Revista de Villegagnon 2022
Revista de Villegagnon 2022
Revista de Villegagnon 2022
Comandante
C. Alte Adriano Marcelino Batista 4 Crise e liderança – a possibilidade de uma
retroalimentação
Superintendente de Ensino Capitão de Mar e Guerra (Ref-FN) Paulo Roberto
C. Alte (RM1) Paulo Cesar Mendes Biasoli
Ribeiro da Silva
Editor
CMG (Ref) Pedro Gomes dos Santos Filho
Conselho Editorial
10 O livreto “Nossa Voga” na Escola Naval: uma
introdução às tradições e aos valores para os
CF (IM) Marcello José Gomes Loureiro jovens da Marinha
1T (RM2-T) Juliana da Silva Neto
Profª. Drª. Ana Paula Araujo Silva Capitão de Mar e Guerra (RM1-IM) Hercules
Prof. Mario Cesar da Silva Fonseca Guimarães Honorato
Revisão
Profª. Drª. Ana Paula Araujo Silva
Prof. Mario Cesar da Silva Fonseca
17 A origem da Rosa das Virtudes
Capitão de Mar e Guerra (Ref) Pedro Gomes dos
Santos Filho
Diagramação e Arte final
26
Acará Estúdio Gráfico
Conselhos aos oficiais recém-formados
www.acara.com.br
Capitão de Corveta (FN) Raphael Baptista Mattos dos
Anjos
Contato
30
en-revvillegagnon@marinha.mil.br
As compras por oportunidade e suas possibilidades
Os artigos enviados estão sujeitos a cortes e na Base Industrial de Defesa (BID)
modificações em sua forma, obedecendo a crité-
rios de nosso estilo editorial. Também estão sujei- Aspirante Lucas Gabriel Moura Carnaúba
tos às correções gramaticais, feitas pelos revisores
da revista.
As informações e opiniões emitidas são de ex-
34 Considerações sobre o gênero abstract em
trabalhos acadêmicos
clusiva responsabilidade de seus atores. Não ex-
primem, necessariamente, informações, opiniões Profa. Dra. Doris de Almeida Soares
ou pontos de vista oficiais da Marinha do Brasil. Profa. Dra. Márcia Magarinos de Souza Leão
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
41 Um modelo de proposta para avaliação de
desempenho usando o conceito fuzzy
Capitão de Mar e Guerra (RM1-IM) Luís Odair
Azevedo Gomes Raymundo
98 “Metade da esquadra inimiga é nossa, por que vou cortar sua linha”:
a Armada Imperial e a guerra pela integridade territorial do Brasil
Aspirante (IM) Pedro Lucas de Deus dos Santos
Nossa Capa:
Após longa singradura,
Guardas-Marinha recebem a tão
almejada espada na Cerimônia de
Declaração de GM, realizada no
solo sagrado de Villegagnon
CRISE E LIDERANÇA – A POSSIBILIDADE
DE UMA RETROALIMENTAÇÃO
A parte mais terrível do inferno está reservada para aqueles
que se mantêm neutros em períodos de crise moral.
Dante Alighieri
O exercício do processo de liderança, por sua O líder é normalmente percebido como um orien-
vez, deverá ser conduzido prioritariamente segun- tador, o indivíduo que é capaz de influenciar seus li-
do a personalidade do líder ou terá que ser conside- derados a operarem unidos sob um mesmo propósito.
rada também, com especial atenção, a conjuntura Suas palavras, de certa maneira, sintetizam o querer
em que ele se desenvolve? Será que, em uma situa- do grupo e, por consequência, é respeitado e valori-
ção estimada como normal, as ações empreendidas zado. Contudo, será que esta plêiade de atributos o
pelo líder deverão ser praticamente similares às de coloca como o único responsável pelas consequências
um contexto crítico, ou lhe serão exigidas algumas advindas de suas decisões, ou os liderados terão algu-
peculiaridades? ma corresponsabilidade neste processo?
Um cenário de crise geralmente debilita a todos. Evidentemente seria uma veleidade sem limites se
As novidades e os imprevistos deterioram nossas este trabalho se propusesse a apresentar uma solução
certezas, expondo visivelmente medos e fraquezas. definitiva para todos esses questionamentos; não obs-
Neste caso, será que a criticidade de uma circuns- tante, pretendemos lançar tão somente uma luz neste
tância aportará dificuldades para o líder se impor obscurantismo que nos envolve. Para tanto, inicial-
perante seus liderados ou, se convenientemente ex- mente será abordada a vida no coletivo, onde buscare-
mos enfatizar a importância e as consequências deste
1
Doutor em Ciências Navais pela Escola de Guerra Naval. viver em sociedade.
CORRESPONSABILIDADE
DOS LIDERADOS CONSIDERAÇÕES FINAIS
O viver em coletividade agrega uma série incontá-
“Todos somos responsáveis por tudo, peran- vel de benefícios, malgrado exigir em contraposição
te todos”. a concessão de parte da liberdade dos seus membros
ao grupo, o que pressupõe uma sujeição espontânea
Feodor Dostoievski dos seus integrantes a um determinado indivíduo que
o represente – o líder, um personagem essencial para
Quase sempre é imputada aos líderes a respon- sobrevivência do coletivo, que sintetiza os anseios do
sabilidade total pelas consequências dos atos prati- grupo ou a ele impõe suas próprias pretensões, por
cados pelo grupo. Não obstante isto acontecer e ser persuasão ou outros artifícios.
em parte veraz, não se pode negligenciar a parcela de Liderar não é fácil! Este processo pode se dar
comprometimento dos liderados. Em sendo omissos de maneira menos árdua para aquelas pessoas con-
e ineptos ao se deixarem levar impensadamente se- templadas naturalmente por alguns dons especiais;
gundo as vontades e devaneios do líder, contribuem ou de forma exaustiva, como acontece com a maio-
significativamente para o desenlace dos aconteci- ria. Todavia, é notório que num caso ou no outro o
mentos. O Dalai Lama ratifica a citação do eminente seu propósito não está necessariamente vinculado
romancista e pensador Dostoievski dizendo que “A a valores virtuosos, mas sim à consumação dos de-
responsabilidade de todos é o único caminho para a sejos do grupo, sejam quais forem, cristalizados na
sobrevivência humana”. figura do líder.
Quando as pessoas estão sob uma liderança for- A liderança é situacional! Não há possibilidade de
te, têm tendência a se acomodarem e se deixarem desvinculá-la dos contextos, a não ser que o líder cor-
conduzir, pois se desoneram do peso das respon- teje intencionalmente o fracasso, ou seja um desprepa-
sabilidades. É muito mais conveniente e cômodo rado, o que é uma tolice ou uma inépcia.
Apesar de os líderes serem os maiores responsáveis DOSTOIEVSKI, Feodor. Disponível em: https://pensador.
pelos resultados alcançados pelo grupo, eles não de- com/frases/MTEzNDc/. Acesso em 03 fev. 2022.
vem ser sempre apontados como sendo os únicos. O
FORD, Henry. Disponível em: https://sliderplayer.com.br/
entusiasmo, a motivação, assim como a passividade e
slide/50180/. Acesso em: 03 fev. 2022.
a omissão dos liderados de fato estimulam e impelem
o líder e, consequentemente, todo o grupo para o su- LAMA, Dalai. Disponível em: https://pensador.com/frase/
cesso ou o fracasso. NzQ4MDMy/. Acesso em: 03 fev. 2022.
Não resta a menor dúvida de que a adoção imedia- YOUSAFZAI, Malala. Disponível em: https://benefi.com.br/
ta de um processo informativo preventivo de caráter frases-de-liderança/. Acesso em: 03 fev. 2022.
Ser tradicional não é ser antigo, velho; interiorizar ESCOLA NAVAL, Nossa Voga. Rio de Janeiro, 1955.
os valores na formação não para na geração, eles são
ESCOLA NAVAL, Nossa Voga. Rio de Janeiro, 2007.
perenes e estruturantes, faz parte do DNA do mari-
nheiro. “Nossa Voga” (1955, p.145) nos faz refletir, ESCOLA NAVAL, Nossa Voga. Rio de Janeiro, 2021.
na seção VOCÊ SABIA? Item “38 – Que a atitude que GUILHEM, H. A. Conselhos aos jovens officiaes. Rio de
um indivíduo apresenta é um espelho no qual se pode Janeiro: Imprensa Naval, 1915.
ver refletido o seu interior”.
PAULA, P. de. et al. Clima e cultura organizacional em um
organização pública. Gestão & Regionalidade, v.27, n.81,
AGRADECIMENTOS p.59-73, set./dez. 2011. Disponível em: https://seer.uscs.edu.
br/index.php/revista_gestao/article/view/1279. Acesso em:
Aos CMG Helder Velloso Costa e Ronald dos San-
21 jul. 2022.
tos Santiago, da bibliotecária Marcia Prestes Taft e SO
Marcos Cavalcanti Ferreira da DPHDM, e do apoio TUDO o que você queria saber sobre a Escola: mas não
val. Todos foram importantes no levantamento biblio- VILLAR, F. Faze assim... breviário moral e cívico. 2. ed. Rio
gráfico e documental deste estudo. de Janeiro: Saturno, 1952.
INTRODUÇÃO A PESQUISA
De acordo com o que preconiza a Doutrina de Li- A pesquisa foi realizada lançando mão do excelen-
derança da Marinha do Brasil (EMA-137), os “valores te acervo histórico existente na biblioteca da Escola
da Marinha” são traduzidos por meio do conjunto de Naval, o que permitiu chegar a bom termo no propósi-
princípios e costumes expressos na simbólica figura da to pretendido. É interessante constatar desde logo que,
Rosa das Virtudes. É contumaz encontrarmos nas Or- ao final do trabalho, veremos que a inspiração para a
ganizações Militares da MB esse importante símbolo, concepção da Rosa das Virtudes foi um Oficial de Ma-
que sintetiza os referenciais sobre como devem proce- rinha, vulto da História Naval brasileira: o Almirante
der aqueles que servem à Marinha do Brasil. Luiz Felipe de Saldanha da Gama.
A tradicional publicação da Escola Naval “Nossa
Voga” registra que “a Rosa das Virtudes foi publica- O início
da oficialmente em 1954, quando da divulgação da
A pesquisa nos remete há 82 anos atrás, em janei-
1ª edição daquela publicação” (ESCOLA NAVAL, 2021,
ro do ano de 1940, quando foi publicada a primeira
p.22). Entretanto, não apresenta dados que possam indi-
car, mais precisamente, a sua origem e o seu criador. edição do livrete denominado “Faze assim... breviário
moral e cívico”, de autoria do então Capitão de Mar
A publicação EMA-137, tanto na 1ª edição de
e Guerra Frederico Villar, cuja capa da 2ª edição, de
2004 quanto na 1ª Revisão, de 2013, embora apre-
1952, é apresentada na Figura 1.
sente no seu anexo a figura e os conceitos da Rosa
das Virtudes, também não ostenta informações que O trabalho (2ª edição, 1952), já esgotado e de di-
possam esclarecer as dúvidas existentes quanto à sua fícil aquisição, chegou às nossas mãos por cortesia do
origem. O mesmo ocorre com o Manual de Liderança CMG (RM1) Helder Velloso Costa, por indicação do
(DEnsM-1005), 1ª edição de 1996, que nem mesmo CMG (RM1-IM)
faz alusão à Rosa das Virtudes2. Hércules G. Hono-
rato, que cita o li-
Essas dúvidas sobre a Rosa nos motivaram a re-
vrete no seu artigo
alizar uma pesquisa, cujos resultados são descritos a
sobre a publicação
seguir, no sentido de levantar dados que permitam co-
“Nossa Voga”.
nhecer como surgiu, quem é o autor, como se deu a
sua evolução ao longo do tempo e a quem coube a bri- O livrete é divi-
lhante ideia de representar os “valores da Marinha” dido em vários ca-
em uma rosa à semelhança da rosa dos ventos, com pítulos, onde o au-
dezesseis pontos ou direções. tor discorre sobre
o que chama de
Educação Naval,
1
Doutor em Política e Estratégia pela Escola Superior de Guerra. dá conselhos aos
2
Na DEnsM-1005, a Rosa somente aparece em 2018, no Anexo jovens oficiais, a Figura 1. Segunda edição do
da 1ª revisão da publicação, também sem esclarecer a sua origem. exemplo do que livrete “Faze assim...”
4
Villar assinala que, quando a sua obra estava quase pronta, eclo- 5
Possivelmente, o livreto “Don’t” deu origem ao “Breviário de
diu a 2ª Guerra Mundial, e a publicação do livrete só pôde ocor- Educação”, documento que sofreu uma adaptação, em 1983,
rer em 1946, durante as comemorações do Centenário do Almi- pelo Capitão de Corveta Afrânio Paes Leonardo Pereira Júnior, e
rante Saldanha. que pode ser encontrado na página da intranet da EN.
nheiro em uma rosa dos ventos foi do Almirante Le- Manual de Liderança. 1ª Rev. Rio de Janeiro, 2018.
mos Basto, durante a sua gestão na EN (30/03/1940 ______. Estado-Maior da Armada. EMA - 137. Doutrina de
– 23/09/1942). Este fato garante que a atual Rosa das Liderança da Marinha. 1ª Rev. Brasília, 2013.
Virtudes teve origem na Escola Naval, em Villegagnon.
______. Ministério da Marinha. Centenário do Almirante
Em 1946, fazendo parte das comemorações do Saldanha: 1846 – 1946. Rio de Janeiro: Imprensa Naval,
Centenário do Almirante Saldanha, foi publicado o 1947.
livrete, também de autoria do Comandante F. Villar,
intitulado “Breviário de Educação moral, cívica, social ESCOLA NAVAL, Nossa Voga. Rio de Janeiro, 1954.
e militar da jovem Marinha”, que registra os atributos ESCOLA NAVAL, Nossa Voga. Rio de Janeiro, 1955.
e apresenta a pioneira “rosa dos ventos do caráter ma-
ESCOLA NAVAL, Nossa Voga. Rio de Janeiro, 1956.
rinheiro”, que se transformou na Rosa das Virtudes.
A 5ª edição do “Breviário”, com o título reduzido, foi ESCOLA NAVAL, Nossa Voga. Rio de Janeiro, 2001.
publicada em 1959, quando o Comandante Villar já
ESCOLA NAVAL, Nossa Voga. Rio de Janeiro, 2021.
havia atingido o Almirantado e encontrava-se na Re-
serva. Como mencionado anteriormente, a leitura das VILLAR, F. Faze assim... breviário moral e cívico. 2. ed. Rio
duas publicações nos leva a inferir que a atual Rosa de Janeiro: Saturno, 1952.
das Virtudes foi inspirada nas qualidades e no exem- VILLAR, F. Breviário de Educação moral, cívica, social e
plo do Almirante Luiz Felipe de Saldanha da Gama. militar. 5. ed. Rio de Janeiro: Diretoria de Hidrografia e
A primeira edição da publicação “Nossa Voga”, de Navegação, 1959.
1
Grafia da palavra no original.
16 PONTOS ou DIREÇÕES
Cardeais: N, S, E, O; Colaterais: NE, SE,NW, SW; Subcolaterais: NNE,
ENE, ESSE, SSE, SSO, OSO, ONO, NNO.
Sem rosa
(*) São os mesmos conceitos apresentados na Doutrina de Liderança da Marinha do Brasil (EMA-137), no Manual
de Liderança (DEnsM-1005 – 1ª Revisão) e no Nossa Voga, 2021 (exceto o conceito de caráter marinheiro, que
não consta nesta edição).
SEJA HUMILDE
Bons líderes são aqueles humildes e fortes o sufi-
APRENDA COM SEUS SUBORDINADOS
ciente para admitir que não sabem determinado as- Na Marinha, para Oficiais Comandantes, de Uni-
sunto. Pedem ajuda e conselhos, em momento opor- dade, Subunidade ou Fração, temos a figura do Subo-
tuno, a fim de obterem as informações suficientes ficial Adjunto, ou Sargento Auxiliar, por exemplo: Co-
para tirar suas conclusões e decidir. Opte por ser esse mandante de Batalhão/Suboficial-Mor; Comandante
tipo de líder. de GruCAnf (Grupo de Comandos Anfíbios)/Sargento
Auxiliar de GruCAnf e Comandante de Pelotão e Sar-
gento Auxiliar de Pelotão.
1
Comandante do 2º Batalhão do Corpo de Aspirantes, Comandos
Imagine um típico Suboficial de Infantaria, que
Anfíbios, Guerreiro de Selva, Ex-Comandante do Grupo Especial
de Retomada e Resgate do Batalhão de Operações Especiais de vem fazendo seu trabalho há muito tempo e está
Fuzileiros Navais. neste “métier” há 20/30 anos. Não o ignore, trate-o
REFERÊNCIAS
BLABER, Pete. The Mission, the Men and Me: Lessons from
a former Delta Force Commander. United States, 2008.
Uma prática que vem sendo bastante utilizada por dentes de inovações tecnológicas que não são forneci-
nossas forças de defesa é a compra por oportunida- das pelas potências da área, sendo assim a busca pela
de, isto é, adquirir produtos já desenvolvidos e usados independência tecnológica se faz cada vez mais impor-
por outros países. No aspecto operacional, em meio tante (AMARAL, 2013).
à emergência constante de novas tecnologias e de sis- Logo, o desenvolvimento dessa indústria não se tor-
temas inovadores, faz-se necessário este tipo de aqui- na apenas importante para a Defesa Nacional, o que se
sição. Porém, deixa-se de fora o aproveitamento do apresenta mais destacado neste trabalho, mas também
conhecimento local, assim como toda a Base Industrial no âmbito do Poder Marítimo, com a prevalência dos
de Defesa presente, não a utilizando e talvez, de certas navios mercantes e de seu papel na logística nacional.
formas, não a desenvolvendo para que se coloque o
país no patamar das nações inseridas em destaque no
Fabricações navais-militares nacionais
cenário militar mundial.
recentes
Neste artigo, serão discutidos os pontos positivos e
Como produções recentes em território nacional,
negativos dessa prática realizada por nossa Marinha,
destacam-se os navios-patrulha Brendan Simbwa-
as possibilidades acerca desta, e exemplos da nossa
ye para a Marinha da Namíbia, dois NPa da Classe
própria BID que podemos usar como referência para
Macaé na Indústria Naval do Ceará (INACE) e mais
que se consiga de fato inovar nossos meios através da
quatro dessa mesma classe em construção no Estaleiro
indústria local.
Ilha S.A. (EISA).
A construção da corveta Classe Barroso foi feita
PANORAMA DA INDÚSTRIA NAVAL pelo Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ)
BRASILEIRA em 2008, numa proposta de readequação do projeto
da Classe Inhaúma, com diferença estruturais e de siste-
Vale destacar, ao se tratar da Indústria Naval, o
mas. Assim como a Barroso, o submarino Tikuna tam-
quão relevante foi na história do país, e ainda é, pela
bém foi construído no AMRJ, com variações do projeto
grandeza da costa brasileira, pelo papel que a Marinha original do submarino Tupi, incorporando inovações
do Brasil exerce no Atlântico Sul e no cenário inter- tecnológicas que lhe propiciam melhor desempenho. O
nacional, e por 95% das cargas que entram e saem submarino Tikuna lançou-se ao mar em 2005.
do país serem transportadas por vias marítimas. O
empreendimento da construção naval tem relevância
estratégica, pela produção de navios para a Marinha Contexto do segmento de C,T&I
Mercante, e para a Marinha de Guerra na construção A indústria naval nacional também possui um con-
de navios militares, cada vez mais modernos e depen- junto de empresas e instituições que trabalham em prol
útil nas forças até sua alienação. Aquisições com essa 2012. Acesso em: 08 de setembro de 2022.
espécie de projeção não são as ideais para um país com GOMES, Sergio Bittencourt Varela. A indústria aeronáutica
o potencial que o Brasil tem. no Brasil: evolução recente e perspectivas. BNDES. Biblioteca
A autossuficiência industrial, principalmente no Digital, 2012. Acesso em: 08 de setembro de 2022.
campo militar, é um passo à frente para os Estados que JÚNIOR, Euclides Ribeiro. Transferência de tecnologia para
almejam destaque e a dissuasão no cenário militar in- a construção de submarinos no Brasil. 2020. Trabalho de
ternacional. No entanto, para que se atinja esse aspec- Conclusão de Curso do Curso de Altos Estudos de Política e
to, deve-se construir estratégias e planos visionários Estratégia – Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro, 2020.
que acabem por ser custosos no momento presente,
PINHEIRO, J.C.; AGUIAR, P.R. Impacto da Construção da
mas que no futuro se justificarão com os retornos em
Base de Submarinos na Economia de Itaguaí – RJ. Pontifícia
diversos setores.
Universidade Católica-RJ. Rio de Janeiro, 2012.
Para que se atinja a independência tecnológica,
com uma base industrial autossuficiente que res- TEIXEIRA, Francisco Lima Cruz. Desenvolvimento
ponda aos anseios e interesses das forças militares, Industrial e Tecnologia: Revisão da Literatura e uma
deve-se trabalhar a gestão de conhecimento atra- Proposta de Abordagem. Cadernos EBAPE.BR (FGV),
meios, isto é, nas transferências de tecnologia. São VETTORAZZI, Jorge Luiz. A importância do
acordos com países possuidores da capacidade in- desenvolvimento do Laboratório de Geração de Energia
dustrial que farão com que os engenheiros e em- Nucleoelétrica (LABGENE) para a construção do submarino
presas adquiram a base, para que no longo prazo de propulsão nuclear. 2017. Trabalho de Conclusão de
se possa construir uma BID condizente à força da Curso do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia –
nação brasileira. Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro, 2017.
article
is
paper
aim study
The object of this investigation
purpose experiment was
analysis
survey
Fonte: As autoras, com base em Santos (1996) e Farjami (2014).
describes
argues that
examines
is based on
reports on a
This article
reports the results of
The present paper
investigated the effects of
study
deals with
presents the findings of
focuses on the
provides an overview of
Fonte: As autoras, com base em Santos (1996) e Farjami (2014).
Quadro 4. Elementos que requerem atenção maior na etapa de revisão dos abstracts.
Categorias Componentes
Uso de artigos, preposições e tempos verbais; concordância verbal e nominal;
Gramática
uso de orações com “there” para existência; emprego de voz ativa e voz passiva
Léxico Ordenação e escolha de palavras; classes de palavras
Mecânica Ortografia, pontuação, uso de maiúsculas e abreviações
Estilística Frases muito longas, repetição de palavras, registro (nível de formalidade)
Fonte: As autoras
Demandantes de
Serviços Perfil de Demanda
Ofertantes de
Serviços
Ofertantes
A B C D E
A 1 1 - 1/n 1 - 2/n 1 - 3/n 1 - 4/n
B 1 + 1/n 1 1 - 1/n 1 - 2/n 1 - 3/n
Demandantes C 1 + 2/n 1 + 1/n 1 1 - 1/n 1 - 2/n
D 1 + 3/n 1 + 2/n 1 + 1/n 1 1 - 1/n
E 1 + 4/n 1 + 3/n 1 + 2/n 1 + 1/n 1
Ofertantes
A B C D E
A 1,0 0,0 0,0 0,0 0,0
B 1,1 1,0 0,0 0,0 0,0
Demandantes C 1,2 1,1 1,0 0,0 0,0
D 1,3 1,2 1,1 1,0 0,0
E 1,4 1,3 1,2 1,1 1,0
Alternativas
Ofertantes de Serviços Possíveis valores para o elemento “cik”: Tabela de Confrontação
Ofertantes de Serviços
A B C D E
A 1/n 0 0 0 0
B 0 1/n 0 0 0
Ofertantes de
C 0 0 1/n 0 0
Serviços
D 0 0 0 1/n 0
E 0 0 0 0 1/n
Ti
Alternativas
(média)
dik dik dik
Ofertantes de Serviço dik dik dik
dik dik dik
Zk (média)
sendo uma ferramenta útil para os interesses da gestão, “Toward a theory of stakeholder identification and salience:
quando há o interesse em hierarquizar as alternativas. defining the principle of who and what really counts”, The
Academy of Management Review, 22(4), pp. 853-886
Por fim, sabe-se que a avaliação de desempenho
requer um processo de melhoria contínua. O modelo RAYMUNDO, L.O.A.G.R., Índice de Percepção de Aeroportos.
proposto é uma contribuição para trazer, dentre vá- Modelo de Mensuração de Percepções Sobre Performance de
rias, mais uma abordagem a ser discutida, sendo aber- Aeroportos em Escala Global. Uma Abordagem Fuzzy. 180f.
ta a futuros desenvolvimentos rumo à desejada exce- Tese de Doutorado - UFRJ, Rio de Janeiro, 2016.
lência na gestão.
TRIANTAPHYLLOU, E. and LIN, C., (1996), “Development
and evaluation of five fuzzy multiattribute decision-making
REFERÊNCIAS methods”, International Journal of Approximate Reasoning,
14:281-310
COSENZA, C.A.N. (1998), “Localização industrial:
delineamento de uma metodologia para a hierarquização ZADEH, L. A. (1979), “A theory of approximate reasoning”,
das potencialidades regionais”, working paper, Federal Machine Intelligence, vol. 9, Halstead Press, New York, pp.
University of Rio de Janeiro – Coppe/UFRJ 149-194.
O final do século XIX caracterizou-se pelo desen- e o espaço, através de um conjunto de satélites com-
volvimento tecnológico e industrial. Em 1888, Hein- partilhados e a própria estação espacial ISS, pois o
rich Rudolf Hertz demonstrou a existência das ondas radioamadorismo faz parte da qualificação de todo
eletromagnéticas, conhecidas como Ondas Hertzianas, astronauta.
e apenas dois anos após, Guglielmo Marconi adaptou- A primeira rádio transmissão ocorrida na Escola
-as a um sistema de comunicações, marcando a inven- Naval deu-se no ano de 1938, quando, sob a orienta-
ção do rádio. A partir de então, diversas pessoas no ção do Almirante Menezes de Oliveira, professor de
mundo, motivadas pela curiosidade em relação a essa rádio eletricidade, os Aspirantes montaram seu pró-
nova tecnologia, iniciaram pesquisas e experimentos prio transmissor. Em 1941, então, por meio da Ordem
para explorar as suas possibilidades. Surgia então o de Serviço nº 5 de 30 de abril, foi oficialmente criado
radioamadorismo, um hobby de pessoas apaixonadas
o “Grêmio de Radioamadores”, o mais antigo daque-
por novas tecnologias, pesquisa, experimentos e troca
la instituição e que na época utilizava o indicativo de
de conhecimento.
chamada PY1BE.
Basicamente, o radioamador realiza contatos bi-
Algumas mudanças ocorreram desde então, dentre
laterais, via rádio, com outros radioamadores, for-
elas o indicativo PY1BJN, outorgado em 1954 por
mando uma rede de congraçamento e cooperação que
solicitação do então Presidente do Grêmio, Aspirante
interliga mais de três milhões de pessoas ao redor do
Mauro Cesar, posteriormente Ministro da Marinha.
mundo. Além disso, participa de competições de co-
Esse indicativo perdura até os dias atuais, um dos mais
municações, uma atividade lúdica em que o desempe-
antigos em contínua operação no Brasil. Houve ainda
nho de seus sistemas e suas habilidades são testadas;
a mudança de seu nome para “Grêmio de Comunica-
divulga datas e fatos importantes de sua região e país;
ções da Escola Naval” (GCEN) em 1984, por deter-
apoia, com equipamentos próprios, ações de cunho
minação do Contra-Almirante Ivan da Silveira Serpa,
humanitário em regiões remotas ou em calamidade;
Comandante da Escola, Oficial da primeira turma da
e atua na salvaguarda da vida humana no mar, pois
Especialidade de Comunicações na Marinha, que tam-
forma uma rede de comunicações mundial em ininter-
bém exerceu o cargo de Ministro da Marinha, com a
rupta operação.
visão de levar aos Aspirantes as atividades profissio-
O desejo de conhecer novas tecnologias fez com
nais dessa especialização.
que o radioamadorismo absorvesse e, por vezes, até
Apesar de toda essa evolução, o espírito continua
protagonizasse o surgimento de novas tecnologias de
o mesmo: trazer aos Aspirantes o contato com novas
telecomunicações. Hoje vai além da transmissão ele-
tecnologias, um complemento de viés prático que mui-
tromagnética na atmosfera, pois abrange a internet
to enriquece a teoria apresentada em sala de aula, no
elevado nível acadêmico da instituição. Propicia tam-
1
PY1-XH, radioamador. Foi responsável pela estação radioa-
madora da Escola Naval, junto à Agência Nacional de Teleco- bém a projeção da Escola Naval e da Marinha a nível
municações. mundial, tendo em vista tratar-se de uma atividade
2
A ativação é a montagem de uma estação provisória em determi-
nada localidade, normalmente com um indicativo de chamada
especial outorgado pela Agência Nacional de Telecomunicações
(ANATEL), para a realização de contatos bilaterais via rádio com
radioamadores de todo o mundo. Já o Conteste é uma compe-
tição entre radioamadores, em período de tempo determinado,
na qual vence o que mais pontuar tendo como base os contatos
realizados. Figura 2. Cartão de confirmação de contato da EN
Figura 4. Aspirantes realizando manutenção em antena Figura 5. Em JUN 22, Aspirantes e radioamadores após o
contato via satélite com a Estação Antártica Alemã
Pintura de autoria do Contra-Almirante Trajano prática do remo e da vela indispensável para a formação
Augusto de Carvalho, registrada no seu livro “Nossa dos Aspirantes. Logo após a mudança da sede da Escola,
Marinha seus feitos e glórias: 1822 – 1940”, retrata tomou providências no sentido de aprimorar essa for-
um bordejo de escaleres a vela, conduzindo Aspirantes mação. Diz o Almirante no seu livro de memórias:
sob a orientação do Capitão-Tenente Arthur de Oli-
veira, em 1895. A tela demonstra que, desde tempos
A instrução profissional na Escola havia deca-
remotos, a prática da vela na Escola Naval está pre-
ído muito nos últimos anos. Tive ocasião de
sente na formação dos Aspirantes. observar, logo que assumi a direção da Escola,
Há registros que, a partir dos anos 1930, quando como havia desaparecido o gosto pelos exer-
a Escola Naval ainda era localizada na Ilha das En- cícios propriamente marítimos, isto é, pelo
xadas, foi instituído um programa de instrução, que remo e pelo escaler a vela. Para falar a verda-
visava aprimorar nos Aspirantes a arte de velejar. Des- de, o corpo de alunos não sabia mais remar
de essa época, a Escola participava de regatas como nem andar a vela. Entre alguns aspirantes ha-
convidada dos clubes e da Federação de Vela e Motor via algum entusiasmo pelos prazeres do “ya-
da cidade do Rio de Janeiro. chting” nas organizações esportivas civis, mas
sobre os bordejos em escaleres regulamenta-
A longeva ligação da vela com a Escola motivou-nos
res nem se falava (MELLO,1994, p.125).
a pesquisar como a prática veleira teve continuidade
após a transferência da Ilha das Enxadas para as novas
instalações em Villegagnon, em 1938, época em que o A partir da orientação do Diretor, a vela começou a
“yachting” (iatismo) começava a ganhar importância ganhar prioridade. Um ano após a instalação definiti-
no Rio de Janeiro como esporte náutico de prestígio. va em Villegagnon, 1939, a motivação para os esportes
Surge, então, o presente artigo, que pretende explorar náuticos era animadora. De acordo com o registrado
os acontecimentos relativos à vela nas primeiras déca- na revista “A Galera”, em nota sobre os “Sports Náu-
das da Escola Naval, em Villegagnon. Para tanto, va- ticos”, de autoria do Aspirante Roberto C. Coimbra:
mos nos apoiar, principalmente, nos depoimentos de
quem vivenciou a época e deixou registros em diversas Nesse ano o interesse pelos sports náuti-
fontes, que nos permitem voltar no tempo e ter conhe- cos, principalmente pela vela, começou
cimento da dedicação daqueles que foram pioneiros e bem cedo. Os cutters eram as figuras cen-
responsáveis pela importância que a prática da vela tem trais das cogitações de todos; todos queriam
na formação dos nossos “Sentinelas dos mares”. vê-los de perto, neles navegar, bordejar nas
O primeiro Diretor da EN2 em Villegagnon, Con- embarcações que tanto se falava. E tinham
razão porque de fato os cutters ultrapassam
tra-Almirante Américo Vieira de Mello, considerava a
qualquer expectativa. [...] Esses cutters inau-
guram uma nova classe construída especial-
1
Doutor em Política e Estratégia pela Escola Superior de Guerra. mente para a navegação na baía do Rio de
2
A designação foi alterada para “Comandante da Escola Naval” Janeiro, donde se chamar “classe Guanaba-
somente em 1981. ra” (COIMBRA, 1939, p.53).
APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ
“PODER NAVAL E A ORGANIZAÇÃO
DA ARMADA IMPERIAL EM
TEMPOS DE INDEPENDÊNCIA:
INSTITUIÇÕES, PERSONALIDADES
E PROCESSOS HISTÓRICOS”
Capitão de Fragata (IM) Marcello José Gomes Loureiro1
1
Professor de História Naval do Centro de Ensino de Ciências Sociais da Escola Naval.
Ao dimensionar questões e tendências para o avan- lise sobre a atuação de José Bonifácio de Andrada
ço das pesquisas sobre a Independência do Brasil, o e Silva para a organização da esquadra, bem como
Professor Jurandir Malerba defendeu que mesmo os as diligências do Marquês de Barbacena para a con-
eventos bem conhecidos merecem novos olhares, de tração de estrangeiros desde Londres. Após se deter
tal modo que seja possível promover uma compreen- nos esforços administrativos para a institucionaliza-
são mais aprofundada ou refinada dos processos que ção da Armada Imperial, a Professora se debruça,
desencadearam o 7 de setembro. Não se trata de mi- ainda, sobre as ações navais de Cochrane para as
nudenciar a narrativa diacrônica dos acontecimentos, incorporações dos territórios que, incialmente, não
mas sim articulá-los às perspectivas e questões recen- eram aderentes à emancipação.
tes da historiografia brasileira e internacional, bem Em seguida, o Aspirante André Pereira Rodrigues
como alargar os horizontes do conhecimento histórico inquire as fontes normativo-legais respeitantes à es-
a partir da exploração da documentação primária so- truturação e funcionamento da Academia Real de
bre o período.2 Guardas-Marinha em seus anos iniciais. Em diálogo
Nas últimas duas décadas, uma série de estudos com as pesquisas já empreendidas pelo Professor An-
conferiu ossatura suficiente a tal possibilidade. No tônio Luiz Porto e Albuquerque3 e pelo Capitão de
campo da história militar, diversas investigações de- Fragata (do Quadro Técnico) Carlos André Lopes da
monstraram a centralidade da guerra na conjuntura Silva,4 sua pesquisa desvelou os critérios de admissi-
da Independência e no processo de construção do bilidade estabelecidos para a Academia, seus percal-
Estado Imperial Brasileiro. Algumas se dedicaram ços e desafios iniciais, e algumas de suas dinâmicas
à complexidade e dificuldade de suas características procedimentais.
operacionais inerentes, a exemplo da organização das Já o Aspirante Lucas Lima dos Santos refaz
instituições, do recrutamento, da tática, dos constran- e percorre a trajetória do Almirante D. Luís da
gimentos financeiros e das limitações de abastecimen- Cunha Moreira, titulado Visconde de Cabo Frio.
to; outras sublinharam a participação e os interesses Com extensa experiência em combate, coube ao
dos diversos grupos sociais envolvidos, bem como o Visconde a pasta ministerial da Marinha em uma
impacto dos conflitos na economia ou na política. Há, conjuntura crítica, de escassos recursos financei-
ainda, as investigações que privilegiaram o exame da ros e dificuldades em torno de meios navais. Lucas
propaganda, das representações de batalhas e de suas Lima conecta significativa historiografia, imbri-
memórias, além dos discursos e dispositivos jurídico- cando desde referências incontornáveis de amplo
-legais adstritos ao universo bélico. A efeméride dos espectro – a exemplo de obras clássicas, como a
200 anos da Independência contribuiu para uma pro- dos Professores José Honório Rodrigues e Sérgio
fusão de valiosas publicações, resultantes, em grande Buarque de Holanda 5 – aos estudos mais pormeno-
medida, dos esforços empreendidos nas últimas duas rizados, a exemplo dos trabalhos mais específicos
ou três décadas.
Por ocasião do Bicentenário, a Revista de Vil-
3
PORTO e ALBUQUERQUE, Antônio Luiz. “A Academia Real
dos Guardas-Marinha”, in BRASIL, Ministério da Marinha. His-
legagnon publica, nesta oportunidade, um dossiê
tória Naval Brasileira. v. 2, t. II, Rio de Janeiro: Serviço de Docu-
constituído por cinco artigos de Aspirantes e um mentação-Geral da Marinha, 1979.
artigo de autoria da Professora Jéssica de Freitas e 4
LOPES DA SILVA, Carlos André. A Real Companhia e Acade-
Gonzaga da Silva, que gentilmente aceitou o convite mia dos Guardas-Marinha: aspectos de uma instituição militar
para participar desta edição especial. Amparada em de ensino na Alvorada da profissionalização do oficialato militar,
1808-1839. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em His-
diversificada documentação primária, a Professora
tória Social-UFRJ, 2012, dissertação de mestrado.
Jéssica inaugura o dossiê, oferecendo-nos sua aná-
5
RODRIGUES, José Honório. Independência: Revolução e Con-
tra-Revolução: As Forças Armadas. Rio de Janeiro: Biblioteca do
2
MALERBA, Jurandir. “Esboço crítico da recente historiografia Exército, 2002; e HOLANDA, Sérgio Buarque de. “A herança
sobre a Independência do Brasil (1980-2002), in MALERBA, Ju- colonial – sua desagregação”, in HOLANDA, Sérgio Buarque de
randir (org.). A Independência Brasileira: novas dimensões. Rio (org.). História Geral da Civilização Brasileira. 1º Volume, T. II –
de Janeiro: FGV, 2006, p. 45. O Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993.
6
SILVA, Theotonio Meirelles da. Historia da Marinha de Guer-
ra Brazileira. Vol. II. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança,
1882; e GUEDES, Max Justo. “Bicentenário do Almirante D.
Luiz da Cunha Moreira”, in Revista Navigator, jun-dez 1976, p.
3-6.
7
COCHRANE, Thomas. Narrative of Services in the Liberation of
Chili, Peru and Brazil. Vol. II. USA, 2004.
8
DORES, Fr. Manoel Moreira da Paixão e. Diário da Armada da
Independência. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1957.
Os conceitos são recursos da historiografia capazes Inicialmente, a Abertura dos Portos em 1808 e a con-
de auxiliar os historiadores a compreenderem o tempo centração do aparato político e burocrático na cidade
histórico e o espaço de experiência e o horizonte de ex- do Rio de Janeiro contribuíram para a capital fluminen-
pectativa dos homens. Afinal, “todas histórias foram se fortalecer seu poder político na dinâmica do Império
constituídas pelas experiências vividas e pela expecta- Marítimo Pluricontinental Português. O fim do exclu-
tiva das pessoas que atuam ou que sofrem”. Sob essa sivismo metropolitano foi reforçado após a elevação do
visão, alguns conceitos orbitavam o projeto político Brasil à condição de Reino Unido em 1815.
do Império do Brasil, quando da sua independência, e Na década de 1820, novos ares liberais assopra-
motivaram a elite política a promover ações necessá- vam sobre o território português e a ascensão da mo-
rias à garantia da soberania do país. narquia constitucional passou a limitar os poderes do
Atribuem-se aos personagens históricos conceitos rei D. João VI. Enquanto o objetivo era a moderniza-
que transmitem o significado dos seus espaços de ex- ção da estrutura política e administrativa portuguesa,
periência, muitas vezes, distintos, mas que detinham a Corte Lisboeta não vislumbrava as mesmas prerro-
o mesmo horizonte de expectativa: a garantia da au- gativas para o Reino do Brasil. O projeto recoloniza-
tonomia brasileira. Civilizar representava a condução dor almejava a retomada ao antigo pacto colonial. De
do Brasil ao liberalismo dos oitocentos no qual a Mo- acordo com Miriam Dolhnikoff: “a vinda da Corte, o
narquia Constitucional repousava seu poder natural envolvimento na Revolução do Porto e, posteriormen-
te, na Independência e no processo de construção do
nas dimensões continentais do corpo da Pátria que
Estado nacional corresponderam ao processo que se
deveria ser assegurada por meio da estratégia naval
forjou a elite política brasileira”.5
do domínio do mar defendida pelo Ministro Bonifá-
cio. Modernizar significava a condução do Brasil ao Por consequência, a condução do processo eman-
capitalismo mediante a inserção da frota nacional à cipatório foi promovida pela fidalguia de São Paulo,
era a vapor, ampliando o comércio marítimo como de- Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em dezembro de 1821,
fendido por Marquês de Barbacena. Dissuadir refletia quando chegaram os decretos emitidos pela Corte de
a importância do emprego político da Esquadra capaz Lisboa, exigindo o retorno imediato do Príncipe Regen-
de não só garantir a integridade, mas tornar-se instru- te, Pedro de Alcântara optou pela manutenção do ali-
mento da política exterior do Império do Brasil, contri- nhamento político com a elite brasileira, desobedecen-
do o poder legislativo responsável pela transformação
buindo para o reconhecimento internacional da nossa
do monarca restrito à chefe de Estado a Lisboa. Em 7
independência e, mais uma vez, a defesa do território
de setembro, a soberania foi declarada e, em outubro,
mediante as ameaças estrangeiras. O objetivo do pre-
a aclamação de D. Pedro I como Imperador e a sua co-
sente trabalho é apresentar o pensamento estratégico
roação oficializaram a ruptura. A autonomia não de-
responsável por compreender a relevância do domínio
corria da filosofia abstrata do liberalismo político ou de
do mar, no âmbito político, militar e econômico, capaz
uma consciência nacional construída. O regime político
de assegurar o processo de independência, a partir das
escolhido era estratégico para a aristocracia brasileira
relações civis e militares entre José Bonifácio, Marquês
ansiosa pela manutenção dos seus privilégios econômi-
de Barbacena e Lorde Thomas Cochrane.
cos, a estrutura de produção do plantation que exigia a
continuidade da mão de obra escrava africana. Embora
O mar, a unidade territorial e o projeto de houvesse disputas de interesses, era urgente a constru-
poder na construção do Império do Brasil ção da nação, da identidade e a execução de um projeto
que viabilizasse erguer o Estado.
Os ventos do liberalismo político atravessavam o
Atlântico a partir do século XVIII. A conjuntura mar- O Império Brasílico não foi construído de forma
cada pelas Guerras Napoleônicas, atrelada às questões pacífica. A autoridade de D. Pedro I e o governo eram
desafiados pela presença da junta governativa portu-
regionais, motivou o processo de emancipação da Amé-
rica Luso-espanhola. A transferência da Família Real 5
DOLHNIKOFF, Miriam. História do Brasil Império. São Paulo:
Portuguesa foi determinante para a inversão colonial. Editora Contexto, 2017, p. 23.
a organização de uma administração pública capaz de como legado da transferência do Ministério da Ma-
executar um projeto de construção da Nação; o desen- rinha e Domínios Ultramarinos. A Armada Nacional
volvimento econômico do país, diversificando sua ati- e Imperial foi criada simultaneamente com o país. A
vidade industrial e comercial; adoção de uma política relação entre a instituição militar e o Estado era dialé-
externa capaz de evitar compromissos que limitasse a tica: a organização da Marinha de Guerra ocorreu
soberania nacional e, finalmente, a garantia da defesa para defesa da soberania do Estado, ao mesmo tempo
do território mediante formação das forças armadas.10 em que o fortalecimento do mesmo era condicionante
Em seu ensaio “Para ajuizar sobre o estado políti- para a consolidação da Esquadra.
co da Nação”, o Patriarca da Independência escreveu
quais são os fatores que devem ser analisados para a A modernização econômica: a condução da
elaboração da legislação que a um país compete: exata frota naval à era do vapor por Marquês de
descrição do país, sua história natural, suas produções Barbacena
e cultivação, sua divisão por comarcas, o número,
grandeza e situação das cidades, vilas e freguesias, o Após o 7 de setembro, forjava-se uma elite que iria
cálculo mais exato da gente, o estado das fortalezas e conduzir o país. Entre fazendeiros e comerciantes, des-
portos de mar; a indústria, artes e marinha; o comér- taca-se o marquês de Barbacena, Felisberto Caldeira
cio que se faz e o que se poderia fazer.11 É interessan- Brant. Na historiografia, é reconhecido pela atuação
te notar que os aspectos sublinhados pelo autor são no processo de reconhecimento internacional da au-
fatores relacionado às condições que um Estado deve tonomia brasileira, bem como nas questões políticas
possuir para o desenvolvimento do seu caráter marí- envoltas à Guerra da Cisplatina e à crise do Primeiro
timo: economia comercial, posição e espaço, marinha Reinado. Como político, defendia a manutenção da
mercante e marinha de guerra. ordem social a partir da defesa dos valores monárqui-
cos e constitucionais.
Essa análise refletiu-se em prática quando a Ma-
rinha de Guerra foi construída de forma emergencial Caldeira Brant estudou, em Lisboa, na Academia
sob liderança de José Bonifácio. Para o Vice-Almirante Real dos Guardas-Marinha e ganhou destaque por
Armando Vidigal, deve-se ao seu pensamento político pertencer à geração de 1790. O grupo era compos-
que compreendeu que a força naval seria a única capaz to por intelectuais que compreendiam a urgência de
de garantir a unidade nacional e um instrumento para uma reforma política capaz de garantir a centraliza-
efetivar a monarquia.12 De fato, para o patriarca era ção e modernizar a economia do Império Lusitano.
urgente “a prontificação, no Brasil, de uma força ma- O seu pensamento político transcende o tempo e o
rítima tal que possa obrar em massa ou subdividir-se Marquês tornou-se um incentivador das transforma-
pelos diversos pontos da Costa”.13 ções estruturais brasileiras. Para Rafael Cupello, o
melhoramento industrial ultrapassava os engenhos
A organização da força naval foi realizada a partir
de açúcar, incluindo, a abertura de estradas e a ado-
do aproveitamento da estrutura de comando deixada
ção de embarcações a vapor para navegação fluvial
10
ANJOS, João Alfredo dos. José Bonifácio, primeiro Chanceler do que, por sua vez, deveria atender aos interesses do
Brasil. Brasília: Alexandre de Gusmão, 2008, p. 292. soberano e da Pátria.14
11
SILVA, José Bonifácio de Andrada e. Para ajuizar sobre o Estado Historicamente, desde a transferência da Família
política da Nação. In: DOLHNIKOFF, Miriam. José Bonifácio de Real Portuguesa, o governo promovia estímulo à che-
Andrada e Silva: Projetos para o Brasil. São Paulo: Companhia
gada de técnicos europeus e à instalação de fábricas
das Letras, 2000, p. 84.
de cabos e vários insumos relacionados à construção
12
VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. A evolução do pensamen-
naval. Os Arsenais de Marinha da Bahia, Rio de Ja-
to estratégico naval brasileiro. Biblioteca do Exército, 1985, p. 2.
13
1822, 11, 03. Instrução de José Bonifácio a Felisberto Caldeira
Brant Pontes. In: SILVA, Elisiane da. NEVES, Gervásio Rodri- 14
PEIXOTO, Rafael Cupello. O Marquês de Barbacena: política
go; MARTINS, Liana Bach. José Bonifácio: a defesa da sobera- e sociedade no Brasil Imperial (1796-1841). 2018. 393 f. Tese.
nia nacional e popular. Brasília: Fundação Ulysses Guimarães, (Doutorado em História) – Universidade do Rio de Janeiro, Rio
2011, p. 263. de Janeiro, 2018, p. 160.
neiro e Pernambuco foram reformados, enquanto O objeto de barcos de vapor é de muita van-
estaleiros particulares construíam navios de menor tagem e fica autorizado para promover a vin-
porte. Visando melhorias às condições de navegação, da de alguns já feitos, ou de artífices que os
o monarca ordenou o levantamento de cartas hidro- possam construir aqui; tendo, porém, em vis-
gráficas da costa e a custódia dessa documentação ao ta não ingerir o governo na despesa dos mes-
mos, bastando tão somente animar os empre-
Real Arquivo Militar. D. João VI, em 1818, atento
endedores e prometer-lhes toda a proteção
às inovações tecnológicas, autorizou a incorporação
da parte de S.A.R. e até privilégios legais ao
de uma empresa destinada a explorar barcos a vapor
proprietário do primeiro barco de vapor que
na cabotagem e na navegação fluvial da Capitania da correr aos nossos portos como paquete.17
Bahia. Em 4 de outubro de 1818, foi estabelecida a
comunicação a vapor entre Salvador e Cachoeira por
Felisberto Caldeira Brant. A partir da análise de suas instruções, verifica-se
que auxiliaria na navegação e no comércio. Portanto,
Como resultante da 1ª Revolução Industrial, os sis-
no apoio logístico e na garantia da proteção das linhas
temas de transporte sofreram modificações mediante
de comunicação marítimas. Ao embaixador brasileiro
a inserção de máquinas e caldeiras. O primeiro navio
na Áustria, Bonifácio solicitou: “Amainará, mas sem
com propulsão a vapor surgiu em 1801.15 No entan-
comprometer este governo, os capitalistas, fabricantes,
to, as limitações provocadas pela precariedade do ma-
empreendedores, sobretudo de barcos de vapor, para
quinário, a ausência de locais para abastecimento de
os trazerem, porém à sua custa, contentando-se com a
carvão, a presença da roda que retirava espaço para
proteção do governo”.18 Mais uma vez, corroboram-
a artilharia e deixavam as belonaves vulneráveis aos
se as tentativas do político brasileiro em implementar
tiros de canhões são fatores que justificaram o atraso
seu projeto de modernização tendo em vista que essas
do navio de guerra movido a vapor.
embarcações também conduziriam o país ao capitalis-
A nova propulsão foi incorporada às pequenas em-
mo e ao desenvolvimento industrial.
barcações auxiliares e aos navios mercantes. De qual-
Em Londres, Barbacena enviou uma missiva ao
quer maneira, o país que dispusesse dessas inovações
barão de Santo Amaro informando o seu propósito
demonstraria poder econômico e civilidade tendo em
em garantir “um empréstimo que salve o Banco do
vista a sua frota atuar em conformidade às transfor-
Brasil imediatamente das dificuldades que experi-
mações tecnológicas do período. É preciso lembrar
menta e dois paquetes de vapor que reduzam a co-
que, no âmbito da teoria do poder marítimo, a gênese
municação do Amazonas com o Rio de Janeiro.19.
de uma poderosa Esquadra está no desenvolvimento
O político justificou a importância da embarcação
de uma Marinha Mercante que estimule a importância
pela necessidade de “estreitar a unidade de opinião
do domínio do mar.16
nas províncias do Norte do Brasil (...) nada pode
Nesse processo de afirmação política brasileira,
melhor fazer a união do que uma rápida comunica-
José Bonifácio e Caldeira Brant são agentes responsá-
ção entre as províncias.20 Esse documento é outro
veis pela modernização econômica por meio das em-
vestígio que demonstra a confluência do pensamen-
barcações capazes de servir ao comércio assim como
to político entre Bonifácio e marquês de Barbacena.
para a organização da Marinha. Em correspondência
A integração territorial era imprescindível para a
com os representantes do Brasil na Europa, o Ministro
instruiu Marquês de Barbacena a solicitar inclusive a
17
1822,08,12. Instruções de José Bonifácio de Andrada e Silva a
compra de vapores:
Felisberto Caldeira Brant Pontes. Arquivo Histórico do Itamaraty
AHI 268/01/14.
18
1822,08,21. Despacho de José Bonifácio a Jorge Antônio Schaef-
15
Em 1801, um rebocador a rodas foi construído por William Sy-
fer. Arquivo Histórico do Itamaraty, AHI 267/04/20.
mington. Em 1803, Robert Fulton fez um pequeno navio a vapor.
19
BRANT, Caldeira. In: PEIXOTO, Rafael Cupello. op. cit. p.
16
Ver: ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de. Os gigantes da
182.
estratégia naval: Alfred Thayer Mahan e Herbert William Rich-
mond. Curitiba: Editora Prismas, 2015. 20
Idem.
coesão política brasileira e, ademais, a unidade seria Cochrane para que viesse com seus navios servir a
alcançada a todo o vapor. S.A.R...? Só o seu nome levaria o susto e o terror aos
No que se refere à Marinha de Guerra, o quadro nossos inimigos”.24
de pessoal junto ao aspecto material eram as principais De fato, o Patriarca da Independência instruiu o
preocupações do governo. Em primeiro lugar, devido à Encarregado de Negócios em Londres Felisberto Cal-
presença, na força naval, dos portugueses cuja lealdade deira Brant Pontes a arregimentar mercenários.25 Ao
a D. Pedro I era duvidosa. Outro agravante era a ausên- final de sua estadia obteve 450 homens para servir à
cia de mão de obra qualificada, fossem oficiais ou pra- Armada Imperial além de suplementos para a Esqua-
ças, para servir a bordo. Na época da Independência do dra como canhões, mosquetes, projéteis, pólvora e
Brasil, estima-se uma população composta por 800 mil artigos navais. Por consequência, a Esquadra foi com-
índios “não domesticados” e 1,1 milhão de escravos ne- posta por oficiais ingleses e norte-americanos, entre os
gros,21 fator que dificultava o recrutamento em massa. quais destacamos: Lorde Thomas Alexander Cochra-
Diante da dificuldade em improvisar uma Esquadra e a ne (1775-1860); Capitão de Fragata Thomas Sackvil-
urgência em impedir a fragmentação territorial, tornou- le Crosbie (1793-?); Capitão de Mar e Guerra David
se imperativo a busca por profissionais da guerra. Nas Jewett (1784-1842), Capitão John Pascoal Grenfell
instruções de Bonifácio a Caldeira Brant, é evidente a (1800-1869) e Capitão de Fragata John Taylor (1789-
relevância política e militar da Marinha de Guerra: 1855), além de diversos marinheiros.26
A prioridade na construção da força naval obe-
Sendo a defesa exterior desse Reino um dos decia à urgência em garantir a vitória na guerra, so-
pontos essenciais a que ora cumpre atender- bretudo, a partir do emprego de uma estratégia naval
mos apesar da aparente fraqueza do Reino com bloqueio e domínio do mar; preservar a integra-
hoje em dia inimigo, tem S.A.R. já principia- ção territorial no país onde as comunicações entre as
do a lançar as bases de uma respeitável força regiões eram promovidas por rotas marítimas devido
tanto terrestre como marítima. Vai se pondo à ausência de estradas terrestres; defender a unidade
sobretudo a Marinha no possível pé de ca- nacional, lutando contra forças aliadas a Portugal e,
pacidade, mas, pelo atraso em que esse ramo
também, na projeção de poder, ou seja, submeter as
se achava entre nós, só com o tempo poderá
províncias rebeldes à autoridade central, consolidando
chegar ao estado que reclama a dignidade e
o processo de independência.
grandeza deste Império.22
imperativo um marinheiro com experiência guerreira, fiar para a luta que se aproximava com os
um líder audacioso dotado de coragem e bravura para compatriotas dos mesmos.28
organizar e liderar a força naval. O oficial britânico
Thomas Alexander Cochrane foi o escolhido devido Em 13 de março de 1823, o mercenário fundeou
ao desempenho durante as Guerras Napoleônicas em na cidade do Rio de Janeiro. Após as negociações que
que aniquilou navios franceses. Inclusive, foi alcunha- envolveram o Imperador, o Ministro da Marinha Luís
do por Napoleão Bonaparte de “o Lobo do Mar”. da Cunha Moreira e o Patriarca da Independência,
Na América do Sul, o Chile contratou o mercenário Cochrane conseguiu garantir o aumento de soldo e a
com o propósito de vencer a esquadra espanhola e as- manutenção de sua autoridade quando obteve o posto
segurar a sua emancipação. O embaixador chileno José de Primeiro-Almirante.
Antônio Condarco, em Londres, justificou sua escolha, Antes de prosseguir para o teatro de operações, o
afirmando “trata-se do mais valente marinheiro da oficial general realizou junto ao Monarca uma inspe-
Grã-Bretanha. É personagem altamente recomendável, ção aos navios no Arsenal da Corte. Escreveu em suas
não só pelos princípios liberais, como também porque memórias a escolha pela sua capitânia:
possui caráter superior a toda pretensão ambiciosa”.27
As vitórias alcançadas contra a Espanha corrobo- algumas das quais me agradaram muito,
raram a decisão do governo imperial pela contrata- como prova demonstrativa dos esforços que
ção do militar inglês. Por intermédio do Cônsul do em pouco tempo se deviam ter feito para
Império do Brasil a Buenos Aires, o Ministro Boni- trazê-la [a esquadra] a tão recomendável
fácio contratou Lorde Thomas Cochrane. Ao servir o condição. Grande cuidado se via bem haver-
país como Comandante em Chefe das Forças Navais, se posto em preparar o Pedro Primeiro, nau
poderia fornecer a experiência das táticas navais com contada como de 74 canhões. Era eviden-
as quais a Armada Nacional e Imperial almejava para te veleira, e se achava pronta para o mar,
cumprir sua missão. O oficial inglês compreendeu o com quatro meses de mantimentos a bordo;
caráter político da instituição e os desafios iria enfren- achei, portanto, razão de ficar satisfeito com
a minha intentada capitânia.29
tar. Para Cochrane, José Bonifácio e D. Pedro I foram
importantes atores no processo de formação da força:
As fragatas Maria da Glória e a Piranga também
Viu S. M. Imperial que, sem armada, o des- motivaram o Almirante. Durante sua permanência à
membramento do Império – pelo que respei- capital do Império, foi responsável pela incorporação
tava às províncias do Norte – era inevitável; de novos marinheiros à força naval tendo em vista que
e a energia do seu Ministro Bonifácio em pre- era crítico à presença de portugueses a bordo. As pro-
parar uma esquadra, foi tão louvável quanto postas sugeridas pelo mercenário era a fundação de
o havia sido a sagacidade do Imperador em uma escola de marinheiros na ilha de Santa Catarina,
determinar que ela se criasse. Entrou-se com elaboração de uma política de incentivos aos homens
entusiasmo numa subscrição voluntária: que almejavam permanecer na carreira e a adoção de
bandos de artífices correram aos arsenais, a
medidas de estímulo à construção naval no Grão-Pará
única nau de linha no porto requeria quase
para também contribuir com a integração do território
ser de todo reconstruída; mas o tripular de
e a compra de navios a vapor.30 Embora a tripulação
maruja nativa esse e outros vasos prestáveis
era cousa impossível – havendo sido política
da mãe pátria o fazer até o comércio de ca- 28
COCHRANE, Thomas. Narrativa de serviços no libertar-se o
botagem por meio exclusivamente de portu- Brasil da dominação portuguesa. Brasília: Edições do Senado Fe-
deral, 2014, p. 3.
gueses, nos quais o Brasil agora se não podia
29
COCHRANE, Thomas. op. cit. pp. 40-41.
27
PRIORE, Mary del. A viajante inglesa, o senhor dos mares e 30
ERMAKOFF, George. Lord Thomas Cochrane: um guerreiro es-
o imperador na independência do Brasil. São Paulo: vestígio, cocês a serviço da independência do Brasil. Rio de Janeiro: Casa
2022, p. 47. Editorial G. Ermakoff, 2021, p. 436.
permanecesse no adestramento, a força naval sob co- está vinculado à capacidade de demonstração de po-
mando de Cochrane suspendeu em direção à província der com a finalidade de intimidar o adversário a fim
da Bahia no dia 1º de abril de 1823. A viajante inglesa de obter o interesse ora estratégico, ora político. No
Maria Graham testemunhou o episódio no seu diário: caso da Guerra de Independência, diante dos óbices
enfrentados para formação da Marinha de Guerra, a
Quando a pequena esquadra passava diante dissuasão era um importante trunfo para o britânico:
de Santa Cruz e a fortaleza começou a sal-
var, o sol rompeu detrás de uma nuvem e um Os meios de intimidação para expulsar os
jorro de luz amarela e brilhante desceu sobre portugueses da Bahia – o perseguimento da
o mar por trás dos navios. Parecia então que frota inimiga – o incapacitar os navios com
eles flutuavam na glória; e esta foi a última tropa destinados ao Maranhão – atos intei-
visão que tive do meu amável amigo.31 ramente além das instruções imperiais – não
só libertaram do inimigo as províncias do
Norte, mas, como já fica dito, pouparam ao
No âmbito da estratégia naval, o paradigma da
Governo brasileiro as demoras, gastos, e in-
batalha decisiva, ou seja, o confronto entre duas es-
certezas de fortes expedições.33
quadras não restringe a ação dos navios. Pelo contrá-
rio, é preciso sublinhar a sua natureza. A versatilidade
traduz seu valor político e militar, sendo capaz de ser Ao chegar à Bahia, o Comandante da nau Pedro I
empregado na paz e na guerra. Sendo assim, ações es- avistou a esquadra portuguesa. Inspirado pelas guer-
tratégicas como Esquadra em Potência transmitem o ras napoleônicas planejou a tática de coluna tal como
caráter político tendo em vista que a força naval é um Lorde Nelson em Trafalgar (1805). No entanto, sua
símbolo, um instrumento de poder do Estado que deve capitânia rompeu a linha inimiga sozinha tendo em
ser levado em consideração diante das controvérsias vista a ausência de experiência militar pela marinha-
entre os países. Já no âmbito militar, até a esquadra gem e a manobra que exigia coordenação além de
inativa pode se transformar em ativa. Portanto, torna- precisão dos tiros de canhão. Após o recebimento
se uma ameaça e limita a liberdade de ação do mais de reforços das fragatas Niterói, Maria da Glória e
forte, comprometendo o domínio do mar. Piranga foi possível a confrontação do inimigo, no
Retomando ao aspecto político dos navios de guer- combate conhecido como 4 de maio. Por consequ-
ra, o apoio à diplomacia é promovido quando o navio ência, o Almirante decidiu pelo bloqueio naval, es-
atua a fim de intimidar e modificar as atitudes do ini- tratégia responsável pelo isolamento das linhas de
migo, como também quando é concedido ao coman- comunicação aos vasos portugueses. O propósito era
dante do navio os plenos poderes para mediação do impedir o abastecimento logístico das tropas e des-
litígio, assumindo o papel político. gastar a população sem o fornecimento de alimentos.
Enquanto isso, Cochrane mediava a rendição da jun-
Nas ações navais empreendidas pelo Almirante Co-
ta governativa portuguesa mediante uso de ameaças
chrane, o oficial soube conduzir a Marinha de Guerra
para impedir que ela fornecesse reforços aos demais
conforme a conjuntura, aplicando a força de forma
no norte do país. Ao General português, Inácio Luís
gradual como também de modo político na Bahia e
Madeira de Melo escreveu:
no Maranhão. O sentido de dissuasão32 na análise
para desmantelar quaisquer transportes contava somente com seu navio sem contingente sufi-
que tentem dar à vela da Bahia no comboio ciente para elaborar uma ação ofensiva. A solução era
dos vasos de guerra. Que tenho os meios de apropriar-se do simbolismo de uma nau linha de bata-
cumprir este dever, a despeito dos navios de lha dotada de 74 canhões e empregar a dissuasão. Após
guerra que possam tentar de obstruir mi- prender o comandante do brigue Infante D. Miguel,
nhas operações, é fato de que nenhum oficial Francisco Garção, Cochrane barganhou sua liberdade
marítimo duvidará – mas que V. Ex.ª como
em troca do envio de correspondência à junta governa-
simples militar não verá tão claramente. Se,
tiva portuguesa. Considerando a experiência na carrei-
depois deste aviso, eu for obrigado a aludi,
ra naval de Garção, o Almirante arquitetou um ardil:
e se por essa causa numerosas vidas forem
sacrificadas, ficarei absolvido de consequên-
cias tais, que de outra sorte muito pesariam Antes que partisse – foi devidamente impres-
sobre o meu ânimo.34 sionada – pela relação que se lhe fez de um
número imaginário de embarcações de guerra
ao largo, acompanhadas por transportes car-
A demonstração da força naval por meio da bata-
regados de tropa, aos quais a capitânia por
lha e do bloqueio corroboraram a dissuasão promovida
mais veleira se havia podido adiantar. Sendo
pelo Almirante. Os portugueses se sentiram ameaçados.
o Capitão Garção homem do mar, e bem ca-
No dia 2 de julho, a força militar e naval levantou ferro paz de julgar das veleiras qualidades do Pe-
rumo à Europa. Porém, o fato não significou o fim das dro Primeiro, facilmente se deixou impressio-
operações. A dissuasão permaneceria conforme as or- nar por esta história, e tornou para a cidade
dens para o Capitão Beaurepaire, Capitão John Taylor com as notícias de uma força irresistível que
e Capitão Thompson para continuar a caça enquanto vinha desembarcar para subjugá-la.36
fosse possível tomar ou destruir os navios:
O ardil promovido por Cochrane é representati-
Tendo recebido notícias que o inimigo da vo do objetivo da dissuasão. A intimidação possui
independência do Brasil está tratando de o propósito de causar a sensação de ameaça e de in-
evacuar a cidade, e deixar o porto da Bahia segurança. Por consequência, ao sentir-se ameaçado,
– tomando debaixo da escolta de seus navios o inimigo necessita modificar imediatamente a sua
de guerra numerosos transportes em que a conduta. No Maranhão, esse efeito foi imediato. A
força militar, seu material e abastecimento
Junta Governativa foi convocada e informada das
são embarcados, juntamente com toda a
intimidações promovida pelo Almirante: “ansiosa-
fazenda móvel pública e particular – sem
mente desejo evitar o ter de deixar cair desenfreadas
excetuar até os vasos sagrados destinados
ao culto religioso – e sendo altamente im- sobre o Maranhão as tropas imperiais da Bahia (...)
portante impedir e interromper o progresso Fica V. Ex.ª o decidir se convirá exasperar ainda mais
do inimigo tanto quanto se possa – deve V. os habitantes destas províncias por uma resistência
Ex.ª ter a maior vigilância espreitando não que me parece inútil”.37
se escape, e tratando de interceptar lhe dos O papel político de Cochrane não terminou com a
navios aqueles que possa acometer a salvo, evacuação dos portugueses. Declarada a aclamação ao
continuando na execução desta ordem en- Imperador D. Pedro I pelo povo do Maranhão, o Al-
quanto puder conservar em vista as embar-
mirante tornou-se responsável pela manutenção da or-
cações inimigas.35
dem na província brasileira. Em 29 de julho de 1823,
escreveu ao General das Armas do Maranhão: “é, meu
No dia 26 de julho, a Nau Pedro I fundeou no dever agora, como chefe militar, por Sua Majestade
Maranhão. Naquele momento, o Almirante Cochrane Imperial, ter cuidado em que nenhuma interferência
34
Idem, p. 71. 36
Idem, p. 82.
35
Idem, p. 69. 37
Idem, p. 83.
ou intimidação militar de qualquer maneira assombre tropas terrestres, bloqueando o porto da Bahia e
ou influa a escolha dos habitantes na eleição do seu da Cisplatina e realizando fogo naval durante as
Governo Provisório”.38 batalhas. Além disso, empregou os navios como
elemento dissuasório. Os meios navais desempe-
nharam um papel político para expulsão das juntas
CONSIDERAÇÕES FINAIS governativas portuguesas e para auxiliar na proje-
A pesquisa histórica é uma encruzilhada onde o ção do poder do recém país independente.
presente e o passado se encontram. Revisitar o fato Na longa duração, duzentos anos depois, a Mari-
histórico “Independência do Brasil” permite navegar nha do Brasil permanece exercendo a herança deixa-
um antigo mar, porém, com um navio diferente ou flu- da pela Marinha Imperial. Na Estratégia Nacional de
tuar sobre um rio que também se modificou. Ninguém Defesa, a negação do uso do mar por meio da dissua-
entra no mesmo rio duas vezes, é o que diz o ditado são reforça o papel da diplomacia naval. A Esquadra
popular. Nesse bicentenário, analisar o processo de permanece sustentando um apoio à política externa
autonomia e a construção do Estado Brasileiro sob a brasileira e ao processo de desenvolvimento socioeco-
perspectiva marítima não é somente interessante, é so- nômico do país.
bretudo necessário para uma Nação cujos interesses
Sendo assim, é também possível concluir que o mar
nacionais atravessam as águas.
é civilizador, o mar conduz à modernidade e o mar per-
A trindade José Bonifácio, Marquês de Barbacena mite usá-lo para dissuadir. Cabe aos brasileiros trans-
e Lorde Thomas Cochrane revelam a relevância das formar o legado de sua história em consciência, inspi-
relações civis e militares para a formação de um pen- ração e práticas concretas para fortalecer, em qualquer
samento estratégico capaz de garantir a formação do tempo histórico, a sua mentalidade marítima.
Império do Brasil. Enquanto os membros da elite ci-
vil brasileira forjaram um projeto político fundamen-
tado na Monarquia Parlamentar responsável pela FONTES HISTÓRICAS
civilização e modernização – em certa medida – da 1822,08,12. Instruções de José Bonifácio de Andrada e Silva
economia, compreenderam que a unidade nacional e a Felisberto Caldeira Brant Pontes. Arquivo Histórico do
a ampliação do comércio estavam intimamente rela- Itamaraty AHI 268/01/14.
cionadas com o domínio do mar. O controle defensi-
vo das linhas de comunicação era estratégico para a 1822,08,21. Despacho de José Bonifácio a Jorge Antônio
defesa das dimensões continentais e para a segurança Schaeffer. Arquivo Histórico do Itamaraty, AHI 267/04/20.
da independência. Ademais, a navegação de cabota- 1823,01,12. Ofício de Felisberto Caldeira Brant Pontes
gem e as atividades comerciais de longo curso seriam Oliveira e Horta a José Bonifácio de Andrada e Silva
ampliadas mediante a modernização da frota através comunicando sobre a contratação de 600 marinheiros
aquisição de navios a vapor. Logo, forneceriam apoio ingleses para o Brasil sob comando do capitão James
à logística da Marinha de Guerra. Norton. Arquivo Nacional. BR RJANRIO Q1.0.DIL.2/66.
A partir desse projeto político, o domínio do COCHRANE, Thomas John. Narrativa de serviços no
mar seria consolidado pela força naval. A urgên- libertar-se o Brasil da dominação portuguesa. Brasília:
cia na obtenção de profissionais da guerra para a
Edições do Senado Federal, 2014.
formação de um Esquadra justificou a relevância
política e militar de Lorde Thomas Cochrane. O COSTA, Hipólito da. Correio Brasiliense. Londres, nº 175,
mercenário executou o plano estratégico forma- dezembro de 1822.
lizado pelos civis. Nas Guerras de Independência DOLHNIKOFF, Miriam. José Bonifácio de Andrada e Silva:
(1822-1824), as campanhas navais foram respon- Projetos para o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,
sáveis pelo cumprimento da missão: garantir a vi- 2000.
tória sobre a esquadra portuguesa, transportando
GRAHAM, Maria. Diário de uma viagem ao Brasil. Belo
38
Idem, p. 87. Horizonte: Editora Garnier, 2021.
Liberal, de tal forma que se justifique a exclusividade aula e a outra metade referente à aula do próprio dia –
das armas aos nobres, ratificada pelos critérios adota- e sobre os dias nos quais elas deveriam ocorrer.
dos na admissão aos cursos. Para que os estudantes fossem estimulados a estu-
No texto, era possível, também, já se ter inicialmen- dar, e para que a admissão deles no Serviço Real fosse
te uma breve explanação das matérias que seriam lecio- fundamentada, eles seriam submetidos a exames ao
nadas durante o período em que se estava matriculado: final de cada ano letivo – que deveriam ser aprovados
pelos Lentes de cada matéria, que os julgaria aptos
hum curso de Mathematica, o qual será ou inaptos para dar continuidade ao próximo ano do
composto das partes seguintes: da Aritheme- curso –, com o conteúdo que foi ministrado durante
tica; da Geometria; da Trigonometria Plana, aquele período.
e Esférica; Algebra, e sua applicação á Ge- Em seguida, a Lei abordava sobre o Exame Geral
ometria; da Statica, da Dynamica; da Hy- de todo o Curso Mathematico (prova a ser feita ao
drostatica, Hydraulica, e Optica; e de hum final dos dois anos de curso, para verificar a aptidão e
Tratado completo de Navegação, havendo
aproveitamento nas Ciências e na Navegação), e aqui
uma Inspecção sobre a mesma Real Acade-
havia a distinção daqueles que seguiriam como Ofi-
mia, a qual pertencerá ao Inspector Geral da
Marinha (PORTUGAL, 1779). ciais da Marinha de Guerra ou Oficiais da Marinha
Mercante. Após a conclusão do Curso Mathematico
com aproveitamento e após a aprovação no Exame
Além disso, no trecho supracitado, ficava clara a Geral, o pretendente que visava a ser Piloto unicamen-
importância de uma inspeção, a ser feita com frequên- te nos navios mercantes poderia fazer requerimento
cia, com o intuito de que não ocorresse o mesmo que ao Lente de Navegação. Uma vez aprovado por este
acontecera com a última tentativa do Decreto de 2 de último, o pretendente, então, recebia o título de Pilo-
julho de 1761, em que era nítido o pouco aproveita- to. Já aqueles que objetivavam ser Pilotos na Marinha
mento dos Guardas-Marinhas. Real, além de apresentarem as mesmas condições aci-
Finalmente, a Lei de 5 de agosto de 1779 define o ma citadas, deveriam exercitar a prática de manobra e
Estatuto da Academia Real de Marinha, configuran- navegação durante dois anos nas naus de guerra. Após
do o número de professores (três), e os requisitos que esses dois anos, caso recebessem atestação de bons
estes deveriam cumprir para poderem lecionar (curso serviços, poderiam requerer a Patente de Piloto e se-
de cinco anos na Universidade de Coimbra). Versava, rem, de fato, admitidos nas naves bélicas. Outro ponto
ademais, sobre os substitutos desses docentes, que a ser ressaltado nesse trecho do Estatuto é que, dali
também eram em número três, com a função exclusiva em diante, a rainha proibiu a admissão de “Officiaes
de lecionar em caso de impedimento dos titulares. de Guerra” e de Pilotos a sua Marinha Real àqueles
Quanto aos discípulos, nenhum poderia ser aceito que não atestassem ter logrado êxito no Exame Geral,
sem ter conhecimento das quatro regras fundamentais após a conclusão e aprovação no Curso Mathematico,
da Aritmética, e deveriam ser aprovados pelo Professor ou seja, houve uma segregação ainda maior daque-
de Geometria, após declararem seus nomes, pais, pátria les que poderiam se tornar Oficiais (nesse momento,
e estudos já realizados, bem como uma certidão para criou-se uma sistematização do ensino da náutica para
comprovar a idade, a qual deveria ser maior do que a de os jovens que um dia tornariam-se Oficiais). Final-
quatorze anos. Percebe-se, portanto, mais uma forma mente, dessa parte da Lei também é possível perceber
de segregar o ensino da náutica no Reino de Portugal, a importância dada aos ensinamentos práticos:
uma vez que tais conhecimentos de Matemática não
eram acessíveis à maior parte da população.
E porque além da Theorica Nautica são ne-
O texto seguia abordando sobre as aulas e sobre o cessários outros conhecimentos, que só se
observatório, bem como sobre o tempo de cada lição podem adquirir com a experiencia, e prática;
– que deveria ter, pelo menos, uma hora e meia, sendo todos aquelles, que depois entrarem d’aqui
metade destinada à repetição dos exercícios da última em diante no serviço da Marinha, pedirem
póstos de Tenente para cima, para continu- Com o intuito de equiparar os privilégios e
arem no serviço do mar deverão apresentar prerrogativas daqueles que participariam da Aca-
outra Attestação de terem feito ao menos demia Real de Marinha com aqueles que já eram
dous annos de exercicio no mar, em que se ingressos na Universidade de Coimbra, o Estatuto
comprehenda huma viagem á Índia, ou ao dedica uma parte versando tanto sobre os Profes-
Brazil; e os que tiverem essa circunstancia, sores, quanto sobre os Discípulos. Ambos eram
serão preferidos aos que me fizerem esse re-
integralmente equiparados às mesmas classes da
querimento sem ella (PORTUGAL, 1779).
Universidade de Coimbra.
A existência de um Guarda-Livros também está
Ou seja, com o intuito de receber uma promoção, exposta na Lei. Tal figura servia de Secretário da Aca-
o militar deveria demonstrar experiência no mar, ob- demia, escrevendo as resoluções, propostas e requeri-
tidas durante dois anos de serviço a bordo dos navios, mentos feitos na instituição. Era também o encarre-
com pelo menos uma viagem às colônias portuguesas, gado das declarações de aprovação e reprovação dos
seja para Índia ou Brasil. estudantes. Finalmente, era o incumbido do “Archivo
Em seguida, há uma abordagem das disposi- da Academia”. (PORTUGAL, 1779)
ções atinentes à boa ordem das aulas e à Academia. Os O último tópico abordado por esse Estatuto previa
alunos, após os inícios das lições, deveriam chegar em a função de Guarda dos Instrumentos, com a respon-
até seis minutos para não serem considerados faltosos, sabilidade de arrecadar, limpar e conduzir os apare-
e não poderiam sair antes do término previsto. Adicio- lhos utilizados para observação astronômica e maríti-
nalmente, os estudantes deveriam “guardar hum rigo- ma que eram utilizados nas aulas.
roso, e profundo silencio, quando estiverem nas aulas,
Em suma, conclui-se que a Academia Real da Ma-
excepto quando forem chamados pelos mestres”. Aque-
rinha era, de fato, uma universidade voltada ao ensino
les que faltavam com o respeito com seus Lentes, eram
técnico (Matemáticas) e prático (Navegação). No en-
admoestados até três vezes. Caso isso ocorresse, estes
tanto, havia ainda uma lacuna muito importante a ser
alunos eram expulsos da aula, não podendo retornar.
preenchida no ensino metódico dos futuros Oficiais: a
Além disso, os docentes eram obrigados a manter uma
formação militar. Tal lacuna vem a ser preenchida com
lista de presença rigorosa, utilizada para a “Attestação
o decreto a ser abordado a seguir.
de frequência das Aulas” (PORTUGAL, 1779).
Além disso, a Lei abordava sobre as “obrigações
dos Pilotos addictos ao serviço da Marinha Real”
Decreto de 14 de dezembro de 1782
(PORTUGAL, 1779). Assim que voltassem ao por- A rainha D. Maria I, por meio deste decreto,
to de Lisboa, após uma longa viagem, tais militares retoma a intenção daquele de 2 de julho de 1761,
possuíam o prazo de até oito dias para apresentar aos dessa vez criando uma Companhia de Guardas-Ma-
Lentes de Navegação a derrota percorrida na viagem, rinhas, para formar Oficiais hábeis e instruídos.
bem como deveriam entregar um catálogo, contendo Neste mesmo texto, a monarca ordena que se redija
todas as observações astronômicas que fizeram no um regulamento – que só será concluído em 1796,
mar e em terra, especificando o instrumento e a quali- com a promulgação do Primeiro Estatuto da Real
dade deste. Logo, mais uma vez se dava a devida im- Academia de Guardas-Marinhas. Enquanto tal re-
portância à prática e não somente aos conhecimentos gulamento não estivesse pronto, o número de pesso-
técnico-científicos. as admitidas na Companhia não deveria ultrapassar
O texto ainda cita a possibilidade de, uma vez ter- quarenta e oito, estando os pretendentes entre as
minado o curso com êxito, tornar-se Oficial Engenhei- idades de quatorze e dezoito anos.
ro. Para isso, deveriam, após concluir o Curso Mathe- Vale ressaltar que, mais uma vez, o Alvará de 16 de
matico, “ouvir as lições de Fortificação, e Engenharia, março de 1757 regia os critérios de admissibilidade da
e a se instruirem no Desenho, tendo determinados Companhia. Só estavam isentos de tais qualificações
Professores para esses effeitos” (PORTUGAL, 1779). aqueles que comprovarem ser filhos de:
Officiaes de Marinha de Capitão Tenente in- Finalmente, o último aspecto singular apresentado
clusivamente para cima, e de Sargentos móres por este decreto é atinente à provisão de fardamento
para cima das minhas Tropas de terra: poden- aos Aspirantes, e de soldo – que teria o valor da meta-
do tambem ser admittidos aquelles Discipulos de do soldo de Guarda-Marinha.
da Academia Real da Marinha, que houverem
Por mais que haja indícios que a Real Academia de
tido o partido (PORTUGAL, 1782).
Guardas-Marinhas já existisse e funcionasse, pelo me-
nos, desde 1786, seu primeiro Estatuto data de 1796,
Mais uma vez, portanto, é possível notar os privi- com assinatura do príncipe regente D. João, futuro D.
légios da fidalguia na admissão às fileiras do oficialato João VI, que viria ao Brasil.
da Marinha. Diferentemente da Real Academia da Marinha, que
tinha seu Curso Mathematico com duração de dois
Decreto de 14 de julho de 1788 anos letivos, a Real Academia de Guardas-Marinhas
propunha três anos, subdivididos da seguinte forma:
O Decreto de 14 de julho de 1788, assinado pela
então rainha de Portugal, tinha por objetivo aumentar
o efetivo da Companhia de Guardas-Marinhas, bem No Primeiro Anno: Arithmetica, Geometria,
como criar a Patente de Aspirante, com a finalidade e Trigonometria Recta com o seu uso pratico
mais proprio aos Officiaes do Mar.
de examinar e conhecer a propensão, os talentos e ou-
tras qualidades adequadas e precisas de cada um para No Segundo Anno: Principios de Algebra
até ás Equações do segundo grao inclusive;
o serviço na Marinha. Para tanto, a Companhia se-
primeiras applicações della á Arithmetica, e
ria composta de sessenta Guardas-Marinhas e vinte e
Geometria; Secções Conicas, e a Mechanica
quatro Aspirantes.
com a sua applicação immediata ao Appare-
Ademais, a Companhia passava a ser dividida, lho, e Manobra.
agora, em três brigadas, cada uma com um Chefe de No Terceiro Anno: Trigonometria Espheri-
Brigada (com Patente de Tenente do Mar), um Briga- ca; Navegação Theorica, e Pratica; e huns
deiro, um Sub-Brigadeiro (sendo os dois últimos com Rudimentos de Tactica Naval (PORTU-
Patente de Tenente de Infantaria), vinte Guardas-Ma- GAL, 1796).
rinhas e oito Aspirantes.
Dessa forma, institucionalizou-se a formação mi- O ensino das Artes também era seccionado em três
litar aos futuros Oficiais da Marinha Real, uma vez anos. No primeiro, era dado ênfase ao dito “Appa-
que esse era o grande objetivo da Companhia. Toda- relho” e em aparelhar o navio (“provello de todo o
via, não existia, à época, uma forte conexão do ensino necessário para sair”) (BLUTEAU, 1712-1728, Vol. 1.
técnico e prático, como observado na Academia Real p. 408). Era ainda nesse período que se aprendiam as
da Marinha, com tal formação militar – tanto é que manobras com as velas. Já no segundo ano, era lecio-
sobre isso nada é tratado por este decreto em questão. nada a aula de Desenho de Marinha, na qual se faziam
A união desses dois pilares só será possível com o Es- plantas das costas, baías, enseadas e portos. Era tam-
tatuto de 1796. bém durante essa época que se estudavam os materiais
Outro fato interessante abordado por tal decreto de composição do navio, bem como todo o proces-
é a necessidade de primeiro se tornar Aspirante an- so de construção deste. Finalmente, no último ano, o
tes de ser promovido a Guarda-Marinha, sendo que o Lente de Artilharia tinha a missão de lecionar sobre as
pretendente deveria estar dentro das qualificações do armas, sendo que, eventualmente, os estudantes prati-
Decreto de 14 de dezembro de 1782 – ou seja, as mes- cavam exercício de fogo.
mas qualificações do Alvará de 16 de março de 1757. Logo, é possível notar, novamente, a união da Arte
A única diferença é que, para ser Aspirante, a idade e da Ciência na formação dos Guardas-Marinha, da
mínima era de doze anos completos, enquanto que a mesma maneira que na formação dos Discípulos da
máxima era de dezesseis. Academia Real da Marinha previa.
Em relação ao tempo que se designava às ativida- zava para evitar o mau aproveitamento por parte dos
des da Academia, três horas pela manhã eram destina- alunos, impedindo que acontecesse o mesmo que ocor-
das para as aulas (destas, a primeira uma hora e meia rera em 1774, conforme já discutido neste trabalho.
para o ensino da Matemática, e a uma hora e meia O corpo docente da Academia era formado pelas
restante para as demais matérias, com quinze minutos seguintes cadeiras: “três Lentes de Mathematica, dois
de intervalo), de tal forma que o período da tarde fos- seus Substitutos, hum Lente de Artilharia, e dois Mes-
se livre, a fim de possibilitar o estudo das lições nesse tres, hum de Apparelho, e outro de Construcção Na-
tempo. Portanto, é notório que, além dos tempos das val Pratica, e Desenho” (PORTUGAL, 1796).
aulas em si, também era dada relevância ao tempo de
Para ingressar como Substituto, era necessário ter
estudo, com o objetivo de se alcançar o melhor rendi-
se formado na Universidade de Coimbra, ou concluído
mento por parte dos alunos.
o Exame Geral do Curso Mathematico na Academia
O início do ano letivo ocorria em primeiro de ou- Real da Marinha. Aqueles que concluíssem, com ap-
tubro, sendo finalizado em trinta de junho, restando tidão, o curso da Real Academia dos Guardas-Mari-
julho para aplicação das avaliações. A entrada para nhas também poderiam se candidatar ao cargo.
as aulas se dava às nove horas da manhã entre outu-
Da mesma forma que a Academia Real da Mari-
bro e março, e às oito horas da manhã nos demais
nha, o Estatuto da Real Academia de Guardas-Mari-
meses. Os alunos do terceiro ano, entretanto, em dias
nhas estabeleceu a paridade entre os Lentes desta ins-
de observação prática, tinham seus horários regu-
tituição com os da Universidade de Coimbra, dando a
lados pelo Lente de Navegação, que os escolhia de
eles os mesmos privilégios e prerrogativas, tornando-
acordo com o que se desejava observar. Finalmente,
-os parte de um grupo seleto da sociedade portuguesa.
estava expresso na redação que o Natal, a Páscoa e
os meses de agosto e setembro seriam época de férias Quanto à admissão, percebe-se, mais uma vez, a
para os discípulos. Ademais, os dias feriados da se- importância do Alvará de 16 de março de 1757, visto
mana eram as quintas-feiras. que neste Estatuto em questão se retoma o Decreto
de 14 de julho de 1788, o qual, por sua vez, refere-se
Aos sábados, ocorriam os chamados exercícios li-
ao Decreto de 14 de dezembro de 1782, que, por fim,
terários, cujos assuntos eram aqueles tratados duran-
trata dos critérios de admissibilidade do dito Alvará,
te a semana. Três “defendentes” e seis “arguentes”
conforme já abordado.
eram sorteados para discutir sobre o que havia sido
lecionado, sendo os Lentes aqueles que presidiam O que intriga quanto aos critérios de admissibili-
tais eventos. Aos debates eram dada muita relevân- dade da Real Academia de Guardas-Marinha, no en-
cia, tanto que as faltas nesses dias eram computadas tanto, é a necessidade de atestar, por meio de um dos
duplamente no soldo. Lentes da própria Academia, ter suficiência nas quatro
Com o intuito de estimular os estudos, ao fim de regras da aritmética e na Língua Francesa. Possuir flu-
cada ano, ocorria o “Exame das Materias Mathema- ência em uma língua não nativa segregava ainda mais
ticas” atinentes ao dito período. Cada discípulo era o nicho que frequentava tal instituição. Curiosamen-
examinado por três Lentes, presidindo o da matéria te, também era necessário provar que não possuía ne-
em questão, que davam seus votos, a serem recolhidos nhum tipo de defeito pessoal, a exemplo de problemas
pelo Secretário – que decidia da aprovação ou não – de de vista, ou “aleijamento”.
maneira secreta. Já o “Exame das Artes” era feito na A Lei de 1796 vai de encontro ao Decreto de
presença de dois Lentes, com o professor da disciplina 1788 no que tange ao número e às regalias dos As-
interrogando o aluno, para verificar se estava apto a pirantes. Dessa vez, a quantidade de ingressos seria
passar para o próximo ano do curso. Por fim, aqueles indeterminada, e os Aspirantes não receberiam far-
que não obtivessem êxito e ficassem reprovados em damento, tampouco incorporariam nas formaturas
qualquer um dos exames eram reconduzidos a fazer o da Companhia. O fato de não serem providos com
ano novamente. Caso ficassem reprovados pela segun- farda denota, mais uma vez, uma clara distinção de
da vez, eram excluídos. Essa era a forma que se utili- quem poderia frequentar a Academia, visto que os
uniformes necessitavam ser adquiridos pelos preten- O Comandante do Destacamento também era in-
dentes, e não era toda a população que tinha essa cumbido de assistir todas as lições, de tal forma que
capacidade financeira. sempre mantivesse a boa ordem delas. Depois, ele en-
Ainda em relação às precedências na admissão que sinava os alunos o modo de fazer a derrota, o “Mane-
determinadas classes tinham sobre outras, destaca-se jo de Bordo” e os fazia escrever diversos modelos de
o trecho: mapas e ordens do “Serviço Diario de Bordo”.
Eventualmente, o Comandante do navio também
comparecia às lições com o intuito de subsidiar o Con-
Nesta admissão sempre serão preferidos os
selho do Almirantado “sobre as qualidades dos diffe-
Filhos de Officiaes Generaes, Capitães de
rentes Individuos daquelle Destacamento, em virtude
Fragata, e Capitães Tenentes, especialmente
dos mortos, ou feridos gravemente em ac- da qual informação, ou serão expulsos, ou passarão
ção; depois destes os Filhos dos Officiaes do a ouvir as lições do Segundo Anno Letivo” (PORTU-
Meu Exercito, que estiverem nas mesmas GAL, 1796).
circunstancias (PORTUGAL, 1796). O hiato de tempo entre o término do “Primei-
ro Anno” e o “Anno de Embarque” era preenchi-
do com ensinamentos sobre “o Manejo de Armas, e
Tanto a admissão, quanto a exclusão e a promoção
Construcção de Mappas, e Detalhes, não desprezan-
de ambas as classes, Aspirantes e Guardas-Marinhas,
do a Lição dos factos memoraveis das Marinhas Mi-
seriam feitas pelo Conselho do Almirantado, pela pri-
litares” (PORTUGAL, 1796). Ou seja, pela primeira
meira vez citado nos documentos sobre os quais este
vez, é possível perceber a relevância que passava a
trabalho debruça. A tal órgão competia, adicional-
ser dada à História Naval, mais especificamente de
mente, reger “tudo que se possa dizer á boa adminis-
cunho militar. Esse período também era destinado
tração da Marinha”, como consta no Decreto de 25 de
à Construção Naval, tanto prática, quanto para a
abril de 1795 (PORTUGAL, 1795).
parte de Desenho.
Após aprovados nas matérias do “Primeiro Anno’’,
Findo o “Anno de Embarque”, os Guardas-Ma-
os Aspirantes não eram imediatamente admitidos ao
rinhas se tornavam discípulos do segundo ano.
“Segundo Anno”. Antes, estes deveriam cumprir o que
Uma vez aprovados neste último, passavam a ouvir
era chamado “Anno de Embarque” – para mostrarem
as “Lições do Terceiro Anno” – último da forma-
que possuíam as “disposições naturaes, necessarias ção – no fim do qual, caso aprovados, recebiam as
para a Vida do Mar” (PORTUGAL, 1796) – prefe- “Cartas de Approvação”, as quais eram assinadas
rencialmente na “Curveta de Ensino” (PORTUGAL, pelo Comandante da Companhia e os habilitavam
1796). Daí se conclui a importância da aptidão e do para a Patente de Segundo Tenente da Real Ar-
ensino prático na formação. mada. Os Guardas-Marinhas, entretanto, só eram
Competia ao Comandante do navio o regime das promovidos à Oficialidade após proposta do Co-
lições durante esse período. O ensino era seccionado mandante da Companhia feita ao Conselho do Al-
de tal forma que o Comandante do Destacamento mirantado. Aqueles que aguardavam a promoção
(um Oficial das Brigadas da Companhia) lecionava ficavam isentos de todos os exercícios acadêmi-
as “Materias Mathematicas”; o Mestre do navio, o cos, sujeitos somente ao “Serviço da Companhia”
nome e uso dos “cabos e Apparelhos”; um Oficial de (PORTUGAL, 1796).
Artilharia, o nome e uso das diferentes peças de ar- Uma vez no Corpo da Marinha, qualquer promo-
tilharia, culminando no exercício prático; o Calafate ção era sempre precedida por aqueles que tivessem
(responsável pela impermeabilização das obras vivas feito o curso na Real Academia. Caso o militar não
do navio), as figuras, nomes e usos de seus instrumen- tivesse efetivamente realizado o curso, poderia, então,
tos, bem como instruía sobre bombas; finalmente o requerer realizar o “Exame de Todas as Materias”, a
Primeiro Carpinteiro, o nome e as posições das madei- fim de provar possuir todos os conhecimentos ensina-
ras de construção. dos em tal instituição.
No que diz respeito à boa ordem das aulas e à Fidalgo, ou por Pai, ou por Mãi, provando também
frequência destas, o Estatuto diz que: “os que não além disso, que seus Pais vivêrão á Lei da Nobre-
estiverem dando Lição deverão guardar o mais pro- za” (PORTUGAL, 1800).
fundo, e rigoroso silencio” (PORTUGAL, 1796) Em sequência, o decreto restringe a ascensão
– similarmente ao texto do Estatuto da Academia aos Postos de Oficiais da Armada Real às seguintes
Real da Marinha. Os Lentes poderiam ainda repre- classes: Guardas-Marinhas, Discípulos da Academia
ender e, até mesmo, prender os discípulos, os quais da Marinha (somente depois de concluído o curso e
poderiam ser, inclusive, expulsos, dependendo da embarcado nos navios como voluntários, bem como
gravidade da falta. Os alunos que tivessem o total após concluírem o curso como Guardas-Marinhas
de trinta faltas sem causa perdiam o ano letivo e extraordinários), Primeiros Pilotos (com pelo menos
eram entendidos como reprovados. As faltas tam- cinco anos de Posto), Engenheiros construtores e,
bém eram imputadas no vencimento do soldo (a
finalmente, os voluntários que já estavam emprega-
cada uma se perdia um dia de soldo). Caso houvesse
dos à época.
justificativa, o aluno poderia faltar até sessenta dias
Essa redação, portanto, teve por seu objetivo
do ano letivo, sem ser julgado reprovado, por mais
único a restrição ao acesso à Oficialidade da Mari-
que perdesse o ano. Finalmente, aqueles que faltas-
nha de guerra portuguesa àqueles que não fossem,
sem sem causa, ou não quisessem realizar o exame,
de fato, nobres.
também eram tido como reprovados.
Por último, o Estatuto previa a criação dos cargos
de Secretário, de Porteiro e de Guarda. O primeiro era CONCLUSÃO
responsável por realizar as matrículas, e assentos, e
Utilizando-se da legislação exposta, é possível
lançar em um livro. As duas classes subsequentes ti-
responder, em um primeiro momento, a questão
nham as incumbências de cuidar do asseio das aulas e
antes apresentada (“a criação da Real Academia de
do observatório, bem como guardar e limpar os livros,
Guardas-Marinhas, seguiu a lógica iluminista, tor-
instrumentos e modelos.
nando o ensino da náutica acessível para todos e,
Em síntese, o Estatuto de 1796 unia a formação consequentemente, permitindo que houvesse mobi-
militar já prevista pela Companhia de Guardas-Ma-
lidade social?”). De fato, pela intenção legal, não
rinhas com o ensino técnico-científico da náutica, por
houve nenhum tipo de quebra ou rompimento no
meio da Ciência e da Arte, de forma metodológica.
estamento vigente no Antigo Regime. Pelo contrá-
Dessa forma, pode-se afirmar que a intenção norma-
rio, o movimento da criação dessa instituição de
tiva era de que o produto da Real Academia fosse, de
ensino ratificou a ideia de que apenas a nobreza po-
fato, um Oficial completo.
deria deter o privilégio das armas.
Vale salientar também que, embora a maior car-
Decreto de 13 de novembro de 1800 ga fosse para o ensino matemático, por assim dizer,
O último decreto a ser abordado neste trabalho, também era dada relevância à rígida formação militar,
assinado pelo príncipe regente D. João, ratifica a ne- introduzindo os futuros Oficiais à vida na caserna e ao
cessidade de ser nobre para poder desfrutar da exclusi- ensino prático, por meio das observações e das experi-
vidade das armas em sua Marinha de guerra. ências no “Anno de Embarque”.
O texto trata da necessidade de “estabelecer Finalmente, percebe-se que, à medida que o tempo
hum methodo fixo para regular o systema” (POR- foi passando, cada vez mais os critérios de admissibili-
TUGAL, 1800) de admissão à Real Academia, ex- dade adotados para a entrada na carreira de Oficial da
pondo o “grao de Nobreza necessario, para qual- Marinha foram se tornando mais rigorosos, chegando
quer Candidato” (PORTUGAL, 1800). Para isso, ao ponto de, em 1800, ser baixado um decreto exclu-
a redação segue: “Daqui em diante ninguem será sivamente tratando sobre o grau de nobreza necessário
admittido a Guarda-Marinha, sem ter o Foro de para isso.
la, Angola e diversos portos no Brasil, dentre os quais e, naquele momento, procurava expandir seu império.
o do Rio de Janeiro, onde, em janeiro de 1802, foi Cabe ressaltar que entre os navios portugueses, estava a
transferido para o Cuter D. Rodrigo de Sousa, em 13 Fragata Golfinho, comandada pelo Capitão de Fragata
de janeiro de 1802, que recebeu a tarefa de capturar Cunha Moreira, pai do tenente Cunha Moreira.
uma escuna americana realizando comércio ilícito na Quando o Príncipe Regente, D. João VI desem-
ilha de São Sebastião. barcou no Rio de Janeiro em março de 1808, decidiu
Uma vez apresado o navio infrator, assumiu o seu agraciar os seus oficiais com uma promoção, dentre os
comando e regressou ao Rio de Janeiro, podendo en- quais Cunha Moreira, que alcançou o posto de Capi-
fim voltar ao Cuter em março, mas somente em abril, tão-Tenente “merecedor sem dúvida mais pelos seus
Cunha Moreira pôde retornar a Medusa, na qual via- reais predicados do que pela magnificência real” (BOI-
jou para Lisboa. Após voltar a capital, desembarcou TEUX, 1915, p. 148).
e foi designado para a Nau Vasco da Gama em mar- Por ordem do Infante D. Carlos, Almirante Gene-
ço seguinte, mas foi logo realocado para a Fragata ral, Cunha Moreira assumiu o comando do Brigue In-
S. João Principe, onde realizou mais uma comissão fante D. Pedro, compondo assim a Divisão formada
para o Grão-Pará. pelo Brigue Voador e pela Corveta Confiance, navio
Chegando ao Norte do Brasil, ficou sob as ordens inglês, cuja missão era transportar tropas, cerca de
do Conde dos Arcos como seu Ajudante de Ordens, 300 homens, para o norte a fim de conquistar Caiena.
então governador da Capitania, que o designou para Junto com a dinastia de Bragança, as Guerras Napo-
comandar o Brigue S. José Espadarte. No Brigue, reali- leônicas também tinham desembarcado na América.
zou outra vez a travessia para Lisboa, onde desembar-
cou em 28 de março de 1804. Logo depois, por ordem
CONQUISTA DA GUIANA FRANCESA
do Secretário de Estado dos Negócios da Marinha, o
Visconde de Anadia, embarcou na Charrua Princesa Após sua chegada ao Brasil, o monarca lusitano
da Beira com destino ao Grão-Pará, onde chegou a não permaneceu inerte em relação ao inimigo corso,
bordo do Iate Livramento após arribar para o Ma- cabendo aqui destacar algumas medidas:
ranhão, para, novamente, desempenhar as funções de
Ajudante de Ordens do Conde dos Arcos. O Conde D. João assinou, a 1º de maio de 1808, ma-
havia sido nomeado Vice-Rei do Estado do Brasil, e nifesto declarando guerra à França, consi-
transferiu Cunha Moreira para a Fragata Carlota, a derando nulos todos os tratados que o im-
bordo da qual viajou com o novo titular máximo da perador dos franceses o obrigara a aceitar.
colônia para o Rio de Janeiro em 1806. Como consequência, os limites entre o Brasil
e a Guiana Francesa voltaram a ser questio-
Em maio de 1807, através de decreto, foi Cunha
nados. Seguiu-se a este o decreto de 10 de
Moreira promovido a Primeiro-Tenente para, em se-
junho, que explicitava a determinação do
guida, retornar a Metrópole e embarcar na Nau Prin- Estado português de abrir novas frentes de
cipe Real, por nomeação do Conselho do Almiranta- combate na terra e no mar. Na Guerra Pe-
do para “servir na dita nau como segundo ajudante ninsular, mesmo com o auxílio britânico, os
do chefe de divisão Joaquim José Monteiro Torres, portugueses travavam no território metro-
major general da esquadra, de que era comandante o politano uma guerra de resistência; porém,
vice-almirante Manuel da Cunha Soutomaior” (BA- na América do Sul, havia a oportunidade
RATA, 1919, p.75). de um movimento ofensivo e o alvo ideal se
A esquadra de Soutomaior tinha o objetivo de trans- tornou a colônia francesa nas Américas, a
Guiana (SILVA, 2018, p. 82).
ferir a “fina flor” da aristocracia portuguesa, além das
estruturas administrativas do Estado, inclusive a Famí-
lia Real, para o Novo Mundo, a fim de evitar o des- Sem possibilidades de retaliação na Europa, o
tronamento pelas tropas de Napoleão Bonaparte, o jo- príncipe regente ordenou a invasão da Guiana Fran-
vem general que tomou rédeas da Revolução Francesa cesa ao Governador da Província do Grão-Pará, Te-
nente General José Narciso de Magalhães de Mene- lhe vincou durante a vida a fronte alta e espaçosa.”
zes para que “fizesse seguir forças de mar e terra para (BARATA, 1919, p. 82).
ocupar a margem direita do Oyapock” (BOITEUX, Após a capitulação do governador da Guiana,
1915, p. 149). Victor Hughes, foi incumbido Cunha Moreira de
Inicialmente, as ordens da expedição se limitavam escoltá-lo de volta à França a bordo do Infante D.
a reaver o que havia sido estabelecido no Tratado de Pedro, que havia sido desarmado com o intuito de
Utrecht, isto é, apenas a margem direita do Rio Oia- reforçar o caráter diplomático da missão, desatracan-
poque, evitando confrontos diretos com os defenso- do em março de 1809. Regressou ao Rio de Janeiro
res franceses. Em junho de 1808, chegou em Belém o em agosto de 1809, onde foi promovido a Capitão
Decreto do Príncipe Regente ordenando hostilidades de Fragata em outubro do mesmo ano, “de acordo
contra o inimigo gaulês. com o decreto de 30 de maio de 1809, que concedeu
Não seria mais uma questão de reestabelecer fron- um posto de acesso a todos os oficiais que tomaram
teiras, mas sim de expansão imperial, Caiena deveria parte naquela expedição, e como galardão aos bravos
ser conquistada e subjugada pela Corte do Rio de Ja- que naquela conquista tomaram parte” (BOITEUX,
neiro. O comando das forças terrestres da expedição 1915, p. 150).
coube ao Tenente-Coronel Manuel Marques d´Elvas
Portugal e o das “forças de mar” ao Capitão-de-Mar-
-e-Guerra James Lucas Yeo, oficial da Marinha Real
CONQUISTA DA CISPLATINA
Britânica e comandante da Corveta Confidence. Cunha Moreira permaneceu no comando do Bri-
O esforço material e humano requerido para uma gue Infante D. Pedro após a campanha na Guiana até
campanha em ambiente tão desafiador coube a Ca- que passasse juntamente com toda a sua guarnição
pitania do Grão-Pará, que chegou a recorrer a uma para o Brigue Gaivota em dezembro de 1811, de onde
subscrição pública. Além das tropas locais, que totali- desembarcou fevereiro de 1813.
zavam 405 praças sob o comando do Tenente Coronel Após a derrota definitiva de Napoleão nos cam-
Manuel Marques, a Corte enviou reforços na forma pos de Waterloo, a paz foi restaurada no continente
dos brigues Voador e Infante D. Pedro, cujas tripu- europeu. Na América, as colônias hispânicas lutavam
lações elevaram os números do contingente para 751 pela independência, tendo a Argentina declarado a sua
combatentes, apoiados por 93 canhões. em 1810 e procurava aumentar sua influência sobre a
Coube ao comandante do Brigue Infante D. Pedro Banda Oriental, onde José Gervásio Artigas conduzia
debelar o foco de resistência na região do Rio Aproua- uma rebelião contra os castelhanos.
gue, onde desembarcou com sua guarnição, contando O Congresso de Viena se encarregou de reordenar
entre eles ingleses e “brasilienses”, e avançou contra o Concerto das Nações. Como consequência, Portugal
o inimigo. “O choque foi rápido e formidável e, num teve que devolver a Guiana Francesa e ceder Oliven-
instante, era o inimigo levado de roldão, deixando um ça a Espanha. “Era, pois, natural procurasse D. João
sargento e 10 soldados prisioneiros das nossas forças” buscar uma compensação em território espanhol na
(LEIVAS & GOYCOCHÊA, 1979, p. 398). No entan- América” (SOUZA, 1979, p. 463). Na fronteira sul do
to, alguns franceses conseguiram escapar e se entrin- Brasil, os constantes atritos e disputas pelo controle
cheirar no “Colégio”, posição fortificada dotada de da foz do Rio da Prata forneciam uma oportunidade:
uma peça de bronze. a província Cisplatina. Então:
Novo ataque foi levado a cabo pelos homens de
Cunha Moreira, logrando êxito em seu intento, a Resolveu o Governo do príncipe regente
edificação foi queimada e foi apresado o canhão de ocupar a Banda Oriental, para resguardar
bronze, assim como duas escunas, rebatizadas como as fronteiras meridionais do Brasil das con-
D. Carlos e Sidney Smith. Entretanto, durante os tinuas invasões dos Argentinos e Orientais;
combates no Aprouague “foi Luís da Cunha Moreira e para isso teve de mandar vir forças de Por-
ferido por um golpe de sabre, cuja cicatriz gloriosa tugal (BARATA, 1919, p. 86).
Em 1815, Cunha Moreira recebeu ordens da Secreta- ocorreu a Guerra dos Mascates, entre os emergentes
ria de Estado da Marinha para se dirigir a Lisboa e se co- mercadores do Recife e a aristocracia rural de Olinda,
locar sob às ordens do Chefe de Divisão Rodrigo José Fer- de origem portuguesa.
reira Lobo, oficial responsável pelo embarque do General Em 1817, às vésperas da Revolução, já havia exem-
Carlos Frederico Lecor e sua divisão de voluntários reais plos bem-sucedidos como o da Revolução Americana
– que havia sido formada para combater Napoleão – para e o da Revolução Francesa, ao menos parcialmente,
o Brasil com o intuito dissimulado de subjugar Artigas e que inspiraram os descontentes com a administração
devolver o território à coroa espanhola. Dentre os navios central da Corte, materializada pelo aumento do custo
que escoltavam o comboio, estava a Nau Vasco da Gama, de vida devido aos monopolistas e devido ao declínio
na qual embarcou Cunha Moreira em janeiro de 1816.
econômico da região por conta da desvalorização do
Em agosto, os navios chegavam à Cisplatina, açúcar. Nesse contexto, mais uma vez Cunha Moreira
onde os soldados foram desembarcados. Cunha Mo- mostraria seus serviços à Coroa.
reira foi voluntário para arriscadas missões em terra
Depois de regressar ao Rio de Janeiro, Cunha Mo-
como emissário do Chefe de Divisão Ferreira Lobo,
reira assumiu, em março de 1817, o comando da Fra-
mantendo conhecimento dos movimentos das tropas
gata Thetis, a bordo da qual tomaria parte nos com-
e do humor da população local, logrando êxito e se
bates contra a Revolução Pernambucana, movimento
destacando entre seus pares, especialmente na tomada
separatista que havia tomado o Recife no mesmo mês e
de Maldonado em 23 de abril de 1816 por conta de
buscava se alastrar pelas outras capitanias do Nordeste.
“seu denodo e bravura foram postos em evidência”
(BOITEUX, 1915, p. 151), culminando na conquista Uma vez mais, Cunha Moreira serviu sob as ordens
de Montevidéu em 20 de janeiro de 1817. do Chefe de Divisão Ferreira Lobo, que recebeu o co-
mando da Divisão Naval. No ataque contra o Recife,
mais uma vez se destacou ao ser o primeiro a desem-
Quer desempenhando arriscadas missões
barcar e depois guarnecer as fortalezas para viabilizar
em terra – observações de caráter militar
ou operações de desembarque, como as to- o desembarque de Ferreira Lobo, que assumiu o con-
madas de S. Fernando e Maldonado – quer trole da cidade e mandou prender os revoltosos.
a bordo, atuando destacadamente no blo- Apesar da brutalidade com que tratou os rebeldes,
queio naval estabelecido, o alto conceito de Ferreira Lobo foi promovido a Chefe de Esquadra Gra-
que já gozava Cunha Moreira ainda mais se duado e, logo em seguida, efetivado no posto pelo De-
elevou (GUEDES, 1972, p. 5). creto de 12 de outubro de 1817, “que mandou ser pro-
movido ao posto superior todos os oficiais que tomaram
Conforme demonstram as palavras do Almirante parte nas guerras do Sul e de Pernambuco” (BOITEUX,
Max Justo Guedes, Cunha Moreira demonstrou cora- 1915, p. 153). Por conta disso, Cunha Moreira chegou
gem, iniciativa, abnegação e espírito de sacrifício em ao posto de Capitão de Mar e Guerra Graduado.
perigosas missões, que aportaram um caráter operati- Como seu comandante havia sido promovido duas
vo à sua carreira. vezes, Cunha Moreira se julgava merecedor de ser efeti-
Em 31 de julho de 1821, foi aprovada a incorporação vado no posto e escreveu um requerimento ao Rei pedin-
da Banda Oriental à Coroa portuguesa, sendo renome- do igual mercê, acompanhado de um atestado do Chefe
ada como Província Cisplatina. Mais uma vez, Cunha de Esquadra Ferreira Lobo, endossando seu pedido. Por
Moreira contribuiu para a dilatação do império joanino. fim, o pedido foi deferido e em 12 de outubro de 1818
foi promovido a Capitão de Mar e Guerra Efetivo.
SUPRESSÃO DA REVOLUÇÃO
PERNAMBUCANA DE 1817 PREÂMBULO DA INDEPENDÊNCIA
As tensões na Capitania de Pernambuco já vinham O inimigo corso já havia sido derrotado havia 6
de longa data, remontando ao século XVIII, quando anos, mas o soberano português insistia em continuar
morando, junto com o restante da corte, nos trópicos. dobrasse às medidas emanadas das Cortes, tentando
O controle da metrópole de outrora se dava por uma assim ocupar o Morro do Castelo com suas tropas.
junta militar britânica, gerando um cenário de cres- No entanto, D. Pedro conseguiu mobilizar as mi-
cente descontentamento. lícias cariocas e expulsar os soldados lusitanos para a
Praia Grande, em Niterói, onde foram cercados. Avi-
Com a queda de Napoleão e o movimento lez enfim recebeu ordem para retornar ao Velho Con-
de restauração das monarquias absolutistas tinente, a divisão lusitana foi embarcada e comboiada
encabeçado pelo Congresso de Viena, os por navios leais ao príncipe de volta a Lisboa: um des-
portugueses esperavam que seu rei retornas- ses escoltas era a Corveta Maria da Glória, coman-
se para Portugal e trouxesse a Corte de volta dada pelo Capitão de Mar e Guerra Luís da Cunha
para Lisboa. Entretanto, o monarca perma- Moreira. Infelizmente, dois transportes onde estavam
neceu no Rio de Janeiro e, para viabilizar embarcados soldados portugueses conseguiram esca-
esta situação, elevou o Brasil a uma condi- par do comboio e se dirigiram para Salvador, onde re-
ção equivalente de Portugal com a formação forçaram a guarnição de Madeira de Melo.
do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algar-
ves (SILVA, 2018, p. 86). Mesmo Portugal tendo enviado uma Força Naval
respeitável para reforçar Avilez no Rio de Janeiro, o
Chefe de Divisão Maximiano de Sousa encontrou a
Em 1821, eclodiu a Revolução Liberal do Porto cidade livre. Como não tinha condições de empreen-
em Portugal com o objetivo de diminuir os poderes der uma campanha sem apoios em terra, foi obrigado
absolutistas de D. João VI, substituindo o Ancién a deixar o Brasil e ainda desembarcar 400 praças, que
Régime por uma monarquia constitucional. As Cortes juntaram à causa de D. Pedro e à Fragata Real Caroli-
de Lisboa, como ficaram conhecidas, almejavam a re- na¸ seu segundo navio mais poderoso.
generação do Reino Unido, restaurando o papel cen-
Enquanto isso, principalmente na Bahia, come-
tral de Lisboa, mas ainda incluindo o Reino de Brasil,
çaram a ocorrer choques entre elementos nacionais,
no entanto muitos defensores da separação defendiam
organizados no Recôncavo baiano, que eram leais a
que o verdadeiro interesse dos deputados reinóis era
ao jovem príncipe e as tropas de Madeira de Melo,
“recolonizar” o Brasil.
que desejavam retorno do monarca para Portugal,
Antes de retornar a Lisboa, D. João VI nomeou seu conforme as ordens das Cortes. As reverberações
filho D. Pedro de Alcântara como Príncipe Regente do chegaram à Corte, onde foi montada uma esquadra
Reino do Brasil e duplicou a estrutura administrativa sob o comando do Chefe de Divisão Rodrigo de La-
a ele subordinada, ficando como Secretário de Estado mare, composta pela Fragata União, Corveta Maria
dos Negócios da Marinha o Chefe de Esquadra portu- da Glória, Corveta Liberal e o Brigue Reino Unido.
guês Manoel Antônio Farinha. Não satisfeitas, as Cor- Tal força deveria bloquear o Porto de Salvador e de-
tes determinaram que o jovem Príncipe voltasse para a sembarcar reforços para os rebeldes baianos, capita-
Europa. Entretanto, em 9 de janeiro de 1822, aconte- neados pelo General Labatut.
ceu o “Dia do Fico”, quando o D. Pedro anunciou sua O tendão de Aquiles da Divisão de Lamare era a sua
permanência em terras brasileiras. dependência de marinheiros portugueses para guarne-
Nesse ínterim, tropas lusitanas continuavam sedia- cer os navios. A fragilidade se fez sentir quando foram
das nas principais cidades brasileiras, especialmente a contrapostos pelos navios portugueses que apoiavam
Divisão Auxiliadora na Corte, as tropas do Brigadeiro a guarnição de Salvador. Houve uma conspiração a
Inácio Luís Madeira de Melo em Salvador, as tropas bordo dos meios brasileiros, onde marinheiros lusi-
do Governador de Armas do Piauí, Major Fidié, e a tanos planejaram assassinar os seus oficiais e depois
guarnição do General Lecor em Montevidéu. se unirem à esquadra lusitana, inclusive na Maria da
Como reação ao “Dia do Fico”, o Governador Glória¸ cujo comandante era malvisto pelos lusos.
de Armas do Rio de Janeiro, Tenente-General Jorge Diante da impossibilidade de prosseguir na missão,
de Avilez de Sousa Tavares, queria que o príncipe se De Lamare reuniu o Conselho de seus comandantes
subordinados a bordo da capitânia e decidiu desem- ações dos rebeldes, no Maranhão e no Grão-Pará as
barcar os soldados em Alagoas. Entretanto, as dificul- juntas governativas se mantiveram fiéis a Lisboa. Na
dades não haviam acabado. Cisplatina, o General Lecor aderiu à independência,
mas não foi acompanhado pelo seu subcomandante,
Na volta ao Rio, o espírito de indisciplina D. Álvaro da Costa de Souza Macedo, o que causou
criou novas dificuldades, sem contar a falta divisões entre os soldados estacionados lá.
de colaboração das autoridades pernambu- Diante da necessidade premente de consolidar seu
canas, ainda indecisas diante do rumo a to- nascente império, enquanto entidade soberana e una,
mar. Em 17 de setembro, a guarnição da fra- D. Pedro precisava de uma Marinha capaz de fazer
gata União amotinou-se, mas acabou sendo valer as determinações da Corte do Rio de Janeiro nos
dominada; no dia 21, na corveta Liberal,
territórios mais distantes. Foi José Bonifácio de An-
houve novo movimento visando apossar-se
drada, Ministro do Interior e dos Negócios Estrangei-
do navio e seguir para a Bahia (RODRI-
ros, quem primeiro defendeu a criação e organização
GUES, 2002, p. 110).
de uma esquadra para o Brasil independente. Em uma
de suas cartas para Caldeira Brant em Londres, Boni-
Em 5 de outubro, chegou uma ordem da Corte fácio escreveu:
determinando que Cunha Moreira assumisse a Fra-
gata União¸ enquanto De Lamare passou ao coman-
Sendo a defesa exterior deste Reino um dos
do da Maria da Glória. Dois dias depois, coube-lhe
pontos essenciais a que ora cumpre aten-
a missão de comandar a Fragata Real Carolina, sua
dermos, apesar da aparente fraqueza de
última comissão antes de ser chamado para ser Se-
Portugal, hoje em dia inimigo, tem SAR já
cretário de Estado dos Negócios da Marinha nas lu- principiado a lançar as bases de uma respei-
tas pela Independência. tável força terrestre como marítima. Vai-se
pondo, sobretudo, a Marinha no possível pé
de capacidade, mas, pelo atraso em que este
A INDEPENDÊNCIA E A ORGANIZAÇÃO ramo se achava entre nós, só com o tempo
DA ESQUADRA poderá chegar ao estado em que reclama a
Em 7 setembro de 1822, quando D. Pedro declarou dignidade e grandeza deste império (apud
a Independência do Brasil, não houve adesão das ou- RODRIGUES, 2002, p. 107).
tras capitanias de forma unânime. Apenas as provín-
cias coligadas do eixo centro-sul, Rio de Janeiro, São Em outubro de 1822, foi nomeado o 1º gabinete do
Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, aderiram Império, que contava com Cunha Moreira como Se-
de imediato ao novo império, exceto pela Cisplatina, cretário de Estado dos Negócios da Marinha, primeiro
onde havia considerável guarnição lusitana. brasileiro nato a ocupar o cargo. Apesar da longa esta-
As próprias dificuldades geográficas e as particula- dia no Brasil, o material flutuante remanescente estava
ridades da navegação a vela, concatenados com o regi- em péssimo estado de conservação, devido ao descaso
me de ventos no Atlântico, favoreciam a comunicação português em relação à sua Marinha, ao que se soma-
direta entre Lisboa e as províncias do norte, não com o va o caráter duvidoso dos possíveis tripulantes.
Rio de Janeiro. Tal conjuntura justifica a afirmação de Ao novo ministro cabia a hercúlea tarefa de moldar
Sérgio Buarque de Holanda: “no Brasil, as duas aspi- o amálgama de navios portugueses sediados na Baía de
rações – a da independência e a da unidade – não nas- Guanabara, muitos abandonados desde a transmigra-
cem juntas e, por longo tempo ainda, não caminham ção da Família Real em 1808, em uma força capaz de
de mãos dadas”. se contrapor aos reforços portugueses. “Dos destroços
Na Bahia, a guarnição de Madeira de Melo con- da pujante marinha que possuiu Portugal, levantou o
tinuava a controlar Salvador, mesmo tendo crescen- Brasil os alicerces da sua” (BOITEUX, 1915, p. 162),
tes dificuldades em avançar para o interior devido as essa era a síntese da missão de Cunha Moreira.
Fora inútil ao Brasil condecorar-se com o tí- verificar a lealdade desses oficiais. Dentre os 160 ofi-
tulo de Império e ver-se, ao mesmo tempo, ciais portugueses, 94 optaram pelo partido da Indepen-
sujeito a serem suas costas varridas por duas dência. Todavia, esse número não era suficiente para
fragatas velhas de Portugal; seria descuido guarnecer os navios, a que se somava o fato de haver
declarar-se a Nação independente e não cui- poucos oficiais subalternos dentre os que ficaram.
dar em adquirir os meios de sustentar essa
Além disso, não foi consultada a lealdade dos
independência, e os meios não são outros se-
marinheiros. As dúvidas acerca da confiabilidade do
não a criação de uma poderosa força naval.
Sem esta não haverá segurança, nem comér- emprego de lusitanos em combate contra conterrâne-
cio livre, nem riqueza, nem caráter nacional, os datavam da expedição de De Lamare, onde Cunha
nem propriedade individual (apud RODRI- Moreira testemunhou em primeira mão as carências
GUES, 2002, p.112). da esquadra. Para compensar a carência quantitativa
e qualitativa de tripulações para os navios, o governo
imperial procedeu com a contratação de marujos es-
De imediato, o Arsenal de Marinha iniciou inten-
trangeiros, especialmente ingleses e norte-americanos,
sos trabalhos com o objetivo de trazer o que era possí-
aproveitando a desmobilização feita após a derrota
vel dentre os meios flutuantes de volta ativa, logrando
definitiva de Napoleão.
êxito em casos como a da Nau D. Pedro I, ex Martin
Ainda no desempenho das funções ministeriais,
de Freitas e primeira capitânia da esquadra, e a Fraga-
Cunha Moreira esteve em contato direto com o Al-
ta Niterói, ex Sucesso, além de aquisições no exterior
mirante Lorde Cochrane, desde o acerto de seu pos-
por meio dos serviços de Felisberto Caldeira Brant em
to, o de 1º Almirante, que foi criado exclusivamen-
Londres. Ao passo que era possível revitalizar o mate-
te para aquela ocasião conforme decreto de 21 de
rial, ou mesmo comprar um novo na Europa, havendo
março de 1823, e soldo para o serviço na Marinha
até uma subscrição pública, da qual foi fiscal o pró-
Imperial até constantes comunicações ao longo da
prio Ministro da Marinha, com esse fim.
campanha da esquadra.
A subscrição, nacional e mensal, foi ideia de Mar-
Muitos desses oficiais vieram com a promessa
tim Francisco Ribeiro de Andrada, Ministro da Fazen-
de receberem salários maiores que os europeus, ou
da, o qual apresentou um plano que, segundo Silva
como no caso dos que acompanharam Cochrane,
(1882), foi imediatamente abraçado, aprovado e pos-
igual quantia àquela que recebiam no Chile. Coube
to em execução, uma vez que aos “portos deste rico,
a Cunha Moreira fixar junto com o almirante inglês
ameno e fértil Império, que a Providencia talhara para
seu soldo no Brasil, chegando inclusive a um valor
os mais altos destinos de glória, e de prosperidade, só
que superava o dos outros almirantes portugueses
podem ser bem defendidos por uma Marinha respeitá-
ainda residentes no Império.
vel” (SILVA, 1882, p. 100).
Não somente Cochrane como outros ilustres ofi-
Outro fator que aumentava a urgência da con- ciais estrangeiros vieram para o Brasil e receberam pa-
juntura era o fato de a Armada Real estar recebendo tentes, por meio de decretos assinados pelo ministro.
reforços, chegando a “apresentar relevante superio- Não somente a consolidação do Império, mas também
ridade em relação à Marinha Imperial, que contava a manutenção da unidade territorial da antiga Améri-
com 176 canhões, considerando os meios disponíveis ca portuguesa só se concretizou devido a atuação da
para combate, contra cerca de 380 peças portuguesas” Marinha Imperial, organizada por Cunha Moreira e
(CASTRO, 2020, p. 190). As contribuições da subscri- comandada por Lorde Cochrane, cujas ações garan-
ção contribuíram para que o governo imperial pudesse tiram as adesões da Bahia, Maranhão e Grão-Pará.
reduzir a diferença de poder de fogo. A Cisplatina foi assistida por uma divisão naval co-
A dificuldade maior se dava com a falta de pessoal mandada pelo Capitão de Mar e Guerra Pedro Antô-
adestrado para guarnecer os conveses dos navios. No nio Nunes. Em outubro de 1823, Cunha Moreira foi
Brasil, ainda moravam muitos oficiais da Armada Real. promovido ao posto de Chefe de Divisão da Armada
Portanto, Cunha Moreira presidiu uma comissão para Nacional e Imperial.
GUEDES, Max Justo. “Bicentenário do Almirante D. Luiz RODRIGUES, José Honório. Independência: Revolução
da Cunha Moreira”, in Revista Navigator, jun-dez 1976, e Contra-Revolução: As Forças Armadas. Rio de Janeiro:
pp. 3-6. Biblioteca do Exército, 2002.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. “A herança colonial – sua SILVA, Carlos André Lopes da. A Transmigração da Família
desagregação”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Real para o Brasil e a Independência. In: ABREU, Guilherme
História Geral da Civilização Brasileira. 1º Volume t. II – O Mattos de et al, (org.). Marinha do Brasil: Uma Síntese
Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993. Histórica. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da
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LEIVAS, Luís Cláudio Pereira; GOYCOCHÊA, Luís
Felipe de Castilhos. A Conquista de Caiena In: História SILVA, Theothonio Meirelles da. Historia da Marinha de
Naval Brasileira: Segundo Volume. Tomo II. Rio de Guerra Brazileira. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança,
Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1882. v. II. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/
1979. p. 369-422. handle/id/227380. Acesso em: 6 maio 2022.
O CONDE DE DUNDONALD E A
INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
“I’m more afraid of our own blunders
than of the enemy’s devices”
Tucídides, História da Guerra do Peloponeso
Livro I, Capítulo V
cessos de independência do Império do Brasil, isto é, sangue, derramado nos processos de reconquista da
qual a valoração que este fazia de suas ações, assim França Equinocial e das ocupações holandesas.4
como alguns comentários pertinentes a esta discussão As províncias do Sul, e o Rio de Janeiro em par-
ticular, eram mais acostumadas à autogestão, não
sendo raro ocasiões em que o auxílio para a expulsão
DA SITUAÇÃO DO BRASIL
de inimigos e invasores, estando eles no continente
O Brasil fora, tanto por motivos econômicos, quan- Americano ou Africano, partissem de decisões indivi-
to por motivos geográficos e pelos consequentes moti- dualizadas de indivíduos como Correia de Sá, em seu
vos políticos, dividido em dois centros de poder diver- processo para a reconquista da Angola.5
sos, culminando em duas zonas de influência, marcadas
Assim, não seria equivocado afirmar que no Norte
pelo seu posicionamento geográfico no continente.
prevaleciam facções com foco na associação com Por-
No âmbito econômico, as províncias do Norte, tugal, enquanto que, no Sul, seria mais vantajoso consi-
mais antigas em seu ciclo de produção de capital, mar- derar a possibilidade de uma autogestão, como propria-
cado pela manufatura açucareira e relacionamento mente indicado pelo apoio dado à decisão de permanecer
entre as províncias ultramarinas e Portugal próprio, no Brasil e desafiar a decisão das Cortes, tomada por D.
eram marcadas por uma maior duração da associação Pedro (ou então, em fato associado, pelo número vultuo-
com a organicidade política portuguesa, e, por tanto, so de oito mil assinaturas que acabaram por convencer o
maior influência desta.2 monarca a permanecer no Rio de Janeiro).
As províncias do Sul, associadas ao escoamento de
ouro das Minas Gerais e demais associações econô-
micas marcadas pela logística de tal produto, assim
O CONDE DE DUNDONALD
como pelo surgimento posterior do ciclo cafeeiro e seu Quando da declaração da Independência do Brasil,
estabelecimento, eram marcadas pela centralidade ad- as resistências das províncias mais afastadas resulta-
ministrativa trazida pela presença régia, dadas a uma ram em conflitos armados. Nesse sentido, tornou-se
regulação de certa forma independente e alinhadas necessária a montagem de uma expedição que garan-
com necessidades propriamente burocráticas.3 tisse a unidade territorial frente ao processo de sepa-
Nesse mesmo sentido, pode-se afirmar a divisão ração iminente. Aqui, novamente, os laços portugue-
trazida, na era da vela, pela presença do Cabo de São ses do Brasil se mostram como problema, pois que os
Roque, um acidente costeiro que dificultava a ligação navios disponíveis para a formação de uma Armada
comercial entre os polos das regionalidades provin- eram, em sua maioria, associados ao comércio ou ao
cianas, ponto que se pode apontar como responsável Estado português, assim como as suas tripulações,
pela maior ligação das províncias nortistas, comercial- como será apontado mais a frente. De mesma forma,
mente falando, com os territórios ultramarinos e com os exércitos eram comandados por oficialidade portu-
Portugal em si. guesa, assim como os vasos de guerra, cuja lealdade
duvidosa não carece de explicação.6
Dessas duas divisões, não resulta difícil concluir
que os alinhamentos políticos dos dois polos divergis- Nesse sentido, e dada a premência dos conflitos
sem grandemente entre si. As lealdades das províncias para garantir tanto a unidade Imperial quanto a menor
do Norte eram com seus parceiros comerciais, laços resistência possível, tornou-se necessário estabelecer a
de sangue e laços políticos conquistados ao custo de atuação de oficiais de nações estrangeiras. Nesse sen-
tido, dezesseis oficiais foram convidados a prestarem
2
BOXER, Charles Ralph. A Idade de Ouro do Brasil: dores de 4
MELLO, Evaldo Cabral de. Uma outra independência: o federa-
crescimento de uma sociedade colonial. Tradução de Nair de
lismo pernambucano (1817-1824). São Paulo: Editora 34, 2014.
Lacerda; prefácio à terceira edição de Arno Wehling; prefácio à
primeira edição de Carlos Rizzini. 3ª. ed., Rio de Janeiro, Nova 5
BOXER, Charles. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola.
Fronteira, 2000 [1962]. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1973.
3
LIMA, Oliveira. O Movimento da Independência. São Paulo: Ita- 6
BITTENCOURT, Armando de Senna (org.). Introdução à Histó-
tiaia, 1989. ria Marítima. Rio de Janeiro: SDM, 2006.
seus serviços à causa brasileira, e, dentre desses, figu- seu próprio punho. O teor, no entanto, não é autobio-
rava o 10º Conde de Dundonald, Thomas Cochrane. gráfico, antes, escusatório. Os escritos desenvolvem-se
Thomas Cochrane, tendo tido os capitais familia- como uma justificativa de ações e prestação de contas,
res gastos por seu pai em experimentos científicos na certamente escritos como resposta às difamações que
Escócia, encontrou no serviço da Marinha Inglesa a o Almirante sofreu no curso de suas ações, difama-
resposta para garantir seu sustento. Tendo entrado no ções que este listou em sua obra, uma altercação entre
serviço ativo aos 18 anos, foi ascendendo na carreira o Almirante, seus feitos, e um acusador invisível que
até galgar a honra de Almirante, participando tanto personifica as afrontas que este afirma ter sofrido.8
nas Guerras Napoleônicas quanto na atuação política, Sendo advindo de uma visão unilateral, não se
enquanto membro do Parlamento. pretende nessas páginas proclamar algum juízo de
Em uma atuação contra a Esquadra francesa na valor sobre a veracidade das explicações e narrativa,
Baía da Biscaia, através de manobra arriscada, conse- mas antes, obter deste autor sua visão sobre a impor-
guiu abrir vantagem sobre o inimigo, mas o Coman- tância da Armada Imperial no processo de Indepen-
dante em chefe da Esquadra do Canal, Almirante Ja- dência do Brasil.
mes Gambier, optou por não fazer uso da vantagem. Nas páginas iniciais, julga o autor necessário expli-
O Parlamento, não obstante o fato, desejou pro- car as condições de seu convite ao serviço do Brasil, o
mover um agradecimento à atuação do Alm. Gambier, processo da viagem e sua impressão inicial dos vasos
que foi fortemente refutado por Cochrane. Diante desta brasileiros. Quando deste último momento, afirma o
situação, e sendo esta conduzida à Corte Marcial, Co- Almirante que “the worst kind of saving – false eco-
chrane acabou por ser afastado de seus deveres no mar, nomy- had evidently established itself in the Brazilian
sendo auxiliado neste afastamento pela sua atuação em Naval Administration”,9 com isto criticando o salário
favor de uma reforma no Parlamento e Marinha ingle- fornecido aos marinheiros, dez mil rés mais barato que
ses, que lhe conferiam uma reputação pouco popular. o serviço nos barcos mercantes. Para a nau que aca-
baria tomando por capitânia, a Pedro I, elogiou suas
Envolvido, posteriormente, em uma acusação de
provisões e navegabilidade.
golpe financeiro à Bolsa de Valores, foi aprisionado,
demovido de sua condecoração da Ordem de Bath e Com relação à tripulação, afirmou que “[os ho-
expulso do Parlamento. Entretanto, dias depois, foi mens] were of a very questionable description – con-
absolvido de suas acusações. sisting of the worst class of Portuguese, with whom
the Brazilian portion of the men had an evident di-
Estas situações, e outros mais infortúnios que lhe
sinclination to mingle”,10 ainda citando a relutância
sucederam, levaram-no a aceitar o convite do Chile
do Imperador em apontar que estes homens combate-
para tomar parte na sua guerra de independência, em
riam seus compatriotas, através do uso de frases como
1817. É na posição de Almirante no Chile que encon-
“ataque às forças parlamentares portuguesas”, com o
tra o convite estendido por D. Pedro I para que este
que buscava indicar que a guerra seria feita contra as
viesse auxiliar no estabelecimento da independência
Cortes, não contra Portugal ou seu rei.
do Império do Brasil.7
A isto se seguem considerações com relação à difi-
culdade de estabelecer com os ministros os termos de
A VISÃO DE COCHRANE: A ARMADA seu posto na Marinha brasileira, assim como os valo-
BRASILEIRA, SUA PRÓPRIA ATUAÇÃO, res de seu pagamento. Neste trecho de suas memórias,
A SITUAÇÃO DO BRASIL o Almirante transcreve trechos de discussões, cartas e
demais documentos comprobatórios de suas condutas.
A obra em que se escrevem as memórias de tal ser-
viço, nomeada Narrative of Services in the Liberation 8
COCHRANE, Thomas. Narrative of Services in the Liberation of
of Chili, Peru and Brazil, foi escrita pelo Conde de Chili, Peru and Brazil, Volume 2. USA, 2004, não paginado.
9
Ibidem, não paginado.
7
MARTINS, Hélio Leôncio. Almirante Lord Cochrane: uma figu-
ra polêmica. Rio de Janeiro: Clube Naval, 1997. 10
Ibidem, não paginado.
Antes de partir para o serviço determinado pelo manobra seria capaz de prover vantagem no combate,
Imperador, qual seja, o combate e posterior dano à o Almirante se surpreendeu quando nenhum dos na-
Esquadra portuguesa estacionada na Bahia, Thomas vios de sua Armada seguiu seu exemplo.
Cochrane afirma ter procurado no porto do Rio de Ja- Somando-se ao fato de não ter sido obedecido,
neiro marinheiros estrangeiros, a fim de suplementar a afirma o autor que o fogo naval dado pelo navio capi-
falta de mãos no convés da Armada, assim como uma tânia, além de ser de baixa qualidade, foi atrapalhado
medida preventiva contra a situação do serviço, pois por dois marinheiros portugueses que, tendo sido en-
que “never before fallen to my lot to command a crew carregados de fornecer a pólvora, não só retiveram o
so inefficient”.11 fornecimento desta, como também prenderam os dois
Nesse momento da narrativa, começa a se configurar responsáveis por levá-la para os requerentes.
uma afirmação que vai permear o eixo lógico da obra: Nas palavras do Almirante, “extremely annoyed
essa apontava para a existência de partidos diversos nos at this failure”,13 Cochrane estabeleceu inquéri-
jogos políticos do Império, nomeados pelo autor como to quanto à desobediência de suas ordens e demais
“facção portuguesa” e “facção brasileira” ou “patrió- acontecimentos, tendo concluído que a Armada, ten-
tica”. Essa bilateralidade, assim como no plano físico, do sido apressada para se lançar ao mar, estava extre-
marcaria um esforço cisalhante no tecido social do Im- mamente deficitária. Isso posto, e tendo dado voz às
pério, pois que seria do interesse da “facção portuguesa” suas críticas em carta, em que se listam diversas au-
o retorno ao status quo anterior ao da proclamação da sências materiais, como cartuchos não apropriados
Independência, contribuindo para isso com a promulga- ao serviço, armas sem travas, necessitadas de cons-
ção de caos social, ódio contra a figura do Almirante e tante secamento com esponja, velas podres, cama do
divisão entre os centros políticos do Império. morteiro podre e pólvora sem força para fornecer a
Também afirma Cochrane que esse ódio da facção necessária velocidade inicial.
portuguesa podia ser traçado à sua nacionalidade, Da mesma forma, criticou os “marines”, por sua
pois que o fim dos monopólios comerciais acabara por falta de entendimento de exercícios de armas, gran-
prejudicar os negócios dos negociadores portugueses. des ou pequenas, ou ainda o uso de espadas, que não
Nas palavras do autor, “whom (os portugueses) cor- compreendiam, assim como sua postura, já que se
dially hated”.12 recusavam a limpar suas próprias cobertas e se tor-
O Almirante afirma que o tamanho de sua Armada navam em atrapalho aos marinheiros, obrigados a
era de quatro navios quando de sua partida do Rio, trabalhos de limpeza.
pois que alguns ficaram para trás para terminarem de Com relação aos marinheiros, ele afirma que seria
ser armados ou reparados. No navio capitânia, esta- proveitoso a escolha de jovens de 14 a 20 anos para
vam embarcados 160 marinheiros ingleses e america- o treinamento, de forma que estes viessem a se tornar
nos e 130 escravos libertos na condição de “marines”, eficientes, já que “(os marinheiros brasileiros) are not
isso é, tropa embarcada. only totatlly unpractised in naval profession, but are
No dia 4 de Abril, a Armada brasileira encontrou a too old to learn”.14
força do Almirante português, no que Cochrane, com Na mesma carta, ele cita que um dos navios da Ar-
um menor número de navios e desconfiado de sua mada estava a ponto de se entregar à força inimiga,
tripulação, optou por não combater de forma direta, graças à atuação de sua tripulação, como lhe foi rela-
mas antes, tendo visto na linha inimiga uma abertura, tado pelo comandante da embarcação, numa demons-
optou por quebrar a linha de batalha e separar quatro tração da evidente reticência dos marinheiros portu-
navios inimigos. gueses de atacar seus conterrâneos.
Tendo prosseguido com seu plano e sinalizado com Tendo tomado ciência desta situação, Cochrane opta
as bandeiras, e afirmando em suas memórias que tal por dissolver o estado da Armada como antes estabele-
11
Ibidem, não paginado. 13
Ibidem, não paginado.
12
Ibidem, não paginado. 14
Ibidem, não paginado.
cido, tendo para isso ordenado que esta se concentrasse radas por este como sendo suas, e a posterior trans-
em Morro de São Paulo, na Bahia. Lá, ele retira todos os ferência destas para as mãos do português, antigo
oficiais e marinheiros aptos dos outros navios da Arma- dono, com a inclusão das cargas que, originalmente,
da e, com eles, equipa primariamente o capitânia Pedro não faziam parte da embarcação, assim como o su-
Primeiro, e, secundariamente, o Maria da Glória. miço inopinado de objetos de valor das cargas apre-
Essa primeira escaramuça e contato do Almirante endidas e uma tentativa, frustrada com o auxílio do
com sua Armada foram aqui relatados como forma Imperador, de tomar possessão do valor recolhido no
de estabelecer uma consideração quanto à natureza cofre do navio capitânia.
de nossas forças no processo de independência. Pos- Por fim, o autor relata diversas tentativas de demo-
teriormente a essa decisão, Thomas Cochrane narra ver o apreço que o Imperador e a população tinham
suas ações no processo de expulsão da Esquadra da dele, através da publicação de cartas de reprovação
Bahia, sua manobra de dissimulação para a conquista de suas atitudes em assuntos menores, relativos à sua
do Maranhão e Pará e o processo de retorno para o manutenção dos assuntos navais, assim como seu re-
Rio de Janeiro, em que narra as honras recebidas pelo baixamento de posto através de uma carta inopinada
Imperador. Nesse intervalo da obra, encontra-se deli- promulgada sem antecedente ou aviso.
neado de forma evidente a visão do Almirante com re- Essas atitudes eram consideradas pelo Almirante
lação à sua atuação nas batalhas pela independência. como maquinações da citada “facção portuguesa” a
Ao longo da obra, encontram-se espalhadas diver- fim de promover a fraqueza do Império para a recupe-
sas afirmações, acompanhadas de trechos de cartas, ração da condição anterior de colônia, sendo que em
recibos, documentos e relatos que visam evidenciar o diversas ocasiões buscou o autor eximir a figura do
Imperador da culpa por essas maquinações, respon-
que o Conde de Dundonald apresenta como maquina-
dia com um memorando de suas visões do serviço que
ções, incorreções e injustiças cometidas contra a sua
prestara à nação.
pessoa e à coletânea de seus serviços.
Dessas, retira-se “a country whose entire indepen-
Essas afirmações, de uma forma geral, giram em
dence was thus obtained by our personal sacrifices”,
torno de quatro polos: a deturpação do poder provin-
“knowing that everything depended upon the annexa-
cial, o injustiçar de suas ações, a apreensão de coisas
tion and pacification of the Northern provinces”, “the
que o autor considerava suas por direito e as tentativas
revolutionary proceedings in the North, the integrity
de rebaixamento político.
of the empire was at stake”.15
Como exemplo de uma situação atinente ao pri-
meiro eixo, Cochrane cita a rapidez com que a Jun-
ta Provisória, que estabelecera no Maranhão, busca CONCLUSÃO
exercer vingança sobre os portugueses remanescentes, As palavras do Almirante, acima citadas, de-
coisa por ele proibida. Não só isso, como também, monstram a importância que este associava às suas
posteriormente, o corpo eleito como medida contra a ações para o estabelecimento do Império, e, portan-
violência se apropria do poder, demovendo os nomes to, da Independência. Cabem aqui, no entanto, al-
que o Almirante indicara como pertinentes devido aos gumas considerações.
seus serviços e inserindo membros de sua própria fa- Primeiramente, o caráter unilateral deste trabalho
mília, em uma acusação de nepotismo. impede-o de ser capaz de formar imagem precisa da
Como injustiçamento, temos a decisão dos tribu- veracidade das afirmações apresentadas pelo Almiran-
nais do Rio de Janeiro, de maioria portuguesa, de con- te Cochrane. Seria impróprio considerar uma fonte
siderar que as presas feitas por Cochrane em guerra histórica unilateral no processo de construção de uma
seriam ilegais, através da divulgação de decreto poste- narrativa histórica, ainda mais quando esta fonte se
rior ao ato do aprisionamento. encontra em evidente litígio com relação aos outros
Na mesma linha de raciocínio, o aprisionamento
de embarcações capturadas por Cochrane, conside- 15
Ibidem, não paginado.
participantes históricos dos eventos. Esse percalço não vê na obrigação de pagar, a fim de garantir a estabili-
invalida, de forma alguma, a validade de uma análise dade interna da província.
apreciativa de uma narrativa que parece se constituir Posteriormente, o bombardeio de praças terres-
de forma argumentativa, ainda que seja um momento tres, que, mesmo não realizado em grande escala nos
inicial no processo de pesquisa deste tema. primeiros embates do processo de independência, se
Em sequência, as afirmações do Almirante devem mostrou como manobra essencial para a demonstra-
ser tomadas com o devido peso. Não é novidade a ção de força e convencimento, principalmente de tro-
necessidade de autopromoção, seja por razões de ego pas reticentes, da necessidade de capitulação quan-
ou razões de serviço, e a narrativa histórica pode ser do enfrentando a presença da Armada estabelecida
distorcida para servir ao narrador, sendo que neste em suas águas e baías, como descrito pelo autor na
caso em específico, um aumento no nível das ações sua ocupação do Maranhão. Nesse episódio, quan-
tomadas no cenário das escaramuças serviria para in- do as tropas portuguesas, desconfiadas do estratage-
tensificar o contraste entre os benefícios obtidos pela ma utilizado para promover a rendição ao governo
nação e os desserviços realizados pelos seus ministros imperial, se recusaram a embarcar nas naves que as
e a “facção portuguesa” contra a pessoa do Almirante conduziriam de volta a Portugal, foram convencidas
e seus subordinados, que esperavam compensação pe- a cessar sua resistência quando um tiro de alarme
los seus serviços. foi dado sobre a cidade, e as tropas já embarcadas
Da mesma forma, a narrativa não pode ser com- ameaçadas em sua integridade física pela presença e
pletamente descartada, pois que os assuntos trata- manobra do navio capitânia.
dos pelo Almirante não são novidades na historio- Podemos por fim relatar a própria ação naval da
grafia, e muito já se tem escrito nas constatações de Armada, elemento-chave na manutenção e estabeleci-
assuntos como os “Brazis”, como o mesmo escreve mento da independência nas províncias do Norte. As
em seu relato, isto é, a não unidade entre as provín- ações da Armada brasileira foram responsáveis pela
cias do norte e as do sul, a pluralidade de interesses expulsão da esquadra de bloqueio de Portugal da
na causa imperial e demais dinâmicas da política Bahia, sua posterior perseguição e captura de navios
imperial brasileira. do comboio, pelo estabelecimento de defesas e, prin-
Qual é, no entanto, o papel da Armada Imperial cipalmente, pela rápida resposta oferecida quando da
no processo de independência? Podemos retirar das chegada de notícias de insurreições e conflitos. Na era
memórias do Almirante Cochrane as ações realiza- considerada, foi a presença da Armada que permitiu a
das pela força naval considerada. De um olhar téc- resolução eficiente do conflito, que, graças à sua maior
nico, temos um conjunto de manobras que podemos velocidade de ação, permitiu a derrubada dos sistemas
classificar em um agrupamento de atividades especí- opositores antes que estes pudessem se estabelecer de
ficas. Primeiramente, o desembarque de tropas nas forma mais completa.
províncias do Norte e a posterior organização destas A independência não foi o resultado de um rela-
de forma a garantir a estabilidade do governo recém- cionamento natural ou uma irmandade nascida de
-instituído, no que essas passaram a realizar trabalho igual passado histórico, mas antes, uma situação for-
de polícia e o eventual ulterior combate às forças de çada por circunstâncias externas, tal qual o desejo
guerrilha que tenham se estabelecido no interior dos do regresso do monarca à sua terra natal, e posta em
territórios recentemente ocupados. Nesse sentido, é execução pela mão de um estrangeiro desafortunado
interessante relatar a surpresa do Conde de Dundo- que comandava força naval crucial para o estabele-
nald ao se deparar com as requisições de um grupo de cimento de nossa unidade, homem que, movido por
tropas formado por indígenas e indivíduos desprovi- interesse pecuniário ou busca da restauração de sua
dos, para parafrasear o autor, que, após a liberação honra, acabou por unificar dois territórios gêmeos
do Maranhão, se puseram a requisitar pagas e prê- através de manobras peculiares e escrever, ao longo
mios pelo seu esforço no processo de independência, de sua vida, seu nome nos anais da independência de
esforço que Lorde Cochrane não reconhece, mas se quatro países diferentes.
cenário político do século XIX, alcançando o ápice de oriundas da transferência da sede da monarquia por-
sua relevância na conformação do território brasileiro. tuguesa para o Brasil, foi instalado, em 11 de março de
No início do século XIX, Napoleão ascendia na 1808, a Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar,
Europa em seu projeto expansionista, porém a supe- sob os mesmos moldes dessa Secretaria de Estado cria-
rioridade naval da marinha inglesa levou o general a da em 1736 no reinado de D. João V.
buscar estrategicamente um outro cenário de atua- Além desta Secretaria, corroborando para o de-
ção no conflito contra a Inglaterra, estabelecendo em senvolvimento de uma unidade militar, alguns depar-
1806, pelo Decreto de Berlim, um bloqueio continen- tamentos, já estabelecidos em Portugal, foram ins-
tal que às nações europeias foram impostas a adesão, talados no Brasil. Houve, no entanto, a necessidade
sob pena de retaliação pela poderosa guarnição fran- de se criar outros; de modo geral, pode-se destacar:
cesa. Dentro desse cenário, pressionado pelos france- o Arsenal de Marinha, o Quartel-General da Arma-
ses e ingleses, o governo de Portugal, que mantinha da, a Intendência e a Contadoria, o Arquivo Militar,
boas relações comerciais com a Inglaterra, optou pela o Hospital de Marinha, a Fábrica de Pólvora, situada
não-adesão ao bloqueio, o que resultou na rápida res- no atual Jardim Botânico, o Conselho Supremo Mili-
posta de Napoleão. No ano seguinte, pelo tratado de tar e a Academia Real de Guardas-Marinha.8 Após a
Fontainebleau, firmado com a Espanha, definia-se a Independência, a Academia foi crucial na formação de
invasão do reino português. novos membros da Armada Imperial.
Com as tropas napoleônicas nas proximidades da Contracenando com a invasão francesa do territó-
fronteira lusa, no mesmo ano foi realizada a Conven- rio português na Europa, o Príncipe Regente D. João,
ção Secreta de Londres,5 em que foram decididas as após romper todos os tratados firmados entre França
normas protetivas para Portugal: a Inglaterra, garan- e Portugal, decidiu contra-atacar em terras para além
tiria o apoio naval necessário para a transferência da do continente europeu, nos limites fronteiriços entre o
sede da monarquia portuguesa para uma de suas colô- Brasil e a colônia da Guiana Francesa, respondendo às
nias, o Brasil, e em contrapartida Portugal garantiria pressões impostas pelas tropas napoleônicas.
uma série de benefícios aos ingleses, tais como a en- A força militar formada para o confronto contava
trega da esquadra lusa ao britânicos, potencializando com a participação de ingleses, portugueses e de bra-
o poderio da armada inglesa, e a concessão portuária sileiros, e estava sob o comando do Tenente-Coronel
de comercialização entre as duas nações, rompendo Manuel Marques d’Elvas Portugal que dispunha de
assim o pacto colonial que estabelecia a exclusividade uma esquadrilha composta pelas seguintes embarca-
de importação e exportação somente entre a colônia e ções: escuna General Magalhães (capitânia); cutters
a metrópole. Vingança e Leão; três barcas-canhoneiras; sumaca
Acompanhada de 16 naus inglesas, “[...] compos- Ninfa; dois obuseiros; iate Santo Antônio; e a lancha
ta pelas naus Príncipe Real, Afonso de Albuquerque e São Narciso, corveta inglesa Confidence, brigue Infan-
Medusa, da nau inglesa Bedford, da fragata Urânia, te D. Pedro e Voador.9
do bergantim Três Corações e transporte Alexandre”,6 Em primeiro de dezembro de 1808, a tropa de D.
a chegada da Família Real à Bahia em 22 de janeiro de João, com cerca de 700 homens armados, desembar-
1808 é garantida pela força naval, e em 07 de março cou no território francês, e avançou rumo à capital
do mesmo ano, junto à Brigada Real da Marinha, D. Caiena à medida que ganhavam o conflito; pelo rio
João estabelece a Corte portuguesa definitivamente no Oiapoque, a frota naval comandada pelo Comandante
Rio de Janeiro.7 Em acordo com a necessidade de se Yeo dominava as edificações de defesa e apoio inimi-
constituir uma estrutura administrativa corresponden- go, obtendo o domínio sob a colônia francesa em 12
te às novas demandas político-econômicas e militares de janeiro de 1809, quando o governo local se rendeu.
Esse foi o primeiro ato de D. João no que tange a uma
5
BITTENCOURT, op. cit., p. 66.
6
Ibidem 8
CESAR, op. cit., p. 173.
7
Ibidem 9
BITTENCOURT, op. cit., p. 69.
resposta à França no âmbito da política externa, em cia da Cisplatina.12 No entanto, a noção de unidade
menos de um ano após o estabelecimento da coroa política concorrente com a política nacional vigente
lusa no Brasil.10 A dominação da região foi relevante não duraria por muito tempo, fato que incluiu a região
para o estabelecimento dos limites territoriais do país sul na Guerra de Independência e, posteriormente, re-
realizado posteriormente, garantindo ao Brasil a deli- sultaria na Guerra da Cisplatina (1825-1828).
mitação do atual estado do Amapá. A revolta ocorrida em 1817, na capitania de Per-
Outra incursão realizada no período joanino foi nambuco, foi a última do período colonial que desa-
a tentativa de anexar às terras do Brasil o território, fiou a estrutura governativa da monarquia portugue-
antigamente sob o domínio castelhano, nas proximi- sa. Dentre as causas do movimento, está a cobrança
dades do Rio da Prata, a Banda Oriental do Uruguai. de impostos na localidade para patrocinar a campa-
Movimentados pelos ideais libertários do pensamento nha da Cisplatina; e a transferência da sede da Coroa
iluminista e encabeçados por José Gervásio Artigas, as para o Brasil, pois tal ato contrariava a ambição de
camadas populares da Banda Oriental se recusavam poder das elites locais, principalmente após D. João
a aderir ao projeto político das Províncias Unidas do elencar portugueses para exercer importantes funções
Rio da Prata. Dessa forma, a Coroa portuguesa con- administrativas em Pernambuco. Para fazer sucumbir
seguiu o apoio, não tão duradouro, das lideranças de a insurreição, o Governador da Bahia enviou para Per-
Bueno Aires. Embarcaram na empreitada, em 12 de nambuco a corveta Carrasco, o brigue Mercúrio e uma
junho de 1816, uma corveta, uma fragata, cinco naus escuna, com o intuito de estabelecer o bloqueio dos
e seis brigues, capitaneadas pela nau Vasco da Gama, portos de Recife e assim apagar a chama revolucioná-
juntos de seis navios que já estavam rumo a Santa ria pernambucana.
Catarina. A força naval se dividiu em duas, uma pelo Outras duas Divisões Navais incorporaram a re-
Rio da Prata em direção a Montevidéu, para realizar ação joanina à rebelião, uma comandada pelo Chefe
um bloqueio naval à cidade, e outra seguiu pelo Rio de Esquadra Rodrigo José Ferreira Lobo, composta
Uruguai, auxiliando as forças portuguesas frente aos pelos brigues Benjamin e Aurora, e pela escuna Ma-
ataques de resistência local.11 ria Teresa; e outra comandada pelo Chefe de Divisão
No final do ano de 1816, Montevidéu estava Brás Caetano Barreto Cogomilho, composta pela nau
rendida à ação de pacificação de D. João na Banda capitânia Vasco da Gama, os transportes Santiago
Oriental; porém, Artigas continuou a resistir ao des- Maior, Almirante, Harmonia, Joaquim Guilherme,
dobramento português mediante a atuação de corsá- Feliz Eugenia, Olímpia, Ateneu, Bela Americana e
rios que atacavam os navios portugueses a partir da Bonfim, e a fragata Pérola.13 Em terra, da Bahia, fo-
colônia de Sacramento, causando grandes estragos às ram enviados para Pernambuco dois regimentos de
tropas em terra que ficaram desmuniciadas e despro- cavalaria e dois de infantaria. Após o bloqueio do
vidas de apoio naval. A solução foi utilizar as tropas porto de Recife e da invasão da cidade pelas tropas
terrestres para destruir pontos estratégicos da linha enviadas portuguesas, o movimento separatista teve
inimiga como a Colônia de Sacramento e Paissandu. seu fim em 20 de maio de 1817.
Após o último episódio de atuação da Força Naval – Após a derrota de Napoleão pelas tropas europeias
em que se destacou a corveta Maria da Glória com o na Batalha de Waterloo, os representantes dos país
aprisionamento de um corsário inimigo e recuperação que derrotaram a França – Inglaterra, Prússia, Áustria
de dois navios mercantes, Ulisses e Triunfantes, em 31 e Rússia – reuniram-se em Viena para redefinir limites
de julho de 1821 – cerca de cinco anos após o início territoriais alterados pelo expansionismo napoleônico
das ações de incorporação da região do Rio da Prata, e remodelar o cenário político da Europa, de modo a
a deputação local aprovou a incorporação da Banda reestabelecer o Antigo Regime.14 Portugal, no entanto,
Oriental ao governo português, sob o título de Provín-
12
LOPES DA SILVA, op. cit., p. 85.
10
Ibidem, p. 69-70. 13
BITTENCOURT, op. cit., p. 73.
11
Ibidem, p. 70. 14
LOPES DA SILVA, op. cit., p. 85.
tinha um empecilho quanto à participação do Con- maio do mesmo ano, foi decretado o “Cumpra-se”,
gresso: o rei não estava, formalmente, em seu reino, ocasião na qual ficou determinado que as exigên-
mas numa possessão territorial dele. Para sanar tal cias emitidas pelas Cortes no que tange às ques-
questão, D. João elevou o Brasil à uma condição equi- tões brasileiras, somente seriam validadas com a
valente à da metrópole, com a instituição do Reino aprovação de D. Pedro I. Neste cenário, o Príncipe
Unido de Portugal, Brasil e Algarves. nomeou José Bonifácio de Andrade e Silva, adepto
O contraste entre a flexibilização da estrutura da emancipação do Brasil sob o modelo político
colonial no Brasil e governança administrativa do monárquico constitucional, para exercer a lideran-
território português por um comitê controlado por ça de um novo Gabinete de Ministros.
um inglês, minava a noção de autonomia política Em agosto, chegou ao Rio de Janeiro a notícia de
portuguesa no território luso em favor da brasileira que as Cortes intensificariam a pressão política, exer-
em terras ultramarinas, o que gerou insatisfação nos cida até então, sobre o Brasil. D. Leopoldina, esposa
portugueses residentes da metrópole. A ruptura do do Príncipe regente que se fazia ausente devido à sua
chamado “pacto colonial”, conforme expressão de viagem a São Paulo com intuito de manter o governo
Fernando Antônio Novais, na abertura de portos em local alinhado com sua política, reúne o Conselho de
1808, proporcionou a longo prazo certa liberdade Estado, junto a José Bonifácio, para que fosse discu-
fiscal e comercial nos portos da colônia; e as conquis- tida a imediata autonomia política brasileira frente à
tas da Guiana Francesa e da Província da Cisplatina, ameaça vinda de Portugal. Acordada a necessidade de
aumentavam o poderio econômico e geopolítico do emancipação, a carta da Princesa Regente é enviada a
Brasil. Somado a esse cenário, o “estado de ‘abrasi- D. Pedro I, que em 7 de setembro a lê nas proximida-
leiramento’ da Monarquia portuguesa”15 fez eclodir, des do Ipiranga. Apesar do Rio de Janeiro, São Paulo e
em 1820, a Revolução do Porto, um movimento re- Minas Gerais aceitarem a conclamação do Príncipe, a
volucionário, de caráter liberal, que ambicionava a declaração emanada das margens do rio Ipiranga não
instalação de uma Assembleia Constituinte – as Cor- fluiu pelas demais regiões do Brasil.16
tes – para instaurar uma monarquia constitucional, Apesar de declarada, a Independência não foi acei-
subordinando a Coroa ao Legislativo. Além de exigir ta em todo território. Imediatamente, quatro polos re-
o retorno do rei a Portugal, o movimento também presentaram resistência ao governo de D. Pedro I ao
objetivava reativar a antiga condição do Brasil – a não aderirem o projeto emancipatório: Belém, Mara-
de dependência econômica e política nos moldes do nhão, Bahia e a Província da Cisplatina. Nas provín-
“pacto colonial” – de modo a reestruturar a capital cias da banda Norte-Nordeste, as tropas militares des-
administrativa do Império Luso. tacadas foram reforçadas, a fim de manter afinidade
O cenário revolucionário e o medo de perder o com Lisboa, tendo destaque pelo alto conglomerado
trono, provocaram o retorno de D. João, em 1821, comandado pelo Brigadeiro Inácio Luís Madeira de
a Portugal, deixando no Brasil, como príncipe re- Melo, a província de Salvador. No sul, a divisão da
gente, seu sucessor na linhagem Bragança, D. Pe- guarnição frente à Independência era figurada de um
dro de Alcântara. As imposições das Cortes para lado pelo General Carlos Frederico Lecor, a favor da
que fossem transferidas de volta para Portugal as emancipação política, de outro, pelo seu subcoman-
principais instituições criadas por D. João, a reafir- dante, D. Álvaro da Costa de Souza Macedo, que con-
mação do “pacto colonial” e a exigência do retor- corria à ideia de subordinação do Brasil a Lisboa.
no do príncipe regente às terras lusas, bem como Diante desse panorama, José Bonifácio notou a ne-
o desacato à dinastia de Bragança, gerou uma res- cessidade da formação de uma forte Esquadra Impe-
posta imediata de D. Pedro, em 09 de janeiro de rial Brasileira para fazer processar, pelo mar, a concla-
1822, conhecida como Dia do Fico, em que o re- mação propagada nas margens do Ipiranga, de modo
gente declarou que permaneceria no Brasil, a des- a conformar as delimitações do território brasileiro.
peito das ordens vindas de Lisboa. Além disso, em Em outubro do ano da Independência, o primeiro bra-
15
Ibidem, p. 86 16
BITTENCOURT, op. cit., p. 74
sileiro nato a se tornar Ministro da Marinha, o Capi- John Taylor, Thomas Cochrane, John Grenfell, Jaime
tão de Mar e Guerra Luís da Cunha Moreira, também Shepherd, Teodor Beaurepaire e James Norton. Atu-
intitulado Visconde de Cabo Frio,17 iniciou a forma- ando de modo decisivo em Lisboa, quanto à aquisição
ção da Marinha Imperial. Frente às dificuldades orça- de material e recrutamento de pessoal para a Armada
mentárias para se adquirir novos navios, bem como as Imperial, destacou-se em seu serviço como diplomata
despesas decorrentes, alguns navios portugueses que brasileiro em Londres, o Marquês de Barbacena, Fe-
estavam no Brasil foram incorporados à força naval. lisberto Caldeira Brant.19 Para suportar os custos com
O Arsenal de Marinha, apesar das dificuldades enfren- o material flutuante e com a contratação de estrangei-
tadas quanto à falta de materiais e à mão de obra qua- ros e mesmo pagamento de soldos aos brasileiros, foi
lificada, exerceu importante função na reparação de aberta uma subscrição pública.
navios, neste cenário inicial. A nau Pedro I, as fragatas As instituições estabelecidas no período joanino
Niterói, Ipiranga, e Paraguaçu, além das corvetas Ma- também foram integradas ao projeto da estruturação
ria da Glória e Liberal, são exemplos das embarcações da força naval brasileira, dando destaque à Compa-
que passaram a ser assistidas pelo Arsenal.18 nhia de Guardas-Marinha, pelo papel que esta exer-
A dificuldade quanto ao quantitativo de oficiais cera na formação e integração de brasileiros natos
e praças brasileiros natos, contracenando com o alto na composição da Marinha do Brasil. Na Tabela 1
número de marinheiros estrangeiros habilidosos e ex- estão listados os componentes da Primeira Esquadra
perientes após o fim das guerras napoleônicas, sobre- da Independência.
tudo ingleses e franceses, evidenciou uma solução para A Marinha do Brasil, portanto, nasce da urgên-
corresponder a demanda de pessoal que a formação cia de resguardar a integridade territorial, figurativa-
de uma armada exigia; dentre os destacados estão: mente, atuando como uma agulha que, costurando o
17
LOPES DA SILVA, op. cit., p. 92. 19
CESAR, William Carmo. Uma história das Guerras Navais: o de-
18
BROTHERHOOD, Karina. “Trabalho e organização do Arsenal senvolvimento tecnológico das belonaves e o emprego do Poder
de Marinha do Rio de Janeiro na década de 1820” in Revista Naval ao longo dos tempos. Rio de Janeiro: FEMAR, 2013. p.
Navigator, v. 2, n. 3, jun. 2006, p. 8-9. 173.
litoral brasileiro na Campanha da Independência, fez o conceito tático da formação de duas linhas rígidas de
chegar o processo emancipatório emanado por D. Pe- batalha, Cochrane colocou o navio de linha, a nau Pe-
dro I, às margens do Ipiranga, às “ilhas”20 do nosso dro I, entre duas linhas de navios da esquadra brasilei-
“arquipélago”21, mantendo assim em absoluto o terri- ra, de modo a atacar a retaguarda da frota portugue-
tório constituinte do Império do Brasil. sa, sem tempo hábil de apoio da vanguarda inimiga,
No teatro da Guerra da Independência na Bahia, permitindo assim a passagem do capitânia pela linha
destacam-se a fragata Niterói que, comandada pelo inimiga. Todavia, somente esta última embarcação
Capitão de Fragata John Taylor, expulsou, mediante conseguiu o feito, pois, para o sucesso da manobra, o
severos ataques até os limites da Península Ibérica, na ataque deveria ser feito de forma conjunta e ordena-
foz do rio Tejo, os navios portugueses de apoio aos da, além de necessitar de volume e precisão dos tiros
resistentes em Salvador. Em 1º de abril de 1823, os de canhão, o que não foi possível por um problema
navios Piranga, Maria da Glória, Liberal, Guarani e interno às embarcações da frota brasileira. Além da
Real Pedro, e o então Primeiro-Almirante da Armada pouca experiência em combate da tripulação daque-
Nacional e Imperial do Brasil e comandante da nau les navios, o fator que corroborou para o desfavorável
Pedro I, Thomas Cochrane, deixavam a Guanabara desfecho do conflito reside no comportamento assu-
rumo à Bahia, para estabelecer um bloqueio na cidade mido por alguns marujos portugueses, já que:
de Salvador de modo a impedir a reposição de tropas
em terra, o abastecimento e apoio provido pelas tro- A indisposição dos marinheiros de origem
pas portuguesas no mar. A fragata Niterói se agrupou portuguesa em lutar contra a sua bandeira
dias depois à frota de Cochrane.22 foi claramente verificada na capitânia, quan-
do marujos chegaram a impedir o forneci-
mento de pólvora durante o combate, sendo
Achava-me sob a tolda, com o Lord, que
dominados por um tenente britânico.25
ambicioso desejava que se aproximasse o
momento de dar começo ao ataque, quando
já à distância de meia légua do inimigo me Após reorganizar suas forças militares e retirar
disse desta maneira: – ‘Sr. Cura, metad de de sua guarnição aqueles indispostos ao combate,
la Esquadra inimiga és nuestra, por que me Cochrane alcançou seu objetivo de estabelecer um blo-
voy cortar su linea’.23[sic] (grifo nosso) queio a Salvador, onde sem apoio e abastecimento, as
tropas portuguesas se viram pressionadas a abandonar
Elaborando uma arriscada tática militar, aproxi- as terras brasileiras. Em 02 de julho de 1823, um com-
mando-se à tática Meleísta24 (do francês melée, que boio português de mais de 70 embarcações, escoltado
significa confusão) e executada com êxito por Lorde por 17 navios de guerra, se retirou do Brasil sendo ata-
Nelson na Batalha de Trafalgar, e contracenando com cado incessantemente pela fragata Niterói; além disso,
vários navios foram capturados pela frota brasileira.
Dessa forma, Salvador aderiu a política emancipatória
20
Descrição das Províncias litorâneas que não aderiram a Indepen-
do Império de D. Pedro I.
dência (Ibidem, p.170-172).
No Maranhão, Lorde Cochrane, utilizando-se de
21
Descrição da extensão do território brasileiro (Ibidem).
uma estratégia fugaz, fez da nau Pedro I sua principal
22
Ibidem, p. 177-178
ferramenta de dissuasão, representando a excepcional
23
O trecho grifado foi escolhido como título deste trabalho e faz força naval recém-criada, de modo a obter a rendição
parte do relato do dia 04 de Maio de 1823 do Fr. Manoel da
Paixão sobre a Campanha da Independência na Bahia in DORES,
do Governo local que se mantinha até então firme em
Fr. Manoel Moreira da Paixão e. Diário da Armada da Indepen- apoio à Lisboa. O frei Manoel Moreira da Paixão e
dência. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1957. p. 46. Dores narra em seu diário os movimentos estratégicos
24
Tática em que cada comandante de unidade tem autonomia de de Cochrane nesse jogo político:
atuação em combate, em detrimento da rígida estrutura de for-
mação em coluna do modelo “formalista”, em que o comandante
da Força Naval possui completo controle das unidades. 25
LOPES DA SILVA, op. cit., p. 115.
Demorar-se-ia com S. Excia. pouco mais de Diante de um cenário conturbado, visando à ma-
uma hora, depois do que, mandando S. Excia. nutenção da ordem político-social e fazendo valer
que desse fundo ao Brigue ao pé da Nau, o a unidade Imperial, Grenfell desembarcou com sua
despediu com ofício ao Govêrno, em resposta guarnição para atuar em terra, e no mar estabeleceu
ao que êle havia recebido. Nesse ofício disse S. um cerco para que a situação interna não fosse ali-
Excia. ter declarado quem era, que a Nau em mentada pelos portugueses. Representando a garan-
que se achava pertencia ao Império do Brasil
tia dos partidários da Independência, em um cenário
e não à Grã-Bretanha, como havia dito, e que
febril frente à liderança de Batista Campos, sofreu
seus fins eram fazer ali aclamar ao Imperador e
uma tentativa de assassinato, e ao final do mês de
Independência, e que, quando o Govêrno dei-
xasse de aderir a estas condições, veria romper agosto, tendo cessado o número de cárceres para os
toda espécie de hostilidade por mar e por terra, revolucionários, autorizou que os porões do brigue
até que finalmente se conseguisse o desejado Palhaço fossem utilizados como prisão, onde 254
fim de unir aquela amena Província ao grande presos foram mortos asfixiados.28 Após malsinações
Todo do vasto Império do Brasil.26 [sic] feitas a Grenfell pelo ocorrido no Grão-Pará, o co-
mandante foi julgado por um Conselho de Guerra e
absolvido das acusações.
No dia 26 de julho de 1823, Thomas Cochrane
havia recebido um ofício da Junta Governativa da re- O cenário em que as Províncias da banda Nor-
gião, respondendo da forma como explicitado acima, te-Nordeste aderiram à Independência aprofunda a
usando de um blefe e manipulando o real cenário da percepção das relações de poder estabelecidas inte-
expedição. Na mesma noite, o comandante da nau riormente nas capitais, pois a luta pela governança,
Pedro I recebe um ofício em resposta ao seu, conten- ora de brasileiros adeptos da Independência, ora de
do a informação de que no dia seguinte o Governa- lusitanos adeptos dos ideais propagados pelas Cor-
dor viria a bordo no capitânia aderir espontaneamen- tes de Lisboa, reflete o complexo teatro político e
te à Independência do Brasil, visando à tranquilidade militar em que a Marinha operou, por vezes de for-
da Província. ma pacífica, exercendo sua habilidade diplomática
e dissuasória, por vezes mediante o uso da força
No norte do país, mais especificamente no Grão-
armada, de modo a impor a ordem no Império e
-Pará, apesar de utilizado os mesmos subterfúgios
defender a vontade do Imperador.
aplicados à Província do Maranhão, a adesão à In-
dependência foi acrescida de uma complexa rede de Na Cisplatina, o plano para integrar a região ao
acontecimentos que permite bifurcações quanto à sua plano da Independência, foi similar ao realizado na
interpretação. O Capitão-Tenente de 27 anos, John Bahia, estabelecendo na cidade de Montevidéu, um
Pascoe Grenfell, comandando o brigue Maranhão, bloqueio pelo mar e pela terra, sufocando a resis-
valeu-se da astúcia tática de Cochrane e alertou aos tência portuguesa. O Almirante Rodrigo Ferreira
residentes da Província que uma grande frota naval se Lobo, comandante da Esquadra portuguesa residi-
aproximava, e que iria retaliar qualquer resistência à da nas proximidades do Rio da Prata, declarou-se
Independência.27 Com medo de um ataque, os portu- aliado ao processo da Independência, não conse-
gueses aderiram à emancipação brasileira. Contudo, guindo, no entanto, impor o bloqueio a Montevi-
com o passar do tempo, os portugueses voltaram a déu. Foi substituído pelo Capitão de Mar e Guer-
atacar aqueles que se mostravam favoráveis à autono- ra Pedro Antônio Nunes, que trouxe consigo uma
mia política do país, já que a ameaça feita por Grenfell corveta, três brigues e três escunas que realizaram
não se concretizara. o bloqueio àquela cidade e forçou uma resposta
armada sem vitoriosos. Entretanto, a vantagem de
manter o bloqueio pela parte brasileira que ocasio-
26
Relato do dia 26 de Julho de 1823 do Fr. Manoel da Paixão a res- nou desabastecimento das tropas inimigas em terra
peito da Campanha da Independência no Maranhão in DORES,
e a notícia de que a região era a último reduto de
op. cit., p. 112-113.
27
BITTENCOURT, op. cit., p. 77-78. 28
LOPES DA SILVA, op. cit., p. 98.
29
Ibidem
servir como moeda de troca para a compra de escra- Após analisar alguns pontos gerais da formação
vos. Dessa maneira, o Rio de Janeiro se expandiu pelo e desenvolvimento do território brasileiro sob a in-
Atlântico, legado este deixado pelos portugueses, que fluência de sua metrópole portuguesa, é necessário
se diferenciava dos demais países europeus que busca- atribuir notoriedade à razão pela qual todos esses
vam grandes domínios terrestres, visto que adotavam aspectos foram possíveis: o domínio do mar. E desse
o mar como parte do seu domínio. Segundo Hespanha aspecto reluz a formação e emprego do Poder Naval.
e Santos (1998), o Império Português não se tratava de Portugal era uma nação de tradições marinheiras ao
um império terrestre, mas sim de um império oceâni- menos desde o século XV. Em 1808, Dona Maria I
co, em que o mar não representava um limite. e o regente D. João trouxeram junto de sua corte a
Por ocasião da transferência da corte, a elite portu- Marinha Real Portuguesa, instalando-se no Rio de
guesa trouxe consigo o luxo, costumes e as noções de Janeiro os órgãos máximos de direção da Marinha
moda que aqui não existiam. A necessidade da oferta Portuguesa, sendo eles: Intendência, Contadoria,
de serviços possibilitou a abertura de casas comerciais Auditoria, Hospital, Academia, Conselho do Almi-
voltadas para este mercado que estabelecia as regras rantado, Tribunal e Arsenal de Marinha. Além disso,
de vestuário sobre a sociedade, desenvolvendo o co- grande parte da esquadra portuguesa atracou na Baía
mércio nas cidades. de Guanabara, como naus, fragatas, corvetas, canho-
Outro ponto que vale a pena a ser destacado é a neiras e transportes. Ao reforçar que o mar é parte
construção de teatros para que os artistas portugueses essencial de um plano de domínio e desenvolvimen-
pudessem se apresentar, fazer com que os portugueses to, o governo português cria um aparato na colônia
mais enriquecidos se divertissem e ao mesmo tempo que aumentava o poderio econômico e geopolítico do
se adaptassem à sua nova realidade em um território Brasil, privilegiado pela ruptura do “pacto colonial”
tropical. O Real Teatro de São João, inaugurado em na abertura dos portos em 1808.
1813 na cidade do Rio de Janeiro, cujo nome home- Tratando-se do aspecto de formação marinheira, a
nageava o então príncipe regente D. João, foi palco Academia Real de Guardas Marinhas, criada em Lis-
de muitos espetáculos nessa época, além disso, era um boa, em 1782, foi trazida a bordo da nau “Conde D.
símbolo do aprimoramento arquitetônico construídos Henrique”, sendo instalada no Mosteiro de São Bento
pelos portugueses no contexto da chegada da família no Rio de Janeiro.
real. Além desse teatro, pode-se exaltar a beleza de Mas foi em 1822, depois de muitos movimentos e
construções e instituições, a exemplo do Horto Real, o ideias separatistas que às margens do rio Ipiranga, D.
Jardim Botânico, em terras cariocas; a Real Biblioteca Pedro I, assessorado por sua esposa Dona Leopoldi-
Nacional e a Escola de Belas Artes. Em 1816, chega- na e pelo estadista José Bonifácio de Andrade e Silva,
vam artistas franceses, engenheiros, técnicos e médicos declara a Independência do Brasil, fazendo necessá-
que contribuíram para as reformas urbanas do Rio de ria a consolidação do ato com as ações da Armada
Janeiro. Entre eles destaca-se o pintor Debret, que re- Imperial. Isso porque nas províncias do Norte e na
tratou em suas aquarelas a história do Rio de Janeiro, Cisplatina, a lealdade de muitos ainda pertencia às
destacando a vida dos escravos. autoridades lusitanas. O grito de Independência não
Houve também uma preocupação com as possíveis foi ouvido da mesma forma nas unidades administra-
influências causadas pelos ideais revolucionários da Re- tivas portuguesas, do antigo Estado do Grão-Pará e
volução Francesa. Dessa forma, a monarquia portugue- Maranhão ao Estado do Brasil. Dessa forma, fazia-se
sa implementou em 1808 a Imprensa Régia que, além ao mar a primeira esquadra brasileira, com o intuito
de se encarregar dos documentos oficiais, deveria fisca- de expulsar os que eram uma ameaça ao novo regime.
lizar, até mesmo censurar publicações, inclusive científi-
cas, consideradas perigosas. Além disso, nesse período,
Napoleão Bonaparte ocupava territórios portugueses,
OS RELATOS DO FREI PAIXÃO E DORES
despertando assim certa insegurança e temor e exigindo Como nesse período grande parte dos oficiais esta-
mais atenção ao que se devia importar da França. vam alheios às ideias separatistas, foi necessário que
D. Pedro I buscasse experimentados estrangeiros para com destino a Bahia foi um desafio devido à falta de
tripularem os navios da recém-criada esquadra. O Pri- experiência dos homens na navegação.
meiro Almirante foi Lorde Cochrane. Nesse contexto, Frei Manoel Moreira da Paixão,
Lorde Cochrane era um oficial de Marinha e polí- então capelão naval a bordo da Nau Pedro I, escreveu
tico escocês, nascido em 14 de dezembro de 1775, em um diário em que registrou suas experiências e teste-
Hamilton no Reino Unido, que recebeu o apelido de munhos. Trata-se, portanto, de uma fonte primária
“lobo do mar” por suas façanhas em batalhas navais que narra os acontecimentos vividos pela esquadra co-
contra as forças de Napoleão Bonaparte. Foi decla- mandada por Cochrane. De acordo com esse registro,
rado Primeiro-Almirante e Comandante em Chefe da foram empregados os seguintes meios navais na cam-
Esquadra Brasileira no período da Guerra da Indepen- panha da Bahia: Nau Pedro I, comandada pelo Capi-
dência. Exaltado por seus feitos nas lutas navais das tão de Fragata Thomas Sackville Crosbie; Fragata Pi-
guerras napoleônicas, no combate à Espanha, na In- ranga, comandada pelo Capitão de Mar e Guerra Da-
dependência do Peru e do Chile, foi contratado por D. vid Jewett; a Fragata Real Carolina comandada pelo
Pedro para expansão territorial do Império do Brasil Capitão de Fragata Gonçalves Lima; a Fragata Niterói
e para expulsar do Brasil as autoridades lusas que não comandada pelo Capitão de Fragata John Taylor; a
se vincularam à Independência. Corveta Maria da Glória comandada pelo Capitão-
Com o título de Primeiro-Almirante da Esqua- Tenente Teodoro de Beaurepaire; Corveta Liberal
dra Brasileira, honra esta concebida exclusiva e comandada pelo Capitão-Tenente Antônio Salema
unicamente a ele pelo Imperador do Brasil, Thomas Garção; o Brigue Guarani sob o comando de Antônio
Cochrane, apesar de seus atos extraordinários, era Joaquim do Couto; Brinque Escuna sob o comando
conhecido por sua rebeldia e necessidade de publi- de Justino Xavier; e a Escuna Leopoldina comandada
cidade, que atraíam olhares descontentes por parte pelo Segundo-Tenente Francisco de Sá Lobão. Um to-
das autoridades navais britânicas. No que tange aos tal de nove navios, aproximadamente 2.000 praças e
seus serviços à Marinha Imperial Brasileira, apesar 278 peças de artilharia.
do desfecho final de sua última estada no Maranhão, Neste mesmo diário, são encontrados os bastidores
o almirante Cochrane cumpriu com o seu dever de do início dessa expedição, o momento em que a re-
unificar o Império, navegando com sua esquadra em presentação do Poder Naval consolidado no período
direção à Bahia, ao Maranhão e Pará. Sua esquadra da Independência sai de seu berço rumo a um possível
contava com a nau Pedro I, a capitânia, três fragatas combate. No relato do frei, é possível perceber a im-
(Piranga, Paraguaçu e Niterói) duas corvetas (Maria portância desse marco, a sua fidelidade e devoção ao
da Gloria e Liberal), quatro brigues e três escunas, casal imperial e o seu orgulho em pertencer à Armada:
sendo que nem todas as embarcações se apresenta-
vam de maneira desejada. Os oficiais ingleses busca- Neste mesmo dia, ás 5:30 hs. da manhã,
vam capacitar ao máximo suas tripulações fazendo veio para bordo da Nau o Exmo. Almirante
manobras de velas, exercícios de artilharia e adestra- Lord Cochrane, Comandante em Chefe da
mentos de abordagem. É necessário destacar que a Esquadra; e logo depois de 6hs. chegaram
sede da esquadra brasileira era a cidade do Rio de Suas Majestades Imperiais, a quem tive a
Janeiro e que, após a declaração da Independência, honra de beijar as Augustas Mãos, e se de-
tornou-se a capital do Império. moraram até às 7:30hs., em que fizemos à
vela, continuando a honrar-nos com a sua
Como o cenário do norte do país permanecia
companhia até mui perto da Ilha Redonda.
conflituoso, tendo Salvador controlada pelo General
Nesta altura, pondo-se a Nau à capa, em-
Madeira em terra e pelo Almirante Feliz Campos no barcaram Suas Majestades Imperiais na sua
porto, e tendo ainda no Maranhão e no Pará o domí- Galeota, com seus criados, e se lhes deram
nio das Juntas de Governo portuguesas, no início de os vivas de costume, com uma salva de vinte
abril de 1823 a Esquadra Imperial Brasileira se lança e um tiros, bem como a Fortaleza de Santa
ao mar. Apesar de todos os adestramentos, a viagem Cruz lhes havia feito ao passarmos pela sua
frente. Suas Majestades Imperiais se digna- grandes até a proa, sem avaria de consequ-
ram de receber com muita satisfação, e em ência, e nos foi fazendo fogo até que pôde
pé na Galeota, com remos arvorados, o nos- arribar da Nau para a bater com a outra ba-
so cortejo, e assim se conservou a Galeota teria; a Nau imediatamente lhe fêz fogo, e
até que toda a Esquadra acabasse de passar. virando sobre ela com a Piranga ela fez for-
Constavam-se já 10 hs. da manhã quando ça de vela, e foi retirando com o resto das
tudo isto se deu por finalizado; e então mes- outras Fragatas, procurando a Nau D. João
mo, mareando a Nau o pano que tinha capa, VI, que com o resto das outras forças nos
prosseguisse o rumo de seu destino, voltan- procuravam pela retaguarda, para nos me-
do Suas Majestades Imperiais a demandar à ter em dois fogos; porém, como a Niterói,
barra para se recolherem à Cidade (DORES, Maria da Glória e Piranga correram sobre a
1957, p. 25-26).1 Nau inimiga, batendo ao mesmo tempo os
mais navios que podiam chegar, juntamente
com a nossa Nau, que as foi ajudando, obri-
Em 1823, uma esquadra suspende da Baía de Gua-
garam o inimigo a deixar sua empresa e a
nabara, com homens de diversas nacionalidades, reu- seguir caminho de seu porto, concluindo-se
nidos com o objetivo de unir um território, criar uma toda esta ação em menos de três quartos de
ideia de pertencimento em um país de dimensões con- hora (DORES, 1957, p. 47-48).
tinentais, em que o meio mais eficiente para o cumpri-
mento dessa missão era o mar. Além de consolidarem
Apesar desse intenso relato, notando a superiori-
um poder naval, ainda conseguiram a afirmação de
dade do inimigo, Cochrane retirou a esquadra para
um vasto território em um contexto de Independência.
um fundeadouro perto da Ilha de Tinharé, bem abri-
A desatracação do Rio de Janeiro foi um momento
gado, fazendo com que os portugueses desistissem de
de euforia e felicidade, mas os dias não foram tão fá-
persegui-los. Mas a situação na cidade de Salvador fi-
ceis assim durante a travessia. Sobre o trigésimo quar-
cou complicada, visto que o Primeiro Almirante fez
to dia de viagem, o Frei testemunha um encontro da
um bloqueio à cidade, apresou todas as embarcações
Esquadra Imperial Brasileira com navios do inimigo:
de abastecimento que se aproximavam da baía e, so-
mando a isto, chegaram notícias de que um exército
Continuaram as duas Esquadras na posição imperial se aproximava por terra. Para dar fim a este
descrita, e às 11hs. da manhã se atacou uma desafio, Cochrane atacou navios portugueses em seu
a outra, do mesmo modo que Lord tinha fundeadouro, causando confusão e provocando que
premeditado, posto que em todo se não efe- o General Madeira desistisse e embarcasse suas for-
tuassem seus planos pela falta de ordem que ças nos navios portugueses, passassem pelo bloqueio
a Nau teve em fazer fogo a uma das Fra-
e seguissem para Portugal. O Almirante iniciou uma
gatas do centro do inimigo, e as outras três
perseguição a eles, os navios imperiais atacaram o
que, retirando-se, nos faziam fogo. Parece
comboio português e muitos navios foram capturados;
incrível à vista de tão inspirado recurso, não
ficássemos sujeitos às duplicadas forças ini- depois de algum tempo, deu-se por encerrado e final-
migas, depois de contarmos com parte delas; mente a Bahia aderiu ao Império. Na obra Diário da
mas aproximando-se a nós pela proa a dita Armada da Independência, tem-se esta reflexão:
Fragata, ouviu em silencio a voz do Almi-
rante, que desta maneira lhe disse:-“Portu- A 2 de julho vejo o Lord com uma só Nau
guês, riende já tu Bandeira!” E logo sem per- acompanhar a Esquadra inimiga e aprisionar
der um momento, nem dar uma só palavra, em sua presença embarcações de seu com-
a mesma Fragata rompeu sobre a Nau Pedro boio. Vejo a Esquadra inimiga reunir-se e dar
Primeiro o fogo que pôde de artilharia com caça à nossa Nau, e esta sem receio dirigir-se
balas, granadas e metralha, desde as mesas para a terra, sem ser perseguida, como devia
pelo inimigo (se é que como inimigo a caça-
1
Foi respeitada a grafia original de época presente no diário. va), e finalmente fazer-se no bordo do mar,
da vida a bordo. Graças a esse documento, é possível NEVES, Lúcia Maria Bastos P. Da repulsa ao triunfo. Anais
se aproximar de outras facetas da independência, ainda do Museu Histórico Nacional. Ministério da Cultura/
nem tão exploradas pela historiografia. Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio
de Janeiro. Vol. 31,1999, pp. 35- 55.
CAPELANIA REALIZA
PEREGRINAÇÃO
AO CRISTO REDENTOR
No dia 25 de julho, a Capelania da Escola Naval realizou uma peregri-
nação de Aspirantes ao Santuário do Cristo Redentor. O local foi acessado
por meio de trilha que atravessa o Parque Nacional da Tijuca até o cume do
Corcovado, a 710 metros de altitude. O evento compreendeu a celebração
da Missa dominical realizada na Capela Nossa Senhora Aparecida, locali-
zada aos pés da famosa imagem do Cristo Redentor.
SIMPÓSIO DE CENÁRIOS DA
ESCOLA NAVAL (SCEN) – EDIÇÃO 2021
Nos dias 9 e 10 de setembro, a Escola Naval sediou
a edição 2021 do “Simpósio de Cenários da Escola
Naval (SCEN)”, cujo tema foi: “Navegando o futu-
ro com temas do presente: uma simulação didática”.
O evento, que ocorre anualmente, tem o objetivo de
promover o estudo e o debate de temas de defesa e se-
gurança com ênfase nos aspectos marítimos e navais.
Na ocasião, os 40 Aspirantes participantes foram
divididos em dois grupos: “Canopus” e “Sirius”. Cada
grupo ficou responsável por explorar um tema e “na- Participantes do Simpósio de Cenários da Escola Naval
vegou o futuro” ao realizar projeções da atuação da
Marinha do Brasil em diversos cenários. Enquanto o O evento acadêmico contou com a mediação e par-
grupo “Canopus” ficou responsável por “Pesca ilegal ticipação de Professores de Relações Internacionais e
no Atlântico Sul”, o grupo “Sirius” trabalhou o assun- pesquisadores do Laboratório de Simulações e Cená-
to “Pirataria no Golfo da Guiné”. rios (LSC) da Escola de Guerra Naval (EGN).