.
154 Em minha experiência como cursista de EAD, a falta de familiaridade com essa
......
dinâmica de tempo-espaço assíncronos no início das aulas acarretou atraso em
alguns prazos de entrega de atividades. Somente após organizar minhas horas
de estudo, consegui realizar as leituras e atividades solicitadas e também pude
interagir mais com professores e colegas.
Almeida (2003) destaca que a administração do tempo pelo aluno e a
autonomia para realizar as tarefas são características importantes que merecem
atenção no ensino a distância. Assim, se, por um lado, a educação EAD permite
a flexibilidade do tempo-espaço, por outro, ela exige disciplina para geren-
ciarmos nossas atividades a partir da proposta educacional apresentada pelo
curso. A disciplina para seguir a organização previamente estabelecida auxilia
o exercício da autonomia durante os processos de ensino e de aprendizagem.
Por exemplo, no ambiente virtual utilizado pelo curso que realizei, tínhamos a
apresentação dos textos para leitura, indicação das atividades que deveriam ser
realizadas e espaços próprios para a comunicação com professores, tutores e
colegas – mas sem a disciplina para ler, interagir e fazer as atividades, as trocas
não ocorrem, e, por consequência, o aprendizado também não.
Destaco a interação através de fóruns ou chats propostos a partir de
questões e/ou desafios dos professores para os estudantes, ou mesmo destes
para toda a turma, como uma das formas mais interessantes e dinâmicas que
permite a troca de pensamentos nos ambientes virtuais de aprendizagem, e
essa troca propicia a construção, desconstrução e reconstrução de saberes.
Para Real e Picetti (2012), no espaço virtual dos fóruns, alunos e professores
expõem suas elaborações, as relacionam e as confrontam, podendo construir
uma nova opinião. Pode constituir-se em um espaço para ouvir e ser ouvido,
de falar e ser compreendido e reescrito (Idem, p. 2). As autoras ainda salientam
que, nos fóruns, todos podem falar, diferente de um debate em sala de aula,
onde há um espaço (sala de aula) e um tempo definido (tempo da aula) e onde,
muitas vezes, nem todos conseguem participar (Idem, p. 3).
Passando para a última qualidade que considerei necessária para realizar o
curso na modalidade EAD, a saber, o compromisso, preciso assinalar que, para
mim, ele se apresentou de duas formas. A primeira se fez presente enquanto 155
......
responsabilidade pessoal, pois, ao realizar minha matrícula, assumi o compro-
misso comigo mesma de enriquecer os saberes adquiridos na Licenciatura em
Ciências Sociais, bem como aprender novas técnicas didáticas. A segunda surgiu
enquanto responsabilidade social, pois, tendo ocupado vaga de um curso finan-
ciado com recursos públicos, assumi um compromisso com o meu dinheiro e
com o dinheiro de cada cidadão e cidadã que paga seus impostos.
Para concluir, aponta-se que as três qualidades – organização, disciplina e
compromisso –, embora se tenha feito um esforço em demonstrá-las de forma
individualizada no decorrer do texto, andam sempre juntas e são exigidas a
todos os atores envolvidos em um curso de ensino a distância. Aqui, procurei
me deter à minha própria experiência como secretária e como estudante,
porém é importante assinalar que estas qualidades podem ser observadas na
preparação do projeto pedagógico pela equipe de professores/as que propõem
um curso. Num curso EAD, provavelmente teremos organização e disciplina
comprometidas com a construção de um projeto pedagógico que pense no
melhor formato que privilegie as interações EAD, no intuito de tornar os pro-
cessos de ensino e de aprendizagem interessantes para os estudantes, estimu-
lando-os a interagir e dando significado ao aprendizado. Além disso, a equipe
de professores ainda precisa organizar cronograma das disciplinas, estabelecer
prazos para a realização de atividades e definir formas de avaliação e de recupe-
ração, entre outras coisas; para isso a equipe estará sempre comprometida com
o projeto pedagógico construído.
Especificamente, enquanto secretária de curso EAD, estas qualidades me
auxiliam a desenvolver um trabalho comprometido com a proposta pedagógica
do curso, permitindo exercer minha função a partir da organização estabe-
lecida através do diálogo constante com a coordenação do curso; é preciso estar
atento para alterações e ajustes que se façam necessários, e só através da troca
permanente de informações que conseguimos manter uma visão atualizada do
todo. Por exemplo, após a realização de uma avaliação presencial, precisa-se
identificar quais e quantos cursistas faltaram, em quais polos, se quem faltou
156 apresentou atestado, e então comunicar aos professores e tutores quais estu-
......
dantes precisarão fazer a recuperação da prova. Sem um acompanhamento or-
ganizado e disciplinado não seria possível cumprir o compromisso que tenho
para com o curso.
De outro lado, como cursista, precisei adaptar-me ao modo de estudar
através da EAD. Passei dezoito anos estudando na educação presencial, ou seja,
dentro de uma sala de aula, na qual a comunicação entre professor e estudante
é mais direta, e tradicionalmente onde o professor é visto como um trans-
missor de conhecimento enquanto o estudante seria um receptor e repetidor
de informações, muitas vezes sendo as informações incompreendidas e vazias
de significado para o estudante (IAHN, MAGALHÃES e BENTES, 2008, p. 3).
Assim, ao iniciar o curso EAD, tive dificuldades para lidar com a autonomia
para gerenciar meu tempo de estudo e planejar estratégias para aprender sem
a figura presencial do professor, mas, sim, com questionamentos dirigidos ao
professor através do ambiente virtual de aprendizagem. Como estudante EAD,
precisei aprender a ter mais responsabilidade sobre meu aprendizado, pois não
havia como aprender sem realizar as leituras e buscar mais esclarecimentos
quando necessário.
Ao não receber o conhecimento pronto a partir da fala de um professor,
era preciso ler, explorar e questionar para adquirir um entendimento daquilo
que era lido. Nesse sentido, as trocas realizadas através de fóruns foram enrique-
cedoras, pois cada um colocava sua versão sobre o texto, levantando questões
diversas, gerando uma construção coletiva de informações. Pessoalmente, con-
siderei mais produtivos os fóruns em relação às tarefas feitas em documentos de
texto para enviar aos professores, pois, nas tarefas, não tínhamos a colaboração
de outros colegas, somente se recebia uma nota, com raro e breve retorno. É
possível que a escassez de retorno esteja atrelada ao número de alunos aten-
didos por docente, pois, segundo Valente (1999), a interação entre professor e
estudante deve enfatizar a construção de conhecimento, o que ocorre quando
o professor participa das atividades de planejamento, observação, reflexão e
análise do trabalho que o aluno está realizando, mas, para isso, o professor não
deveria atender mais do que 20 alunos (VALENTE, 1999, p. 4-5). 157
......
Em minha experiência como estudante e secretária de curso EAD, ter
organização, disciplina e compromisso possibilitou desenvolver o costume de
planejar minhas ações para o trabalho e para o aprender. E, para encerrar,
destaco novamente que não quis dizer em momento algum que tais qualidades
não estejam presentes no trabalho e no estudo desenvolvidos em cursos pre-
senciais, pois, com certeza, elas também se aplicam a esses cursos, porém, por
já estarmos mais familiarizados com cursos presenciais, tais características pa-
recem ser mais naturais, e nos cursos EAD, para mim, elas apareceram como
descobertas.

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abordagens e contribuições dos ambientes digitais de aprendizagem. Educação
e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 327-340, jul./dez. 2003. Disponível em:
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no mundo. Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a Distância, São Paulo, v.
10, p. 83-92, 2011. Disponível em: <http://www.abed.org.br/revistacientifica/
Revista_PDF_Doc/2011/Artigo_07.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2012.

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80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
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158 VALENTE, José Armando. Diferentes abordagens de Educação a Distância.
......
Disponível em: <http://www.proinfo.mec.gov.br/upload/biblioteca/195.pdf>.
Acesso em: 6 abr. 2017.
Relação professor-aluno: o déjà-vu 159
......

freudiano

Gláucia Helena Motta Grohs1

Este artigo propõe-se, resumidamente, a sustentar a tese freudiana de que


a relação professor-aluno é uma relação de transferência. Não é um artigo de
revisão, nem pretende apontar uma leitura específica do campo psicanalítico
para se possa compreender esta relação; mas, sim, a partir do texto Algumas
Reflexões sobre a Psicologia Escolar (1914), rever a interpretação freudiana sobre a
questão, especificamente, a posição do professor nesta relação.
Um primeiro direcionamento no título deste artigo nos remete à noção
de que sobre “a vida escolar” há uma leitura psicológica que se deixa ver. Talvez
a contemporaneidade deste texto reflita a necessidade não explícita de referir,
quase reforçando, que no viver escolar há sempre uma subjetividade que se
apresenta em todo ato do aprender.
Freud sustenta que há uma relação direta entre a posição que um pai
assume, com o lugar no qual o professor sustentará, na relação com seu aluno, o
aprender. Essa posição está remetida, originalmente, à triangularização edípica,
como um lugar simbólico. É o pai, o terceiro, que desfaz a ilusão primeira de
uma completude e suficiência entre mãe e bebê na montagem de um sujeito
que se constitui na relação com o saber.
O autor inicia seu escrito narrando uma cena comum, quando somos to-
mados por uma imagem que nos faz lembrar algo. Freud nos sensibiliza com sua
sensação de déjà-vu, recheada de afeto, ao remeter-se à lembrança da figura de

1 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS. Doutora em Psicologia. E-mail: grohs2007@gmail.com


160 um “velho” mestre, para afirmar sua tese (aqui simplificada) de que aprender é
......
aprender com um outro e que este outro está num lugar especial para o sujeito.
Ao deparar-se, então, com a figura de um antigo professor, Freud salienta
um ou dois aspectos fundamentais da lembrança como representações contidas
na ordem da lógica inconsciente, sua premissa fundamental da representação
mental. Ou melhor, do ato de lembrar-se: lembrar algo implica colocar em
ordem de prioridades elementos que nos fizeram marcas e que ficaram retidos
em um registro inconsciente; e toda lembrança está permeada por um parco
engano que em si já traz a própria forma como lembramos algo – deformando-
-o de acordo com nossas próprias experiências.
Para sustentar o desdobramento da tese de que a relação professor-aluno
é uma relação transferencial, o autor depara-se com a seguinte constatação
duvidosa (pois sempre se trata de um pensamento dialético em Freud):

Minha emoção ao encontrar meu velho mestre-escola adverte-me de que antes


de tudo devo admitir uma coisa: é difícil dizer se o que exerceu mais influência
sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que
nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres. (FREUD, 1981,
p.1893)

Neste sentido, salienta que há sempre uma carga de afeto que sustenta o
laço professor-aluno e que temporalmente está deslocado e referido nas pri-
meiras experiências trocadas com aquelas pessoas significativas que apresen-
taram o mundo para a criança. Isso é muito precoce na constituição psíquica
de um sujeito. Neste laço, o lugar do professor é referendado pela posição
que um pai ocupou como suporte simbólico para um possível ser no socius2.
Nesta dinâmica, estabelece-se um laço de implicações, e os outros (professores,
inclusive) surgem como “figuras substitutas desses primeiros objetos afetivos
[...]”. (p.1893)
Colocado neste lugar especial, o outro-professor se “impõe” como au-

2 Social.
toridade. Autoridade daquele que dispõe um saber a ser trocado em forma de 161
......
conhecimento.
A noção de uma “herança afetiva” (p.1893) que sempre transborda nas
relações e que o autor afirma colocar-se na nossa vida interpessoal, ao salientar
que “[...] todas as escolhas posteriores de amizade e amor seguem a base das
lembranças deixadas por esses primeiros protótipos” (p. 1325), pode auxiliar
o professor a compreender um elemento que está em jogo quando os alunos se
envolvem, ou não, com os conteúdos por ele apresentado a serem aprendidos,
ou não.
Assim, Freud salienta ao final de seu texto: “transferimos para eles3 o
respeito e as expectativas ligadas ao pai onisciente de nossa infância e depois
começamos a tratá-los como tratávamos nossos pais em casa” (p.1894). E
conclui, tomado pela ideia de que temos sentimentos ambivalentes pelo pai
(consequentemente por aquele que “tomou” o seu lugar, o professor) que
representou uma figura de autoridade ao assumir a posição especial, ideal e
onisciente, quanto ao saber que queremos tomar para si, no movimento de nos
tornarmos um sujeito – sujeito do conhecimento – “nosso comportamento
para com os professores seria não apenas incompreensível, mas também indes-
culpável” (p.1894).
Se nós, professores, nos tornarmos conhecedores desta dinâmica subja-
cente às relações interpessoais – princípio colocado pela teoria psicanalítica – e
a tomarmos como parâmetros para pensar nossas ações e práticas metodoló-
gicas no encontro com o sujeito aluno, não teríamos somente “sucesso” nas
aprendizagens, mas, acima de tudo, alteridade na educação. Este parece ser o
objetivo primeiro na construção de conhecimentos a serem compartilhados
numa dita sociedade democrática que tanto desejamos como suporte educa-
cional para os nossos jovens. Para não falarmos da problemática contempo-
rânea da violência dentro da escola, tema para outra discussão.

3 Grifo da autora
162 REFERÊNCIAS
......

FREUD, Sigmund. Obras Completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981


[1914]. v. 2
Possibilidades de construção/ 163
......

reconstrução na/da adolescência na


escola

Gláucia Helena da Motta Grohs1


Luciane Magalhães Corte Real2

INTRODUÇÃO

No presente artigo, partimos do conceito de adolescência utilizado no


Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que define a adolescência como o
período compreendido entre 12 e 18 anos incompletos. O ECA define as po-
líticas públicas como, por exemplo, a permanência dos adolescentes em Casas
Abrigo, ou como são julgadas as suas infrações. Esta definição de adolescência
não dá conta do processo vivido pelos adolescentes na contemporaneidade.
Neste artigo, questionamos o papel da escola na adolescência como construção
social, como parte do processo de subjetivação e das possíveis intervenções
com os alunos.
A escola faz parte do processo de subjetivação e, para compreendê-lo,
nada melhor do que escutar os próprios adolescentes, o que pode ser feito a
partir de trabalhos que utilizem as suas narrativas ou de propostas pedagógicas
que partam dos interesses deles com suas autorias.
Explorar a construção de identidade do sujeito do conhecimento adoles-
cente, através de sua narratividade sobre experiências em ambientes escolares

1 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Doutora em Psicologia. E-mail: grohs2007@gmail.com.


2 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS. Doutora em Informática na Educação. Coordenadora do Curso de
Especialização em Psicopedagogia e TICs. E-mail: luciane.real@ufrgs.br.
164 como espaço de produção de sujeitos sociais, pode render subsídios para se
......
trabalhar sobre o próprio ambiente escolar. Uma proposta pedagógica que pri-
vilegie seus interesses é uma maneira de dar “voz” a esses alunos.
Muito das dificuldades encontradas pelos professores no trabalho com
o adolescente é reviver ou rememorar sua própria adolescência. Escutar dos
mestres frases como “No meu tempo não era assim!” ou “Eles não respeitam o
professor!” faz parte do dia a dia da escola. Neste sentido, para escutar ou “dar
voz” ao adolescente, é necessário desprender-se de si para conhecer o outro,
como nos chama a atenção Serres: (s/d, p. 23)

Partir exige um dilaceramento que arranca uma parte do corpo à parte que
permanece ligada à margem de nascimento, à proximidade de parentesco, à casa
e aos costumes próprios do meio, à cultura da língua e à rigidez dos hábitos.
[....] Os teus pais correm o risco de te condenarem como um irmão separado.
Eras único e assinalado, vais tornar-te em vários, por vezes incoerente, como o
universo que no começo, diz-se, explodiu com grande estrondo. Parte, e tudo
começa, pelo menos a tua explosão em mundos à parte.

Esta citação remete-nos, como professores, a tentar deixar nossos es-


tereótipos ou ideias preconcebidas sobre “adolescência” para escutar esse
“outro” adolescente, além de nos proporcionar uma reflexão sobre o que os
adolescentes estão vivendo na passagem da infância para o mundo adulto. Com
esta disposição, convidamos o leitor a seguir o percurso deste artigo.

ADOLESCÊNCIA COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL OU SE


APROXIMANDO DE UMA ESCUTA...

Ávila (2005), à luz da interpretação de Caligaris (2000), que analisa o ado-


lescer como um ideal social, entende que a permanência do adolescente na escola
corrobora a delimitação histórica atribuída a esta etapa do desenvolvimento como
uma fase com características próprias e, mais especificamente, como forma de
postergação para o jovem assumir as “ditas” responsabilidades adultas.
Caligaris (2000) aponta a adolescência como o efeito de uma “certa mo- 165
......
ratória” e relaciona o adolescer com um sintoma social. Um sintoma que é
idealizado pela sociedade, e “todos” (crianças e adultos) querem ser adoles-
centes, pois é a “Melhor fase da vida, aproveitem!”. Entretanto, o adolescente
“cai no limbo”, pois tem um corpo de adulto, mas a autorização para transitar
no mundo adulto é postergada: “Você é muito novo para fazer isto!”, “Estas
coisas você só vai entender quando for mais velho!”.
Neste sentido, Ávila (2005) remete-nos à possibilidade de entender o dis-
tanciamento, que, muitas vezes, o adolescente empreende em sua vida escolar,
como um certo reflexo que assume ao se definir como imaturo e despreparado
para a vida.
Para diminuir essa tendência, Oliveira (2006), ao trabalhar com narrativas
do próprio adolescente, concorda com Ávila na necessidade de que teorias e,
mesmo os pesquisadores, aproximem suas compreensões sobre esses sujeitos.
Aponta que, ao se tomar a adolescência de uma forma menos estereotipada e
desconectada das necessidades dos jovens contemporâneos, descarta-se o redu-
cionismo de se compreender os processos de desenvolvimento em jogo, nesta
época da vida, como eventos pubertários de caráter biológico. Para a autora,
a experiência de ser adolescente nos dias de hoje, considerando-se a comple-
xidade contemporânea,

[...] envolve o entrecruzamento de diferentes níveis temporais: o tempo retrospectivo


da infância e o tempo prospectivo da vida adulta; o não-tempo no imediatismo do
prazer e da passagem ao ato; o tempo ambíguo da falta de tempo para aprender, para
a conquista de formas responsáveis de autonomia, para esperar a vez (OLIVEIRA,
2006, p. 434).

Ao entrelaçarmos questões do processo de subjetivação do adolescente


como sujeito do conhecimento e os parâmetros e as regras educacionais,
Negrini e Segura (2007) apontam que o ensino secundário ofertado pela edu-
cação formal deveria possibilitar aos jovens um evento transcendental capaz de
auxiliá-los a realizar uma transição produtiva para a vida adulta, uma vez que
166 oportuniza conhecimentos e desenvolve habilidades tanto acadêmicas como so-
......
cioafetivas que favorecem o bem-estar psicossocial e coletivo e os prepara para
enfrentar novos desafios.
Os autores salientam que as estratégias de ensino/ensinamento deveriam
gerar aprendizagens produtivas, valorizando os temas tratados para a vida pre-
sente e futura do alunado, gerando habilidades para a vida: habilidades so-
ciais, cognitivas e emocionais que gerariam oportunidades para a participação
significativa e o gradativo exercício de pertencimento, autoconhecimento, au-
tovalorização, independência e controle. Em síntese, um controle sobre sua
própria vida e perspectivas futuras de produtividade. Golgher (2010) também
se interessa por relativizar o quanto a educação formal auxilia o jovem na pas-
sagem pela adolescência em prol de sua autonomia e alteridade, ou seja, em
questionar em que medida há, ou não, uma clara dissonância entre escola e
realidade do estudante.
Não há dúvida de que a aprendizagem traz efeitos subjetivos a quem
aprende ou se permite aprender, como Serres (s/d) desafia a pensar: “Nenhuma
aprendizagem evita a viagem. Sob a orientação de um guia, a educação empurra
para o exterior” (p. 23).
Um aspecto desta discussão em termos dos efeitos subjetivos que a apren-
dizagem traz, ou pode trazer ao adolescente, é recortado por Parreira e José
Filho (2010), ao abordarem práticas pedagógicas na educação não formal para
crianças e jovens, ou seja, práticas que ocorrem além dos espaços institucionais
educativos. Segundo os autores, a educação é um fator imprescindível do de-
senvolvimento, e a escola prepararia os jovens para sua inserção futura na so-
ciedade e para o desempenho de funções que possibilitem a continuidade da
vida social. Eles salientam que há a possibilidade de enriquecer o ensino formal
ministrado nas escolas, introduzindo conteúdos da educação não formal, como
os conhecimentos relativos às motivações, à situação social e à origem cultural,
em busca de uma nova cultura escolar que forneça aos alunos instrumentos
para que saibam interpretar o mundo.
Para Parreira e José Filho (2010), como também Silva e Freitas (2011), 167
......
a educação precisa ser compreendida dentro de uma perspectiva conceitual
ampla, não se restringindo aos processos de ensino e aprendizagens no in-
terior de unidades escolares formais. A instituição que educa deve transpor as
obrigações de ser um espaço exclusivo em que se aprende somente o básico,
reproduzindo-o como conhecimento dominante. Assim, deve relacionar o co-
nhecimento a uma manifestação de vida em toda a sua complexidade, com toda
sua rede de relações e uma maneira de ensinar o mundo em todas as suas mani-
festações, ampliando o processo de aprendizagem ao torná-lo mais significativo
e permanente, e este é o acento que interessa quando se pretende pesquisar
como os adolescentes se veem também nas questões do aprender. Assim, uma
das vias para “aproximar” a realidade do mundo vivida pelo adolescente e suas
experiências escolares pode ser efetivada pela própria escuta do adolescente
sobre suas vivências neste âmbito.
Nesta direção, Silva e Freitas (2011), a partir das experiências trazidas
por estudantes jovens e adultos, apontam que trazer para dentro do ambiente
escolar, inclusive quanto aos conteúdos escolares, as vivências e os conheci-
mentos valorizados por eles, amplia o processo de aprendizagem, tornando-o
mais significativo e, consequentemente, mais duradouro.
Hernández e cols. (2011), dentro da mesma perspectiva, tematizam es-
pecificamente o fracasso escolar, pois acreditam que entender o fracasso ou
o êxito escolar é compreender um dos aspectos relacionados à forma como
alguém significa suas perspectivas de vida em sua história, uma vez que toda
relação de conhecimento pressupõe certa relação com o mundo. Salientam que
a educação escolar deveria produzir nos jovens um movimento de inscrição
em certo tipo de relação com o mundo, consigo mesmo e com os outros. Os
autores citam Charlot (2005), que afirma que o aprender lança sempre uma
questão identitária pela qual se adquire o sentido de ser.
Os estudos desenvolvidos pelo grupo de pesquisadores citados acima
orientam-se por metodologias de investigação de cunho autobiográfico e
buscam compreender os sentidos atribuídos à escola e às experiências esco-
168 lares de adolescentes como espaço de subjetivação para o jovem. Para estes
......
autores, salientam Hernández e cols. (2011), escutar o adolescente a partir de
sua própria narratividade conduz a explorar a história de vida de um sujeito
para compreender, através de sua experiência singular, a realidade social que
a ilumina. Investigar desde uma perspectiva narrativa é situar os sujeitos no
centro da investigação e explorar, a partir daí, a relação entre os sujeitos e seu
contexto social, cultural, econômico e político. Evidente que a contextualização
dessa perspectiva subsidia os profissionais envolvidos com a educação a pensar
e a solucionar problemas importantes da área, como, por exemplo, possíveis
inadequações curriculares.
Na mesma perspectiva, Coutinho (2009) aponta que a educação é uma
das vias de inclusão social dos jovens e deve gerar políticas públicas para a ju-
ventude, salientando a importância das referências simbólicas oferecidas a ele
pela cultura e pela sociedade na qual está inserido.
Mesmo que a preocupação da autora circule ao redor da exclusão “real
ou potencialmente experimentada” (p.2) pelo jovem dentro dos ambientes es-
colares, ela salienta que acessar diretamente o adolescente para falar sobre si,
sua origem, seu partilhar territórios por onde circula e como é visto por ele,
coloca-o em uma posição de refletir sobre o lugar (subjetivo) em que se situa
no laço social e seu processo de apropriação das referências simbólicas advindas
da cultura, fundamentais para o trabalho subjetivo em curso na adolescência.
Buscar encontrar através da narratividade do adolescente os sentidos pos-
síveis que ele atribui ao lugar da aprendizagem em sua vida é trabalhar com a
perspectiva de que a educação é capaz de produzir sujeitos do conhecimento.
Tal perspectiva é bastante destacada por Bondía (2002), ao afirmar que o sujeito
da experiência é aquele que se deixa transformar a partir de sua relação direta
com o mundo e, consequentemente, transforma seu saber em conhecimento
prático para sua vida. Não seria este um dos objetivos primeiros da educação?
NARRATIVIDADE 169
......

Para pesquisar a narratividade do adolescente em seus encontros com a


educação formal e o modo como o sujeito organiza suas experiências de vida,
precisamos buscar as narrativas do adolescente sobre suas vivências escolares.
Pontualmente, Bruner (1997) define que o modo narrativo é a forma como
conhecemos e organizamos nossa experiência no mundo.
Os estudos sobre narrativa tomaram uma grande dimensão nos diferentes
campos, uma vez que exploram a noção de que nos organizamos à medida
que nos contamos. Diferentes pesquisadores na área da educação (KRAMER e
SOUZA,1996; CHARLOT, 2005; CLEMENTINO de SOUZA e ABRAHÂO,
2006; CALDERANO e LOPES, 2006) utilizam a história de vida como meto-
dologia de pesquisa para questionar e refletir sobre algumas temáticas ao redor
do educar, como, por exemplo: práticas educativas de professores ao longo do
percurso de sua formação; relação ensino-aprendizagem; questões pontuais e
atuais, como violência na sala de aula e na escola.
Para Teixeira (2003), a metodologia de pesquisa que tem como referência
a história de vida envolve, necessariamente, uma historicidade “não-histori-
cista”, uma vez que estas narrativas são reconhecidas e analisadas como meio
de se conhecer como o social se personifica nos sujeitos e se retrata nas vidas
cotidianas. Quando questionamos, ou melhor, refletimos sobre como a apren-
dizagem é significada no espaço escolar entre aqueles que são os personagens
desta ação, criam-se possibilidades de ressignificar suas experiências.
Vários são os estudos (NJAINE e MINAYO, 2003; OLIVEIRA, MARTINS,
FISCHER, SÁ, GOMES E MARQUES, 2004; MARTINS e LUZ, 2010) que
tematizam as dificuldades encontradas com adolescentes dentro dos ambientes
escolares ao se considerar a injunção dos efeitos do adolescer – instabilidades
emocionais, isolamento, tendência a identificações e ações grupais, oscilações
corporais e identificações maciças – e as exigências de todo processo de forma-
lização de conhecimento operada na instituição escola.
Questionar a escola na “voz” do adolescente pode ser o inverso do que
170 classicamente se poderia propor como objeto de pesquisa, porém o sentido do
......
educar, para um professor psicanaliticamente orientado, como afirma Kupfer
(1999), é possibilitar que aquele que está na posição de aluno assuma para si
um efeito de autoria sobre aquilo que aprende.

POSSIBILIDADE DE CRIAÇÃO NA ESCOLA: PROJETOS DE


APRENDIZAGEM

Outra maneira de dar “voz” ao adolescente em “nosso tempo”, além da


narratividade, é partir dos seus interesses. Olhando em nossa volta observamos
as suas interações com dispositivos móveis, tablets e celulares e com as tec-
nologias de uma maneira geral. Nada como uma proposta que envolva esses
interesses além das suas experiências e dúvidas.
Boffe e Rossari (2012), em uma pesquisa sobre Tecnologias de Informação
e Comunicação (TICs) no cotidiano dos adolescentes, concluíram que os ado-
lescentes utilizam as tecnologias de informação e comunicação para dialogar e
trocar informações e interagem socialmente estimulando o gosto pela tecno-
logia e aprimorando as pesquisas e as suas descobertas.
A proposta metodológica de Projetos de Aprendizagem (PAs) (FAGUNDES
et al., 2000) usando as TICs pode ser um desafio para um trabalho de autoria
dos adolescentes e uma maneira de lhes dar “voz”. Segundo Fagundes et al.
(2000), nos PAs o aprendiz é desafiado a questionar e argumentar. Os temas/
perguntas são levantados a partir de suas dúvidas, experiências e/ou história de
vida, e, desta maneira, trabalham com autoria e construção de conhecimento.
Real (2007), em uma pesquisa com crianças e adolescentes, usando a me-
todologia de PAs no Laboratório de Informática de uma escola, concluiu que
a curiosidade impulsionou o conhecimento tecnológico, o desenvolvimento da
escrita, da pesquisa e do aprendizado em geral. As relações solidárias estabele-
ceram um espaço colaborativo e os alunos sentiam-se estimulados a ajudar os
colegas com dificuldades. No início da proposta, os alunos entravam eufóricos
e competiam individualmente para trabalhar com os melhores computadores. 171
......
Com o passar do tempo, a interação com os colegas e equipe de trabalho, cons-
tituída por professores e estagiárias, proporcionou um clima de solidariedade
e cooperação.
Real e Maciel (2015), investigando as possibilidades de diversos diálogos
a partir das TICs, referem que uma proposta pedagógica que coloque os alunos
em uma posição ativa possibilita uma rede de conversação de interações e
aprendizagens. As autoras citam Silva (2000), segundo a qual as possibilidades
de interação em um ambiente, juntamente com a prática pedagógica, permitem
aos alunos passar da condição de espectador passivo para a condição de sujeito
ativo, autor de suas produções.

PARA REFLEXÃO

Pensar a escola de forma diferente, ou seja, como promotora de ações que


se revertem em produções nas vidas de crianças, adolescentes e adultos pode
ser uma via de questionar o que a escola tem realizado como certa ‘conversação’
entre diferentes saberes em direção a sujeitos habilitados para a vida. Provocar
que o adolescente questione sua vida atravessada por atos de aprendizagem
na escola pode auxiliá-lo no próprio processo de firmar-se como um sujeito
psíquico com uma identidade “identificada”, aspecto este fundamental neste
período.
Em “tempos modernos”, de modernizações ou remodernizações discur-
sivas sobre os princípios e práticas educativas, tais como novas diretrizes cur-
riculares nacionais (Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação
Básica), base nacional comum curricular, plano nacional de educação; enfim...
um foco sobre os sujeitos dos atos de aprender, na “voz” de seus autores, vale
a pena...
172 REFERÊNCIAS
......

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O educar kantiano 175
......

Luiz Antônio Corte Real1

Immanuel Kant, um dos mais renomados pensadores do mundo mo-


derno, é autor de uma obra onde expressa seu entendimento em relação à
educação, que leva o título de Sobre a Pedagogia. É nela que nos debruçaremos,
procurando mostrar o que ele pensa sobre a educação.
Em suas páginas, com edição em português de 1999, Kant assinala que a
educação se faz pela via de quatro instrumentos: disciplina, cultura, prudência
e moralização. Passemos então a examiná-los.
Para Kant, em seu estado primitivo, o homem é um selvagem. Mas, di-
ferentemente das demais criaturas, pode ele vir a ser educado, tornando-se,
então, um ser humano, uma vez que é ele munido de razão. Todavia, seu pro-
cesso educativo contém dois vieses: um percurso negativo, caracterizado pela
disciplina, que subtrai o estado selvagem do homem, despertando-lhe o caráter
e a sociabilidade, levando-o a escolher os seus bons fins; e uma forma positiva,
pela instrução. Diz o criticista, ao falar da disciplina (Kant, 1999, p. 26):

Na educação, o homem deve, portanto:


1) Ser disciplinado. Disciplinar quer dizer: procurar impedir que a animalidade
prejudique o caráter humano, tanto no indivíduo como na sociedade. Portanto,
a disciplina consiste em domar a selvageria.

E afirma mais: a disciplina é que impede que o homem se desvie da hu-


manidade, lançando-se ao perigo como um animal feroz ou como um estúpido.

1 Desembargador aposentado. Bacharel em Direito. E-mail: luiz@turisite.com.br.


176 Contudo, a disciplina é puramente negativa, pois visa a retirar do homem sua
......
selvageria.
Acrescenta ele, então, um novo instrumento ao processo de educação, ou
seja, a instrução, que nos faz florescer na cultura (Kant, 1999, p. 26/7):

Na educação, o homem deve, portanto:


[...] 2) Tornar-se culto. A cultura abrange a instrução e vários conhecimentos. A
cultura é a criação da habilidade e essa é a posse de uma capacidade condizente
com todos os fins que almejamos [...].

O filósofo menciona a cultura como um dos destinos da educação. Mas,


afinal, o que se deve entender por cultura? Veiga-Neto (2003) procura a isso
responder, asseverando que cultura não é civilidade. Citando Elias (1989),
Veiga-Neto assinala que, segundo diversos pensadores alemães, desde o século
XVIII, estabeleceram-se três principais características inscritas no conceito de
cultura, que se conservam até a modernidade. Por primeiro, seu caráter dife-
renciador. Ela seria “um apanágio dos homens e das sociedades superiores”
(p.22). Por segundo –, um caráter único e unificador, com conotação machista,
eurocêntrica e judaico-cristã. Era, portanto, um conceito monoculturista. Um
terceiro aspecto é também apontado por Veiga-Neto (2003, p. 15): o sentido
elitista da cultura.
A concepção de uma cultura única, unificadora e elitista, que era adotada
no ensino nas escolas, deu lugar, no entanto, mais recentemente, a uma nova
concepção de cultura. Em substituição a um conceito de cultura única, tal como
idealizado pelos pensadores germânicos, cultura passou a ser conceitualizada
por uma nascente antropologia, pela linguística, pela filosofia e pela sociologia.
É o que observa Veiga-Neto. Assim, em uma desconstrução do conceito uni-
tário, passou-se a entender que várias culturas existem. Assinala ele, então, que
se o monoculturalismo coloca a ênfase no Humanismo e, em parte, na estética,
o multiculturalismo muda a ênfase para a política (VEIGA-NETO, 2003, p.
11). É essa a noção de cultura acolhida em nossos dias.
No mesmo sentido, Marilena Chauí (1999), quando diz que, para a
Filosofia do século XIX, em consonância com a ideia de uma única História 177
......
universal das civilizações, haveria uma única e grande Cultura em desenvolvi-
mento, da qual as diferentes culturas seriam fase ou etapas. “No entanto, no
século XX, a Filosofia, afirmando que a História é descontínua, também afirma
que não há a Cultura, mas culturas diferentes [...]” (p. 51).
O terceiro elemento integrador da educação kantiana é a prudência. Kant
(1999, p. 26) diz, a respeito da prudência, em sua obra Sobre a Pedagogia:

A educação deve também cuidar para que o homem se torne prudente, que ele
permaneça em seu lugar na sociedade e que seja querido e que tenha influência.
A essa espécie de cultura pertence aquela chamada propriamente de civilidade.
Esta requer certos modos corteses, gentileza e a prudência de nos servirmos
dos outros homens para os nossos fins.

A prudência configura-se, pois, como uma habilidade no uso, tanto das


coisas quanto dos outros homens para a realização de um fim pessoal, e do
manejo da habilidade no uso das coisas e dos homens para o bom convívio
social no mundo. A formação da prudência prepara o homem para se tornar
um cidadão, pois lhe concede um valor público. Por último, assevera Kant
(1999, p. 26):

Deve, por fim, cuidar da moralização. Na verdade, não basta que o homem seja
capaz de toda a sorte de fins; convém também que ele consiga a disposição de
escolher os bons fins. Bons são aqueles fins aprovados necessariamente por todos
e que podem ser, ao mesmo tempo, os fins de cada um.

A questão de moralidade, trata Kant (1974) principalmente em sua obra


Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Para ele, o ato moral não se assinala
através de nossas inclinações, mas se produz por uma boa vontade, alcançada
pela razão. É a razão, ademais, que pede respeito a uma Lei Universal, que dese-
jamos venha a ser cumprida por todos, inclusive por nós mesmos. Temos, então,
um dever que vale por si mesmo, independentemente das inclinações humanas.
A boa vontade, de outra parte, age por um dever imposto por uma máxima
178 (princípio prático subjetivo do querer) que pode se tornar Lei Universal.
......
A razão pura nos mostra com clareza que, para ser universal e necessária
a todo o ser racional, a ação não pode ter base no contingente e particular.
Assim, os atos morais têm que se originar em um sentimento de dever anterior,
que se estabeleça em si mesmo de forma apriorística através de uma vontade
determinada pela razão pura prática. Kant (1999, p. 122), assim, estabelece
uma lei universal, que denomina imperativo categórico, expressando-o por
várias fórmulas. Ei-las:
1. Lei Universal: "Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se,
através da tua vontade, uma lei universal."
a) Variante: "Age como se a máxima da tua ação fosse para ser trans-
formada, através da tua vontade, em uma lei universal da natureza."
2. Fim em si mesmo: "Age de tal forma que uses a humanidade, tanto
na tua pessoa, como na pessoa de qualquer outro, sempre e ao mesmo tempo
como fim e nunca simplesmente como meio".
3. Legislador Universal (ou da Autonomia): "Age de tal maneira que tua
vontade possa encarar a si mesma, ao mesmo tempo, como um legislador uni-
versal através de suas máximas."
a) Variante: "Age como se fosses, através de suas máximas, sempre um
membro legislador no reino universal dos fins."
Com relação à educação, Kant afirma que não é suficiente treinar as
crianças; devemos ensiná-las a pensar. E acrescenta que é descurada a moral
na educação privada. Diz ele, ainda, que seria necessário fundar escolas expe-
rimentais antes de criar escolas normais (KANT, 1999, p. 28). Ao criticar a
situação em seu tempo, assinala que as escolas públicas eram apenas o aperfei-
çoamento da educação doméstica. E que a educação privada, dada pelos pró-
prios pais e por auxiliares, tinha o inconveniente de dividir a autoridade entre
uns e outros.
O criticista indica, ainda, algumas regras indicativas para quem educa. Por
primeiro é aconselhável que se dê liberdade à criança desde a primeira infância,
mas com a condição de não impedir a liberdade dos outros; por segundo, 179
......
deve-se mostrar que ela pode conseguir seus propósitos, com a condição de
que permita aos demais conseguir seus próprios; em terceiro, provar que o
constrangimento que lhe é imposto tem por finalidade ensinar a usar bem sua
liberdade; e, por derradeiro, que a educamos para que possa ser livre um dia,
dispensando os cuidados de outrem.
Em dois distintos capítulos de sua obra Sobre a Pedagogia, Kant trata da
educação física e da educação prática. A educação física, para ele, consiste nos
cuidados materiais prestados às crianças pelos pais, amas de leite ou babás
(KANT, 1999, p. 37). Já à educação prática (p. 85 e segs.) pertencem a habi-
lidade, a prudência e a moralidade. A habilidade deve ser sólida, bem fundada
e tornar-se, pouco a pouco, um hábito de pensar. A prudência consiste na arte
de aplicar aos homens nossa habilidade. E a moralidade diz respeito ao caráter.
Para a solidificação do caráter moral das crianças, devemos ensinar-lhes, através
de exemplos e com regras, os deveres a cumprir. São deveres consigo mesmo e
deveres para com os demais. Os primeiros consistem em conservar uma certa
dignidade interior que faz do homem a criatura mais nobre de todas. E os
seguintes, que devem ser inculcados desde cedo na criança, referem-se aos
direitos humanos, procurando que ela assiduamente os ponha em prática.
Kant diz que faltaria nas escolas um catecismo do direito que mencionasse
casos referentes à conduta que há de manter na vida cotidiana, que compor-
tassem a pergunta: isso é justo ou injusto?
Na educação, segundo o criticista, tudo depende de se estabelecer bons
princípios!
180 REFERÊNCIAS
......

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 11. ed. São Paulo: Ática, 1999.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. 1 ed. São Paulo:


Victor Civita, 1974. (Os Pensadores)

______. Sobre a Pedagogia. 2. ed. Piracicaba: UNIMEP, 1999.

VIEGA-NETO, Alfredo. Cultura, culturas e educação. Revista Brasileira de


Educação, Rio de Janeiro, n. 23, p. 5-15, maio/jun./jul./ago. 2003. Disponível
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2010.
Psicopedagogia: alguns conceitos 181
......

básicos para reflexão e ação

Jaqueline Santos Picetti1


Tania Beatriz Iwaszko Marques2

INTRODUÇÃO

Ao finalizar a segunda edição de um curso de Especialização em


Psicopedagogia e Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), cons-
tatou-se a importância de produzir escritos a respeito de alguns conceitos que
são base para o trabalho na área. Por isso, o presente artigo tem como objetivo
apresentar uma produção escrita sobre questões básicas para o entendimento e
o atendimento psicopedagógico.

O QUE É A PSICOPEDAGOGIA?

A Psicopedagogia é o campo que estuda a aprendizagem em suas diferentes


relações e circunstâncias. Ela se ocupa do processo de aprendizagem e suas va-
riações e da construção de estratégias para a superação do não-aprender, tendo
como um de seus focos principais a autoria do pensamento e da aprendizagem.
A Psicopedagogia tem uma visão integrada da aprendizagem, entendendo
que todas as dimensões do sujeito são coparticipantes de seus processos de

1 Professora da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. Doutora em Educação. E-mail: jaquelinepicet-ti@gmail.
com.
2 Professora de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação da UFRGS. Doutora em Educação. E-mail: ta-
-niabimarques@bol.com.br.
182 aprendizagem, por meio do entrelaçamento e da manifestação dos processos
......
cognitivos, afetivo-emocionais, sociais, culturais, orgânicos, psíquicos e peda-
gógicos, concebendo o sujeito como individual e coletivo.
A Psicopedagogia transita entre os aspectos pedagógicos e psíquicos e
entre os processos de desenvolvimento e aprendizagem dos sujeitos. Sua in-
tervenção possibilita que indivíduos, grupos e instituições desenvolvam seus
processos de aprendizagem de forma saudável, resgatando o prazer de aprender
e descobrindo-se como autores de seus próprios processos.
Nota-se, com base na experiência na área da Psicopedagogia, que é preciso
diferenciá-la da Educação Especial, conforme o artigo 58 da Lei nº 12.796, de
2013:

Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de


educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação (BRASIL, 2013).

Assim, pode-se dizer que a Psicopedagogia atende aos sujeitos que neces-
sitam de um olhar articulador sobre seu processo de aprendizagem, criando es-
tratégias para a superação do não-aprender e a autoria. Já a Educação Especial,
conforme a Lei n° 12.796 de 2013, tem o seu trabalho direcionado para os
sujeitos com Necessidades Educativas Especiais.

ÁREAS DE ATUAÇÃO DA PSICOPEDAGOGIA

A atuação da Psicopedagogia pode acontecer a partir da perspectiva


Clínica, Institucional e da Pesquisa.
A Psicopedagogia Clínica ocupa-se do entendimento do sujeito que
aprende, através de sua história pessoal, de seus vínculos familiares, de sua
modalidade de aprendizagem, compatibilizando conhecimento e saber. Procura
compreender o sujeito a partir de seu processo de aprender e de não aprender,
indagando como, o que e de que maneira ele pode aprender. Exerce suas 183
......
funções nas dimensões terapêutica e institucional, buscando a compreensão
das complexas relações de aprendizagem, dos lugares e papéis de sujeitos em
suas redes históricas e pela formulação de espaços e dispositivos adequados
ao resgate e à promoção da aprendizagem. A Psicopedagogia Clínica também
realiza ações voltadas para o resgate da aprendizagem, através da formulação de
espaço e vínculo de confiança e da proposição de recursos adequados e especí-
ficos; e busca possibilitar que o sujeito construa sua autoria na aprendizagem.
A Psicopedagogia Institucional considera as amplas e intrincadas relações
de aprendizagem de uma instituição, analisando as relações institucionais e bus-
cando elaborar condições de articular a qualificação dos processos de apren-
dizagem. Objetiva fazer com que os sujeitos de um grupo possam se conceber
e agir como protagonistas de seus próprios processos de aprendizagem. Essa
perspectiva da Psicopedagogia pode ter como objetivo, na escola, a diminuição
da incidência dos problemas de aprendizagem. Também analisa e age em re-
lação às questões da didática e da metodologia, através da intervenção: na
formação permanente e na assessoria junto aos professores; no atendimento
familiar; no diagnóstico de sujeitos; no relacionamento entre alunos e profes-
sores; nas relações afetivas envolvidas nos processos de aprender; no significado
que os alunos e professores dão à aprendizagem; na elaboração de currículos
e ações pedagógicas que tenham efetivo desempenho junto ao processo de
aprendizagem.
A Psicopedagogia como área de pesquisa compõe um conjunto de co-
nhecimentos que auxiliam na investigação dos fenômenos dos processos de
aprendizagem humana.

QUEM É O PSICOPEDAGOGO?

O psicopedagogo é um especialista em Psicopedagogia. Sua formação


ocorre, geralmente, através de cursos de Especialização, possibilitando o apro-
184 fundamento dos conhecimentos obtidos nos cursos de graduação e a ampliação
......
da discussão sobre os aspectos da aprendizagem, de sua autoria e da supe-
ração do não aprender. Assim, se uma pessoa tem a graduação em Licenciatura
em Matemática e a especialização em Psicopedagogia, ela será Licenciada em
Matemática e Especialista em Psicopedagogia. Se a pessoa tem graduação
em Pedagogia e Especialização em Psicopedagogia, ela será uma Pedagoga e
Especialista em Psicopedagogia. Se ela tiver a graduação em Psicologia e
Especialização em Psicopedagogia, ela será uma Psicóloga e Especialista em
Psicopedagogia.
O especialista em Psicopedagogia é um profissional habilitado a lidar com
os processos de aprendizagem e suas dificuldades junto às crianças, aos adoles-
centes, aos adultos ou às instituições, instigando aprendizagens significativas, de
acordo com suas possibilidades e interesses. Em sua prática, o especialista em
Psicopedagogia pode auxiliar na busca do prazer de aprender, na construção de
um novo significado para as formas de aprender, da compreensão, por parte
dos sujeitos, da maneira como aprendem e de como utilizar suas estratégias em
relação a novos conhecimentos.

ALGUNS ASPECTOS IMPORTANTES DE SEREM OBSERVADOS

Entre os diferentes aspectos que precisam ser considerados ao longo de


um atendimento psicopedagógico, seja institucional ou clínico, destacam-se
alguns que necessitam de atenção, tais como: o momento do diagnóstico, a
anamnese, a elaboração de hipóteses e a análise do processo de construção da
lecto-escrita.
O processo diagnóstico caracteriza-se como os primeiros encontros nos
quais se interage de forma mais direta com o sujeito encaminhado e com sua
família, procurando conhecer mais detalhes de sua história. Porém, não é um
momento fechado, que tenha como objetivo atribuir um rótulo ao sujeito. Há
diagnósticos como transtorno de hiperatividade e déficit de atenção, autismo,
entre outros, que não podem ser dados por um especialista em Psicopedagogia, 185
......
que pode sugerir para a família procurar um profissional como um psiquiatra
ou um neurologista para avaliar e realizar tal diagnóstico. O especialista em
Psicopedagogia deve sempre realizar os encaminhamentos que julgar neces-
sários, mencionando que há outras questões que também atrapalham a apren-
dizagem do sujeito e que só podem ser avaliadas por outro profissional habi-
litado. Por isso, fala-se tanto das parcerias nos atendimentos psicopedagógicos
e de um trabalho interdisciplinar.
Considerando-se que o trabalho interdisciplinar é fundamental na ação
psicopedagógica, é importante conhecer as ferramentas que existem e são
usadas pelos outros profissionais envolvidos, para saber entendê-las adequada-
mente quando se recebe um diagnóstico. Porém, isso não significa que se possa
utilizá-las, já que algumas ferramentas são de uso exclusivo do psicólogo, do
fonoaudiólogo ou do médico.
O diagnóstico psicopedagógico necessita concentrar-se nos processos de
aprendizagem. Esse momento não pode estar focado apenas no sujeito, mas
em todas as relações que ele mantém, seja na família, na escola ou no grupo de
amigos, dentre outros. O diagnóstico é um momento no qual se pode iniciar o
levantamento de hipóteses sobre como e o que o sujeito aprende, bem como
o que o impede de aprender. Nessa ocasião, já se inicia também o tratamento.
Quando se analisa a situação do sujeito, precisa-se propor desafios de supe-
ração, para que novas hipóteses possam ser levantadas e questões já possam ser
superadas. Logo, não há uma separação rígida entre o período do diagnóstico e
o do tratamento. Ao iniciar o diagnóstico, já se está começando o tratamento.
Ao longo do processo diagnóstico, é importante ser realizada uma entre-
vista de anamnese, que se constitui numa técnica de investigação e análise, a
partir da retomada da história de vida do sujeito através de uma conversa com
a família. Ela é utilizada para auxiliar o profissional a compreender o funcio-
namento familiar, no sentido de se observar como o sujeito é visto por esse
grupo, qual é o seu papel, como o veem e compreendem sua situação ao longo
da vida e como descrevem a dificuldade de aprendizagem. A anamnese auxilia o
186 especialista em psicopedagogia a compreender o processo de aprendizagem do
......
sujeito em diferentes momentos de sua vida. Por isso, suas perguntas devem se
centrar mais no “como” do que no “quando”, como, por exemplo: Como foi
que ele começou a andar? Como foi que ele aprendeu a falar? O quando traz
uma questão mais relacionada com a temporalidade, o que tem importância,
mas não tanto quanto o processo de cada aprendizagem.
A elaboração de hipóteses sobre como o sujeito aprende e o que o impede
é de suma importância para o atendimento, pois é a partir dela que a ação do
especialista em psicopedagogia é planejada e organizada. Ao longo de todo o
tratamento, as hipóteses são elaboradas, superadas e redefinidas. A partir da
superação de uma questão, outra poderá ser elaborada pelo especialista em
Psicopedagogia. É significativo sempre partir do que o sujeito sabe fazer, o que
conhece, aquilo no que tem sucesso. Além de reforçar suas possibilidades, com
essa perspectiva também se consegue, muitas vezes, observar e analisar as estra-
tégias utilizadas e ajudá-lo a usá-las nas situações de dificuldades.
Outro aspecto relevante tem relação com as inúmeras vezes em que os
especialistas centram a investigação psicopedagógica na leitura e na escrita
quando o encaminhamento ocorre devido a uma dificuldade nessa área. Porém,
precisa-se sempre lembrar de também analisar questões relativas ao pensa-
mento lógico-matemático. Várias vezes, recebe-se dos educadores a avaliação
de que o sujeito domina as questões relacionadas ao conhecimento matemático,
mas o que ele consegue fazer são cálculos mecanizados, sem compreensão. A
construção do pensamento lógico-matemático é estruturante da construção
da leitura e da escrita, ou seja, são a base para a aprendizagem da leitura e da
escrita. A testagem do nível de leitura e escrita precisa ser realizada juntamente
com a observação, pois é importante observar as estratégias que o sujeito utiliza
para ler e escrever sua própria produção.
ABRINDO ESPAÇO PARA NOVAS DISCUSSÕES 187
......

Este artigo teve como objetivo apresentar algumas questões relevantes


para o entendimento e o atendimento psicopedagógico. Porém, tem-se a
certeza de que muitas, igualmente importantes, não foram abordadas e, com
isso, destaca-se a necessidade constante de estudos. A Psicopedagogia é uma
área de conhecimento que está sempre em avanço, necessitando de espaços
intensos de trocas e discussões, tanto teóricas quanto práticas. Por isso, sabe-se
da relevância da formação de grupos de apoio, trocas e estudos entre os espe-
cialistas em Psicopedagogia, cujo trabalho pode ser organizado e qualificado a
partir da construção desses grupos, que realizam um papel de supervisão das
ações no atendimento.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n° 12.796 de 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/


ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12796.htm>. Acesso em: 24 jan. 2016.
Este livro foi composto na tipologia Lapidary333 BT, em corpo 12
e impresso no papel Offset 75g/m2 na Gráfica da UFRGS

Editora da UFRGS • Ramiro Barcelos, 2500 – Porto Alegre, RS – 90035-003 – Fone/fax (51) 3308-5645
– editora@ufrgs.br – www.editora.ufrgs.br • Direção: Alex Niche Teixeira • Editoração: Luciane Delani
(coordenadora), Clarissa Felkl Prevedello, Cláudio Marzo da Silva, Cristina Thumé Pacheco e Lucas Ferreira
de Andrade • Administração: Aline Vasconcelos da Silveira, Cláudio Oliveira Rios, Fernanda Kautzmann,
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Jaqueline Trombin e Laerte Balbinot Dias • Apoio: Luciane Figueiredo

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