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Accelerat ing t he world's research.

Rafael Siqueira Guimarães Viviane


Vergueiro GÊNERO E CULTURA:
PERSPECTIVAS FORMATIVAS VOL.
2 W Edições Hipótese
Paola Marugán Ricart

Paola María Marugán Ricart

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CISHET ERONORMAT IVIDADE NO LIVRO DIDÁT ICO DE BIOLOGIA: ANÁLISE À LUZ DA PEDAGOGI…
Bruno Tavares

ANÁLISE DA PERCEPÇÃO DE ALUNOS COMO FORMA DE PENSAR PRÁT ICAS PEDAGÓGICAS EM EDUCAÇ…
Bruno Tavares

pesquisa genero e diversidade volume


Ana Crist ina Aguilar Viana
Guimarães, R. S.; Vergueiro, V; Marcos, M. A. de; Fortunato, I. (org.) Gênero e cultura: perspectivas
formativas vol. 2. São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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Rafael Siqueira Guimarães


Viviane Vergueiro
Marcela Aparecida de Marcos
Ivan Fortunato
(org.)

GÊNERO E CULTURA:
PERSPECTIVAS FORMATIVAS
VOL. 2

W Edições Hipótese
0
Guimarães, R. S.; Vergueiro, V; Marcos, M. A. de; Fortunato, I. (org.) Gênero e cultura: perspectivas
formativas vol. 2. São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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G963g Guimarães, Rafael Siqueira.


Gênero e cultura: perspectivas formativas vol. 2 / Rafael Siqueira
Guimarães; Viviane Vergueiro; Marcela Aparecida de Marcos; Ivan
Fortunato (org.). – São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
195p.

Bibliografia
ISBN: 978-85-60127-01-6

1. Educação. I. Título.
CDU - 370

EDIÇÕES HIPÓTESE é nome fictício da coleção de livros editados pelo Núcleo de


Estudos Transdisciplinares: Ensino, Ciência, Cultura e Ambiente, o Nutecca.

http://nutecca.webnode.com.br
OS LIVROS PUBLICADOS SÃO AVALIADOS POR PARES.

CONSELHO EDITORIAL: Prof. Dr. Ivan Fortunato (Coordenador), Profa. Dra. Marta
Catunda (UNISO), Prof. Dr. Claudio Penteado (UFABC), Dr. Cosimo Laneve (Società
Italiana di Pedagogia), Prof. Dr. Luiz Afonso V. Figueiredo (CUFSA), Dr. Helen Lees
(Newman University), Prof. Dr. Tiago Vieira Cavalcanti (Nutecca), Prof. Ms. Alexandre
Shigunov Neto (Nutecca), Prof. Dr. Juan José Mena Marcos (Univ. de Salamanca), Prof. Dr.
Fernando Santiago dos Santos (IFSP), Prof. Dr. Viktor Shigunov (UFSC), Prof. Dr. José
Armando Valente (UNICAMP); Prof. Dr. Paulo Sérgio Calefi (IFSP), Prof. Dr. Pedro Demo
(UnB), Prof. Ms. Marilei A. S. Bulow (Fac. CNEC/Campo Largo), Prof. Dr. Juarez do
Nascimento (UFSC), Prof. Dr. Reinaldo Dias (Mackenzie), Prof. Dr. Marcos Neira (USP),
Profa. Dra. Ana Iorio (UFC), Profa. Dra. Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC),
Profa. Dra. Patricia Shigunov (Fiocruz), Profa. Dra. Maria Teresa Ribeiro Pessoa (Univ. de
Coimbra), Prof. Dr. Francesc Imbernon (Univ. de Barcelona), Prof. Dr. José Ignacio Rivas
Flores (Univ. de Málaga), Prof. Dr. Luiz Seabra Junior (Cotuca/Unicamp), Profa. Ms.
Hildegard Jung (Unilassale), Prof. Dr. Fernando Gil Villa (Univ. de Salamanca), Profa. Dra.
Rosa Maria Esteban (Univ. Autónoma de Madrid), Prof. Dr. Agustín de la Herrán Gascón
(Univ. Autónoma de Madrid), Profa. Dra. Maria Cristina Monteiro Pereira de Carvalho
(PUC/Rio), Prof. Dr. José Tavares (Univ. Aveiro), Profa. Dra. Idália Sá-Chaves (Univ.
Aveiro), Prof. Dr. António Cachapuz (Univ. Aveiro), Prof. Dr. Luis Miguel Villar Angulo
(Univ. Sevilha), Prof. Dr. André Constantino da Silva (IFSP); Prof. Ms. João Lúcio de Barros
(IFSP).

EBOOK DE DISTRIBUIÇÃO LIVRE E GRATUITA

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formativas vol. 2. São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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CRÉDITOS DA CAPA

CERRUCHA
ARTivista
www.cerrucha.com
CERRUCHA: f. del latín cer para existir; herramienta manual que utiliza el
arte para abrir la mente de quien observa la obra; es la hoja dentada que
de manera subversiva le habla a tus sentidos: CERRUCHA, conjugación en
presente del verbo cerruchar las mentes ajenas, ruptura de preconceptos,
siembra de cuestionamientos.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO - AFIRMAR, CONQUISTAR, COINCIDIR! ........................................................... 04

CAPÍTULO 1 – SIGNIFICAÇÕES DOS PAPÉIS SOCIAIS DE GÊNERO NO ENSINO MÉDIO ........ 06


Bianca Araci de Figueiredo & Hylio Laganá Fernandes

CAPÍTULO 02 – O ENSINO DE SEXUALIDADE E GÊNERO EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA:


LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO ................................................................................................. 17
Silmara Silveira Lourenço & Viviane Melo de Mendonça

CAPÍTULO 03 – CISHETERONORMATIVIDADE NO LIVRO DIDÁTICO DE BIOLOGIA: ANÁLISE À


LUZ DA PEDAGOGIA QUEER ........................................................................................................... 36
Bruno Tavares

Capítulo 04 - ANÁLISE DA PERCEPÇÃO DE ALUNOS COMO FORMA DE PENSAR PRÁTICAS


PEDAGÓGICAS EM EDUCAÇÃO SEXUAL ...................................................................................... 51
Bruno Tavares et al

CAPÍTULO 05 – A PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA E AS VEREADORAS EM CIDADES


DE MÉDIO PORTE: O CASO DE UMUARAMA-PR .......................................................................... 65
Ana Letícia Stori Mendes, Rafael Egidio Leal e Silva & Thais Martini Almeida

CAPÍTULO 06 - LAURA DE VISON. A GENEROSIDADE COMO GESTO RADICAL ...................... 80


Paola María Marugán Ricart

CAPÍTULO 07 - TURISMO E DESENVOLVIMENTO: O PROTAGONISMO FEMININO EM COLÔNIA


WITMARSUM, PALMEIRA/PR – BRASIL .......................................................................................... 92
Carla Caroline Holm & Poliana Fabíula Cardozo

CAPÍTULO 08 - BULLERENGUE: DANZA DEL CARIBE COLOMBIANO PARA EL


FORTALECIMIENTO EMOCIONAL Y EL ENCUENTRO CON LO FEMENINO ............................. 107
Sandra Fontanilla

CAPÍTULO 09 - PRÁTICAS DE EJA: CURRÍCULO, EDUCAÇÃO RACIAL E SEXUALIDADES


DISSIDENTES ................................................................................................................................... 120
Flávio Barreto de Matos

CAPÍTULO 10 - FEMINILIDADES E MASCULINIDADES TRANSBORDANTES: CORPOS


TRAVESTIS E DE MULHERES LÉSBICAS QUE VIBRAM ............................................................. 131
Adriana Sales & Danielly Christina de Souza Mezzari

CAPÍTULO 11 - A PSICOLOGIA E A FORMAÇÃO PARA GÊNERO E SEXUALIDADES ............ 145


Tatiane Pecoraro & Rafael Siqueira de Guimarães

CAPÍTULO 12 – IMPOSIÇÃO DO SEXO (GENITÁLIA) SOBRE AS PESSOAS TRANS ............... 164


Isabella dos Santos Silva

CAPÍTULO 13 - PROJETO VIDA CORRIDA, EMPODERAMENTO DA MULHER E AS INTERFACES


COM A MÍDIA .................................................................................................................................... 175
Renata Laudares Silva et al

OS AUTORES E AS AUTORAS ....................................................................................................... 193

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formativas vol. 2. São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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APRESENTAÇÃO – AFIRMAR, CONQUISTAR, COINCIDIR!

É com muita esperança que apresentamos o segundo volume de “Gênero e


Cultura: perspectivas formativas” pelas Edições Hipótese. Abre-se, mais uma vez,
com esta publicação, o caminho de tessituras com a Educação Básica e a
pluralidade de perspectivas dos estudos feministas, da mulher, de gênero e das
sexualidades, buscando o enfrentamento dos desafios interdisciplinares,
interseccionais e intersetoriais que se apresentam em tempos coléricos, em que
vivemos uma onda conservadora, do ponto de vista institucional, e que tem como
uma das principais miras os corpos dissidentes.
Não vamos dar nenhum passo atrás! Se propostas de escola com mordaças
buscam arrefecer ânimos e estabelecer parâmetros que apagam nossos corpos
dissidentes de gênero, sexuais, racializados, gordos, pobres, deficientes que
interpelam a perspectiva hegemônica da branquitude cisheteronormada é porque
avançamos e os estudos de gênero estão cada vez mais ocupados por uma
multiplicidade de corpos, não apenas como “objetos”, mas principalmente como
sujeitxs da produção de conhecimento. Não aceitaremos mais genocídios e
epistemicídios coloniais sem nos levantarmos com nossas vivências, nossas
potências. Nossos desejos, nossas identidades políticas e nossos saberes e fazeres
importam.
Nesta perspectiva de afirmatividade, numa perspectiva editorial potente e
necessária, é que tomamos de assalto com esta coletânea de textos. No primeiro
capítulo, Bianca Araci de Figueiredo e Hylio Laganá Fernandes refletem sobre o
Ensino Médio e os papéis e identidades de gênero em um momento de mudanças
nesta modalidade de ensino. No Capítulo 2, Silmara Silveira Lourenço e Viviane
Melo de Mendonça refletem sobre o lugar do gênero e das sexualidades no Ensino
de Biologia e, na mesma linha, no Capítulo 3, Bruno Tavares reflete sobre o Livro
Didático de Biologia, desde uma perspectiva queer.
Bruno Tavares e demais colaboradoras apresentam, em seguida, no Capítulo
4, um estudo sobre as percepções de estudantes sobre a Educação Sexual; já no
Capítulo 5, Ana Letícia Stori Mendes, Rafael Egidio Leal e Silva e Thais Martini
Almeida apresentam uma pesquisa sobre a participação política das mulheres em
Umuarama-PR. No Capítulo 6, Laura de Vison, uma personagem ainda pouco
evidenciada na literatura, recebe o cuidado de Paola María Marugán Ricart, que

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formativas vol. 2. São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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reflete sobre sua vida e obra; No capítulo 7, Carla Caroline Holm e Poliana Fabíula
Cardozo apresentam a perspectiva do Turismo Comunitário desde o enfoque de
gênero, num estudo de caso sobre a Colônia Witmarsum.
O Capitulo 8 apresenta uma análise do Bullerengue, dança do Caribe
Colombiano, sob a escrita de Sandra Fontanilla; no Capítulo 9, Flávio Barreto de
Matos reflete sobre as práticas de Educação de Jovens e Adultos, desde o
cruzamento entre gênero, sexualidades e processos de racialização. No capítulo 10,
as identidades trans e lésbicas são colocadas em discussão por Adriana Sales e
Danielly Christina de Souza Mezzari, e Tatiane Pecoraro e Rafael Siqueira de
Guimarães , no capítulo 11, refletem sobre a formação em Psicologia e os enfoques
de gênero e sexualidades.
No Capítulo 12, Isabella dos Santos Silva apresenta reflexão sobre os
esquadrinhamentos, desde a imposição da genitalidade, para os corpos trans, e no
Capítulo 13, Renata Laudares Silva e colaboradoras discutem sobre mídia, gênero e
esportes.
Com este caleidoscópio de temáticas e perspectivas desde as escrituras,
contamos desta vez com a capa especialmente elaborada pela artista visual e
ativista mexicana Cerrucha, em diálogo com seu projeto artístico
“Desconstruyendonxs”, que potencializa nosso desejo de agir, de estar, de construir
e desconstruir a nós mesmxs, num processo constante de diálogo e participação nos
espaços da Educação. Seguimos em luta, desde nossas coincidências, (re)
escrevendo as redes que se formam desde nossas afirmatividades, porque nossas
ancestralidades múltiplas sempre estiveram resistindo, e assim permaneceremos.
Afirmando, produzindo e desejando, seguimos!

Ilhéus, Salvador, São Paulo, Itapetininga, novembro de 2018.


Organizadorxs

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Guimarães, R. S.; Vergueiro, V.; Marcos, M. A. de & Fortunato, I. (org.).
Gênero e cultura: perspectivas formativas vol. 2
São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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CAPÍTULO 01 – SIGNIFICAÇÕES DOS PAPÉIS SOCIAIS DE GÊNERO NO
ENSINO MÉDIO

Bianca Araci de Figueiredo


Hylio Laganá Fernandes

Problematizando a oposição dos Gêneros


Nas sociedades tradicionais a existência de um núcleo interior, uma
essência imutável do ser a partir do nascimento, produziu homens e mulheres muito
bem delineados, com características específicas e marcantes, nas quais o sexo
biológico determina(va) toda a existência de uma vida, em um processo de produção
de sujeitos generificados (Hall, 2011). Até os dias atuais, o assujeitamento do ser
humano em uma tentativa de rotulá-lo através do nascimento permanece. Ainda
praticamos a violência simbólica sobre filhos, estudantes, amigos, parentes –
homens e mulheres, com expectativas normativas e reguladoras de que
correspondam diretamente ao “modo de ser” socialmente produzido e exigido para
os sexos biológicos.
Hoje, o que compreendemos como mulher e homem está passando por
transformações, muitas vezes sutis, mas que remontam um longo processo histórico
de movimentos e lutas. Somos perpassados por identificações e diferenças,
frequentemente efêmeras e contraditórias. A posição social da mulher vem
passando por transformações e contestações; como forma de subverter padrões,
papéis sociais, sexualidade e estruturas questionamos a formação das identidades
de gênero por meio da multiplicidade que atravessa os sujeitos (Hall, 2011).

O feminismo tem tido um importante papel na demonstração de que


não há e nunca houve “homens” genéricos – existem apenas homens
e mulheres classificados em gêneros. Uma vez que se tenha
dissolvido a ideia de um homem essencial e universal, também
desaparece a ideia de sua companheira oculta, a mulher. Ao invés
disso, temos uma infinidade de mulheres que vivem em intrincados
complexos históricos de classe, raça e cultura (Harding; Pereira, 1993,
p. 9).

No pensamento moderno a clara universalização de homem e mulher traduz o


pensamento dicotômico vigente. A vida social está organizada de forma binária:
homem/mulher, heterossexual/homossexual, branco/negro, certo/errado,

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Gênero e cultura: perspectivas formativas vol. 2
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teoria/prática. Nessas categorias emoções, sentimento e inconscientes são
ignorados, afirmar-se em um dos lados é negar o outro, é assimilar,
irremediavelmente, a todas as características socialmente aceitas e prescritas desse
enquadramento. Nessa compreensão da sociedade há também a supervalorização
do primeiro elemento, marginalizando o outro, em um complexo entrelaçamento de
poderes.
A não compreensão de um mundo constituído por multiplicidade de gêneros,
etnias, raças, de posicionamentos e pensamentos configuram a manutenção de
preconceitos e desigualdades que não acompanham a constante transformação dos
sujeitos e sociedades, culminando em retrocessos culturais, políticos, sociais e
econômicos. Mas, implodir a lógica binária se mostra uma difícil tarefa, o exercício
da tradição cultural dos papéis sociais engessam o avanço em prol da equidade de
gênero.
Pensadoras e pensadores feministas apontam que o homem é tomado como
padrão de referência nos discursos legitimados e que feminino e masculino são
entendidos como polos opostos que se relacionam em um sistema de dominação e
submissão. A proposta de desconstrução do binarismo levantada por Louro (2014),
influenciada pelos escritos de Joan Scott e Jacques Derrida, sugere que:

Desconstruir a polaridade rígida dos gêneros, então, significaria


problematizar tanto a oposição entre eles quanto a unidade interna de
cada um. Implicaria em observar que o polo masculino contém o
feminino (de modo desviado, postergado, reprimido) e vice-versa;
implicaria também perceber que cada um desses polos é internamente
fragmentado e dividido (afinal não existe a mulher, mas várias e
diferentes mulheres que não são idênticas em si, que podem ou não
ser solidárias, cúmplices ou opositoras) (Louro, 2014, p. 35).

Quando consideramos a existência de diversas feminilidades e


masculinidades podemos transcender aos papéis sociais, compreendê-los como
construção cultural e organizacional decorrente da produção histórica dos gêneros –
estamos reconfigurando conceitos e sentidos. A pluralização constrói novas
representações de homens e mulheres, mais coerentes com a realidade e, ao
mesmo tempo, produz formas livres e abertas para os conceitos de masculino e
feminino; o que viabiliza as lutas para horizontalizar as relações sociais de gênero.
Porém, a configuração de padrões interiorizados pelos seres humanos através das

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Gênero e cultura: perspectivas formativas vol. 2
São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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instituições sociais, educação, religião e costumes são formas de manutenção das
estruturas sociais configuradas previamente aos indivíduos a serem socializados.

A pesquisa: proposta e execução


O objetivo desse trabalho foi delinear diferenças e semelhanças nas vivências
e significações dos papéis sociais de gênero. De modo que buscamos discutir quais
as barreiras e avanços vivenciados e percebidos por estudantes do segundo ano do
ensino médio de uma escola periférica do interior de São Paulo. Para contemplar
esse objetivo, foram utilizadas imagens culturalmente associadas a homens e
mulheres. Os estudantes foram convidados a participar da atividade, sendo
envolvidos todos os que manifestaram interesse. Participaram sete meninos e nove
meninas, de 15 e 16 anos. Através da dinâmica de separação por categorias os
estudantes puderam expressar e discutir quais os papéis femininos e masculinos
estipulados pela comunidade na qual estão inseridos.
A proposta da atividade foi separar vinte imagens culturalmente relacionados
a homens ou mulheres em três categorias: o que é de “mulher”, “homem e mulher” e
“homem”. Embora não haja formas universais de ser homem ou mulher, estamos
inseridos em uma sociedade que lhes atribui papéis sociais diferenciados, de modo
que, é esperado que a percepção da normatização e da opressão dos gêneros se
apresentem em patamares distintos para homens e mulheres. Portanto, a atividade
foi realizada em dois momentos: um com as meninas e outro com os meninos.
Ambos os grupos foram dispostos em rodas para discutir e classificar as imagens.
Participei como moderadora das discussões, em prol de ampliá-las e problematiza-
las.

Atividade com imagens: símbolos, significados e possibilidades


O resultado apresentado pelos meninos (Quadro 1) deixou evidente que
algumas características físicas e comportamentais são atribuídas exclusivamente a
um determinado gênero, baseados em papéis socialmente aceitos como femininos
ou masculinos. Por outro lado, o resultado obtido na atividade realizada com as
meninas, nos permite sugerir uma percepção de igualdade entre homens e mulheres
nos espaços sociais. Embora, Almeida (1996) afirme que “Masculinidade e
feminilidade não são sobreponíveis, respectivamente, a homens e mulheres: são
metáforas de poder e de capacidade de ação, como tal acessíveis a homens e

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Gênero e cultura: perspectivas formativas vol. 2
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mulheres” (p. 162) e portanto, o autor não utilize a designação de “papeis de
gênero”, ao estudar a percepção de meninos e meninas sobre o modo de “ser”
homem e mulher em um espaço de socialização precisamos considerar as
divergências do discurso e da prática, o que se diz e o que se faz.
A aprendizagem de uma masculinidade hegemônica e universal atribui
significados para as práticas cotidianas dos adolescentes. Justificados por
diferenças biológicas, determinadas atividades se tornam símbolos de
masculinidade. A supervalorização da força, virilidade e rusticidade são atributos
esperados e almejados para a desenvoltura social dos homens. Introjetados por
esses valores culturais, os meninos designam martelo, furadeira e troca de pneu
como itens utilizáveis e praticáveis apenas pelo sexo masculino. Nessa concepção
de homem, há uma correlação direta com a masculinidade, e para que haja a
“instituição de um sexo “forte”, deve-se, consequentemente criar um “sexo frágil” –
as mulheres” (Romani et al., 2013).
Em falas como “pega mal ver uma mulher trocar pneu” e “é esquisito mulher
furar parede” os meninos demonstram desconforto em ver uma mulher realizando
com êxito atividades que lhes competem pela normatização de papéis de gênero.
Fica claro que ocorre um sentimento de desestabilidade – e confusão – das relações
sociais. E, a estranheza com a qual os meninos, nesse contexto de classe popular,
encaram a desestruturação dos papéis de gênero é um demonstrativo da falta de
referenciais que rompem com as barreiras normativas, já que estudos demonstram
que as famílias de classes populares vivenciam relações de gêneros conservadoras
(Nascimento; Trindade, 2010; Carvalho; Machado, 2006; Sarti, 2003).
Seguindo essa mesma lógica estruturada e conformada, os meninos esperam
que as mulheres correspondam diretamente aos papéis femininos, principalmente se
dedicando a maternidade. A gravidez na adolescência faz parte do contexto social
da escola, ser mãe é compreendido pelos estudantes como status e naturalidade,
em torno de 3 a 4 meninas por ano ficam grávidas durante o ensino médio nessa
escola. Embora auxiliem nos afazeres domésticos, os meninos encaram as mulheres
como as principais responsáveis pelos cuidados com os filhos. A delicadeza e a
afetividade são as características mais apontadas pelos meninos para delegar às
mulheres essa responsabilidade.
Os cabelos compridos são inseridos como ícone das mulheres por serem
símbolos de sensualidade e vaidade, de modo que elas se tornam mais atrativas aos

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olhos dos homens, sendo portanto a atratividade o “elemento central da
feminilidade” (Fontes et al., 2012). Nesse ponto, não podemos deixar de notar a
presença do pensamento polarizado: homem/mulher, masculino/feminino,
heterossexual/homossexual, que se relacionam em uma lógica invariável de
dominação-submissão, na qual há a supervalorização do primeiro elemento (Louro,
2014) e a subserviência – ou anormalidade - do segundo.
Na associação das mulheres à busca pela atratividade, os meninos também
levantam como atividade feminina “ir as compras”. O consumismo é tido como
natural para o público feminino, e nesse contexto podemos incluir também os
homens desviantes da masculinidade hegemônica. Tal atividade remonta um longo
processo de construção cultural das relações de consumo, muito projetadas e
exploradas pelas mídias, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, em que a
busca pela felicidade, confiança e autoestima se torna realizável para as mulheres
por meio dessa atividade. A relação das mulheres com o consumo pode ser
estudada pelo atravessamento das relações de poder, como estudado por Romani
et al. (2013). O homem, possuidor do poder hegemônico, assume o papel de
consumidor crítico, que racionaliza suas necessidades de compra, enquanto que a
mulher é apresentada como objeto do consumo. Com o empoderamento feminino, o
marketing explora o ideal de feminilidade para ditar regras de consumo, ou seja, a
mulher passa a adquirir poder na medida em que consome os produtos. Por esse
motivo, Romani et al. (2013) afirma que “Não é a toa que se usa a expressão
‘poderosa’ como definição àquelas mulheres “compatíveis” ao estereótipo do
feminino ideal” (p. 265).
Entre as atividades e objetos alocados na categoria de “Homem e Mulher”
estão: lavar a louça, limpar a casa, fazer compras de supermercado e cozinhar.
Essas são atividades desenvolvidas e relacionadas ao ambiente privado, que
tradicionalmente é relegado às mulheres. O resultado aponta para um avanço na
participação dos homens nos afazeres domésticos. O motivador desse resultado
positivo pode ser analisado por duas condições: 1) há os meninos que auxiliam no
cuidado doméstico por terem tido uma educação que equilibra as reponsabilidades
para com o lar e, 2) os meninos que estão pautados no discurso politicamente
correto de igualdade de gênero.
O primeiro grupo possui como característica comum a ausência do convívio
paterno e a necessidade de auxiliar as mães nas tarefas diárias, e aprendem a

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realiza-las desde a infância. Já o segundo grupo apresentou falas com grande
ênfase na necessidade de dividir as tarefas domésticas e no aumento da
participação das mulheres no mercado de trabalho, mas ao serem questionados
sobre suas práticas no espaço privado, admitem que não a realizam
satisfatoriamente e que as mulheres – mães, avós e irmãs – são as principais
responsáveis por essas atividades. Por mais que se busque o distanciamento entre
pesquisador e pesquisado, as trocas verbais e não verbais acabam por interferir no
desenvolvimento da pesquisa (Fraser et al., 2004). Como mulher, a minha mediação
pode ter sido responsável pela apropriação de um discurso politicamente correto
pelo segundo grupo de meninos. O que demonstra a necessidade de referências e
discussões na escola sobre os papéis de gênero para a conversão do discurso
teórico em práticas diárias, em um processo individual e próprio de conscientização.
Algumas das imagens relacionadas a estética e cuidados com o corpo,
colocadas na categoria “Homem e Mulher”, foram responsáveis por maior desacordo
dentro do grupo de meninos, sendo: secador de cabelo e fazer unhas. Por outro
lado, para depilação, cremes e academia não houve questionamento na
classificação. O consumo de produtos de beleza está associado a obtenção de
vantagens sociais, para promover atributos físicos aos seus usuários. Como a
masculinidade é orientada a uma menor preocupação com o corpo, as práticas de
beleza tentem a ser adotadas de maneira discreta para assegurar o estereótipo de
homem másculo (Fontes et al., 2012). Os resultados apontam para uma turvação
das fronteiras que regem as práticas de beleza entre os gêneros masculinos e
femininos.
Já dentre os instrumentos musicais, todos foram facilmente alocados como
pertencentes a “Homens e Mulheres”, tanto na opinião dos meninos quanto das
meninas, não sendo identificadas barreiras de gênero para a apropriação dos
instrumentos musicais. Embora, alguns instrumentos ainda sejam visualizados como
pertencentes ao universo masculino, historicamente, para mulheres de classe
socioeconômica alta, “o interesse das moças pela música era aprovado e cultivado,
sobretudo no que se refere ao piano”, já que este instrumento simbolizava o lar e a
família reunida (Bellard Freire; Portella, 2010).
As meninas ao realizarem a atividade chegaram no consenso de que todas as
vinte imagens apresentadas não possuem significação de masculinidade ou
feminilidade, sendo representativas de atividades e objetos que podem ser

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praticadas ou utilizadas tanto por homens quanto por mulheres. Essas meninas
defendem que não há limitações de funções sociais decorrentes do gênero, mas se
percebem inseridas em um sistema que privilegia a desenvoltura dos homens para
as atividades que demandam força. Esse resulto vai, de certa forma, ao encontro
das atividades levantas pelos meninos como sendo de caráter exclusivo de
“homens”. O uso de martelo, furadeira e troca de pneu implicam o uso de certa força
manual, e portanto, para as meninas seriam mais apropriadas aos homens, mas não
de modo exclusivo, visto que há uma multiplicidade de homens e mulheres, com
forças físicas variadas.
As meninas apresentam duas formas interpretativas dos papéis sociais
destinados aos homens: uma universal e uma real. A forma universal está pautada
no aprendizado cultural do homem hegemônico, aquele que é másculo, viril e
rustico. E que, para esse modelo de masculinidade há uma correlação com os
papéis sociais que são culturalmente atribuídos aos homens. Havendo inclusive uma
fantasia de encontra-lo, por parte das meninas heterossexuais. Porém, através das
experiências diárias – com pais, irmãos, primos, amigos – as meninas percebem
diversas formas e características de “ser homem”, sendo que muitas delas não estão
vinculadas ao estereótipo da força física.
Quanto aos cuidados domésticos as meninas demonstram valorizar os
homens que dividem os afazeres com suas companheiras, mas afirmam que a
conscientização deles para essa necessidade ainda é muito superficial. Falas como:
“meu pai já trocou a fralda da minha irmã”, “meu pai gosta de cozinhar quando tem
visita em casa” e “meu irmão ajuda a limpar a casa e lavar a roupa quando não tem
trabalho” demonstram que os homens realizam algumas atividades domésticas, mas
de forma esporádica. Esse resultado vai ao encontro do estudo realizado por Teykal
e Rocha-Coutinho (2007), no qual os homens, embora de classe média, participam
da manutenção doméstica e cuidado com os filhos de forma esporádica, apenas
como uma “ajuda”.
As meninas, embora encarem com naturalidade a maternidade na
adolescência, almejam o ingresso no mercado de trabalho como forma de garantir
independência financeira e defendem uma divisão igualitária das despesas
familiares entre homens e mulheres. Enquanto que, a maior parte dos meninos
defendem que os homens são os principais responsáveis pelo provimento da renda
familiar, e, uma pequena parcela deles defendem a divisão igualitária. De modo que,

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“coexistem dois modos de funcionamento no que tange à divisão das despesas
domésticas num mesmo momento histórico” (Teykal; Rocha-Coutinho, 2007, p. 267).
Além da turvação das “fronteiras” que regem as práticas de beleza entre os
gêneros masculinos e femininos, as opiniões das meninas participantes desse
trabalho nos apontam para a mulher como “orientadora” do consumo das práticas de
beleza masculinas. Elas visualizam o homem “bem cuidado” como símbolo de status
e sucesso, mas não os permitem ser mais cuidadosos com a beleza do que elas.
Demonstram esse pensamento através das seguintes afirmações: “homem tem que
ser bem cuidado, é chique”, “pô, tem que ser ajeitadinho, mas não dá pra pegar um
cara que demora mais pra se arrumar do que eu” e “se o homem se arruma demais
desconfia”. Ou seja, a mulher é o referencial, ela define a fronteira do que é permito
ou não para a estética do homem. Assim como no trabalho de Fontes (2012), o
homem aparece “dividido entre a ameaça à masculinidade e a possibilidade de
exclusão pela estética”.
Os sujeitos sociais se constituem perante o olhar do outro e com o olhar do
outro, portanto as condições das práticas sociais se fazem na relação das
intersubjetividades. “Homens e mulheres, através das mais diferentes práticas
sociais, constituem relações em que há constantemente, negociações, avanços,
recuos, consentimentos, revoltas, alianças” (Louro, 2014, p. 43). E, apesar das
contradições, as lutas por mudanças sempre trarão novos sentidos às relações e
representações de gênero.

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O QUE É DE ... ?
“HOMEM” “MULHER”

HOMEM E MULHER

Quadro 1. Vinte imagens representativas de atividades, objetos e instrumentos separadas


por categorias pelos meninos.

Considerações Finais
Podemos observar que os avanços para a desconstrução dos papéis de
gênero perpassam homens e mulheres, pois ambos sofrem opressões com os
padrões e regras arbitrariamente estabelecidos pela sociedade, ainda que em graus
distintos. Através dos discursos de igualdade de gênero, identificamos, nesse
estudo, mudanças na compreensão dos jovens a respeito das masculinidades e
feminilidades, especialmente entre as meninas. Elas desvinculam masculinidade e

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feminilidade de ser homem ou ser mulher; de modo que pluralizam as diversas
formas de “ser”, ou seja, não se limitam às normatizações, porém são limitadas pela
cultura. Os meninos, por outro lado, vivenciam o conflito da disseminação dos ideais
feministas com a vivência de relações de gênero conservadoras, e acabam aderindo
com maior facilidade a noção de homens e mulheres universais. A escola, embora
não abordada nesse estudo, está inserida no contexto das relações sociais,
representando um poderoso espaço de discussão e produção de conhecimento, que
interferem diretamente nas relações de poder. A lógica binária está, inegavelmente,
presente na atualidade, mas as mudanças de atitude, comportamento e
posicionamento de homens e mulheres podem indicar a ressignificação das relações
de poder e das identidades de gênero, perante a história e a cultura.

Referências
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CAPÍTULO 02 – O ENSINO DE SEXUALIDADE E GÊNERO EM CIÊNCIAS E
BIOLOGIA: LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO

Silmara Silveira Lourenço


Viviane Melo de Mendonça

As disciplinas biológicas na educação básica e a relação com a educação


sexual
Esse trabalho possuiu a seguinte questão: “Quais são as preocupações da
academia nos estudos de pós-graduação no Brasil no que concerne o ensino de
sexualidade e gênero em Ciências e Biologia?”. Assim, o artigo realizou discussão
dentro da temática de estudos de gênero e sexualidade especificamente no ensino
das disciplinas de Ciências e Biologia. Justifica-se essa pesquisa a partir da
interpretação da necessidade de estudos que evidenciem os contextos educacionais
dessas disciplinas, uma vez que, segundo Dinis (2011), é dentro desse contexto que
o assunto se insere concretamente nos espaços escolares. Dessa forma, há certa
carga de biologização e naturalização da temática.
A fim de contextualização, uma vez que, esse trabalho busca compreender
como a temática é compreendida dentro de disciplinas específicas, se faz preciso
compreender o que é esse ensino de Ciências e Biologia e como é feito no país.
Essas disciplinas são obrigatórios na escola de nível básico sendo Biologia nos três
anos do ensino médio e Ciências nos anos finais do ensino fundamental (Krasilchik,
2008).
Ainda, a biologia, compreendendo biologia tanto pela disciplina, quanto pelo
conteúdo biológico inserido na grade de ciências, deve ter como objetivo a
compreensão da realidade, além da busca pela melhoria da qualidade de vida.
Assim, segundo Pegoraro (1995), trata-se da ciência que estuda seres vivos, bem
como a interação entre eles e o meio e também processos que regulam a vida, de
modo que, qualquer questionamento que circunde aspectos da natureza viva deve
ser trabalhado pelos profissionais das Ciências Biológicas.
Krasilchik (2008) enfatiza que a formação biológica tem o dever de contribuir
para que os sujeitos sejam capacitados para compreender profundamente conceitos
e processos biológicos atualizados e a importância da ciência e tecnologia para a
vida. O indivíduo deve ser capaz de usar o conhecimento nas decisões práticas em

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sua vida de interesse individual e coletivo. Os conceitos atuais de ciência e
tecnologia precisam de atenção especial dos educadores e educadoras de biologia,
para que se problematizem tanto a atitude de respeito exacerbado e, possivelmente,
alienante, quanto uma desconfiança para com os cientistas (Krasilchik, 2008).
Nesse sentido, o ensino de Ciências e Biologia abrangem desafios que estão
relacionados ao desenvolvimento de metodologia capaz de relacionar conhecimento
especializado e produção de conhecimentos necessários à vida social (Vieira;
Bastiani; Donna, 2009). Ainda, de acordo com Lima e Borges (2007), o ensino de
Biologia se constitui privilegiando o estudo de conceitos, linguagem e metodologia, o
que pode acabar se tornando ineficiente para a interpretação e intervenção da
realidade quando essas habilidades aparecem isoladas de contexto.
Contextualizando historicamente, no Brasil, após o golpe militar de 1964,
passou a ser relevante o ensino de uma ciência objetiva, devido aos rumos tomados
pela ideologia política que foram também sentidos na educação; passa-se a se
ignorar aspectos da subjetividade humana (Lima; Borges, 2007). Krasilchik (2008)
destaca que nesse período mostrou-se um ensino de ciências contraditório, o viés
tecnicista fora incorporado aos currículos, na tentativa de se atribuir caráter
profissionalizante. Nesses se evidenciavam esforço para a compreensão de
conhecimentos atualizados e a vivência do método científico, porém, o ensino se
apresentava de modo descritivo, teórico e segmentado, sem se relacionar com a
realidade.
Nos anos 80, dado a expansão e popularização da preocupação com a
redemocratização do país, a educação também começa a passar por processo de
reformulação de seus pressupostos nas correntes educativas. Assim, sucedeu uma
atenção com a reconstrução da sociedade democrática, que também foi percebida
pelo ensino de Ciências e os projetos desenvolvidos nesse sentido passaram a ter
uma variabilidade de concepções sobre as ciências (Lima; Borges, 2007).
Segundo Vieira, Bastiani e Donna (2009), o processo de ensino e
aprendizagem historicamente no Brasil tem se apresentado, comumente, nas
escolas públicas de duas formas: a que trabalha principalmente com o objeto de
estudo, voltando-se a uma abordagem tradicional de ensino e a que trabalha com as
abordagens cognitivistas e sócio-interacionistas.
A concepção interacionista, formulada por Vygotsky, é aquela que enfatiza a
influência do meio sobre o organismo, de modo que tanto biologia quanto o social

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estão interconectados. Dessa maneira, o ser humano é constituído a partir de suas
interações com o meio e com o outro, como alguém que transforma e é
transformado pelas relações em uma dada cultura. Segundo Krasilchik (2008), o
objetivo da concepção interacionista é formar a personalidade humana que esteja
atrelada ao potencial criativo.
É necessário considerar, no entanto, que a modalidade didática a ser
escolhida pelo educador depende de diversos fatores como conteúdo e objetivo,
além da classe a qual se destina, do tempo, dos recursos disponíveis e dos valores
e convicções que o educador possui. Assim, cada especificidade pode levar a
diferentes práticas pedagógicas (Krasilchik, 2005).
Para Borges e Lima (2007), as demandas da sociedade atual exigem que a
escola e o ensino de Ciências e Biologia repense suas práticas educativas e
reorganize seus conteúdos, para que seja eleito um conjunto de tópicos que sejam
relevantes ao educando, de forma que o conhecimento construído seja ferramenta
capaz de interferir positivamente na realidade inserida. É nesse sentido e dentro
desse cenário do ensino das ciências biológicas que se faz necessário um olhar
mais atento para, especificamente, as questões de gênero e sexualidade que
perpassam esses espaços.
Dessa maneira, essas disciplinas são importantes também na produção da
cultura e subjetividade humana. Isso, pois, o corpo é uma especificidade pedagógica
de responsabilidade da área. Contudo, a biologia, se apenas responsável por
questões tecnicistas, não constrói concepções da sexualidade em perspectiva
ampla. Os atributos da sexualidade humana são repassados como compartilhados
por todos a partir de se ser homem ou mulher; são biológicos e, portanto, “naturais”,
ignorando questões de ordem social e a subjetividade dos sujeitos (Rodrigues;
Santos, 2013).
Louro (2016) aponta que socialmente se considera que a sexualidade é algo
que todos os sujeitos possuem “naturalmente”. Nesse sentido, perde-se o
pressuposto de argumentar qualquer viés social e politico ou seu caráter
socialmente construído, tendo em vista que, a sexualidade seria dada ao nascer,
ancora-se na suposição de que todos os sujeitos vivenciam seus corpos da mesma
maneira. Porém, atributos como rituais, linguagens, fantasias, convenções, símbolos
também fazer parte da sexualidade e esses são processos profundamente culturais
(Louro, 2016).

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Socialmente espera-se que o discurso da sexualidade nas disciplinas de
ciências e biologia se limite a questões que envolvam aspectos técnicos e
reprodutivos e, consequentemente, esteja atrelado a características anatômicas e
fisiológicas. Assim, profissionais das áreas biológicas e médicas detêm a
autorização do discurso. Em sala de aula, nas disciplinas de ciências e biologia, as
falas, geralmente, se limitam a reprodução humana, a fim de se conhecer o sistema
reprodutivo para se evitar a reprodução indesejada e o tratamento de doenças
sexualmente transmissíveis (Macedo, 2005). Desse modo, produzem-se efeitos e
normas de comportamento, incitando a criação de determinadas identidades sexuais
e concepções de gênero ideais.
Segundo Carvalho (2009), há implicação tendenciosa em explicar fenômenos
humanos em termos biológicos e se faz com maior ênfase quando se refere à
sexualidade humana, autorizando profissionais dessas áreas a falar de sexualidade
desde que em discurso meramente científico e tendo, portanto, a biologia como
categorias para corpo, sexo e gênero. Ainda, discutir sexualidade apenas em
perspectiva técnica torna-a estritamente heterossexual, pois reduz o discurso a
caracteres reprodutivos e marca a heterossexualidade como forma “natural”, visto
que, é possível a reprodução. Assim, também se anula qualquer outra finalidade do
ato sexual como o prazer (Rodrigues e Santos, 2013).
Entretanto, desde 1997 a sexualidade é considerada como um tema de
caráter transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), sendo um tema
transversal, não deveria está ser atrelada unicamente a área das ciências e/ou
biologia, mas sim, deveria estar em um contexto que perpassasse por todas as
disciplinas (Figueiró, 2005). Isso, pois, de acordo com os PCN (1997) é necessária a
participação de todos os educadores e agentes escolares no ensino de sexualidade.
É preciso considerar também o que o documento que se pretende substituir
os PCN no ensino fundamental, em 2019, diz em relação à sexualidade. A Base
Nacional Curricular Comum (BNCC) trás, diferentemente dos PCN, o tópico da
“Sexualidade” como um “Objeto de conhecimento”, juntamente com “Mecanismos
Reprodutivos”, dentro da disciplina de Ciências na unidade temática de “Vida e
evolução” a ser trabalhada no 8º ano do ensino fundamental. Retira-se, dessa forma,
seu caráter transversal.
Das cinco habilidades esperadas, apenas uma apresenta viés sócio-histórico
e cultural da temática: “Selecionar argumentos que evidenciem as múltiplas

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dimensões da sexualidade humana (biológica, sociocultural, afetiva e ética) e a
necessidade de respeitar, valorizar e acolher a diversidade de indivíduos, sem
preconceitos baseados nas diferenças de gênero” (Brasil, 2017). As demais
habilidades estão pautadas no conhecimento de aspectos fisiológicos e anatômicos
do corpo, compreendendo alterações hormonais durante a puberdade, doenças
sexualmente transmissíveis e gravidez.
Para Melo (2004), a educação sexual é uma questão de cidadania. O
educador deve auxiliar no processo de construção da capacidade de amar, ser
amado e de questões afetuosas e emocionais, além de abordar aspectos científicos,
seja biológico ou comportamental (Souza, 2002). Como exposto, o profissional das
áreas biológicas é quem tem a autoridade do discurso. Possui, portanto,
responsabilidade no ensino de sexualidade, que compreende questões mais
complexas do que meramente reprodutivas. Entretanto, os adultos e, portanto,
professores, se poupam das discussões sobre afetos, desejos e prazeres, ficando
essas temáticas em segundo plano por serem consideradas de atributos íntimos e,
assim, apelam para o caráter técnico e científico, ou seja, o biologicamente validado
(Louro, 2000; Dinis, 2011).
Segundo Tonatto e Sapiro (2008), os educadores percebem a necessidade de
abordar a temática na escola, mas ficam sem amparo e apoio pra isso. Acabam por
restringi-la a um enfoque meramente biologizante que serve para preservar o
educador com relação aos seus próprios receios e questionamentos que possui a
cerca da própria sexualidade. Assim, os professores são bloqueados por seus
limites que foram também construídos ao longo de suas vidas a partir daquilo que
vivenciaram.
Portanto, o objetivo dessa pesquisa foi realizar levantamento bibliográfico da
produção acadêmico na pós-graduação utilizando como ferramenta de busca o
banco de dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) sobre questões de gênero e sexualidade no ensino de Ciências e
Biologia, por estas serem as áreas consideradas detentoras do saber do corpo
reprodutivo, comumente, designada a abordar temáticas de gênero/sexualidade na
escola. Assim, intentou-se compreender as principais preocupações da academia
dentro desse setor e os resultados recentemente apontados por esses trabalhos
para que fossem realizadas reflexões sobre esse campo de estudos.

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Metodologia
Para a realização da pesquisa foi utilizado banco de dados de dissertações da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
buscando, nos últimos 10 anos, trabalhos realizados com temática de gênero e
sexualidade no ensino de ciências e/ou biologia. Optamos por esse banco de dados
para realizar levantamento do que tem sido foco de investigação de pós-graduandos
em programas strito sensu que contam com auxílio financeiro. Ainda, o banco de
dados utilizado possui ampla variabilidade de áreas do conhecimento e alcance
significativo das mais conceituadas universidades brasileiras.
Para a busca desses trabalhos utilizamos o campo de pesquisa do endereço
eletrônico do banco de dados com as palavras chaves “gênero”, “sexualidade”,
“ensino”, “ciências”, “biologia”, “educação sexual”, entre outras. Objetivou-se garantir
que os trabalhos encontrados tivessem foco na discussão dessas temáticas no
ensino de ciências e biologia propriamente dito. Por conta disso, a seleção das
pesquisas aqui apresentadas se deu pautada na busca por palavras-chaves, que
estivessem explicitamente nos títulos dos trabalhos. Fizemos desse modo como
estratégia de busca para se garantir que o foco do estudo era na temática que
estávamos à procura. Ainda, para selecionar os trabalhos após a avaliação dos
títulos, avaliávamos o resumo a fim de conferir o foco do estudo e depois do resumo
para o trabalho em si. Dessa maneira, segundo Spink (2010), economiza-se tempo e
se garante seleção mais criteriosa de acordo com os objetivos da pesquisa.
Após a seleção daqueles trabalhos que tinham versão completa disponível,
da exclusão daqueles que apareciam em repetição e o atendimento dos critérios
expostos anteriormente, ao final dessa busca, chegou-se a um total de 14
dissertações. Desse modo, todas as produções aqui apresentadas possuem como
foco de estudo o ensino de ciências e biologia e conteúdos que estão direta ou
indiretamente relacionados com as questões de sexualidade e gênero.
Após a leitura dessas pesquisas, para organização dos resultados,
categorizamos essas produções sob um viés qualitativo e, portanto, interpretativo,
com a construção dos seguintes temas gerais: 1) Materiais didáticos; 2) Formação
do professor de Ciências e Biologia; 3) Ensino de doenças sexualmente
transmissíveis e gravidez; 4) O professor no ensino de educação sexual e 5)
Práticas pedagógicas diferenciadas.

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Resultados e Discussão
A busca foi realizada tendo como critério produções que fossem de, no
máximo, 10 anos, entretanto, a dissertação mais antiga que faz parte da discussão
desse trabalho é do ano de 2010. Portanto, aqui estão sendo consideradas 14
dissertações dos últimos sete anos sobre a temática.
Percebemos concentração dessas pesquisas principalmente na região sul do
país seguida pela região sudeste. Também há certa concentração de estudos no Rio
de Janeiro. A maioria são dissertações de Mestrado em Educação ou similares,
como pode ser conferido no tópico de referências desse trabalho. Em um panorama
geral, constatamos que os estudos sobre a temática de gênero e sexualidade no
ensino de ciências e biologia são escassos. Ainda, quando se busca apenas por
“gênero” poucos materiais são encontrados, aumenta-se o número de resultados
quando se insere o termo “sexualidade”.
Assim, como forma de organização dos resultados, agrupamos os trabalhos
em categorias de temas gerais e a seguir apresentamos discussão sobre o que cada
produção abordou dentro das categorias identificadas.

1) Materiais didáticos
Parte dos estudos considera em sua avaliação a linguagem e os conteúdos
presentes nos materiais didáticos de ciências ou biologia sobre a temática, como em
livros e apostilas. Nessa categoria selecionamos os seguintes títulos: “Discursos
sobre gêneros e sexualidade inscritos em corpos de livros didáticos de Ciências
(1970-1999)” (Alves, 2016); “Determinismo biológico e educação sexual: análise
retórica da concepção da sexualidade em livros didáticos” (Piozevan, 2010) e
“Sexualidade, parentalidade e doenças sexualmente transmissíveis/AIDS: análises
em livros didáticos de ciências naturais” (Silva, 2015).
No trabalho desenvolvido por Alves (2016) buscou-se compreender
historicamente as mudanças nos materiais didáticos nas décadas de 70, 80 e 90.
Ocorrem rupturas ao longo dos anos, como a sexualidade se tornando conteúdo
pelo discurso da saúde, que pode auxiliar a entrada de outros discursos, a
emergência sobre a puberdade, genitais externas, com ênfase no pênis e algumas
noções sobre orientações homossexuais ou bissexuais, mas nunca sobre
assexualidades, transexualidades ou intersexualidades.

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Também algumas subversões nos padrões de reprodução e enunciados
sobre aborto com discursos biológicos, religiosos, médicos e feministas. Contudo,
padrões de binarismo de gêneros, cisnormatividade e correlação entre puberdade e
adolescência e ênfase na sexualidade masculina perpassaram os anos e se
mostram como regularidades. Evidenciam, assim, os discursos da temática como
indícios das disputas e relações de poderes marcando os livros didáticos (Alves,
2016).
Piozevan (2010) apontou o determinismo ainda presente nos livros didáticos
de ciências que não estão em conformidade com as mudanças nas ciências e
concepções dos estudos feministas e de gênero atuais. Em sua pesquisa enfatizou
que o preconceito de gênero e o reforço a heterornomatividade enquanto ideologia
dominante afeta profundamente a Biologia enquanto ciência. Ressaltou, ainda, que a
abordagem heteronormativa e masculina enfraquece e compromete diversas leituras
e descrições de fenômenos biológicos como, por exemplo, o fenômeno da
reprodução bacteriana que é prejudicada pela leitura heterossexual. Dessa
forma, o estudo da sexualidade, apesar de ser constantemente naturalizado e
utilizar-se do discurso biológico como validador para exclusão e normatização, não
possui respaldo na biologia propriamente dita e, ainda, debilita e compromete o
próprio estudo conceitual da biologia, que também acaba por ser compreendida em
uma visão restrita.
Em um estudo conduzido por Silva (2015) analisaram-se concepções de
sexualidade, parentalidade e DST. Percebeu-se que o viés predominante é
tradicional e reducionista, além de em certos momentos levar a concepções
preconceituosas especialmente sobre orientação sexual. Silva (2015) ainda
destacou que apesar de em parte dos materiais analisados haver citações
relevantes para uma abordagem contemporânea, algumas destas citações estavam
já desatualizadas.
Dessa forma, os trabalhos que analisaram materiais didáticos nas áreas de
ciências/biologia sobre sexualidade/gênero enfatizaram busca por normatização e
tecnicismo marcado por disputas de poder que acaba por empobrecer até mesmo os
conceitos biológicos das ciências naturais, restringindo e limitando o conteúdo.

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2) Formação do professor de Ciências e Biologia
Ainda, há estudos sobre a formação do professor de biologia, focando nos
cursos de graduação. Nesses estudos percebe-se que a conclusão é, em geral,
parecida: não há, mesmo hoje, disciplinas específicas ou algo sobre a temática de
gênero e sexualidade em grande parte dos currículos dos cursos de Ciências
Biológicas. O assunto, quando é discutido nos cursos de graduação, se faz por
iniciativa de professores/as ao incluir a discussão em sua disciplina (cf. Coelho,
2013; Oliveira, 2016).
Assim, no estudo realizado por Coelho (2013) sob o título “Educação Sexual
na formação de professores de Ciências e Biologia: construindo novos
entendimentos” evidenciou-se a necessidade da inclusão da temática da
sexualidade nos cursos de formação de professores devido ao intenso debate que
tem ocorrido sobre o tema na sociedade. Acaba-se por necessitar de uma
abordagem com responsabilidade e respeito às diversidades no contexto escolar,
assim, educadores devem estar aptos para isso.
Analisando, portanto, a matriz curricular de cursos de Ciências Biológicas
evidenciou-se que menos que 50% das instituições inserem a sexualidade na
formação dos professores. Ainda, dentro dessa margem há locais em que o tema é
trabalhado fora do currículo formal, sendo iniciativa de algum educador ou
educadora ao adaptar o conteúdo de uma disciplina já existente a partir de projetos,
seminários, minicursos, projetos de extensão, entre outros. Dessa forma, não
garante a certeza do alcance ao público alvo, no caso, os educadores em formação
(Coelho, 2013).
Por sua vez, no estudo “Formação inicial docente para a educação sexual:
revelando realidades de licenciaturas em Ciências Biológicas” conduzido por Oliveira
(2016), ao avaliar as concepções de futuros educadores, tendo como foco da
pesquisa, portanto, os estudantes de graduação, percebeu que os licenciandos
detinham de mais conhecimentos específicos do que curriculares e pedagógicos,
enfatizando conteúdos como reprodução, gravidez indesejada e DST, o que limita e
restringe o assunto.
Os estudos aqui relatados evidenciam e têm como pressuposto o
entendimento da importância do tipo de concepção da temática por parte de futuros
e futuras profissionais. Compreendeu-se que há necessidade em reformulação nos
cursos de ensino superior de licenciaturas em Ciências Biológicas para que se

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busquem transformações na forma como o conteúdo se apresenta na educação
básica, tendo em vista que, são esses educadores/as que estarão produzindo e
atuando nesse espaço.

3) Ensino de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Gravidez


Também percebemos trabalhos que focam o ensino de ciências/biologia que
buscam problematizar conteúdos sobre Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST)
e gravidez. É preciso levar em conta que esses temas aparecem em praticamente
todas as pesquisas, tendo em vista que, fazem parte do que tradicionalmente se
aceita como discurso para que se fale sobre aspectos da sexualidade. No entanto,
nos estudos abordados por esse terceiro tópico há focalização nas questões de DST
e gravidez, sendo objeto principal do estudo (cf. Cicco, 2012; Soares 2014).
Dessa forma, a produção “Potencialidade e limites do ensino das doenças
sexualmente transmissíveis: um estudo qualitativo na perspectiva
socioantropológica” de autoria de Cicco, (2012) avaliou livros didáticos e
posicionamento de estudantes e professores sobre o tema das DST. Foi observado
que os livros didáticos carregam aspectos estritamente biológicos com destaque
para a AIDS. Porém, os estudantes entrevistados carregam questionamentos
voltados a atitudes e cuidados que vão além do meramente biológico e apontam
diferença de gênero sobre as concepções de sexualidade em relação à saúde e
doença, cuidados com corpo e decisões sobre iniciação sexual. Em relação aos
educadores, evidenciaram-se as dificuldades das práticas de ensino e na busca de
estratégias para esse conteúdo.
Na dissertação produzida por Soares (2014), com o título “Educação para
prevenção: o discurso de professores de Ciências do Ensino Fundamental II em
tempos de HIV/AIDS”, partiu-se do pressuposto que o educador é o principal
mediador do processo de elucidação sobre a abordagem de prevenção do vírus HIV.
Nos discursos de educadores avaliados foi detectado que os profissionais tiveram
narrativas fortemente associadas às concepções biológicas e naturais, dificultando
análises e abordagens mais flexíveis e amplas que considerem cultura e sociedade.
Ainda, o conteúdo, com esse grupo de professores, é abordado apenas
superficialmente no 8º ano dentro do conteúdo de “reprodução humana”, que pelo
currículo, é quando se insere a temática. Nessa perspectiva a prevenção ao
HIV/AIDS é pouco eficaz. Assim, é apontado que o assunto depende de mais

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habilidade para que seja falado para além daquilo que é tecnicamente relatado nos
livros sendo fundamental uma qualificação e foco na formação desses profissionais,
enfatizando a questão da vulnerabilidade ao HIV para permitir que os jovens
detenham de condições para agir com responsabilidade em relação à saúde
individual e coletiva.
Dessa maneira, apesar de serem conteúdos programáticos e obrigatórios
percebemos que mesmo nesse campo “autorizado” o assunto é precário e ainda não
é suficiente. À vista disso, a repressão exercida sobre a temática deixa o assunto
pouco confortável para quem leciona, sendo um assunto proibido (cf. Cicco, 2012;
Soares 2014).

4) O professor no ensino de educação sexual


Notamos trabalhos sobre o/a professor/a que atua efetivamente na escola de
nível básico (cf. Scopel, 2012; Quirino, 2013; Coelho, 2014; Silva 2011). De maneira
geral percebeu-se que os educadores não abordam as questões que envolvem a
sexualidade com outras disciplinas, sendo tratada unicamente na perspectiva
biológica, corroborando com a fundamentação teórica utilizada nesta pesquisa e
com os outros estudos que até aqui tem sido discutidos neste trabalho.
Assim, Scopel (2012) ao avaliar as compreensões sobre ensino de
Sexualidade Humana de professores de Biologia da rede pública, os conteúdos
priorizados, as dificuldades e as abordagens metodológicas mais comuns percebeu
que os educadores atribuem ênfase aos aspectos biológicos e poucos abordam
alguma dimensão social ou psicológica. No estudo intitulado “O ensino de
sexualidade humana nas aulas de biologia: compreensões de professores da rede
pública estadual de Blumenau – SC” as abordagens em sala de aula são restritas
em aulas expositivas e vídeos e as dificuldades são frequentemente a falta de tempo
e apoio. Nenhum dos educadores considerou o envolvimento da sua disciplina com
outras para a abordagem. Mostra-se, assim, que apesar de ser considerado
transversal e dever perpassar por diversas áreas do conhecimento, o tema não é
tralhado sob essa perspectiva.
Entretanto, o trabalho “Sexualidade na escola: encaminhamentos
metodológicos na perspectiva de professores de Ciências” (Quirino, 2013), teve-se a
intenção de responder de que maneira os professores pensam ser interessante
abordar conteúdos da sexualidade com os estudantes, além de encaminhamentos

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metodológicos, estratégias e a definição de um bom projeto de educação sexual.
Nesse trabalho, além das aulas expositivas, também foi detectado discussões,
debates e dinâmicas em grupo como estratégia metodológica, diferentemente do
trabalho anterior que não houve indícios desse tipo de abordagem.
Um recurso destacado por Quirino (2013) foi o da “caixa de perguntas” que o
estudante escreve sua dúvida em um papel e deposita na caixa de maneira
anônima. Ainda, imagens, desenhos, textos e seminários são outros dos recursos
empregados. A abordagem predominantemente encontrada nas entrevistas foi a de
educação sexual, que por vezes se restringe na limitação da discussão da
prevenção das doenças sexualmente transmissíveis e gravidez.
Ainda, o trabalho conduzido por Coelho (2014) intitulado “Diversidade sexual
e ensino de ciências: buscando sentidos”, apesar de estar sendo abordado nesta
pesquisa no tópico referente ao professor, também abordou as concepções de
estudantes. No estudo ficou claro que os educandos percebem os LGBT como
“estranhos” apesar de assumirem que devem respeitar as escolhas de cada um.
Porém, as travestis são relatadas por eles com repúdio, sendo a homossexualidade
por eles mais aceita. Nesse sentido, os educadores reconhecem as identidades
variadas e a realidade do preconceito social e, assim, evidenciam necessidade da
abordagem da temática. Contudo, parecem manter suas aulas sem a discussão
dessas questões.
Desse modo, portanto, de acordo com Coelho (2013), faz-se fundamental que
essas temáticas estejam presentes na formação inicial e continuada dos educadores
para que se busquem novas práticas e sentidos. Contribuindo, assim, no
engajamento preciso e necessário por parte dos educadores para que se desvelem
os significados preconceituosos de gênero e sexualidade que pesam sobre estes.
Além do mais, Silva (2011) realizou uma produção chamada “Educação
sexual no ensino de Ciências: um estudo com foco nos professores”. Neste estudo
percebeu-se que a maior predominância da abordagem da temática sexualidade
acontecia na 7ª série – atualmente chamada de 8º ano. Assume-se isso por conta
dos conteúdos relacionados ao corpo humano e a reprodução estar associados a
essa série/ano, como já visto anteriormente. Nesse trabalho foi evidenciado,
também, a visão fragmentada e biologizante a qual o assunto é inserido na sala de
aula, sendo as visões históricas, sociais e culturais ausentes das respostas contidas
nas falas dos educadores. Entretanto, isso se apresenta como um conflito tendo em

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vista que a concepção dos educadores proporciona reflexões na prática pedagógica
que contribui com as expectativas dos estudantes (Silva, 2011).

5) Práticas pedagógicas diferenciadas


Por fim, ainda, alguns trabalhos buscam a realização de práticas pedagógicas
alternativas no ensino de sexualidade e gênero em ciências e biologia (cf. Bastos,
2015) ou em perspectiva libertadora (cf. Soares, 2012; Dermatini, 2015). No estudo
conduzido por Soares (2012), constatou-se que uma perspectiva pautava em
métodos dialógicos indicam um possível caminho para uma abordagem
emancipatória no ensino de educação sexual para turma de Educação de Jovens e
Adultos (EJA), que foi com quem se deu seu trabalho.
Assim, no trabalho de título “Existir e deixar existir: possíveis contribuições do
Ensino de Ciências à educação sexual de jovens e adultos à luz de uma abordagem
emancipatória de ensino” foram evidenciadas algumas dificuldades na abordagem
associadas, muitas das vezes, com conhecimentos prévios dos estudantes de
origem moral e religiosa. Foi apontada, então, a necessidade de considerar
questões históricas e culturais e que os estudos de educação sexual, nas aulas de
ciências e biologia, devem ir além da perspectiva biológica. Além disso, foi
considerada no estudo a necessidade de se promover atividades que levem em
consideração a especificidade cultural e discutam as construções de termos que são
base para atitudes discriminatórias (Soares, 2012).
Ainda, no trabalho “Biologia no Ensino Médio: diferentes abordagens
metodológicas para adequar o conhecimento ao cotidiano – enfoque sobre a
gravidez na adolescência” (Bastos, 2015) foram construídas dinâmicas e rodas de
conversa com estudantes do ensino médio pautadas nos questionamentos dos
próprios alunos sobre gravidez na adolescência. Ao final das práticas, os educandos
mostraram maior conhecimento em aspectos do corpo, ciclo menstrual e
reprodução, desenvolvimento embrionário e métodos contraceptivos. Entretanto,
além disso, também passaram a posicionar-se em relação a questões como aborto,
amamentação e desnaturalização da desigualdade de gênero, principalmente no
que tange a responsabilização mútua de meninos e meninas em casos de gravidez,
evidenciando o exercício de reflexão sobre a temática após a pesquisa participativa.
Além do mais, Dermatini (2015) realizou reflexão sobre a possibilidade de
práticas pedagógicas pautada na perspectiva crítica e freireana e avaliou um Projeto

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de Prevenção Sexual de uma escola pública do estado de São Paulo com
dissertação intitulada “Articulação entre Paulo Freire e Herbert Marcuse para uma
educação sexual humanizadora”. O autor percebeu que as abordagens no ensino de
ciências quanto à prevenção da gravidez não superam a abordagem biológica,
sendo ainda bastante restritiva. Concluiu que o ensino de ciências tem por dever
promover a percepção da potência para a liberdade a partir de uma concepção
dialógica que procure a sensibilidade diante de situações de desumanização e uma
educação sexual humanizadora e engajada a partir de tema gerador, como propõe a
pedagogia de Freire.
Portanto, nos trabalhos aqui elucidados compreende-se, em suas avaliações,
que esse tipo de abordagem, ou seja, considerando os saberes dos próprios
educandos, seus questionamentos e o exercício de uma postura dialógica horizontal
podem proporcionar aos sujeitos possibilidades de movimento de reflexão e tomada
de consciência com fins da própria humanização e superação de conflitos (cf.
Dermantini, 2015; Bastos, 2015; Soares; 2012).

Considerações finais
A biologia comumente é abordada na sociedade como validadora das mais
diversas relações de poderes. Segundo Furlani (2009) a falta de informações
científicas básicas faz com que fortalecem o senso comum que sustenta a
organização social a partir do reforço aos mitos sexuais. Representações sociais são
mantidas por conhecimentos biológicos equivocados. A lacuna de conhecimentos
biológicos favorece o apego a explicações falaciosas.
A presente pesquisa possibilitou refletir sobre questões que têm sido foco de
discussão na academia sobre a temática de sexualidade e gênero nas disciplinas de
Ciências e Biologia. Nas pesquisas citadas percebemos que é, até certo ponto,
consensual a concepção de que as áreas biológicas são consideradas detentoras do
saber do corpo o que acarreta em responsabilidade por parte dos profissionais que
lecionam essas disciplinas na educação básica sendo, portanto, necessário à
realização de pesquisas que busquem entender como esse processo acontece.
Apesar de nem todas as pesquisas focarem nos cursos de
graduação/licenciaturas, um ponto que teve destaque em boa parte das produções
foi o problema da formação inicial e continuada. A formação dos educadores/as é
deficitária para a abordagem ampla, ou seja, em muitos momentos a abordagem é

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restritiva e limitada, acabando por enfraquecer a construção do conhecimento e
aumentar as contradições. Ainda, os próprios professores/as se sentem
despreparados/as para explorar a temática para além do discurso biologicista. Uma
vez que, opressões como o LGBTTfobia e o sexismo/machismo não são
questionadas, se fortalecem e se naturalizam a partir do silenciamento e do discurso
meramente biologizante.
Além do mais, apesar do discurso médico/biológico ser aquele que detém de
autorização na temática, ou seja, representa aquilo que se pode falar sobre
sexualidade, como com os temas de reprodução e doenças sexualmente
transmissíveis, ainda o assunto se mostra deficitário. As principais dúvidas dos
estudantes não são contempladas e isso é agravado pela falta de espaço para
pergunta. O educador não se sente confortável diante da discussão e não percebe
apoio dos outros agentes escolares para tal.
Ainda, o ambiente escolar aborda a temática apenas dentro do conteúdo de
Ciências, especialmente no 8º ano (antiga 7º série). Nesse ano letivo é quando, de
acordo com o currículo nacional, os conteúdos de reprodução humana e doenças
sexualmente transmissíveis são inseridos nos livros didáticos e apostilas. No
entanto, o tema sexualidade não deveria estar atrelado apenas uma disciplina, mas
sim, ser trabalhado por todas, uma vez que, é um assunto de caráter transversal e
inerente aos sujeitos. Questões biológicas isoladas não respondem
questionamentos, tendo em vista que, a sexualidade é um atributo que envolve
questões sociais, culturais, econômicas e psicológicas.
Outro ponto é que o tema sexualidade aparece com unanimidade nas
pesquisas abordadas nesse trabalho. Por sua vez, “gênero” é um tema que não
recebe o mesmo destaque. Nesse trabalho entendemos que questões de gênero
são implicitamente construídas também nos conteúdos biológicos, posto que, os
papeis esperados nos contextos sociais para mulheres e homens são
constantemente naturalizados (Butler, 2016). Assim, se não há questionamento
desses papeis e desnaturalização de atitudes e identidades que foram construídas
culturalmente, o que ocorre é um reforço e (re)produção dessas normas.
Além do mais, o viés tecnicista perpassa por todo o ensino de ciências e
biologia. A ciência foi produzida no país com a intenção de uma disciplina objetiva,
dado o caminho da ideologia política. A subjetividade ficava em segundo plano.
Assim, a sexualidade, ainda considerada um tabu, detém ainda mais esse caráter,

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mesmo com os movimentos mais recentes pela pluralidade de concepções
pedagógicas com destaque para a concepção interacionista. Krasilchik (2005)
aponta que a atuação que o educador e educadora irá exercer depende de uma
série de fatores a qual o mesmo está submetido. Um deles, em especial e que é
bastante significativo para o conteúdo de sexualidade e gênero, são os valores e
convicções que o próprio educador possui.
Sendo a sociedade marcada por questões preconceituosas, homofóbicas,
transfóbicas, lesbofóbicas, sexistas, machistas, entre outras opressões e
desigualdades que abarcam o tema da sexualidade humana, é presumível que os
educadores, que também foram criados e construídos no interior dessa sociedade,
irão assumir esses valores para si, o que torna dificultosa a busca pela superação
dessas hierarquias e desigualdades. Assim, confortavelmente, as questões da
sexualidade humana são passadas aos educandos como compartilhadas por todos,
uma vez que, são naturais (Rodrigues; Santos, 2013). Dessa forma, reforçam-se
essas desigualdades posto que tudo aquilo que de algum modo “diverge” desse
“natural” é questionado e recebe o título de “anormal”.
No entanto, o conhecimento em Ciências e Biologia, não apenas no que se
refere à educação sexual ou de gênero, mas em seus vários conteúdos, deve ser
capacitado para atrelar o conhecimento especializado com a construção de
conhecimento que sejam necessários e efetivos para a vida prática em sociedade
(Vieira; Bastiani; Donna, 2009). Portanto, sendo o assunto carregado de
contradições e desafios, julgamos necessária a possibilidade de reflexão da
aplicação de pedagogias que sejam dialógicas e críticas para a superação de
conflitos e dos limites encontrados na temática, uma vez que,

Não há nada que mais contradiga e comprometa a emersão popular


do que uma educação que não jogue o educando às experiências do
debate e da análise dos problemas e que não lhe propicie condições
de verdadeira participação (...) nossa educação teria de ser, acima
de tudo, uma tentativa constante de mudança de atitude (Freire,
2014, p.123).

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São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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CAPÍTULO 03 – CISHETERONORMATIVIDADE NO LIVRO DIDÁTICO DE
BIOLOGIA: ANÁLISE À LUZ DA PEDAGOGIA QUEER

Bruno Tavares

A escola pode ser considerada historicamente enquanto uma instituição


disciplinadora e de normatização. Entretanto, esse mesmo local, que cria ‘corpos
dóceis’, carrega em seu seio um enorme potencial de mudança de significados e
práticas, que levam a contestação de supostas verdades bem estabelecidas. O caso
da educação em gênero e sexualidade inscreve-se dentro de tal lógica, afinal, o
espaço escolar é sabidamente mantenedor de práticas heteronormativas (Bento,
2011). E, contrapondo essas normas, vozes dissonantes de gênero e sexualidade
no espaço escolar, insistem em produzir rachaduras nessa matriz
cisheteronormativa, trazendo novos olhares para essas questões. Os estudos queer
fazem parte dessas vozes dissonantes, trazendo ricas possibilidades para se pensar
educação para além das normas hegemônicas (Louro, 2001).
É nesse sentido que a presente pesquisa visa retomar inicialmente alguns
aspectos históricos sobre essas questões para, em seguida, sob a luz da pedagogia
queer, analisar o conteúdo concernente a gênero e sexualidade em um livro didático
de biologia. Desse modo, podemos expor as práticas heteronormativas, inscritas
nesses livros didáticos, partindo do pressuposto que “a heterossexualidade aparece
como uma linguagem básica da produção de conhecimento quando se trata de
gênero, sexualidade e educação” (Ranniery, 2017, p. 30).
O interesse em analisar especificamente o livro didático de biologia
fundamenta-se principalmente na ideia de que:

As pedagogias culturais traduzidas nos livros didáticos de


Ciências e Biologia não abarcam os corpos que fogem às
normas biopolíticas, ou, que são vítimas de
biopoderes que os levam ao regime do exótico, ao
apagamento, ou, ainda, a uma espécie de coisificação a ser
admirada posteriormente. Não considera as (i)materialidades
dos corpos abjetos e queer (Pereira, Carvalho, 2015, p. 10).

Tendo isso em vista, e levando em consideração minhas experiências


pessoais com os livros didáticos da área, hipotetizei inicialmente que o livro a ser
analisado possivelmente estaria inscrito, de alguma maneira, nesse sistema de

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(re)produção da cisheteronormatividade, e consequentemente implicado no
apagamento das outras formas de se vivenciar os corpos, gêneros e as
sexualidades, para além da matriz cisheternormativa.

Foucault e o dispositivo da sexualidade


Ao longo da história, vários discursos acerca da sexualidade foram
produzidos, disseminados e até mesmo incitados. Nos três volumes de “A História
da Sexualidade”, Michel Foucault discorre sobre a produção desses discursos do
sexo, entre os séculos XVI e XIX. Contrapondo a hipótese repressiva sexual, ele
analisa as questões por trás dos discursos sobre o sexo, construídos com base em
relações de poder-saber-prazer. Segundo o autor,

A partir do fim do século XVI, a “colocação do sexo em


discurso”, em vez de sofrer um processo de restrição, foi, ao
contrário, submetida a um mecanismo de crescente incitação
[...] se obstinou – sem dúvida através de muitos erros – em
constituir uma ciência da sexualidade (Foucault, 1984, p. 18).

Foram diversas as instituições que produziram esses discursos sexuais; entre


elas, pode-se citar a igreja, que o fez por meio das confissões, e até mesmo as
ciências médicas e psiquiátricas, que tiveram papel fundamental na construção de
uma sexualidade normatizada. Esses discursos de sexualidade produzidos
elencavam a monogamia e a heterossexualidade enquanto práticas normais,
colocando as outras sexualidades no campo da anormalidade (Foucault, 1984).
Assim, esses discursos do sexo possuíam um caráter muito mais regulador
das sexualidades do que propriamente repressor. É nesse sentido que contrapondo
a questão da repressão sexual, o autor sustenta a existência de uma “política do
sexo, isto é, necessidade de regular o sexo por meio de discursos úteis e públicos e
não pelo rigor de uma proibição” (Foucault, 1984, p. 28).

Educação sexual no Brasil durante o século XX


No contexto brasileiro, o início do século XX se caracterizou enquanto
momento de inserção das questões de sexualidade nas escolas, com um viés
higienista e de caráter eugênico, ou seja, calcado em uma suposta "pureza racial"
(Marques, 1994).

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Só a partir dos anos 60, com a insurgência das lutas feministas e de Lésbicas,
Gays, Bissexuais e Trangêneros (LGBTs), há um progresso em termos do
tratamento das questões de gênero e sexualidade nas escolas brasileiras (César,
2009). Fato que logo se dissiparia, devido ao Golpe Militar que ocorreu em 1964, o
qual significou um retorno à invisibilização e subalternização desses grupos. Isso
porque em tal período, a educação sexual nas escolas foi terminantemente proibida,
em nome de uma moral conservadora. Por conta disso, “as iniciativas que
conseguiam resistir e burlar o controle se tornaram experiências de resistência e,
nas décadas seguintes, a educação sexual foi tomada como um dos marcos
educacionais das lutas pela democratização do país” (César, 2009, p. 41).
Ainda em um contexto ditatorial surge “a partir de 1975, o Movimento de
Libertação Homossexual no Brasil, do qual participam, entre outros, intelectuais
exilados/as durante a ditadura militar” (Louro, 2001, p. 3). Entretanto, mesmo com a
criação de tal movimento, e com o histórico da relação entre a luta LGBT e as lutas
feministas, a educação sexual no Brasil, a partir dos anos 90, ficou cada vez mais
voltada para a área da saúde. Uma das explicações para tal fato é a epidemia de
HIV/AIDS ocorrida no fim dos anos 80, que além de reacender estigmas aos sujeitos
LGBTs, também constituiu o caráter sanitarista da educação sexual como a
conhecemos atualmente. Por isso,

[...] a escola no início dos anos 90 foi tomada como um lugar


fundamental para a propagação de informações sobre o “sexo
seguro”, as quais incluíam, além do contágio do HIV/AIDS e
outras DSTs, a “gravidez na adolescência”, que para os
especialistas começou a ser tomada como um “problema
pedagógico” importante (César, 2009, p. 42).

“Orientação Sexual” nos parâmetros curriculares nacionais


No início dos anos 90, após a Conferência Mundial de Educação para Todos,
em Jomtien, na Tailândia, o Ministério da Educação e do Desporto no Brasil
elaborou o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), afirmando a
urgência de parâmetros curriculares nacionais. Mas, foi só após a Nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal n° 9.394), de 20 de dezembro
de 1996, que se iniciou efetivamente a construção dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), publicados no ano seguinte (Brasil, 1997).

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Gênero e cultura: perspectivas formativas vol. 2
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Esses PCN visam fazer apontamentos curriculares à educação brasileira,
configurando-se como “um referencial fomentador da reflexão sobre os currículos
escolares, uma proposta aberta e flexível, que pode ou não ser utilizada pelas
escolas na elaboração de suas propostas curriculares” (Altmann, 2001, p. 5). Dentro
desses parâmetros curriculares são preconizados, além das temáticas básicas, os
Temas Tranversais, que se caracterizam enquanto temáticas sociais que deveriam
ser tratadas por todas as disciplinas “como forma de contemplá-las na sua
complexidade, sem restringi-las à abordagem de uma única área” (Brasil, 1997, p.
45). Esses temas se dividem em três categorias: “Ética”, “Meio Ambiente e Saúde” e
“Pluralidade Cultural e Orientação Sexual”.
No Eixo “Orientação Sexual” dos PCN, o conceito de sexualidade apresenta-
se até certo ponto com caráter histórico, mas funcionando sobre bases biológicas
(Altmann, 2001). Isso fica claro, por exemplo, se levarmos em conta o título de um
dos blocos desse Eixo: “Corpo: matriz da sexualidade”. Assim, ao longo do
documento, o conceito de sexo aparece enquanto um dado natural e a sexualidade
como conceito mais amplo, de caráter cultural.
O conceito de gênero no documento é apresentado como um:

[...] conjunto das representações sociais e culturais construídas


a partir da diferença biológica dos sexos. Enquanto o sexo diz
respeito ao atributo anatômico, no conceito de gênero toma-se
o desenvolvimento das noções de “masculino” e “feminino”
como construção social (Brasil, 1997, p. 321).

Contudo, no próprio documento, existem trechos como o apresentado a


seguir, que continuam pautando as categorias homem/mulher de forma biologizante:
“Deve, ainda, abordar a participação diferenciada do homem e da mulher no
processo da fecundação” (Brasil, 1997, p. 319). Por fim, vale ressaltar que mesmo
esses parâmetros não possuindo cunho obrigatório, são muito relevantes no sentido
de nortear as práticas pedagógicas nas escolas brasileiras.

Pedagogia queer: por uma educação contestadora


É em meio ao regulador dispositivo da sexualidade, que “a homossexualidade
e o sujeito homossexual são invenções do século XIX [...] sendo um tipo especial de
sujeito que viria a ser assim marcado e reconhecido” (Louro, 2001, p. 2). Essa
categoria marcada foi produzida por diversos dircursos do sexo, advindos de várias

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instituições, como a igreja, a psiquiatria e o direito, onde ela foi pensada enquanto
um desvio da norma heterossexual.
Dessa forma, criou-se uma identidade homossexual supostamente una e
coesa, sendo tomada como uma questão política e social, no sentido de reinvindicar
sua representatividade e um espaço na ordem social vigente. Entretanto, tal unidade
significava delimitar as fronteiras dessa identidade, para que se criasse uma
representação positiva de tal grupo, que vinha contrapor as versões estereotipadas
e marcadas pelo preconceito que circulavam na sociedade. Essa identidade logo
começou a sofrer rachaduras internas, quando se denunciou a imposição de uma
voz única, masculina, branca e de classe média dentro do movimento homossexual
(Louro, 2001).
Portanto, ocorreu uma crise da identidade homossexual, resultando na
multiplicidade de lutas. Enquanto alguns desses grupos continuaram lutando para
integrar a ordem social heteronormativa,

[...] outros estão preocupados em desafiar as fronteiras


tradicionais de gênero e sexuais, pondo em xeque as
dicotomias masculino/feminino, homem/mulher, heterossexual
/homossexual; e ainda outros não se contentam em atravessar
as divisões, mas decidem viver a ambigüidade da própria
fronteira. A nova dinâmica dos movimentos sexuais e de
gênero provoca mudanças nas teorias e, ao mesmo tempo, é
alimentada por elas (Louro, 2001, p. 545-46).

É nesse contexto de multiplicidade de identidades que nasce a teoria queer,


que significa basicamente um posicionamento político de contestação a
normalização, em especial à heterossexualidade compulsória presente em nossa
sociedade. Além disso, vale ressaltar que:

O alvo dessa política e dessa teoria não seria propriamente as


vidas ou os destinos de homens e mulheres homossexuais,
mas sim a crítica à oposição heterossexual/homossexual,
compreendida como a categoria central que organiza as
práticas sociais, o conhecimento e as relações entre sujeitos
(Louro, 2004, p. 46).

Sem dúvida, a autora Judith Butler pode ser considerada uma das mais
conhecidas teóricas queer, tendo lançado, no início dos anos 90, seu livro mais
destacado: “Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade”. Nele, a

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autora traz conceitos importantes como heteronormatividade e performatividade de
gênero, mostrando como a regulação binária unida ao alinhamento entre sexo-
gênero-desejo, acaba produzindo gêneros inteligíveis e constituindo os ‘corpos
normativos’ (Butler, 2017). A partir dessa mesma matriz de inteligibilidade, serão
produzidas também as identidades subversivas e desviantes. Essas que:

[...] parecem ser meras falhas do desenvolvimento ou


impossibilidades lógicas, precisamente por não se
conformarem às normas de inteligibilidade cultural. Entretanto,
sua persistência e proliferação criam oportunidades críticas de
expor os limites e os objetivos reguladores desse campo de
inteligibilidade e, consequentemente, de disseminar, nos
próprios termos dessa matriz de inteligibilidade, matrizes rivais
e subversivas de desordem do gênero (Butler, 2017, p. 44).

Podemos considerar que o “queer representa claramente a diferença que não


quer ser assimilada ou tolerada [...]” (Louro, 2001, p. 546). Então como inscrevê-lo
num campo tradicionalmente regulador como a educação? Em resposta a essa
pergunta, nasceu o campo da Pedagogia queer. Dentro dessa lógica, o queer pode
ser utilizado como forma de demonstrar o atual panorama de produção de corpos
inteligíveis, e auxiliar a pensar o impensável, para além dos binários de gênero e
sexualidade, dando abertura para uma pluralidade, antes escondida e silenciada.
Em termos de pedagogia queer, utiliza-se a técnica de desconstrução, para
“pôr a norma em questão, discutir o centro, duvidar do natural...” (Louro, 2013, p.
145). É nesse sentido que:

Desconstruir a polaridade rígida dos gêneros, então, significaria


problematizar tanto a oposição entre eles quanto a unidade
interna de cada um. Implicaria observar que o polo masculino
contém o feminino (de modo desviado, postergado, reprimido)
e vice-versa; implicaria também perceber que cada um desses
polos é internamente fragmentado e dividido (afinal não existe
a mulher, mas várias e diferentes mulheres que não são
idênticas entre si, que podem ou não ser solidárias, cúmplices
ou opositoras) (Louro, 2013, p. 35-36).

Em suma, a pedagogia queer é promissora no sentido de fornecer uma ótica


que foge da normatividade, configurando-se numa forma de conversar com a
educação, de modo a questionar e desestabilizando supostas verdades bem
estabelecidas dentro desse campo historicamente normativo. É nesse sentido que

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utilizo aqui um “olhar queer”, o qual me possibilitou vislumbrar os discursos que
produzem corpos normativos e subalternizam os corpos abjetos, ininteligíveis à
lógica heteronormativa. Desse modo, fazendo um movimento contrário a essas
normatizações, “a pedagogia queer procura observar essas práticas abrindo
espaços para as mais diversas formas de expressão da sexualidade e das
individualidades” (Neto, 2016, p. 34).

Metodologia
O livro didático foi escolhido como objeto de estudo nessa pesquisa, devido a
sua importância enquanto recurso pedagógico no processo de ensino-aprendizagem
e levando em conta sua presença dominante na maioria das escolas brasileiras.
Ainda, soma-se a isso, o fato de que esse livro é considerado, muitas vezes, o único
que alguns estudantes terão contato ao longo da vida (Fracalanza et al, 1986).
Outra questão relevante se refere ao fato de que esses materiais didáticos
não servem apenas como simples veículos de informação sobre as questões de
gênero e sexualidade, mas “são constituídos por essas distinções e, ao mesmo
tempo, seus produtores”. (Louro, 2013, p. 68).
A natureza do estudo aqui apresentado se caracteriza como qualitativa,
compreendendo a análise do texto escrito e imagético presente nas coleções de
livros didáticos de biologia, com foco principal aos conteúdos correlatos às questões
de gênero e sexualidade. Essas análises foram feitas partindo de pressupostos da
pedagogia queer, no sentido de contestar a heteronormatividade e os binarismos
homem/mulher, heterossexual/homossexual, abrindo a possibilidade de pensar
multiplicidades de gênero e sexualidade dentro da educação.
Para a seleção dos livros, buscaram-se no Programa Nacional do Livro e do
Material Didático (PNLD), as coleções didáticas de biologia do ano de 2018. Do total
de 10 coleções encontradas, uma fora selecionada para posterior análise: a coleção
“BIO”, dos autores Sergio Rosso e Sônia Lopes, da Editora Saraiva Educação.
Dentro de tal coleção, selecionou-se especificamente o volume três– dedicado ao 3º
ano do Ensino Médio –, pois nele consta o conteúdo de “Reprodução e
Desenvolvimento Humano”, correlato aos interesses de análise já estabelecidos
anteriormente.

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Gênero e cultura: perspectivas formativas vol. 2
São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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Resultados e Discussão
Como forma de facilitar a apresentação das análises, essa seção foi
subdividida em quatro partes:

1) Os conceitos de sexo e gênero:


A primeria unidade do livro didático analisado é nomeada “Espécie Humana”,
sendo seu primeiro capítulo intitulado “Reprodução e Desenvolvimento Embrionário
Humano”. É nesse capítulo onde foi encontrada a maioria dos discursos acerca das
questões de gênero e sexualidade aqui analisadas. Logo no início, há um quadro
chamado “Pense nisso”, que traz questionamentos iniciais sobre alguns tópicos que
serão trabalhados posteriormente no capítulo. E, essas perguntas, já deixam muito
claras a concepção de homem e mulher tratados ao longo do livro: “A chance de
gravidez é igual em todos os dias do ciclo menstrual da mulher? [...] Quais
características da produção de gametas em homens e mulheres?” (Lopes, Rosso,
2016, p. 11).
As concepções de gênero e sexo que aparecem ao longo do capítulo se
caracterizam como binárias, sendo compostas pelos opostos homem/mulher ou
masculino/feminino. Essas categorias aparecem ainda como entidades biológicas e
essenciais, sendo tomadas como dados naturais. A naturalização dessas categorias,
com a exclusão de suas dimensões política, histórica e cultural já foi descrita em
estudos anteriores (Britzman, 1996; Campos, 2015), inclusive configurando o
conteúdo de vários livros didáticos de ciências e biologia (Nascimento, Silva, 2014).
Assim como aqui evidenciado, em diversos outros livros didáticos “há um reforço de
que as possibilidades de gênero estão limitadas ao binômio homem/mulher,
reproduzindo os valores da hetenormatividade nas salas de aula e escola [...]”
(Imperatori et al, 2008, p.5).
Ao longo da leitura da obra, fica claro o alinhamento entre sexo e gênero,
como podemos notar no trecho: “Quando a criança do sexo masculino nasce ela
apresenta várias espermatogônias. Essas células não se multiplicam até a
puberdade, que nos homens se inicia geralmente entre 13 e 16 anos de idade”
(Lopes, Rosso, 2016, p. 13). No contexto apresentado acima, sexo masculino e
homem são tratados como sinônimos. Essa observação mostra como são
construídos os “gêneros inteligíveis”, dentro de uma matriz heteronormativa:
“gêneros “inteligíveis” são aqueles que, em certo sentido, instituem relações de

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São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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coerência e continuidade entre sexo, gênero, prática sexual e desejo” (Butler, 2017,
p. 43).
Como ressaltado anteriormente, nota-se que o livro trata a temática de gênero
e sexualidade num viés anatomo-fisiológico e biomédico, secundarizando as
questões sócio-culturais que compõe essas categorias. Esssa situação já foi descrita
em diversas outras pesquisas que voltaram seu olhar aos livros didáticos de biologia
(Ludovico, Maistro, 2017; Salton, 2016; Silva, Sousa, Galvão, 2015). Essa
problemática suscita uma pergunta muito importante, e que está longe de ser
compreendida totalmente: “[...] por que as discussões sobre gênero e sexualidade,
numa perspectiva cultural e social são quase abolidas dos livros didáticos, em pleno
século XXI?” (Mello, Nogueira, 2016, p. 268). Ainda que esse questionamento seja
de difícil explicação, cabe aos educadores, um posicionamento que estranhe tais
práticas, encontrando outras formas de trabalhar com a temática, rejeitando
abordagens reducionistas e essencialistas. Uma possível alternativa seria trazer as
dimensões sociais, culturais e políticas das questões de gênero e sexualidade, para
compôr os debates dentro da sala de aula.

2) Estereótipos de gênero nas imagens:


Quando a gametogênese humana foi apresentada, sob a polarização
masculino/feminino, as imagens presentes nas páginas 12 e 14 do livro, trazem
esses corpos idealizados do que significa ser masculino e feminino (figura 01). Ainda
sobre a imagem, vale ressaltar que o uso das cores escolhidas para representar as
células em divisão, reproduz estereótipos de gênero, onde o “masculino” é
representado com a cor azul, enquanto o “feminino” com a cor rosa. Em trabalhos
anteriores, onde as imagens de livros didáticos de biologia foram analisadas,
também foram evidenciadas cores que reforçavam representações estereotipadas
de gênero (Olinto, 2013; Duarte, Reis, Sá-Silva, 2017).

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Gênero e cultura: perspectivas formativas vol. 2
São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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Figura 01: Representação da gametogênese humana presente no livro didático.

Fonte: https://goo.gl/KKU2NB, acesso 30 dez. 2017.


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Avançando mais no livro, é possível visualizar outra propagação de
estereótipo de gênero: a representação de uma atleta de ginástica olímpica na
página 91 da obra (figura 02). Tal modalidade é mais socialmente aceitável para
sujeitos do “sexo feminino”, e a aparição no livro didático, sem levantar
questionamentos, acaba reforçando situações de estereótipos de gênero presentes
nesses esportes.

Figura 02: Foto de atleta de ginástica olímpica.

Fonte: https://goo.gl/KKU2NB, acesso 30 dez. 2017.


: kknjcn\jzcn

Em consonância com o que apresentamos aqui, Marcuschi e Ledo (2015)


também evidenciaram em livros didáticos de língua portuguesa, um tratamento
estereotipado em relação às questões de gênero. Contrapondo essa situação,
outros trabalhos que analisaram imagens de livros didáticos de ciências,
demonstraram quebras nos estereótipos de gênero, por exemplo, em relação a
atividades esportivas de “meninos” e “meninas” (Olinto, 2013; Duarte, Reis, Sá-Silva,
2017).
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Desse modo, percebe-se que há avanços em termos de estereótipos de
gênero em alguns livros didáticos, mas ainda é preciso olhar com cautela para essas
obras. Salienta-se ainda, a importância de uma postura crítica dos profissionais que
trabalharão com tais materiais, no sentido de interromper com práticas educacionais
heteronormativas e sexistas. Tal criticidadade do educador é fundamental, uma vez
que “se existir análise crítica do(da) professor(ra), os preconceitos no livro didático
podem tornar-se fonte de alerta quanto aos recursos ideológicos utilizados para a
reprodução social” (Moro, 2001, p. 41).

3) Sistema reprodutor vs. sistema genital:


Ainda tratando do capítulo “Reprodução e Desenvolvimento Embrionário
Humano”, uma de suas seções traz os Sistemas Genitais Masculino e Feminino.
Uma situação recorrente, já apresentada em diversos livros didáticos de biologia,
deve-se ao fato de que o sistema genital masculino geralmente é apresentado antes
que o feminino (Olinto, 2013).
Ademais, a nomenclatura sistema genital, no lugar de “sistema reprodutor”,
como tradicionalmente era tratado, caracteriza um avanço, no sentido de tirar o
caráter compulsório da reprodução ligado aos órgãos sexuais. Tal modificação de
nomenclatura já havia sido proposta anteriormente, trocando-se a palavra
“reprodutor” por “sexual” (Furlani, 2003). Segunda a autora, essa mudança se
justifica principalmente, pois, “ampliar a visão das crianças e jovens para a inclusão
curricular de uma sexualidade mais múltipla e possível passa por desconstruir a
ideia de uma norma sexual atrelada a uma vida reprodutiva” (Furlani, 2003, p. 74).

4) Orientação sexual e identidade de gênero:

Na unidade 2 do livro, que trata sobre genética, um texto ao fim do capítulo 8 -


“Outros Mecanismos de Herança”, chama atenção. Ele está presente na seção
“Tema para discussão” e tem como título “Orientação Sexual e Identidade de
Gênero”.
No início do texto há uma conceituação sobre sexo, ressaltando seu caráter
unicamente biológico e binário: “Discutimos neste capítulo a determinação
cromossômica do sexo na espécie humana, pela qual se define o chamado sexo
biológico, que pode ser masculino ou feminino” (Lopes, Rosso, 2016, p. 207). Tal

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definição está alinhada com a concepção que os PCN trazem de sexo como “[...]
expressão biológica que define um conjunto de características anatômicas e
funcionais (genitais e extragenitais)” (Brasil, 1997, p. 295).
Em seguida, aparecem no texto definições do Ministério da Saúde sobre o
que é orientação sexual e identidade de gênero. Na definição de orientação sexual,
gênero e sexo foram utilizados como sinônimos, reiterando a concepção dos autores
sobre o alinhamento existente entre sexo e gênero, como já mencionado
anteriormente. Foram conceituadas categorias como: homossexualidade,
heterossexualidade e bissexualidade, enquanto fazendo parte das orientações
sexuais inteligíveis. Ainda que a multiplicidade de sexualidades escape a esse
modelo heteronormativo, a inserção da bissexualidade contrapõe, até certo ponto, a
dicotomia homossexualidade/heterossexualidade. E representa um avanço em
relação a diversos livros didáticos de ciências e biologia analisados em outros
trabalhos, que não trazem outras sexualidades fora dessa dicotomia (Nascimento,
Silva, 2014).
No restante do texto, ocorre a explicação do termo identidade de gênero,
sendo contraditoriamente ao que foi apresentado antes, encarado como categoria
cultural e que age sobre o sexo biológico. Entretanto, como expresso por Judith
Butler:

Se o sexo é, ele próprio, uma categoria tomada em seu gênero,


não faz sentido definir gênero como a interpretação cultural do
sexo. O gênero não deve ser meramente concebido como a
inscrição cultural de significado num sexo previamente dado
[...] tem de designar também o aparato mesmo de produção
mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos. Resulta
daí que o gênero não está para a cultura como o sexo está
para a natureza (Butler, 2017, p. 27).

No mais, a questão da transexualidade foi abordada de forma até certo ponto


positiva, no sentido de que residem no texto, exemplos ilustrativos, mostrando as
dificuldades e preconceitos que essas pessoas enfrentam ao longo da vida, como,
por exemplo, a questão de mudança do nome social. Mas, o fato dos desviantes de
gênero e sexualidade, serem tratadas muito pontualmente, sem sua presença ao
longo da obra, mostra-nos, mais uma vez, os mecanismos heteronormativos
inscritos nesse material didático.

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Considerações Finais
Ainda que vários estudos anteriores tenham lançado um olhar queer aos
livros didáticos de ciências e biologia, considero necessário que a cada nova edição
desses livros, esses olhares continuem atentos, para vislumbrar como se dá a
dinâmica dos conteúdos permeados por questões de gênero e sexualidade nessas
obras. Por isso, a presente pesquisa pretendeu constituir uma pequena parte de um
panorama geral que vem sendo construído há anos, o qual denuncia a exclusão dos
desviantes de gênero e sexualidade dos livros didáticos de ciências e biologia,
principalmente em se tratando do contexto brasileiro.
Através da análise aqui empreendida, ficou clara a cisheteronormatividade
presente no livro de biologia analisado: desde imagens de corpos enquadrados nos
binários masculino/feminino ou homem/mulher, até na representação escrita, onde
conceitos de sexo e gênero aparecem ao longo de todo o livro enquanto categorias
binárias. Ainda que ocorra menção à homossexualidade, bissexualidade e
transexualidade no livro analisado, essas aparecem apenas pontualmente, não
compondo as narrativas textuais e imagéticas ao longo da obra.
Tendo em vista a presença dessas relações cisheteronormativas nos livros
didáticos, é preciso assumir uma postura crítica frente a eles, no sentido de conduzir
uma prática educacional pautada em gênero e sexualidade, que fuja dos modelos
opressores presentes nesses materiais. É nesse sentido que todo esse esforço de
análise queer se justifica, uma vez que:

Embora a avaliação dos livros didáticos, realizada


sistematicamente pelo MEC seja eficaz na exclusão de
linguagem homofóbica, o silenciamento e a naturalização dos
papéis de gênero [...] podem contribuir para a manutenção dos
valores homofóbicos na sociedade a partir do reforço dos
padrões heteronormativos nos livros didáticos [...] (Imperatori et
al, 2008, p.6).

A problematização daquilo que está posto nesses livros pode ser uma forma
de trabalhar com os alunos, fomentando uma subversão do que está apresentado
como normalidade, trazendo olhares outros sobre as questões de gênero e
sexualidade. Só através da expansão dessas fronteiras, é que a educação poderá
pautar a multiplicidade, jogando luz sobre todas aquelas outras formas de existência
que são ininteligíveis à cisheteronormatividade.

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Gênero e cultura: perspectivas formativas vol. 2
São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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Guimarães, R. S.; Vergueiro, V.; Marcos, M. A. de & Fortunato, I. (org.).
Gênero e cultura: perspectivas formativas vol. 2
São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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Capítulo 04 – ANÁLISE DA PERCEPÇÃO DE ALUNOS COMO FORMA DE
PENSAR PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EM EDUCAÇÃO SEXUAL

Bruno Tavares
Gabriela Rodrigues
Ísis Mello
Kathleen Yasmin de Almeida
Monique Gonçalves d’Avilla
Renato Hajenius Aché de Freitas
Thaís Leal Silva
Vitória Vogel Dal Bosco

Entre os séculos XVI a XIX, surgiram inúmeros “discursos do sexo”, advindos


das mais diversas instituições como a igreja, ciência e o direito, os quais produziam
“verdades” acerca das sexualidades. Esses discursos serviam a um propósito de
normatização e regulação da sexualidade, e por consequência, das pessoas
(Foucault, 1984). Já no século XX, esses discursos regulatórios foram questionados,
principalmente com a insurgência das lutas feministas nos anos 60. Contrapondo
essas “verdades” bem estabelecidas, essas teorizações feministas iniciaram o uso
do conceito de gênero, como forma de desnaturalização da categoria mulher, a qual
era inferiorizada sob justificativas essencialistas (Simião, 2005). No cenário
brasileiro, entretanto, o termo gênero começou a ser discutido em trabalhos
acadêmicos apenas nos anos 80 (Pedro, 2005).
Ainda no século XX, Katz (1986) se contrapõe aos discursos essencialistas de
gênero e sexualidade, apontando que tais categorias são influenciadas por fatores
biopsicossociais, ou seja, ao analisá-los é necessário levar em conta suas
características biológicas, psicológicas e sociais. Por serem categorias
multidimensionais, são comuns disputas acerca da produção de “verdades” sobre
gênero e sexualidade dentro dessas diversas áreas de conhecimento, entretanto:

Ainda que teóricas e intelectuais disputem quanto aos modos de


compreender e atribuir sentido a esses processos, elas e eles
costumam concordar que não é o momento do nascimento e da
nomeação de um corpo como macho ou como fêmea que faz deste
um sujeito masculino ou feminino. A construção de gênero e da
sexualidade dá-se ao longo de toda a vida, continuamente,
infindavelmente (Louro, 2008, p. 18).

As disputas entre as ciências humanas e ciências biológicas também marcam


a história dos conceitos de corpo, gênero e sexualidade. As ciências humanas
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buscam combater os determinismos biológicos acerca de tais conceitos,
reivindicando a “formulação de interpretações que não levassem em conta apenas
aspectos biológicos, tidos como naturais e imutáveis” (Senkevics, Polidoro, 2012, p.
16). Da mesma forma, a biologia contrapõe ideias totalizantes de que as categorias
de gênero e sexualidade são construídas apenas socialmente.
Segundo Fernandes (2009), o ser humano pode ser concebido tanto como um
corpo biológico, como um corpo social. Dessa forma, fica claro que nenhuma dessas
áreas de forma isolada detém todas as “verdades” acerca desses corpos. Por isso,
enfatiza-se aqui a importância de enxergar essas categorias de corpo, gênero e
sexualidade partindo de uma visão mais interdisciplinar e integradora dos
conhecimentos. Só assim, colocando todas suas dimensões em jogo, é que se pode
construir um conhecimento mais amplo e efetivo, que toque em diversos aspectos
da condição humana.

Os (des)caminhos da Educação Sexual no Brasil


No Brasil, as primeiras experiências voltadas à educação em sexualidade
remontam ao início do século passado. Isso fica claro, por exemplo, quando “no ano
de 1922, o importante intelectual e reformador educacional brasileiro, Fernando de
Azevedo, respondeu a um inquérito promovido pelo Instituto de Higiene da
Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo sobre educação sexual” (César,
2009, p. 40). Ainda em 1933, criou-se o periódico Boletim, o qual foi preconizado
pelo Círculo Brasileiro de Educação Sexual. Essas iniciativas foram marcos até certo
ponto positivos, ao pautar a sexualidade na escola; entretanto isso era feito de modo
preventivo, higienista e como forma de moralizar as questões de sexualidade
(César, 2009). Ainda sobre as incipientes tentativas de se implantar a educação
sexual no Brasil:

Uma primeira iniciativa de incluir a Educação Sexual num currículo


escolar data de 1930, no Colégio Batista do Rio de Janeiro, cuja
experiência prosseguiu por vários anos, até que em 1954, o professor
responsável foi processado e demitido do cargo (Figueiró, 1998, p.
124).

Após a década de 60, mesmo com a insurgência dos movimentos feministas,


gays e lésbicos pelo mundo, o Brasil retornou aos modelos conservadores e
moralizantes, devido à tomada do poder pelos militares, em 1964. Dessa forma, não

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foi dada continuidade às primeiras experiências em educação sexual dos anos 20 e
30. Isso porque:

Como a ditadura impôs um regime de controle e moralização dos


costumes, especialmente decorrente da aliança entre os militares e o
majoritário grupo conservador da igreja católica, a educação sexual foi
definitivamente banida de qualquer discussão pedagógica por parte do
Estado e toda e qualquer iniciativa escolar foi suprimida com rigor
(César, 2009, p. 41).

Com a redemocratização do Brasil no início dos anos 80, a educação sexual


começou a ser redescoberta pelos jovens, que começavam a formar outros valores
a seu respeito (Pinheiro, 1997), que não necessariamente aqueles voltados ao
projeto de família nuclear tradicional. Em tal década, a disseminação de HIV/AIDS
reacendeu o debate acerca de sexualidade e, mais especificamente, da educação
sexual. Isso porque esse espaço se configurou enquanto um mecanismo de frear os
avanços dessa e de outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), além de
auxiliar na redução dos casos de gravidez na adolescência, comuns à época.
Por todos esses fatores mencionados anteriormente, o início dos anos 90
caracterizou-se como um período onde

[...] o discurso da sexualidade nas escolas brasileiras foi


definitivamente colonizado pela ideia de saúde e prevenção de
doenças sexualmente transmissíveis e da gravidez na adolescência,
tomadas como sinônimo de problema de saúde física e social. O tema
da prevenção foi assumido de maneira tão definitiva que os programas
estabeleceram uma conexão direta com outro problema que deveria
ser debelado no interior da instituição escolar, isto é, o uso de drogas.
Assim, projetos como prevenção de DST/AIDS, gravidez e uso de
drogas foram desenvolvidos com base na ideia de prevenção como
paradigma do discurso sobre a educação sexual (César, 2009, p. 42).

Contrapondo essa ideia preventiva e higienista de educação sexual, no fim


dos anos 90, foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), os
quais colocavam a educação sexual no eixo de temas que deveriam ser tratados nas
escolas de forma transversal. Esses temas transversais, ao contrário dos temas
comuns, requerem um tratamento multifacetado e multidisciplinar, dada sua
complexidade social (Brasil, 1997). Entretanto, a não obrigatoriedade desses PCN
fez com que o tratamento das questões sugeridas nem sempre ocorresse da forma
estabelecida no documento. Tal fato foi verificado em pesquisas que mostraram a

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não efetivação dos PCN em relação à transversalidade da educação sexual (Da
Silva, Neto, 2006; Alencar et al., 2008; Lira, Jofili, 2010).
As temáticas de sexualidade, ao contrário do que é preconizado pelos PCN,
que seria seu tratamento transversal, são restritas às disciplinas de ciências e
biologia (Quirino, Rocha, 2012, 2013; Coelho, Campos, 2015). Desse modo, são
retirados os fatores culturais, sociais e até políticos de sua discussão, favorecendo
um discurso reducionista e que, muitas vezes, mantém inúmeros preconceitos aos
que escapam às normas de gênero e sexualidade. Inclusive, esse preconceito pode
se tornar um importante mecanismo de redução do desempenho escolar e até
resultar em evasão escolar (Miranda, 2013).

Extensão em Educação Sexual no PET/Biologia/UFSC


Face ao exposto, fica claro que nos dias de hoje ainda não está garantido o
tratamento efetivo da educação sexual nas escolas. E, como um projeto de
Extensão Universitária que busca atender aos anseios da sociedade, vemos que é
grande a demanda por essa temática nas escolas públicas. O projeto de Extensão
em Educação Sexual faz parte do Programa de Educação Tutorial - PET- dos cursos
de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina. Esse se
constitui, portanto, em uma modalidade acadêmica que tem sérios compromissos
epistemológicos, pedagógicos, éticos e sociais (MEC, 2006). Dentro dessa lógica,
vale ressaltar que nossas ações são pensadas de modo a contemplar as várias
facetas dos estudos de gênero e sexualidade, não se restringindo aos
conhecimentos biológicos.
Ademais, ancorados na Pedagogia Libertadora de Paulo Freire, buscamos
fazer o ensino de forma dialógica e problematizadora em consonância com as
realidades dos alunos. No método Paulo Freire de alfabetização de adultos, a fase
inicial do processo consiste em conhecer o “universo vocabular” da população a ser
alfabetizada, para utilizar aquelas palavras com as quais os educandos têm certa
familiaridade (Brandão, 1981). Tal pesquisa inicial é de suma importância, uma vez
que o educando terá maior facilidade de compreender conteúdos que se mostrem
cotidianos a ele, o que possibilitará a leitura de sua realidade de forma a se
posicionar criticamente em relação a ela. Nesse sentido, torna-se necessário avaliar
a concepção de uma população, como forma de conseguir nortear os

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posicionamentos de ensino-aprendizagem que melhor conversem com suas
realidades.
Desse modo, a presente pesquisa teve como objetivo principal mostrar a
apreensão da percepção trazida pelos alunos acerca de gênero e sexualidade,
através da aplicação de um questionário diagnóstico. Além disso, buscou-se refletir
acerca de nossa prática enquanto um projeto de extensão, apontando alternativas
pedagógicas ao modelo biologizante e prescritivo de tratar Educação Sexual. Por
fim, esperamos que nossas experiências aqui relatadas sirvam como inspiração para
outras empreitadas educacionais, tanto a respeito de gênero e sexualidade, quanto
em outros enfoques.

Percurso Metodológico
A abordagem didático-pedagógica de nosso grupo segue princípios
freireanos, em que a educação é pensada de forma dialógica e problematizadora,
alcançando-se assim, uma visão crítica da realidade, levando à libertação dos
indivíduos (Freire, 2016). Na abordagem de Paulo Freire:

[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto


educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado,
também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que
crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem
(Freire, 2016, p. 120).

Para tanto, na presente pesquisa, objetivou-se diagnosticar, através de um


questionário, a concepção prévia dos alunos acerca de questões envolvendo gênero
e sexualidade. O uso do questionário como forma de conhecer o posicionamento
quanto à temática já se mostrou eficiente em estudos anteriores (Miranda, Freitas,
Silva, 2015; Oliveira et al., 2017). Esse primeiro ato de conhecer o “universo” dos
participantes antes de iniciar de fato a construção conjunta do conhecimento,
auxiliou na preparação das aulas que foram ministradas posteriormente.
A partir dessas respostas foi possível elaborar uma programação de 4 horas
que procurou atender os pontos mais carentes que os alunos apresentaram nos
questionários. Sendo assim, tratou-se de três grandes temas: gênero, sexualidade e
ditadura da beleza, que foram trabalhados de formas dinâmica e integradora,
fugindo do padrão de aula tradicional. Ademais, cada aula foi ministrada por três
membros do grupo de Sexualidade na Escola e na Universidade, para jovens de 16-

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21 anos do CIEE (Centro de Integração Empresa-escola de Santa Catarina). O
Centro atende jovens que estejam regularmente matriculados em instituições de
ensino particular ou pública, cursando ensino médio, educação profissional, ensino
superior ou educação especial.
Um total de 72 alunos participou da pesquisa, sendo 43 do sexo feminino e 29
do sexo masculino1. Como forma de facilitar as posteriores análises dos
questionários, foi utilizado um sistema de marcação composto pela letra inicial do
sexo do indivíduo somado a um número. Por exemplo: o primeiro questionário do
sexo masculino recebeu o código M1, o segundo M2, e assim por diante. Ao fim,
formaram-se os códigos de identificação de M1 a M29 e F1 a F43.
A natureza da pesquisa aqui empreendida se caracteriza enquanto quali-
quantitativa. Primeiramente, utilizou-se a metodologia de Análise do Conteúdo
(Bardin, 1977) como forma de nortear a leitura e interpretação das respostas dadas
pelos alunos ao questionário aplicado. Tal análise segue uma ordenação:

É na descrição que se explora o texto na medida em que o mesmo


vai sendo desconstruído. Feito isso, parte-se para a etapa da
categorização, momento em que, seguindo certos critérios definidos
pelo analista, o texto é novamente reconstruído. Após a categorização,
parte-se para a inferência. É neste momento que se atribui, por meio
de deduções lógicas e justificadas, significado ao discurso (Santos,
Dalto, 2012, p. 3).

Após a formação de categorias, de acordo com as respostas de cada


pergunta, foi feita a quantificação dessas categorias para revelar padrões
preponderantes dentro de cada questão. As análises foram testadas
estatisticamente pelo método de Goodman, onde o G calculado é menor que o G
crítico, dando validade para as afirmações.
Entre as dinâmicas feitas em sala de aula, cabe destacar aqui a Dinâmica da
Bola, realizada como forma de introduzir o debate sobre estereótipos de gênero com
a turma. A dinâmica consiste em uma prática na qual os alunos ficam em círculo, e
do seu centro, um integrante do grupo de professores arremessa a bola para um
aluno de cada vez, e fala a palavra “Menina” ou “Menino”. Então, o aluno deverá
falar rapidamente algum objeto ou atividade relacionada à palavra. Tal dinâmica foi

1
Uma das limitações percebidas após a aplicação dos questionários foi o fato de não termos feito um
recorte quanto à orientação sexual e identidade de gênero dos alunos, de modo a relacioná-las com
nossas análises.

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escolhida como ilustrativa de nosso trabalho, devido à sua potencialidade em
mostrar convicções e preceitos não formulados pelos alunos – levando-se em conta
a rapidez do processo–, mas que fazem parte de seus valores interpessoais.

Resultados e Discussão

a) Biologização2 das categorias Mulher/Homem


A categoria preponderante formada a partir das respostas dos alunos (M=
33% e F= 33%) às perguntas “O que é uma mulher?” e “O que é um homem?”,
associa diretamente essas categorias ao sexo biológico. Como forma de ilustrar
essa questão, destacou-se abaixo algumas frases escritas pelos alunos:

“definidos pelos órgãos genitais” (F10).


“o que compreendemos biologicamente” (F17).
“uma pessoa com sexo feminino [...] uma pessoa com sexo masculino [...]”
(F37).
“conforme os órgãos sexuais” (M13).
“definidos biologicamente” (M17).

Essa naturalização pode ser explicada se levarmos em consideração que na


educação básica as disciplinas de ciências e biologia dominam o tratamento das
questões de gênero e sexualidade (Quirino, Rocha, 2013; Louro, 2001; Altmann,
2005). Tal fato, somado à deficiente formação (inicial e continuada) dos professores
dessas disciplinas em gênero e sexualidade (Da Silva, Neto, 2006), acaba
resultando na exclusão das dimensões socioculturais e políticas dessas questões
(Campos, 2015).
As respostas essencialistas reproduzidas pelos alunos reforçam ainda a não
efetividade da proposta transversal da educação sexual preconizada nos PCN. Esse
fato está de acordo com inúmeras pesquisas anteriores que colocam a não
efetividade dos PCN em relação à sua transversalidade (Da Silva, Neto, 2006;
Alencar et al., 2008; Lira, Jofili, 2010).

2
O termo “biologização” está sendo utilizado no sentido de uma explicação única através de
conhecimentos biológicos.

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b) Equidade de Gênero
Em relação às questões 3 e 4: “Quais profissões são para mulheres?” e
“Quais profissões são para homens?”, a maioria das respostas (F= 86% e M= 86%)
evidenciou que as profissões não estão necessariamente ligadas ao gênero, ou seja,
não existem profissões que só os homens ou só as mulheres podem exercer.
A maioria das respostas na questão 5 (F= 85,7% M= 89,6%): “Quais cores
são para meninos e quais cores são para meninas?”, apontam para a concepção de
que não deve-se associar cores aos gêneros, sendo que ambos podem explorar
todas as cores. Essa quebra de estereótipo das cores contrapõe a polarização: azul
para meninos e rosa para meninas, que é reconhecidamente reafirmada no espaço
escolar, inclusive nos materiais e livros didáticos (Duarte, Reis, Sá-Silva, 2017).
Ao responderem a questão 6: “Quais são os comportamentos para mulheres
e para homens?”, grande parte dos alunos (F= 67,4% M= 62%), afirmou,
novamente, o discurso de equidade entre os gêneros, onde o comportamento de
uma pessoa não deve estar atrelado diretamente ao seu gênero.
Assim como nas questões anteriores, as respostas da questão 7: “Qual o
papel do homem e da mulher na família?”, seguiram o discurso de equidade de
gênero (F= 60% M= 67,8%), segundo o qual os alunos expressam, de forma geral,
que não deve existir um papel pré-definido para o homem ou para a mulher na
família.
Após essas análises, chegou-se à conclusão de que a maioria dos alunos se
posicionou em concordância com a equidade de gênero. Assim, criou-se a categoria
“Equidade de Gênero” a qual expressa tal posicionamento levantado pelos alunos,
nos diversos temas trabalhados nas questões: profissões, cores, comportamentos e
papel dos gêneros na família. E, como forma de melhor visualizar a categoria
formada, são apresentadas respostas ilustrativas dos alunos, separadas de acordo
com o tema das questões, as quais evidenciam a formação de tal categoria (tabela
01).

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Tabela 01. Categoria “Equidade de Gênero”, resultado da análise do conteúdo (Bardin,
1977). Os números entre parênteses, logo abaixo dos temas, representam as respectivas
questões.

Os resultados aqui expostos contrapõem achados anteriores que


evidenciaram a presença de estereótipos de gênero nos discursos de alunos
brasileiros e portugueses (Fonseca, Cabecinhas, 2013). Ou seja, esses achados
mostram, mesmo localmente, que é possível causar abalos nas matrizes normativas
de gênero e sexualidade. Curiosamente, em se tratando da Dinâmica da Bola, os
alunos divergiram dos resultados apresentados anteriormente, uma vez que grande
parte deles associou as palavras “Menino” e “Menina” às atividades e objetos
estereotipados dessas categorias. Dessa forma, atividades como futebol, basquete e
outros esportes foram associados à palavra “Menino”, enquanto pintar as unhas e
arrumar o cabelo foi associado à “Menina”.

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c) Práticas Pedagógicas em Educação Sexual: articulando múltiplos discursos
Concordamos com Maio, Oliveira e Peixoto (2018) quando afirmam que a
Educação Sexual ocorre tanto na igreja, quanto na família, mas que cabe à escola
uma abordagem científica sobre essas questões, jogando luz sobre as diversas
formas de vivenciar os gêneros e as sexualidades. Nesse sentido, pode-se afirmar
que:
As ações educativas decorrentes das famílias se distanciam muitas
vezes daquelas emanadas da escola, enquanto a primeira educa
seguindo suas tradições morais e, em sua maioria, religiosas, a
segunda educa sob o viés da ciência [ou assim deveria ser]. Talvez
seja esse um dos motivos que fez com que, ao longo da história, a
escola tivesse se constituído como espaço formal de ensino e
aprendizagem, com competência de discurso fundamentado nas
diversas ciências, se distanciando cada vez mais do senso-comum
(Maio, Oliveira, Peixoto, 2018, p. 53, grifo dos autores)

Como destacado na citação acima, a escola, enquanto espaço formal de


ensino-aprendizagem tem uma grande potencialidade no tratamento às questões de
Educação Sexual. Isso se deve, como relatado pelos autores, à dinâmica de
socialização das diversas ciências na construção do conhecimento. E, é nesse
sentido que ressaltamos a importância dos múltiplos discursos na constituição de
uma Educação Sexual plural e coerente com o espaço formal de educação.
Ainda que façamos parte de um grupo de extensão pertencente ao curso de
Ciências Biológicas, reiteramos a importância da transversalidade da Educação
Sexual (Brasil, 1997; Lira, Jofili, 2010), como possibilidade da construção dessas
“múltiplas vozes”, evitando discursos únicos e totalizantes. Só assim, com
articulações de múltiplos discursos, será possível superar uma visão biologizante da
Educação Sexual.
Dessa forma, pensar práticas pedagógicas em Educação Sexual deve passar
necessariamente pela apropriação de discursos biológicos, psicológicos e sociais
(Senkevics, Polidoro, 2012; Maio, Oliveira e Peixoto, 2018), para que as questões de
corpo, gênero e sexualidade, sejam vislumbradas em toda sua complexidade. Tendo
isso em vista:

Se a temática sexualidade for tratada com responsabilidade, discutida


nas instâncias do corpo biológico, psicológico e social, podem se
esperar resultados surpreendentes, visto que desconstroem tabus e
preconceitos que calam, ensurdecem e cegam a sociedade (Maio,
Oliveira, Peixoto, 2018, p. 59)

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Considerações Finais
Como forma de apreender os principais significados e concepções dos alunos
em relação à temática de gênero e sexualidade, valemo-nos de um questionário
diagnóstico. E, utilizando como referencial metodológico, a análise do conteúdo
(Bardin, 1977), as respostas dos alunos ao questionário foram analisadas e
interpretadas, gerando assim, as principais concepções dos alunos acerca do tema
pesquisado.
Em relação às duas primeiras questões, referentes às categorias de homem e
mulher, notou-se que o discurso biologizante e essencialista de gênero preponderou
nas respostas dos alunos. Desse modo, a preparação das aulas de gênero que
foram ministradas, foi orientada levando em conta essa dificuldade dos alunos em
enxergar a categoria de forma multifatorial (biológica, psicológica, social).
Em relação às análises das questões posteriores, evidenciou-se um sentido
de equidade de gênero presente nas respostas da maioria dos estudantes.
Entretanto, na sala de aula, ao realizarem a Dinâmica da Bola, a maioria deles
associou ações e objetos estereotipados em relação às palavras “Menina” e
“Menino”. Tal fato evidencia um possível enraizamento de sentidos estereotipados
nos alunos, os quais só os expuseram quando tiveram que responder de forma
rápida.
Levando em conta tudo o que apontamos acima, reiteramos a importância de
se construir uma Educação Sexual que, para além de informações preventivas e
higienistas, abarque também os vários aspectos da sexualidade humana. E,
retomando a reflexão sobre as práticas pedagógicas em Educação Sexual na
atualidade, reiteramos a importância da articulação dos múltiplos discursos para se
alcançar um entendimento efetivo das questões de corpo, gênero e sexualidade em
suas diferentes dimensões (bio-psico-sociais), superando um reducionismo à
biologia.
Por fim, vale ressaltar que, como no passado, a educação sexual hoje pode
ser encarada enquanto um espaço de resistência à onda conservadora que impera
no Brasil e no mundo. Essa que se materializa por meio de ataques à educação, e
especificamente às pautas concernentes aos estudos de gênero e sexualidade,
resultando na retirada de termos como “gênero” e “orientação sexual” de importantes
documentos educacionais brasileiros (Santos, 2017). Assim, fica evidente a
necessidade da criação de espaços de discussão sobre a temática de gênero e

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sexualidade, e inclusive de resistência aos ataques conservadores em relação aos
direitos de minorias historicamente adquiridos.

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São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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CAPÍTULO 05 – A PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA E AS
VEREADORAS EM CIDADES DE MÉDIO PORTE: O CASO DE UMUARAMA-PR

Ana Letícia Stori Mendes


Rafael Egidio Leal e Silva
Thais Martini Almeida

Dentre tantos aspectos do nosso mundo contemporâneo (também chamado


de pós-moderno) está o amplo debate acerca das opressões que micro ou macro
historicamente surgem como produtoras de violências reais ou simbólicas em
determinados grupos ou etnias sociais. O curso histórico da sociedade parece ter
reservado o século XXI da era cristã como a era de resolução de tais conflitos. Ou
será que tais resoluções ou as compensações aos historicamente oprimidos não
serviriam ainda para acobertar as lutas estruturais da sociedade? De qualquer
forma, um dos principais embates que urgem em nossos dias é a questão de
gênero. Homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais parecem ser os
grupos que ao se digladiarem, levam a promessa do futuro da humanidade. Ou seria
o seu passado? A discussão sobre o gênero emerge em nossos dias como
fundamental não apenas para o desvelamento das relações sociais, mas também
como forma de compreendermos o curso histórico de nossa sociedade e como tais
conflitos marcam o cotidiano.
A igualdade de gêneros, que vem se construindo pouco a pouco, ainda
repousa muito mais como um ideal. Se na história encontramos grandes progressos
em pouquíssimos anos, e pequenos progressos em séculos, a conquista da efetiva
igualdade entre aquilo que o reino da biologia separou, os sexos - do latim secare
que origina também a palavra secção, ou divisão - está na segunda categoria. Não
podemos defender aqui que é a mais antiga luta da humanidade, mas consideramos
que é uma das que mais deixou sequelas na sociedade. Engels, em seu clássico
texto sobre A origem da família, da propriedade privada e do Estado (s.d.), nos
mostra a influência da divisão social do trabalho nas relações entre homens e
mulheres. No mundo primitivo, onde a divisão do trabalho era espontânea, “Cada um
manda no seu domínio: o homem na floresta, a mulher em casa. Cada um é
proprietário dos instrumentos que elabora e usa” (Engels, s.d., p. 126-127). Com a
“primeira grande divisão social do trabalho”, o pastoreio, segundo Engels, há
também uma modificação familiar: se anteriormente homens e mulheres possuíam

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uma relativa igualdade social, os rebanhos trouxeram consigo uma cisão nesta
relação, uma vez que o homem, agora proprietário dos animais, passa a ocupar o
centro da relação tribal, transformando o trabalho doméstico da mulher – e
consequentemente, a mulher – em irrelevante, perto de sua propriedade. Dentro
desta lógica cruel, durante muito tempo a mulher foi terminantemente excluída da
vida política, militar, comercial e religiosa. Se levarmos em conta os tempos em que
até mesmo a educação era inacessível à mulher, podemos afirmar que também era
excluída do pensar, do exercício de seu intelecto. Ainda que houvesse tal exclusão,
a mulher esteve presente em luta silenciosa.
Uma batalha inglória seria a mulher querer elevar-se de sua condição frente
ao homem que lutava, impiedoso, contra a natureza e contra si mesmo nas guerras.
A mulher não poderia ter voz, pois ela implicaria em ter sua garganta cortada. Os
homens, por sua vez, tinham o monopólio público da palavra e buscaram contar e
(re)contar a sua condição de dominância em termos filosóficos, artísticos e até
científicos. A própria palavra “mulher” nos ajuda a refletir a respeito da condição
feminina em sua historicidade. Assim, a busca pela origem etimológica desta palavra
nos revela que:

O português mulher, assim como o espanhol mujer, provém do latim


mulier, “mulher em geral”, mas, sobretudo “mulher casada, esposa”
(como no italiano moglie, “esposa”), o que significa que mulher de
verdade é a casada, o que faz sentido numa sociedade como a
romana (e por séculos também a nossa) em que o destino da mulher
jovem e virgem (virgo em latim) era casar-se; a mulher adulta que
não fosse casada era alvo de desprezo, pois ou era prostituta ou
solteirona (e, neste último caso, nas sociedades católicas ia para o
convento) (Bizzocchi, 2016).

Tal significado coaduna-se com o passado mítico grego que estabelecia a


mulher como um ser de outra “raça”, distinta do homem, colocado pelos deuses
como pérfida forma de vingança a estes (Leal e Silva, 2016). Ainda hoje, temos a
noção de que a mulher apenas será completada se estiver ao lado ou junto do
homem, que a discipline e a proteja.
O presente texto tem como objetivo investigar a vivência de mulheres em
cargos políticos eletivos no interior do Paraná, enfocando o município de
Umuarama-PR, localizado na região Noroeste deste Estado, distante cerca de 600
quilômetros da capital paranaense Curitiba e a cerca de 100 quilômetros da fronteira

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com o Paraguai. Podemos notar que há um discurso que chama a atenção para a
necessidade da maior participação da mulher na política, mas também não podemos
deixar de considerar as barreiras sociais invisíveis que dificultam que a mulher se
torne efetivamente uma agente política em igualdade de condições nas disputas
eleitorais. Assim sendo, como a mulher percebe tal diferença, especialmente a
ocupante de um cargo político local em um contexto interiorano? Esta mulher é
também um agente de denúncia acerca do domínio masculino em seu município?
Tais questões estão postas neste trabalho, que tem como finalidade também de dar
voz para as estas mulheres. Questionamos a importância da participação das
mulheres em cargos políticos, analisando a situação de Umuarama, e quais são os
fatores que influenciam para a pouca participação das mesmas nos cargos, a partir
da análise da fala das mulheres.
A diferença entre os sexos ocorre não apenas no trabalho ou nas questões
culturais, mas também nos aspectos políticos em nossa sociedade, interferindo
diretamente em cargos representativos e/ou de lideranças. Na história, as mulheres
eram/são “conhecidas” como menos importantes que os homens por serem
consideradas o “sexo frágil” ou até mesmo incapazes de ocuparem o lugar de um
homem na sociedade. A exclusão da mulher na vida política é um reflexo da
exclusão da mulher na sociedade e na ausência de reconhecimento como sujeito,
baseado em grande medida no predomínio da figura do homem, seja no aspecto
social, político ou econômico (Vaz, 2008). No campo político brasileiro, basta
qualquer olhar de senso comum em nossas eleições e nos cargos públicos (tanto
nas Câmaras do Legislativo, como em nossas Prefeituras e Palácios de governo,
contando ainda com os tribunais) para perceber que há uma baixa inclusão da
mulher e da figura feminina, com um domínio exclusivo do padrão homem branco e
casado, aquele que possibilita a reprodução de sua condição nestas esferas de
poder. , Podemos considerar que a baixa participação das mulheres, se deve ao fato
de que a figura do homem brasileiro foi constituída como a de um ser “público”,
ainda que formado e reprodutor das relações privadas, tendo seu lugar na sociedade
e nas lideranças políticas, enquanto a mulher é vista como submissa ao homem,
assim, sempre é associada com o lar, família, filhos, se tornando um ser “particular”,
um ser não notado pela sociedade, ainda que esteja no mercado de trabalho ou em
funções públicas, conforme o modelo patriarcal desenvolvido em nossa sociedade.
Assim sendo, o modelo do “homem cordial” de Sérgio B. de Holanda (2016) ganha

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pleno sentido quando passamos a olhar para a “mulher cordial”.. Assim, conforme
Haraway: “Além do trabalho assalariado, a divisão de trabalho por gênero incluía
também as categorias de trabalho excluídas e não historicizadas em Marx e Engels”
(Haraway, 2004, p. 228), como a criação dos filhos, os cuidados com velhos e
doentes, a cozinha, além da prostituição. Portanto, segundo Fernanda Morais:

A representação da mulher política pode ser chamada de


subrepresentação, por ser a mesma das de outros grupos em
condição de desigualdade e nas condições de vida e na estrutura
das oportunidades. Como outros grupos da sociedade menos
privilegiados, as mulheres encontram-se fora dos processos de
decisão política. Há muito o que avançar rumo à igualdade entre os
sexos, avanços que são lentos quando não há mulheres na política
que defendam temas que levariam à igualdade (Morais, 2008, p.4).

A organização social patriarcal em torno da sociedade de classes impôs à


mulher um determinado local na sociedade, muito distante das tomadas de decisões
e do poder. De acordo com Sow (2010), foi através do movimento feminista que o
conceito patriarcal, que condicionava a mulher ao cuidado doméstico, restrito ao lar
e à procriação, foi questionado. Assim confirma Morais:

O feminismo, como uma ideologia política, é um elemento crucial na


construção de identidades políticas femininas, porque é um conjunto
estruturado de ideias que guia a ação política. A consciência de que
as mulheres são discriminadas e não usufruem das mesmas
condições que os homens, representando uma situação de
desigualdade estrutural das mulheres na sociedade, mostra que são
necessárias soluções grupais, resultantes da ação coletiva (Morais,
2008, p.3).

E tal questionamento configura-se em momento fundamental para o


desenvolvimento da cidadania brasileira, como expressa Evelyn Reed:

Sendo necessário que todos os oprimidos, inclusive as mulheres,


necessitam agora, urgentemente, escrever e reescrever sua própria
história para exibi-la e corrigir as falsificações. Ao mesmo tempo,
esta tarefa deve ser realizada em meio ao calor da luta por sua
emancipação e como instrumento para a mesma (Reed, 2008, p. 15).

Podemos observar que as esferas de poder no Brasil da atualidade, e no caso


estudado, as câmaras de vereadores locais, por possuirem um percentual maior de
homens do que de mulheres, pode ser considerado um governo de homens e para

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homens, onde as mulheres não possuem muita voz, e até mesmo nenhuma voz,
devido a sua baixa representatividade. A igualdade formal entre os homens e as
mulheres tende a dissimular que, sendo as coisas em tudo, iguais, as mulheres
ocupam sempre as posições menos favorecidas. Por exemplo, sendo embora
verdade que as mulheres estão cada vez mais representadas em funções públicas,
são sempre as posições mais baixas e mais precárias que lhes são reservadas
(Bourdieu, 2010). E isto porque há a fala comum de que a avaliação de um
candidato pelo eleitor deve se passar não pelo gênero (ou etnia), mas
principalmente pela competência. No entanto, o discurso da “competência” esconde
uma série de atributos masculinos, conforme Bourdieu, ao afirmar que:

Para chegar realmente a conseguir uma posição, uma mulher teria


que possuir não só o que é explicitamente exigido pela descrição do
cargo, como também todo um conjunto de atributos que os
ocupantes masculinos atribuem usualmente ao cargo, uma estatura
física ou aptidões, como a agressividade, a segurança, a ‘distância
em relação ao papel’, a autoridade dita natural, etc., para as quais os
homens foram preparados e treinados tacitamente enquanto homens
(Bourdieu, 2010, p. 78).

No mesmo sentido, Mota & Biroli (2014), ao analisar o gênero na eleição


presidencial de 2010 também perceberam que:

As alternativas para as mulheres são adequar-se ao perfil “feminino”


e desenvolver sua atuação política dentro dos limites do que é
entendido como uma atuação “feminina” – o que pode ser feito
estrategicamente – ou projetar sua ação e seu perfil para fora desses
limites, o que por um lado pode lhes proporcionar um maior acesso
às posições centrais, ao lançar-se para áreas e formas de atuação
tidas como “masculinas”, mas por outro pode marcá-las
negativamente, como “desviantes”. Em um e outro caso, os custos
do “gênero” se impõem (Mota & Biroli, 2014, p. 207).

Ou seja, o gênero é um importante quesito para a estratégia eleitoral, e a


mulher candidata deve se posicionar estrategicamente em relação à sua condição
feminina. E durante o mandato? Será que também há a necessidade de se
estabelecer estrategicamente uma relação com o gênero e a condição feminina? E
como a mulher estabelece esta percepção? Isso, pelo fato do monopólio dos
profissionais se concentrarem na mão de um pequeno grupo por sus determinadas
características, assim segundo Bourdieu:

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O que faz com que a vida política possa ser descrita na lógica da
oferta e da procura é a desigual distribuição dos instrumentos de
produção de uma representação do mundo social explicitamente
formulada: o campo político é o lugar em que se geram, na
concorrência entre os agentes que nele se acham envolvidos,
produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários,
conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns,
reduzidos ao estatuto de ‘consumidores’, devem escolher, com
probabilidades de mal-entendido tanto maiores quanto mais
afastados estão do lugar de produção (Bourdieu, 2007, p.164).

O campo político tem dimensão própria por gerar “produtos políticos” de modo
autônomo, e podemos dizer, de forma maquiaveliana: é na disputa entre aqueles
que querem o poder de mando que tais produtos são produzidos, e àqueles que são
chamados ao seu consumo, os cidadãos, em muito pouco compreendem ou até
mesmo contribuem à formulação de tais problemas. Vejamos esta situação na
dimensão da participação feminina na política brasileira, como um “produto” do
campo político próprio do Brasil que o consumidor – a maioria do eleitorado de
mulheres, inclusive – ainda não compreendeu ou contribuiu. E tal participação
implica em outras questões a ser levantadas, caras à nossa sociedade: em meio ao
avanço na emancipação feminina, as mulheres denunciam à sociedade toda
repressão vivida sexual, doméstica, econômica, política e socialmente. O termo
gênero começa então a ser conceituado e questionado.
Gênero é apenas uma definição, porém sendo uma, está inserida no
vocabulário, e toda palavra vem impreterivelmente carregada de valores e da cultura
de determinada época. A palavra gênero então, que antes simplesmente significava
uma distinção entre os sexos masculino e feminino, passa posteriormente a ser
utilizada como uma distinção social da relação entre os sexos, sendo que esta última
definição se deu por iniciativa de feministas ao analisarem que sexo e gênero tinham
sentidos distintos.
Mas o fato é que ao longo da história, o que vem sendo analisado e
reproduzido é uma história feita por homens. Após as mulheres reivindicarem seu
espaço e dedicarem-se ao estudo de sua própria história, ocorreu que a esta passou
a ser vista à parte da história da humanidade, da política, da economia, como se as
mulheres não tivessem participado dos feitos históricos, como se homens e
mulheres não dividissem mesmo tempo e espaço. O universalismo típico das
teorizações modernas incluiu também o conceito de gênero, generalizando-o ou

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simplificando o termo. Gênero foi visto então como sinônimo de mulheres, Scott
(1995) afirma que tal uso é devido ao gênero ser uma conotação mais objetiva e
neutra do que “mulheres”. Além disso, o termo é usado para designar relações
sociais entre os sexos em oposição ao determinismo biológico.
Para enfim analisar os fatores interferentes a eleição ou a luta de agentes
políticos, deve-se levar em consideração os determinantes econômicos e sociais da
divisão do trabalho político, para não ser levada a naturalizar os mecanismos sociais
que produzem e reproduzem a separação entre os agentes politicamente ativos e
os agentes politicamente passivos e a constituir em leis eternas as regularidades
históricas válidas nos limites de um estado determinado da estrutura da distribuição
do capital.

O que Umuarama tem a nos dizer sobre a participação feminina na política?


O nome da cidade remete a um passado indígena que é (re)lembrado em
vários pontos do município. De praças a avenidas, a menção do povo Xetá é nítida e
constante. Umuarama parece ser uma espécie de homenagem ao povo “original” de
suas terras, tendo seu significado “lugar alto, ensolarado, para encontro de amigos”,
onde parece que a amizade entre brancos e indígenas se congraça. Mas assim
como o povo Xetá acabou por ser dizimado ou aculturado ao ponto que sua cultura
tenha sido reduzida a traços e vestígios de memória de dois únicos remanescentes
desta etnia (Rebecchi, 2014), a palavra “Umuarama” foi um neologismo criado em
1927 por Silveira Bueno a partir dos elementos tupis “embu” (lugar) “ara” (dia,
claridade) e “ama” (reunião). (Umuarama, [s.d.]). Desta forma, é conhecida como
“Capital da Amizade”. Mas também possui um outro apelido curioso na região:
“mulherama”. Mesmo cidades como Londrina e Maringá (distantes respectivamente
cerca de 300 e 180 quilômetros de Umuarama) é comum ouvir esta alcunha, sempre
no sentido da quantidade de mulheres (e “bonitas”) que Umuarama teria. O senso
comum regional chega a dizer que esta expressão existiria por conta do número
excessivamente superior de mulheres em relação aos homens no município, em
termos habitacionais. Dentro de Umuarama, a “mulherama” é também muito usada,
muitas vezes em tom pejorativo, mas muitas vezes também em tom elogioso,
significando não apenas a quantidade de mulheres, mas também a sua beleza,
considerando que muitas belas – e famosas – modelos paranaenses seriam de
origem umuaramense. São amplamente conhecidos e emblemáticos na cidade os

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casos de Caroline Correa, modelo que fez figuração em filmes como Star Wars III e
Velozes e furiosos: desafio em Toquio, e o recente caso da Miss Brasil Raíssa
Santana (que nasceu na Bahia, e apenas com 6 anos de idade passou a morar em
Umuarama) que disputou o título de Miss Universo neste ano de 2017. O caso da
modelo Elaine Lopes da Silva (1983-2007) que foi Miss Umuarama (2002) e Miss
Paraná (2003) e que faleceu em um acidente automobilístico chega a ser catártico,
pois o jornalismo local indica o seu túmulo como o mais visitado no cemitério da
cidade.
Quem visita a cidade, no entanto, nota um outro fenômeno que é muito
comum nos munícipios do interior: a incorporação do nome da cidade (ou parte dele)
nas casas comerciais. Algo que em Maringá acontece com a adoção do sufixo
“ingá”, na cidade de Paranavaí (outra importante cidade do noroeste do Paraná,
distante cerca de 150 quilômetros de Umuarama) com a adoção do sufixo “ivaí”. No
caso de Umuarama, é amplamente usado pelo comércio citadino o sufixo “rama”, em
empresas como “Autorama”, ”Motorama”, “Placarama”, “Oxirama”, “Gelorama”, entre
muitas outras, indicando ao mesmo tempo um determinado objeto (o automóvel, o
motor, a placa, o oxigênio, o gelo, etc.) e a cidade “Umuarama”. Como indicamos,
esta é uma prática comum na região. Mas não há uma “mulheringá”, muito menos
uma “mulherina” ou “mulherivaí” e “mulhernorte”, para ficarmos em cidades como
Londrina, Maringá, Paranavaí e Cianorte. Apenas “mulherama”. Será que este
apelido não pode nos ajudar a refletir sobre a condição da mulher em Umuarama?
Se há um claro indício (regional inclusive) de objetificação da mulher de Umuarama,
como isto pode se materializar na política local?
Em relação ao atual panorama político nesta cidade, nas eleições de 2016
foram eleitas duas mulheres para a Câmara local, que renovou suas cadeiras em
80% (das 10 vagas, foram 08 novos vereadores). Pela primeira vez Umuarama teve
duas representantes mulheres, o que indica tanto uma mudança de preferência do
eleitor, quanto de novos desafios das vereadoras em seus cargos. Principalmente
pois logo após a eleição assumiram também os cargos de Presidente da Câmara e
de Primeira Secretária, cargos de destaque no poder local.
A participação feminina em cargos importantes na sociedade desde os
primórdios é ínfera em relação à participação do sexo oposto, devido raízes
históricas e sociológicas, às quais incitam o patriarcado, ocasionando a cultura de
inferiorização da mulher em relação ao homem. Analisando o supracitado, realizou-

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se uma entrevista com as duas candidatas eleitas, Ana Novais e Maria Ornelas, às
questionando em relação a empecilhos que houveram nas campanhas eleitorais das
mesmas, e as indagando sobre suas trajetórias políticas até o momento. Com
objetivo manter a privacidade das vereadoras, não serão identificadas em suas
respostas, sendo apenas identificada como “Entrevistada” nos excertos de suas
falas, buscando coletar um maior número de informação possível, podendo
comtemplar nossa análise de forma eficaz. As entrevistas foram realizadas no
segundo semestre de 2017, portanto, abrangem os primeiros meses de mandato. As
entrevistas foram gravadas e foi apresentado Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido para as entrevistadas. De forma anônima, seguem os dados
socioeconômicos das vereadoras:

Tabela 1 – Questionário socioeconômico das Vereadoras de Umuarama.


Vereadora Entrevistada A Entrevistada B
Idade 33 54
Cor da Pele Branca Branca
Nível de escolaridade Pós graduada Pós graduada
Estado Civil Solteira Casada
Profissão Administradora/Professora Professora
Possui filhos? Caso Não possui filhos Sim, três filhos.
sim, quantos?
Fonte: os autores.

Podemos perceber que embora seus perfis sejam diferentes na questão


pessoal e familiar, as duas são brancas, com alto nível educacional (pós-graduação)
e exercendo profissões de nível superior com destaque social, sendo ambas
professoras. Passamos a compreender a relação que as duas têm com a política a
partir de suas falas.
A respeito de suas vivências na política, questionamos a trajetória anterior.
Vejamos as falas:

“Como disse, fui cabo eleitoral em uma campanha, casa por casa,
pedindo voto, e foi aquela primeira campanha e meu candidato
perdeu. Eu fiquei muito triste. E após isto eu fui trabalhar numa
empresa de roupas, só que eu sabia que eu tinha que estudar,
sempre gostei muito. Através disso fui fazendo curso técnico em
administração lá no colégio Pedro II, aí depois eu tive vontade de
trabalhar na prefeitura, e consegui ingressar como estagiária sem
indicação. Fui chefe do gabinete do prefeito Luis Renato. (...) E
depois eu fui trabalhar na prefeitura, meu sonho era trabalhar na

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prefeitura, mas eu queria trabalhar no gabinete do prefeito. Eu
entregava o currículo e falava “nossa, não vão me contratar”,
entregava outro currículo e não me contratavam. Aí tinha um senhor
chamado Ademar, eu não me esqueço dele. Entreguei meu currículo
na mão dele, ele achou bacana porque eu tinha muitos cursos,
sempre gostei muito de estudar, tenho quase 200 certificados, duas
pastas completas. Então todo qualquer tipo de curso que poderia me
aperfeiçoar eu estava fazendo. Ele me deu oportunidade, e no outro
dia comecei a trabalhar no gabinete do prefeito (que máximo). Deixei
uma empresa que eu ganhava super bem, para eu poder ganhar 240
reais no gabinete do prefeito, mas eu sabia que eu ia mudar meu
salário, e foi trabalhando que eu consegui muda-lo. (...) Eu dei o
melhor de mim, tinha bastante pontuação na questão de graduações,
eu tenho cinco pós-graduações, estou terminado a quinta agora, e
porque eu fiz disciplinas na UNIOESTE em agronegócio. E após
essa trajetória eu nunca deixei a política, até fiz uma disciplina em
ciências sociais, antropologia, lá na Unioeste, e também fiz
sociologia no ensino médio, porque me interessou muito pela
questão social” (Entrevistada).

Importante mencionar que este é apenas um trecho do relato desta


vereadora, mas já podemos perceber que, embora sendo mais jovem, possui uma
vasta experiência no campo da política, ou, no dizer de Pierre Bourdieu, há um
completo direcionamento de seu habitus e capital cultural para o campo da política.
Importante ressaltar que foi a vereadora mais votada na história de Umuarama, com
1.600 votos, onde podemos considerar a vivência na política como fator
determinante para sua atuação. É possível notar a satisfação da vereadora ao falar
de suas competências, como seus “200 certificados, quase duas pastas completas”.
Entendendo que sua eleição provém de suas habilidades herdadas, diferenciando
sua trajetória de uma candidata “comum”. Quanto a isso, afirma Bourdieu (2014).

A objetivação do capital cultural sob a forma do diploma é um


dos modos de neutralizar certas propriedades devidas ao fato
de que, estando incorporado, ele tem os mesmos limites
biológicos de seu suporte(...) Vê-se claramente, neste caso, a
magia performática do poder de instituir, poder de fazer ver e
de fazer crer, ou, numa só palavra, de fazer reconhecer (p. 86,
grifos no original).

Ou seja, o diploma, confere ao seu portador um valor convencional e


juridicamente garantido no que diz respeito à cultura, produzindo uma forma de
capital cultural que dá autonomia ao seu portador. Podemos perceber que nos dois
casos, o capital institucionalizado na forma de diplomas é uma quebra da barreira de
ser mulher na atuação política, como se a “magia performática” de que nos fala

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Bourdieu consista justamente no “ela é mulher, mas...” a respeito de suas
competências. Vejamos o depoimento da Entrevistada B:

“Na educação eu tinha cargo de direção nas escolas, e de


supervisão nas escolas, então o cargo de diretor também é um
pouco político, e a maneira que eu lidei com a liderança dentro da
educação, houve assim um apelo, “olha, isso que você faz na
educação, tinha que fazer na política”. Isso foi lá em 2006, aí eu
acabei sendo candidata em 2008 em Altônia, que é minha cidade
natal. Quando eu vim para Umuarama depois de ter sido vereadora
lá, que eu cheguei aqui, eles diziam a mesma coisa. Diziam “Nós não
temos mulher vereadora, e você já teve uma atuação como
vereadora e fez um bom trabalho”, porque refletia o trabalho que eu
tinha feito na educação, mesmo em outro município, uma vez que o
núcleo regional é esse, e daí me diziam “você podia ser candidata
aqui, fazer esse trabalho que você faz aqui”. Então sempre estava
envolvida com a questão política dentro da escola. E achava que isso
era uma preparação para estão na política partidária. Então quando
eu cheguei, já fui me filiando” (Entrevistada).

Podemos perceber que há também um habitus voltado para a política, tanto


em sua prática profissional na Educação, quanto a já ter tido a experiência como
vereadora em uma cidade menor também. Essa disposição de tempo ao longo de
um período, incorporou-se em um capital cultural incorporado, tornando-se um
habitus que foi investido por ela, sendo, segundo Bourdieu (2014), “pessoal, o
trabalho de aquisição é um trabalho do ‘sujeito’ sobre si mesmo (fala-se em ‘cultivar-
se’). O capital cultural é um ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo
e tornou-se parte integrante da ‘pessoa’, um habitus” (p. 83). Portanto, sua
experiência como vereadora em uma cidade menor e também como profissional da
educação se tornaram fundamentais para a abertura do espaço da atuação política,
independente dos diplomas inerentes a tais atuações.
A questão partidária é também relevante para compreendermos a situação da
mulher na participação política local, uma vez que esta participação depende da
questão partidária. Devemos considerar a Lei 9.504/97, no artigo 10, §3º, a qual
declara que é necessário em um partido ou coligação ter suas vagas de 30% a 70%
para candidatura de cada sexo, para incentivar a participação feminina na política, o
que faz também com que o jogo partidário seja uma questão de gênero:

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“O meu partido, como tantos outros aqui de Umuarama, a nível de
estado, e a nível nacional, teve mulher que teve um ou dois votos, e
teve partidos também que mulheres não tiveram nenhum voto, o que
é um problema muito sério. E um pouco mais de 9% apenas de toda
população eleita é mulher. Mas na hora da campanha, é mais de
33%, que era o que precisava. Então, qual é a participação da
mulher? Nesse momento ela é muito pequena não só porque não
tem muito espaço para fazer a política, também porque a própria
mulher ainda não está consciente que pode fazer um bom trabalho.
Agora, os partidos proíbem a entrada da mulher? Não. Dão espaço?
Dão. Dão apoio e as condições? Não dão. Agora eu mulher aqui,
sofro algum tipo de dificuldade por ser mulher? Sofro. Confiam
plenamente em mim como se fosse um homem? Não, nem a
população. Tanto é que ficaram os primeiros meses da minha eleição
como presidente dizendo “quem vai mandar é fulano”, porque achava
que por ser mulher, precisa ser mandada por um homem. E diziam
assim: “olha, para uma mulher até está fazendo um bom trabalho (...)
A participação da mulher em todos os setores da sociedade ela é
bem vista em que ela é presente, no entanto, desde que ela não
mande, que ela não tome decisões, ela tem que ser comandada por
um homem para não errar.” (Entrevistada).

Vejamos o posicionamento da Vereadora B, a respeito dos Partidos e sua


relação com o gênero:

“Machista. Até no dia que eu ganhei a eleição eu tive que ouvir “uma
mulher ganhou a eleição e ser tão bem votada? Não dá para
acreditar.”. Na verdade, me colocaram no partido porque acharam
que eu iria tirar muito pouco voto, é verdade. As pessoas não
acreditam nas mulheres. Que elas possam ser capazes, que elas
possam fazer um trabalho bom, que elas têm posicionamento, que
elas têm postura, que elas façam bons projetos, que elas possam
atuar na política. Então, ninguém acredita que a mulher pode ter
esse fator primordial, são muito poucas pessoas. Nem a própria
mulher acredita que ela tem esse potencial. Então é um preconceito
muito grande. Por isso que estou trabalhando na política da mulher.”
(Entrevistada).

Podemos perceber que há um “machismo” que impera no território da política,


especialmente interiorana, que é exercido muito às claras. Patriarcalismo é a cultura
onde o homem é o provedor da economia, sendo dele a responsabilidade de exercer
esse poder, legitimado pela sociedade, tendo em vista, uma sociedade patriarcal,
onde a mulher só é bem vista quando relacionada a “seus” homens, sendo esta uma
violência simbólica explicada por Bourdieu, onde tal função exercida pelo homem foi
legitimado pela sociedade, impondo situações que serão aceitas por ela que a
reconhecerá como legitima a dominação que sofrem, ao mesmo tempo

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desconhecendo tal forca exercida pelos detentores do poder simbólico. Patriarcado,
assim sendo:

É caracterizado por uma autoridade imposta institucionalmente, do


homem sobre mulheres e filhos no ambiente familiar, permeando
toda organização da sociedade, da produção e do consumo, da
política, à legislação e à cultura. Nesse sentido, o patriarcado funda a
estrutura da sociedade e recebe reforço institucional, nesse contexto,
relacionamentos interpessoais e personalidade, são marcados pela
dominação e violência (Barreto, 2004, p. 64).

Ou seja, está inserido na sociedade a perspectiva mesmo que indiretamente e


imperceptível de que o homem é o detentor do poder, legitimando suas ações,
mesmo que essas sejam imposições de valores arbitrários, sendo, portanto, uma
violência tanto física quanto simbólica. Indubitavelmente que essas relações causem
consequências como vemos, uma delas é a dificuldade da mulher se encaixar e
atuar nesse cenário onde o poder do homem é em sua totalidade legítimo, e sendo
assim, os partidos políticos atuam como uma espécie de extensão familiar do poder
patriarcal, atuando apenas por força de lei em relação às candidaturas.

Considerações finais
A participação da mulher na política, tanto nos níveis federal, estadual e
municipal ou local ainda repousa em belos ideais que possuem fortes obstáculos
tanto na sociedade, quanto na organização política brasileira. Tais obstáculos são
desestimulantes e até mesmo hostis para a mulher que queira participar de uma
eleição.
A luz do exposto, pode-se notar que na época atual é naturalizado a divisão
sexual do trabalho, tendo como exemplo a responsabilidade das mulheres no
cuidado pela vida doméstica, da relação entre feminidade e maternidade, devem
entender o que é ser uma mulher política e do que seria sua ação, enquanto mulher
na política. Por essa razão a presença feminina no campo da política é totalmente
enfraquecida, tornando um espaço majoritariamente masculino, apesar da
ampliação da participação feminina nas esferas da sociedade e também o maior
incentivo que tem recebido, o campo da política ainda é um reduto
predominantemente masculino.

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Ainda que através de alguns estímulos como por exemplo a lei 9504/1997 que
pode ter influenciado o aumento desta participação ou até mesmo das candidaturas
não tem sio garantia de uma política igualitária, o crescimento de candidaturas
femininas gera uma expectativa de que a maior oferta de candidatas se traduzisse
em maior número de eleitas, no entanto esse crescimento não se manifesta dessa
maneira.
Assim, a participação da mulher na política é considerada baixa por culpa da
própria mulher que não se interesse, ou porque esta participação está tão
obstacularizada que coloca impeditivos imensos para a mulher. Podemos perceber
que em Umuarama ficou fortemente presente a questão do machismo ou da
objetificação nas falas das vereadoras. Há a percepção generalizada que a mulher
não é valorizada em sua condição feminina nesta cidade.
Por fim este trabalho pretende lançar um olhar diferenciado, conhecer essas
vereadoras que conseguiram se eleger, sua campanha, suas perspectivas em torno
da mulher, e buscar de alguma forma trabalhar com o incentivo das mulheres para
ocupar as várias esferas da sociedade.

Referências
Barreto, M. (2004). Patriarcalismo e o feminismo: uma retrospectiva histórica.
Revista Ártemis, João Pessoa/PB, v. 1, p. 64-73.

Bizzocchi, A. (2016). As muitas faces (linguísticas) da mulher. Blog Diário de um


Linguista. Disponível em: https://diariodeumlinguista.wordpress.com/2016/03/08/as-
muitas-faces-linguisticasda-mulher/, acesso em 20/03/2018.

Bourdieu, P. (2007). O poder simbólico. 10.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

Bourdieu, P. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, M. & CATANI, A.


(org.). 2014. Escritos de educação. 15.ed. Petrópolis/RJ: Vozes. p. 79-88. 2014

Bourdieu, P (2010). A dominação masculina. 8.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

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K. & Engels, F. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa Ômega. Vol. 03.

Haraway, D. (2004). Gênero" para um dicionário marxista: a política sexual de uma


palavra. Cadernos Pagu, Campinas, n. 22, p. 201-246.

Holanda, S. (2016). Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

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Leal e Silva, R. (2016). A mulher na poesia de Hesíodo: por uma reflexão acerca da
opressão de gênero. Revista IF-Sophia, Assis Chateubriand/PR, a. 02, v. 02, n. 09,
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Morais, F. (2012). Aspectos femininos na Representação das mulheres da política


brasileira. Revista Linguagens & Cidadania, v. 14, p. 1-23.

Mota, F. & Biroli, F. (2014). O gênero na política: a construção do “feminino” nas


eleições presidenciais de 2010. Cadernos Pagu, Campinas, n. 43, p. 197-231.

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CAPÍTULO 06 - LAURA DE VISON. A GENEROSIDADE COMO GESTO RADICAL

Paola María Marugán Ricart

Este artigo dá continuidade à pesquisa de mestrado, que realizei na


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)3, sobre as relações de poder na
historiografia da arte, as práticas performáticas e as políticas da memória. Tomei
como referência a investigação de Diana Taylor4, considerando a performance como
uma expressão corporal, que transfere conhecimento na sua realização e neste
sentido, pode ser compreendida como um sistema de preservação e transmissão da
memória. Assim, reconhecer o corpo como um repositório de memória, suporia
valorizar as narrativas orais, os rituais, as performances ou os cantos, como práticas
legítimas para contar as histórias dos povos. A experiência do corpo nessas
expressões, possibilita o acesso a outras formas de conhecer o mundo e descobrir
histórias-outras.
Uma das questões fundamentais nessa pesquisa, consistia em pensar de que
maneiras pode se resgatar o conhecimento derivado das práticas artísticas
corporais, que uma certa Academia não legitima por meio de sua estrutura
(dissertações de mestrado, teses de doutorado, papers, palestras, congressos),
tanto no exercício historiográfico quanto nas políticas de arquivo.
Para Taylor, a performance – enquanto prática que tem o corpo como eixo
principal – não é uma invenção situada na década de 1960 no Norte Global (Europa,
Estados Unidos e Japão), quando nas áreas mais afetadas pela Segunda Grande
Guerra, um pensamento sobre o corpo foi necessariamente desenvolvido no meio
artístico. Esta pesquisadora considera que é possível rastrear práticas performáticas
nas culturas pré-colombianas das Américas, enquanto atos de transmissão de
conhecimento, memória e identidade.
A partir de dois sistemas heurísticos, Taylor desafia o arquivo patriarcal,
enquanto sistema de preservação dos materiais duradouros, que compreende a
performance como uma prática atravessada pela impermanência. Para esta autora,
3
Paola María Marugán Ricart. Transarquivo: uma escrita revolucionária de relatos da história da arte.
2016. 100f. Dissertação (Mestrado em Arte e Cultura Contemporânea) –Instituto de Artes,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
4
Diana Taylor. The Archive and the Repertoire. Performing Cultural Memory in the Americas. Duke:
Duke University Press, 2003.

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o arquivo acolheria os documentos e objetos tais como filmes, fotografias ou textos.
Estes materiais por si mesmos já produzem conhecimento. Aliás, o repertório recria
a memória escrita no corpo vivo, isto é, naquilo que é efêmero, não reproduzível, por
conseguinte, requer da presença dos corpos. O repertório resgata um valor
epistemológico perdido, por meio do corpo, apresentado em forma de música,
dança, narrativas orais...

In between and overlapping systems of knowledge and memory


constitute a vast spectrum that might combine the workings of the
“permanent” and the “ephemeral” in different ways. Each system of
containing and transmitting knowledge exceeds the limitations of the
other. The live can never be contained in the archive; the archive
endures beyond the limits of the live. (Taylor, 2003, p. 173)

A teoria de Taylor refuta a noção de arquivo (sistema encarregado de


preservar e conservar os documentos originais que constroem a história) pelo fato
de fortalecer o controle falocêntrico e colonialista ligado à premissa oculocêntrica de
que tudo aquilo que não é visível ou hospedável em um lugar desaparece.
Com base a esta ideia do repertório de Taylor, decidi investigar sobre a vida
de Laura de Vison, por ser um caso paradigmático de apagamento histórico e
descaso institucional. O corpo de Laura transitava entre dois platôs: Norberto Chucri
David, professor de História do Colégio Capitão Lemos Cunha (na Ilha do
Governador, Rio de Janeiro), e Laura de Vison, artista travesti, primeiro da boate
Casanova e posteriormente do Boêmio, no bairro da Lapa (RJ), onde fez maior
sucesso. O meu interesse no resgate da memória de Laura corresponde a duas
questões: por um lado, a convivência harmônica entre os dois gêneros e, por outro,
a prática artística, que desenvolveu sem nenhuma formação acadêmica prévia, nas
margens dos espaços que legitimam o que é arte do que não é. Ela conseguiu criar
um limiar vital-artístico, que entra em conflito com a domesticação dos corpos e com
a organização dos departamentos e as disciplinas artísticas nas diferentes
instituições culturais. Parece-me que o descaso nos relatos historiográficos
responde a estes desajustamentos normativos, tanto no plano corporal e do gênero
quanto no artístico.
Por este motivo, o corpo-arquivo (o repertório de Taylor) é a base que
sustenta a escrita sobre sua vida. As memórias das pessoas que a conheceram são
os alicerces principais sobre os quais construirei este relato. E não apenas as

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lembranças, mas também os afetos que esses encontros produziram nos corpos, e
que me instigaram a tentar reconstruir um arquivo de vida marcado pela
precariedade, o apagamento e o desinteresse.

Corpos indizíveis: a trans-existência de Laura de Vison


O Boêmio era o único restaurante vegetariano no centro do Rio de Janeiro na
época da Abertura Política, aliás, à noite virava um cabaré de festa, alegria e
liberdade, em que se apresentavam shows das travestis do bairro da Lapa. Laura de
Vison foi a grande super-star desta boate, que reunia a diversidade sexual carioca
do final dos anos oitenta e noventa.
A trajetória artística de Laura deu início na boate Casanova, onde imitava as
grandes divas americanas dos anos setenta como Diane Worrick ou Lizza Minelli.
Uma vez que ela começou a fazer shows no Boêmio, o seu corpo foi se
transformando, adquirindo uma proporção enorme e uma força que até chocava
profundamente à plateia. A partir daqui ela trouxe para o palco elementos caricatos,
de risos e choque. O corpo de Laura era dissonante não pelo fato de ser gordo, mas
por aquilo que conseguia atingir com ele.
Laura se enunciava enquanto uma drag-travesti-transformista, mistura de
homem e mulher. Nunca colocou silicone nos peitos, porém foram os hormônios que
aumentaram o tamanho deles enormemente. No documentário “Laura, Laura”5
explica de que modo o palco a definiu. A reação do público foi transformando sua
prática adquirindo um viés mais escatológico: mostrava a piroca, jogava líquido pelo
cu, urinava, comia fígado, miolo de boi ou linguiça no rabo, fazia strip-tease. Uma
vez, cagou em cena e esfregou a merda na cara. O público permaneceu tão
chocado que ela disse que era chocolate, mas não acreditaram por causa do cheiro.
“Deixei de ser light para ser essa Laura pornográfica” – afirmou a artista no filme.
Em uma conversa com Marco Antônio, amigo de Laura e assistente fiel do
Boêmio, contava de que maneira o corpo de Laura e suas práticas no palco o
impactaram profundamente.

5
Filme documentário “Laura, Laura” dirigido por Claudio Dias G. 27’. Cor. Ano desconhecido.

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Eu cheguei no Rio de Janeiro em 1987. Sou de Minas Gerais. O
primeiro contato com uma boate gay no Rio de Janeiro foi no Boêmio
Cabaré, onde a Laura se apresentava. Eu me lembro subindo as
escadas a primeira cena que eu vi foi a Laura cantando “Vaca
profana”. Era o momento exato em que ela estava colocando nos
peitos os barbantes. Aquela cena me impactou profundamente. Era
quase uma epifania. Me deu um sentido de verdade, aquele dia, de
possibilidade de expressão. Eu nunca esperei ver um corpo daquele
com tanta força, com tanta potência de ser, de agir, de existir ali. E
afetando a tanta gente, porque todo o mundo pulava, todo o mundo
ria... Era uma catarse a cena final que ela fazia desse espetáculo6.

Os shows de Laura eram muito generosos, no sentido de ela criar um contato


próximo com o público. Eis, uma quebra fundamental na concepção de sua prática
artística, respeito das artes cênicas tradicionais, inserida em diferentes genealogias
tais como a arte travesti brasileira ao longo do século XX7, as experiências do teatro
coletivo na década de 19708 e as artistas de performances9 nos anos oitenta no
Brasil. O palco fazia parte da vida e vice-versa. E é por causa disto que a
experiência performática foi transformadora tanto para a artista quanto para a
plateia.

Figura 1: Laura de Vison comemorando seu aniversário

Fonte: Gentileza de Bruno Dias. Arquivo da família

6
Entrevista com Marco Antônio Pinto de Souza no dia 24.08.2016. Agradeço enormemente Marco
Antônio pela generosidade, disponibilidade, o amor, a amizade e o presente maravilhoso que ganhei
de Norberto Chucri.
7
As pioneiras do século XX foram Fátima Miris e Leopoldo Frégoli. Outras artistas são Gretta Star,
Michelly Summers, Divina Valéria, Claudia Celeste, Jane di Castro, Divina Aloma, Cláudia Wonder...
8
Teatro Oficina, Vivencial Diversiones, Dzi Croquettes…
9
Márcia X, Alex Hamburguer, José Roberto Aguilar, Aimberê Cesar, O Gang Pornô, entre outras…

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Os espetáculos de Laura encontravam-se entre o cabaré (no fato de serem


apresentados em um teatro à italiana) e a performance. Eram um “aqui e agora” sem
ensaio prévio. Laura nunca se formou em escola de artes cênicas; sua prática
artística foi adquirindo forma a partir da experiência própria da vida. A performer,
pesquisadora e professora da UFRJ Eleonora Fabião, no artigo “Programa
performativo: o corpo-em-experiência”10 se pergunta “como se preparar para
performar?” A resposta não é outra que “vivendo a vida”.
A conexão com a plateia sempre se dava de forma pejorativa, porém com
profundo amor e carinho ao mesmo tempo. Quando esse corpo indizível entrava no
palco para fazer um strip-tease, o público gritava “Baleia! Dragão!” E Laura
respondia com algum palavrão, pedindo desculpas logo seguida. O espetáculo não
era apenas unidirecional, mesmo as pessoas não tinham certeza, o show acontecia
dentro e fora do palco, retroalimentando as duas cenas. Essas reações afetaram e
transformaram sua prática, desenvolvendo uma série de habilidades que colocavam
em xeque as bonnes manières das artes cênicas burguesas. Sua prática operava
como um verdadeiro dispositivo de enunciação anal. O emprego da urina, da merda
e dos órgãos de animais crus defrontava a permanente obsessão pela limpeza da
nossa sociedade. A carnavalização do ânus foi a maneira de afastar-se de uma
civilização obcecada pela higiene. Sujeitar o cu é sujeitar o sujeito à civilização –
como afirmou Bataille.
A palavra “sujeito” significa literalmente estar sujeitado à linguagem, os
códigos sociais, os desejos, as formas de amar. O exercício do poder é
individualizante e homogeneizante. Ele molda os corpos para fazê-los dóceis e
produtivos para o sistema. Entretanto cabe perguntar-se, de que maneira os sujeitos
resistem ao exercício do poder? De que formas essa resistência pode ser
expressada em um sentido ético? Como aponta Foucault na entrevista de 1995
intitulada “O que é a crítica?”11, o sujeito se atribui o poder de exercer a crítica para
negar as verdades dogmáticas, abrindo linhas de fuga nos múltiplos discursos que o
conformam.

10
Eleonora Fabião. Programa Performativo: o corpo-em-experiencia. ILINX Revista do Lume, Núcleo
Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da UNICAMP: #4, 2013.
11
Michel Foucault. ¿Qué es la crítica? (Crítica y Aufklärung) em Revista de Filosofia, nº 25, 1995. <
http://revistas.um.es/daimon/article/view/7261/7021> Último acesso: 19.04.2018.

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Nesse sentido, compreendo que a trans-existência de Laura é em si mesma o
exercício da crítica foucaltiana, enquanto corpo desobediente que abre outros canais
vitais, intensificando as políticas do prazer e dos afetos. Essa vida em trânsito entre
Laura de Vison e Norberto Chucri estende os limites do que pode ser pensável no
regime heteropatriarcal, isto é, esse ensaio de mundo é a possibilidade de esticar os
limites das instituições que produzem verdade.
Portanto, a trans-existência seria um espaço heterogêneo atravessado por
uma multidão de subjetividades e corpos indizíveis, que inscrevem formas de vida
não reduzíveis ao binarismo genérico. Aquilo que as travestis, lesbianas,
transexuais, drag queens, drag kings têm em comum é uma concepção materialista
e contingente do corpo, identidade, gênero e sexualidade. O filósofo e ativista
argentino Mauro Cabral, em “La paradoja transgénero”, afirma:

La transgeneridad constituye un espacio por definición


heterogéneo, en el cual conviven – en términos no sólo dispares,
sino también enfrentados – un conjunto de narrativas de la
carne, el cuerpo y la prótesis, el deseo y las prácticas sexuales,
el viaje y el estar en casa, la identidad y la expresión de sí, la
autenticidad y lo ficticio, el reconocimiento y la subversión, la
diferencia sexual y el sentido, la autonomía decisional y la
biotecnología como instrumento que es, a la vez, cambio de
batalla. Es, por lo tanto, un espacio atravesado por una multitud
de sujetos en dispersión. (Cabral, 2003, p. 1)

Para Cabral, a transgeneridade, enquanto sinônimo de contingência, é uma


máquina de guerra biopolítica que, embora reconheça um legado próprio nas
tradições feministas, provoca tensões com a categoria “gênero” – compreendida
como uma construção social de homens e mulheres, colocando em xeque a
normatividade hetero- e homossexual. Portanto, essa indizivilidade existencial é a
grande perturbadora de uma sociedade falicamente organizada.
Assim, a trans-existência de Laura e sua prática artística podem ser
compreendidas como um jogo subversivo de desconstrução dos significados, por
meio da invenção de identidades em trânsito que extrapolam qualquer rigidez
categorial. Ela foi uma desestabilizadora profissional tanto no plano vital quanto
artístico. Eleonora Fabião aponta:

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O performer age como um complicador, um desorganizador; cria
para si um Corpo sem Órgãos ao recusar a organização dita
“natural”, organização esta evidentemente cultural, ideológica,
política, econômica. Um performer pergunta sobre capacidades e
possibilidades do corpo, sobre pertencimento, exclusão, mobilidade,
mobilização”. (Fabião, 2013, p. 6)

Essa desorganização do conjunto de símbolos, que conformavam a


sociedade heteropatriarcal brasileira, se dava pela produção de subjetividades
baseadas nas políticas do desejo, entendendo desejo como a força de
transformação política no âmbito da micropolítica.

A generosidade como gesto radical


Enquanto que a trans-existência de Laura foi explicitamente subversiva, sua
prática artística não enfatizava um discurso crítico. Seu engajamento político se
dava no deslocamento semiótico do conjunto de símbolos da sociedade, por meio do
humor, do deboche, da fantasia e do absurdo, como já frisei, um fazer reconhecível
na história da arte transformista brasileira.12 Para Marco Antônio, o viés de Laura era
trazer uma leveza para o palco (e para a vida!) por meio de uma generosidade em
uma estética pouco aprovada e com um comportamento pouco aceitável. Nunca
teve uma questão política no sentido panfletário, porém era um discurso de alegria e
coletividade. A pesquisadora Lúcia de Oliveira Santo propus o conceito de grotesco
como lente de análise para os espetáculos de Laura.

O grotesco como algo vivido, como um lugar de estranhamento, é


diferente da definição de um estilo grotesco como manifestação
estética (...) Mas o grotesco nos convida justamente ao
estranhamento do que se tornou comum, da nossa própria vida. Este
estranhamento do banal ocorre aqui pela via do exagero, do excesso
e da exacerbação (...) O grotesco como sensação vivida é um entre,
como no show de Laura de Vison. (...) O grotesco não é imagem fixa
que quer falar de algo que é o mesmo. O grotesco cria, provoca o
estranhar. É um momento, uma vivência possível dos limites da vida
e da cultura. (De Oliveira Santo, 1995, p. 87)

Da conversa com Marco Antônio tomei a palavra generosidade para


estabelecer as articulações entre os diferentes platôs de sua vida: a prática artística,

12
Matheus Remom Bortolozzi. “A Arte Transformista Brasileira: Rotas para uma genealogia
decolonial” in Quaderns de Psicologia, vol. 17, n. 3, pp. 123-134, 2015.

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a pedagogia, o compromisso com quem foi sua família, o engajamento com os
travestis da Lapa. Por meio da generosidade, Laura desenvolveu uma arte ativadora
de sentidos, afetos e alegria, do mesmo modo que Norberto levou para as aulas
outras formas de comunicação com os estudantes através do corpo. Neste sentido,
sua obra / sua trans-existência inscreve-se no campo das ações micropolíticas.
Norberto Chucri David nasceu em Minas Gerais. Sua família é de
ascendência libanesa. Durante a infância sofreu o heteroterrorismo13 na escola e na
juventude negou sua homossexualidade. Queria ser padre, mas não conseguiu
entrar no seminário. O corpo andrógino de Norberto também sofreu a
incompreensão das mulheres de sua família e por causa disto, migrou para o Rio de
Janeiro, onde se formou em Filosofia e Letras na Universidade Federal (UFRJ).
Norberto trabalhou como professor de história durante 17 anos em uma escola da
Ilha do Governador, até que foi expulso pelo homossexualismo. Gostava de
representar os fatos históricos nas aulas. Os estudantes aprendiam se divertindo.
Norberto se vestia de Joana de Arco e de Cleópatra para explicar encenando os
relatos da história. Os alunos adoravam, mas parece que o diretor da escola teve
vários conflitos com esse tipo de proposta pedagógica. Entrei em contato com Cesar
Netto, estudante de Norberto entre 1975 e 1976. Suas lembranças das aulas são
estas:

Bom, professor Norberto era um excelente professor de história,


sempre muito entusiasmado com o ensino da disciplina. Falava de
história, seguindo os livros didáticos com correção, mas acima de
tudo com empolgação. Era uma oratória cênica, que despertava em
mim a imaginação. Não haviam recursos instrucionais avançados,
nem tecnológicos. Era quadro verde e giz. Dai ele eventualmente
lançava mão de dinâmica teatrais com os alunos em sala de aula.
Dividia os alunos em grupos para encenarem uma parte do conteúdo
já dado anteriormente. Para nós crianças era uma oportunidade de
aprender brincando... Quer melhor? Era sensacional. (…) Tinha uma
fala pausada, educada e delicada. Acho que foi o primeiro gay que
conheci na vida. Admirava aquele professor tão correto, inteligente e
que tratava os alunos com tanto respeito14.

Norberto desenvolveu uma pedagogia baseada no corpo como um todo,


quebrando com o dualismo cartesiano e compreendendo que o conhecimento passa

13
Heteroterrorismo é um conceito acunhado por Bento, B. Na escola se aprende que a diferença faz
diferença. Revista Estudos Feministas, n. 2, vol. 19, Universidade Federal de Santa Catarina, 2011,
pp. 549-559.
14
Entrevista por e-mail no dia 24.02.2016.

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pelas diferentes dimensões sensoriais do corpo. Embora ele usava o teatro como
elemento de ensino, sua pedagogia não era transgressora no sentido do conteúdo.
O discurso que apresentava se inscrevia na didática da ditadura. No caderno que
Norberto usava para as aulas não colocava os portugueses como invasores. A
matéria de história era dada conforme aquilo que estava nos livros aprovados pela
ditadura.

Figura 2: Norberto Chucri David

Fonte: Gentileza de Bruno Dias. Arquivo da família

Norberto morou no bairro carioca da Glória com quem foi sua família, Jorge,
Maria e Bruno15. Ele gostava de cozinhar. Todo domingo cozinhava para a família
(os parentes de Maria, os tios e os primos de Bruno). Maria foi a grande
companheira de Laura. Antes de morrer, Laura contraiu matrimônio com Maria para
não deixar perder sua herança e ajudar as pessoas que ela amou e a
acompanharam durante a vida. Marco Antônio sublinhou no nosso encontro, “se eu
tivesse que definir Laura numa única palavra de todas, que poderia dizer oitenta, eu
colocaria generosidade. Acho que é a palavra mais possível. Do corpo dela para
com os outros e da vida dela. Laura se deu inteira”.
No Boêmio, ela tinha um carinho muito grande pelas travestis que estavam
começando. Era um carinho de proteção maternal entre mãe e filhas. Laura

15
Meu agradecimento especial a Bruno Dias pelo tempo dedicado, pelas conversas e pelo material de
arquivo compartilhado, pelo qual ampliei o meu conhecimento sobre a vida de Laura.

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protegeu as travestis novinhas que chegavam na boate e as ensinava nesses
fazeres. Marco Antônio conta que quando uma das travestis da Lapa faleceu de
AIDS, o corpo não podia ser enterrado por causa da falta de dinheiro para fazer a
cerimonia. Laura decidiu passar uma sacolinha, após do seu show, para as pessoas
da plateia contribuírem. Felizmente conseguiram o necessário para dar sepultura
dignamente essa travesti.
Laura de Vison sempre esteve nas margens do que foi o chamado teatro das
bonecas. O seu corpo não se inseria nos padrões de beleza exigidos pelo mercado.
Aliás, o valor de Laura foi exatamente sua trans-existência. Ela não precisava se
mostrar para ninguém. Como apontou Marco Antônio, “ela não transgredia a Laura,
ela não afirmava a Laura, ela dava Laura!”. O gesto era bastante diferente respeito
das travestis artistas do circuito teatral do Rio de Janeiro. O gesto de generosidade
era radical. E essa generosidade ativava a dimensão afetiva transformando as
pessoas que passaram por sua vida.

Figura 3: Nota de imprensa do filme Mamãe Parabólica

Fonte: Gentileza de Bruno Dias. Arquivo da família

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São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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Além dos shows do Boêmio, Laura trabalhou fazendo cinema e televisão. Foi
a atriz protagonista do filme “Mamãe Parabólica” de Ricardo Favilla (1989),
ganhando o prêmio de melhor atriz no festival de cinema de Brasília. Realizou uma
colaboração no filme “Os bigodes da Aranha”, de Marisa Álvarez Lima (1991). Em
1986, foi convidada para participar no documentário “A calada da noite”, de Paulo
Halm e Luiz Arnaldo Campos, em que aparecia sentada em uma poltrona na sua
casa, dando um depoimento sobre a passagem de Norberto para Laura16.
Durante a escrita deste artigo compreendi que o corpo é um arquivo de
distintas temporalidades e pertence à ordem dos sentidos. Cada entrevista, cada
conversa (dentro e fora dos microfones) ativou as memórias vivas dos corpos (o
repertório de Taylor) – a alegria, os risos, o cheiro das comidas, o nojo, a liberdade,
os conselhos, o cuidado, o amor, as noites de sexo e bebedeira. Os encontros com
Marco Antônio, Bruno Dias, Maria – a mãe de Bruno, Cesar Netto, Jorge Caê
Rodrigues me afetaram profundamente, na tentativa de compreender essa
personagem complexa que foi Laura de Vison. Por meio dessa afetação consegui
desenhar uma primeira cartografia polifônica de sua vida. Esta escrita é um arquivo
de afetos.
Laura de Vison faleceu em 2007. Onze anos depois, a escola de samba
Estação Primeira de Mangueira desfilou no carnaval do Rio de Janeiro, levando
nossa querida Laura em uma das carroças, no que foi um dos carnavais mais
críticos dos últimos tempos, contra o presidente golpista Michel Temer e suas
políticas de estado violentas, racistas e antidemocráticas.

16
O filme encontra-se na biblioteca da Escola de Comunicação da Universidade de São Paulo
(ECA/USP). Aliás, as condições do VHS não me permitiram escutar o depoimento.

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Figura 4: Laura de Vison na carroça Estação Primeira de Mangueira, Carnaval 2018

Fonte: Gentileza de Bruno Dias e Fernanda Sena

Referências

Bortolozzi, Remom. Matheus. (2015). A Arte Transformista Brasileira: Rotas para


uma genealogia decolonial. Quaderns de Psicologia, v. 17, n. 3, p. 123-134.

Cabral, Mauro. (2003). La paradoja transgénero.


<https://programaddssrr.files.wordpress.com/2013/05/la-paradojatransgc3a9nero.
pdf > Último acesso: 04.04.2018.

De Oliveira Santo, Lúcia. (1995). Laura de Vison. Uma cena grotesca. Opercervejo,
Departamento de Teoria do Teatro – Escola de Teatro – UNI-RIO, ano III, n. 3, p. 85-
87.

Fabião, Eleonora. (2013) Programa Performativo: o corpo-em-experiencia. ILINX


Revista do Lume, Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da UNICAMP, n. 4.

Foucault, Michel. (1995) ¿Qué es la crítica? (Crítica y Aufklärung). Daimon Revista


Internacional de Filosofia, n. 11, p. 5-25.

Taylor, Diana. (2003). The Archive and the Repertoire: Performing Cultural
Memory in the Americas. Duke: Duke University Press.
.

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São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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CAPÍTULO 07 - TURISMO E DESENVOLVIMENTO: O PROTAGONISMO
FEMININO EM COLÔNIA WITMARSUM, PALMEIRA/PR - BRASIL

Carla Caroline Holm


Poliana Fabíula Cardozo

Sabe-se que existem desigualdades múltiplas relacionadas à participação de


homens e mulheres na tomada de decisões e isto se dá pela forma com que a
sociedade está culturalmente dividida (Bourdieu, 2002). Ao longo dos anos, a
relação de dominação que a mulher sofre pelo homem se apresenta nos mais
diversos ambientes: se estende às relações familiares, sociais, de trabalho, políticas,
etc e lutas por mudanças neste cenário vem sendo empreendidas tendo como
resultados alguns pequenos avanços, de modo que pouco a pouco as mulheres tem
sido mais valorizadas e vem conquistando espaços outrora lhes negado.
No meio rural brasileiro estas desigualdades, lutas e avanços não são
diferentes, isto porque a partir da década de 1970 o campo passou por
transformações e o papel feminino ganhou novos contornos e funcionalidades
(Lunardi, 2010). Com estas mudanças, a mulher que antes era vista como
responsável pelo lar, passou também exercer o papel de trabalhadora da terra, pois
auxiliava no cotidiano do campo e contribuía na execução da atividade que gerava
renda para a família. Isto não quer dizer que ela passou a fazer parte da tomada de
decisões no âmbito do trabalho, pois seu labor era visto apenas como auxiliar e não
fundamental para que a atividade tivesse êxito.
Com o passar dos anos e posterior a este momento de figura auxiliar, ela
ganhou independência e passa agora a ser empreendedora em diversos setores no
meio rural, tornando as propriedades pluriativas e capazes de destaque em
atividades não necessariamente relacionadas ao labor com a terra ou animais, como
é o caso do turismo, por exemplo.
Tendo por base este cenário de desigualdade, resistência, luta e superação
no que diz respeito à figura feminina do campo brasileiro, este estudo teve como
objetivo central demonstrar o papel das mulheres no desenvolvimento do turismo
em Colônia Witmarsum, uma comunidade localizada no município de Palmeira/PR
cuja principal atratividade relaciona-se a elementos culturais e naturais que são
ofertados para os visitantes desde o início dos anos 2000 (Holm, 2015).

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Apesar de ser uma pesquisa qualitativa, não foram deixadas de se considerar
informações quantitativas, buscando desta maneira mensurar a proporcionalidade
de participação por gênero dos/as sujeitos/as no desenvolvimento da atividade
turística local. Foram utilizadas diferentes técnicas na construção desta pesquisa,
entendendo que a partir da combinação delas era possível obter informações
variadas e assim a análise poderia ser feita de maneira mais completa e
aprofundada, levando à melhor compreensão do papel exercido pelas mulheres no
que diz respeito ao desenvolvimento do turismo na referida comunidade.
Sendo assim, somou-se a revisão bibliográfica à observação e inventariação
in loco e entrevistas com os/as gestores/as de cada um dos empreendimentos
levantados. A partir destas noções, a análise se deu por meio de emparelhamento
teórico-prático, sendo possível com isto responder ao problema inicial identificado, a
saber, qual é o papel das mulheres na organização e desenvolvimento de Colônia
Witmarsum quando se trata da atividade turística?

O meio rural a partir dos anos 1970: crise ou oportunidade?


As comunidades rurais sempre foram responsáveis pelo desenvolvimento de
atividades ligadas à agropecuária sustentando as necessidades da sociedade de
modo geral; todavia percebeu-se que ficou cada vez mais difícil para pequenos/as
produtores/as manterem-se no mercado com a oferta destes produtos do campo em
virtude da existência de grandes propriedades que, com suas áreas produtivas,
tornaram-se capazes de atender as necessidades da sociedade de maneira
satisfatória. Diante de tal panorama, diversificar o uso do campo e as atividades a
ele relacionadas fez-se imperativo para os/as pequenos/as produtores/as rurais.
A crise na agropecuária nacional, marcada nos anos 1970, fez com que as
pequenas propriedades se utilizassem da matéria-prima já existente para o
desenvolvimento de outras atividades e, evitando o êxodo rural, muitas delas
escolheram o turismo como negócio secundário e/ou complementar (Tulik, 2010). O
turismo em cenários rurais é uma atividade considerada ainda recente no Brasil,
mesmo que tenha iniciado neste contexto de crise da década de 1970, e a iniciativa
foi pioneira em Lages (SC). Em virtude da crise de um lado e do sucesso da
experiência de outro, a prática rapidamente se espalhou por todo o país e formou-se
a partir daí um novo nicho no mercado nacional.

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Tulik (2010) afirma que o turismo em ambiente rural consiste no
aproveitamento do conjunto de componentes existentes neste espaço (culturais e
naturais), pois a atividade baseia-se no conjunto de interações entre o/a visitante e o
cotidiano do local visitado por meio de atividades que não fujam desta realidade.
Sabendo disso, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério do
Turismo (MTUR) consideram que o turismo no contexto rural é uma ferramenta que
auxilia na conservação ambiental e valorização da cultura camponesa.
Promover desenvolvimento para as localidades em que o turismo se insere é
o objetivo principal dos/as agentes envolvidos com a atividade (organismos públicos
e privados do setor ou que a ele estão indiretamente relacionados) e tal busca se dá
tendo em vista que o turismo é um fenômeno social, mas baseado também em
características ambientais e econômicas. Sendo assim, conseguir equilibrar estes
elementos ao longo do processo de planejamento e operacionalização da atividade
é um desafio para aqueles/as que a ela estão relacionados/as.
O desenvolvimento, entretanto, só pode ser assim considerado quando há
melhora nas condições de vida das pessoas de dada localidade, não se baseando
apenas sob a perspectiva econômica, conforme aponta Souza (2005), e pensando
nisso, o turismo se inseriu como uma atividade alternativa que busca integração de
fatores socioculturais, ambientais e econômicos com a totalidade de agentes que
serão afetados/as pelas transformações advindas de tal prática.
Para Swarbrooke (2000) o turismo rural é desenvolvido a partir do emprego
da mão de obra local, divulgação de produtos e serviços característicos deste meio,
bem como de práticas características destas realidades; oferecendo ao visitante o
contato com a natureza e cotidiano dessa comunidade. Em Tulik (2010) é possível
perceber as contribuições desse segmento para as comunidades que o praticam,
tais como: valorização cultural; melhoria na infraestrutura de apoio; renda extra ou
surgimento de novas fontes; conservação ambiental; inserção de sujeitos no
mercado formal de trabalho; oportunidade para os/as jovens dessas realidades
evitando o êxodo rural; reorganização do espaço rural; bem como aumento na rede
de interações entre visitantes e visitados/as, proporcionando por meio disso uma
experienciação turística diferenciada.

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O papel da mulher na estruturação e oferta do turismo rural
Com estas mudanças citadas, a realidade do mercado de trabalho no/com o
campo – dividida em produtiva e reprodutiva - também sofreu transformações, isto
porque a agropecuária deu espaço para o surgimento de novas atividades e os
papéis socialmente definidos e desempenhados por homens e mulheres também
deram espaço para novos significados. Bruschini (2007) aponta que o trabalho
produtivo é todo aquele capaz de gerar renda/lucro e é por meio dele que é capaz
dos sujeitos manterem-se no sistema capitalista vivido na atualidade; para a autora,
o trabalho reprodutivo, por sua vez, é aquele que se relaciona às atividades
domésticas não remuneradas, cuja importância está na organização da vida em
família e sociedade, mas economicamente não influencia no mundo do capital.
A definição de quem realiza cada uma destas funções não se dá pela
condição física, social ou econômica dos sujeitos, mas tem se dado por uma
construção histórico-cultural na qual cabe ao homem ocupar a função relativa ao
trabalho produtivo e à mulher o desempenho do trabalho reprodutivo (Bourdieu,
2002). Com esta clara divisão, às mulheres (frágil e delicada) foi historicamente
delegado o papel de cuidadoras do lar e tudo o que a ele está relacionado, enquanto
que ao homem (forte e destemido) cabe o desempenho de funções externas, que
garantem o sustento dos lares. Sendo esta última considerada uma atividade mais
forçosa, perigosa e que exige mais daqueles que as desempenham, também a ela é
atribuída maior valorização, ficando delegado ao homem o papel de gerador de
renda e chefe provedor da família.
Com as mudanças sofridas ao longo dos anos, os papeis desempenhados por
homens e mulheres também ganharam novos significados. Os momentos de crise
incentivaram as mulheres a ganhar o mundo do trabalho produtivo e junto de seus
companheiros elas passaram a desempenhar atividades externas ao lar, capazes,
portanto, compor a renda familiar (Bruschini, 2007). Contudo, esta inserção da
mulher no mundo do trabalho não garantiu equidade nas funções desempenhadas
ou remuneração adequada pelo serviço desenvolvido, isto é, ainda que a figura
feminina tenha ganhado uma nova importância social, ainda há disparidade quando
se compara à figura masculina e mesmo as mulheres desempenhando atividades
produtivas, sua valorização não é tida como igual perante à organização patriarcal
da sociedade.

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No campo, tal cenário não é diferente. A agricultura sempre foi vista como
atividade predominantemente masculina e responsável pela manutenção da família;
todos os demais trabalhos desempenhados que não relacionados a ela, não
recebem a devida valorização econômica e social. Ainda que tenha havido uma crise
no setor, as atividades alternativas surgidas a partir disso, muitas vezes são vistas
como complementares e nunca como a principal fonte de renda das famílias. O
papel da mulher também raramente é central, pois ainda que ela atue juntamente na
lida com a terra ou animais, seu esforço é visto como subsidiário ao homem
(Lunardi, 2010). Mesmo que ela esteja à frente de alguma atividade, o status ou
reconhecimento nunca se dá de forma igualitária.
Com o surgimento do turismo no meio rural, este cenário lentamente vem se
transformando, isto porque inicialmente a atividade foi vista como provisória ou
alternativa de renda num momento de crise, mas aos poucos vem se consolidando
no mercado econômico e ganhando importância no que diz respeito à geração de
emprego e renda para as famílias do campo. Nader (2013) descreve que quando a
mulher sai de casa e ganha o mundo produtivo, há também uma mudança nos
padrões culturais e na redefinição da identidade feminina no que diz respeito à sua
relação com o trabalho.
Tulik (2010) aponta que o turismo no espaço rural é uma atividade
predominantemente feminina, isto porque inicialmente era visto como uma extensão
do trabalho doméstico. Com a estruturação da atividade e profissionalização das
prestadoras de serviço, aos poucos ela passou a ser vista como produtora de renda
e capaz de sustentar lares da mesma maneira que a agropecuária fazia até então.
Isto não quer dizer que a lida no campo perdeu importância, quer dizer
apenas que a diversificação econômica ocorrida permitiu que fossem atribuídos
novos significados à figura feminina e masculina no meio rural e Luvizoto (2010, p.
254) vai ao encontro deste posicionamento ao afirmar que “o turismo rural se
consolidou como atividade econômica/produtiva principal, o que não significa que a
agricultura deixou de ter sua importância (...)”.
A inserção da mulher no mercado de trabalho relacionado ao turismo
assegura uma revalorização feminina e também o reconhecimento do trabalho
desempenhado por elas; pois o trabalho reprodutivo agora tornou-se produtivo e a
renda gerada por meio dele também é capaz de assegurar o sustento dos lares do
campo.

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São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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O empoderamento feminino em Colônia Witmarsum a partir da atividade
turística
Na primeira metade do século XX o Paraná recebeu levas de imigrantes que
foram orientadas para o povoamento da região e também para a mudança no
cenário de estagnação econômica até então vivenciado (Balhana, 1996; Wachowicz,
2001). Com vocação agrícola, o estado recebeu grupos de imigrantes que, a partir
das suas chegadas, dedicaram-se ao cultivo da terra e com isto fortaleceram a
economia paranaense.
Dentre os vários grupos que imigraram para o Paraná, como italianos,
poloneses, holandeses, ucranianos, apenas para exemplificar, chegaram em
Palmeira (figura 01) os alemães menonitas17. O grupo originou-se na região de
Dantzing que na época era território da Alemanha e em razão disso, desde a sua
formação, carregaram consigo traços da cultura alemã no que diz respeito às
manifestações tanto materiais quanto imateriais do patrimônio (Pauls, 2010; Holm,
2015).

Figura 01: Localização de Colônia Witmarsum

Fonte: Soares, Löwen Sahr, 2016, acesso em abr/2018


17
Grupo sócio-religioso formado a partir da Reforma Protestante ocorrida no ano de 1500 na
Europa. Os princípios defendidos por Menno Simon (um dos pioneiros do movimento anabatista e
líder do grupo que deriva do seu nome) era a separação entre Estado e Igreja, havendo
independência religiosa sem que isso afetasse a vida em sociedade. Fazem parte do histórico deste
momento separatista também grupos liderados por Martinho Lutero e Calvino, que deram origem aos
luteranos e calvinistas, respectivamente. (Pauls, 2010; Holm, 2015).

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Holm (2015) conta que os menonitas chegaram no país na década de 1930 e
primeiramente foram alocados em Santa Catarina. Como tinham como principal
habilidade laboral o cultivo da terra e não sendo o solo daquela região fértil e
produtivo, eles reimigraram para o Paraná, uma vez que as terras mostravam-se
mais apropriadas para o trabalho agropecuário. Compraram terras a cerca de 60Km
de Curitiba e se estabeleceram então com a criação de uma cooperativa leiteira que
caracterizou-se como a principal atividade econômica local até o final dos anos 1990
(Kloster, 2013; Soares, 2013; Holm, 2015).
Como a crise no setor agropecuário já se estendia por alguns anos, em 2000
foi necessário diversificar as fontes de renda, e surge então o turismo como
atividade produtiva de várias famílias daquela localidade. Conforme a realidade
explorada por Tulik (2010) e já mencionada aqui, o turismo surgiu na comunidade a
partir da iniciativa feminina, pois tendo intimidade com o cotidiano doméstico, as
mulheres transformaram suas práticas reprodutivas em atividade remunerada,
colaborando assim com a receita das famílias a que pertenciam.
Tomando por base esta realidade, buscou-se por meio de uma inventariação
turística saber em que estava apoiado o turismo de Colônia Witmarsum e, conforme
demonstra o quadro 01, percebeu-se que há uma diversificação do setor.

Quadro 01: Oferta turística da comunidade e gênero responsável por sua manutenção
Equipamento Quantidade Gênero
Café colonial 4 4 mulheres
Restaurante tradicional 5 5 mulheres
Meios de hospedagem 4 4 mulheres
Estabelecimentos de 3 2 mulheres + 1 homem
lazer
Centros de compras 7 6 mulheres + 1 homem
Bares/petiscarias 6 3 mulheres + 3 homens
CAT18 1 -
TOTAL 30 empreendimentos 80% feminino
Fonte: Organização das autoras, 2018.

18
Centro de Atendimento aos Turistas que é um equipamento coletivo gerido por membros da
comunidade, cuja equipe é elegida e modificada a cada 2 anos.

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A partir do exposto, nota-se que a oferta turística da comunidade é gerida
predominantemente pelas mulheres de Colônia Witmarsum e, ainda que a atividade
seja relativamente recente no local, há uma diversificação na oferta de
equipamentos turísticos, demonstrando assim que eles têm condições de atender as
necessidades dos/as visitantes. Sabendo que a atividade hoje é a segunda principal
fonte de renda das famílias estabelecidas na Colônia, buscou-se saber como ela
teve origem e como o turismo tem sido visto como uma atividade produtiva no local.
Com base nestas inquietações, foram realizadas entrevistas com os/as
empreendedores/as locais já apontados no quadro anterior e baseando-se em um
roteiro semi-estruturado, os temas que conduziram estes encontros foram: o
histórico do turismo na comunidade; origem do equipamento; perfil da equipe de
trabalhadores/as do equipamento; e que importância a atividade tem no núcleo
familiar do/a gestor/a.
Foi consenso entre os/as entrevistados/as que o turismo surgiu como uma
atividade alternativa para o enfrentamento da crise agropecuária local; como a
comunidade tinha um intenso fluxo de comerciantes de gado leiteiro e produtos de
laticínio, percebeu-se que muitas vezes estes comerciantes não tinham onde se
alimentar e/ou pernoitar quando as negociações demoravam para se concluir junto à
cooperativa local. Para suprir esta demanda é que foi criada a primeira pousada na
Colônia. A empreendedora conta que, ainda que com instalações precárias e sem
saber ao certo como isto seria visto pelos/as demais moradores/as, ela resolveu
arriscar a oferecer pouso para aqueles negociantes e tendo havido uma rápida
adesão deles, ela percebeu que o negócio poderia ser lucrativo se melhor planejado
e estruturado.
Paralelo a esta iniciativa, um produtor local comentou do surgimento da
pousada com sua esposa e ela animou-se com a perspectiva de explorar
comercialmente suas habilidades culinárias. A partir de então, a senhora montou um
pequeno café, buscando suprir a necessidade de alimentação dos comerciantes que
chegavam no local e, igualmente ao primeiro empreendimento, houve uma rápida
adesão do público e também apoio dos/as moradores/as.
Destas duas iniciativas, empreendidas pelas mulheres da comunidade, o
turismo começa a ser organizado em Colônia Witmarsum e aos poucos firma-se
como atividade produtiva entre as mulheres daquela localidade.

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Lunardi (2010) aponta que geralmente o turismo no espaço rural tem estas
mesmas características de origem, ou seja, as atividades são primeiramente
testadas como uma extensão do trabalho já desempenhado pelas mulheres do
campo. Cabe ressaltar que, neste primeiro momento, elas não deixam de auxiliar no
trabalho agropecuário: elas acumulam esta função produtiva porque inicialmente o
turismo não é reconhecido e valorizado como trabalho formal e fonte de renda
destas empreendedoras.
No caso de Colônia Witmarsum, a ideia de empreender no turismo partiu de
duas mulheres da comunidade e, tendo percebido a prosperidade que os negócios
eram capazes de gerar, outras mulheres resolveram empreender e tornar suas
propriedades pluriativas, não dependendo exclusivamente do agronegócio e
utilizando-se do domínio de atividades que já desempenhavam no ambiente
doméstico para a diversificação da fonte de renda familiar.
No quadro anteriormente apresentado, notou-se que 80% dos
empreendimentos locais são de gestão feminina e isto quer dizer que o turismo em
Colônia Witmarsum está apoiado predominantemente na força produtiva das
mulheres da comunidade. Uma das empreendedoras revelou na entrevista que
inicialmente seu marido olhava com desdém sua dedicação no novo negócio;
segundo ela

(...) ele achava que era perda de tempo eu cozinhar e vender meus
produtos para as pessoas que chegavam aqui. Pra ele, dinheiro bem-
vindo era só o da venda do leite e esse negócio de turismo era só pra
eu me distrair (...) na visão dele, era uma perda de tempo que eu
ficasse pensando nisso (...)

Ela conta que o seu companheiro era contra a ideia da abertura de um


negócio, mesmo que a atividade já demonstrasse relativo sucesso na comunidade
de maneira geral. No entendimento da entrevistada, com ela se dedicando a uma
atividade produtiva independente, ele perderia a ajuda dela na lida com o gado e
também a centralidade na organização econômica da casa.
Para Lunardi et al (2015) esta reação é bastante comum, porque o homem
tem dificuldades em assumir que aos poucos há uma reconfiguração na divisão do
trabalho e a mulher deixa de ser sua auxiliar nas atividades com o campo; segundo
os autores, o homem não quer admitir que com o envolvimento nas atividades
turísticas, as mulheres passam a ser independentes não apenas economicamente,

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mas também social e culturalmente, já que assumem novos papéis dentro do meio
que fazem parte. Lisboa e Lusa (2010), ao lançarem um olhar sobre o papel da
mulher no meio rural nas realidades Brasil, México e Cuba, explicam que esta
redefinição dos papéis econômicos, sociais, políticos e/ou culturais é um avanço e
uma forma de incluir um público que foi por anos deixado às margens das atividades
produtivas. Com isto, as mulheres tornam-se protagonistas produtivas e contribuem
para um desenvolvimento mais sustentável do meio rural.
Uma outra empreendedora relata que no início do seu negócio o marido não
gostava de vê-la chegar em casa com dinheiro advindo do turismo, tampouco de vê-
la adquirir coisas para o lar ou para a família com este dinheiro, segundo ela, “ele se
sentia desrespeitado quando eu comprava ou pagava alguma coisa com meu
próprio dinheiro (...)”, isto demonstra que as relações familiares também carregam
consigo traços da supremacia masculina apontada por Bourdieu (2002), de modo
que o simples fato da mulher ter uma atividade produtiva coloca em cheque as
posições de dominante e dominado historicamente mantidas pela sociedade
patriarcal.
Ainda que o turismo não ocupe centralidade na economia de Colônia
Witmarsum, sua importância vem se ampliando com o passar dos anos e aquela
atividade que começou timidamente com o surgimento de dois empreendimentos é
hoje diversificada e está apoiada em mais de 30 equipamentos que movimentam
esta fatia da economia local. Falar que houve um desenvolvimento na referida
comunidade somente a partir da chegada do turismo seria leviandade, mas é
possível atestar que a atividade trouxe, para além de uma alternativa na
diversificação da economia, também uma possibilidade de inserção de um
importante grupo local. Lisboa e Lusa (2010, p. 874, grifo próprio) são enfáticas ao
afirmar que o desenvolvimento só pode assim ser considerado quando há
“oportunidade de trabalho para todos, inclusão social, políticas públicas,
distribuição de renda, igualdade, equidade e solidariedade”, de modo que haja
maximização de vantagens para todos/as os/as envolvidos/as.
Os fragmentos de relatos apresentados são percebidos na maioria da história
dos empreendimentos onde foram realizadas as entrevistas, ou seja, houve certa
resistência em admitir o protagonismo feminino em atividades produtivas locais. Para
muitas das famílias entrevistadas, o papel da mulher só teve novo significado e o
dinheiro advindo do turismo só ganhou importância a partir do momento em que a

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gestão financeira dos lares foi compartilhada em pé de igualdade. Antes disso, o
trabalho da mulher era visto como uma “ocupação, já que elas [as esposas] não
davam conta de assumir o trabalho na agropecuária” e a renda obtida com a
atividade turística “era apenas uma forma de ganhar um dinheirinho extra”, conforme
relatam as empreendedoras.
Pensar que o turismo rural surgiu como uma forma de enfrentamento à crise
econômica do setor agropecuário é pensar também que esta atividade produtiva deu
novos contornos e significados à figura da mulher do campo. Como a prática foi
assumida pelo público feminino, além dela ter se transformado em um mercado de
ocupação formal no mundo do trabalho, a atividade turística empoderou as mulheres
do meio rural. Aquelas que antes tinham seu papel subordinado às decisões do
homem passaram a se tornar protagonistas dentro do seu próprio negócio e, ainda
que lentamente, passaram a ser o centro da tomada de decisões no seu mundo
produtivo.
Desta forma, é correto afirmar que o surgimento do turismo como atividade
econômica no campo contribuiu não somente na geração de renda para as famílias,
mas também – se não principalmente – na reconfiguração e valorização da figura
feminina no mundo produtivo rural. Conforme já descrito, ainda que o turismo não
tenha anulado a importância do setor agropecuário (e não é este o objetivo da
prática da atividade), ele reconfigurou as propriedades rurais, tornando-as pluriativas
e ressignificando os papéis exercidos por homens e mulheres no meio campestre.
Na atualidade, além do turismo ter ganhado importância como atividade
econômica na referida comunidade, ele é gerido de maneira integrada entre homens
e mulheres de um mesmo núcleo familiar. Além de ter ganhado respeito do público
masculino, a atividade tem contribuído para a manutenção dos/as jovens no campo,
não sendo necessário a mudança deles/as para os grandes centros em busca de
trabalho. Isto também acontece com outras iniciativas femininas por todo o território
rural brasileiro, conforme constatam Cordeiro e Scott (2007). Para os autores, o
protagonismo das mulheres no campo hoje pode ser percebido nas mais diversas
atividades produtivas, das quais destaca-se a agroecologia, artesanato, extrativismo
e agricultura de subsistência, fortalecendo assim o mercado de trabalho das/para as
mulheres e estimulando a economia solidária e criativa no contexto rural, trazendo
com ela, inúmeros benefícios para as famílias camponesas, como é o caso da
contenção do êxodo rural, apenas para exemplificar.

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O fortalecimento da atividade na Colônia tem contribuído para a valorização
cultural e também para a prática de atividades ligadas à natureza, já que os/as
empreendedores/as veem nela a principal atratividade para os/as visitantes que
recebem.
Desta maneira, entende-se que o turismo tem contribuído para o
desenvolvimento de Colônia Witmarsum, porque promove a melhora na qualidade
de vida das pessoas do local, não se atendo apenas à perspectiva econômica, mas
associando a ela ganhos no que diz respeito à conservação da natureza e
revalorização histórico-cultural daqueles/as que o promovem. Este equilíbrio no tripé
sociedade, natureza e economia atende ao ideal de pleno desenvolvimento
defendido por Souza (2005) conforme já exposto e, portanto, é correto afirmar que o
turismo na referida comunidade é exercido de forma responsável e inclusiva,
melhorando com isto o convívio entre os/as moradores/as e atribuindo a eles/as
novos significados e funcionalidades na sociedade de maneira geral.

O que é possível aprender com o caso de Colônia Witmarsum?


O texto apresentado leva a refletir sobre o papel exercido pelas mulheres no
que diz respeito à oferta do turismo como atividade produtiva no meio rural. A partir
do exposto, foi possível observar que a inserção feminina no meio produtivo
representa um pequeno avanço quando se discutem as questões de igualdade e
gênero na sociedade contemporânea, conforme apresentaram Lisboa e Lusa (2007),
Cordeiro e Scott (2007), Lunardi (2010) e Tulik (2010).
Ainda há muito a ser feito! Mas aos poucos a mulher tem ganhado seu
espaço e tem assumido funções que outrora lhe colocavam como subjugada e/ou
dominada em relação ao homem.
O meio rural brasileiro ao longo dos anos foi um ambiente hostil para o
público feminino, isto porque as atividades relacionadas à agropecuária não eram
acolhedoras e ainda que as mulheres atuassem juntamente aos homens no
cotidiano rural, seu trabalho nunca foi reconhecido ou valorizado de maneira igual
aos seus companheiros. Hoje o papel das mulheres na lida com o campo ganha
destaque por meio da agroecologia e extrativismo, por exemplo, conforme
mostraram Cordeiro e Scott (2007). Também com o surgimento do turismo, numa
proposta inicialmente alternativa à crise do setor agropecuário na década de 1970,

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as propriedades tornaram-se pluriativas e esta realidade começa a mudar, conforme
expôs Tulik (2010).
Desde então, as mulheres tomam para si o domínio das práticas domésticas e
transformam-nas em atividades produtivas e capazes de transformar, além do
mercado de trabalho, o seu papel no campo. Elas deixam de ser auxiliares de seus
maridos e passam a ser empreendedoras e protagonistas no mercado local.
Em Colônia Witmarsum, uma comunidade rural localizada próximo da capital
do Paraná, o turismo reconfigura as estruturas organizativas sociais e econômicas;
as mulheres que antes tinham o papel de reprodutoras do trabalho – responsáveis
pelo cuidado do lar e dos/as filhos/as – fazem desta reprodução uma atividade
produtiva e tornam-se figuras centrais no desenvolvimento do turismo local. A
iniciativa da atividade foi vista, num primeiro momento, como uma afronta à figura
masculina responsável pela manutenção do lar e, passados quase 20 anos da
prática, hoje ela é considerada uma importante ação que tornou a Colônia pluriativa
e referência do turismo rural na região em que está localizada.
O problema central que se propôs a responder com o presente estudo foi:
qual é o papel das mulheres na organização e desenvolvimento de Colônia
Witmarsum quando se trata da atividade turística? E a partir de diferentes técnicas
de pesquisa foi possível concluir que hoje a mulher é figura central no turismo local e
isto contribuiu ao longo dos anos para uma mudança no perfil econômico daquela
localidade. Além de terem tornado as propriedades pluriativas, elas conseguiram
demonstrar seu potencial e valor por meio de uma atividade destaque que agora
ocupa a segunda principal fonte de renda na comunidade, ficando apenas atrás da
pecuária leiteira que organiza-se por meio de cooperativa.
Desta maneira, entende-se que o caso do protagonismo feminino pode servir
de exemplo quando fala-se na participação das mulheres no mundo do trabalho,
porque ainda que tenham sido desencorajadas no inicio, elas demonstraram todo o
seu potencial na estruturação e oferta de uma atividade produtiva no local. Dentro de
seus lares elas passaram a ser vistas como tão responsáveis quanto seus maridos
na geração de renda e hoje ocupam em igualdade o lugar de tomada de decisões na
organização e manutenção de seus lares – deixando de lado o papel de
coadjuvantes e assumindo centralidade no meio em que fazem hoje parte.

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CAPÍTULO 08 - BULLERENGUE: DANZA DEL CARIBE COLOMBIANO PARA EL
FORTALECIMIENTO EMOCIONAL Y EL ENCUENTRO CON LO FEMENINO

Sandra Fontanilla

Desde hace aproximadamente unos 2500 años, en la antigua Grecia,


Pitágoras utilizaba ciertas escalas y acordes para lograr el equilibrio mental,
recetaba a sus alumnos determinadas melodías para armonizar estados de ánimo
negativos o para alivianar las preocupaciones, el desánimo o la ira. Aristóteles
descubrió que las melodías y los ritmos de la flauta fortalecían el cuerpo, la mente y
el espíritu; por otra parte Platón afirmaba que la música era para el alma, lo que la
gimnasia para el cuerpo; Entre tanto, Descartes consideraba que el sonido de la
música tenía como fin el deleite y la provocación de diversas pasiones (Schweppe &
Schweppe, 2010; Mosquera, I. 2013).
El arte siempre se ha definido como una herramienta simbólica que provoca,
retiene e induce emociones ambivalentes, produciendo en la vida afectiva y en los
pensamientos de las personas cierta confusión que operan a su vez sentimientos
híbridos (Igartua, Álvarez, Adrián & Páez, 1994). De esta manera, se puede
considerar el sonido y la música un elemento para la sanación, utilizando elementos
musicales, las cualidades del sonido en el acompañamiento y modificación
emocional propios de la cotidianidad individual y social; sin desvincular el valor
sociocultural, mágico, ritual y mítico de las cosmogonías que están inmersas en los
diversos escenarios humanos, en la comunidad, en la sociedad (Palma, 2013).

Música y danza como herramientas terapéuticas


La música es considerada como arte, ciencia y lenguaje universal, es
un medio de expresión sin límites que llega a lo más íntimo de cada
persona; ésta puede transmitir diferentes estados de ánimo y
emociones por medio de símbolos e imágenes aurales, que liberan la
función auditiva tanto emocional como afectiva e intelectual (…)
estimula los centros cerebrales que mueven las emociones,
siguiendo un camino de interiorización, propiciando un
descubrimiento del mundo interior, la comunicación con “el otro” o
“los otros”, la captación y apreciación del mundo que nos rodea
(Lacárcel, 2003).

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Por tanto, la música no se vincula únicamente con las áreas perceptivas de la
sensibilidad humana, sino que posee poderes de transformación, dadas los efectos
de las secuencias vibratorias que pueden tocar las áreas más ontológicas del
término, pues produce una acción particular sobre la materia viviente, ya sea
activando o vivificando, estimulando o inhibiendo las funciones fisiológicas
vibratorias existentes (Toro & Terrén 2008).
La músico terapia como arte tiene que ver con la subjetividad, individualidad,
creatividad y belleza. Como ciencia enmarca la objetividad, colectividad,
replicabilidad y verdad que se da por un proceso interpersonal que tiene que ver con
la empatía, intimidad, comunicación, influencia recíproca y relaciones de roles
(Lacárcel, J. 2003). En el caso de la danza terapia es una método efectivo para la
rehabilitación y la adaptación de problemas físicos y psicológicos ya que trabaja con
la premisa de que el cuerpo refleja los estados psicológicos del individuo (Rainbow,
2005 & Sebiani. 2005) es decir, es un proceso que fomenta el bienestar emocional,
cognitivo y físico de la persona, facilitando así el crecimiento emocional y la
integración cuerpo –mente / movimiento – acción (Mills & Daniluk, 2002).
La danza terapia es una vía principal para la creación, partiendo del individuo
mismo, utilizando la metáfora del movimiento como mecanismo que facilita el
proceso de integración cuerpo – mente, movimiento y emoción (Meekums, 2002) ya
que la danza es expresividad y comunicación, a través del cual se encuentra el
“movimiento auténtico” (Ellis, 2001) que se identifica como un catalítico del trabajo
creativo y de la sanación, donde la importancia es el discernimiento y la observación
del flujo natural de los movimientos (Olsen, 1993).

Bullerengue danza Afrocaribe para el fortalecimiento emocional


Según Vigostky y su visión de la psicología del arte se puede decir
que las relaciones entre las emociones y los productos culturales
como la literatura, la música, y el arte en general son muy
significativos (…) es difícil concebir los fenómenos artísticos sin su
influencia en las emociones, su impacto emocional (Iguartúa;
Álvarez; Adrián; Páez, 1994).

Dentro de los diversos tipos de danza y expresiones musicales, dadas las


múltiples manifestaciones humanas a través de la cultura, se selecciona el
bullerengue como una danza afro caribe, oriunda de la ribera del río Magdalena y del
canal del Dique, lugares donde habitaron los africanos traídos como esclavos de los

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españoles en la tierra de la colonización; ciertamente, éstos eran reunidos sin
diferencias su procedencia geográfica, aspecto que dificulta tener clara una
caracterización étnica, sin embargo cuenta la tradición oral que los “bullerengueros”
eran negros cimarrones, aquellos que desafiaban la esclavitud y buscaban su
libertad. Aunque se husmea su procedencia principalmente de Nigeria, Dahoney,
Níger, Congo, Sudán, y en especial de la Costa de Oro del Alto Senegal, el golfo de
Benín y África Central (Velásquez, 1985) citado por (Fajardo, 2015).
La población afro de la época sufrió procesos de transculturación y
enculturación por parte de los españoles, experimentando no sólo la expropiación de
sus tierras, sino diversas formas de violencia, vulnerando sus derechos, maltratando
a sus mujeres, coartando la expresión y la libertad. Sin embargo, cuando tenían la
oportunidad de romper con la rutina, de manera muy especial por las noches, iban al
monte a cantar, tocar y danzar la vida, lo cotidiano, sus dolores, la alegría, el gozo,
la rutina, el trabajo, el significado de ser mujer y todo su proceso de transición
asociado con características como la feminidad, la pubertad, el embarazo, el parto,
los hijos, el nacimiento, la gratitud por la vida, el dolor de la muerte, buscando así,
una manera de expresar sus sentires y al mismo tiempo una manera de burlarse del
dolor, de sus amos.
El bullerengue se identifica como un aire canta’o pues es una bulla que evoca
la fuerza de los tambores, de las palmas, palitos o gallitos, las totumas con semillas,
las voces de apoyo que responden el coro y la voz principal que entona el
sentimiento. Tal como lo afirma Emilsen Pacheco, un gran tamborero y cantador:

Las conversaciones sobre el bullerengue eran frecuentes el silencio y


la incertidumbre (…) en cambio en su sonido, su bulla estaba
siempre expresándose la certeza. Certeza sobre lo que somos:
negros, indios de voz desgarrada y con tremor de árbol. El tambor
suena como el lenguaje de los árboles y parece contar los cuentos
de su memoria ancestral, bulla y silencio (Sarmiento, 2012).

El bullerengue es una música en esencia de transmisión oral, implicando


dinámicas que se renuevan de una interpretación a otra. Aspecto característico de la
oralidad, pues el lenguaje conversacional es asombrosamente flexible y móvil,
implica un proceso de intercambio espontáneo, variado, flexible, expresivo y
momentáneo, que se hace duradero (Havelock, 1996. P. 96). Generándose en el
contexto de la rueda, espacio en el que se integran los tamboreros, cantantes,

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bailarines, observadores y público en general seguidor del bullerengue a improvisar,
saliendo así la inspiración del momento a través de los versos que se cantan,
haciendo coros o respuestas de maneras “repentistas”, y acompañando con las
palmas. Como lo afirma Emilsen Pacheco en una entrevista:

Improvisar es decir lo que se siente. Por eso los bullarengues jamás


pueden ser escritos, si es escrito, se acabó el bullerengue, (…) no
puede tener un verso (Entrevista, 2011) citado por (Fajardo, 2015).

Algunos autores manifiestan que las danzas folclóricas afrocolombianas


marcan una frontera afectiva y estética, manipulan y distribuyen las fuerzas vitales;
transforman la naturaleza en la escena, describen los itinerarios de la creación y la
destrucción (Pérez, 2014). Permitidos o censurados estos gestos danzarios
ejemplifican la vida en cada símbolo que expresan, en la alegría del vestuario, en la
cadencia del movimiento, en la fuerza de los tambores, en el color del canto, en el
sabor del baile, en la sonrisa del rostro, en la inclusión del grupo (Fontanilla, 2017).
Estas características permiten visualizar al bullerengue como una herramienta
para la sanación emocional, dado que es una danza de movimientos circulares,
identificada como una forma alegre y sencilla de reunirse en grupo para la
meditación en movimiento, armonía y salud; además permite llegar a estados de
profunda conexión con nuestra esencia individual y colectiva (Salud Alternativa,
2017., Pérez, 2014., Meléndez, 2015).
Entonces, al momento de pensar en la danza terapia y la músico terapia – en
especial énfasis en una danza folclórica del Caribe Colombiano denominado
Bullerengue - como una alternativa terapéutica que promueva el desarrollo afectivo
y emocional de las mujeres, en torno a esas experiencias cotidianas que se
registran en el cuerpo, en la mente, en la relación con el otro, en el sentir de la vida.
Con esto garantizar la utilización de los recursos tanto cognitivos como afectivos
para que estas potencialicen su capacidad global de mantener en funcionamiento
efectivo frente a las adversidades del entorno o para recuperarlo en otras
condiciones (Aracena, Castillo, & Román, 2005).

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Adicional a lo anterior, se adoptaría una visión de la cultura que es
abierta, evolutiva y sólidamente enmarcada en un planteamiento
basado en los derechos y en el respeto de la diversidad (…)
permitiendo a los individuos acceder libremente a ella “vivir y ser lo
que deseen”, reforzando así sus posibilidades y sus capacidades
humanas y promoviendo el entendimiento mutuo y los intercambios
entre los pueblos (Declaración de Hangzhou, 2013).

Desde una perspectiva psicológica, cuando se hace referencia al


fortalecimiento emocional se busca hacer énfasis en la necesidad social y humana
de abordar el mundo afectivo, pues es un área que involucra la autoestima, la
asertividad, las relaciones interpersonales, las habilidades comunicativas e incluso el
liderazgo y la resolución de conflictos – dadas las potencialidades que se promueven
para el afrontamiento de vicisitudes propias de la vida.
A través de la música el cuerpo se concibe como parte de una integralidad, ya
que se incorpora con el ritmo logrando la expresión emocional, la construcción del
proceso de percepción audio motriz en el que se da una especia de relación
dialógica entre el cuerpo – emoción – música, pues la nota hace llevar el movimiento
corporal y la intercorporalidad (diálogo corporal), éste a la liberación emotiva de la
disposición de un individuo frente a otro (Pérez, 2012).
Con este tipo de abordajes, se abre camino a una posibilidad de intervención
terapéutica innovadora e incluyente de la cultura como eje central para el desarrollo
humano, convirtiéndose en una herramienta para el trabajo emocional que desde la
psicología positiva favorezca la salud mental de las personas que hagan parte de los
procesos.

Cultura, bullerengue y feminidad


Ciertamente la globalización como fenómeno socioeconómico y su
modernismo frente a la evolución tecnológica , y el acortamiento de las distancias a
escala planetaria, han permitido crear nuevas formas de vida, ampliar el
conocimiento dado el libre acceso a la información, trayendo consigo un arma corto
punzante: el debilitamiento de las tradiciones culturales, obstaculizando la
permanencia de ellas en la cotidianidad de la vida. De acuerdo con la Ley General
de Cultura 397 de 1997, título 1 – Art. 1 se define la Cultura como:

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El conjunto de rasgos distintivos, espirituales, materiales,
intelectuales y emocionales que caracterizan a los grupos humanos y
que comprende, más allá de las artes y las letras, modos de vida,
derechos humanos, sistemas de valores, tradiciones y creencias (Ley
General de Cultura 397 de 1997).

A partir de lo anterior, se hace necesario fortalecer procesos de inclusión


social que favorezcan la atención psicoafectiva de las mujeres, el reconocimiento
cultural y sus expresiones diversas, pues son de gran importancia para propiciar una
valoración de su esencia sagrada, y al mismo tiempo un eje trascendental para un
desarrollo humano integral que propicie un desarrollo social incluyente, propiciador
de paz y reconciliación.
El bullerengue es un ritmo que tiene una conexión ancestral con las raíces
negras, africanas, y de la misma manera un acontecer histórico y geográfico cargado
de mucha violencia, pues no sólo sufrieron los procesos de transculturación y
deculturación causados por los españoles, sino que han vivido las transgresiones de
una violencia política y social – cultura, e inclusive étnica que se ha vivido en el
contexto colombiano por más de cincuenta años.
Este ritmo es uno de los bailes cantaos más antiguos; y como tal, conserva
características africanas en su construcción. En las poblaciones que fueron antiguos
palenques, sus tonadas retienen rasgos melódicos cercanos a los cantos fúnebres.
Este aire cantao se cultiva en Antioquia, Córdoba y Bolívar, así como la provincia del
Darién en Panamá (Abadía, Morales, 1977) citado por (Zumaqué, 2015)
conservando tres estructuras rítmica bases que son: Senta’o, fandango de lengua y
la chalupa.
En el caso del senta’o, se caracteriza por ser el más cadencioso, tal como lo
afirma Petrona Martínez en BBC (2013):

El bullerengue es una baile cantao acompañado de tambores. Es una


música hecha para las mujeres embarazadas que no podían asistir a
los bailes muy movidos y danzaban el bullerengue en la puerta de su
casa” (…) Obstante a ello es un ritmo que también se asocia con la
muerte: “cuando una persona muere, las mujeres se la pasan toda la
noche cantando y bailando para que el alma descanse en paz
(Zumaqué, 2015). Bien conocido como lumbalú.

En cuanto al fandango de lengua (inspirado en el baile nacional Español) y a


la chalupa son aires más festivos y onomatopéyicos en el que se da paso a la

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improvisación de la cantadora o cantador, haciendo expresión libre y plena de su
sentir, de su percepción de la vida.
Según Friedman (1995) en la literatura afrocolombiana se conserva el legado
ancestral de valores que aluden al ser individual y al ser colectivo (…) también el
destacado amor por la palabra, en el que el cuentero, el decimero, los rezanderos y
las cantadoras rememoran al griot africano, relator de cosmovisiones, de historia y
genealogías, de sabidurías sagradas y profanas (…) siguiendo esta línea, resulta
interesante y valioso determinar cómo las mujeres esclavas del caribe, desarrollaron
un liderazgo y ejercieron una notable influencia en las economías regionales,
aportando a la construcción de una identidad cultural importante en América. Razón
por la cual tanto en el caribe, como en el pacífico colombiano, ellas, son
protagonistas y cumplen un papel fundamental en la transmisión de la cultura y los
saberes ancestrales de su pueblo y su región (Tovar, 2012).
A continuación se encontrarán algunas letras de canciones típicas en las tres
variantes de la estructura rítmica del bullerengue, como una manera de ejemplificar
lo que se canta alrededor de la mujer, teniendo en cuenta la definición de género: “
Es una construcción simbólica e imaginaria que soporta los atributos asignados a las
personas a partir de la interpretación cultural de su sexo: distinciones biológicas,
físicas, económicas, sociales, psicológicas, eróticas, afectivas, jurídicas, políticas y
culturales impuestas” (Hernández, 2006).

Por arriba corre el agua,


Por debajo piedrecita
Y desde lejos se conoce
La mujer que es señorita.

Por aquí me voy metiendo,


Como raíz de caña brava,
La mujer es la que pierde,
Y el hombre no pierde nada

Por aquí me voy metiendo,


Como raíz de caña dulce,
La mujer es la que pierde,
Y el hombre siempre se luce”
(Autor: Libia Vides – Pozo Brillante)

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“Así, así, ahora, ahora,


Los hombres se están muriendo
Por la cosita de la señora.

Tanta guayaba madura,


Tanto limón por el suelo,
He visto niñas bonitas
En San Juan Nepomuceno

Ay! Si tu marido es celoso,


Échale un hueso en un plato,
Ay! Mientras lo va ruyendo,
Ay! Vamos hablando un rato.

Pañuelo blanco en la tienda


Una mancha le cayó
Se vendió por bajo precio
Porque ya perdió el valor”.
(Autor: Las Alegres Ambulancias – La cosita de las señoras)

Socialmente se diferencia entre ser hombre y ser mujer, la educación que


cada uno recibe en su niñez establece pautas distintas, generando construcciones
tales como: “la mujer es aquella persona que debe preocuparse por los demás antes
que por ella misma”, “toda mujer debe estar dispuesta a servir y de la mejor manera.
Por el contrario, el hombre tiene la oportunidad de decidir sobre las demás personas,
puede exigir y equivocarse, tiene un estatus, representándole como un ser único,
fuerte, admirable y correcto (Inamú, 2013). Por el contrario, el hombre tiene la
oportunidad de decidir sobre las demás personas, puede exigir y equivocarse, su
estatus lo representa como un ser único, fuerte, admirable correcto (Chavez,
2012).
Sin duda alguna, respetando y honrando los criterios culturales que resaltan
del bullerengue como una danza única, auténtica de una raza, de una historia, y
como una estructura básica y más antigua de la música caribe colombiana,
conviene mencionar que hay factores que corresponden a la construcción cultural –
machismo- que es cultivado, preservado y protegido por la misma estructura del
hogar, mujer en sus patrones de crianza, puesto que socialmente en este contexto

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se asume como la responsable de esa tarea. Por otra parte, resalta los beneficios
sociales y culturales que tiene el ser hombre, la libertad, sobretodo la posición de
poder que tiene su sentir y actuar.
En la siguiente estrofa se relata la historia de una mujer que llora por la pena
de amor, un lamento que canta desde el alma la realidad de un sentir humano, no
sólo se refleja en la relación de pareja, sino en el amor en sí mismo.

“Que llora Juanita,


po’ qué está llorando, ombe
Trae penas de amores Juana,
Dentro de tu llanto.

Esto es lo que trae Juanita,


No se lo ha podió quitá,
Juanita viene llorando,
Producto de enfermedad”.
(Interpretado por grupo Bullerengue pa’ vendé)

Desde esta perspectiva el bullerengue tiene una particularidad que lo hace


extraordinario, tal como lo afirman en el documental los espíritus del bullerengue
(2015) entrevista a Yamile:

Por ejemplo, a veces nosotros tenemos problemas y cosas… que


gracias al bullerengue, o sea lo que estamos viviendo en el momento
como que se nos olvida todas esas cosas que traemos. Es como una
creación en el momento (…) Un día estaba ensayando y cuando
llegué a la casa mi mamá me pegó, y hay un bullerengue que se
llama ¿Qué llora Juanita? … y cada vez que escucho esa canción
me pongo a llorar porque me recuerda que mi mamá me pegó
injustamente, entonces a mí me dice: Yamile tu si estás loca. Y no,
no es que esté loca, es que uno vive el momento, uno vive la
emoción de ese instante. (Documental los espíritus del bullerengue,
2015).

“Llorando, llorando, llorando


Te coge el día,
Muchachita de mi vida,
Prenda de mi corazón.
Antes que amanezca el día,
Yo te rezo mi oración.

Ay! Cállate nena,


No llores má,
Qué tu abuelita
Te va a cargá”
(Autoría: Etelvina Maldonado)

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Desde otra perspectiva del mundo femenino, en los versos anteriores se
canta el arrullo, el cuidado de los hijos y el apoyo de la abuela, de la tía y otros
familiares que ayudan en el proceso de cuidado de los hijos, en este caso de una
niña muy querida a quién le pedían que dejara de llorar. En el documental espíritus
del bullerengue dos (2015) el señor Julio César Casianni Miranda afirmaba: “El
bullerengue es el canto de una mujer afrocolombiana y todo su rito. Su rito para
vestirse, para ponerse, para mandar dentro del mismo canto”.

“Parí, parí, parí no puedo,


Ese pela’o
Porque lo tengo atravesa’o”
(Documental, cadencias de la memoria)

“Cuando yo tenía mi madre,


Yo tenía quién me aconsejara,
Ahora que mi madre ha muerto,
No hay quién me aconseje nada.

Mi madre a mi me decía,
Mija qué te está pasando,
¡Ay! A levántate mijita,
Que el tambó te está llamando.

¡Ay! oye mamá, oye mi mamá,


Mi mama que me parió,
¡Ay! Oye madre de mi vida,
Mi mama que me parió”.
(Autor: Petrona Martínez – Mi mama que me parió)

Por otra parte este canto y sus letras ha estado articulado a los momentos
fundamentales de la vida de una mujer, según el contexto, canto a sus hijos, al
nacimiento, al proceso del parto y la mujer que lo asiste – partera o comadrona -. En
su danza, en la cadencia, fuerza y carácter de su movimiento narra la feminidad,
como una manifestación de la sensualidad y coquetería de la mujer, e
históricamente ha sido vinculado a un ritual de transición de niña a mujer, donde se
tiene la oportunidad de danzar a través del movimiento pélvico - adelante, atrás – el
movimiento de las manos, y el roce sensual de las manos de manera circular tanto
por su vientre como por sus senos. Por eso antiguamente, se hacían ruedas o
cofradías de cantadoras, cuyo objetivo principal era la organización de las fiestas
patronales del Dique, pero también se fue formando como acompañante de las

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familias en funerales u otras situaciones difíciles, o bien se usaba para transmitir
sucesos importantes o cierta clase de chismes y burlas (Valencia, 1995. P. 22-23)
citado por (Fajardo, 2015).
Por último, se hace mención que el bullerengue es una danza de resistencia,
muchos negros esclavos hacían manifiesto que para persistir hay que resistir, es
decir, ser lo suficientemente fuerte para sobrellevar todas las adversidades, las
situaciones de malos tratos propios de la esclavitud, en otros por la violencia
cotidiana en los territorios de vida de los afrocolombianos. Entonces, desde un
análisis de lo cotidiano, y desde los parámetros de la subjetividad que acompañan
las líneas, es relevante mencionar que la mujer afrodescendiente ha sido sinónimo
de esta resistencia; muchas letras son poemas o elegía que, transmitidas
generacionalmente, se convierten en tesoros que van más allá de la muerte y que
son manifestados en la libertad generada por el golpe del tambó, el canto y el
acompañamiento danzarios como acto liberar de las emociones que se condensan a
partir de la constante relación con el otro, con la vida humana.
Dándole así, la libertad a través del canto, de la alegría, de la magia y fuerza
mística que tienen los tambores en su golpe, rompiendo los esquemas de lo profano
y lo sagrado, proclamando la expresión de un sentir femenino, la afirmación
contradictoria de un machismo que se lleva en las venas de una cultura, que se
encarna en la seducción perfecta del amor, del cuerpo, de la vida, y en eso que
circunda en el aire social que se respira en el trasegar de lo cotidiano y que se
entrega en la fragilidad de lo divino. Por tal razón, explorar el bullerengue como una
danza afroliberadora es un camino a recorrer desde la valoración cosmogónica de
un pueblo hasta los efectos generados en la individualidad de cada ser al
vivenciarlo.

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https://www.youtube.com/watch?v=ycUOgOEs1EU&t=363s

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https://www.youtube.com/watch?v=frZ4hxaZmrw

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CAPÍTULO 09 - PRÁTICAS DE EJA: CURRÍCULO, EDUCAÇÃO RACIAL E
SEXUALIDADES DISSIDENTES

Flávio Barreto de Matos

A Educação de Jovens e Adultos – EJA é uma modalidade de ensino que


nasceu da clara necessidade de inclusão dos jovens e adultos como sujeitos sociais,
oferecendo-lhes a oportunidade e igualdade de direitos, historicamente negados.
Sendo assim, esse texto surge como uma ação teórica/reflexiva das nossas ações
que se encontram diretamente ligadas à vida dessas pessoas marginalizadas pelo
[cis] tema que oprime e nega o direito ao exercício de uma vida digna e de
oportunidades.
Portanto, é bastante relevante discutir as relações que se estabelecem
dentro e fora da escola, como também é preciso que tenhamos consciência do
nosso papel, enquanto educadores, na formação desses sujeitos valorizando as
suas subjetividades e experiências de vida. Pois acreditamos que o conhecimento é
peça fundamental de transformação na sociedade moderna. Promover uma
educação de qualidade e respeito integral a todas as pessoas proporcionando-lhes
uma formação cidadã, é torná-los livres.

Escola, currículo e a prática de EJA


A escola é um valioso espaço democrático para o exercício da cidadania e
para as reflexões inerentes aos atores sociais, pois possibilita o desenvolvimento do
pensamento crítico, a formação cidadã e a formação de pessoas politizadas,
engajadas socialmente, tornando-se, dessa forma, um lugar privilegiado do estado
laico, na promoção da diversidade sexual, da identidade étnica e da diferença.
Nesse contexto, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) encontra-se em um
lugar não tão aprazível, parafraseando Gomes (2011), ainda há uma forte
resistência e tensão por parte dos educadores(as) quanto à inserção das questões
raciais de gênero e da sexualidade, devido a influência presente do discurso
universalista no que diz respeito ao processo de prática de EJA. Nilma Lina Gomes
ainda chama atenção para fato que

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(...) esse discurso universalista apregoa que, se implementarmos
propostas de EJA que visem prática de alfabetização de adultos, aos
conteúdos e habilidades escolares, às políticas públicas voltadas
para a juventude e para a EJA priorizando o enfoque
socioeconômico, cultural e identitário atingiremos todos os jovens e
os adultos de maneira igualitária, e assim construiremos a
democracia (Gomes, 2011, p.97, grifo nosso).

Porém, tal discurso, ainda em consonância com Gomes (2011), quando


vivenciado na prática tem se demonstrado contrário, pois as questões étnico-raciais
e para sexualidade no Brasil são bastante adversas e complexas, principalmente, na
inserção das políticas públicas, que perpassam as questões de identidade,
pertencimento e reconhecimento.
Logo, percebe-se claramente a relevância da melhoria e da qualidade de
ensino como um todo, tendo como principal desafio a formação de professores da
EJA, pois a concepção universalista de políticas afirmativas não atingem de forma
específica a realidade vivenciada pelos negros e negras e pessoas LGBTQ+s nessa
modalidade de ensino nas escolas brasileiras. Assim, é imprescindível
problematizar as políticas públicas universais e as discussões sobre currículo,
borrando as categorias hegemônicas de poder que segregam e exclui os desviantes
dessa “normatização”.
Portanto, é preciso se pensar em práticas emancipatórias que deem
visibilidades as minorias levando-se me consideração à condição humana, uma vez
que essas relações estão diretamente interseccionadas a subjetividade dos alunxs,
pois segundo Brah (2006, p.340) “estrutura de classe, racismo, gênero e
sexualidade não podem ser tratadas como “variáveis independentes” porque a
opressão de cada uma está inscrita dentro da outra – é constituída pela outra e é
constitutiva dela”.
Por estas razões, a EJA requer a inclusão das questões sociais no currículo
escolar, no processo de ensino e nas práticas pedagógicas, com ênfase nas práxis
educacionais voltadas para o exercício pleno da cidadania, para diversidade de
gênero e para as relações étnico-raciais. O que referendam Henry A. Giroux e Roger
Simon ao dizer que:

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a escola é um território de luta (...) são formas sociais que ampliam
as capacidades humanas, a fim de habilitar as pessoas a intervir na
formação de suas próprias subjetividades e serem capazes de
exercer o poder com vistas a transformar as condições ideológicas e
materiais de dominação em práticas que promovam o fortalecimento
do poder social e demonstrem as possibilidades da democracia
(Giroux, Simon, 2011, p. 109).

Partindo desse fato, apreendemos que o debate em torno da educação,


sexualidades, gênero e identidade racial, assim como outras temáticas sociais,
também não se dão fora das relações de poder, das questões políticas e das
implicações diretas do exercício de cidadania, fazendo-nos acreditar que todo
debate sob a égide da diversidade e diferença parece evidenciar relações de
controle e hierarquização de uma dada sociedade. Pois no Brasil sempre
evidenciou-se uma prática excludente sob um [cis]tema segregador, onde as
práticas pedagógicas aconteciam vinculadas e hierarquizadas a valores sociais de
exclusão e classificação, pelos marcadores que privilegiassem as características
físicas, como cor da pele, tipo de cabelo, formato de nariz, condição econômica e
orientação sexual. Para ratificar, Santos e Thürler (2012, p. 3) acrescentam que:

[...] a escola e todo sistema de educação, por sua vez, é uma


maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos
discursos, com os saberes e os poderes que seus atores trazem
consigo. Ele afirma que o espaço escolar funciona como uma
máquina de ensinar, vigiar, de hierarquizar e de recompensar. A
escola como uma fábrica disciplinadora.

Nesse sentido, o currículo escolar torna-se peça fundamental e eixo norteador


das escolas e da práxis pedagógica dos professores/as. Portanto, sua função é
ancorar e agregar valores a todas as mudanças sociais que ocorrem no contexto
educacional. Portanto, os professores/as não devem ser omissos quanto aos
resultados das suas práticas pedagógicas, como também não podem ser
exclusivamente responsabilizados/as pelas lacunas deixadas na sua formação
acadêmica inicial e continuada, lacunas estas produto da omissão de discussões
que privilegiassem questões de cunho social e de afirmação de valores identitários
dos alunos, dentro de uma expectativa negativa da sua capacidade moral e
cognitiva.
Por tudo isso, é preciso pensar nas conjecturas, nos impedimentos e nas
prescrições que fazem sentido e têm efeitos de verdade, cujas pedagogias objetivam

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o autodisciplinamento de um corpo escolarizado, disciplinado e treinado sob uma
ótica de um modelo discursivo (Louro, 2001, p. 21). Ainda nas palavras da mesma
autora, as escolas deixam “marcas visíveis desse processo; marcas que, ao serem
valorizadas por essas sociedades, tornam-se referencias para todos”.

O papel do currículo escolar


O que temos assegurado nas propostas educacionais do Brasil em termos de
educação para as sexualidades e etnicidade é ainda posto como um grande desafio,
pois o cotidiano das escolas apresenta uma vivência marcada por tabus,
preconceitos e uma visão pautada sob uma ótica normativa compulsória unicamente
heterossexual, branca e cristã sob a manutenção das fronteiras étnicas, gênero e
identidade sexual.
Esse fato leva-nos a acreditar que ao tratar das identidades marcadas e
invisíveis (as diferentes) “nas escolas, não apenas as diversas áreas ou disciplinas
foram produzidas sob a perspectiva masculina heterossexual” (Louro, 2000, p. 100),
relegando sempre os saberes, as experiências e os problemas das mulheres e das
sexualidades dissidentes, assim como ainda é muito forte a não presença de alunxs
negrxs nos espaços educacionais.
Desse modo, o currículo assume um papel importante dentro das escolas,
pois por ele permeiam ideologias, culturas e relações de poder. O currículo é
percebido, tanto nas teorias tradicionais, como nas críticas e pós-críticas, como uma
forma institucionalizada de transmissão da cultura de um povo. Silva (2011)
argumenta que o currículo é um dos locais privilegiados onde se entrecruzam saber
e poder, representação e domínio, discurso e regulação.
Ainda de acordo com Silva (2011), é também no currículo que se condensam
relações de poder que são cruciais para o processo de formação de subjetividades
sociais. Em suma, currículo, poder e identidades sociais estão mutuamente
implicados, “o currículo é o lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder.
O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida”
(Silva 2011, p.150).
Assim, nos apoiamos no conceito de currículo como práticas sociais que
exercem o seu papel na construção dos discursos de normatização dos gêneros,
das sexualidades e das fronteiras étnicas, as quais o pensamento e o raciocínio são

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os mesmos, já que as diferenças, disciplinas, matérias, carreiras e profissões eram
consideradas a partir do sexo masculino e feminino e da cor da pele.
E com isso, o currículo é passível de atuação, como preconiza Henry Giroux
(apud Zuin & Pucci, 2007), que contribui para a reprodução das desigualdades e das
injustiças sociais. Como reafirma Roberto Sidney Macedo (2011), é assim, que a
ideia de atos de currículo realça a sua inerente processualidade criativa, sua
instituinte materialidade, mais ainda, e acima de tudo, a
responsabilização/participatividade como concebeu, há mais de um século, Mikhail
Bakhtin na sua Filosofia do Ato. Atos de currículo, aqui entendido como noção,
levando em conta a práxis curricular, é um conceito-chave, um gesto ético-político,
um potente analisador da práxis curricular-formativa. E ainda em Macedo (2011,
p.108), “os atos de currículo instituem a práxis formativa [...]. E não vislumbram os
formandos e quaisquer outros atores de formação como meros [...] receptáculos de
modelos ou padrões pedagógicos”.
Diante do exposto, cabe ressaltar as recomendações de Freire (2011), em
sua obra intitulada “Pedagogia da Autonomia”, quando ele propõe uma rejeição mais
decidida a qualquer forma de discriminação, e que a prática preconceituosa, seja ela
qual for, ofende a singularidade do ser humano e nega radicalmente a democracia.

Sexualidade(s), educação e currículo - gêneros inconformes e corpos negros e


indígenas...

Estamos acostumados a presenciar nos espaços educacionais as noções e


ideias pré-concebidas em relação à lógica sexo-gênero-desejo, materializados nos
corpos brancos sejam eles femininos e/ou masculinos, sempre sob a perspectiva
binária deixando de fora os corpos desviantes e as outras formas de se vivenciar e
experimentar as sexualidades. Essa invisibilidade geram atitudes que, na maioria
das vezes, acabam se transformando em motivos gratuitos de injúria, homofobia e
transfobia e em muitos casos as escolas não se dão conta dos fatores históricos e
sociais que estão por trás desses processos de abjeção.
No Brasil, em trinta e um de janeiro do ano de 2012, foi possível presenciar no
campo educacional um avanço nas discussões das sexualidades, quando novas
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio foram criadas e passaram a
incluir orientações para a inclusão de Orientação Sexual, Identidade de Gênero.

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Também, neste mesmo ano foi possível presenciar um retrocesso ao nos deparar
com a problemática em torno da Escola sem homofobia que gerou reações de
resistência de ordem política, cultural e religiosa.
Um outro “passo em falso” foi a retirada do termos “identidade de gênero” e
“orientação sexual” da Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Essa medida
contrapõe ao ideal de cidadania e ao direito à igualdade dxs alunxs, sob uma prática
excludente e discriminatória, o qual é justificado pela incompreensão da
subjetividade humana, principalmente pelas questões de Identidade de gênero e
orientação sexual que ainda são fatores de discriminação e justificativas para
violações e crimes homofóbicos, ferindo os direitos humanos e o exercício pleno da
cidadania. Fato lastimável, pois o Brasil é campeão em crimes contra LGBTQ+.
Segundo Michel Foucault (2003) o termo Sexualidade surgiu no início do
século XIX, o que implica em outras construções de sentido que não estejam apenas
ligado a reprodução humana e ao controle de doenças sexualmente transmissíveis.
A utilização desse termo é constituída em relação a outros fenômenos, como o
desenvolvimento de campos de conhecimento diversos que estão intimamente
relacionados a estruturas que se apoiam em normas e regras das instituições sociais
no disciplinamento do indivíduo social e particular mediante a formação do ethos
através das instituições tais como a religião, educação, a família e governos.
Desse modo, as transformações e intersecções pelas quais os indivíduos são
construídos, formatados e levados a atender um ideal de sociedade hegemônica, em
que são subjugados dos seus sentidos, experimentações, sensações, prazeres e
sonhos. Ele compreende a sexualidade como um dispositivo histórico, como

à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a


intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos
conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências,
encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias
de saber e de poder (Foucault, 2001, p. 100).

Ainda segundo Foucault (2001), a sexualidade não deve ser entendida como
uma espécie de dado da natureza ou um domínio pouco conhecido que a ciência
aos poucos tentaria desconstruir. Assim,

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[...] trata-se de ver de que maneira, nas sociedades ocidentais
modernas, constitui-se uma “experiência” tal, que os indivíduos são
levados a reconhecer-se como sujeitos de uma “sexualidade” que
abre para campos de conhecimentos bastante diversos, e que se
articula num sistema de regras e coerções. (Foucault, 2003, p. 10).

Guacira Lopes Louro (2001) reforça esse argumento ao dizer que a


sexualidade não é apenas uma questão pessoal, individualizada, mas é social e
política, que é “aprendida”, isto é, construída ao longo da vida, de muitas maneiras e
por todos os sujeitos.
Nas propostas educacionais do Brasil a educação para as sexualidades ainda
é um grande desafio, pois mesmo sendo assegurada nas propostas curriculares,
vivenciam-se grandes entraves na prática cotidiana das escolas, muitos tabus,
preconceitos, pautados numa visão dicotômica e sob uma ótica normativa
compulsória e unicamente heterossexual em que os conhecimentos encontram-se
engessados em disciplinas heteronormativas, em modelos hegemônicos e
excludentes, os quais hierarquizam as diferenças sexuais e as diversas formas de
se viver as sexualidades fora da matriz heterossexual.
Silva corrobora o argumento quando diz que,

A sexualidade, embora fortemente presente na escola, raramente faz


parte do currículo. Quando a sexualidade e incluída no currículo, ela
é tratada simplesmente como uma questão de informação certa ou
errada, em geral ligadas a aspectos biológicos e reprodutivos (2011,
p. 108).

Cabe ressaltar também o que relata Louro (2000, p. 100) quando trata das
identidades marcadas e invisíveis (as diferentes) que “nas escolas, não apenas as
diversas áreas ou disciplinas foram produzidas sob a perspectiva masculina
heterossexual”. Relegando os saberes, as experiências e os problemas das
mulheres e das sexualidades dissidentes.
A esse respeito Freitas (2011) aponta que o termo “sexualidades dissidentes”
surgiu para nós a partir dos escritos de Gayle Rubin (1989[1984]) que o empregou
para tratar das sexualidades que estavam à margem (fora do que é considerado
legítimo, legal e aceitável): sexualidades não-reprodutivas, homossexuais, fora do
casamento, em lugares públicos, intergeracionais, pornográficas, sadomasoquistas e
outros.

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Já com as políticas afirmativas para as relações étnico-raciais, as discussões
são bem mais definidas e trazem para o campo das políticas públicas ações
legitimadas, o que as tornam mais eficazes, graças ao movimento negro brasileiro,
que desde a década de 90 passa a participar ativamente no desenvolvimento e na
articulação dessas ações.
Umas das conquistas mais significativas está na inclusão da lei 10.639/03,
que obriga o ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira, logo
complementada pela lei 11.645/08, que torna obrigatório, também, o ensino da
História e Cultura Indígena.
No entanto, é lamentável que essas leis não garantam de fato a realização de
práticas pedagógicas no ensino-aprendizagem para as relações étnico-raciais e da
cultura indígena, nas práticas de EJA, seja por falta de material de didático ou pela
falta de profissionais capacitados, o que segundo Gomes (2011, p. 42) a diversidade
“étnico-racial ainda continua ocupando um lugar secundário nos cursos de
licenciatura das Universidades brasileiras”.
Infelizmente, essa realidade reflete nas práticas pedagógicas das escolas
brasileiras, marcadas por estereótipos de corpos obedientes e doutrinados a servir
um padrão de sujeito social, principalmente quando se trata da cultura dos povos
negros, indígenas e da identidade de gênero, que na maioria das vezes são
marginalizados e vítimas de práticas discriminatórias, racistas e homofóbicas.
Portanto, “faz-se indispensável uma educação baseada na visão de que a liberdade
humana envolve a compreensão dessa necessidade”. (Giroux, Simon, 2011, p. 113)
Dessa forma, observa-se que todo debate em torno da educação,
sexualidades e gênero e etnicidade não se dão fora das relações de poder, das
questões políticas e do exercício da cidadania. Assim, acreditamos que todo debate
sob a égide da diversidade e diferença, diante do contexto apresentado, evidencia
as relações de controle e hierarquização na sociedade, fazendo-se necessário a
inserção de ações afirmativas de combate à discriminação racial e a violência contra
o LGBTQ+ na educação de Jovens e adultos.
Portanto, o currículo assume um papel importante dentro das escolas, pois
por ele permeia ideologias, culturas e relações de poder. Percebido, tanto nas
teorias tradicionais, críticas e pós-críticas, como uma forma institucionalizada de
transmissão da cultura de um povo.
Assim sendo, Silva argumenta que o currículo,

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é um dos locais privilegiados onde se entrecruzam saber e poder,


representação e domínio, discurso e regulação. É também no
currículo que se condensam relações de poder que são cruciais para
o processo de formação de subjetividades sociais. Em suma,
currículo, poder e identidades sociais estão mutuamente implicados.
O currículo corporifica relações sociais (2011, p. 23).

Ainda conforme as considerações de Tomaz Tadeu da Silva (2011, p.150) “o


currículo é o lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é
trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida.”

Considerações
A EJA, por ser uma modalidade complexa e carente de políticas afirmativas
que possam melhor defini-la, necessita da urgente criação de ações e práticas
pedagógicas que garantam aos sujeitos, historicamente mantidos à margem da
educação, posicionamentos políticos frente aos desafios vivenciados na
contemporaneidade, por esses sujeitos, principalmente sobre as questões étnico-
raciais, das desigualdades e da diversidade sexual.
Considerando os princípios constitucionais e os desafios de igualdade,
entendemos que os jovens e adultos imersos em seu contexto social experimentam
vivências diversas, que os singularizam e dão significados e sentidos às suas
práticas sociais. Sendo assim, Gomes (2011) diz que:

É a partir do alargamento da concepção e da prática de EJA,


compreendendo-a na sua dinâmica conflitiva no contexto dos
processos e construções históricas, sociais e culturais, que
encontramos espaço para uma reflexão profícua entre EJA a questão
racial e diversidade sexual (...) (Gomes, 2011, p. 89, grifo nosso)

Portanto, concebermos o ensino para os jovens e adultos é pensar numa


educação que esteja atrelada à forma de vida desses sujeitos, construídos
historicamente dentro de padrões disciplinadores de gênero, sexualidades e
discriminação de raça. Busquemos um caminho...

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CAPÍTULO 10 - FEMINILIDADES E MASCULINIDADES TRANSBORDANTES:
CORPOS TRAVESTIS E DE MULHERES LÉSBICAS QUE VIBRAM

Adriana Sales
Danielly Christina de Souza Mezzari

Este texto surge do diálogo de uma tese de doutorado acerca de


travestilidades brasileiras e de uma tese em andamento que se propõe a
problematizar os binarismos ainda presentes na psicologia por meio de obras
escritas por Cassandra Rios. Temos como objetivo, neste espaço, pensar nas
existências travestis e lésbicas enquanto potências de questionamento das normas
acerca de como os corpos devem se expressar dentro de modelos de feminilidades
e masculinidades vigentes. A partir daí, faremos alguns apontamentos que
consideramos produtivos ao campo da educação. Acreditamos que nossas escolhas
dizem de posições políticas, seja nas perspectivas metodológicas, seja na eleição
das bases teóricas no que tange às contestações acerca de enquadramentos fixos
das corporalidades de mulheres lésbicas e de travestis. Somos mulheres. Travesti,
sapatão. Rompemos com padrões binários esperados pela sociedade
heteronormativa, machista.
Ao trazer para os embates das produções de conhecimentos as questões de
corpos dissidentes, posições de vidas destoantes das normas e expressões de
gêneros nômades, marcamos as premissas das defesas de vidas possíveis que
abordaremos. Vidas que importam e que, na contemporaneidade, têm enfrentado
batalhas violentas para manutenção de suas existências, mas que ainda assim
resistem às capturas hegemônicas destes universos dominantes, os quais,
acreditamos, têm sido contestados frente às experiências exitosas de pessoas que
sobrevivem, felizes, com suas estilísticas de existência, mesmo diante a tanto
sofrimento psicossocial, estrutural e negação de direitos.
Os processos que atravessam essas experimentações nos demandam
abordar conceitos sobre os quesitos e estudos sobre corpos, gêneros, feminilidades
e masculinidades em perspectivas queers e que nos dão suportes teóricos para este
enfrentamento epistemológico frente a certas produções que buscam marcar a
biologia universalizante como fundamento da vida. Ao contrário, pactuamos com a
premissa de que o corpo biológico é também algo a ser explicado, historicizado.

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Como alega Butler (2002) pensar o corpo enquanto construção nos exige
reconceber a própria ideia de construção. Se certas construções nos dão a
impressão de serem constitutivas, não podemos perder de vista que os corpos só
vivem e perduram, só são constituídos, por meio de uma relação com determinados
esquemas reguladores. Deste modo, os diálogos com os estudos sobre a teoria
queer, a perspectiva cartográfica e o conceito de experiência também nos parecem
necessários.

Travestis: corpos que vibram e expressões de gêneros nômades


Ao abordarmos as expressões de gêneros nômades estamos afirmando que
outras possibilidades nas expressões humanas são possíveis e precisam ser
reconhecidas enquanto vidas válidas. As expressões de gêneros travestis
demandam pinçar elementos de feminilidades e masculinidades em uma mesma
composição corporal. Logo, são pessoas que se reconhecem (apresentam) no
gênero feminino, porém não abrem mão de elementos e tecnologias corporais ditas
masculinas: como o uso de seus pênis, por exemplo.
Os gêneros nômades defendidos, aqui, têm suas bases em diálogos com
Rosi Braidotti (2004) e Judith Butler (2015) ao nos apontarem as múltiplas
possibilidades de trânsito processual que as elaborações dos gêneros podem
performar nas experiências de vidas. Os meandros estéticos dos/nos gêneros
atravessam os compromissos éticos e políticos ao garantirem as muitas
possibilidades das pessoas se apresentarem socialmente, culturalmente e
fisicamente, com seus discursos, suas corporalidades, no contemporâneo. Pois,
referendadas aqui, pela filosofia da diferença, as muitas estéticas não têm a ver com
a dureza biológica e, sim, estão no plano das sensações, dos desejos, das
corporalidades e em o que pode e quanto cabe em um corpo.
São relações processuais e não fixas que afetam e são afetadas nos
cotidianos da sociedade e, de maneira a garantir as sobrevivências, felicidades e
potências de vidas de todas as formas e estilísticas das existências, pois “[...] o
corpo está exposto a forças articuladas social e politicamente, bem como as
exigências de sociabilidade – incluindo a linguagem, o trabalho e o desejo -, que
tornam a subsistência e a prosperidade do corpo possíveis” (Butler, 2015, p. 16). E,
ainda para Deleuze e Guattari, “[...] todavia, as figuras estéticas não são idênticas
aos personagens conceituais [...]” (1992, p. 229).

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É toda expressão contrária ao poder, não podendo ser queer e, sim, estando
queer. É escapar das capturas normatizadas de identidades fixas, pois há um
movimento de flutuação nas existências e expressões das diferenças, nestas
produções dos gêneros travestis. É a percepção da vida numa página em branco,
que cabe tudo, e o uso que estamos fazendo dos conceitos de nômade.
Para os estudos em perspectivas queer o que mais interessa é o processo, a
produção, e não o resultado final, pois para os corpos, não há uma chegada. Há
uma partida que valida a biologia, mas que sabe que ela é produção e, sozinha, não
dá conta das complexidades e linhas que tecem as estilísticas das corporalidades.
As imagens, desejos e prazeres que podem estar inscritos nessas corporalidades
são imensamente facetadas em cada pessoa. As ordens discursivas que vão
ditando essas inscrições e nomeando os gêneros.
Assumir o nomadismo, para os gêneros travestis, é situar os processos
sempre contínuos, anti essencialistas, marcando as virtualidades que elegemos das
significações dos universos femininos e masculinos, na crise que vivemos e
atravessamos nas relações humanas (Braidotti, 2004). Reafirmamos, portanto,
nossas posições feministas ao contrapormos as regulações machistas e sexistas.
As ciências e as produções dos conhecimentos se entrecruzam nos
cotidianos e as relações entre os gêneros estão inseridas nas dinâmicas corporais e
sexuais, contestando aspectos biológicos fixos universais. São gêneros nômades
por trazerem os hibridismos, ou ciborgues, para Donna Haraway, mas que, aqui,
somam-se, para além do sistema das tecnologias dos corpos das mulheres, em
sistemas de processualidades e subjetivações que não têm no polo binário biológico
suas únicas contestações.
Da mesma maneira que são produzidos gêneros que se desenham nas
variadas expressões, neste caso, marcando as estilísticas das existências que foram
historicamente excluídas das inteligibilidades das vidas: as travestis; cada vez mais
visibilizadas nas emergências subalternas em ser feliz e em marcar
problematizações sobre os gêneros, que ampliam as noções de fixidez e que levam
sempre à noção de “[...] representação binária do gênero” (Scott, 1995, p. 87).
Mapear as travestilidades enquanto produções de gêneros nômades
ultrapassa e desconstrói os machismos falocêntricos, que sempre ditaram as regras
e normas, inclusive das consciências, dando vazão a novas configurações precárias
e subalternas de vidas, que se posicionam contrárias aos aprisionamentos do falo ao

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gênero, porque, as travestis são pessoas que se apresentam numa perspectiva de
gênero feminina, mas não de mulher. O mais desestabilizador, para tais padrões
machistas falocêntricos, é que essas pessoas se mantêm na feminilidade e, na
maioria das vezes, com seus pênis, funcionais, diga-se de passagem.
São pessoas nômades ao trazerem e resistirem às dominações masculinas,
não as negando, mas as aproveitando/resignificando. As travestis se apoderam de
tal gênero justamente para garantir seus processos de subjetivação, pois garantir
esta flexibilidade, para Braidotti,

En consecuencia, reconcebir las raíces corpóreas de la subjetividad


es el punto de partida para iniciar un proyecto epistemológico del
nomadismo. El cuerpo, o la corporización del sujeto, no debe
entenderse ni como una categoria biológica ni como um acategoría
sociológica, sino más bien como un punto de superposición entre lo
físico, lo simbólico y lo sociológico (2000, p. 29-30).

São dissidências femininas que transpõem as práticas e desejos para as lutas


pela manutenção da vida, suas práticas desejantes e sexuais, muitas vezes,
significadas como políticas de defesa pelas diferenças, que recusa os estigmas e,
ainda, para Rosi Braidotti, “[...] em vez de separar da afirmação da diferença a luta
pela igualdade, vejo-as como complementares e parte de uma história contínua [...]”
(2000, p. 126). Logo, são resistências feministas que agregam na luta pelas suas
sexualidades e práticas sexuais outros elementos, como o uso dos corpos, pois,

[...] o movimento feminista é o espaço onde a diferença sexual se


torna operacional por intermédio da estratégia de lutar pela igualdade
dos sexos numa ordem cultural e econômica dominada pelo vínculo
masculino homossocial. O que está em jogo é a definição da mulher
como um outro que não seja um homem (Braidotti, 2000, p. 126).

Logo, as travestis falam de lugares muitas vezes não enxergados em/nas


práticas das sexualidades que não são visibilizadas politicamente. As histórias
singulares se tornam muito particulares e os desejos de cada processo dos corpos,
de composições identitárias políticas coletivas, intercalam-se aos padrões
psicossocialmente significados às sexualidades viáveis, em certos padrões sociais,
coexistentes em relação às epistemes das vidas travestis, suas composições
estéticas singulares, seus ânus, seus falos.

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Ao preconizar os ecos dessas vozes (vidas travestis), para além dos
resultados das relações que se somam às intencionalidades das pesquisadoras
deste texto, nesses diálogos, marcamos as perspectivas do método cartográfico
trazendo latentes aspectos de engajamento político para com as produções
científicas na atualidade, pois,

Garantir a participação dos sujeitos/sujeitas envolvidas na pesquisa


cartográfica significa fazer valer o protagonismo do objeto e a sua
inclusão ativa no processo de produção de conhecimento, o que por
si só intervém na realizada, já que desestabiliza os modos de
organização do conhecimento e das instituições marcados pela
hierarquia dos diferentes e pelo corporativismo dos iguais (Kastrup;
Passos; Tedesco, 2014, p. 27).

Estas estratégias de pesquisa caracterizam-se como posicionamentos


estéticos, enquanto cartografia, ao reforçar os variados deslocamentos que “[...]
viabilizam o acesso ao plano de transformação da vida, em vez de funcionar de
modo mecânico, automático, no já dado sistema fechado sujeito(a)-objeto” (Kastrup;
Passos; Tedesco, 2014, p. 51).
Essas relações, na escolha metodológica, têm imensa conexão ao apresentar
ferramentas de contestação discursiva e sobre as subjetivações dos gêneros, pois o
queer tem sua força de resistência sobre as patologizações e os insultos àquilo que
se difere do inteligível (Butler, 2003), como as travestilidades, ou, de modo geral,
propõe a pluralidade (garantia das diferenças), mistura, hibridismo e possibilidades
infinitas nas singularidades. As perspectivas queer ganham forças a partir dos anos
80 com pesquisadoras e pesquisadores americanos e do Reino Unido que,
atravessados por muitas crises e acontecimentos socioculturais, como a epidemia
da AIDS, revertem os sentidos iniciais do uso da palavra para rotular pessoas
LGBTTs e contrapõem tais usos produzindo discussões e ativismos potencializando
o posicionamento expressivo de contestação do termo (Peres, 2013).
Os posicionamentos que marcamos politicamente têm em vista as
importâncias das linhas de subjetivação, que atravessam as pessoas que são
colocadas às margens dos direitos à vida. Ao dialogar com as produções teóricas
queer, buscamos garantir elementos que, inicialmente, são problematizados para as
questões de erotismos e práticas sexuais para ampliar tais discussões, que
desaguem nas potencias das corporalidades e expressões travestis, pois,

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Queer es un produto de pressiones especificas culturales y teóricas


que estructuraron debates (tanto fuera como dentro de la academia)
en torno a la identidad, como un intento de avanzar en los
planteamientos identitarios a partir de un análisis más en profundidad
de la subjetividad y los procesos de subjetivación en la línea
planteada por Michel Foucault, Herbert Marcuse, Norbert Elias o
Robert Castel, que coinciden con una voluntad común de explicar, y
tratar de superar, dimensiones irracionales de nuestra vida social que
tienen que ver com determinados códigos teóricos, instituciones y
poderes legitimados muchas veces en nombre de la cientificidad
(Penedo, 2008, p. 115).

Sobremaneira, ao marcar nossas posições nas escolhas teóricas e


metodológicas contestatórias e marginais, problematizamos novas e reais
possibilidades de inclusão daquelas que sempre tiveram muitas dificuldades na
garantia de direitos básicos, mas que agora, na contemporaneidade, estão exigindo
seus espaços de direito enquanto cidadãs. Pois, esta ciência que procuramos
produzir, em perspectivas queerizadas, apenas reafirma que “[...] o mundo não é
matéria-prima para humanização; todos os ataques ao humanismo, outro ramo do
discurso sobre “a morte do sujeito”, deixaram isto muito claro” (Haraway, 1995, p.
37).
Estes elementos nos dão plena confiança em garantir nossas defesas pela
vida, defesas por gêneros femininos com variadas estéticas e na renúncia pelas
capturas machistas que discriminam, estigmatizam e excluem pessoas por
escolherem para suas vidas, para seus corpos, os modos como querem viver. As
travestis materializam todas essas rupturas ao borrarem os universos masculinos,
pois são pessoas do gênero feminino nascidas numa biologia de macho: logo,
abrem mão do lugar de conforto e dominação masculina para irem para a trincheira
do enfrentamento heteronormativo machista.

Lesbianidades em cena: o que pode um corpo lésbico?


O que é ser uma lésbica? O que legitima uma dada experiência como sendo
tipicamente feminina ou masculina? Quais corpos podem ser considerados corpos
lésbicos? Lançamos estas perguntas com a intenção de nos interrogarmos acerca
de quais são os fundamentos que legitimam e que dão forma às configurações
possíveis de lesbianidades no contexto no qual vivemos. Não pretendemos, com
isso, assegurar ou produzir uma resposta que nos conceda alguma espécie de

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conforto ao fornecer uma base segura sobre a qual nos apoiar. É preciso retornar à
noção de matéria, mas não para concebê-la enquanto uma superfície estável ou o
lugar natural sobre o qual serão inscritos os efeitos das normas sociais vigentes.
Antes disso, precisamos pensar a matéria mesma enquanto fruto de um
processo de materialização (Butler, 2002). Masculinidade, feminilidade, homem,
mulher e quaisquer outras categorias identitárias que se pretendam universais
podem ser pensadas enquanto ficções políticas encarnadas (Preciado, 2014).
Seguindo na perspectiva de Preciado, é possível e necessário promover
coletivamente uma rebelião contra essas ficções que nos constituem e que
produzem nossos corpos, desidentificando-nos criticamente delas e imaginando
outras ficções que não produzam violências, que não produzam sistematicamente
formas de opressão e exclusão.
Nesse sentido, podemos nos perguntar, ainda, o que pode um corpo lésbico?
valeria flores19 (2013) alega que o corpo lésbico não visa a pretensões
universalistas, nem totalizantes ou supremacistas. Seus limites não estão
determinados pelo contorno da pele. O corpo lésbico, como assevera a autora, faz
referência mais à fuga do corpo hetero do que, de fato, a uma identidade lésbica.
Sua definição não se sustenta em nenhuma anatomia ou função de órgãos
específicos, antes disso, produz uma “desconfiscação” da organização dos nossos
órgãos dentro do regime do heteropatriarcado. Por isso valeria flores alega que não
é a vagina o que legitima e singulariza o corpo lésbico, mas sim sua inscrição em
uma outra economia do desejo, no deslocamento do uso hetero orientado dos
nossos corpos, produzindo, a partir desta posição, outras possibilidades de
percepção e afecção:

El cuerpo lesbiano resignifica esta partición y territorialización del


placer haciendo de todo el cuerpo un órgano sexual, una cartografía
anatómica expandida: la mirada, el movimiento de las manos, la
precisión del tacto, el grado de apertura de la boca, la cantidad de
sudor o de flujo (Flores, 2013, p. 131.)

Diante do organismo enquanto um corpo hetero que organiza por meio de


uma forma específica a relação entre órgãos, fluidos e produção de prazer, a autora
aposta no corpo lésbico como uma proliferação de intensidades, de deslocamentos

19
Valeria flores prefere ter seu nome citado em minúsculo pois, de acordo com entrevista concedida
à Rádio WEB MACBA “ vive con la obsesión paralingüística de escribir su nombre con minúsculas”.

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anatômicos, afetivos que produzem efeitos diversos na regulação dos órgãos.
Monique Wittig (2006) já afirma que o sexo é uma categoria política que funda a
sociedade em um modelo heterossexual. Para a autora o conceito de “lésbica” está
para além das categorias de homem e mulher justamente porque as lésbicas não
podem ser consideradas mulheres nem econômica, política nem ideologicamente, já
que o que constitui uma mulher é uma relação específica com um homem, a saber,
uma relação de servidão da qual as lésbicas escapam em certa medida ao
rejeitarem a heterossexualidade.
Preciado (2014) alega que a afirmação de Wittig de que “as lésbicas não são
mulheres” aponta tanto para o caráter construído do gênero quanto diz da
possibilidade de intervir nessa construção, abrindo linhas de fuga com relação a uma
norma projetada. Para Preciado o sexo se traduz em uma tecnologia de dominação
heterossocial. Essa pretensa evidência que enxergamos para afirmar a existência da
diferença sexual tem a ver, de acordo com Preciado, com a criação de tecnologias
muito sofisticadas que produzem certas partes do corpo como sexuais, erógenas,
atribuindo determinadas funções a órgãos específicos.
Se tomarmos o sexo, nessa perspectiva, como uma tecnologia de dominação
heterossocial, deslocar a vagina do centro que institui o sexo feminino nos permite
produzir uma argumentação que dá conta de algumas estratégias pelas quais
podemos construir um corpo lésbico comprometido com um processo de
transformação discursiva e corporal (flores, 2009). Para a autora o deslocamento da
vagina enquanto um órgão chave na produção do corpo heterossexual, tendo em
vista o vínculo entre o trabalho (hetero)sexual e a reprodução, permite
desterritorializar o corpo lésbico do processo de se fazer mulher.
É importante assinalar a ressalva que faz Halberstam (2008) com relação à
invisibilidade do corpo lésbico. Seria um erro, seguindo Halberstam, afirmar que
todas as lésbicas são igualmente invisíveis. Quando pensamos nos corpos de
lésbicas negras, das sapatões da classe trabalhadora e também das que se
encontram em prisões percebemos que pagam um preço alto por sua visibilidade.
Nesse sentido, Halberstam nos convida a refletir acerca da insistência que por vezes
fazemos em pensar o sexo lésbico como fantasmático, silencioso e no quanto essa
perspectiva pode ignorar outras sexualidades que são, pelo contrário, hipervisíveis e
que produzem relações complexas entre invisibilidade e exposição.

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A questão não passa simplesmente por considerar as possíveis
especificidades da opressão racial, mas sim de “analisar a constituição mútua do
gênero e da raça, o que poderíamos chamar a sexualização da raça e a racialização
do sexo, como dois movimentos constitutivos da modernidade sexo-colonial”
(Preciado, 2007, p. 376).
A pesquisadora Tanya Saunders (2017) faz uma aproximação entre as
justificativas médicas que se produziram socialmente acerca dos corpos das
mulheres negras e das mulheres lésbicas e nos diz que estas eram concebidas
como aquelas que possuíam “um clitóris maior do que o normal”, o que justificaria a
“lascividade” destes corpos. Como nos explica a autora, a categoria de “mulher
invertida” foi explorada em um primeiro momento através dos corpos das mulheres
negras e servia, ao mesmo tempo, para reforçar a ideia de que mulheres brancas
eram basicamente seres assexuados.
Quanto mais próximo do ideal de branquitude estivesse um corpo mais
próximo estaria da classificação de “humano” o que significaria, também, uma
diminuição da noção de uma hipersexualidade deste corpo. Saunders (2017) alega
que a produção do pervertido sexual sugere que com o avanço da civilização as
mulheres brancas chegariam a perder o desejo sexual ou, então, que uma mulher
branca moderna, de fato, não teria desejo sexual.
A categoria de invertido passa a ser racializada “através da racialização de
certos atos sexuais, desejos e prazeres “sexuais” como perversos e como possíveis
de serem lidos no corpo” (Saunders, 2017, p. 111). A autora se alinha, portanto, às
perspectivas que assumem que a heteronormatividade é um sistema racializado de
poder tanto quanto generificado e sexualizado.
Quando pensamos que os corpos das pessoas negras foram marcados pela
ideia de uma sexualidade perigosa, incontrolável, o que já pressupõe a noção de um
desvio sexual, torna-se impossível alegar que as mulheres negras heterossexuais
usufruem dos privilégios da heterossexualidade da mesma forma que mulheres
brancas heterossexuais (Saunders, 2017). Do mesmo modo, as lésbicas brancas, as
“invertidas”, sofrem um processo de racialização sendo consideradas, por isso,
menos humanas.
Halberstam (2008) problematiza também a produção das masculinidades por
meio das existências das “mulheres masculinas”. A própria existência destas
mulheres provoca rupturas nos pressupostos mais básicos que fundamentam as

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funções e as formas que assumem a masculinidade. Para além disso, a autora se
pergunta por que o vínculo entre homens e masculinidade permaneceu
relativamente seguro apesar dos ataques insistentes à naturalidade do gênero nos
campos feministas e queers. Halberstam (2008) defende a tese de que o que
chamamos de masculinidade feminina é, na verdade, uma multiplicidade de
masculinidades e quanto mais as identificamos, mais elas se multiplicam.

Apontamentos possíveis para o campo da educação


Quais são os possíveis atravessamentos das problemáticas trazidas neste
texto para o campo da educação? Acreditamos que o projeto de normalização
vigente, que se fundamenta em perspectivas liberais e que impulsionam
majoritariamente o campo educativo, não questiona as relações de poder que estão
na base da produção das diferenças (flores, 2009). Esta posição, como sustenta
ainda a autora, preconiza a necessidade de um currículo que proporciona a
elaboração de valores como tolerância, harmonia e respeito, mas que não coloca em
questão como as diferenças são produzidas socialmente e como essa produção
implica na criação de desigualdades.
Alçar estas questões nos cotidianos educacionais é comprometimento ético e
político com as diversidades humanas que compõem as comunidades
contemporâneas. Pautar o rompimento das identidades fixas e binárias é
fundamental para garantir direitos equânimes para todas as pessoas que acessam
esses espaços, principalmente quem sempre esteve à mercê do desrespeito,
estigmatização e exclusão, como travestis e lésbicas.
As diferenças devem ser o mote para que a estrutura da escola reconheça e
garanta pedagogias pela vida e não pela seleção e exclusão. Defendemos uma
pedagogia comprometida com a população brasileira negra, obesa, trans, bicha,
sapatão, pobre, de periferia, etc. e que precisa ampliar seus alcances para além do
projeto bancário escolar e dar vasão para as pluralidades com qualidade.
Estas posições políticas de entendimento sobre educação para as diferenças
é primordial. E, como indica Guacira Lopes Louro, são reivindicações para defender
a integração das pessoas que são alocadas em uma “anti-naturalidade” porque “a
identidade negada é constitutiva do sujeito, fornece-lhe o limite e a coerência e, ao
mesmo tempo, assombra-o com a instabilidade” (Louro, 2001, p. 549). É urgente
repensarmos a escola como lócus de conhecimento para todo tipo de gente, pois,

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contrapondo o poder hegemônico branco, classista, heterossexista, é preciso
retomar a educação e o conhecimento como protagonista de liberdade, como
instrumento de inclusão e de respeito das diferenças.
Este modelo, seguindo os passos de Paulo Freire (1996), é pauta incansável
do ativismo lésbico e travesti brasileiro. Isto se dá pela necessidade em não mais se
repetirem as histórias de violências e exclusões que vivemos e garantir que novas
gerações tenham uma escola que lhes caiba, que lhes reconheça e lhes proporcione
acesso ao currículo real que se oculta na contemporaneidade. Há uma urgência em
invertermos este papel bancário da escola na qual, de acordo com Paulo Freire, “em
lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os
educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem”
(Freire, 1996, p. 57).
As diferenças que defendemos são aquelas de direito: direito ao corpo, às
configurações das expressões de gêneros, das flutuações nas feminilidades e
masculinidades. Logo, as instituições de educação têm obrigatoriedade em
contemplar todas as pessoas e não mais reproduzir posições de enrijecimento e
manutenção dos binarismos, tidos como naturais. Como afirma Freire “eis aí a
concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se
oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los”
(Ibidem).
Os enfrentamentos que essas configurações femininas nos relatam em cada
cartografia de vida apontam o modelo de sociedade e feminismo que acreditamos.
Uma perspectiva feminista e de gênero que agregue, que seja parceira, que seja
pela vida e pelo modelo de sociedade com equidade de direitos nas diferenças e
diversidades humanas, porque,

Isto implica no compromisso com a mudança social transformadora,


o momento de esperança embutido nas teorias feministas de gênero,
e em outros discursos emergentes a respeito da quebra da
subjetividade dominadora e na emergência de outros impróprios/não
apropriados (Haraway, 2004, p. 245).

A escola almejada, inclusive para as variadas performances de feminilidades


e masculinidades, que compõem as duas pesquisas citadas pelas autoras deste
texto deve ser não apenas a que oferte acesso para todas as pessoas. Ela deve ter
na diferença o propósito de seu currículo e precisa fomentar uma pedagogia que, de

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acordo com Tomaz Tadeu da Silva (2000), se atente aos diversos processos de vida
que podem nela transitarem.
Não podemos perder de vista que as instituições educativas são
fundamentadas em um desejo por fixar de modo que tudo aquilo que pareça
ambíguo, inclassificável, incerto, soa como um problema a ser resolvido (flores,
2014). Apostamos, juntamente com a autora, que uma das tarefas das pedagogias
que se pretendem desobedientes é justamente repensar o conceito de ignorância no
campo da educação. Sedwick (2007) afirma que a ignorância não pode ser
compreendida como uma simples falta de informação, mas sim como um efeito de
um modo específico de conhecimento, de um regime de verdade que estabelece
uma distinção extremamente rígida entre o que deveria ser do âmbito público e o
que deveria se limitar ao privado.
Pode ser um tanto assustador pensarmos nas relações possíveis entre o que
valeria flores (2009) chama de “vida sexual pessoal” de uma professora, por
exemplo, e seu trabalho em sala de aula. No entanto, apostarmos na manutenção
de uma divisão estrita entre público/privado significa apostar também, como pontua
a autora, em uma narrativa que privatiza a diferença, que não questiona a produção
normativa e opressiva com relação aos gêneros e às sexualidades, mantendo assim
a “harmonia heterossexual”.
Nesse sentido flores afirma que explorar possibilidades que permitam a
professoras sapatonas emergirem nos espaços educativos fora do lugar de estigma
e vergonha tem a potência de produzir uma função transformadora nestes espaços.
Do mesmo modo, acreditamos ser enfrentamento aos padrões heterossexistas
garantirmos as travestilidades nestes espaços escolares, nos currículos, nas práticas
profissionais e nos cotidianos educacionais. Estas pessoas estão na trincheira de
luta por direitos pois imbricam elementos que não se limitam aos alegados universos
femininos e masculinos em uma mesma corporalidade, logo, transbordam o que se
espera delas.
valeria flores (2009) parte de sua própria experiência enquanto uma “maestra
tortillera” para fazer suas análises e experimentações no âmbito da escrita, mas
acreditamos poder estender suas considerações para pensarmos em todos os
corpos que fogem às normas prescritas. Nesse sentido, explorar estas
possibilidades apontadas pela autora deve ser encarado como um compromisso de

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todas e todos que estejam preocupadas/os em tornar a escola um ambiente mais
habitável, um espaço possível para os desejos.
Acreditamos ser necessário promover um trabalho que faça frente à
heterossexualização das políticas de conhecimento e para tanto não é suficiente
propor uma simples assimilação de conteúdo acerca de identidades não normativas.
Precisamos fundamentalmente desnaturalizar, desmontar as relações vigentes entre
conhecimento/desconhecimento sobre os corpos, as quais produzem hierarquias,
violências, privilégios (Flores, 2014).
Apostamos em uma prática pedagógica que esteja inspirada nas teorias
feministas e queer pois acreditamos que elas nos ajudam a forçar os limites das
epistemologias dominantes, disputando o conhecimento como socialmente
construído e, a partir daí, explorando e abrindo caminhos para aquilo que ainda não
foi previsto ou antecipado (Flores, 2009). As travestis e as sapatões cartografadas
nos apontam o quão urgente é a reconfiguração dos processos educacionais no que
tange aos direitos de outros gêneros e estilísticas das existências.
Alinhamo-nos a valeria flores em seu convite a pensar apaixonadamente a
micropolítica cotidiana escolar e na potência que há em produzir outros relatos,
outros corpos, outras relações e conhecimentos, de modo a promover um
estreitamento entre uma análise queer e modos queer de habitar os espaços
escolares. Para nós, trata-se de pensar a educação enquanto invenção, produção
do comum (flores, 2014), em que haja espaço para o dissenso, o que pressupõe a
produção de ferramentas afetivas, políticas e teóricas que produzam deslocamentos
nos ideais emancipatórios do liberalismo.

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CAPÍTULO 11 - A PSICOLOGIA E A FORMAÇÃO PARA GÊNERO E
SEXUALIDADES

Tatiane Pecoraro
Rafael Siqueira de Guimarães

Propomos neste trabalho analisar os documentos oficiais para a formação em


Psicologia através das conjecturas teórico-metodológicas e políticas dos estudos
feministas e queer no campo das Psicologias. Inicialmente, situamos o
desenvolvimento da Psicologia enquanto ciência, passando então para como os
saberes psicológicos, organizado em disciplinas, ementas, projetos políticos
pedagógicos e diretrizes curriculares, dão visibilidade aos interesses, às forças que
os produzem e aos efeitos que têm suas teorias e práticas. Efeitos, estes, com
implicações diretas nas proposições normativas do Conselho Federal de Psicologia.
Este estudo foi desenvolvido como parte da discussão apresentada na
dissertação de Mestrado em Educação da UNICENTRO, intitulada “Discursos sobre
gênero e diversidade sexual na formação de psicólogas(os)” (Pecoraro, 2015). E
aqui revisitamos algumas questões apontadas a fim de atualizar a discussão,
considerando esse momento em que estão organizando novas diretrizes curriculares
para os cursos de formação em Psicologia.
Consideramos alguns movimentos institucionais e sociais cruciais para
(re)pensar a questão de relações de gênero e diversidade sexual. Dentre eles: o
movimento feminista, o movimento LGBTI, movimento queer, e o movimento
feminista negro com suas teorias da interseccionalidade, entre outros que
contribuíram para a problematização das teorias e da própria ciência, denunciando a
reprodução das desigualdades nas relações de poder engendradas na cultura e
reproduzidas na ciência.
É necessário destacar que estamos em disputa de poder; poder para
expandir. Em contrapartida, a necropolítica, em uma das acepções apontadas por
Mbembe (2012, p. 135), que é a “destruição material dos corpos e populações
humanos julgados como descartáveis e supérfluos”, se alastra a nível molar de
diversas formas, buscando de modo insistente esquadrinhar corpos e desejos,
mesmo que isso signifique a morte. Esse insistente movimento chega em seu auge,
particularmente no Brasil, mas também como um movimento mundial

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ultraconservador, em que podemos listar várias frentes direcionadas principalmente
às sexualidades. Cito: a tentativa do judiciário de enfraquecimento da lei 001/99 do
Conselho Federal de Psicologia; o ataque às artes como o acontecimento no
QueerMuseu e na tentativa de legislar sobre os corpos nus dos artistas; ou mesmo o
uso do argumento de proteção da infância contra a pedofilia, que não problematiza a
insistência de abusos infantis dentro da família. Essas necropolíticas são eficientes
ao promover discursos de ódio e de extermínio, como se as pessoas estivessem em
grupos de oposição, em disputa de poder para reprimir/exterminar.
As necropolíticas têm encontrado na política da identidade, e em algumas
teorias e práticas da Psicologia, um importante aliado à sua governamentalidade.
Com frequência, as identidades são aliadas a projetos de limpeza da diferença.
Entretanto, há resistência, e esses nomes como mulher, homossexual,
afrodescendente, que foram criados para marcar a diferença, são abraçados e
passam a marcar uma forma de luta contra os regimes que os criaram.
Assim, o Movimento Feminista destaca-se como um dos mais importantes da
atualidade, desencadeando muitas questões sobre os modelos teóricos e métodos
de diversas ciências. O impacto na Psicologia tem sido bastante significativo,
principalmente em dois aspectos: (i) a necessidade de rever seus métodos e
conceitos, (ii) e como abordar o sujeito e suas relações considerando a crescente
demanda das(os) psicólogas(os) para que produzam discursos/saberes sobre essas
relações.
A entrada do movimento feminista nas críticas à produção da Psicologia
aponta contradições e provoca desassossegos, às teorias e práticas, e a
necessidade de um reposicionamento desta disciplina. Questionando suas
afirmações e verdades, denuncia como a Psicologia vem contribuindo em diversas
de suas teorias para o controle social e a manutenção de diferenças entre os sexos,
produzindo violências e a patologização de muitos destes sujeitos.
A perspectiva feminista na Psicologia, de acordo com Nogueira (2000), pode
ainda contribuir tentando elucidar mecanismos psicológicos pelos quais os gêneros
exercem seu controle, e desafiar a tendência da psicologia para aceitar a diferença,
demonstrando como as categorias, profissionais ou culturais, são construídas.
Atentando para essas questões que propomos, neste trabalho pretende-se
denunciar como a Psicologia, através de seus oficialismos, vem contribuindo para
produzir e legitimar crenças de visões binárias e estáticas sobre os sexos e gêneros,

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por vezes se aliando às necropolíticas, assim como a importância do movimento
feminista e do movimento queer e sua incursão na ciência para produção de novos
saberes e métodos aos discursos20 psis.

A tradição da Psicologia como ciência


A História da Psicologia também é a História da cultura: seus processos não
são dissociados. Como as histórias de culturas psicológicas são a história de
tradições de pensamento psicológico, que constituem certa identidade profissional
através de tradições como práticas sociais de longa duração, consequentemente
tradições de pensamento psicológico são culturas, ou práticas culturais,
estabelecidas por documentos que legitimam o consenso sobre essas práticas.
Considerando a tradição positivista da Psicologia, herdeira de correntes do
pensamento com ênfase Racionalista, e impulsionada pelas ciências naturais, a
emergência da Psicologia como ciência moderna vive em crise permanente, assim
como outras ciências humanas. Esta crise se configura por uma grande diversidade
de “posturas metodológicas e teóricas em persistente e irredutível oposição”
(Figueiredo, 2003, p. 11). Estamos falando de uma dificuldade de estabelecer uma
identidade única para a Psicologia, o que possibilita uma pluralidade de enfoques.
As Psicologias21 vêm se construindo principalmente no século XIX e XX, com
significados ampliados quanto ao que elas fazem. De acordo com Rose (2011), elas
alteram no desenvolver de suas práticas e discursos a forma pela qual é possível
pensar as pessoas, as leis e os valores que governam as ações e a conduta dos
outros e a nós mesmos, e constituem a base do Estado moderno de
governamentalidade dos cidadãos a partir do autogoverno de si.
Essas teorias eram necessárias ao conhecimento e ao controle dos corpos
individuais e sociais, forjadas na observação e registros dos comportamentos
humanos e grupos sociais, e neste movimento de esquadrinhamento sistemático do
tempo, do espaço e dos corpos dos indivíduos se tornam disciplinarizantes e foram
chamadas por Foucault (2006) como “práticas disciplinares”, que por sua vez
estabelecem através de suas forças uma relação em que os indivíduos e instituições
precisam ser dóceis e úteis, ou seja, atuam como normatizantes. Então devem ser

20
Discurso aqui não se refere apenas à Linguística, mas às condições de emergências de
dispositivos discursivos que sustentam práticas ou as engendram (Revel, 2005).
21
Considerando a variabilidade de formas psicológicas em um campo múltiplo tanto de atuação
quanto de teorias, faremos referência “às Psicologias”.

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pensadas enquanto produtoras de poder, verdades e processos de subjetivação
capazes de tornar o sujeito humano pensável de acordo com diversas lógicas e
fórmulas, estabelecendo formas científicas para isso.
A legitimação da Psicologia como disciplina científica esteve intrinsecamente
amarrada à psicologização de uma variedade de lugares e práticas para inspirar,
formar, organizar e disseminar verdades sobre as pessoas. Não é um processo
único para escrever a genealogia da Psicologia e suas multiplicidades, mas um
debate continuo sobre as características da subjetividade. Esta variabilidade de
formas psicológicas de criar e governar pessoas tem um poder de largo alcance, que
evidencia o campo psicológico como múltiplo e assume a recusa em encerrar o
debate em um viés único ou único campo de atuação.
Os fundamentos deste processo de pesquisa centram-se em ideias pós-
estruturalistas, que recusam dicotomias, e colocam a atividade de pesquisa como
integrante da dimensão sociopolítica dos tempos e dos espaços vividos. Assumimos
postura contra a naturalização da realidade e dos sujeitos, propondo o discurso e a
linguagem, as técnicas e práticas, como elementos centrais nas produções teóricas.
Desse modo, os processos culturais e políticos são considerados elementos
fundantes na construção do conhecimento (Scarparo, 2008).
E, assim como Barreto (2016) questiona, por quê certas práticas psicológicas,
principalmente as relacionadas aos prazeres, sexos e gêneros, não são legitimadas
como compositores da identidade da(o) profissional psicóloga(o)? Neste contexto
enfatiza que não é uma batalha pelo fim da psicologia clássica em prol de uma neo-
Psicologia, mas a invenção de novos conceitos, com saberes outros para outras(os)
profissionais de Psicologia.

Percurso metodológico
A investigação está estruturada em três estudos, que sintetizamos neste
texto, e cujos objetivos foram:
 Estudo I: examinar a inscrição dos discursos sobre gênero e sexualidades
nos documentos normativos do Ministério da Educação para a constituição
dos cursos de Psicologia;
 Estudo II: examinar as Resoluções e Normas do Conselho Federal de
Psicologia sobre gênero e sexualidades;

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 Estudo III: examinar a inscrição dos discursos gênero e sexualidades no
contexto particular das grades curriculares e ementas de cada uma das
universidades do Paraná aqui analisadas: UEL, UEM, UNICENTRO E UFPR.

Essas instituições são selecionadas por assumirem um lugar de poder no


referente à institucionalização das normas para a disciplinarização da formação em
Psicologia. Tendo referencial de destaque na circulação de discursos oficiais, que
legitimam a ordem das práticas discursivas e apresentam o discurso dominante,
dentro de uma estrutura de Estado e organização social.
O olhar investigativo sobre esses textos parte de palavras-chaves que
compreendemos como suscitadoras dos discursos propostos como objeto de
análise, que são elas: gênero ou relações de gênero e diversidade sexual. No
entanto, após a leitura inicial, percebendo os silêncios sobre esta temática, decidiu-
se incluir orientação sexual e sexualidade, devido à relação de proximidade com o
tema.
Conforme a proposta da Análise do Discurso de Michel Pêcheux, foi
elaborado um Dispositivo Analítico para os Estudos I, II e III, e a partir desses
estudos empíricos, foi construído um Dispositivo Teórico que marca uma posição em
relação a outras posições teóricas possíveis. O Dispositivo Teórico se refere aos
campos disciplinares em que os eus autores se inscrevem, e remete à filiação
específica de analistas do discurso, que são os estudos feministas, pós-
estruturalistas de relações de gênero e diversidade sexual (Butler, 2003; Foucault,
2014 a, b; Louro 2001, 2003; Preciado 2011; Scott, 1995).

E os discursos fazem silêncio


As análises empreendidas apontam um significativo silêncio na maioria dos
documentos e instituições. No referente a relações de gênero, e muito mais
silenciado à questão da diversidade sexual. A ínfima localização das proposições
analíticas de Relações de Gênero e Diversidade Sexual permite concluir que estas
são categorias minoritárias nos documentos que instituem o curso de Graduação em
Psicologia.
A insignificância e a marginalidade destes discursos no contexto da Psicologia
é revelada pelo âmbito geral dos documentos analisados no campo desta pesquisa.
Salvo iniciativas do Conselho Federal de Psicologia e da graduação em Psicologia

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da UNICENTRO, que têm crédito por inserir esses discursos, ainda encontramos
muitos silêncios sobre essa temática, que refere-se a uma população que procura e
demanda tantas questões à Psicologia.
Essa (in)significância é significante. Aquilo que não está dito, também
significa algo (Orlandi, 2012). Assim, o que não é dito e é silenciado constitui
igualmente o sentido do que é dito. Existe toda uma margem de “não-ditos” que
também significam. Para compreender esses discursos temos que nos perguntar
não só o que ele diz, mas também o que ele cala?
Deste modo, não dizer sobre relações de gênero e diversidade sexual é
resultado de complexas operações, jogos de forças e de interesses que agem
nesses espaços institucionais para ocultar ou negar interesses que expressam a
posição de sujeitos ou grupos sociais e científicos sobre determinados temas.
A presença de análises estatísticas serve para exemplificar dois quadros de
análise estabelecidos: o primeiro refere-se a um demonstrativo sobre o Estudo I e o
Estudo II, que no total referem-se a sete documentos do Ministério da Educação e a
seis documentos do Conselho Federal de Psicologia. Lembrando que este
demonstrativo representa a totalidade dos documentos do Ministério da Educação
direcionados a constituição dos cursos de Graduação em Psicologia, e a uma
parcela pré-selecionada dos documentos do Conselho Federal de Psicologia.
Assim, de acordo com a Quadro 1, observamos a distribuição desses
discursos dentro das instituições. Na presença-ausência dos discursos sobre
relações de gênero e diversidade sexual, no campo desse estudo há muitos “não-
ditos”, implícitos ou subentendidos que produzem poderosos efeitos sobre as
práticas profissionais da(o) psicóloga(o).

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São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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Quadro 1: Demonstrativo entre Estudo I e Estudo II

Outra conclusão é possível. Por não apresentar proposição direta sobre


inserir nas competências e habilidades exigidas a(ao) profissional psicóloga(o)
durante seu processo de graduação/formação, as diretrizes curriculares propostas
pelo MEC mantêm esses discursos referente à orientação da sexualidade no campo
dos saberes comuns, e não outorgam relevância científica a estes enquanto
necessários aos saberes da(o) psicóloga(o) para a sua ação prática. A ausência nas
diretrizes aponta para conflitos com as produções discursivas do Conselho Federal
de Psicologia, que tem em seu papel de orientador e fiscalizador dos discursos
instituídos como práticas, a necessidade de constantemente reforçar os
posicionamentos sobre relações de gênero e diversidade sexual, operacionalizado
através de dispositivos disciplinares como os Pareceres e Resoluções, incluem-se
os incentivos a publicações que tratem de diversidade sexual e relações de gênero
por parte do CFP.
Dito de outra maneira, uma preocupação que não é assumida de forma
central pelo MEC, pode sim, estar instituindo práticas não tão pautadas no rigor do
conhecimento cientifico e ético exigidos à profissão. E nesses discursos que
legitimam violências e abusos no exercício profissional, necessitam de maior

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Gênero e cultura: perspectivas formativas vol. 2
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atenção do CFP enquanto regulador de práticas. Assim, no que um cala, o outro
precisa intervir, por isso essa disparidade na produção de discursos de referência
entre a Graduação em Psicologia, e o exercício profissional de Psicologia.
A pesquisa expõe que não são todas as instituições que se calam, como
vemos no Quadro 2. Iniciativas vêm inserindo essa amplitude de discursos de forma
legítima nos currículos de Psicologia. A exemplo da UNICENTRO (s/d), que
apresenta ampla discussão da temática de relações de gênero e diversidade sexual
na graduação, em diversos momentos. Inserindo não apenas nas ementas, mas
também nas disciplinas que visam discutir os processos históricos e sociais de
construção das diferenças de gênero e relações de poder. E também incluir a
diversidade sexual, discutindo aspectos de populações trans, gays, lésbicas,
travestis e bissexuais e outros representantes dessa diversidade.
E a UEM (s/d), mesmo colocando no escopo de uma disciplina que não é
especifica dos discursos psicológicos, mas que contribui para a formação
profissional, como é o caso de Antropologia Cultural, demonstra esta preocupação
de garantir os discursos de relações de gênero articulados as produções históricas e
sociais. No entanto, não evidencia que esse espaço seja estendido a discursos
sobre diversidade sexual.

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Quadro 2: Demonstrativo do Estudo III.

As outras duas universidades analisadas não propõem discursos sobre


relações de gênero e diversidade sexual nesta perspectiva. Discutem sob aspectos
instituídos ou biológicos, considerando a referência desses discursos de análise no
ementário.

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Deste modo, vamos esclarecer como são abordados os temas nas ementas
das Universidades de modo mais detalhado:
UNICENTRO (s/d): Ao analisarmos a matriz curricular do curso de Psicologia
identificamos a disciplina de “Psicologia, Educação e Diversidade II” no currículo
pleno, com carga horária de 51 horas anuais, com a ementa “Constituição da
subjetividade na perspectiva das relações de gênero. Diversidade sexual e os
processos de subjetivação. Processos educativos, espaços de atuação do licenciado
em Psicologia e a educação para as relações de gênero e diversidade sexual.
Consta ainda a inserção da disciplina Relações de Gênero, com 68 horas, nas
Disciplinas Optativas. Que apresenta como ementa: “Caminhos históricos da
constituição das relações de gênero. As relações de gênero nas culturas latino-
americana e brasileira”. Uma outra disciplina também se propõe a discutir esta
temática. A Antropologia Cultural, com carga horaria de 102 horas, tem a seguinte
ementa: “Os seres humanos e as sociedades. Os seres humanos e a subjetividade.
Relações de poder. Relações de gênero. Relações étnico-sociais na sociedade.”
Assim, constatamos que a UNICENTRO insere, de forma organizada e legitima,
espaços de discussões sobre relações de gênero e diversidade sexual. Isso
acontece em disciplinas distintas e que atingem pelo menos em algum momento
todos os alunos dos três perfis profissionais.
UEM (s/d): Na análise das ementas e objetivos das disciplinas, Antropologia
Cultural, que é do núcleo comum e obrigatório, apresenta a seguinte ementa:
“Estudo antropológico das relações socioculturais, de gênero, cognitivas e das
representações simbólicas.” Esta disciplina contempla carga horária de 68 horas.
Nenhuma outra disciplina propõe a discussão de diversidade sexual.
UEL(s/d): Na análise da grade curricular não foi encontrada nenhuma
referência a disciplinas sobre relações de gênero e diversidade sexual. O mesmo se
estende para as ementas. Apenas há referência na Disciplina de Psicologia Geral ao
tema sexualidade, conforme consta na ementa: “A psicologia como ciência.
Objeto(s) de estudo da psicologia. Temas de psicologia geral: consciência;
inteligência; memória - atenção; linguagem - pensamento; emoção - motivação;
sensações - percepção; sexualidade”. Da maneira como é apresentado aqui não
inclui as relações entre gêneros ou discussão sobre diversidade sexual, e deve
corresponder a uma discussão referente aos aspectos do desenvolvimento da
sexualidade.

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UFPR(s/d): Na análise do núcleo básico e do núcleo de aprofundamento,
incluindo as disciplinas optativas, não foram encontrados disciplinas que tratem
exclusivamente de relações de gênero e diversidade sexual. No ementário,
observamos que a disciplina “Relacionamento amoroso: Teoria e pesquisa”, com
carga horaria de 45 horas, trata de diferenças de gênero, conforme a ementa
“Relacionamento amoroso humano: perspectivas histórica, etológica, psicológica,
antropológica e sociológica. A química da paixão, do amor e da separação. O
cortejamento e a seleção de parceiros. Manutenção de um relacionamento amoroso
e diferenças de gênero: estilos de amor, apego, sexualidade, ciúme e infidelidade.
Estratégias de enfrentamento: traição e timidez. Trabalho de campo.” Da maneira
como está apresentada nesta ementa, as diferenças estão marcadas a partir de
comportamentos instituídos. Sexualidade também é incluída a partir desse viés. Não
parece estar no foco as discussões sobre como essas diferenças foram sendo
instituídas nos processos históricos e sociais.
Aparecem em outras três disciplinas o tema de sexualidade. São elas:
Pessoas com Necessidades Especiais II, com carga horária de 60 horas, traz como
ementa “Aspectos Psicossociais da deficiência: atitudes, as interações sociais,
família e sexualidade. Os direitos das pessoas com necessidades especiais: saúde,
educação e trabalho. O papel do psicólogo na inclusão social deste grupo”. A outra
disciplina é Desenvolvimento Humano, conta com uma carga horária de 45 horas, e
tem a seguinte ementa “Desenvolvimento humano ao longo do ciclo vital.
Equacionamento dos fatores biológicos, sociais, psicológicos e culturais que
permeiam o desenvolvimento humano ao longo de sua trajetória. O adulto-jovem,
sexualidade, profissão e projeto de vida. O desenvolvimento adulto, a terceira idade
e a preparação para a aposentadoria. Metodologias de intervenção na área”. Essas
duas disciplinas incluem a discussão de sexualidade como parte do ciclo vital.
A última disciplina analisada trata das discussões de sexualidade sob a
perspectiva da Psicanálise. A disciplina Psicanálise e Educação, com carga horária
de 30 horas, tem a seguinte ementa “Sexualidade infantil e educação. A
impossibilidade de educar. Do poder ao desejo: a transferência na relação professor
- aluno. O desafio: o encontro da psicanálise com a educação”.
A (in)visibilidade do gênero e da diversidade sexual denunciada não significa
desgendramento real e material dos corpos e dos discursos, uma vez que somos
marcados pelos gênero, subjetivados pelo gênero (Butler, 1998). Antes de qualquer

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possibilidade de enunciação do nosso desejo, somos subjetivados por processos
discursivos (Foucault, 2006).
A (in)visibilidade do gênero e da diversidade sexual nos discursos
acadêmicos é aparente efeito de processos discursivos que está nas palavras, nas
ideias, nas categorias e nas formas de pensamento, estruturando os enunciados e
as teorias científicas, que não são neutras e nem isentas dos poderes da língua, da
história e da ideologia (Orlandi, 2012). Deste modo, mesmo não dito e não
explicitado, relações de gênero e diversidade sexual estão invisivelmente
materializados no campo composto pelos documentos analisados.
Mesmo sem estar definitivamente silenciados, os discursos de gênero e
diversidade sexual são regulados pela estrutura institucional, permanecendo
contidos nos “guetos” (Narvaz, 2009). Esses discursos aparecem como um saber
menor, subordinado, que aparece em um campo discursivo no qual disputam
diferentes formações discursivas (Pêcheux, 2014). Nesse sentido, há necessidade
de hierarquizar as disciplinas em relações de poder que são constituídas dentro das
estruturas sociais.
Dentro da Psicologia, ainda são poucas as produções sobre relações de
gênero e diversidade sexual, e muitas ainda pautadas nas produções das ciências
sociais, história e antropologia. No estudo apresentado por Narvaz (2009), é só nas
últimas duas décadas que esta produção começa a aparecer de modo mais
significativo na produção de pesquisas em Psicologia, e bem mais recente a
proposição de uma Psicologia feminista.
Em suma, não nego que outras formas de inserção das teorias feministas e
queer são possíveis dentro do espaço da Universidade, assim como as discussões
de relações de gênero e diversidade sexual. Isso pode ocorrer através de grupos de
pesquisa, projetos de extensão, movimentos de estudantes feministas, entre outros.
Mas questionar esse currículo oficial, e expô-lo enquanto deficitário em sua função
de formação generalista das competências e habilidades, que deveriam ser
desenvolvidas pelos psicólogos, visa promover possibilidades outras sobre os
sujeitos e o fazer da Psicologia.

Dispositivos disciplinares: os documentos


A preocupação com a marginalidade que relações de gênero e diversidade
sexual assumem nos currículos de Psicologia remontam à ordem dos dispositivos

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disciplinares, pois ao analisarmos os documentos oficiais do Ministério da Educação,
do Conselho Federal de Psicologia, e dos Projetos Pedagógicos dos cursos de
graduação das Universidades encontramos as sutilezas dos discursos
disciplinadores que reproduzem a organização do lugar de gênero e diversidade
sexual, ao manter este poder longe dos “olhos” vigilantes da disciplina, silenciados, e
com eficiência reproduzir a legitimação do lugar de poder de outros saberes.
A construção de dispositivos hierárquicos de disciplinamento utilizam de
várias tecnologias, aqui compreendidos os documentos oficiais criados dentro do
MEC e do CFP, e na sequência dentro das Universidades, os colegiados e
departamentos, que institucionalizam as disciplinas curriculares em uma hierarquia
na graduação em Psicologia, delegando caráter marginal ao tema de relações de
gênero e diversidade sexual, apresentados em pequenos trechos como estudos
transversais, que se espreitam entre as disciplinas, e os temas que surgem para
além da grade curricular e não assumem caráter de poder legitimado.
Se os produtos da ciência podem ser considerados regimes de verdade,
resultantes de processos históricos determinados a cada contexto social, segundo
Foucault (1979) se territorializam e desterritorializam entre as forças de poder
circulantes no discurso social, passando igualmente de estruturantes e estruturados
por ela.
A moderna estratégia de governar centraliza-se em produzir um cidadão
governável, obediente e cumpridor das leis, produzido por técnicas que transformam
as características desejáveis em normais e naturais. Assim, esses documentos
produzidos assumem lugar de poder que sanciona a construção dos meios pelos
quais os profissionais serão adestrados. E ao compartimentalizar as disciplinas
curriculares em pontos específicos e distintos produzem um não sentido histórico,
uma impossibilidade de análise dos meios pelos quais produzimos e reproduzimos
enquanto objetos do poder, a dominação e a subordinação à norma. Mesmo quando
em alguns processos e experiências se tenta criar subversões a esta forma de
poder, os desdobramentos e divisões de análise microscópica impossibilitam um
rompimento a esta estrutura profundamente interligada.
Esta relação disciplinar é articulada e sutil, de forma que os próprios criadores
das normas e regras disciplinares entendidas como “necessárias” ao bom
profissional, são submetidos e criados pelos mesmos dispositivos de poder, que

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expressam em sua forma de legitimar o poder, através dos documentos oficiais,
essas subordinações.
Na Psicologia, as normativas em seus princípios norteadores, fortalecem a
predileção por processos psicológicos individualizantes da constituição das relações.
Assim, os currículos mantêm, na maioria, concepções que compreendem os seres
humanos como generalizáveis em suas diferenças. Tentam formar homogênea e
genericamente profissionais que assim como em suas formações humanas e
educacionais, reproduzam essas relações de poder, de forma arbitrária e
culturalmente associadas às discursividades normalizantes. Deste modo, as teorias
psicológicas androcêntricas e individualistas contribuem para produzir e legitimar
crenças no individuo como entidade autônoma, abstrata, universal e masculina,
perpetuando visões binárias e imutáveis entre sexo/gênero, como se elas
estivessem dentro dos indivíduos.
Como vemos, na totalidade dos documentos analisados fazem uso gramatical
do sujeito do gênero masculino, como ao referir-se a formação do “psicólogo”. A
universalidade do sujeito que é enunciada aqui, é a do sujeito (que se escreve no
masculino), que se estende a todos os seres humanos, em todos os tempos e
lugares (Narvaz, 2009). Deste modo ele é supostamente assexuado,
“desracializado”, sem classe social, sem cor, sem crenças políticas ou religiosas.
Esse sujeito é masculino, branco, burguês e europeu: o Homem, pois a
representação da subjetividade, pressupõe a masculinidade como sinônimo
universal de “Humanidade”. Assim, o homem é o Sujeito, e a mulher ou o que é
relacionado ao feminino, é o Outro (Butler, 2003).
Os compromissos políticos suscitados pelos estudos feministas assumem
inicialmente a necessidade de admitir que a Psicologia e as ciências estão distantes
de estabelecer parâmetros para a problemática. Da mesma maneira esses
compromissos denotam uma profunda articulação com a necessidade de
transformação social. Sua estruturação com as lutas contra as exclusões podem se
tornar, aos olhos das psicólogas(os), um exemplo ético de ciência, como modo
criativo e subversivo na produção de conhecimentos que possibilitem uma outra
governamentalidade social, acolhedora da multiplicidade como da pluralidade e
criatividade das populações apontadas na política queer.
Retomar o que Foucault (1987), Louro (2001), Butler (2003), Preciado (2011)
e Scott (1995) propõem ao problematizar lugares sociais, públicos e privados

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ocupados por homens e por mulheres, desconstruir as certezas em relação às
subjetividades, aos corpos e aos desejos, bem como desvelar os discursos
produzidos na psicologia, seus efeitos na produção de saberes, vão produzir e
legitimar determinadas formas de pensar e fazer psicologia(s).

Considerações finais
O nosso ponto de partida, considerando deslocamentos no interior do próprio
feminismo e da teoria queer, que compõem o cenário das análises propostas, já
indicam o movimento que segundo Rose (2001) atravessam um espaço, atribuindo
capacidades e poderes aos seres humanos, na medida em que os capturam em
híbridas montagens de saberes, instrumentos, vocabulários, sistemas de julgamento
e dispositivos técnicos. O transfeminismo logo vai excluir outras posições de sujeitos
que ainda não surgiram nos fluxos, que ainda não têm nome. “É nessa medida que a
genealogia da subjetivação precisa pensar o ser humano como uma maquinação –
um híbrido de carne, artefato, saber, paixão e técnica” (Rose, 2001, p. 51)
Precisamos de outras possibilidades para fazer ciência e refletir sobre os
processos de subjetivação. As análises decoloniais não são centrais nesta pesquisa,
mas se configuram como um horizonte ético importante, nesta perspectiva,
recorremos a Grosfoguel (2013) em sua crítica às universidades ocidentais, que
mostra os genocídios que sustentam as produções da universidade, entre eles o
mito do “extermino, logo existo”, ou seja, “conquisto, logo existo” como condição de
possibilidade para o “penso, logo existo”. E evidencia com isso que mesmo um
saber descolonizado vai se referir a um conhecimento (de) marcado. Esta lógica
expande-se para as análises das sexualidades, em que os saberes estarão contidos
em currículos e seus modos normativos de constituição.
Na investigação das possibilidades de discursos de gênero e diversidade
sexual na graduação em Psicologia, representado aqui pelos documentos
normativos, revelaram-se coerções sobre a enunciação destes que insistem e
resistem. Mas que na grande maioria são silenciados, e assim como os monstros, a
punição pelo desafio às normas é a proibição que circulem livremente pelos
oficialismos universitários, se refugiando para resistir. Porém, esses discursos são
veiculados à Psicologia, e tendo consciência ou não, fazem política.

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Assim, o feminismo ao visibilizar que o pessoal é político, e na perspectiva de
Haraway (1995) acrescenta que os saberes são/estão localizados, interpelados por
marcadores de diferença, que vêm demonstrando-se letais, agenciados em
condições específicas e passíveis de mutação: gênero, raça, sexualidade, idade,
localidade. Deste modo, ultrapassar um paradigma cientificista, mirando um outro
paradigma, pois pressupõe-se que sempre haverá um paradigma, ético-estético,
sempre político é um caminho possível à pesquisa acadêmica e sua organização.
Na transgressão a estes dispositivos de poder, deflagramos como o
feminismo inaugurou possibilidades de reconfigurar relações de gênero e tornou
visível as diversidades sexuais. Evidenciou ainda o papel da Psicologia com seus
discursos imbuídos das representações sexistas e heteronormativas sobre homens
e mulheres, produziu e legitimou as diversidades sexuais no lugar de anormais,
contribuindo para manter não só os discursos distantes da Universidade, como
também as pessoas que representam essa diversidade, dificultando nos processos
institucionalizados das práticas pedagógicas e nas microrrelações a permanência
dessas pessoas na rede de ensino.
Estes discursos familistas, cisheteronormativos, fóbicos, reguladores das
formas de vida, foram produzidos, legitimados pelos discursos científicos e algumas
psicologias, e operam de acordo com Narvaz (2009) e Barreto (2015) na contramão
das psicologias ético-políticas que se afetam, se implicam, que não se colocam a
serviço da regulação e da normalização da vida, mas a favor da vida e das
resistências, e que lutam por liberar a vida lá onde ela é prisioneira.
Marcamos como movimento de resistência a necessidade de promover novas
possibilidades de inserção destes sujeitos nos discursos e práticas da Psicologia, e
instituir através da política queer novos horizontes para esta ciência, que por seus
princípios ético-políticos não devem legitimar preconceitos e desigualdades. E
assumir a necessidade emergente de incluir uma compreensão interdisciplinar
composta por diversidades e multidões que visibilizem as singularidades, os modos
outros de se viver prazeres, sexos, sexualidades e gêneros.

Referências
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gêneros e a parresia na formação queerizada em Psicologia: Narrativas de
outras perspectivas e experiências docentes. Tese de Doutorado. Assis:
Universidade Estadual Paulista; Faculdade de Ciências e Letras.

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CAPÍTULO 12 – IMPOSIÇÃO DO SEXO (GENITÁLIA) SOBRE AS PESSOAS
TRANS

Isabella dos Santos Silva

O propósito aqui é corroborar com algumas críticas que já circulam com


escritas sobre as imposições biológicas às pessoas trans (travestis, transexuais e
transgênero), então, em um processo de descolonização, fortalecer o
reconhecimento das identidades dessas pessoas, traçando uma linha de
pensamento que fomente a luta pela despatologização das mentes e corpos trans.
Muitas interpretações sobre os corpos trans ainda são colonizadoras,
disfarçadas de alegorias assistenciais no campo social, fomentadas pelas ciências
biológicas com suas duras imposições feminicídas e machistas. A repressão sobre o
gênero, além de dissecar as vaginas e pênis descritas pelas ciências biológicas, no
imaginário do “real”, é aquela que científicamente está para decidir e definir o “sexo”
a “genitália” como pertencimento do motor de sobrevivência e reconhecimento para
todas as pessoas. Desse modo, impõe pela funcionalidade do ciclo de reprodução
animal aos seres humanos e que quando questionado, pode simplesmente ser algo
distante do que é aceitável.
Questionar as lacunas que as ciências biológicas persistentes em suas teses
é desmoronar forças que possibilitam dizer quem é “homem” ou “mulher” quando as
pernas são abertas. Ao recorrer ao mundo imaginário do imutável da biologia, de
quem é de verdade macho ou fêmea, e ao mesmo tempo daquilo que não dá mais
para “aquendar”, ou seja, esconder, as escritas aqui apresentadas não excluem os
gêneros feminino e masculino, mas propõem uma discussão que fortaleça o
reconhecimento e legitimidade das inúmeras outras identidades de gênero.
Aqui apresento pensamentos que podem girar as cabeças conservadas em
latas das industrializações darwinianas, que reconhecem “evolução” ao que convém
para as ciências biológicas, baseadas apenas nos “aparelhos reprodutores”, pois, o
que interessa para esse tipo de classificação é apenas o abrir e fechar de pernas
para parir, ou para possibilitar as várias gozadas dos “legítimos machos” dentro das
“legítimas vaginas”. Tudo em nome da “única forma” de garantir a sobrevivência da
excepcional espécie homo sapiens. Desse modo, nessas escritas, quebrar as
mentes que estão em “potes de conservas” e poder garantir compreensões que
possibilitem o respeito e dignidade, frente as transformações inerentes as várias

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formas de relações humanas e que não se enquadram nas “regras” da biologia, já
supracitadas, é poder perceber o óbvio, pois há séculos somos plurais em gêneros,
números e lugares. Daí deriva aqui o uso das aspas, no sentido mesmo de deslocar
verdades tidas como absolutas, questionando-as.

As determinações do machismo
Quando o assunto de discussão é gênero e sexo, é inevitável pensar nas
contribuições feitas pela filósofa estadunidense Judith Butler nesse sentido, no que
envolve pessoas trans. Fica evidente que muitos alicerces coloniais não só estão
conservados, mas servem de suporte para a esmagadora manutenção do poder
machista. Existe uma unidade indiscutida da noção de “mulheres” numa divisão que
se introduz entre sexo e gênero, concebida originalmente pela biologia. Por mais
que o sexo pareça intratável em termos biológicos, o gênero é culturalmente
construído. Consequentemente, não é nem o resultado causal do sexo, nem
tampouco aparentemente fixo quanto o sexo. Assim, a unidade do sujeito já é
potencialmente contestada pela distinção que abre espaço ao gênero como
interpretação múltipla do sexo (BUTLER, 2003). É no esforço reflexivo que os
pensamentos desdobram generosas ou aterrorizantes possibilidades de
compreensões, porque depende de quem lê e o que está escrito. Quando no
cotidiano pensamos que algumas pessoas ainda definem o gênero através de uma
genitália, é possível atentar para as nomenclaturas colonizadoras de mentes e
corpos que permanecem como “legítimas” e em constantes manutenções.
Nesse sentido, Jaqueline Gomes de Jesus Jesus e Hailey Alves (2010),
intelectuais transfeministas brasileiras trazem uma abordagem histórica que permite
perceber quão antiga é a diferenciação ainda tida como essencial entre homens e
mulheres, no que é estabelecido através do sexo biológico:

Historicamente, é antiga a noção de que haveria uma diferença


essencial entre homens e mulheres, pautada pelos seus sexos
biológicos, essa percepção, porém, modificou-se ao longo do tempo
e das culturas. A concepção atual de há dois sexos diferentes surgiu
apenas no século XVIII, anteriormente prevalecia o monismo sexual,
a ideia de que há um único sexo, com registros datados do século II,
nos tratados de Galeno, para quem o sexo feminino era um
subdesenvolvimento do sexo masculino, o órgão genital feminino
(vagina) seria um órgão genital masculino (pênis) incompleto, ou
seja, entendia-se que mulheres eram homens imperfeitos (Jesus &
Alves, 2010, p. 2).

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A compreensão de sexo determinado pela biologia está estabelecida através


do fenótipo determinado pela genitália de um bebê, e isso, segundo as autoras, sem
dúvida é um determinismo compreendido pelas ciências biológicas. Porém isso
desdobra uma cascata de violências frente à própria diversidade que até mesmo na
biologia é comprovada, pois esta ciência abriu e ainda faz manutenções de um forte
campo de contradições. Mas como o esforço é continuo, é necessário sempre mais,
as transformações exigem reflexões que tragam possibilidades de entendimento
amplo e não limitado.
A legitimidade das “coisas” e “pessoas”, o ser homem ou mulher, é uma parte
do processo colonizador das mentes e dos corpos que ainda é permanente, mesmo
frente às buscas por transformações que desenvolvam e desdobrem relações mais
humanizadas/humanizadoras. Porém, o que ainda é insistentemente doloroso na
atualidade, ainda segundo as autoras, é que as sociedades contemporâneas, de
forma geral, frente às anatomias genitais tradicionalmente entendidas como feminina
(vagina) ou masculina (pênis), costumam generalizar suas concepções de mundo a
partir da crença de que o sexo seja algo universal (todos os seres vivos teriam sexo,
determinado pela genitália), invocando uma compreensão de que o legítimo é o ser
binário (o macho, com genitália descrita como pênis, ou a fêmea, com genitália
descrita como vagina) e globalizante das identidades e papéis sociais. Essa crença,
entretanto se mostra falaciosa, quando consideradas as vivências de diferentes
povos, grupos sociais e concepções da pessoa que não se determina, tampouco se
enquadra por imposições biológicas.
Escrever criticamente sobre essas determinações é poder refletir e entender
ainda mais o “sexo” que está determinado por um sistema de concepções e
imposições machistas, obviamente o lugar de privilégio é para o homem, aquele
definido como masculino. Como afirma Vergueiro (2015), traço da binaridade é uma
outra importante característica da cisgeneridade. Quando se considera que a leitura
sobre os corpos seja capaz de, “obviamente”, determinar gêneros, ela também é
atravessada pela ideia de que estes corpos, se “normais”, terão estes gêneros
definidos a partir de duas, e somente duas, alternativas: macho/homem e
fêmea/mulher. Dentro desse novelo, ao puxamos este fio, é possível através do
esforço reflexivo encontrar inúmeros aspectos que são materializados no cotidiano,
compostos por mecanismos de dominação masculina. A principal característica

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designada para o sexo masculino, por exemplo, são atributos comportamentais
considerados viris, aspectos que são meditados como força maior, aquele que
resiste a tudo, tem o poder em seu corpo pelas forças que lhe foram atribuídas e são
“legítimas” porque as próprias concepções matem-se por uma força “inabalável”.
Qualquer coisa que contrarie o que essa força representa é fantasioso, é falso, uma
tentativa de inversão, algo que contraria o “bem estar comum” dentro da lógica
machista de existir. Bem estar comum para quem? Certamente, para que o
machismo e o poder impositivo do “macho” não percam seu lugar de privilégio.
Nesse sentido, é possível entender e relacionar tal reflexão aos estudos do
sociólogo francês Pierre Bourdieu (2002), desde uma crítica à edificação social
machista que ainda é persistente em nossa sociedade. O mundo social constrói o
corpo como realidade sexuada e como depositário de princípios de visão e de
divisão sexualizantes. Esse programa social de percepção incorporada aplica-se a
todas as coisas do mundo e, antes ao próprio corpo, em sua realidade biológica: é
ele que constrói a diferença entre os sexos biológicos conformando-a aos princípios
de uma visão mítica do mundo, enraizada na relação arbitrária de dominação dos
homens sobre as mulheres, ela mesmo inscrita, com a divisão do trabalho, na
realidade da ordem social. A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo
masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os
órgãos sexuais, pode assim ser vista como justificativa natural da diferença
socialmente construída entre os gêneros. Tal reflexão, implica em contestar o
cissexismo, que pode ser definido como a crença da divisão binária dos gêneros,
suposta concordância com os sexos biológicos feminino e masculino. Este ideário é
que propõe, desde uma suposta determinação biológica, o que deve ser
considerado legítimo para as relações entre “homem” e “mulher”. Para esse campo
de compreensão o que interessa é exclusivamente a reprodução para um único
modo de garantia de sobrevivência da espécie homo sapiens, no qual isso só é
possível quando o homem “macho” deposita dentro da mulher “fêmea”, sua gozada
de espermas.
Maior parte da reprodução do machismo está exercida não somente pelo
homem mas também pela mulher, pois, na concepção imediata dos cuidados
designados para as fêmeas que pare pela vagina, a maioria delas já atribuem em
suas próprias funções ao criar um bebê, o que ele deve ser e como ele deve ser
tratado. Porém, quando os atravessamentos que criam perturbações para esse tipo

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de compreensão aparecem, só se evidencia que ao longo do tempo foram
cristalizadas imposições do machismo, proporcionando um forte potencial de
dominação masculina, que está para as relações humanas desde a considerada
“pré-história” até a atual existência humana. Existem diversos elementos simbólicos
que materializam a dominação masculina, esmagando não somente o “sexo
feminino” mas também uma diversidade de gênero que sempre existiu, e que no
atual momento é possível também abordá-las. Para Bourdieu:

Os sistemas simbólicos, como instrumentos de conhecimento e


comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são
estruturados. O poder simbólico é um poder de construção da
realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido
imediato do mundo (e em particular, do mundo social) supõe aquilo
que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer uma
concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa,
que torna possível a concordância entre as inteligências (Bourdieu,
1989, p. 9).

Os símbolos do machismo oprimem, reprimem, ditam regras e impõem um


imaginário trono de poder dominador. A linguagem é o elemento mais forte para a
fortificação do imaginário machista e sua materialização no cotidiano, pois, é através
dela que os relacionamentos sociais são construídos.
A restrição através da determinação do sexo, masculino ou feminino,
historicamente na cultura ocidental foi “determinada” pelo homem. A “mulher” por
séculos não tinha sequer “designação sexual”, o ser “feminino” além de ser
considerado “subalterno”, mesmo quando passou a ter o seu lugar designado como
feminino, continuou sob a subalternização imposta pelo homem. Atualmente, as
lutas feministas, independente de qual movimento seja, buscam garantias de direitos
que eliminem qualquer subordinação ao machismo, porém, mesmo assim existem
movimentos feministas que simplesmente tentam inferiorizar ou anular a feminilidade
das mulheres trans. Nesse sentido, contribuição de Jesus e Alves (2010) dão nitidez
aos enfrentamentos das lutas no movimento de mulheres trans no Brasil, pois,
entende-se que o feminismo tradicional, sem a recepção do transfeminismo - um
movimento feito por e para mulheres trans que entendem que sua liberação está
intrinsecamente ligada à liberação de todas as mulheres, e além -, reforça a falácia,
repetida cotidianamente, de que mulheres “de verdade” seriam apenas aquelas com
órgãos genitais femininos externo e internos (vagina e útero), ou ainda as que

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engravidam, e que homens “de verdade” seriam aqueles com testículos e pênis, que
podem penetrar a vagina. Essa forma do sexismo prejudica não apenas a população
transgênero, mas todo e qualquer ser humano que não se enquadre em tal modelo,
como mulheres histerectomizadas (extirpação do útero) e/ou mastectomizadas
(retirada de mamas) e homens orquiectomizados (extirpação de testículos) e/ou
“emasculados” (retirada da genitália externa descrita pela biologia como masculina)
por motivos de saúde, como o câncer. Até mesmo práticas sexuais são
estigmatizadas por esse sexismo, como a penetração de um homem por uma
mulher, ato considerado como “inversão” nos papeis tradicionais de gênero,
entretanto comuns entre casais heterossexuais.
O ativismo social, cada vez mais frequente entre homens e mulheres
transexuais e travestis, tem aumentado a consciência política da própria população
transgênero. Isso se relaciona ao fato de que as pessoas passaram a perceberem-
se e serem percebidas como integrantes de um grupo social antes invisível,
partilharem crenças e sentimentos com outros indivíduos trans, e começam a se
comprometer subjetivamente com o grupo, o que vai ao encontro da clássica Teoria
da Identidade Social de Henri Tajfel e John Turner (1979). É necessário, nesse
sentido, o respeito e a legitimidade de pessoas trans binárias, aquelas pessoas que
não são cisgênero, porém, se veem, independente das adequações orgânicas (por
intervenções cirúrgicas ou tratamento hormonal) referente a anatomia do seu corpo,
como o gênero ao qual se identifica e não pelo o que é determinado pelo
cissexismo, e as pessoas trans não-binárias aquelas pessoas que se identificam
com o gênero que lhe confortam e não desejam adequação anatômica do órgão
genital, pois, este pertence ao seu corpo como parte de outro gênero que não lhe
frustra, particularmente nos seus desejos pessoais, nem anula sua identidade de
gênero que não é determinada pelo cissexismo. Do contrário seria imposição ao que
faz parte do consenso de um determinado grupo sobre outro, aumentando as
tensões dos movimentos feministas e alargando cada vez mais espaços para
acomodação e ampliação do machismo velado/dissimulado e explicito.

A libertação dos corpos trans


A importância da discussão sobre gênero possibilita ir além do reducionismo
determinado pelo machismo que dita o que é “realmente” masculino ou feminino,
determinados pela biologia através da genitália. Tal reflexão contribui para

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convivências, desnudando o colonialismo através da descolonização das mentes e
dos corpos. Historicamente, vivemos em uma sociedade escravocrata, bastante
discutida por pela artista afroportuguesa Grada Kilomba (2016). Ao desdobrar as
reflexões do pensador antilhado Frantz Fanon, a autora aponta que as máscaras
usadas em escravos negros, por exemplo, impedia-os de comer durante a
exploração dos seus corpos em trabalhos escravizadores, e representam todo o
colonialismo, pois indica quem é que pode, quando pode e o que pode falar. Esse é
um fato histórico importante para falar desse sistema colonial de corpos e mentes,
pois tais concepções aprisionam serem humanos de inúmeras formas, e que ainda
na atualidade, com os sistemas de colonizações reelaborados, amordaçam pessoas,
dilacerando várias partes de seus corpos e mentes através do silenciamento. Rafael
Guimarães (2017), autor brasileiro, aponta como estas práticas estão presentes na
forma como os conhecimentos estão postos em conceitos e perpetuam o suposto
saber/poder nas formações acadêmicas, silenciando processos de produção de
conhecimento quando se define desde qual epistemologia se organiza o modo de
pensar.
Desse modo, é possível detectar as fortes limitações impostas pelo sexo
(genitália) biológico, devendo ser uma coisa ou outra (homem ou mulher, pênis ou
vagina), porque não se trata da discussão por atenção à dignidade das pessoas
(vale ressaltar a diversidade de corpos e mentes), trata-se de discutir o que existe
entre as pernas das pessoas, o que pode ser “considerado” “legítimo” ou “ilegítimo,
“verdadeiro” ou “falso”. Se as pernas das pessoas se abrem, as máscaras são
relevadas pelo conservadorismo colonizador dos corpos e mentes, a genitália “deve”
ou “não deve” ser ou existir, segundo o que já foi determinado funcionalmente e
anatomicamente por esse sistema colonizador. Portanto, aquelas pessoas que não
se enquadram nos papéis determinados do que é natural ser homem ou mulher,
devido a crença da “anormalidade” direcionada para as pessoas trans e intersexo,
decorre do estereótipo daquilo que é considerado “natural”, ou seja, homem tem que
ter pênis e mulher tem que ter vagina.
Na busca da decolonização dessas concepções agressivas à população de
pessoas trans, a contribuição de Jesus (2013) fortalece a libertação dos corpos
colonizados por esse sistema de opressões, pois, a variedade de experiências
humanas como se identificar a partir de seu corpo mostra que seu estereótipo é
falacioso, especialmente com relação às pessoas transexuais, que mostram ser

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possível haver homens com vagina e mulheres com pênis. A exemplo, entre os
povos nativos norte-americanos, as pessoas reconhecidas como Two-Spirit (Dois
Espíritos), referindo-se a ideia de que eram pessoas de dois gêneros ou que era um
terceiro gênero colaboram para pensarmos como, em outras cosmogonias, já
existiam deslocamentos da ordem binária ocidentalizada. As pessoas trans e que
evidenciam essa condição para o mundo, são pessoas bastante marcadas com o
machismo do sistema colonizador de corpos e mentes, e que se desdobra no alto
índice de mortes, com requinte de crueldade, apontando-se que o país é o campeão
destes casos, ainda que não sejam dados “oficiais”, até porque não são
considerados “oficiais” também pela invisibilidade a estas existências. Além de não
se enquadrarem nas determinações de sexo, a genitália determinada pela biologia,
esses corpos crescem colonizados por concepções biológicas que criam patologias
sobre suas condições de existências no mundo, afetando principalmente os
relacionamentos com o próprio corpo, com suas relações afetivas, orgânicas,
familiares e sociais, abaladas por uma psicologia repressora em seu cotidiano.
Assim, quando uma pessoa entende que os diversos conflitos com “seu
corpo” faz parte dos atravessamentos biológicos impostos por uma sociedade
cissexista, pode despertar uma grande luta, a travessia, onde cada pessoa frente às
suas necessidade existenciais poderá legitimar o que ela de fato é, segundo as suas
próprias concepções sobre o seu próprio corpo e não pela imposição de leis e regras
sociais, assim também biológicas. Esta libertação dos corpos trans, só é possível
através da própria certeza da pessoa, e não da “certeza” das coisas externas
impostas sobre seu corpo. Daí poder contestar qualquer controle sobre os corpos é
conseguir entender as subversões das identidades. Nesse sentido, pessoas trans
ainda não são vistas como seres humanos, legítimos nas concepções de suas
totalidades, mas interpretados como seres abomináveis, porque não são inteligíveis
para os padrões hegemônicos de gênero, fundamentados pelo binarismo, pelo
sexismo e cissexismo.
É com fortes potências de reconhecimentos das legitimidades da diversidade
de gênero que liberta-se e reconhece-se a importância do respeito e dignidade de
vivência social para pessoas trans binárias e não-binárias, independente de
tratamento hormonal e mesmo intervenções cirúrgicas, pois, por exemplo, existem
mulheres trans que tem a necessidade de fazer hormonização, redesignação sexual,
implante de prótese mamária de silicone bilateral e tireoplastia (redução do pomo de

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adão com femilização da voz) para adequação ao gênero ao qual a pessoa se
identifica. É fundamental o reconhecimento e convivência social sem quaisquer
agressões sociais, psicológicas e físicas. Fazendo com que aconteça de forma
espontânea o acolhimento e reconhecimento legítimo de pessoas trans, através de
suas identificações pessoais de ser e existir e não por imposições alheias.
Obviamente, o que aqui está exposto é um grande desafio, frente a uma sociedade
extremamente machista e racista como ainda se apresenta o Brasil em seu atual
quadro de “convivências”. Desse modo é possível entender que a questão em pauta
não é tolerância, mas sim o respeito ao que é de necessidade individual para cada
ser humano, proporcionando vivências saudáveis de forma coletiva.
Obviamente, o que pode ser esperado de uma sociedade cissexista é muita
violência e relutância contra tudo que aqui foi exposto, afinal a transformação é
mental e cultural, o que envolve política, educação, saúde, família, estado,
concepções de direitos e principalmente a desconstrução de inúmeras imposições
de religiões e religiosidades sobre os corpos trans, o que chega a ser uma “utopia”
frente às atrocidades destes segmentos e grupos (confiantes nos determinismos
impostos pela biologia) para com as pessoas trans. Nesses debates, muitos ataques
são frequentes e fortes contra pessoas trans, que são rotuladas como pessoas com
anormalidades, em uma sociedade que impõe rédeas de controle de corpos e
mentes com a demasiada farsa do machismo em nome do “bem estar comum” que
nada tem de bem, muito menos de comum para todas as pessoas. Para contrariar
ainda mais as imposições da biologia sobre os corpos trans, é importante destacar
que essa mesma ciência afirma que todos os seres humanos são diferentes, e que a
prova disso é a própria impressão digital de cada indivíduo, que mesmo gêmeos
univitelinos não possuem digitais iguais, contanto que esse tipo de concepção não
contrarie ao que existe entre suas pernas “a genitália”.
A coisa piora quando o assunto é hormonização para pessoas trans. Para
muitos “profissionais” da área da saúde, é uma problematização conveniente, pois,
muitos dessa área, concebem de forma falaciosa que a hormonoterapia para
pessoas trans é uma agressão ao corpo humano, mas quando esse mesmo
tratamento é direcionado para pessoas com deficiência hormonal e nesse caso
“necessitam da reposição hormonal”, então é algo natural e pior é algo realmente
legítimo. Tudo foi e ainda continua sendo estruturado, por muitas pessoas que
insistem nas imposições e normas estabelecidas pelo machismo, em nome de um

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bem comum a quem é conveniente, grupos de pessoas que impõem a
cisheteronormatividade. Nesse sentido, o exercício de aceitar que todas/os são
diferentes, porém, detentoras/es dos mesmos direitos, é algo difícil para aquelas
pessoas que convenientemente vivem na zona de conforto, que lhes convém, e é
garantida e estruturada pelo machismo.

Legitimidade ou definição pessoal?


Lesões psicológicas e falecimentos de corpos trans, atravessam as vidas
dessas pessoas através de normas impostas pela sociedade cisheteropatriarcal. O
reconhecimento da diversidade de gênero frente ao machismo ainda é mínimo e
maciçamente quando é conveniente para as pessoas heterossexuais e cisgênero.
Pois, o que prevalece na concepção de legitimidade “hétero cis” é a determinação
imposta pelo sexo, que designa ser “legitimamente homem” ou “legitimamente
mulher” o que existe entre as pernas, o “órgão genital”, descrito e imposto para os
indivíduos desde o seu nascimento, conveniente e conivente com as reproduções do
machismo. É através do esforço reflexivo, que essas “legitimidades” machistas
podem ser rompidas, fazendo desmoronar suas estruturas fixas e sedimentadas nos
imaginários e nas culturas. Quando a identificação das pessoas é reconhecida
através do gênero, a inclusão e possibilidades de respeito a diversidade ganha
amplitude, nesse sentido, a medida em que novos reconhecimentos de identidade
de gênero emergem, ganham força e possibilitam a existências dos corpos livres,
sem imposições e questionamentos. Na atual conjuntura a sociedade caminha, em
micro-passos, para relações interpessoais com melhores compreensões e liberdade
de ser o que de fato a pessoa quer ser e se sente bem em existir, no cotidiano. No
entanto, segundo o filósofo francês Michel Foucault (1999), a partir da Idade
Moderna com o passar dos anos o determinismo alastrou-se, com a força da
ignorância ao que é diverso e humano, neste sentido, afirma:

O casal legítimo e procriador dita a lei. Impõe-se como modelo,


fazreinar a norma, detém a verdade, guarda o direito de falar,
reservando-se o princípio do segredo, um único lugar de sexualidade
reconhecida, mas utilitário e fecundo: o quarto dos pais. Ao que sobra
só resta encobrir-se; o decoro das atitudes esconde os corpos, a
decência das palavras limpa os discursos. Se estéril insiste e se
mostra demasiadamente, vira anormal: receberá este status e deverá
pagar as sanções (Foucault, 1999, p. 9).

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É através desse contraponto, que é possível entender as tensões de
reconhecimento sobre a diversidade de gênero na atualidade, bem como as
relações afetivas, frente a um tradicionalismo preconceituoso de concepções e
práticas violentas. Porém, ao mesmo tempo está em ebulição movimentações
sociais (interpessoais e intrapessoais) que promovem explosões, desmoronando aos
poucos o conservadorismo diante do direito e necessidade humana ao
reconhecimento e respeito à identidade de gênero, livre do padrão imposto do “ter”
que ser “homem” ou “mulher”, determinado pelo machismo e imposições de
concepções biológicas sexistas. Esse processo de descolonização de mentes e
corpos é um processo que não impõe “previsões” de tempo e tipos de
transformações, mas é um processo inerente aos seres humanos em suas inúmeras
condições e necessidades de ser e existir.

Referências
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Gênero e cultura: perspectivas formativas vol. 2
São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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CAPÍTULO 13 – PROJETO VIDA CORRIDA, EMPODERAMENTO DA MULHER E


AS INTERFACES COM A MÍDIA

Renata Laudares Silva


Nara Heloisa Rodrigues
Elisangela Gisele do Carmo
Raiana Lídice Mor Fukushima
José Pedro Scarpel Pacheco
Gisele Maria Schwartz

As vivências no lazer, como aquelas associadas ao esporte, podem oferecer


aos indivíduos, às comunidades onde estes se encontram inseridos, inúmeras
oportunidades de experimentação e sensibilização e quando ofertadas de maneira
não alienada e providas de uma base sólida de valores e atitudes a essas
comunidades, se encaixam com as ideias básicas de democracia e igualdade de
oportunidades (Marques, Vieira, Costa, Tavares & Athayde, 2016). Assim, o ser
humano pode desenvolver seu potencial e realizar suas necessidades de vida,
rompendo com estereótipos e elevando sua autoestima e autossuperação, como
apontam Pintos, Catarino, Salvador e Athayde (2016).
De acordo com os estudos de Mello, Jorge, Souza e Nascimento (2016), é
crescente o número de projetos sociais, os quais fazem uso das atividades físicas e
esportivas junto às comunidades e bairros menos favorecidos economicamente,
como instrumentos de transformação e de mudanças na vida de milhares de
pessoas. Estes são necessários e de extrema importância, pelo fato de contribuirem,
de maneira efetiva, na construção da cidadania das pessoas.
No entanto, diversos projetos sociais, diante de uma avaliação por órgãos
competentes, com o intuito de verificar sua eficácia, demostram carência em sua
estrutura, não cumprindo esta tarefa de desenvolvimento das pessoas assistidas
(Serepioni, 2016). Estes projetos, que visam à ocupação do tempo livre desses
indivíduos, não têm dado o devido reconhecimento ao esporte, como canal de
interação social positiva, que contribui efetivamente para essas mudanças (Cortes
Neto, Dantas & Maia, 2015).
A fundadora do Projeto Vida Corrida procura promover, por meio da corrida
de rua, a inclusão social, socialização, melhorias na qualidade de vida, da saúde, da
autoestima, assim como, a superação de uma infinidade de problemas vividos pelas

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moradoras do bairro Capão Redondo, colaborando, assim, para o empoderamento
feminino (Projeto Vida Corrida, 2017). Este projeto conta com patrocinadores
renomados, os quais acreditam e validam projetos sociais sérios e comprometidos
com mudanças sociais.
No entanto, é sabido que, na comunidade em questão, situada em Capão
Redondo/SP, existe uma carência - de atividades do contexto do lazer, de
entretenimento e projetos esportivos, o que culmina num tempo ocioso e excludente.
Sendo assim, o Projeto Vida Corrida, o qual possui o lema: mudança social com os
pés e o coração, visa a promover, junto às mulheres moradoras da Companhia
Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB) – Capão Redondo mudanças
atitudinais por meio do esporte (Projeto Vida Corrida, 2017).
A fundadora do projeto, diante da sua história de vida, se mostra como um
exemplo de mulher empoderada, dona de si e capaz de transformar as pessoas a
sua volta. Nesse sentido, torna-se instigante discorrer sobre as possíveis relações
existentes entre a participação feminina em corridas de rua e o empoderamento
feminino.
Sendo considerado um fenômeno transformacional, o empoderamento pode
ser compreendido como uma importante ferramenta geradora de mudanças nas
relações sociais, favorecendo, por meio da construção da autoimagem e confiança
positiva, a aquisição de pensamento mais crítico, o comprometimento de cada
indivíduo com o grupo, o favorecimento à tomada de decisão, ação e
conscientização (Stromquist, 1995). Pode-se, assim, concebê-lo como o
fortalecimento de competências, mudança de mentalidade a partir da percepção do
sujeito sobre suas próprias forças, resultando em autoconfiança, capacidade de
adaptação e aquisição de novas habilidades de enfrentamento das adversidades,
incertezas e situações de risco (Mageste, Melo & Ckagnazaroff, 2008).
De acordo com Covey (2003), ao compreender o empoderamento como um
fenômeno de energia vital, são despertadas, no ser humano a capacidade de ação,
a força e a potência, na busca de uma vida mais significativa. Nas pesquisas
desenvolvidas por Bachman (2016), pode-se averiguar que muitas mulheres buscam
medalhas e premiações, mas a grande maioria, busca a socialização, metas
pessoais e uma vida mais saudável.
Cada qual com seu objetivo, a sua prática pode contribuir para uma vida mais
ativa, saudável e atuar na mudança de hábitos e atitudes. Dentre os diversos tipos

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de esportes praticados pelas pessoas no mundo todo, a corrida tem sido a prática
preferida de milhões de homens e mulheres. Para Taunton et al. (2002) e Lilley,
Dixon e Stiles (2011), a participação da mulher em corridas de longa distância tem
crescido muito nesses últimos anos.
Esse fato pode ser corroborado nas pesquisas de Meissner, Legnani,
Casamali e Legnani (2017) e Brogliato (2018), as quais evidenciam o crescimento da
participação da mulher em corridas de rua. Brogliato (2018) cita dados da Federação
Paulista de Atletismo de 2015, cuja participação feminina quadruplicou em oito anos.
Em 2007, dados estatísticos apontavam um número de 69 mil mulheres inscritas em
provas de corridas e em 2015, o número saltava para 274 mil participantes. Estas se
encontram inseridas nas mais diversas modalidades, 5k, 10k, 21k e 42k, buscando
diferentes objetivos, (qualidade de vida, vida saudável, vida mais ativa ou
performance) e tomando o esporte como uma forma de transformação e de
empoderamento.
Nesse sentido, as pesquisas de Hanold (2010) e Krouse, Ransdell, Lucas e
Pritchard (2011) fornecem dados interessantes sobre a corrida de rua e a resposta
corporal da mulher. Os autores relataram, em seus estudos, que os desconfortos
promovidos pela corrida, como as dores e o cansaço, contribuíram para que as
mulheres se sentissem mais confiantes e conhecedoras de seus limites. Diante da
percepção da desconstrução de um corpo fraco e omisso, para a construção de um
corpo mais forte e questionador, estas mulheres reconheceram seu lugar no mundo,
quer seja no âmbito pessoal, profissional ou no esporte.
Diante dos elementos positivos evidenciados em relação à corrida de rua,
esta atividade, quando experimentada de maneira lúdica, como a fundadora relata
em suas entrevistas, o brincar de correr, sem fins competitivos, promove ao ser
humano uma gama de sensações e percepções. Esses elementos podem ser
aplicados no seu cotidiano, transformando vidas e contribuindo para a uma vida
mais ativa, autônoma e ressignificada, diante das adversidades vividas no dia a dia
dessas moradoras da comunidade.
Esse fato pode ser evidenciado em uma entrevista concedida ao Think Olga
(2015), uma organização não governamental dedicada ao empoderamento da
mulher por meio da informação, durante a qual a fundadora do projeto respondeu à
seguinte questão: Muitas das mulheres da comunidade têm jornada tripla e quase

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não sobra tempo ou dinheiro para lazer e atividades pessoais, para cuidar de si
mesmas. Como a corrida e o projeto as ajudam? Assim ela respondeu:

Vou falar para você o que eu ouço delas. Um dia uma chegou para
mim e falou que o projeto deu autoestima pra ela. Ela falou que o
projeto a levou a lugares que ela jamais imaginaria ir. Outra disse
que a vida corrida uniu a família dela, que elas não tinham uma vida
social, mas que através da corrida elas entraram nas redes sociais,
mostraram para as pessoas o que elas fazem [...]. Tem mulheres no
projeto que voltaram a estudar, algumas fazem faculdade para um
dia trabalhar no Vida Corrida. Tem mulheres que nunca tinham
conhecido pessoas que não fossem da comunidade. O projeto as
leva para outros lugares. (Think Olga, 2015, p. 7).

Diante do exposto, podem-se tecer algumas considerações acerca das


questões relativas sobre esporte/lazer, sociedade, democracia e igualdade. As
experiências vividas no contexto do lazer, as quais, por meio do esporte como
fenômeno sociocultural assumem uma roupagem nova e ressignificada, reafirmam
seu poder, como elemento integrador da teia social, favorecendo a recuperação e o
fortalecimento de comunidades e grupos marginalizados e estigmatizados
socialmente, potencializando as dimensões física, psicológica e social dos
participantes.
O esporte assim, pode ser compreendido como uma prática social construída
historicamente no desenvolvimento das civilizações e um fenômeno sociocultural do
lazer contemporâneo. Este é capaz de mexer com a vida de muitas pessoas e
influenciar os mais diversos segmentos da sociedade, a saber, econômico, político,
cultural e social (Dallari, 2009).
Em uma entrevista concedida ao Serviço Social do Comércio – Sesc (2016), a
fundadora do projeto expôs a carência de projetos na comunidade de Capão
Redondo, que viesse a contemplar o público feminino, haja vista que apenas os
homens eram atendidos e se encontravam engajados em projetos de futebol. Diante
desses elementos, algumas indagações se fizeram presentes: como empoderar
essas mulheres, se a mesmas já contabilizam inúmeras desvantagens e assimetrias,
como a hegemonia masculina, ou a exclusão dos mais diversos setores da
sociedade? Como uma intervenção estratégica pode culminar em um saldo positivo
de empoderamento para as mulheres?

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Diante desses elementos positivos advindos das práticas vivenciadas no
contexto do lazer, no caso a corrida de rua, o presente estudo buscou analisar a
imagem da fundadora do Projeto Vida Corrida, em vídeos do site Youtube®.

Método
O estudo é de natureza qualitativa, por tratar de dados de cunho social, o qual
pode permitir maior aprofundamento dos dados obtidos e analisados (Richardson,
2017). Para tanto, optou-se pela utilização de uma pesquisa exploratória, cujo
objetivo é compreender o assunto ainda pouco conhecido e explorado e investigar o
universo da população a ser analisada (Gil, 2016).
Para a coleta de dados, foi utilizado o site Youtube®. Autores como Rocha,
Furtado e Rocha (2015) apontam, em seus estudos, as relações entre as novas
tecnologias e as pesquisas científicas. Eles atestam que os vídeos expostos no site
Youtube® são ferramentas de impacto positivo, no que tange aos processos de
investigação, análise de conteúdo, educação, marketing profissional e pessoal, entre
outros.
A coleta dos dados foi realizada no dia 4 de março de 2017, sendo utilizado o
termo de busca: “Projeto Vida Corrida”. Quando realizada a busca, verificou-se a
existência de 13.400 vídeos sobre o tema, dispersos em uma sequência de 20
vídeos por página. O sistema do Youtube® disponibiliza acesso até a página 33, não
se podendo constatar a existência de mais materiais, resultando, assim, em 660
vídeos. Como critérios de inclusão foram considerados apenas os vídeos que
continham a imagem da fundadora do projeto e, no título, as palavras “Projeto Vida
Corrida”. Desta forma, dos 660 vídeos inicialmente selecionados restaram apenas
40 vídeos. Ao serem aplicados os critérios de exclusão referentes à eliminação de
vídeos repetidos e de vídeos que continham no título os termos “vida corrida”, mas
não abordavam o assunto proposto, chegou-se ao número final de 36 vídeos
amostrais, a serem analisados.
Para a análise dos dados, optou-se pela técnica de análise documental
videográfica, a qual, segundo Penafria (2009), trata-se de uma decomposição de
imagens de filmes que permite captar elementos que expressem significados de
uma determinada realidade social. Para tanto, foram utilizados os recursos da
técnica de Análise de Conteúdo, proposta por Bardin (2017), a qual permite a
desestruturação dos conteúdos e, uma vez desmontada essa estrutura, tem-se

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acesso a uma série de características e significados que permitem esclarecer fatos
ali inseridos, como auxílio à análise videográfica.
Aumont e Marie (1999) enfatizam que, quando se trata deste tipo de análise
de decomposição e fragmentação da imagem, não existem procedimentos
universais, sendo necessário que o pesquisador identifique os aspectos
determinantes para sua pesquisa, os quis permitirão que seja atingido o objetivo do
estudo. A técnica é amplamente conhecida e aplicada quando se trata do campo
linguístico, porém, também se adéqua ao não linguístico, como as imagens, o
cinema, ou os vídeos (Bardin, 2011 & Richardson, 2017). A metodologia adotada foi
baseada no estudo de Rodrigues (2015), a qual fez uso da análise videográfica em
vídeos do Youtube®.
Após a coleta de dados, foram estabelecidas quatro categorias de análise,
com base nas características apresentadas pelos vídeos selecionados no site, a
saber: 1) Vídeos de Entrevistas; 2) Vídeos de Reportagens; 3) Vídeos de
Propagandas; 4) Vídeos de Imagens e Filmes. A partir dessas categorias, foram
elaborados dois eixos de discussão, tal como proposto por Bardin (2017), com a
intenção de analisar os elementos presentes nos vídeos, de maneira mais
constante.
No Eixo 1: Falas, foi analisado o assunto dos vídeos, tonalidade das falas,
predomínio das falas (protagonista ou participantes periféricos) e os significados das
falas. No Eixo 2: Expressão corporal, foram analisadas as expressões gestuais e
faciais, a conduta dos demais participantes em relação à protagonista e a condição
de participação da protagonista, se está sempre no papel principal ou como
coadjuvante, além da identificação dos demais participantes do vídeo (Rodrigues,
2015).

Resultado e Discusão
Os primeiros resultados encontrados no estudo foram referentes ao número
de vídeos distribuídos em cada uma das quatro categorias: Entrevistas, (n=13),
Propagandas (n=08), Reportagens (n=08) e Vídeos, Imagens e Filmes (n=07). A
coleta dos vídeos foi realizada em apenas um dia, 04 de março de 2017. É
necessário apontar que, a cada dia, são inseridos novos vídeos, por isso, se viu
crucial estabelecer um limite, ou postular um padrão na data da coleta.

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Com relação à data da postagem, pode-se notar que, no ano de 2016, foi
postada a maior parte dos vídeos (n=14). A Lei n. 13.272 de 2016, instituiu este
mesmo ano de 2016 como o Ano do Empoderamento da mulher, tanto na política,
quanto no esporte. Esta lei emergiu a partir de um projeto de alguns senadores,
denominado PLS515/15, justificada pela crescente participação da mulher em todos
os segmentos da sociedade, porém, no contexto do esporte, as desigualdades de
gênero ainda se fazem presentes (Lei n. 13.272, 2016).
Deste modo, este pode ser um dos motivos que resultaram em um maior
número de vídeos encontrados acerca da temática. Os demais anos foram assim
representados: 2015 (n=08), 2012 (n=07), 2011 e 2013 (n=02) cada, 2010, 2014,
2017 (n=01) cada. Com relação ao tempo de duração dos vídeos, de todos os
vídeos, o mais longo foi de 58 minutos e 29 segundos e o mais curto, 1 minuto e 1
segundo.
Após a caracterização da amostragem dos vídeos, procedeu-se à análise das
quatro categorias de vídeos estabelecidas. Assim, cada categoria foi analisada
mediante os dois eixos temáticos norteadores do estudo.
Para o Eixo 1 - falas, pode-se perceber que a voz que predominava nos
vídeos era da fundadora do projeto e as vozes secundárias, das mulheres que
frequentavam o projeto. O poder da comunicação é um instrumento importante no
que tange à transmitir informações, segundo Neiva, Gama e Teixeira (2016). Para as
autoras, uma boa comunicação exige trabalhar, de maneira equilibrada, os recursos
verbais e não verbais, ou seja, precisa existir coerência quanto aos critérios de
qualidade da fala e das expressões relacionadas ao corpo, os quais configuram
como um canal de expressão, tais como: a postura, os gestos, as expressões
faciais, a aparência física e as vestimentas e esse falar bem, independe de classe
social. Diante desse fato, observou-se que a fundadora do projeto apresenta boa
comunicação e gesticulação e, de maneira simples e direta, consegue enfatizar os
objetivos do projeto, demonstrando o intuito de conquistar, cada vez mais, seu
público.
Neste mesmo Eixo 1, no item Assunto, presente na categoria entrevistas, as
falas remetiam ao poder transformador do esporte na vida da fundadora e das
alunas do projeto, com (n=04) incidências e as perdas pessoais e a superação da
dor com (n=03). Outro ponto interessante é que, dos 36 vídeos analisados, somente
nas entrevistas 02 e 04 ela fomenta o prazer em empoderar as mulheres do projeto,

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com (n=02) ocorrências. Pelo fato de as Olimpíadas terem ocorrido no Brasil, o
assunto também foi relatado nas entrevistas. A fundadora do projeto comentou a
felicidade e a emoção de ter conduzido a tocha olímpica, com (n=02) incidências. O
significado da corrida em sua vida foi evidenciado (n=01), além do assunto triste
relativo ao roubo que a sede do projeto sofreu, com (n=01) ocorrência.
Na categoria reportagens, os assuntos relacionados às perdas pessoais e à
superação da dor obteveram (n=04) incidências. O poder transformador do esporte
foi evidenciado (n=02), assim como, a demanda de treinamento feita pelas
moradoras (n=02). No que concerne à categoria propagandas, as conquistas e as
vitórias (n=04) foi o assunto que sobressaiu, assim como os assuntos relacionados
ao marketing – poder transformador do esporte e palestra motivacional (n=03) cada
um. O documentário ONG – People of Change (n=01) e uma propaganda de um
determinado partido político (n=01) foram evidenciados nesta categoria. Na
categoria vídeos de imagens e filmes, apenas um assunto sobre treinos e corridas
foi percebido (n=03).
Observou-se que o assunto predominante entre as categorias foi o poder
transformador do esporte. De acordo com os estudos de Pinto e Oliveira (2017), o
esporte, no contexto dos projetos sociais, se torna uma ferramenta positiva e leva
esperança a diferentes comunidades, no que tange à inclusão social e à superação
de barreiras. Por meio da prática esportiva e os valores disseminados por ela, na
visão dos autores, é possível se criarem alternativas variadas para a construção de
um futuro melhor e saudável.
Outro elemento avaliado no estudo, inserido no Eixo 1, foi a tonalidade de voz
da fundadora do projeto. Cabe ressaltar que esta sofria alteração no decorrer das
filmagens das entrevistas, das reportagens, das propagandas e dos vídeos de
imagens e filmes. Foram percebidas 23 incidências de tonalidade normal, calma
e/ou tranquila. Outras 18 incidências de tonalidade forte e entusiasmada foram
evidenciadas, principalmente quando a fundadora do projeto relatava as conquistas
do projeto, como o alto número de crianças atendidas e as transformações das
mulheres.
As análises dos vídeos demonstraram essas características positivas quanto
aos aspectos da entonação da voz, as quais corroboram os estudos de Kyrillos
(2005). Diante de uma atividade prazerosa, em que o interlocutor gosta do que faz,
este expressa, de maneira natural e espontânea, emoção e empatia, ingredientes

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fundamentais na arte da comunicação, o que pode despertar, em seu público,
confiança em relação ao conteúdo verbal. Outras 13 incidências de tonalidade
embargada e/ou emocionada, fazem relação aos momentos de perdas, tanto do
marido, quanto do filho, além do fato de ter transformado a vida de não apenas uma
criança, mas de centenas delas.
Com relação ao terceiro aspecto analisado neste eixo, significados das falas,
inicialmente, foram pontuados os aspectos positivos e os negativos concernentes às
falas da fundadora do projeto, assim como, das falas das pessoas periféricas. No
entanto, dos 36 vídeos analisados, apenas um continha falas que versavam sobre
aspectos negativos, fazendo relação com o roubo ocorrido na sede do projeto. Os
outros 35 vídeos mostravam falas de tendência positiva, os quais foram relacionados
ao empoderamento feminino.
Mageste et al. (2008) evidencia que o empoderamento pode ser
compreendido como o fortalecimento de competências e mudança de mentalidade, a
partir da percepção do sujeito sobre suas próprias forças, resultando em
autoconfiança, capacidade de adaptação e aquisição de novas habilidades de
enfrentamento das adversidades, de incertezas e de situações de risco. Este
empoderamento pode ser visualizado na fala da fundadora, transcrita de um vídeo
do Youtube®: [...] através da corrida, eu consegui empoderar tanta gente, tantas
mulheres, que hoje 80% do projeto é meninas e mulheres [...] (Santos, 2016a)
O poder de transformação do esporte nos mais diversos âmbitos e, mais
precisamente, o da corrida de rua, foi evidenciado pela fundadora do projeto. Em
sua fala, transcrita de um vídeo do Youtube®, Santos (2016b) revela [...] o quão o
esporte transformou a vida dessas mulheres [...] elas aprenderam a correr atrás dos
seus ideais, ficaram mulheres mais comprometidas, começaram a olhar para si
mesma, gostar de si mesma [...]. Este poder transformador também já foi
evidenciado nos estudos de Hanold (2010) e Krouse et al. (2011), os quais fornecem
dados preciosos sobre a corrida de rua e a resposta corporal da mulher.
De acordo com os autores, as sensações promovidas pela corrida
contribuíram para que as mulheres se sentissem mais confiantes, conhecedoras de
seus limites e de seu lugar no mundo, quer seja no contexto pessoal, profissional, ou
no esporte. Além disso, a corrida permitiu que elas desconstruíssem a ideia de um
corpo fraco e omisso, para a construção de um corpo mais forte e questionador.
Outro significado de tendência positiva faz relação aos depoimentos dados pelas

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frequentadoras do projeto acerca da idealizadora do projeto como fonte de
inspiração a ser seguido: [...] aqui é o momento da minha felicidade, tudo o que eu
sou hoje, eu agradeço ao projeto vida corrida e a Neide [...], vídeo transcrito do
Youtube® (Santos, 2016a).
Pode-se evidenciar, com esses elementos presentes nas falas da fundadora
do projeto e das moradoras da comunidade, que os discursos não podem ser vistos
de maneira isolada, pois são permeados por sentidos e sentimentos, os quais
emergem, tanto na transcrição, quanto na forma oral e representam o contexto ou o
meio social no qual se encontra o interlocutor. De acordo com Leite (2011), quem os
faz emergir, faz emergir o clamor de uma sociedade, ou repercute a voz de um
determinado grupo social.
No Eixo 2 - expressões corporais pretendeu-se analisar os elementos
relativos à linguagem corporal, a qual, segundo Gaiarsa (1995), por ser um centro de
informações, uma vez que o corpo, por intermédio das expressões corporais, sem o
apelo verbal, consegue expelir conscientemente ou não, tudo aquilo que se encobre
pela armadura das emoções. Assim, as expressões gestuais e faciais, a conduta dos
demais participantes em relação à protagonista e a condição de participação da
protagonista, isto é, se está sempre no papel principal ou como coadjuvante, além
da identificação dos demais participantes do vídeo, são mostrados a seguir.
Para o primeiro item analisado neste eixo, faz-se necessário enfatizar que,
nas reportagens, por haver edição de imagens, as expressões gestuais e faciais se
modificavam ao longo das cenas dos filmes. A sequência assim se mostrava:
séria/concentrada, momentos de tristeza e depois sorrindo e mostrando-se feliz. O
mesmo ocorreu para os gestos, ora ela aparecia sentada e, em seguida, correndo
com os integrantes do projeto. Ao serem analisados os vídeos nos aspectos
concernentes à expressão gestual, pode-se perceber que, na maioria deles, em 31
aparições, a protagonista se encontrava com movimentos reduzidos, ora sentada,
ora em pé ou parada. Nas outras 12 aparições, ela estava em movimento, correndo,
ou andando pelas quadras, passando treinamento.
Ao serem analisadas as expressões faciais da protagonista, em 25
incidências em relação à imagem da fundadora do projeto, pode-se evidenciar que
ela se encontrava sorrindo, refletindo uma expressão leve e mostrando-se feliz. Esse
fato era uma constante nos vídeos, principalmente, quando o assunto abordado
remetia às conquistas e às vitórias do projeto sob a violência de gênero, ou sobre o

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tempo ocioso das crianças fora do período escolar, como ressaltado na fala da
fundadora, transcrita de um vídeo do Youtube®:

[...] as pessoas costuma falar que eu tenho uma paixão quando eu


falo do Projeto Vida Corrida, que meus olhos brilham né, quando eu
falo dele, é como uma mãe fala do filho, uma mãe quando fala de um
filho, ele é lindo, é maravilhoso, ele é o melhor filho do mundo,
portanto, o projeto vida corrida, ele é meu filho [...] (Santos, 2013a).

Em outras 23 aparições, a fundadora do projeto se mostrava séria e


concentrada, fato observado, geralmente, no início das entrevistas/reportagens e em
poucas situações. As expressões de tristeza foram relacionadas às perdas pessoais,
somando 10 aparições. Torna-se importante enfatizar que esses momentos de
tristeza eram visualizados em quase todos os vídeos, pois, ao tocar nas perdas
pessoais, relativas ao marido e ao filho, a emoção se fazia presente e modificava
seu semblante. Com relação às perdas pessoais, principalmente à perda do filho,
em um dos vídeos analisados a protagonista emitiu uma mensagem, ao afirmar que
nunca quis usar da tragédia pessoal para lançar-se, angariar fundos, ou chamar a
atenção da mídia para promover o Projeto Vida Corrida. Esse fato pode ser
corroborado na seguinte fala, ocorrida durante uma entrevista, a qual foi transcrita
do Youtube®.

[...] minha história é uma história de superação, não é uma história


de dor, [...] tem uma emissora que fez uma reportagem com a gente,
eu assisti, não compartilhei, não entrei mais na internet para ver o
vídeo, eu não passei para patrocinador nenhum, porque ele contou
minha história de uma forma tão dramática, sensacionalista, sabe o
que ele fez, ele pegou, mostrou no vídeo, aquela imagem, da década
de oitenta, aqueles homens assassinados na rua, com aquele jornal
no chão, [...] e eu falei assim, nunca mais eu dou entrevista para
essa emissora, não é isso que eu quero, eu deixei bem claro, vocês
tem que mostrar o lado bonito, lógico, é difícil quando se conta minha
história, se conta a história do projeto vida corrida, conta a história do
capão redondo, mas conta a história, o lado humano dela, porque o
projeto vida corrida, é um projeto humano, e a minha vida, é uma
história de vida, de superação, de amor, de caridade, de carinho
sabe [...] (Santos, 2013a).

Com relação ao aspecto da condição de participação nos vídeos, foi


observado que, em 28 vídeos, a fundadora do projeto aparece com participação
constante/protagonista, como o centro principal. Em 5 vídeos, pode-se perceber que

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há participação maior de outras pessoas envolvidas nas filmagens. Com relação aos
participantes periféricos, estes eram formados por adultos, adolescentes e crianças
com idades variadas, como citado na fala da fundadora do projeto, transcrita de um
vídeo do Youtube® “[...] trabalho com crianças, a partir dos 6 anos e adultos com
infinita idade [...]” (Santos 2013b).
Outro ponto que merece destaque faz relação às questões de gênero
presente nos vídeos. Torna-se premente enfatizar que o Projeto Vida Corrida teve
seu início com a Senhora Maria Gonçalves, como pode ser visualidade no
depoimento a seguir, trancrito de um vídeo do Youtube®:

[...] em 1999, Maria Gonçalves, uma nordestina também que veio


para São Paulo em busca de uma vida melhor, ela já era uma atleta,
porque ela caminhava 6km para ir a lavoura, trabalhava na enxada e
voltava novamente para a cidade. [...] eu corria e o filho dela corria
comigo, aí um dia ela falou assim pra mim, Neide minha vida tá tudo
errado, me ajuda, eu quero praticar esporte, aí as pessoas
começaram a dizer para ela que não, que mulher dessa idade não
pratica esporte, eu falei, e aí, começou um trabalho social (Santos,
2016c).

Notou-se que a presença do público masculino foi tímida e, dos 36 vídeos


analisados, apenas em um deles aparece o depoimento de um homem, o qual
integra o projeto, sendo que sua fala é curta, porém descreve com precisão a
protagonista do projeto: [...] a Neide é inspiração, muita inspiração”, transcrita de um
vídeo do Youtube® (Santos, 2016d). A fundadora do Projeto Vida Corrida, relata as
carências da comunidade em relação a projetos que viessem a contemplar a mulher
e seus anseios, com relação à prática esportiva. A fala foi descrita de um vídeo do
Youtube®,

[...] eu comecei a treinar as mulheres da comunidade, porque as


mulheres da comunidade queria ter direito a prática esportiva, porque
na nossa comunidade os homens praticavam esporte, os homens
jogava futebol, e as mulheres tinham que ficar lavando, passando,
cozinhando ... aí elas viram em mim a oportunidade de uma prática
esportiva [...] (Santos, 2016d).

Na literatura atual, as discussões de gênero no contexto dos projetos sociais


podem ser visualizadas também no estudo de Benini Filho (2017). O autor promove
uma reflexão aprofundada sobre essa temática, apontando a desigualdade de

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gênero neste âmbito. Quanto ás práticas esportivas que se sobressaem, o autor
enfatiza que, no âmbito destes projetos são mais praticadas as modalidades
esportivas referentes ao futebol e ao futebol de salão. A restrição da participação
feminina em projetos sociais, segundo Benini Filho, está relacionada à construção
cultural, a qual promove a apropriação deste espaço pelo público masculino, em
detrimento da presença da mulher. Neste sentido, o Projeto Vida Corrida tende a ser
um importante espaço na desconstrução cultural da desigualdade entre os gêneros.
Na tentativa de minimizar essa diferença, ações voltadas à inserção da
mulher no contexto esportivo já são uma realidade em projetos sociais
desenvolvidos nas comunidades do Rio de Janeiro. Nadine Gasman, representante
da ONU Mulheres (2015) no Brasil, aposta nos valores e na força do esporte como
ferramenta efetiva para trabalhar a liderança de jovens mulheres, assim como, para
acabar com as desigualdades de gênero. Por meio das práticas esportivas, as
atitudes, as percepções e os comportamentos que colaboram para a violência contra
a mulher podem ser transformados, contribuindo para a aquisição de novas
habilidades para a vida, como a confiança e a liderança.

Considerações finais
Com base nos conteúdos dos vídeos disponibilizados pelo site Youtube® e
analisados por meio de eixos que nortearam o estudo, em relação à fundadora do
Projeto Vida Corrida, pode-se aferir que a imagem da fundadora estava presente em
quase todos os vídeos. Diante das observações feitas, nos vídeos selecionados,
constatou-se que a imagem da fundadora transparecia força e atitudes positivas.
Muitos atletas desconhecem, ou não têm consciência da força exercida sobre outras
pessoas, em relação a sua capacidade de influenciar comportamentos. Estes são
tidos como fontes de inspiração para crianças e adultos e modelos de conduta para
atitudes positivas.
A imagem da fundadora do projeto traz consigo elementos simbólicos,
carregados de emoção e carisma, os quais a caracterizam. Diante da história de
vida da fundadora do Projeto Vida Corrida, permeada de altos e baixos, momentos
de frustração e superação, visualizados nos vídeos do site Youtube®, tem-se uma
lição a ser apreendida e passada adiante. O esporte, palavra forte e presença
constantemente nas falas da fundadora, fonte de motivação e experimentação
positiva pessoal, foi a base norteadora que conseguiu, aos poucos, causar uma

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revolução na comunidade Capão Redondo, no que tange à sensibilização feminina
em relação à prática esportiva, vivenciada no contexto do lazer e à mudança de
atitude frente às mais diversas violências de gênero sofridas pela comunidade
feminina em questão.
Formas de empoderar a mulher diante das inúmeras desvantagens e
assimetrias em relação à hegemonia masculina e à exclusão dos mais diversos
setores da sociedade, assim como, intervenções estratégicas que poderiam culminar
num saldo positivo de empoderamento, puderam ser evidenciadas nos vídeos
analisados e fazem referência à aquisição de conhecimento acerca das várias
intervenções feitas por meio de palestras e cursos que a fundadora do projeto
promove na sede do mesmo. Estas palestras e cursos oferecidos ao projeto Vida
Corrida por profissionais qualificados, como advogados, ou juízes, apresentam
conteúdos voltados para a conscientização e a valorização a mulher na sociedade,
perpassando os direitos civis, trabalhistas e as questões relativas às diversas
violências sofridas pela população feminina.
Essas intervenções se materializam na superação e na inversão de condições
de submissão, para aquisição de voz ativa, o que implicaria, segundo Gomes (2016,
p.63), em “[...] um horizonte emancipatório para as mulheres [...]”, o que também
pode ser encontrado em algumas falas da fundadora do projeto, transcritas de
vídeos do Youtube® quando menciona que:

[...] esse projeto trouxe várias mulheres maravilhosas, mulheres que


nos ensinaram a igualdade de gêneros, mulheres que nos ensinaram
a lutar pelos nossos direitos, de ir para a creche, exigir que nossos
filhos tenha direito a creche. [..] E essas mulheres que vieram para o
nosso projeto nos ensinou a vir a público, não ter vergonha de dizer
que sofremos violência (Santos, 2016c).

[...] esse projeto eu falo que ele é grandioso, porque ele está dando
consciência para as mulheres do empoderamento que a corrida dá. E
elas podem ir em qualquer evento [...] a oportunidade que essa
corrida está dando pras mulheres de mostrar que nós somos todas
iguais, independente do nível cultural, socioeconômico, que nada nos
diferencia, nós somos todas mulheres, e todas nós temos uma única
luta, contra a violência (Santos, 2015).

[...] mulheres que trabalham, e no projeto, elas encontram amigas,


para conversar, elas melhoram a autoestima delas, elas começam a
conviver com toda a sociedade, porque a corrida dá isso [...] poder
correr com a juíza, com a doutora, advogada, para elas isso é o
máximo e o esporte faz isso. [...] ele rompe qualquer barreira [...]
(Santos, 2012).

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Foi observado também, que a plataforma de compartilhamento de vídeos


Youtube® parece atuar de maneira positiva e efetiva junto ao projeto social
abordado. Mídias sociais como esta têm sido cada vez mais utilizadas para fins de
conceder voz ativa a essa população, pois potencializam a distribuição e a
circulação de conteúdos diversos e informacionais. A comunicação exerce um papel
fundamental para a divulgação das diversas ações sociais e desperta a curiosidade
na população que passa a conhecer e a querer vivenciar.
Neste estudo, esta mídia social, apontou resultados que parecem ser
impulsionadores com relação ao empoderamento feminino, à superação de vida e
ao incentivador para a adesão à corrida. Embora o número de vídeos selecionados
para esta discussão seja reduzido, esta é apenas uma das mídias nas quais ocorre
a veiculação de informações acerca do referido projeto e sua fundadora. Ademais,
há de se considerar as limitações presentes no próprio sistema de busca dos
materiais de análise deste espaço, o Youtube®. Sugerem-se novas pesquisas em
outros espaços de veiculação de informações, buscando analisar e compreender
estes e outros projetos acerca do empoderamento feminino, assim como, aqueles
que evidenciem outras figuras de referência no cenário esportivo.

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OS AUTORES E AS AUTORAS

Adriana Sales: Graduada em letras pela Universidade Federal de Mato Grosso.


Estágio em cultura e civilização em Paris/França. Mestre pelo Programa de pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, campus de
Rondonópolis. Doutora em psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em
psicologia da UNESP, Campus de assis/SP. Professora efetiva lotada na secretaria
de Estado de educação, na Superintendência de Formação dos profissionais de
Educação. Pesquisadora do grupo de pesquisa PsiCuQueer - Grupo de Estudos e
Pesquisas em Psicologia e Cultura Queer, UNESP/Assis. Colaboradora do Grupo de
Estudos em Gênero, sexualidade e (m) interseccionalidades, GENI, na UERJ.
Ativista social do movimento trans brasileiro desde 1998, atuando junto a
Associação Nacional de Travestis e Transexuais - ANTRA, como secretária para
assuntos e relações internacionais.Atual secretária nacional de educação da
Associação Nacional de Lésbicas, Gays, bissexuais, Travestis e Transexuais -
ABGLT, gestão 2017/2020. E-mail: adriana.salesunesp@gmail.com

Ana Letícia Stori Mendes: aluna do curso Técnico em Química integrado ao Ensino
Médio, Instituto Federal do Paraná – Campus Umuarama. E-mail:
ana.stori.lele@gmail.com

Bianca Araci de Figueiredo: Graduação em Ciências Biológicas (UFSCar). UFSCar


Sorocaba. bi1277@hotmail.com

Bruno Tavares: Licenciando da 10ª fase do curso de Ciências Biológicas na


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente, participa do Grupo de
Estudo e Pesquisa em Ensino de Ciências (GEPECISC) e atua no projeto de
extensão Sexualidade na Escola e na Universidade (PET Biologia/UFSC). Email:
brunotavares33@hotmail.com

Carla Caroline Holm: Bacharel em Turismo, Mestre em Desenvolvimento


Comunitário e Doutoranda em Geografia pela UNICENTRO de Irati/PR. Professora
do curso de Turismo e Meio Ambiente da UNESPAR de Campo Mourão. E-mail:
karol_holm@hotmail.com

Danielly C. S. Mezzari: Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual do


Centro Oeste - UNICENTRO - PR. Mestra em Psicologia pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Letras. Doutoranda em
Psicologia pela mesma Universidade e integrante do grupo de pesquisa "Psicuqueer:
Coletivo Psicologias e Culturas Queer". E-mail: danielly_mezzari@hotmail.com

Elisangela Gisele do Carmo: Doutoranda em Desenvolvimento Humano e


Tecnologias (UNESP), Mestre em Ciências da Motricidade (UNESP), Graduada em
Gerontologia (UFSCar). LEL - Laboratório de Estudos do Lazer/DEF/IB/UNESP, Rio
Claro, SP. Email: elisangelagiseledocarmo@gmail.com

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Guimarães, R. S.; Vergueiro, V.; Marcos, M. A. de & Fortunato, I. (org.).
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Flávio Barreto de Matos: graduado em Letras pela Universidade do Estado da
Bahia - UNEB, Especialista em Leitura e Produção de Texto na Escola – UESC e
Mestrando no Programa Ensino e Relações Étnico-raciais – PPEGER/UFSB.
Professor da Educação básica e atualmente Coordenador Pedagógico da EJA.
E.mail: fb_matos@yahoo.com.br

Gabriela Rodrigues da Silveira: Graduanda da 7ª fase de Ciências Biológicas na


Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, bolsista do Programa de
Educação Tutorial da Biologia (PetBio), no qual participa do projeto de extensão
Sexualidade na Escola e na Universidade e voluntariada de iniciação científica no
Laboratório de Biologia Celular Vegetal (LABCEV). E-mail:
gabi_rodrigues_1@hotmail.com

Gisele Maria Schwartz: Pós-doutorado (Université du Québec à Trois-Rivières-


Canadá), Estágio Senior/CAPES (Universidade de Lisboa-Portugal), Visiting Fellow
(University of Birmingham-Reino Unido), Livre docente (USP), Doutorado em
Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (USP), Graduada (USP) e Mestra
(Unicamp) em Educação Física. Professor Adjunto (UNESP). Coordenadora do LEL–
Laboratório de Estudos do Lazer. Email: schwartz@rc.unesp.br

Hylio Laganá Fernandes: Doutor em Educação (Unicamp). UFSCar Sorocaba.


hyliolafer@gmail.com

Isabella dos Santos Silva: Coordenadora Técnica do Cursinho Pré-Enem TRANS+


na UFSB. Professora de História no Colégio e Curso Galileu / Itabuna-Ba. Mestranda
em Educação, Relações Étnico-Raciais, Interculturalidades, Gênero e Sexualidade
pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Formada em Licenciatura em
História pela Universidade Estadual de Santa Cruz-BA (UESC).
docenteisabella@outlook.com

Isis Mello: Graduanda da 8ª fase do curso de Ciências Biológicas na Universidade


Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente, é IC do Laboratório de
Imunorregulação (iReg) e é integrante do Programa de Educação Tutorial (PET) da
Biologia, atuando no projeto de extensão Sexualidade na Escola e na Universidade.
E-mail: aisismello@gmail.com

José Pedro Scarpel Pacheco: Mestrando em Ciências da Motricidade (UNESP).


Graduado em Educação Física (UNESP). LEL - Laboratório de Estudos do
Lazer/DEF/IB/UNESP, Rio Claro, SP. Email: josep.pacheco@hotmail.com

Kathleen Yasmin de Almeida: Graduanda da 10ª fase do curso de Ciências


Biológicas na Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista do Programa de
Educação Tutorial Biologia (PETBio), no qual participa dos projetos de extensão
Sexualidade na Escola e na Universidade e Sporum – divulgação científica, além de
realizar inciação científica no Laboratório de Polimorfismos Genéticos (LAPOGE). E-
mail: kathleen_yasmin@hotmail.com

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Guimarães, R. S.; Vergueiro, V.; Marcos, M. A. de & Fortunato, I. (org.).
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Monique Gonçalves d’Avila: Graduanda da 7ª fase de Ciências Biológicas na
Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, bolsista no projeto de
extensão Desmitificando Tubarões e Raias, para educar e conservar, pertencente ao
Laboratório de Biologia de Teleósteos e Elasmobrânquios (LABITEL) e voluntária do
projeto de extensão Sexualidade na Escola e na Universidade. E-mail:
monique_davila@hotmail.com

Nara Heloisa Rodrigues: Doutoranda em Ciências da Motricidade (UNESP), Mestre


em Desenvolvimento Humano e Tecnologias (UNESP), Graduada em Licenciatura
em Educação Física (UFLA). LEL - Laboratório de Estudos do Lazer/DEF/IB/UNESP,
Rio Claro, SP. Email: narahelo@hotmail.com

Paola María Marugán Ricart: Doutoranda no programa de pós-graduação de


Estudos Feministas na área de Ciências Sociais, Universidade Autônoma
Metropolitana (UAM), unidade Xochimilco, Cidade do México, México. Mestre em
Artes na área de Arte e Cultura Contemporânea no Instituto de Artes da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Email:
paolamarugan@gmail.com

Poliana Fabíula Cardozo: Bacharel em Turismo pela UNIOESTE; Mestre em


Turismo pela UCS e Doutora em Geografia pela UFPR. Professora do curso de
Turismo da UNICENTRO de Irati/PR. E-mail: polianacardozo@yahoo.com.br

Rafael Egidio Leal e Silva, Bacharel em Direito (Universidade Estadual de Maringá


– UEM), Licenciado em Ciências Sociais (UEM), Mestre em Psicologia (UEM),
Docente de Sociologia do Instituto Federal do Paraná – Campus Umuarama. E-mail:
rafael.silva@ifpr.edu.br

Rafael Siqueira de Guimarães é performer, psicólogo, produtor cultural e ativista.


Doutor em Sociologia, docente do Centro de Formação em Tecnociências e
Inovação e do Programa de Pós Graduação em Ensino e Relações Étnico Raciais
da Universidade Federal do Sul da Bahia, líder do grupo de pesquisa Grieta/CNPq.
E-mail: rafael.guimaraes@cja.ufsb.edu.br

Raiana Lídice Mór Fukushima: Doutoranda em Ciências da Motricidade (UNESP),


Mestre em Ciências da Motricidade (UNESP), Graduada em Gerontologia (UFSCar).
LEL - Laboratório de Estudos do Lazer/DEF/IB/UNESP, Rio Claro, SP. Email:
r_fukushima@live.com

Renata Laudares Silva: Doutoranda em Desenvolvimento Humano e Tecnologias


(UNESP), Mestre em Ciências da Motricidade (UNESP), Graduada em Educação
Física (UNESP). LEL - Laboratório de Estudos do Lazer/DEF/IB/UNESP, Rio Claro,
SP. Email: renata.laudares@gmail.com

Renato H. A. Freitas: Docente na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).


Coordena o Laboratório de Biologia de Teleósteos e Elasmobrânquios (LABITEL) do
Depto de Ecologia e Zoologia e é tutor do Programa de Educação Tutorial (PET) da
Biologia. E-mail: rhafreitas@gmail.com

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Guimarães, R. S.; Vergueiro, V.; Marcos, M. A. de & Fortunato, I. (org.).
Gênero e cultura: perspectivas formativas vol. 2
São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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Sandra Fontanilla: Psicóloga, Magíster en Desarrollo Social. Docente catedrática
de la Universidad del Magdalena. e-mail: sfontanilla13@yahoo.es

Silmara Silveira Lourenço: Mestranda em Educação (UFSCar). Universidade


Federal de São Carlos. silmaraslourenco@gmail.com

Tatiane Pecoraro é psicóloga, mestra em Educação pela UNICENTRO e


doutoranda em Psicologia na UNESP/Assis. Professora do curso de Psicologia da
Universidade Paranaense. Colaboradora do Grupo de Pesquisa PsiCUqueer –
Coletivos, Psicologias e Culturas Queer/CNPq. E-mail:
tatianepecoraro@prof.unipar.br

Thaís Leal Silva: Graduanda da 7ª fase de Ciências Biológicas na Universidade


Federal de Santa Catarina. Atualmente, bolsista de iniciação científica do
Laboratório de Protozoologia e voluntária do Programa de Educação Tutorial da
Biologia (PETBio), no qual participa do projeto de extensão Sexualidade na Escola e
na Universidade. E-mail: thaislealsilva@hotmail.com

Thais Martini ALMEIDA, aluna do Curso de Licenciatura em Artes Cênicas (UEM).


Email: thaismartinialmeida@gmail.com

Vitória Vogel Dal Bosco: Graduanda da 4ª fase do curso de Ciências Biológicas na


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente, bolsista de Iniciação
Científica e Tecnológica no Laboratório de Experimentação em Neuropatologia
(LEN). É também voluntária no Programa de Educação Tutorial (PET) de Biologia da
UFSC, no qual participa do projeto de extensão Sexualidade na Escola e na
Universidade. E-mail: vogeldalbosco@gmail.com

Viviane Melo de Mendonça: Doutorado em Educação (UNICAMP). Universidade


Federal de São Carlos. viviane@ufscar.br

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