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A Psicologia Como Ciëncia e A Ciëncia Da Psicologia

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A Psicologia e a Invenção na Extensão Universitária

A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA E A CIÊNCIA DA PSICOLOGIA


Maria Luiza Marques Cardoso

1O artigo faz uma análise crítica da psicologia científica, seu percurso histórico e suas
implicações epistemológicas e ético-políticas para a teorização da subjetividade, bem
como para a formação universitária e prática profissional dos psicólogos. Descritores:
Psicologia Científica, Psicologia Social, Psicologia Política, Epistemologia da
Psicologia1.

INTRODUÇÃO

A Psicologia é ciência existente há pouco mais de cem anos. No Brasil, esta


ciência tem formação profissional, validada legalmente, há quarenta anos. Nesse
período, o que se observa na formação dos psicólogos é o foco de estudo e intervenção
voltado basicamente para os aspectos individuais da subjetividade humana. A
formação universitária em Psicologia têm prioritariamente focado o “eu” e deixado o
“nós” para segundo plano. Há a análise das relações familiares, relações escolares e
relações nos meios sociais, mas considerando-se suas conseqüências para a
constituição individual, íntima, privada de cada um. Prevalece, assim, o individual, o
singular. E isto parece atravessar a formação e as práticas de quase todos que se
formaram ou estão se formando como psicólogos. Muitas formas de intervenção, por
isso, trabalham o indivíduo e suas questões, restringindo-se aos aspectos subjetivos
individuais e privados. Isto evidencia-se nos trabalhos da Psicologia Clínica; mas
também a Psicologia Educacional e Organizacional focam, freqüentemente, o
indivíduo, sua adaptação ou não à sociedade e ao modus vivendi estabelecido. Diante
dessas considerações, psicólogos preocupados com a demarcação científica de seu
objeto de estudo e sua prática profissional podem argumentar que a análise das
relações sociais é matéria para as ciências sociais. Entretanto, deve-se questionar a
rigidez da demarcação dos campos de estudo quando se trata de ciências humanas.
Ademais, cabe indagar como os psicólogos podem ter a convicção de que é possível
“acordar” um sujeito do limbo individualista, narcisista e egoísta que vive a grande
maioria de homens e mulheres na atualidade com um trabalho focado somente na
dinâmica subjetiva privada e íntima do indivíduo, pinçando-o de sua dinâmica social.
Como conseqüência, os psicólogos, freqüentemente, negligenciam os aspectos sociais,
políticos e ideológicos que existem na sua formação e prática, não analisando sua
implicação política quando atuam em qualquer instância, individual ou institucional.
Diante do exposto, há que se questionar se a Psicologia, ao instituir e validar uma
formação acadêmica e uma prática profissional como a descrita, não se coloca a
serviço dos interesses e da ideologia dominantes. Ao focar apenas a dinâmica
subjetiva individual, privada, íntima, a Psicologia não desconsidera sua própria
implicação na reprodução das sociedades capitalistas, no seio das quais surgiu
enquanto ciência e vem se desenvolvendo, e de diversos aspectos perversos de sua
lógica social? E mais, a Psicologia não está desconsiderando que os indivíduos devem
se haver não apenas com suas questões individuais e íntimas e seu desejo, mas
também com a relação destes com as exigências e imposições da ordem social?A
autora considera que as respostas às perguntas são geralmente positivas. Assim,
pretende demonstrar a necessidade da instituição de uma psicologia crítica e não
apenas instrumental, que se dê conta de suas próprias contradições e da efetiva
extensão de seu âmbito de atuação, não restrito aos sujeitos considerados
individualmente. Cumpre, pois, discutir uma formação e práticas da Psicologia mais
implicadas social e politicamente, que proporcionem não só a libertação na esfera
subjetiva individual dos sujeitos, mas também a sua libertação cidadã, capacitando-os
a se orientar de forma positiva, em termos ontológicos, epistemológicos e axiológicos,
no interjogo de relações entre suas questões subjetivas e as questões sociais que os
atravessam.

PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS PARA O SURGIMENTO DA PSICOLOGIA


CIENTÍFICA

2.1.Um sobrevôo pela Modernidade

A história da Psicologia Científica está diretamente relacionada com a noção


de sujeito individual e privado, que vai se constituindo, ainda que suas raízes tenham
determinação muito anterior, com o desenvolvimento do período histórico
denominado Modernidade. A Modernidade se refere a um enorme projeto civilizatório
que perpassa os diversos campos de constituição das sociedades, inicialmente e
principalmente das sociedades ocidentais ditas desenvolvidas, a partir dos séculos XV
e XVI. Ocorreram grandes acasos, impressionantes encontros e extensas sínteses de
elementos para que, nos séculos seguintes e até hoje, referido projeto se desenrolasse,
obtendo resultados universais e consolidando a máquina social capitalista, afetando,
ademais, as concepções filosóficas, religiosas, artísticas, morais, políticas, econômicas,
científicas e subjetivas existentes até então, produzindo uma nova concepção de
mundo e de homem. Durante muitos séculos até o século XV, as idéias predominantes
no mundo que denominava a si mesmo “civilizado” – a Europa Ocidental – baseavam-
se numa organização social em que a produção, a lei e os costumes relacionavam-se de
forma estável e profunda com as concepções religiosas e filosóficas teocêntricas. Este
período, conhecido como Idade Média, foi marcado pela força do sagrado e da Igreja
Católica, considerada a legítima detentora na Terra do poder e do saber advindos de
Deus. A produção e a vida social eram organizadas em feudos, em um sistema
econômico essencialmente agrícola e comunitário, onde havia uma grande
dependência entre servos e senhores, vassalos e suzeranos, leigos e clérigos. O senhor
ou a Igreja se comprometia a proteger o servo, camponês, vassalo ou arrendatário em
troca de boa parte da produção deste. Diante da realidade de guerras e pragas que
marca o período, esta estrutura feudal se sustenta. Entretanto, de forma lenta e
sangrenta, a sociedade feudal deu lugar à Modernidade e à estrutura social que nela se
constitui. Inicialmente, o processo deveu-se ao desenvolvimento das grandes cidades-
Estados do Norte da Itália, durante os séculos XIV e XV, e ao crescimento de uma rica
classe comercial educada, política e secular. A corrupção da Igreja e o aparecimento
do racionalismo combinaram-se para minar a síntese católica e conduziram num
primeiro tempo a esse interlúdio que designamos por Renascimento, a que se seguiu a
Reforma. (Osborne, 1997, p. 66) O movimento artístico e literário do Renascimento
foi marcado pelas críticas humanistas ao medievalismo. Com efeito, a concepção
totalizante teocêntrica começa a dar lugar a um pensar o homem como ser moralmente
autônomo, capaz de gerir sua vida e capaz de determinar, por si, seus desejos e
atitudes. A Reforma, por sua vez, representou uma ferrenha e fundamentada crítica à
estrutura burocrática e corrupta de Igreja Católica e trouxe um novo olhar religioso
sobre os homens e as sociedades. As doutrinas protestantes, principalmente a
calvinista, propunham a livre interpretação da Bíblia, a separação entre Igreja e Estado
e a valorização do trabalho. Esta valorização muito agradou à classe comercial
burguesa incipiente, uma vez que o lucro deixa de ser visto como usura e o trabalho
passa a ser sua justificativa, impulsionando o mercantilismo que cresce na Europa
Ocidental. A estas idéias que eclodem nos séculos XV e XVI, somam-se os fatos.
Estes, com efeito, referendam aquelas. Neste período, ocorrem avanços tecnológicos
na mineração e metalurgia e avanços na técnica da pintura. Há o desenvolvimento
náutico, cujo resultado foram as grandes cruzadas ultramarinas. Desenvolve-se a
química, no lugar da alquimia e a astronomia, no lugar da astrologia. E surge a
imprensa, que proporciona um importante acontecimento para a consolidação da
Modernidade: a leitura silenciosa. O ato de ler sai, com isso, do âmbito
comunitário e de seu controle, e possibilita um diálogo interno que desenvolve
pontos de vistas pessoais e íntimos. Ademais, inaugura-se um novo paradigma
perceptual e intelectual com as descobertas de Copérnico (1473-1543) acerca do
funcionamento heliocêntrico do sistema solar. Copérnico produz verdadeira revolução
ao basear-se em uma construção racional, e não divina, da realidade a ser comprovada
por métodos de verificação sistemáticos. Em termos econômicos e sociais, verificou-se
também profundas mudanças na passagem para a Modernidade. As referências
comunitárias, fortes no regime feudal, são substituídas por referências individuais com
o crescimento dos burgos e do mercantilismo. No lugar das comunidades produtivas,
surgem indivíduos livres produzindo ou vendendo sua força de trabalho a proprietários
privados. A decadência política da Igreja e a necessidade dos emergentes
mercantilistas do patrocínio dos reis para suas viagens e expansões de mercado,
inclusive ultramarinas, produzem o fortalecimento dos Estados Nacionais. Os Estados
Nacionais, de fato, são os empreendedores da economia mercantilista e, em
contrapartida, mais e mais arrecadam e crescem com a expansão comercial e com os
tributos pagos pelos comerciantes burgueses. Quanto mais o Mercantilismo se
consolida, mais os Estados Nacionais se fortalecem e tornam-se Estados Absolutos,
referendados ainda pelos filósofos do período, como Nicolau Maquiavel (1469-1527),
Thomas Hobbes (1588-1679), Hogo Grotuis (1583-1645), entre outros. Neste
contexto, vive-se um grande ceticismo diante da falta de valores e caminhos seguros
para a busca da verdade, após o declínio teocêntrico. À descrença cética soma-se o
individualismo nascente. Esta realidade acaba por produzir duas reações: a reação
empirista, preconizada por Francis Bacon (1561-1626), e a reação racionalista,
preconizada por René Descartes (1596-1650). Ambas procuram estabelecer novas e
mais seguras bases para as crenças e para as ações humanas. Descartes aposta na
razão, como o meio para a verdade. Em sua visão racionalista, a única certeza passível
aos homens é a existência de um “eu”, que se torna, a partir de agora, o fundamento de
todo o conhecimento. A verdade não está mais em algo transcendente; a representação
correta do mundo reside no próprio homem, é interna. Bacon, por sua vez, considera
que a razão, deixada em total liberdade pode se tornar por demais especulativa e
delirante. Assim, busca dar à razão uma base empírica, através dos sentidos
purificados, libertados dos erros e ilusões a que estão submetidos no cotidiano, através
do Método. Bacon e também Descartes são grandes pioneiros modernos na
preocupação com o Método na produção de conhecimentos filosóficos e científicos, o
que vai marcar profundamente o projeto civilizatório moderno. As transformações
sociais ocorridas dos séculos XV ao XVII culminam nos eventos ocorridos no século
XVIII. Neste, as mudanças na mentalidade humana e a crescente insatisfação da
burguesia, que se tornara forte economicamente, mas não detinha efetivo poder
político, destinado aos reis e à nobreza, fazem florescer o movimento filosófico
conhecido como Iluminismo. Além disso, o desenvolvimento das ciências
experimentais, suas descobertas, novas teorias e produção de tecnologia dão as
condições para o surgimento da indústria. O Iluminismo preconiza a valorização do
homem, que passa a ser visto não mais como um depravado inato, mas como um ser
dotado de capacidades racionais cuja boa vida na Terra depende da libertação da
mente da ignorância e da superstição. A vida na Terra passa a ser o próprio objetivo do
homem, e não mais a vida depois da morte. Ademais, libertado da ignorância e dos
poderes arbitrários dos Reis Absolutistas, o homem é capaz de progresso e perfeição.
A liberdade e a igualdade dos homens, tidos como seres individuais, são dois pilares
do Iluminismo. Todos os homens são considerados livres e iguais. Apesar de iguais,
têm interesses próprios e individuais, que devem ser compatibilizados através da
fraternidade. O indivíduo que tem livre arbítrio e pode participar livremente do
mercado, com sua força de trabalho (seus talentos) e suas necessidades (reais ou
criadas) de consumo é, antes de mais nada, um ser dotado de Razão. E essa razão é o
instrumento de liberdade do homem. (Gonçalves, 2001, p.42) Estes preceitos vão ser
fundamentais para o liberalismo burguês e para o desenvolvimento da ciência moderna
e vão orientar as grandes transformações sociais deste século. Com efeito, a grande
produção filosófica iluminista vai gerar conhecimentos e aplicações destes que
fortalecem, cada vez mais, visões racionalistas, deterministas, mecanicistas e liberais,
focadas na eficácia e eficiência humanas. Estas visões abrangem as produções
culturais, a organização social e política, a economia e a produção científica, e
atendem às aspirações da emergente classe burguesa, progressivamente mais forte
econômica e politicamente, em virtude da riqueza que acumula no comércio e, mais
tarde, nas fábricas, com o desenvolvimento industrial. A indústria, de fato, se
desenvolve uma vez que a razão humana passa a figurar como ponto central na busca
do conhecimento, o que permite uma produção tecnológica abundante nos séculos
XVII e XVIII. Outro fator para o desenvolvimento industrial é a valorização do
trabalho, como uma virtude necessária para o ser humano. O crescimento da indústria,
em contrapartida, reforça a crença na razão e na importância do trabalho. Como
conseqüência do crescimento das indústrias, a Europa Ocidental assiste ao aumento
progressivo da especialização e da competição entre os homens, além do surgimento
do mercado de bens e do mercado de trabalho. Neste contexto, nascem os movimentos
sociais para a implantação dos ideais iluministas e liberais encabeçados pela
burguesia. Assim se dão as Revoluções Burguesas que ocorreram no final do século
XVII e século XVIII, que consolidam o projeto civilizatório moderno, baseado na
razão humana e na acumulação de capital, o qual vai, posteriormente, ganhar
proporções planetárias. A Revolução Gloriosa na Inglaterra, em 1688, a Revolução
Norte-Americana, em 1776, e a Revolução Francesa, em 1789, são exemplos famosos
de movimentos sociais que vão propagar os ideais burgueses. O direito à propriedade
privada, ao livre mercado, à democracia, a um Estado Liberal, à liberdade individual, à
igualdade e à fraternidade entre os homens são os pressupostos básicos, defendidos e
implantados por estas revoluções, cada qual com suas especificidades, para uma vida
supostamente mais justa e feliz sobre a Terra. Diante de todas as transformações na
mentalidade e na sociedade ocidental já descritas, a ciência vai galgando espaço para
se tornar o lugar privilegiado para a busca do conhecimento e da verdade. Influenciada
pelos preceitos e métodos de filósofos e cientistas do período, valendo ressaltar, entre
eles, Francis Bacon (1561-1626), Isaac Newton (1642-1727), René Descartes (1596-
1650), Jonh Locke (1632-1704) e, posteriormente, Immanuel Kant (1724-1804), a
ciência moderna estabelece um projeto epistemológico que centra no homem, em sua
razão e em sua capacidade de observação neutra e imparcial a possibilidade de se
atingir o conhecimento total e fiel da realidade: a razão viabiliza que o homem
conheça e coloque a realidade a seu serviço. Contudo, os conhecimentos do homem,
baseados na razão, devem ser objetivos. A objetividade é necessária e a subjetividade
deve ser controlada pelo Método Científico. Para tanto, apostava-se na capacidade dos
cientistas em ter a mente limpa de preconceitos e interferências subjetivas para libertar
seus canais sensoriais e apreender verdadeiramente os fenômenos. Institui-se, com
isso, a separação entre a mente, na sua suposta liberdade e eficiência, e o corpo,
prisioneiro dos determinismos naturais e condições sociais. Acreditava-se, com isso,
que finalmente o homem havia descoberto o caminho do conhecimento certo e
verdadeiro. Esse caminho era a ciência. A ciência, orientada pelo poderoso método
científico-experimental indutivo, poderia chegar às verdades exatas, verificadas e
confirmadas pelos fatos. O crescimento da ciência seria acumulativo, através da
superposição de verdades demonstradas pelas provas fatuais geradas pelas observações
particulares e pelos experimentos. Foi o início do surgimento do cientificismo, isto é,
da crença de que o único conhecimento válido era o científico e de que tudo
poderia ser conhecido pela ciência. Todo o conhecimento, para ter valor, deveria ser
verificável experimentalmente e apresentar provas confirmadoras de sua veracidade.
(Köche, 1999, p. 58)Assim, a ciência moderna “parece ter-nos levado a um lugar de
verdade que o nome de “Deus” servia para designar” (Japiassu, 1982, p.9). O poder do
conhecimento estava, pois, desde então e cada vez mais, nas mãos da ciência, com
seus métodos e pressupostos irrefutáveis, em contraposição aos conhecimentos do
senso comum e aos métodos metafísicos da filosofia.

2.2.A constituição do Sujeito Moderno

Diante das transformações que marcam a Modernidade, o homem passa a ser


considerado como ser individual, em virtude da valorização de cada um como peça
singular autônoma e produtiva inserida no contexto social, conforme os postulados
liberais do capitalismo industrial, que são mais e mais disseminados e arraigados na
cultura ocidental daquele tempo e até hoje. Cada indivíduo é um ser moral que
possui direitos derivados de sua natureza humana. Somos indivíduos e somos
iguais, fraternos e livres, com direito à propriedade, à segurança, à liberdade e à
igualdade. (...) Por que surgiam essas idéias liberais? Por que o capitalismo precisava
delas; precisava pensar o mundo em movimento, para explorar a natureza em busca de
matérias-primas e para dessacralizá-la. O capitalismo precisava do indivíduo, como
ser produtivo e consumidor. (Bock, 2001, p. 18-19) Ao individualismo, vem
conectada a noção de vida privada. Os seres humanos, desse modo, não só se
individualizam, mas também se privatizam – ou são privatizados, na Modernidade. A
privatização se reflete em todas as instâncias da vida social; a vida comunitária vai
dando lugar, paulatinamente, ao espaço privado de vida. As casas modificam sua
arquitetura para reservar lugares privados para seus diferentes habitantes; os nomes
tornam-se individualizados; o trabalho sai da casa e vai para a fábrica, loja ou outro
espaço destinado a este fim; a casa torna-se espaço próprio da família. Esta família,
por sua vez, vai se tornando nuclear, nos moldes burgueses que se disseminam: pai,
mãe e filhos. Sua estrutura delega à figura materna o cuidado com os filhos e a
provisão do lar torna-se dever/poder do pai, esposo, “chefe do lar”. A privatização
ganha, inclusive, o caráter de direitos invioláveis. A estrutura estatal, que vai se
configurando com o Estado Liberal de Direito após as revoluções burguesas, tem
como atribuições a proteção aos direitos individuais e privados. O Estado passa, desse
modo, a ter o dever de garantir o direito à intimidade e à vida privada, a casa como
asilo inviolável, a inviolabilidade das correspondências e documentos pessoais. Junto à
privatização social, desenvolve-se a privatização subjetiva. Com efeito, a afirmação
da experiência de individualidade culmina com a constituição da subjetividade
privatizada. Desenvolve-se a noção de mundo interno, composto de elementos
singulares, pessoais, privados, individuais, de cada um; fortalece, cada vez mais, o
sentimento de “eu”. Contudo, parte-se do pressuposto liberal e determinista do projeto
civilizatório moderno de que, não obstante as características individuais e privadas,
todos os seres humanos são dotados da razão e de capacidade laboral. Os seres
humanos são assim todos iguais e devem ser livres para poder desenvolver suas
potencialidades humanas. Vive-se, ademais, a dicotomia entre a mente, racional,
perfeita, capaz de encontrar a verdade e fazer os homens se desenvolverem na
sociedade liberal que se instaura, e o corpo, finito e limitado, que é delegado a um
segundo plano existencial. Neste contexto em que a subjetividade tem o estatuto de
infalível, se regida pelo método, pela liberdade individual, pela dedicação ao trabalho
e pela vontade humana, nada semelhante à psicologia parece poder se constituir. Mas é
em virtude mesmo da privatização dos indivíduos e das cisões nas experiências
subjetivas que a psicologia surge, para dar conta dos fracassos do supostamente
inerrante projeto logocêntrico moderno (Figueiredo, 1995).
Crise da Modernidade e do Sujeito Moderno – a brecha para a “Como alguém
veio a dizer ‘tudo acabou por falhar’.” Richard Osborne

Por diversos caminhos, o século XIX assiste a críticas à onipotência do “eu” e


da razão. De fato, já no final do século XVIII, o Romantismo - movimento literário,
cuja extensão se deu em vários campos sociais – traz uma crítica à visão racionalista
defendida por Descartes e por grande parte dos filósofos iluministas. Contrapõe à
visão do homem como ser racional, capaz de apreender pela razão a verdade das
coisas, a idéia do homem como ser passional, sensível, cuja profundidade a razão
desconhece. Aquilo que na “fundação” da modernidade deve ser excluído do “eu” ou
mantido sob o férreo controle do Método parece agora invadi-lo. A razão é destronada,
o Método feito em pedaços e o “eu” racional e metódico é deslocado de dentro da
subjetividade e tomado agora como uma superfície mais ou menos ilusória que
encobre algo profundo e obscuro. (Figueiredo, 2000, p. 35) Entretanto, o Romantismo
mantém a grande valorização, que caracteriza a Modernidade, na individualidade,
liberdade, intimidade e privatização do homem. Os homens, para desenvolverem sua
sensibilidade e seus dons deveriam mergulhar em si mesmos, o que reflete o alto grau
de individualismo e solidão proposto pelo movimento romântico. Mas a sociedade
ocidental continua em transformação.

Assim, às críticas românticas somam-se outras. O século XIX assiste ao


desenvolvimento da grande indústria, após longos séculos de mudanças políticas,
econômicas e tecnológicas. Há a descoberta da siderurgia, que passa a fabricar aço, no
lugar do ferro. O vapor é substituído pela eletricidade e pelo petróleo. Cada vez mais,
há especialização técnica – e também social - do trabalho. A produção passa a ser mais
padronizada e mecanizada. Os centros industriais e urbanos crescem e se multiplicam.
Cresce também o consumo dos produtos industriais. Mais indústrias implicam em
mais acumulação de capital para a burguesia, que vê surgir ainda a especulação
financeira e os grandes monopólios empresariais. Os reflexos sociais desse contexto
retratam uma realidade muito distante dos ideais liberais e iluministas do século
anterior. A estrutura de classes sociais se consolida no capitalismo industrial /
financeiro.

Figura uma enorme discrepância de condições sócio-econômicas entre a classe


burguesa rica, limpa e púdica e o enorme contigente de mão-de-obra, empregada ou
não, que “incha” os centros urbanos, vivendo em situações precárias ou mesmo, em
muitos casos, deploráveis. Ademais, a classe proletária, para dar conta do trabalho
técnico que a grande indústria agora exige, deve ser treinada e disciplinada. Cumpre
salientar, e este é um aspecto fundamental, que o treinamento disciplinar não vai se
restringir aos aspectos técnicos e nem somente à classe operária. Em verdade, o
século XIX assiste à implantação de um sutil, mas eficiente sistema de docilização
e domesticação dos indivíduos em todos os níveis, que determina conhecimentos,
padrões de condutas, sentimentos, emoções individuais, desejos, até necessidades
a serem incorporadas pelos membros de todas as classes sociais, em prol do
capital, da produção e do consumo. Este Regime Disciplinar, como nos mostra
Figueiredo (2000), atravessa, penetra e se faz disseminar, ainda que de formas
dissimuladas, em todas as grandes agências sociais, como as escolas, as fábricas, as
prisões, os hospitais, os centros científicos e tecnológicos, os meios de comunicação
de massa e os órgãos do Estado, cuja estrutura e atuação social vão se modificando
profundamente.

Com efeito, o Estado liberal, cuja principal atribuição era o poder de polícia
para garantir a liberdade individual e o respeito aos direitos de cada um, dá lugar a um
Estado intervencionista, estruturado de forma complexa e burocrática, mais e mais
responsável pelas condições de vida do povo e pela educação / docilização deste.
Responsável, ainda, por controlar os movimentos operários e garantir a boa ordem e o
progresso social, ou melhor, burguês. Diante dessa realidade, deve-se perguntar como
fica a onipotência do “eu”, até então certo de sua liberdade e de sua igualdade com os
demais homens e certo de que a conquista de um status social e econômico
privilegiado dependeria simplesmente de sua vontade e da utilização correta da razão?
A subjetividade privada e individual, supostamente livre e destemida, entra em crise.
A realidade social estampa a ilusão da liberdade, da igualdade e da fraternidade, e
mostra, em contrapartida, o choque entre as classes sociais, a exploração do homem
pelo homem, o controle disciplinar e social, a guerra entre nações pelos mercados
consumidores e pelo imperialismo nos mercados de matéria-prima internacionais, o
consumo em massa de produtos, de serviços, de estilos, de informações. Está criado o
terreno para crises na existência subjetiva, sentimentos de desamparo, de solidão, de
culpa, de enorme responsabilidade; os controles e as exigências sociais dão ao homem
uma grande sensação de vazio e de desconhecimento de si (Figueiredo, 2000). Mas
estes sentimentos se tornam tão fortes e evidentes neste período histórico em virtude
da grande eficiência plástica do capitalismo e de sua lógica social, que vão determinar
o controle do homem não apenas através de ações externas ao sujeito, mas também em
sua própria subjetividade. Desde a sua mais tenra idade, e mesmo que seja apenas
em função daquilo que elas aprendem a ler no rosto de seus pais, as vítimas do
capitalismo e do “socialismo” burocrático são corroídas por uma angústia e uma
culpabilidade inconscientes que constituem uma das engrenagens essenciais para o
bom funcionamento do sistema de auto-sujeição dos indivíduos à produção. O tira e
o juiz internos são talvez mais eficazes do que aqueles do ministério do Interior e da
Justiça. (Guattari, 1981, p. 13)

Em virtude dos elementos abordados, sem excluir outros que venham a ser
analisados mais adiante, observa-se que os eventos ocorridos ao longo da
Modernidade abrem o espaço necessário para a elaboração de uma ciência que vai ter
como principal objetivo dar conta da subjetividade deste momento histórico, pois:
constitui-se uma concepção de ser humano e uma realidade em que os homens passam
a se ver como individuais, responsáveis por seus atos, moralmente autônomos, dotados
de intimidade e de uma noção de mundo interno; esta subjetividade, diante das
transformações que vai vivenciando ao longo da Modernidade, entra em crise
existencial e passa a buscar respostas para suas questões; esta subjetividade precisa ser
controlada pelas Disciplinas em prol dos interesses do capital, da produção e do
consumo; entre as formas de controle, a talvez mais eficiente, e que deve pois ser
devidamente trabalhada e estudada, é a que se dá internamente, pela própria
subjetividade nela mesma. Assim, está criado o terreno para o surgimento da
psicologia como ciência da subjetividade, para dar conta do questionamento
existencial do homem, via de regra, para adequá-lo ao modus vivendi estabelecido e
para viabilizar o controle deste mesmo homem.
3. O SURGIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA

3.1. Uma questão preliminar “Que o lugar científico da psicologia seja


considerado ‘legítimo’ é o que nos convida a perguntar sobre o ‘sentido desta
legitimidade’ e o seu ‘lugar’ na sociedade moderna.” Didier Deleule

Ao analisar a constituição da psicologia científica surge, a priori, uma


questão, bem assinalada por Deleule (1972): por que a psicologia, incorporada à
filosofia até o século XIX, teve que romper neste momento com o discurso filosófico e
se constituir como ciência? Esta questão fundamenta-se no fato de que a filosofia
sempre tratou, de acordo com as peculiaridades de cada momento histórico, das
questões que concerniam às crises existenciais dos homens, aos fatos da consciência, à
“alma” e ao “espírito”. Por que então estas questões, agora tratadas sobre o primado do
termo “subjetividade”, procuraram um outro lugar para suas respostas, qual seja a
ciência moderna? Como já dito, a ciência vai ocupando, ao longo da Modernidade, um
lugar privilegiado na produção dos saberes.

Com efeito, arraiga-se na sociedade moderna a crença do que o único


conhecimento válido é o conhecimento científico. Contudo, deve-se salientar que a
ciência não ficou inerte aos questionamentos que tomaram o século XIX e criticaram a
onipotência racional do sujeito epistêmico e o método seguro para o encontro da
verdade absoluta. De fato, no seio da própria ciência, estes questionamentos produzem
uma nova proposta epistemológica no final do século XIX e início do século XX. A
proposta científica em vigor até então entra em crise, junto com a subjetividade que
tenta constituir. Einstein é considerado por Köche (1999) um dos principais
responsáveis por esta ruptura epistemológica, pois demonstra o papel fundamental da
imaginação, da emoção e da criatividade humanas para a produção do saber científico
e mostra que, por maior que seja o número de provas a favor de uma teoria, ela
nunca pode ser tida como definitivamente confirmada. Assim, cai por terra a ilusão
do encontro com a verdade absoluta através de um método perfeito. As investigações
passam a ser orientadas conforme as características do problema a ser investigado, as
hipóteses postuladas, as condições conjunturais e a habilidade crítica e capacidade
criativa do pesquisador.

A ciência passa a operar através do método hipotético-dedutivo. Mas, de todo


modo, o contexto experimental continua em vigor. E deve-se observar que se, por um
lado, os métodos da ciência se modificam, por outro, o seu lugar social permanece
intacto, ou ainda, cada vez mais fortalecido. Os experts passam, como nos mostra
Baremblitt (1998), a ocupar um lugar de status e reconhecimento social. Eles
sabem; eles podem, por isso, dizer aos demais seres humanos, integrantes da
desdenhada categoria do senso comum, o que precisam usar, o que necessitam
consumir, o que faz bem, o que faz mal, como curar, como adoecer, o que é
perigoso, o que pouco importa, o que foi, afinal, “cientificamente testado”. E
porque não dizer também o que pensar, como pensar, o que sentir, como se
comportar, o que desejar, o que, enfim, é a subjetividade?

Em verdade, o homem moderno e sua subjetividade se constituem através dos


eventos, encontros e fluxos históricos que configuram a Modernidade. Assim, esta
subjetividade é uma experiência humana própria do contexto moderno. É também um
signo que permite a expressão dessa experiência, a designa, modifica-se com ela e a
transforma. Além disso, a subjetividade como signo adquire estatuto de conceito
teórico no interior da psicologia, ciência que surge no final do século XIX como o
lugar privilegiado do saber sobre as experiências subjetivas e que, em contrapartida,
afeta e orienta essa experiência.

Como postula Gonçalves (2001), o desenvolvimento da ciência psicológica


mostra como a construção do conceito teórico “subjetividade” está contextualizada
historicamente, expressando as indagações oriundas do capitalismo que se desenvolve
e cujas respostas são postas historicamente por essa realidade e pelo correspondente
conjunto de idéias que a representa. Ademais, o conceito ou conceitos produzidos são
incorporados pelas experiências humanas deste período, o que modifica as próprias
experiências.

3.2. O primeiro passo: o laboratório de W. Wundt

Em 1879, com o laboratório experimental fundado pelo alemão W. Wundt


(1832-1920), surge a psicologia científica. Resta-nos perguntar: a que veio esta
ciência?

A psicologia científica, em sua origem, apropria-se de um conjunto de técnicas


experimentais, já consideradas historicamente como científicas, válidas e eficazes,
para estudar aspectos concernentes à subjetividade humana. O que se observa, de fato,
é que a psicologia tenta aplicar, embora não sem sacrifício, a metodologia e as
concepções próprias das ciências da natureza em busca de sua cientificidade. A este
respeito, é ilustrativa a fala de Wundt, citada por Deleule: “Nada se dá em nossa
ciência que não encontre sua base fundamental sensorial em uns processos físicos
determinados” (1972, p. 49). Wundt, inicialmente, funda a psicologia experimental,
procurando analisar os fatos da consciência, a experiência consciente. Propõe, para
tanto, o método analítico-sintético, um apelo à introspecção para se observar e
quantificar a consciência. A análise empreendida por Patto (1984) nos mostra que, no
contexto político-econômico da época, os fatos da consciência precisavam ser
mensurados e quantificados numericamente, com o intuito de controle sobre o
indivíduo e seu corpo. Entretanto, o próprio Wundt se depara com contradições ao
empreender os estudos do homem e dos aspectos da experiência consciente existentes
na subjetividade moderna. Percebe que o método da introspecção não seria capaz de
apreender devidamente os processos volitivos e da consciência dinâmica, a que
chamou de “processos superiores”. Propõe, desse modo, uma psicologia social, que
usaria métodos de comparação entre culturas para conhecer estes processos. Assim, é
possível constatar que já na constituição e desenvolvimento inicial da psicologia
científica, com o laboratório de Wundt, algumas questões fundamentais se apresentam
para esta ciência, as quais merecem ser pontuadas.

Em primeiro lugar, a psicologia científica não nasce como ruptura das


concepções até então dominantes, seja em termos filosóficos, científicos, econômicos,
sociais e ideológicos. Ao contrário, referenda as propostas dominantes, produzindo
todo um aparato técnico e teórico que vai se adequar e ser utilizado de acordo com
interesses historicamente determinados. Ademais, a psicologia tenta aplicar os
métodos das ciências da natureza para entender e explicar seu objeto de estudo – o
homem e sua subjetividade, entendida em seus diversos aspectos – por considerar que
o caminho de todo o conhecimento científico deve passar pela determinação de
relações quantitativas, pela construção de hipóteses e pela verificação experimental
(Foucault, 1999). Isto reflete, por um lado, a busca de uma adequação da psicologia
aos parâmetros, epistemologia e também ao status político-social das ciências naturais.
Contudo, trata-se de um projeto que, em nome de certa forma de construção do
conhecimento, desconsidera as especificidades e contradições próprias do objeto da
psicologia em particular e das ciências humanas em geral, qual seja o homem. Por
outro lado, a proposta de Wundt de construir duas psicologias – uma experimental e
outra social - para dar conta de explicar o homem demonstra que, “já em seu
nascimento a psicologia carregava as contradições do humano, sem que fossem
percebidas como tais e sem que se pudesse pensar em uma ciência unificada” (Bock,
2001, p.16). E, ainda, a emergente ciência psicológica vai tentar, conforme Gonçalves
(2001), dar conta dos desafios que envolvem a tentativa de ser objetiva no estudo da
subjetividade, o que implica, em última análise, lidar com as dicotomias que estão
arraigadas em toda a lógica social e intelectual capitalista: subjetivo x objetivo,
interno x externo, social x individual, corpo x mente, natural x cultural, razão x
sociedade, autonomia x determinação, inclusão x exclusão. Dicotomias que, por
sua vez, remetem aos processos ideológicos de dominação que constituem a
Modernidade.

Diante dessas considerações, cumpre analisar como vem se dando o


desenvolvimento da psicologia científica nesses cento e vinte e dois anos de
existência; como, de fato, essa ciência tem lidado com as questões acima levantadas,
as quais constituem aspectos fundamentais de sua realidade em termos
epistemológicos, éticos e políticos.

4. A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA E A CIÊNCIA DA PSICOLOGIA

4.1. A psicologia e as psicologias

O que se observou, após o surgimento do laboratório de Wundt, foi a


constituição de várias correntes dentro da ciência psicológica, correntes que vão focar
diferentes aspectos do homem como o objeto de estudo da psicologia, ora
privilegiando o interno, ora o externo nas observações e análises científicas. Dentre
elas, destacam-se:

²Estruturalismo

O estruturalimo de E. Titchener (1867-1927) abandona a proposta de Wundt


acerca de uma psicologia social, dedicando-se a desenvolver o método introspectivo, a
fim de aumentar a objetividade no estudo da estruturação das experiências básicas.
Titchener concebe o ser humano como dotado de uma estrutura que permite a
consciência das experiências vividas.

²Funcionalismo

O funcionalismo de W. James (1842-1927) e seus procedentes considera o ser


humano como organismo que funciona em um ambiente ao qual se adapta. Assim, os
funcionalistas buscam a objetividade nas relações do organismo com o meio,
atribuindo à consciência uma funcionalidade pragmática. Ainda dentro de uma
proposta funcionalista, pode-se apontar a teoria de K. Lewin (1890-1947),
desenvolvida nas décadas de 1940 e seguintes e que teve grande aplicação, e ainda têm
influência, em trabalhos realizados por psicólogos em grupos e comunidades, mas
principalmente em organizações. Lewin propõe um trabalho com grupos formados
artificialmente, onde são discutidas a cooperação, a coesão grupal, as interações, a
criatividade, a solução de problemas. Esta metodologia, somada à teoria das relações
humanas de Elton Mayo, lançou as bases para o que veio a ser conhecido em
administração de empresas como DO – desenvolvimento organizacional, cujas
propostas se baseiam na boa adaptação dos funcionários ao ambiente laboral, através
de sua devida participação no processo produtivo, de sua motivação e de sua
integração nas relações humanas no trabalho.

²Behaviorismo

O behaviorismo ou reflexologia, a partir do americano J. Watson (1878-1958),


passa a pensar o ser humano como produto de condicionamentos. Importa, então, o
estudo do comportamento humano, único aspecto da subjetividade que os
behavioristas consideram como efetivamente passível de ser analisado objetivamente.
A psicologia, desse modo, entendida como ciência do comportamento, tem a tarefa de
prever a resposta do organismo humano conhecendo o estímulo; dizer o estímulo
conhecendo a resposta; estudar, enfim, como se comporta o ser humano para se
adequar e ser adequado ao meio.

²Gestalt

A gestalt, influenciada pela fenomenologia, valoriza as experiências vividas e


os significados que os seres humanos dão a suas experiências. A partir dos estudos
sobre “movimento aparente” realizados pelo precursor dessa teoria, o alemão M.
Wertheimer (1880-1943), a gestalt afirma que o todo é diferente da soma de suas
partes e que as partes têm que ser vistas de acordo com o lugar, papel e função que
ocupam no todo. E propõe a superação do objetivismo analítico, considerando o
estudo das experiências como a possibilidade de entendimento da “subjetividade
global”.

²Psicanálise

A psicanálise, com S. Freud (1856-1939) e seus seguidores, inova as propostas


de entendimento do homem colocadas até então pelas outras correntes da psicologia.
Com efeito, a psicanálise vai propor uma nova concepção de sujeito, qual seja o
sujeito edipiano, que se caracteriza por sua energia pulsional, por sua habilidade como
ser falante e por ser um “sujeito barrado”, constituído por determinações do
inconsciente, que se estrutura como linguagem. Assim, o homem passa a ser visto não
mais somente como um ser dotado de consciência e razão, mas dominado por forças e
determinações que em grande medida desconhece. A compreensão deste homem e da
estrutura – neurótica, psicótica ou perversa – que o constitui, bem como dos desvios
anormais e sintomáticos de sua personalidade, devem ser trabalhados, para uma
adaptação saudável dos sujeitos à civilização, através do método clínico psicanalítico.

²Cognitivismo

O cognitivismo nasce nos Estados Unidos na década de 60, objetivando estudar


os processos mentais, tais como o pensamento, a memória, a percepção, a atenção, a
resolução de 1. Ainda que para alguns a psicanálise não possa ser considerada como
uma “corrente” da Psicologia Científica, é notória a sua influência nas concepções,
estudos e práticas dos psicólogos e outros ramos científicos, razão pela qual é ela aqui
pontuada. problemas e a linguagem, em contraposição ao domínio do behavior
naquele país. O cognitivismo procura descrever as estruturas cognitivas que se
interpõem entre o indivíduo e o meio.

²Psicodrama e Sociodrama Moreniano

O psicodrama, desenvolvido por J. Moreno (1889-1974), foi inspirado nas


técnicas de dramatização teatral e nas propostas de dinâmica de grupo da psicologia
social. O psicodrama propõe um trabalho terapêutico que se desenvolve a partir de
dramatizações feitas pelos integrantes do grupo terapêutico, com a orientação do
terapeuta e de auxiliares. Este trabalho objetiva o “encontro télico”, autêntico entre os
integrantes do grupo, em que seja possível verdadeira abertura, flexibilidade, fluência
da comunicação, diminuição das distorções nas percepções e nos papéis de cada um.
Para tanto, Moreno afirma a importância do desenvolvimento da espontaneidade nos
sujeitos, entendida como a capacidade de se dar respostas adequadas a novas situações
e dar novas respostas mais adequadas a velhas situações. Com os mesmos
pressupostos, este autor desenvolve o sociodrama, em que o foco deixa de ser as
questões individuais dos integrantes do grupo para ser as questões sociais, que
concernem ao grupo.

²Psicologia Existencial Humanista

A psicologia existencial humanista, cujo desenvolvimento posterior trouxe a


“abordagem centrada no cliente”, tem como principal autor C. Rogers (1902-1987).
Rogers considera que as pessoas, quando podem crescer naturalmente ou quando lhes
é permitido auto-conhecer-se em um processo terapêutico adequado, são criaturas
efetivas, positivas e racionais, capazes de viver em harmonia com os outros e consigo
mesmo. Esta corrente preconiza a autenticidade, a empatia e a aceitação incondicional
do terapeuta, para permitir ao cliente produzir a atualização de seu eu e a modificação
de seu comportamento.

Não cumpre aqui analisar profundamente cada uma das correntes e orientações
acima, nem descrever outros corpos teóricos que vieram a integrar a psicologia
científica. De todo modo, é possível observar que no seio da psicologia, parece haver
psicologias; algumas atentas ao rigor do método experimental e da epistemologia forte
das ciências naturais, outras que vão propor epistemologias e métodos específicos;
psicologias que, enfim, vão se enveredar por caminhos distintos, valorizando ora o
comportamento humano, ora a sexualidade e o inconsciente, ora a personalidade, ora o
desenvolvimento evolucionista humano, ora a gestalten, ora o acolhimento integral do
homem, ora as aptidões e performances humanas, ora as relações sociais do homem
inserido nas instituições e nos grupos. O que se percebe é um conjunto de saberes que
contêm profundas diferenças na consideração do que deve integrar o “campo psi” e de
como produzir conhecimentos sobre esse campo. Saberes que buscam totalizar, em
seus pressupostos, teorias e métodos, a “verdade” do que deve realmente ser estudado
e considerado pela psicologia. Nesse sentido, vale citar a divertida pontuação de
Vygotsky: O que é que têm em comum todos os fenômenos que a psicologia
estuda, o que é que transforma em fatos psíquicos os mais diversos fenômenos –
desde a secreção da saliva nos cachorros até o prazer da tragédia –, o que têm em
comum os desvarios de um louco e os rigorosíssimos cálculos de um matemático?
A psicologia tradicional responde: o que têm em comum é que todos eles são
fenômenos psíquicos, que não se desenvolvem no espaço e só são acessíveis à
percepção do sujeito que os vive. A reflexologia responde: o que têm em comum é
que todos esses fenômenos são fatos do comportamento, processos correlativos de
atividade, reflexos, atos de resposta do organismo. Os psicanalistas dizem: o que
há em comum a todos esses fatos, o mais primário, o que os une e constitui sua
base é o inconsciente. Portanto, três respostas estabelecem três significados
distintos da psicologia geral, a qual definem como a ciência 1) do psíquico e suas
propriedades, ou 2) do comportamento, ou 3) do inconsciente. (Vygostky, 1999, p.
213) Esta realidade tem feito com que as críticas e questionamentos à psicologia, ao
longo de sua existência científica, inclusive aquelas feitas pelos próprios psicólogos,
se voltem, em grande medida, à inviabilidade de uma unidade teórico-metodológica.
Mas o que se vê, em geral, são debates de colorido fortemente emocional entre os
defensores das diferentes correntes, verdadeiros diálogos entre surdos. Ou então
tentativas espúrias de conciliação entre os diferentes e às vezes contraditórios modelos
teóricos e metodológicos. Realidade que parece mascarar outras questões, desviar o
foco de discussão de outros aspectos mais fundamentais para a ciência psicológica em
termos epistemológicos, éticos e políticos.

4.2. Psicologia Teórica x Psicologia Aplicada

Quando as críticas saem da heterogeneidade da psicologia, os questionamentos


voltam-se basicamente para denunciar a aplicação indevida das teorias, supostamente
inatacáveis em sua validade e neutralidade científicas (Patto, 1984). Assim, mais uma
dicotomia surge dentro da psicologia: Psicologia Teórica x Psicologia Prática. E os
problemas da psicologia passam a centrar-se na má aplicação que se tem feito de suas
teorias.

Em si mesmos, os descobrimentos científicos são neutros. Nas mãos de um


ditador, os métodos da psicologia industrial pode converter-se em 1. Nos contextos
universitários brasileiros na atualidade, estas discussões são notórias, feitas por
professores e alunos dentro e fora de sala de aula. Contudo, em grande medida, as
discussões não passam de acusações pouco fundamentadas que parecem encobrir os
interesses das diversas correntes de angariar mais adeptos e erigir ao posto de “melhor
corrente”, dentro da lógica competitiva das sociedades capitalistas modernas. meio
para o acréscimo, com fins diabólicos, da produtividade de seus escravos; controlados
pelos representantes democráticos de um povo livre, estes mesmos métodos podem
fazer o trabalho mais fácil, mais produtivo, mais remunerador. (Eysenck, citado por
Deleule, 1972, p. 88) Contudo, essa separação, em primeiro lugar, não faz sentido,
pois, como nos mostra Deleule (1972), a dissociação completa entre a teoria e a sua
aplicação é impossível: “a técnica psicológica extrai sua validez da arquitetura teórica
na qual se baseia e esta possibilita, em contrapartida, a legitimidade do exercício das
técnicas” (p. 53). E, em segundo lugar, ao focar o mau uso e os problemas da
aplicação da psicologia, mais uma vez retira-se de discussão os fundamentos
epistemológicos, históricos e ético-políticos que orientam e conduzem à produção da
teoria em si.

A título de ilustração, vale citar o exemplo dos testes psicológicos, uma vez
que os mesmos têm sido aplicados por psicólogos escolares, organizacionais e clínicos
e cuja má aplicação feita pelos próprios psicólogos ou mesmo a aplicação indevida e
ilegal de outros profissionais têm suscitado freqüentes discussões. Os primeiros testes
desenvolvidos foram os testes de aptidão, elaborados sob a justificativa de substituir
uma classificação e uma seleção cega e aleatória entre os indivíduos baseada em
critérios intuitivos, por uma seleção baseada em critérios técnicos e científicos, de
acordo com as “reais potencialidades” de cada um. Essa classificação corresponde a
uma hierarquia funcional cujos critérios se referem à média normal de uma amostra de
certa população, a partir do que se poderia “orientar racionalmente e cientificamente”
a seleção dos indivíduos. Posteriormente, aos testes de aptidão foram incorporados os
teste de personalidade, desenvolvidos sob o argumento de serem instrumentos que
possibilitariam restituir à pessoa humana toda a sua dimensão psicológica, para evitar
um diagnóstico parcial. Todavia, mister se faz analisar os pressupostos que antecedem
à própria produção científica, dentro do contexto experimental, de referidos testes. O
que se observa é que os testes têm sido elaborados de acordo com um "certo
número de idéias pré-concebidas, e os critérios discriminativos estão ligados a
noções totalmente ideológicas e em absoluto científicas" (Deleule, 1972, p. 95). A
inteligência, por exemplo, é considerada pelos psicólogos como uma aptidão geral que
é avaliada em função da rapidez e da eficiência na execução de certa tarefa, da
possibilidade de adaptação a situações novas e da possibilidade de êxito social. Mas
não são estes os valores liberais por excelência, tão glorificados pela classe dominante
burguesa: eficiência, rapidez, adaptação ao meio social capitalista? O que se vê, então,
é a utilização a priori de critérios sociais que definem os conceitos e as premissas que
orientam a produção “científica” dos testes. Assim, os testes surgem com o intuito de
detectar nos indivíduos as características que respondem aos interesses do capitalismo
industrial. Nos testes de aptidão: rendimento, produtividade, eficiência, eficácia.
Nos testes de personalidade: “prevenir ou eliminar o coeficiente de agressividade
e de adversidade (leia-se de diferença) de que o indivíduo é portador e que pode
ameaçar a ordem estabelecida” (Deleule, 1972, p. 108).

Além desse aspecto, outro também merece análise: os testes são construídos a
partir de uma amostragem que é delimitada pelos experimentadores. E qual tem sido,
historicamente, o sujeito de experimentação escolhido pelo psicólogo? Ven Biervliet
(citado por Deleule, 1972, p. 101) o descreve : "É necessário que sua paciência não
seja pouca, nem que sua estabilidade mental seja precária. Os nervos não devem
chegar aos limites da neurastenia; devem poder manter um esforço regular e
constante." Assim, os sujeitos estudados devem reunir certas condições "ideais" a
priori, sem as quais a experimentação fica comprometida. O sujeito, para satisfazer
aos critérios científicos do psicólogo, deve pois reunir as "boas disposições". O que
remete a uma certa visão de homem que se espera e se mede.Uma catalogação recente
das amostras utilizadas pelos cientistas do comportamento para pesquisas sociais e de
personalidade sugere que os estudantes universitários são de longe os sujeitos mais
procurados. Eles desempenham o papel de “cobaias” para quase 80 por cento das
investigações sociais e de personalidade. Os estudantes do primeiro e do segundo ano
de introdução à psicologia são os que têm as maiores probalidades de participar. As
pesquisas em homens apenas são duas vezes mais comuns do que as pesquisas em
mulheres somente. Podemos chegar, pois, à conclusão de que os cientistas do
comportamento freqüentemente estudam pessoas brancas (especialmente
homens), relativamente inteligentes, instruídas, jovens e abastadas. (Davidoff,
1983, p. 37)

4.3. Ciência e (cons) ciência da psicologia


“A psicologia deve ser esta ‘colonização’ interior feita com rigor e
destreza”. Didier Deleule

Com base nas considerações feitas acima, é possível postular que a psicologia,
ao longo de seu desenvolvimento, tem focado suas discussões, via de regra, em pontos
secundários. Pouco se tem analisado e discutido, principalmente pelos próprios
psicólogos, acerca de questões fundamentais que desde Wundt podem ser pontuadas,
mas que permanecem encobertas por outros debates, mais superficiais. Possivelmente,
esta realidade histórica exista uma vez que analisar as questões “de fundo” da
psicologia escancaram pontos incômodos para os psicólogos. O primeiro desses
pontos refere-se ao fato de que a grande maioria das escolas e abordagens
psicológicas reproduzem, não obstante as diferenças conceituais que apresentem,
a lógica e as concepções próprias do contexto moderno; trazem, como pressupostos
para a sua elaboração teórica, perspectivas deterministas, mecanicistas e
naturalizadoras. Ou seja, pressupõem que há causas para o “efeito homem” e que
o desenvolvimento dos processos humanos operam com regularidade e
constância; tudo de acordo com uma concepção de sujeito – individual, privado,
edipianizado, capitalista, consumista, consciente de seu mundo interno diferente
da realidade exterior – que é histórica, como já dito, mas que é tomada como
natural e, por isso, universal.Nesse sentido, vale citar o exemplo da psicanálise,
salientando que quase todas as escolas da psicologia possuem, e isto se dá de forma
muito sutil e dissimulada, a mesma proposta naturalizante e totalizante. Entretanto, os
objetivos desse trabalho inviabilizam uma análise aprofundada de todas elas. A
psicanálise toma como universal e eterno um modo de produção do sujeito que é
exatamente o modo de produção das sociedades capitalistas: o modo de produção do
sujeito edipiano. Esta realidade é demonstrada por diversos autores, especialmente G.
Deleuze (1925-1995) e F. Guattari (1930-1992), que são citados por Baremblit (1998):
Deleuze e Guattari, no que dizem acerca do sujeito psíquico, afirmam que não existe
um modo de produção deste que seja universal e eterno. Mas sim, existe um modo
historicamente dominante de produção do sujeito psíquico que, obviamente, é o
edipiano. E se pode dizer que o modo edipiano de produção do psiquismo – vamos
dizê-lo de uma maneira um tanto vulgar – é a produção de homens narcisistas,
egoístas, ciumentos, invejosos, petulantes, facilmente decepcionáveis,
majoritariamente heterossexuais, enfim, o que constitui o psiquismo habitual do
nosso modo de ser, que é universal. Mas não é universal no sentido de que seja o
único. Não é universal no sentido de que sempre tenha sido assim. Mas é
universal no sentido de que é um modo de produção do sujeito psíquico que teve
sucesso em sua capacidade de impor-se aos outros. (Baremblit, 1998, p. 19) Opera-
se, assim, a naturalização do fenômeno psicológico e da subjetividade que se
constituem, entretanto, historicamente. Não obstante, alguns poderiam argumentar que
há elementos comuns no fenômeno psicológico moderno e nos fenômenos de
subjetividades de outros momentos históricos. Muito provavelmente há. Mas ao focar
as possíveis semelhanças, freqüentemente, e isto parece ser o que a psicologia tem
feito, deixa-se de fora as diferenças e desliza-se para outro lugar que não o cerne
da questão: naturaliza-se uma subjetividade, retira-se-lhe o que é histórico, para
tomá-la como universal e institucionaliza-se certo padrão de normalidade, de
saúde, de mente, de sujeito, de psicológico que passa a ser considerado como o
correto, o melhor, o ideal, o verdadeiro.

Diante disso, cabe a pergunta: se o sujeito moderno capitalista burguês é


colocado como o “natural” e o “universal”, o que resta à psicologia? Adaptar os
desviantes, os anormais, os problemáticos, os inibidos, os fracassados. Com isso, a
psicologia vem, via de regra1, oferecer aos interesses dominantes da sociedade
moderna, no seio da qual ela se estrutura enquanto ciência, possibilidades de
mensuração das aptidões, de definição dos mais capazes a seguir o legado da
acumulação do capital, bem como de modos de prevenção, controle e reajuste de
condutas desadaptadas. A psicologia moderna é uma coleção de respostas a uma
pergunta que o psicólogo nunca fez e que podia formular-se da seguinte forma: como
integrar o melhor possível os indivíduos ao sistema social a que pertencem? Como
conseguir que esta pertença de fato se converta em uma pertença de direito? (Deleule,
1972, p. 80) Chegamos, pois, a um segundo ponto fundamental: a psicologia
científica, em suas principais correntes, vai desenvolver teorias e técnicas para melhor
integrar, adequar e adaptar os indivíduos ao meio social. É possível afirmar que a
adaptação dos homens ao meio social é não só boa, mas necessária para que o ser
humano se saiba como tal. Mas, se por um lado esta afirmação é verdadeira, por
outro, deve-se verificar a que sociedade, com que interesses, privilégios,
organizações e lógicas de funcionamento o homem tem se adequado e de que
forma esta adequação tem se dado. O que se vê é que essa adequação tem sido feita
da forma mais mistificada e alienada possível, privilegiando os interesses e a lógica do
modo de produção capitalista. E, nesse contexto, qual a melhor forma de adaptar os
indivíduos ao meio? Através de sua colonização interna. Para tanto, a Modernidade,
referendada pela psicologia, produziu a eleição dolorosa do sujeito como referência
última (Deleule, 1972). Eis o território privilegiado, como referido anteriormente,
para o controle dos indivíduos na Modernidade: sua subjetividade, seu mundo
interno, sua personalidade, seus comportamentos, sua consciência e até seu
inconsciente. Não há juiz mais eficiente, astuto e presente do aquele que se
encarna no próprio sujeito, em seu corpo, em suas expressões, em suas doenças,
em sua postura, em suas idéias e concepções de mundo, em seus sonhos e
pesadelos. E que produz profunda angústia e culpa por apontar ao sujeito o que
este deveria ser: um ser dentro dos padrões instituídos de beleza, de produção, de
consumo, de aptidões e capacidades, de linguagem, de disciplina, de auto-estima,
de força de vontade, de competência no trabalho, etc.; e apontar, por outro lado,
o que o sujeito (não) é. À psicologia, resta trabalhar cada indivíduo, seja através
de sua aceitação integral, seja através de uma escuta analítica, seja através do
mapeamento dos condicionamentos, ou ainda outras formas propostas pelas
correntes psicológicas. Trabalha-se o sujeito, suas questões pessoais e íntimas;
busca-se que o sujeito encontre a sua verdade, o seu desejo, a sua elaboração, o
seu insight. Mas, seja como for, a maioria dos trabalhos psicológicos são feitos
considerando que tudo depende da vontade e do empenho do indivíduo; o
desenvolvimento do processo 1. A afirmação baseia-se na grande maioria das escolas
e paradigmas da psicologia científica, sem entretanto descartar a possibilidade de
teorias e práticas psicológicas que propõem outras formas de produção teórica e de
intervenção, atentas às tramas ideológicas do discurso adaptacionista psicoterapêutico
ou analítico de cada um, seu desempenho escolar ou laboral, suas relações familiares,
seus sintomas, delírios, alucinações, tudo é de responsabilidade, competência e desejo
do sujeito.

Com isso, a psicologia interpela o sujeito apenas no território que a sociedade


burguesa reconhece e quer respeitar em cada um: a subjetividade. Entretanto, ao atuar
socialmente dessa forma, pois é sempre numa sociedade que se atua, os psicólogos
desconsideram, como já dito, que os indivíduos devem se haver não apenas com suas
questões subjetivas e seu próprio desejo, mas também com a relação destes com as
exigências e imposições da ordem social vigente. E, desse modo, a psicologia, ao falar
da subjetividade, do sujeito, dos fenômenos psicológicos, do comportamento e das
capacidades humanas acaba não falando da vida, das condições econômicas, sociais e
culturais em que os homens, seu objeto de estudo, estão inseridos. Ou ainda, contribui
significativamente para ocultar referidas condições. Esta realidade, descrita por Bock
(2001), faz com esta autora afirme: Fala-se de mãe e pai sem falar da família como
instituição social marcada historicamente pela apropriação dos sujeitos; fala-se
de sexualidade sem falar da tradição judaico-cristã de repressão à sexualidade;
(...) fala-se do psicológico sem falar do cultural e do social. Na verdade, não se fala
de nada. Faz-se ideologia! (Bock, 2001, p. 25)

Podemos então destacar mais um ponto “de fundo” da psicologia: ao bancar a


lógica adaptacionista, ao difundir como naturais e universais as concepções liberiais
burguesas e ao trabalhar o indivíduo somente no território do subjetivo, a psicologia
contribui para a manutenção do status quo de dominação, exploração e mistificação
instituído e difundido pelo capitalismo, que atualmente ganha proporções planetárias.
As diversas correntes que se desenvolveram e tem se desenvolvido dentro da
psicologia, apesar de suas diferenças conceituais e paradigmáticas, talvez possuam,
por isso, uma unidade ideológica1. 1. A ideologia é aqui entendida, conforme postula
Charlot, citada por Bock (2001) como “um sistema teórico, cujas idéias têm sua
origem na realidade, como é sempre o caso das idéias; mas que coloca, ao contrário,
que as idéias são autônomas, isto é, que transforma em entidades e em essências as
realidades que apreende, e que, assim, desenvolve uma representação ilusória ao
mesmo tempo daquilo sobre o que trata e dele próprio; e que, graças a essa
representação ilusória, desempenha um papel mistificador, quase sempre inconsciente
(o próprio ideológico é mistificado, acredita na autonomia de suas idéias): as idéias
assim destacadas de sua relação com a realidade servem, com efeito, para construir um
sistema teórico que camufla e justifica a dominação de classe. Ideológico não
significa, portanto errôneo (...). Aliás, é porque uma ideologia é um sistema ilusório e
não um sistema de idéias falsas que é social e potencialmente eficaz” (p. 23-24).

Sob a aparente heterogeneidade da psicologia, constituída por várias escolas ou


vários paradigmas, seria possível detectar a presença de uma unidade básica; isto
equivale a afirmar que o behaviorismo de Watson e suas versões mais recentes não
detêm a exclusividade de constituírem um discurso ideológico adaptacionista, com
pretensão de status de ciência. A mesma reificação que identificamos no discurso
comportamental talvez esteja presente nos pensamentos cognitivistas e humanistas,
materializados nos fundamentos teóricos do movimento psicometrista (seja o que se
configura na construção e aplicação de testes de aptidão, seja o que se caracteriza
pelos instrumentos de avaliação da personalidade), na teoria piagetiana, no psicodrama
e no sociodrama, na psicologia social de inspiração funcionalista, na teoria de
personalidade e de terapia centrada no cliente. (Patto, 1984, p. 93) Ao considerar
somente o indivíduo, ao elegê-lo como referência última, como o responsável por
sua mudança interior, pela melhora de sua qualidade de vida e pela diminuição
de seu sofrimento psíquico, a ciência psicológica ratifica aquilo que Deleule (1972)
denomina “ideologia da mudança”. Diga-se, mudança dos indivíduos, e não do
meio social. E, ao proclamar, no privilegiado lugar de saber científico em que se
encontra, a “ideologia da mudança”, a psicologia encobre e dissimula a necessária
mudança da ideologia.

Desse modo, retira-se de discussão as questões sociais. Não que a psicologia


desconsidere totalmente os aspectos sociais e as relações dos indivíduos com o meio,
mas a abordagem, via de regra, restringe-se à pontuação de um lugar em que o sujeito
tem que estar e a ele se adaptar. Mais uma vez as dicotomias: interno x externo,
subjetividade x objetividade, individual x social. À psicologia cabe estudar, medir,
estruturar e dizer dos fenômenos internos, o que é subjetivo, “como se” estes aspectos
estivessem descolados da realidade social e cultural. Com isso, a lógica social do
capitalismo fica resguardada. Ademais, ao dizer desta subjetividade, a psicologia
também a produz e a insere nos sujeitos que vivem nas sociedades em que opera como
ciência. E ao se referir à subjetividade dessa forma resguarda mais uma vez a lógica
capitalista: “as forças sociais que administram o capitalismo hoje entendem que a
produção de subjetividade talvez seja mais importante que qualquer outro tipo
de produção, mais essencial até que o petróleo e as energias, visto que produzem
esquemas dominantes de percepção do mundo” (Guatarri e Rolnik, 1988, p. 40).

Vale citar, a este título, a “pesquisa sobre o perfil psicológico do ‘terrorista’


brasileiro” realizada na década de 70 e descrita por Coimbra (1995). Referida pesquisa
psicológica, solicitada pelo General Murici, foi feita com quarenta e quatro presos
políticos, quase todos estudantes universitários de classes sociais abastadas. Com
efeito, a grande questão que subjaz na pesquisa é entender porque justamente os filhos
da pequena burguesia tinham se tornado “terroristas”. Estas pesquisas mostram não
apenas uma necessidade por parte da repressão de conhecer melhor os militantes
políticos e traçar o perfil daqueles que estão sendo combatidos, mas, também – bem de
acordo com as subjetividades hegemônicas na época – difundir na sociedade em geral
e nas famílias de classe média, em especial, a crença de que seus filhos são
“desajustados’, “desequilibrados” emocional e socialmente e, portanto, “doentes”,
precisando de tratamento. Em suma, elas – as famílias – são as principais
responsáveis pelos transtornos que esses jovens trazem para a nação que quer “se
desenvolver em ordem e em paz”. (Coimbra, 1995, p.203) Assim, nesta pesquisa e
em outros vários eventos históricos acontecidos no Brasil, apresentados no estudo
sobre a psicologia no Brasil “do Milagre” feito por Coimbra (1995) é possível
constatar que as considerações já feitas neste trabalho são também pertinentes para a
psicologia brasileira.

Por fim, mais uma questão fundamental deve ser analisada. A psicologia, ao
considerar como natural e universal o padrão de homem e de subjetividade
instituído pela classe social dominante do capitalismo, nega e patologiza a
diferença. Isto ocorre tanto para as diferenças individuais, como na consideração
dos “loucos” como doentes mentais1, quanto para as diferenças sociais, como nas
teorias sobre carência cultural2 já difundidas na psicologia da educação. A
psicologia referenda, com isso, a ambição da lógica capitalista de impedir que haja
espaço para quem não é produtivo, para quem não é consumidor, para quem, afinal,
não presta para o capital. E se coloca, assim, num paradoxo existencial: por um lado,
como afirma Foucault (1999), a psicologia nasce no ponto em que a prática do homem
moderno encontra suas próprias contradições; mas, por outro lado, o que se tem visto
são tentativas efêmeras e paliativas, senão impossíveis, de solucionar essas
contradições e sucumbir as diferenças. Contradições e diferenças que são próprias do
humano e que são atravessadas por questões sociais, históricas, biológicas, físicas,
químicas e por tudo o mais que existir sobre a Terra. Será que cabe à psicologia
solucionar as contradições humanas, execradas historicamente, conforme postula
Figueiredo (1995), ao lugar de dejeto que o psicólogo deve “limpar”? Ou será que, ao
invés disso, deve a psicologia considerar as contradições mesmas como uma
necessidade
1. Sobre as teorias sobre deficiência ou carência cultural, cumpre verificar os
estudos empreendidos por Soares (1999) e Patto (1984).

e contingência dos homens em suas diferenças essenciais, como a possibilidade


do homem ser o que é e quiser inventar, como a liberdade de existências que
escapulem, com todo o direito, às determinações dessa ciência?

Por todo o exposto, pode-se observar que muitos são os pontos a serem
analisados pelos psicólogos. E talvez fique a questão: o que fazer? Não há uma
resposta pronta. Mas é importante, se a psicologia tem pretensões de se tornar
realmente científica, no sentido de uma produção de conhecimentos que descobrem,
ao invés de encobrirem, como fazem as pseudociências (Deleule, 1972) as quais se
esgotam em suas determinações ideológicas e não assumem mais que um discurso
superficial, que os psicólogos assumam a responsabilidade de refletir sobre as
motivações e interesses ideológicos que os conduzem. Mister se faz que, em sua
formação, produção teórica e prática profissional, os psicólogos analisem, além
de suas questões de ordem subjetiva, sua implicação ético-política, social e
histórica.

5.FORMAÇÃO E ENFORMAÇÃO DOS PSICÓLOGOS

“A revolução de nossa época será pedagógica ou simplesmente não será.”


Gerard Mendel

Diante das considerações já feitas, mais um aspecto merece ser analisado, qual
seja o papel da formação universitária para o desenvolvimento da psicologia científica,
através da produção de conhecimentos que empreende e da capacitação dos
profissionais que atuam nesta área. O que se pode observar é que os cursos de
psicologia, na grande maioria das faculdades e universidades brasileiras, têm focado a
melhor inserção possível de seus alunos no mercado de trabalho e uma boa atuação
destes, bem como dos professores e da própria entidade de ensino no “provão”
realizado anualmente pelo MEC – Ministério da Educação e Cultura. Objetiva-se, via
de regra, a capacitação dos estudantes com as técnicas e o know how necessários para
que os futuros psicólogos possam atuar de forma eficiente e eficaz de acordo com as
“exigências do mercado”. Já aqui caberia uma pergunta: os estudantes de psicologia,
auxiliados pelos professores e pela estrutura das entidades de formação superior, estão
“correndo atrás” das exigências de que mercado? No Brasil, trata-se do mercado de
trabalho de um país em que vigora o modo de produção capitalista, estruturado com
um Estado neoliberal e onde as desigualdades sociais são assustadoras. Entretanto,
como foi mostrado ao longo desse trabalho, a grande parte das discussões dos
psicólogos, e isto pode ser considerado durante e após a formação, têm se baseado na
competência da psicologia para estudar os sujeitos considerados individualmente, suas
questões pessoais, seu comportamento, seu inconsciente, seu desejo, pouco
importando os aspectos sociais, entre eles, o mercado de trabalho em que o psicólogo
está se inserindo...

Com isso, o que se constata é que a formação universitária em psicologia


prioriza, em grande medida, a apreensão de teorias e técnicas para uma atuação
profissional condizente com as demandas do mercado de trabalho que se estrutura de
acordo com os interesses dominantes. E, nesse contexto, aprende-se basicamente o
“como fazer”: como conduzir uma entrevista de anamnese, como analisar a situação
de certo cliente/paciente para diagnosticá-la e definir quais condutas e intervenções
devem ser feitas, como realizar estas intervenções, como aplicar tal e qual teste, como
realizar um trabalho institucional, como trabalhar com crianças em “situações
especiais”, como fazer uma dinâmica de grupo, como conduzir um processo seletivo
numa empresa, como treinar certas pessoas, como, enfim, ser psicólogo. Mas basta
saber “como fazer”? Não será necessário, e talvez urgente, que os psicólogos,
formados e em formação, se perguntem porque, para que, para quem, quando,
onde, com que motivações e com que conseqüências se faz o que se tem feito e o
que mais se pode fazer? Entretanto, estas perguntas não parecem estar na “ordem do
dia”.

Com efeito, como mostra Patto (1984), a psicologia tem crescido através de
milhares de “pesquisas normais”, realizadas principalmente nos contextos
universitários, as quais articulam e analisam os fenômenos concernentes à
subjetividade apenas dentro dos paradigmas, teorias e epistemologias já estabelecidos.
Segundo Kuhn (1978), a “pesquisa normal”, ou baseada em paradigma, não tem por
objetivo encontrar fenômenos novos ou fornecer as bases para a articulação de novas
teorias; ao contrário, a ciência normal visa à articulação de fenômenos e teorias já
fornecidos pelo paradigma, restringindo-se a áreas minúsculas de investigação,
limitando, assim, a visão do cientista e tornando-o intolerante diante de inovações e
descobertas. (Patto, 1984, p. 77)

Assim, por um lado, é notório o crescimento da psicologia enquanto ciência e


profissão que vai estudar e trabalhar com a subjetividade. Subjetividade que, lembre-
se, tem sido considerada território prioritário de estudo, controle, adaptação e
colonização pelos interesses dominantes das sociedades capitalistas. Mas, por outro
lado, este crescimento parece estar levando a psicologia a caminhar a passos largos
para permanecer no mesmo lugar. E a formação universitária tem papel fundamental
nesta realidade, por ser o lugar validado social e juridicamente para a aquisição de
conhecimentos e o treinamento prático – através dos estágios – para o exercício
posterior da profissão. É o que mostra o estudo empreendido por Coimbra, Lobo e
Barros (1991), acerca do contexto universitário em que surgiu e vem se desenvolvendo
a formação em psicologia, desde a Reforma Universitária de 1968. A Reforma
Universitária enfatizou, na tarefa educativa de produção e transmissão da cultura
dominante, o treinamento dos indivíduos, no sentido de formar uma mão-de-obra
produtiva para quem fosse contratá-los. (...) Não é por acaso que os cursos de
pedagogia e psicologia florescem assustadoramente neste período e é a partir do final
da década de 60 que vemos a clara orientação ideológica de tais cursos. Os de
psicologia começam a se expandir a partir da segunda metade da década de 60,
culminando após 1968 e na década de 70, quando se constroem e divulgam
concepções psicológicas como forma de “psicologizar” toda a vida social e política,
como denuncia Chaim Samuel Katz. (Coimbra, Lobo e Barros, 1991, p. 41-42)
Infelizmente, o que se vê é que os cursos de psicologia têm servido mais para
enformar, ou seja, colocar na fôrma seus estudantes de acordo com certos
interesses dominantes, do que para efetivamente formá-los, no sentido de
permitir-lhes um desenvolvimento crítico e analítico diante da realidade da
ciência psicológica, em seus mais diversos aspectos. Mas, apesar de todas as
pressões e interesses em jogo, será que é este o único papel destinável aos cursos de
“formação superior” diante da realidade que se impõe no Brasil e no mundo? A autora
considera que não. Há outras possibilidades, porque elas sempre existem ou podem ser
inventadas. E, no contexto atual, os espaços universitários estão em um lugar
socialmente privilegiado para eclodir novas revoluções. Isto porque esses espaços
podem ser utilizados, para além dos intentos tecnicistas comumente veiculados, como
espaços que ensinem e viabilizem que seus integrantes pensem. Pensar, nesse
sentido, envolve o ensino e a aprendizagem para e através de uma “epistemologia
crítica”, implicada política, estética e eticamente. O que remete à necessidade de
se analisar o que é estudar e fazer ciência, de que ciência se fala, qual a sua
realidade histórica, qual o lugar social destinado aos cientistas e especialistas? E,
no caso da psicologia, quais as suas especificidades enquanto ciência social, qual o
significado histórico de seu surgimento, quais são os conflitos, as contradições, as
ideologias, os valores, as inovações, os fracassos e os êxitos desta ciência, diante da
realidade social, econômica e política em que se insere? Como têm sido a produção e
veiculação de conhecimentos no campo psi e o que se tem feito com estes saberes?
Quais e como têm sido as práticas dos psicólogos; quais as implicações sociais destas?

Trata-se, enfim, de possibilitar àqueles que estão em formação, o que, a rigor,


inclui todos os seres humanos, um pensar crítico, reflexivo e contingente; desejante e
desejado; um pensar que busque as coisas que realmente importam para a
Humanidade, para o Prazer, para o Desejo, para a Vida. Ou ainda, bem ao gosto da
ética “spinozana”, trata-se de colocar a Humanidade como referência última em todas
as produções que concernem aos homens e sua vida sobre a Terra.

6.CONSIDERAÇÕES FINAIS

É chegado o fim, mas, com certeza, vários outros aspectos concernentes à


psicologia científica poderiam, e possivelmente deveriam, ter sido tratados. Mesmo as
questões focadas neste trabalho provavelmente merecem um estudo mais aprofundado
e detalhado. Talvez porque a proposta do presente trabalho tenha sido mais levantar e
abrir questões do que fechá-las e concluí-las. Não há, por isso, conclusões a serem
feitas neste momento. As considerações e os pontos analisados são ainda, lembrando o
que disse Foucault (1999) sobre a renovação radical da psicologia, uma tarefa
incompleta a ser preenchida e, a esse título, permanece na ordem do dia. De qualquer
modo, a autora considera que a discussão sobre os aspectos históricos, sociais,
epistemológicos e ético-políticos da psicologia é fundamental e urgente, diante da
realidade que se vislumbra no Brasil e no mundo.

Mister se faz que a psicologia se atualize, a partir dos aspectos referidos, o que
implica, de acordo com Baremblitt (2001), na sua transmutação em dispositivos de
produção de novas subjetivações e socializações, extraordinariamente diferentes dos
preconizados como “universais”, “invariantes” e “exclusivos” pela mídia, a cultura e a
ideologia dominantes, bem como pelas disciplinas cientificistas a-críticas. Vale, pois,
uma última questão, que talvez seja a primeira, insinuante ao longo de todo este
trabalho. Carlos Drummond de Andrade, em seu poema “Mão Dadas”, afirma: “não
serei o poeta de um mundo caduco”. E quanto aos psicólogos, de que mundo querem
ser?

CARDOSO, Maria Luiza Marques. Psychology as a science and the


(con)science of Psychology, article written as a monography to Psychology
Department, PUC Minas, Belo Horizonte, Junho de 2002

Abstract: This article provides a critical analysis of scientific psychology, its


historical path and its epistemological, ethical and political implications to
subjectivity, to graduation and professional works of PsychologyIndex terms:.
Scientific Psychology, Social Psychology, Political Psychology, Epistemology of
Psychology

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Sobre a patologização da loucura, vale conferir o estudo empreendido por Foucault,


em A História da Loucura (1978), onde este autor afirma: “a doença só tem
realidade e valor de doença no interior de uma cultura que a reconhece como tal
” (p. 77).

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