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Inside Job - Resenha

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Resenha do filme Inside Job

O documentário Inside Job (2010), de Charles H. Ferguson, é um mergulho por dentro


da crise financeira de 2008, iniciada nos Estados Unidos e espalhada pelo resto do planeta. A
crise foi resultado de uma bolha financeira no mercado de hipotecas, que na forma dos
famosos títulos subprimes, infestaram os principais bancos do mundo com títulos podres. O
filme passeia pelo surgimento das desregulações que possibilitaram inovações financeiras e
fraudes que geraram a crise, pela própria crise e por suas consequências, oferecendo um olhar
crítico ao sistema financeiro e aos seus operadores.
A obra utiliza de entrevistas com “especialistas” e atores da crise para contar a
história. Esse é um recurso potente, pois coloca à prova o cinismo dos tecnocratas de Wall
Street e torna mais claro uma característica da crise que a ideologia dominante busca
esconder: a crise é produzida por uma classe, mas vivenciada por outra. Ora, como mostrado
pelo filme, todos os banqueiros responsáveis pela bolha seguiram suas funções, assumiram
cargos no governo mais poderoso do planeta, mantiveram sua influência e sua fortuna. O
povo, vítima das fraudes e da desregulamentação do mercado, assumiu o desemprego, pagou
as dívidas dos bancos, e segue até hoje com uma economia estagnada que vive de uma
promessa de desenvolvimento. Apesar de ocorrer em 2008, esses fenômenos observados na
crise não são novos em essência (apesar de se desenvolverem na aparência), e são frutos
diretos da estrutura capitalista e da luta de classes que funda e sustenta essa sociedade.
O Manifesto do Partido Comunista (ENGELS; MARX, 2005) é um texto panfletário,
com caráter agitativo e de forte apelo às massas. Porém, assim como todo bom panfleto
deveria ser, já expõe aos seus leitores a contradição central da teoria comunista que defende,
o caráter de classe da sociedade capitalista, gestada a partir da concepção burguesa de mundo,
e pensado para a manutenção burguesa dele. Essa dominação ocorre a partir da propriedade
privada dos meios de produção, mas de forma alguma se resume a ela. Como exposto por
Marx e Engels, o Estado capitalista é um Estado burguês, defendendo e advogando em prol
dos interesses dessa classe. Essa característica do capitalismo é escancarada e denunciada em
Inside Job. O documentário inicia mostrando o debate ideológico que culminou na mudança
de legislação e de arquitetura do sistema financeiro estadunidense. A crise de 1929 já havia
demonstrado os riscos gigantescos da desregulamentação, mas com base em uma força
ideológica disfarçada de ciência econômica, o Estado adotou medidas cada vez mais
neoliberais (apesar de nunca neoliberais o suficiente). Essa desregulamentação possibilitou
que o capital financeiro flutuasse a agisse com inovações financeiras cada vez mais arriscadas
e complexas em busca de lucros cada vez maiores. - Nota-se, não se trata de manter os
lucros altos, mas de torná-los maiores, manter um crescimento contínuo. - Essa dinâmica é
tratada por Marx em diversas de suas obras, o capital precisa crescer, e não existe espaço para
a moral ou o Estado impedirem que esse movimento ocorra, pois se impedido, o capital (e o
capitalismo) está em risco. É esse o interesse material que está por trás da liberalização do
mercado financeiro. Não é por que o mercado e os “especialistas” de Wall Street são os
melhores gestores da riqueza, mas sim por que eles precisam garantir o crescimento (mesmo
que irresponsável) dela.
Na verdade, do domínio de Wall Street vem causando uma crescente na proporção de
capital fictício responsável pela reprodução e acúmulo de capital. Engels (2019) cita duas
importantes descobertas do marxismo. A primeira é de que as pessoas precisam primeiro
sobreviver antes de qualquer coisa. Comer, respirar, morar e etc. são precedentes a fazer
política, filosofia ou religião. O mundo material é o responsável pelo desenvolvimento das
forças produtivas. Como consequência, a segunda descoberta é a de que é o trabalho que gera
valor. Ou seja, o capital financeiro que se multiplica por juros e derivativos, não é um capital
que possui em si valor, e precisa do setor produtivo para se realizar. O capitalismo que se
desenvolveu a partir da financeirização é, por esse motivo, frágil, instável e altamente
suscetível às crises. O capital se deslocou da produção, multiplica-se na lógica de Wall Street,
que como bem mostrou o filme, sobrevive de inovações, fraudes e apostas. Se a
superprodução era um risco para o capitalismo da época de Marx e Engels, a financeirização
é hoje um risco ainda maior e com resultados ainda mais encadeados mundialmente.
É pensando nesse risco cada vez maior adotado pelo mercado financeiro que o
documentário entra em um outro fator determinante para a grande crise de 2008. Os
executivos das próprias empresas não estavam preocupados com sua saúde financeira. Eles
faliram as suas empresas, arriscaram seus ativos e levaram consigo a economia mundial. Em
nenhum momento se sentiram ameaçados, pois existia uma confiança que o governo
estadunidense pagaria a conta. Robert Rubin, Lawrence Summers, Paul O’Neil e Henry
Paulson, todos esses secretários do tesouro, como bem explicitado pelo filme, possuíam
ligações íntimas com a burguesia financeira de Wall Street, e agiam no governo pelos
interesses dessas companhias privadas, além, é claro, dos seus próprios. O dinheiro público
estava o tempo todo nas mãos da classe que arriscava o seu próprio dinheiro privado às custas
da sobrevivência da população. Ou seja, se em 1848 Marx e Engels expuseram uma
sociedade dividida em classes e um Estado dominado pela classe dominante, a burguesia,
Inside Job, em 2010 expõe como essa divisão e esse controle seguem atuais, apesar de
desenvolverem suas formas de manifestação.
Além disso, o filme mostra como a dinâmica da crise é parte constituinte do
capitalismo. O título Inside Job representa a forma como a crise foi gerada dentro do próprio
sistema financeiro. Não foram catástrofes, guerras ou erros de outros países, foram decisões
próprias dos bancos, fundos e agências regulatórias. Isso não ocorreu por ignorância ou
desconhecimento, mas pela inserção desses agentes em uma dinâmica sistêmica. O
capitalismo existe a partir da multiplicação do capital. Nesse caso, se é a reprodução do
capital que sustenta o capitalismo, e o capital é detido pela burguesia, o sistema não é bem
sucedido se gerar riqueza para todos, ou um país justo e saudável. Pelo contrário, ele é
compatível com a miséria, com a fome, desde que ela sustente uma reprodução crescente e
constante do capital. Ao pensar nessa dinâmica, ressalta-se duas de suas características mais
importantes, e muito debatidas nas obras marxianas: a centralização e a concentração de
capital. Para Marx, elas ocorrem com maior violência exatamente nos momentos de crise. O
documentário, ao mostrar o pós-crise, retrata como diversos bancos menores foram
comprados pelos gigantes do setor financeiro, que saíram ainda maiores do que depois da
crise. Ora, como bancos que faliram e geraram uma crise profunda de nível mundial
conseguiram sair ainda maiores do que antes em seus mercados? Apenas um Estado
dominado pela burguesia que sugou os cofres públicos com quase 1 bilhão de dólares usados
para o resgate dessas empresas e um sistema que convive com crises enquanto parte
constituinte dele, e não anomalias a serem combatidas, pode realizar tamanha façanha.
Esses fatores expostos retratam como a denúncia de Marx e Engels segue atual e
necessária. O Manifesto do Partido Comunista é um livro panfletário, mas o documentário
Inside Job também não deixa de ser. Qualquer pessoa, mesmo sem nenhum conhecimento do
mercado financeiro, é capaz de absorver a mensagem central do filme. Vivemos em um
sistema dividido entre duas classes, a burguesia e o proletariado, o Estado é um aparelho
burguês e a economia é hegemonizada pela ideologia burguesa para justificar medidas
anti-povo, que favorecem o lucro e arriscam a vida da população. O que o filme não mostra,
mas Marx e Engels fazem questão de ressaltar, é que uma sociedade assim não pode ser
corrigida, regulada ou reformada. O motivo é simples, toda correção, regulação ou reforma
impedem que o capital se reproduza de forma crescente, impedem a centralização e a
concentração de renda e impedem o domínio absoluto da burguesia. Um capitalismo sem
nenhum desses aspectos não sobrevive, logo, a classe capitalista enquanto classe dominante
não pode e nem vai deixar que isso ocorra. Apenas a retirada dessa classe do poder e a
construção de um outro sistema, que possibilite o bem-estar e a divisão social igualitária da
riqueza e dos meios de produção e reprodução da vida, é capaz de resolver os problemas do
capitalismo. A solução não está dentro do sistema. Ela está na sua superação.

Referências

ENGELS, Friedrich. Karl Marx (1877). In: ALBERT, André (org). Marx pelos
Marxistas. São Paulo: Boitempo, 2019 (p.177-187).

INSIDE Job. [S.L]: Sony Pictures Classics, 2010. Son., color.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo,


2005.
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