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Interação Educação Física

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Interação social

Interação social em aulas de educação física


*Faculdade de Educa-
CDD. 20.ed. 796.05 Braulio ROCHA* ção Física, Universida-
Pedro José WINTERSTEIN* de Estadual de Campi-
nas.
Silvia Cristina Franco AMARAL*

Resumo
O estudo analisou formas de interação social que ocorrem durante a prática de jogos infantis. A pers-
pectiva histórico-cultural, em especial as contribuições de Vigotski, foi o fundamento teórico para
pensarmos a interação social. A pesquisa, caracterizada como observação participante, foi realizada
com crianças de nove a 11 anos. A proposta de condução das aulas pautou-se nas aulas abertas, procu-
rando incentivar as crianças a modificarem as regras dos jogos, permitindo que houvesse uma maior
chance de interação entre as mesmas. Os dados obtidos no trabalho de campo foram categorizados em
três esferas situacionais: participação, atividade e relacionamento. A partir da análise destas esferas é
possível afirmar que é no contato entre indivíduos no ambiente educacional, de forma ativa e compro-
metida, que a interação social ocorre efetivamente de maneira mais interessante, pois exigem dos
alunos atitudes que respondam aos problemas e divergências evidenciados entre eles, muitas vezes,
sem a imposição do adulto.

UNITERMOS: Educação física; Interação social; Internalização.

Introdução
É de fim e de recomeço a história de João e Ma- conduzirem suas práticas de forma crítica e
ria1 em “agora eu era” o herói, a princesa, o bicho, autocrítica, não apenas evitando que decisões tiranas
o rei, a noiva... Nesse faz de conta de um tempo impostas por algum aluno ou pelo próprio professor
presente e passado, num quintal separado da “noi- reinem, mas, principalmente, valorizando o diálogo
te que não tem mais fim”, as crianças brincam suas e a discussão entre os sujeitos do processo.
vidas e aprendem a com-viver. Este texto diz res- Inscreve-se na origem da teoria sua relação com o
peito a essas experiências, portanto, é um estudo olhar - nas palavras do poeta Gil, “teoria em grego
motivado por questionamentos acerca da impor- quer dizer o ser em contemplação”. A prática, ligada à
tância educativa da prática de jogos e atividades reflexão teórica, -ou práxis - caracteriza-se pela ação,
coletivas em que as crianças negociam seus papéis e pela construção, pelo exercitar das teorias que lhe
as leis que os regem, enfim, da interação social cons- servem de balizas. Nossas balizas estão “fincadas” na
tituída e constituinte dos sujeitos. teoria histórico-cultural, em especial nos estudos de
No decorrer de nossa prática docente é possível Vigotski. O ambiente social em que vivem os sujeitos
identificar entre os alunos, falas e gestos que ditam é considerado o ponto central a estes estudos. Esse
suas condutas em diferentes situações; é possível ambiente constitui e é constituído pelos sujeitos, pela
perceber a interação entre os mesmos que definirá, interação social, lugar onde os símbolos e significados
independente ou não do adulto, do professor, quem são elaborados. Temos aqui precisamente o que define
deve participar ou não da brincadeira, quem será o a inovação, a proposta original de Vigotski para
“bedel, o rei e/ou o juiz”. Destaca-se assim, a compreender a formação do sujeito, ou seja, em sua
importância do educador e de suas opções teoria, o ser social se individualiza a partir do seu
pedagógicas para viabilizar um ambiente favorável contato ativo cada vez maior com o outro. Nessa
à educação. Cabe a ele ajudar as crianças a concepção, como enfatiza DAVIS (2005, p.43),

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a criança além de ativa é, essencialmente, como entende LEMOS (2006), é estabelecida a


interativa. Na verdade, diferente de outras interação social.
teorias psicológicas, a sócio-histórica vê o Radicalmente diferente da interação entre sujei-
psiquismo humano como uma construção tos, na relação dos indivíduos com os objetos so-
social, que resulta da apropriação, por parte do mente um dos elementos e capaz de significar o
sujeito, dos conhecimentos e das produções outro, o que estabelece, para este caso, uma forma
culturais da sociedade em que vivem, por unilateral de significação. Em ambos os casos há a
intermédio da mediação da própria sociedade. busca de significação do mundo para o indivíduo,
Entendendo-se por “mediação” a necessária todavia, enquanto uma é negociada entre sujeitos,
intervenção de algo entre duas coisas para que a outra é unilateralmente concebida.
um tipo específico de relação se estabeleça. É no primeiro caso que este trabalho se detém,
Para um melhor entendimento do que se existindo um aspecto fundamental a influenciar o
aponta como meio ou ambiente social, esclarece- processo: a subjetividade. Assume-se o indivíduo
se que meio é tudo que rodeia o individuo, outros como historicamente constituído e considera-se que
sujeitos e objetos. No entanto, é com os outros ele atua ativamente em seu meio, internalizando e
sujeitos que essa formulação recíproca de elaborando cultura.
significação será completa, pois somente entre Com esses pressupostos em mente, o presente
sujeitos é que os signos têm seus significados estudo foi desenvolvido, buscando estudar as dife-
estabelecidos. E nesse contexto de conflito entre rentes formas de interação social existente entre os
dois indivíduos e suas perspectivas de mundo que, alunos e entre estes e o professor.

Metodologia
As aulas de educação física foram ministradas no são quatro as oficinas do programa: Artes, Educação
Programa de Desenvolvimento e Integração de Motora, Oficina da Palavra e Oficina Interdisciplinar
Crianças e Adolescentes (Prodecad), que atende - sendo esta o ponto em que se encontram, com maior
crianças em três subprogramas: Pré-Escola, Apoio ênfase, diferentes formas de linguagem. Todas oferecem
a Escolaridade I (1 a a 4 a séries) e Apoio a possibilidades de utilização de diferentes linguagens -
Escolaridade II (5a a 8a séries). “[...] modo como se comunica algo para alguém, ou
Para se matricular nessa escola de ensino não- seja, a maneira como o ser humano expressa as relações
formal, no subprograma de Apoio a Escolaridade I que ele tem com o mundo [...]” (RIBEIRO et al., 2001,
(1a a 4a series) ou nos outros programas oferecidos p.14) -, para a construção do conhecimento
pela instituição de ensino, a criança deve atender compartilhado.
aos seguintes critérios de admissão: Na oficina de Educação Motora, o conteúdo é
• Ser filho ou dependente legal das funcionárias dividido em três grandes áreas: modalidades espor-
e funcionários da Unicamp e Funcamp; tivas, jogos cooperativos e jogos e brincadeiras tra-
• Ter matrícula no Sérgio Porto de la a 4a série. dicionais. É importante notar que, mesmo as
O Prodecad, “[...] tem como objetivo oferecer atividades voltadas para as práticas de modalidades
as mais diversas possibilidades de expressão de modo esportivas, assumem uma forma adaptada às capa-
a propiciar a produção de conhecimento e cultura cidades e possibilidades dos alunos. Deste modo,
por meio dos jogos e brincadeiras e das artes” (RI- jogos e brincadeiras constituem as principais ferra-
BEIRO et al., 2001, p.17). Para que isso ocorra, a mentas de ensino e construção de conhecimento
instituição oferece um amplo espaço para brincar, nas oficinas de Educação Motora, nas quais “o jogo
ateliês de artes plásticas, oficinas de musica e movi- possui centenas de variações, gerando novas difi-
mento e profissionais em constante processo de for- culdades levando os alunos a tomar consciência da
mação em arte-educação. atividade realizada, estimulando a criatividade e a
Para alcançar seus objetivos educacionais, o descoberta” (PULETINI et al., 2006).
Prodecad dispõe de Oficinas Culturais que possibilitam A escolha do local de pesquisa, Prodecad, se deu
a expressão dos educandos, utilizando, de modo por entendermos que aquela instituição se
criativo, diferentes formas de linguagem. Atualmente, aproxima, em alguns aspectos, dos procedimentos

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didático-pedagógicos e com o conteúdo que seriam significativa para os indivíduos e ocorrer em


conduzidos neste estudo. conjunto com outros indivíduos; além disso,
O grupo investigado foi o de crianças de 3a e 4a observam também que são os conflitos e as
séries, todas voluntariamente inscritas para partici- tentativas de resolvê-los que vão possibilitar a
par da pesquisa. O fato dos alunos poderem parti- construção do conhecimento.
cipar ou não da atividade proposta pelo pesquisador, É considerando essa possibilidade de ensino que
entrando e saindo quando bem entendiam, gerava HILDEBRANDT e LAGING (1986, p.17) criticam o “mo-
uma variação no número de participantes do pro- nopólio do planejamento do professor” e convidam
jeto. Crianças de outras séries e não participantes os alunos a lutar contra o cumprimento acrítico
da pesquisa puderam frequentar o ambiente em que das regras preestabelecidas.
as atividades foram desenvolvidas; no entanto, suas Cada decisão do professor pode ser apresenta-
ações e falas foram desconsideradas durante a trans- da de tal forma que deixe espaço aberto ou li-
crição das fitas. Esse procedimento foi adotado para mitado ao aluno, restando a este, em último
possibilitar a rigidez metodológica necessária à pes- caso, apenas aproximar-se da decisão ou refutá-
quisa sem, no entanto, interferir na dinâmica da la, o que por sua vez devera resultar em conse-
instituição de ensino - que tem por principio a não qüência para o professor. Numa concepção aberta
seriação e a possibilidade da participação de todos de ensino, solicita-se ao aluno que participe nas
que quisessem vivenciar as atividades propostas. decisões (HILDEBRANDT & LAGING, 1986, p.11,
A escolha da faixa etária das crianças aconteceu grifo dos autores).
por acreditarmos no que nos diz VIGOTSKI (2000), Os autores defendem diferentes níveis de aber-
que a medida que há o desenvolvimento da criança tura durante as aulas, do aberto ao limitado, mas,
os jogos evoluem de situação imaginária com re- um limite que permite, no mínimo, a possibilidade
gras ocultas para situação de regras claras e imagi- de o aluno refutar as decisões e escolhas do profes-
nação oculta. sor. Dessa forma, a concepção aberta de ensino
A interação social aqui estudada o foi, por meio prioriza a formação de um cidadão critico e autô-
de 10 jogos escolhidos, em aulas de educação físi- nomo, capaz de analisar a situação e tomar deci-
ca. Metodologicamente conduzimos as aulas, fun- sões conforme suas necessidades e desejos.
damentados na concepção aberta, que privilegia o O professor arranja situações onde os alunos
debate e a co-decisão em aspectos inerentes ao pro- podem fazer as primeiras experiências de
cesso de ensino. movimento. Oferece a eles possibilidades de
O termo concepções abertas de ensino foi definir suas situações autonomamente. Durante
amplamente divulgado no Brasil pelo trabalho de o processo de exploração abrem-se sempre,
HILDEBRANDT e LAGING (1986), em “Concepções novamente, situações de interação e conversação,
abertas de ensino da educação física”; livro que reflete onde os alunos podem refletir suas experiências
sobre as possibilidades de ensino nas aulas abertas e dá (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO/
alguns exemplos práticos de aulas em que os alunos UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA, 1991, p.22).
são convidados a participar da construção do conteúdo Nesse contexto, é possível definir o conhecimento
a ser ministrado, do gerenciamento do tempo e da construído durante a aula como algo entre “o que o
organização das atividades. “O planejamento e a professor ofereceu” e “o que os alunos foram capazes
execução do ensino são, desse modo, tarefa de todos de problematizar e realizar”. Esse algo, justamente nessa
os que dele participam, ou seja, do professor e dos posição intermediária, permite conceber o processo
alunos” (HILDEBRANDT & LAGING, 1986, p.11). de ensino e aprendizado não apenas na direção pro-
Essa concepção fundamenta-se no conceito de fessor/aluno, mas também entre os alunos e na dire-
interacionismo e os significados para as suas ações são ção que vai deles para o professor.
construídos pelos indivíduos durante um processo de Neste estudo optamos pelas aulas abertas com
interação social com seus pares (TAFFAREL, 1993). grau médio de possibilidades de co-decisão
As hipóteses que sustentam o processo interativo (HILDEBRANDT & LAGING, 1986) que permite prever
justificam a importância dada por HILDEBRANDT e um poder igual para cada parte, aluno e professor,
LAGING (1986) a possibilidade dos alunos refletirem nas decisões sobre objetivos, conteúdos, maneiras de
e planejarem juntamente com o professor as transmissão e resultados de aprendizagem.
situações de ensino durante a aula. Os autores Abre-se um parêntese para explicar mais a fundo
defendem que a aprendizagem tem que ser esses quatro conceitos aplicados durante as aulas

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ministradas. A escolha dos objetivos dos encontros Para tornar ainda mais eminente a necessidade
ocorreu durante o processo decisório entre a forma de alteração da forma de se jogar, promoveu-se a
como os alunos idealizavam as modificações do jogo mudança de material utilizado no jogo (ex: bola
proposto por eles e a prática desses jogos. Assim, o grande de plástico na atividade de handebol) e do
objetivo transversal das aulas foi o de praticar os campo a ser utilizado (ex: pega-pega com restrição
jogos propostos e neles efetuar modificações. do campo do jogo à quadra), entre outras. Durante
Os conteúdos - diferentes jogos - foram escolhidos as aulas, as mudanças na prática dos jogos sugeridas
entre a gama de jogos que os alunos já praticavam no pelos alunos foram, em parte, inovadoras (ex: a for-
Programa de Desenvolvimento e Integração de ma como a corda foi utilizada durante o jogo pega
Crianças e Adolescentes (Prodecad). Tanto o corrente, para manter todos do grupo unidos) e,
pesquisador/professor quanto os alunos foram em parte, alterações que eles já estavam habituados
responsáveis pela seleção dos jogos praticados durante a realizar para viabilizar os seus jogos diários (ex:
a pesquisa. prender a corda no hidrante para que os outros
Quanto à maneira de transmissão, houve uma pudessem saltar, de forma que fosse necessário so-
predominância maior de decisões tomadas em mente um aluno para bater a corda).
conjunto, procurando atender a concepção aberta das A possibilidade de alterações dos jogos e o incenti-
aulas. Contudo, o professor planejou suas aulas vo dessa forma de jogar -mesmo no caso de alterações
previamente, procurando debate-las oportunamente já realizadas pelos alunos - teve por objetivo ressignificar
com os alunos, na medida que as mesmas ocorriam. suas práticas por meio do embate entre as suas pro-
Já em resultado da aprendizagem, permitiu-se que postas. Esse embate trouxe a tona conflitos entre as
os alunos individualmente avaliassem os resultados formas como os alunos idealizavam as possíveis solu-
de suas decisões durante o processo de tomada de ções para os problemas encontrados durante a recria-
decisões em aula. Desta forma, o pesquisador/pro- ção de seus jogos. Como na situação em que o sujeito
fessor atuou na direção de evidenciar as problemá- tinha que buscar, no dialogo com o outro, as saídas
ticas que surgiram durante as atividades. para os problemas comuns. Para tanto, foi privilegia-
Observou-se, durante os encontros, que foram pro- do um ambiente educacional de respeito e compreen-
postos, jogos praticados pelos alunos em momentos são, o qual contou com a presença de diferentes formas
livres ou em suas aulas. Eles também puderam sugerir de interações sociais entre os indivíduos.
outros jogos, que gostariam de jogar. Na condução da A coleta de dados ocorreu durante 10 encontros
aula, incentivou-se que sugerissem alterações na for- semanais, sendo as aulas filmadas e transcritas pelos
ma de jogá-los. As alterações ocorreram na dinâmica pesquisadores, totalizando 233 minutos de gravação.
da aula, na qual os alunos paravam, refletiam, procu- O projeto foi submetido e aprovado pelo Con-
ravam soluções, retomando logo a seguir o jogo em si. selho Nacional de Ética em Pesquisa.

Revisão bibliográfíca
As contribuições de Vigotski Assume-se o indivíduo como historicamente
para pensarmos a interação social constituído e considera-se que ele atua ativamente
em seu meio, internalizando e elaborando cultura.
Na teoria histórico-cultural, o ambiente social Pode-se afirmar que as significações em cada indi-
em que vivem os sujeitos é considerado por Vigotski víduo jamais serão plenamente coincidentes
o centro de sua teoria. É nesse ambiente, que cons- (VIGOTSKI, 1999), visto que cada indivíduo conta
titui e é constituído pelos indivíduos, que ocorrem com uma personalidade - “conjunto das relações
as interações sociais entre os sujeitos. Em sua teo- sociais” (VIGOTSKI, 2000, p.35) - distinta.
ria, o ser social se individualiza a partir do seu con- Assim, em cada verbalização ou ação do sujeito,
tato ativo cada vez maior com o outro. existe a possibilidade de significação por outrem,
Como já explicitamos na introdução, é com os outros que vai codificar o outro através de sua fala e gesto
sujeitos que essa formulação recíproca de significação - - que são a palavra e a ação significadas (SMOLKA,
mediação entre pessoas - é completada, pois somente entre 2000a). Para tanto, a subjetividade individual será
sujeitos é que os signos têm seus significados estabelecidos. requisitada, o que afirma a singularidade de

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Interação social

interpretação e significação para cada sujeito, com A interação social e as experiências que elas
base em sua experiência de vida. No entanto, como proporcionam em meio social vão constituir as funções
já foi exposto, nesse processo existem coincidências psicológicas superiores do indivíduo - termo cunhado
entre as formas de interpretar os signos pelos por Vigotski e citado por PEDROSA (1996, p.27, grifo
sujeitos, e são essas coincidências que viabilizam a do autor), que pode ser explicado sinteticamente como
possibilidade de interação entre eles. “[...] a projeção no plano pessoal (esfera privada) da
Ao pensar sobre a linguagem VIGOTSKI (2003) trama das relações sociais (esfera pública) [...]”. Essa
diz que, a palavra é uma das ferramentas mais im- informação é que proporciona a compreensão da
portantes na constituição do pensamento huma- complexidade desse processo, uma vez que o indivíduo
no, mas não descarta a possibilidade da ação é constituído pelo ambiente social e responde a ele
humana ter sua função de linguagem através de segundo suas experiências sociais únicas, que são
diferentes sistemas semióticos como os gestos, por ativamente introjetadas por ele.
exemplo. Isto fica claro quando o autor descreve a Na concepção de Vigostski, as experiências
ação da criança que tenta pegar o objeto, falhando vivenciadas entre pessoas agregam-se ao sujeito e o
em sua tentativa. A ação então é significada pela constituem, assim como as experiências já introjetadas
mãe, que percebe o movimento como o gesto de são socializadas, constituindo o ambiente social e
apontar. Com o passar do tempo, segundo o autor: regulando as formas de os indivíduos interagirem. A
[...] ocorre uma mudança naquela função do interação social revela-se então um processo de mútua
movimento: de um movimento orientado pelo constituição do sujeito e do ambiente social, um vai-
objeto, torna-se um movimento dirigido para e-vem que modifica o meio e promove,
uma outra pessoa, um meio de estabelecer rela- concomitantemente, o desenvolvimento do indivíduo.
ção. O movimento de pegar transforma-se no Nessa teoria, o desenvolvimento humano é
ato de apontar. [...] De fato, ele só se torna um impulsionado pela aprendizagem que se dá no
gesto verdadeiro após manifestar objetivamen- ambiente social e de interação entre sujeitos.
te para os outros todas as funções do apontar, e Para que haja o desenvolvimento faz-se necessária
ser entendido também pelos outros como tal a mediação de um outro ser social mais experiente.
(VIGOTSKI, 2003, p.74-5). É nessa relação que a aprendizagem vai se dar por
Revela-se então que a linguagem é ação meio da troca de experiência entre indivíduos. Nesse
(vocalização, silêncio, movimento, estatismo, caso, ocorre a internalização de aspectos que são
postura corporal, feição, dentre outros) dirigida ao apresentados ao indivíduo e mediados pelo outro.
outro, e que é passível de ser significada por este. VIGOTSKI (2003) afirma que o responsável por criar
Para que o uso da linguagem seja efetivo, a ação uma zona de desenvolvimento proximal na criança é o
deve ser intencionalizada - carregada de intenção brinquedo, que pode ser definido como “[…] um mundo
do agente - e inteligível para quem quer que a ação ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem
tenha sido dirigida. Para este último fator ocorrer ser realizados […]” (VIGOTSKI, 2003, p.122).
da forma mais precisa possível, é importante que Este mundo ilusório é o local onde a criança se
os indivíduos envolvidos no processo de comporta como se ela fosse mais velha do que é na
comunicação compartilhem alguns signos e suas realidade, por esse motivo pode ser encarado como
respectivas significações; caso contrário, a fator de grande influência para o desenvolvimento,
comunicação terá seu papel comprometido por pois leva a criança a agir independentemente daquilo
diferenças intersubjetivas na significação. que vê, atuando em um plano mais cognitivo do que
Nesse processo de significação é necessária a presença concreto, desligando-se de vínculos que possuía em
de no mínimo dois indivíduos que, em interação social, estágio anterior de desenvolvimento. Ao se relacionar
vão estabelecer acordos mútuos para a criação e uso com o brinquedo a criança estará jogando.
dos signos e de suas respectivas interpretações, as quais O brinquedo cria na criança uma nova forma
podem ser mais ou menos duradouras, conforme a de desejos. Ensina-a a desejar, relacionando seus
situação em que foram elaboradas. desejos a um “eu” fictício, ao seu papel no jogo
A interação social assume então um papel fun- e suas regras. Desta maneira, as maiores
damental, uma vez que é por meio dela que os in- aquisições de uma criança são conseguidas no
divíduos compartilham suas experiências e juntos brinquedo, aquisições que no futuro tornar-se-
formulam algo que antes não estava presente em ão seu nível básico de ação real e moralidade.
nenhum dos dois indivíduos (PINO, 2000). (VIGOTSKI, 2003, p.131).

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Segundo VIGOTSKI (2003), a evolução do brinquedo como salientam SMOLKA e LAPLANE (2005). Então,
pode ser verificada de acordo com a evolução do jogo o sujeito é afetado a cada instante por suas relações
nas crianças, na transição de situação imaginária às com o meio e se constitui através desses contatos.
claras e regras ocultas, para jogos com regras às claras e Na outra direção, o indivíduo também exerce força
uma situação imaginária oculta. Estas regras tornam- modificadora em seu ambiente ao proceder e ao
se cada vez mais rígidas conforme a evolução do jogo, exteriorizar ações baseadas em suas internalizações.
tornando este mais tenso e, concomitantemente, É pela forma como o sujeito responde ao ambiente
exigindo maior atenção da criança. que se revela aos outros indivíduos as prováveis
A internalização é um conceito importante e internalizações - impressões pessoais sobre a
contribui para o presente estudo. É por meio desse realidade - daquele ser social (SANTIGOSA, 2003).
processo que o que está externo ao sujeito orgânico Foram apresentados os principais posicionamentos
é reformulado para integrar o indivíduo social. e escolhas do presente estudo quanto ao sujeito, ao
Assim, o que antes foi relação entre pessoas passa a ambiente social e às suas formas de constituição por
ser um modo de relação do sujeito para consigo, meio da internalização intermediada pelo outro.

Resultados e discussão
Jogo e interação social: indivíduo reformular suas atitudes em uma situação
construtos sociais que constituem o sujeito semelhante no futuro e ao(s) professor (es) pensar
estratégias, conteúdos que lancem problemas capazes
É nas fábulas musicais de um grupo de saltim- de desenvolverem seus alunos.
bancos que Chico Buarque mostra como se ence- Esse processo - que ocorre entre ação, reação e
nam novas formas de organização social. Com interpretação da sua própria ação em relação às res-
“esperteza, paciência, lealdade, teimosia”, todos so- postas do meio - encadeado e mútuo entre indiví-
nham com uma cidade ideal, brincam de esconde- duos é que vai constituir a interação social que vão
esconde, reclamam das regras e ordens e, por fim, ajudá-los a internalizar o que o meio lhes oferece e
Todos juntos, tentam mudá-las: “e mais dia menos que, por outro lado, vão posicioná-los como agen-
dia a lei da selva vai mudar. Todos juntos somos tes de mudança desse mesmo meio.
fortes, somos flecha e somos arco, todos nós no Durante a análise da interação social percebeu-
mesmo barco, não há nada pra temer”. É dessas se que elas poderiam ser rearranjadas em três esfe-
experiências compartilhadas que trata esta parte do ras situacionais que dizem respeito à participação
texto. Nela são apresentadas as categorias de dos sujeitos no jogo, à prática ou decisões sobre a
interação social encontradas durante as aulas mi- atividade e ao relacionamento entre os mesmos.
nistradas nesta pesquisa. Durante a realização dos jogos, a medida que há
Essas categorias foram formuladas por sua simi- uma zona de desenvolvimento proximal colocada a
laridade em situações de interação. É importante cada sujeito envolvido no processo e outros apresen-
ressaltar que para tanto foi observado o conjunto tam para este mesmo problema uma zona de desen-
de ações (falas, posturas, movimentos, gestos, entre volvimento real, várias situações de interação surgiram.
outros), considerando-se a percepção individual -
como pesquisador - das intenções dos alunos em Esfera situacional participação
suas ações. Por isso, foi significativa e fundamental
a efetiva inserção do pesquisador no grupo de alu- Na esfera que denominamos de participação são
nos e no ambiente de ensino. agrupadas as categorias que envolvem interação so-
As categorias de interação são aqui formuladas para cial regulatórias das ações dos alunos nas ativida-
dar conta de exemplificar os diferentes indícios de des, tais como exclusão, incentivo e inclusão.
aprendizado e desenvolvimento resultantes da ação Descrevemos alguns trechos a seguir que nos per-
(pensada e formulada a partir das motivações, desejos mitem vislumbrar estas formas que a interação so-
e objetivos do sujeito), da reação (do meio social cial pode assumir.
apoiando ou rechaçando as ações do indivíduo) e da A exclusão no ambiente de jogo pode ocorrer
interpretação das reações; esses indícios permitirão ao por diversos motivos dentre os quais, habilidade não

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Interação social

madura ainda para aquele tipo de jogo, desafetos motiva as ações nessa direção. Este tipo de interação
entre alunos, questões de gênero, entre outras ra- pode ser considerado um exemplo de inclusão.
zões. A exclusão pode levar o sujeito a ser impedido
de participar do jogo ou de determinado time. Esfera situacional atividade
Na transcrição de situação de aula a seguir, é pos-
sível observar como “S” tenta fazer com que “I” Esta esfera remete-nos a prática ou as decisões
mude de time para que ela possa ficar em seu lugar. sobre a atividade, tomada pelos sujeitos. É o acor-
Com a recusa de “I”, a aluna “S” acaba por integrar do sobre as regras, o início, o fim, o campo a ser
o time formado por alunas, deixando assim o alu- usado no e para o jogo. Podemos dizer que a situa-
no “D” sozinho, segurando a outra ponta da cor- ção aparece como cobrança, desafio, orientação,
da. Isso torna possível inferir que nenhuma das duas proposição e reconsideração.
alunas queria deixar suas amigas para compor um A cobrança parece ser importante para que os
time com um aluno. alunos percebam as exigências do grupo para o cum-
“S”: - Vai “I” com ele. primento das regras, alem de melhoria de suas ações
Ao pedir para que a “I” fosse ajudar o “D”, pois referentes à prática do jogo. O trecho abaixo retra-
ela queria ficar no time de “A” e “H”. ta bem este tipo de situação.
“I”: - Não. Recusando-se. “I”: - Vai gente, e é um, e dois e é três.
“S”: se une ao time das alunas e ajuda a puxar Impaciente pela demora de “S” e “V” em se
o “D” por intermédio da corda. arrumar ela tenta iniciar o jogo.
“D”: - Não vale tio. Diz revelando que era in- “S”: - Espera ai, espera ai, espera ai. Solicitan-
justa a condição dele contra as quatro alunas. do um tempo maior para que ela se posicionasse
Nesse outro trecho, há incentivo, seguido de na corda e segurasse o saco.
orientação, uma vez que o aluno “J” parecia não “I”: - Gente! Sacudindo a mão direita, tentando
saber ao certo o que deveria ser feito ao ser pego. apressar as duas meninas para o início do jogo.
“D”: - Vai pega um, “A”. Ao indicar a aluna O exposto acima nos relembra a importância do
“A” que ela já poderia pegar, pois o jogo havia meio social para a modificação das ações dos sujeitos
começado. do grupo. A cobrança de uma ação específica por um
“A”": - Peguei. Ao tocar o braço do aluno “J”. dos membros do grupo revela aquele que é cobrado o
“D”: - Você ajuda ela “J”. Aluno “D” orienta que o grupo espera dele. Neste sentido VIGOTSKI (2000,
“J” ao apontar para a “A”, que deveria ajudar. 2003) lembra que todas as funções humanas são
Nesta outra descrição também podemos notar vivenciadas primeiramente fora dos sujeitos - em
incentivo já que “S” mostra-se muito envolvida no ambiente social - para serem depois experienciadas
jogo e promove incentivos, no intuito de que ou- dentro deles. Assim, o sujeito que e pouco exigido de
tros alunos também se envolvam no jogo e nas ações seu meio provavelmente desenvolvera menos
que devem ser tomadas nele. diversidade de resposta a si mesmo.
“L”: inicia sua corrida para o outro lado. Outro aspecto importante a ser notado na esfera
Pesquisador: adverte - Não pode voltar “L”. atividade é que nesta pesquisa, a orientação ocorreu
“S”: - Voltou. Acusando-o de ter voltado para principalmente entre alunos; o que revela coerência com a
o campo atrás da linha verde. Mas ela segue na opção teórica e pedagógica das aulas, que foram ministradas
tentativa de pegá-lo. segundo as concepções abertas de ensino.
“L”: consegue driblá-la. As aulas abertas privilegiam a tomada de decisões e
“S”: - Pega professor. Vamos levantar o “L”. ações por parte dos alunos em oposição aos métodos mais
Estimulando o pesquisador a capturar o aluno tradicionais de ensino, que consideram o professor o
“L” e, em seguida, estimulando os alunos a aju- detentor do conhecimento e o aluno o receptáculo pronto
dar a levantá-lo. a receber o conhecimento que o professor oferece.
Esse tipo de interação parece reforçar ações Nestes trechos abaixo é possível perceber mais uma
consideradas positivas e desejáveis pelos sujeitos do vez a lógica das aulas abertas, bem como desafio,
grupo, reforçando-as e aumentando a sua intensidade reconsideração, proposição, formas de interação que
e frequência. A cobrança lembra os indivíduos do que compõe para nós esta esfera situacional.
é esperado deles e chama a sua atenção para o que “T”: que agora está na posição de quem quei-
deve ser realizado e de que forma. O incentivo ressalta ma, vai tentar queimar a aluna “V” e passa da
o que está sendo realizado conforme o esperado e linha do seu campo ao tentá-lo.

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“V”: reclama. - Não! Então corrige o Não é demais lembrar que aqui dividimos formas de
posicionamento de “T”. - Vai, você e lá atrás. interação para didaticamente as identificarmos, mas
Ao mostrando para “T” o local de onde ele de- numa situação cotidiana elas são altamente imbricadas
veria fazer os arremessos. e deflagradoras de maturação grupal e individual.
“T”: então recua, aceitando o reposicionamento Estas formas são bastante comuns durante as
indicado por “V”. aulas, indicando que, para os alunos estudados, pode
ser difícil trabalhar em grupo, uma vez que para
Pesquisador/professor: inicia a explicando das realizar uma atividade coletiva os indivíduos devem
regras do jogo. dialogar e aceitar os desejos do outro, buscando as-
“S”: - Já sei, já sei. Indicando já conhecer o jogo. sim um espaço de compreensão e respeito recípro-
Alunas “T” e “B”": não se manifestam. co. Isto é construído na medida que os sujeitos vão
Pesquisador/professor: Continua a explicando experenciando diferentes situações onde podem se
das regras do jogo; agora direcionando a aten- colocar, debater, confrontar-se civilizadamente e to-
ção para as alunas que não se manifestaram. mar decisões cada vez mais conjuntas.
“S”: toma a palavra e passa a explicar o jogo Vale lembrar que, apesar da tensão provocada, tais
para as duas alunas, gesticulando e encenando situações são importantes, pois por meio delas que os
como deveriam ser as ações das alunas em cada sujeitos buscam se afirmar no grupo e mostrar diferenças
situação do jogo. de pontos de vista e de valores. Isto pode ser notado abaixo:
“D”: apos ser convidado insistentemente pelos
“D”: - Vai, cada vez mais vai enchendo o último alunos para participar ele parece está prepara-
que ficar ganha. Fala alto e olhando para o do para entrar no jogo novamente. - Deixa eu
pesquisador, dando a entender que buscava nele tirar com alguém ali . Deixa eu tirar com a “S”.
a autorização para fazer esta modificação na regra. Isto passa por cima de situações anteriormente
Pesquisador/professor: permanece em silêncio e observadas, quando a aluna “I” finalmente es-
sem sinalizar negativa ou positivamente. Alunos: colhe os times com “S”.
aceitam a proposta de “D”, passam a jogar o jogo “I”: então diz- Não! E empurra a “S” para trás.
com essa nova regra. Quando todos os alunos “D”: aproxima-se de “S” para tirar par ou impar,
tinham sido postos para dentro da corda, com quando a “I” novamente empurra “S” para trás,
exceção de “V” e “S”, o pesquisador problematiza para longe de “D”.
a situação suscitada pela nova regra. Aqui se podem identificar duas ações de lideran-
A possibilidade de orientação entre alunos vem ça: a primeira, do aluno “D”, que quer impor a sua
reafirmar a importância dos alunos se sentirem vontade de tirar o time com a aluna “S”; a segunda,
motivados a participar ativamente e criticamente das a da aluna “I”, querendo manter a validade da divi-
aulas, assim como é sugerido por HILDEBRANDT e são dos times que já haviam sido escolhidos.
LAGING (1986), quando defendem as concepções É importante notar que o aluno “D” parece perceber
abertas de ensino. Assim, alem de recebido, o como a sua presença no jogo e desejada pelos alunos - pois
conhecimento e re-elaborado pelos alunos e entre eles, insistem para que ele participe; nesse contexto, “D” e posto
o que torna o aprendizado um processo mais em uma situação na qual se percebe capaz de fazer
significativo e duradouro. Cabe salientar que não é exigências ao grupo, passando a clara mensagem de que a
somente a concepção aberta que preconiza este tipo de sua participação no jogo esta condicionada a concessão
atitude, há outras propostas como a da obra Metodologia do grupo aos seus desejos.
do Ensino de Educação Física e da obra Transformação No caso contrário, quando o aluno não conta
Didático-Pedagógica do Esporte, só para citar duas. com o apoio dos outros, para a realização de suas
vontades, sua interação de imposição é mais
Esfera situacional relacionamento truculenta. Assim sendo, os alunos tendem a im-
por-se de outras formas; pela força, ou impedindo
Na terceira esfera, que diz respeito ao que a atividade continue, o que coloca esse aluno
relacionamento, a interação social assume formas em situação favorável de negociação, caso os de-
como liderança, controle, aceitação e dominação. mais desejem continuar realizando a atividade.
A liderança, dominação e aceitação desta liderança Nos trechos a seguir é possível perceber que uma
mostraram-se formas de interação que via de regra, vez percebidas as infrações, os alunos impõem pu-
numa situação de grupo estão altamente relacionadas. nições uns aos outros.

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Interação social

“H”: para bem junto ao pesquisador, que vai “V”: fica bem junto da linha que determina o
bater a corda. campo dela.
“V”: puxa “H” para trás e diz - Eu cheguei “S”: então reclama - Passou. O do “T” e até
primeiro. Ao tentar defender sua posição de aqui. Em seguida apontando que a aluna "V"
primeira da fila. está dentro do campo do aluno “T”.
“H”: tenta reagir e voltar a tentar ficar na frente. “V”: então retruca - Não, o campo do “T” e
“S”: segura “H” pelos ombros e a impede de tentar aqui. E mostra no chão a linha atrás dela, indi-
avançar para o primeiro lugar na fila (mais próxima cando que seu posicionamento está correto.
da ponta da corda e que e batida pelo pesquisador). “S”: então joga a bola na direção da aluna “V”, mos-
“H”: então se solta das mãos de “S” e vai para o trando que aceitou a localização dela como válida.
último lugar da fila, perto da ponta da corda Nessa passagem acima chama atenção o fato de
amarrada no hidrante. em alguns momentos os alunos tentarem envolver
o pesquisador/professor nas suas discussões, dando
Pesquisador, “V”, “S” e “I”: dando-se por con- a entender que, se eles convencessem o professor, a
vencidos de que "H" tinha aceitado a posição discussão estaria terminada. Essa tentativa reforça
do grupo em não. a ideia de que os alunos vêem na figura do profes-
"H": quando a corda começa a ser batida, ela sor o controlador e regulador da atividade. Em caso
então decide atrapalhar o jogo, e corre para de conflito -na visão dos alunos - ele deve intervir e
perto do hidrante, impedindo a corda de ser todos concordarão, respeitando a sua autoridade.
batida. Ela então toma a outra ponta da corda É importante pensar nessa observação, principal-
na mão e sai correndo. mente quando se lembra que as atividades foram
“A”: entra correndo no campo do outro time conduzidas de forma a dar espaço para que os alunos
com a bola na mão, ameaçando arremessar a dialogassem e exercitassem seu poder de critica e
bola nos alunos do outro time. autocrítica. No entanto, quando usam esse artifício
“C”: -Não pode. de deslocar a discussão entre eles, de forma a integrar
“D”: - Que é isto? Ambos reclamando da ação o professor no intuito de convencê-lo, mostram que
da aluna “A” que infringe a regra ao entrar no ainda não desenvolveram completamente sua capaci-
campo para queimar os alunos do outro time. dade de argumentar e lidar com a situação de conflito.
“A”: - Pode sim. A aluna “A” mostra querer in- As agressões durante a pesquisa ocorreram sempre
fringir a regra e parece não se importar com as que havia uma disputa entre os alunos. Quando dois
reclamações dos alunos. indivíduos tinham interesses distintos e conflitantes e,
“D”: - E esta linha aqui. Apontando a linha que ao mesmo tempo, não conseguiam argumentar e
divide o cemitério de sua quadra. E, em seguida, defender seu ponto de vista, optaram pela agressão
solicitando a posse da bola. - Pode me dar. como forma de garantir a realização de seus interesses.
“A”: joga a bola no chão e se afasta. Pesquisador/professor: - Vocês preferem assim
Uma outra forma utilizada pelos alunos para ex- ou assim a quadra? Ao questionar os alunos
pressar seus julgamentos foi adjetivar o sujeito ou suas acerca de sua escolha, aponta primeiramente
ações. Isto pode ser notado nos trechos a seguir: para um sentido e depois para o outro, sendo o
Pesquisador/professor: aproxima-se de “D”. - Não é último a forma que utilizaria duas quadras.
questão de ser mais força “D”. Solicita o lenço de “D”: - Assim! E aponta para a utilização de uma
volta, assim desclassificando a ação na qual ele utilizou só quadra. Ao reconsiderar sua intenção.
ação agressiva para ganhar a posse do lenço. “S”: também reconsidera e aponta para a utili-
“D”: - Eu peguei dela, ela nem deixou eu arru- zação de uma só quadra, balançando o braço e
mar e já vem pegar. Justifica-se e esconde os len- falando: - Assim!
ços nas costas para que o pesquisador não os tome. Os alunos inicialmente apontam para a utilização
Pesquisador/professor: estende a mão para “D”, das duas quadras para a realização do jogo. Apos se-
exigindo os lenços. rem questionados novamente, mudam de opinião, apa-
“D”: reluta, dando alguns passos e se afastando rentemente por perceberem que utilizando as duas
do pesquisador/professor. Por fim, ele dá os lenços quadras eles obstruiriam a passagem dos pais que che-
para ele e complementa: - Ela e folgada. Referindo- gavam para buscar os alunos dentro do prédio do
se a “V” que a seu ver tinha sido desonesta ao não Prodecad, alem de existirem pessoas no local que ser-
dar tempo para ele arrumar o lenço. viria de cemitério no jogo de queimada. Refazer a

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questão abriu a possibilidade dos alunos reavaliar a aprendizado por tentativa e erro, que vai
situação e identificar a problemática que envolvia sua fundamentar o desenvolvimento do indivíduo e
decisão, permitindo-lhes a previsão de problemas que muni-lo de maior número de experiências para
talvez implicassem a pratica do jogo nas duas quadras. enfrentar situações futuras. A vivencia desse tipo
A reconsideração expressa a capacidade do de interação pode dar a ele condições melhores no
individuo de reavaliar a situação e de formular novas caso de vir a se deparar com problema semelhante
soluções para os problemas, dando ocasião ao em outro momento de sua vida (VIGOTSKI, 2003).

Considerações finais
Ao aceitar a mútua constituição entre sujeito e significados individuais atribuídos a cada ação durante
ambiente, a teoria histórico-cultural avança em a prática da atividade. A interação ajuda a socializar
relação às perspectivas naturalistas e inatistas, já que significados - uma vez que permite negociação - no
considera que os seres humanos nascem com entanto, ela não os padroniza. Considera-se, então,
potencialidades que, se não forem ativadas, ao longo que a interação ajuda a formular acordos sobre
da história de vida dos indivíduos, jamais se significados para possibilitar a comunicação entre
desenvolverão. Nessa teoria, então, para ativar o indivíduos e a troca de experiências entre eles.
desenvolvimento é preciso que haja estímulos A interação social se constitui, ao nosso ver, num
passíveis de internalização, os quais terão ocorrido espaço de construção e experimentação. Um lugar para
durante a interação social (SMOLKA, 2000b). que os sujeitos percebam o meio social e posicionem-
É nesse contato entre indivíduos, de forma ativa e se sobre as situações, o que possibilita um novo repensar
comprometida, que a interação social ocorre de forma acerca de suas ações. Daí a importância do presente
mais efetiva e interessante em ambiente educacional, estudo, pois fica evidenciado que os sujeitos, durante
pois se exige dos alunos atitude de resposta aos a prática de jogos, vivenciam muito mais que as ações
problemas e divergências evidenciados entre eles. Tal motoras que são exigidas deles. Eles excluem, incluem,
atitude será resultado de uma nova forma de os alunos questionam, solicitam, discutem e desafiam,
enfrentarem suas divergências, fruto de um aprendendo a cada novo instante a perceber como
aprendizado conquistado diante do confrontamento o meio social responde às suas ações. Por fim, é
de suas diferenças (FALKENBACH, 2000). preciso lembrar ainda que toda ação humana é
Durante as atividades do projeto foram praticados idealizada a partir de um emaranhado de
jogos, que ao serem jogados promoveram situações de experiências dos sujeitos, sendo impossível dissociar
interação social, permitindo o compartilhamento de suas ações de suas histórias de vida.

Abstract
Social interaction in physical education classes

This study analyzed forms of social interaction that occur during the practice of children's games. The historical-
cultural perspective, especially Vigotski's contributions, was the theoretical framework from which we analyzed
social interactions. The experiment, characterized as participative observation, was carried out with children
aged nine to 11 years. The proposed mode of conducting the class was of open classes, with efforts to
stimulate the children to change the rules of games, through the greatest amount of interaction between
them. The data obtained in the work field were categorized into three situational spheres: participation,
activity and relationship. The analysis of these spheres suggests that the contact between individuals in an
educative environment, in an active and engaged form, produces effective social interactions in the most
interesting manner, as it demands attitudes from the students in responding to the problems and divergences
that arise between them, many times without adult interference.

UNITERMS: Physical education; Social interaction; Internalization.

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Interação social

Nota
1. Referenda a João e Maria, música de Sivuca e Chico Buarque de Holanda.

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ENDEREÇO
Pedro José Winterstein Recebido para publicação: 10/06/2008
R. 12, 424 - Cond. Res. Paineiras - Caixa Postal 03 Revisado: 29/05/2009
13140-000 - Paulínia - SP - BRASIL Aceito: 20/07/2009
e-mail: winterstein@fef.unicamp.br

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