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Roteiro Da CEIA Ligya Fagundes Telles

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1º ato restaurante decadente um barmen que serve uma cantora que vira e mexe conta uma

canção na maioria das vezes italiana. O ambiente é frio pouca luz e as mesas são iluminadas
com velas.

“Milhares de pessoas nascem e morrem, milhares de relacionamentos começam e terminam, um


objeto que quebra, a garrafa de café quase vazia, uma amizade de anos que ja nao era a mesma..
Tudo, do simples ao inabalável, tudo chega ao fim. E há milhares de finais acontecendo todo
dia.”
(Tati Bernardi)

(Amanda entra e canta Dio come io te amo) Entra Alice anda um pouco observa o Bar à cantora
depois para no meio do bar.

Alice – Que noite!

Entra Eduardo ele bate brandamente no braço de Alice.

Eduardo – (Entra Eduardo ele bate brandamente no braço de Alice). Vamos, Alice que mesa
você prefere?

Alice – com pressa?

Eduardo – Ora que idéia...

Sentam-se na mesa próxima ao muro a que parecia menos favorecida pela a luz Alice retira da
bolsa a maquiagem e retoca os lábios em seguida com um gesto tranqüilo, mas firme apaga a
vela Eduardo a olha com um gesto de reprovação.

Alice – As estrelas ficam maiores no escuro.

Eduardo – (Ele ergueu o olhar e ainda com ar de reprovação questiona). Daqui não eu vejo
nenhuma estrela.

Alice – (com um leve sorriso), mas ficam maiores.

Eduardo – (abriu o cardápio lança um olhar para os lados e fecha novamente o cardápio).
Também não vejo os nomes dos pratos. Paciência! Acho que vou querer um bife. Você me
acompanha? (Alice apóia os cotovelos na mesa e fica olhando para Eduardo. Ele se agita na
mesa tentando se fazer vê por um garçom num gesto fatigado, esfrega os olhos com a ponta dos
dedos.)

Alice – meu bem, você ainda não mandou fazer os óculos! Faz meses que quebrou e você ainda
não mandou fazer o outro até agora...

Eduardo – A verdade é que não me fazem falta.

Alice – Mas a vida toda você usou óculos.

Eduardo – (encolheu os ombros e sorriu), pois é. acho que não preciso mais.
Alice – nem de mim.

Eduardo - Ora, Alice...

Alice – Eduardo eu precisava te ver, precisava tanto entende? A última vez foi tão horrível, me
arrependi tanto! Queria fazer de hoje uma despedida mais digna. Queria que você...

Eduardo – Não pense mais nisso, Alice, que bobagem, você estava nervosa (interrompeu-a para
chamar o garçom), Acho que jamais seremos atendidos hoje.

Alice – você está com pressa meu querido.

Eduardo – Não absolutamente. Absolutamente.

Alice – você gosta do meu perfume, Eduardo? É novo

Eduardo – Já tinha notado... Bom não? Lembra um pouco tangerina.

Alice – (Ela inclina-se para trás e ri sem vontade) que idéia!... Meu amor eu precisava tanto
te ver Eduardo.

Eduardo – (mudando de assunto). Quer um cigarro?

Alice – aceito sim, brigada.

Eduardo – acho que esqueci o fósforo... Trouxe também um isqueiro, mas sumiu tudo... (revista
à capa os bolsos e depois exclama subitamente animado como se aquilo fosse a solução não
só para o cigarro, mas também para a expectativa de Alice.), Imagine que ganhei este
isqueiro numa aposta, foi de um marinheiro.

Alice – Eduardo, você promete que vai me ver de vez em quando? Responda Eduardo, ao
menos de vez em quando hein, Eduardo?

Eduardo – Estávamos num bar eu e Frederico ( parecendo nervoso tentando acender o cigarro),
então um desconhecido sentou-se na nossa mesa e até hoje não sei como veio aquela idéia de
aposta.

A chama rompe azulada e alta ele acende o seu cigarro, quando vai para acender o cigarro de
Alice ele recuou para trás, ele estica o braço e acende o dela também.

Alice – como é forte!... (Ele acende o cigarro ela apaga com um sopro), detesto isqueiro e você
sabe disso.

Eduardo – mas este tem uma chama tão bonita. Pude ver que seu penteado também é novo

Alice – Cortei o cabelo remoça não é mesmo?

Eduardo – não sei se te remoça, Alice só sei que te vai bem.


Alice – Mas meu querido. (Eduardo Olha pra ela de cara feia), Não é preciso ficar com essa
cara, prometo que hoje Não vou quebrar nem um copo, não precisa ficar aflito... Olha eu sei que
foi horrível. (ela sorri) Foi horrível não Eduardo? Foi Horrível, hein? Sabendo quanto você
detesta essas cenas, imagine quebrar o copo na mão, aquela coisa assim dramática do vinho ir
escorrendo misturando com o sangue... Que papel miserável!

Eduardo – Não Alice não pense nisso Que idéia! Você tinha bebido demais.

Alice - Ela soube?

Eduardo – quem? (Ele encara Alice como se não acreditasse na pergunta, Ah... Não imagine se
eu havia de...

Alice – Você contou Eduardo, você contou está claro que você contou e até com detalhes. E a
raposinha foi fazendo perguntas e perguntas ainda...

Eduardo – por que você a chama de raposinha? (Chama o garçom)

Alice – porque ela tem cara de raposinha não tem? Tão meiga tão graciosa e já sabe tudo a meu
respeito não é verdade? Ela já sabe até a minha idade.

Eduardo – por favor, Alice não continue sim? Você só estar dizendo absurdos! Pensa então que
ficamos os dois falando de você. Ela pedido dados e eu fornecendo, como se… Que juízo você
faz de mim, Alice? Eu te amei…

Garçom - (coloca na mesa uma cesta de pão dois copos e fica limpando uma garrafa de vinho).
Acho que a cozinha já está fechada cavaleiro. Queriam jantar?

Eduardo – Está muito tarde mesmo (olha o relógio). Ao menos dois bifes, seria possível?

Alice – e vinho essa aí é bom?

Eduardo – quer beber?

Alice – Não posso?

Eduardo Claro que pode. É Esse está bom.

Garçom – Eu vou falar lá na cozinha, acho que não vai ter problemas. (Abre a garrafa e serve os
dois e sai).

Alice – (começa a beber em pequenos goles e Eduardo lhe olha de cara feia). Mas não, não
fique com essa cara apavorada! Juro que hoje não vou me embriagar. Hoje não. Queria que você
ficasse tranquilo.

Eduardo – Mais eu estou tranquilo. (ele põe a mão sobre a mesa ela segura lhe a mão. Olivia
começa a cantarolar uma musica). Santo Deus como essa música é velha acho que era menino
quando ouvi pela primeira vez. (congela e Olivia canta)
Alice – (inclina e lhe beija a mão). Meu amor, meu amor agora você riu e tudo ficou como
antes. Como é possível Eduardo? Como é possível?… Eduardo ouça, estou de acordo é claro
que eu estou. Mas se ao menos você prometesse que vem me ver de vez em quando, ao menos
de vez em quando, compreende? Como um amigo, um simples amigo eu não peço mais nada…

Eduardo – Alice minha querida Alice, procure entender… você sabe perfeitamente que não
posso ir te visitar, que é ridículo ficarmos nós dois falando de livros, jogando partida de xadrez,
você sabe que isso não funcionaria pelo menos PR enquanto. Você seria a primeira a não se
conformar, uma situação falsa insustentável. Temos que nos separar assim mesmo, sem maiores
explicações, não adiantam mais explicações, não adiantam mais estes encontros que só te fazem
sofrer… ( ela bebe um gole de vinho) O que importa é não haver nem ódio nem ressentimentos,
é podermos nos olhar frente a frente, o que passou, passou disco na prateleira...

Alice – (ironicamente). Disco na prateleira. Hum essa expressão é nova eu ainda não conhecia.

Eduardo – Alice não comece com ironias, por favor! Ainda ontem Lili…

Alice – Lili?

Eduardo – É o apelido de Olivia. Eu queria dizer que ainda ontem ela perguntou por você com
tamanha simpatia…

Alice – Ah! Que generoso. Que nobre! Tão fino da parte dela, não me esquecerei disso
perguntou por mim. Quando nos encontrarmos, atravesso a quadra vou complementá-la como
nas partidas de tênis, tudo assim muito limpo, muito esportivo. A palavra é esse esportivo.

Eduardo – Não se torture mais, Alice ouça! (com cuidado para não magoá-la), Você devia
mesmo saber que mais dia menos dia, tínhamos que nos separar, nossa situação era falsa.

Alice – Falsa! Bonitas palavras essas, situação falsa! Por que situação falsa Eduardo? Por quê?
Durante mais de quinze anos não foi falsa por que virou falsa de repente?

Eduardo – Só sei que não tenho culpa, Alice. Já disse mil vezes que não pretendia romper, mas
aconteceu , aconteceu. Não tenho culpa!...

Alice – Mas ao menos, Eduardo... Ao menos você podia ter esperado um pouco para me
substituir, não podia? Não vê que foi depressa demais? Será que você não vê que foi depressa
demais? Não vê que eu não estou preparada? Hein, Eduardo?... Aceito tudo já disse, mas venha
me vê de vez em quando ao menos de vez em quando Eduardo. Pra me dizer um bom dia não
peço mais nada… É preciso que eu me acostumo com a idéia de te perder, entendeu agora?
Venha me vê de vez em quando mesmo que seja pra falar nela, ficaremos falando dela, mas é
preciso que eu me acostume com a ideia de te perder. As coisas não podem ser assim tão
bruscas não pode.

Eduardo – Não está sendo brusca Alice. Temos conversado mais de uma vez, já disse que não
precisamos despedir como inimigos.
Alice – mas não se trata disso, Eduardo! Será que você não entende mais o que eu digo?
Eduardo, Eduardo eu queria que você me entendesse… (chora) Eduardo, você precisa ter
paciência, isso não é justo, não é justo!

Eduardo – (ele aperta as mãos de Alice) fale mais baixo, Alice, você está quase gritando. (pega
um cigarro, mas fica com ele esquecido entre os dedos, depois abranda a voz) Eu entendo
sim,mas não se exalte, estamos conversando não estamos? Vamos tome um gole de vinho vamos
você vai melhora beba isso assim...

Alice – (ela pega um guardanapo e enxuga o rosto) fui chorar e não podia chorar, borrei toda a
pintura estou parecendo uma palhaça. (ela retoca a maquiagem).

Eduardo – Não se preocupe Alice. Fez bem em chorar, chore todas as vezes que tiver vontade.

Alice – pronto, pronto, passou! Estou ótima, olhe aí, veja se não estou ótima! (Eduardo vai para
pegar o isqueiro, mas se arrepende no meio do gesto), Acenda seu cigarro Eduardo.

Eduardo – o isqueiro você não gosta…

Alice – Ora não exagere, acenda o meu também. Não gosto mesmo, mas se tem que ser…

Eduardo – (sem olhar para Alice ele lhe acende o cigarro). Como essa mesa está suja.

Alice – É que a luz desse isqueiro mostra tudo (num tom sombrio), mas vamos falar sobre
coisas alegres essa conversa está por de mais sinistra, o que é isso? Vamos falar do seu
casamento, por exemplo, este é um assunto alegre. Quero saber os detalhes, querido estou
curiosíssima para saber os detalhes. Afinal meu amado amigo de tantos anos se casa e eu estou
por fora de tudo, não sei nada.

Eduardo – Não há nada pra contar, Alice. Vai ser uma cerimônia simples, muito simples.

Alice – E a lua de mel?

Eduardo – Ainda não sei. Isso a gente vai vê depois.

Alice- (Alice põe-se amassar miolo de pão). Quem diria, hein? Nossa última ceia não falta nem
vinho nem pão depois você me beijará na face esquerda…

Eduardo – Ah Alice… (ele sorrir sem vontade),Não tome esse ar assim bíblico, ora, a última
ceia! Não vamos começar com símbolos, quero dizer, não vamos ficar aqui numa cena patética
de separação. Tudo foi perfeito enquanto durou. Agora com naturalidade…

Alice – Com naturalidade. Durou quinze anos, não foi Eduardo?

Eduardo – (tenta se fazer vê pelo garçom que passa perambulando pelo palco, em um
movimento brusco ele levanta derrubando uma cadeira). Desconfio que este banquete não virá
tão cedo. Que tal se andássemos um pouco? (olhando para o céu) Agora sim, pode-se ver as
estrelas. Tão vivas parecem palpitar.
Alice – Você agora repara nas estrelas.

Eduardo – (ele se surpreende com o que ouviu) você mesma me mandou olhar para elas… (toca
a mesma musica que Amanda contou anteriormente) Só elas não dizem nada nem elas nem o
peixe. (solta uma baforada de fumaça na boca do peixe) Oh boca da fonte, boca generosa
dizendo inesgotávelmente a mesma água pura…

Alice – continue Eduardo.

Eduardo – Não sei mais, só sei esse pedaço.

Alice – Há quanto tempo eu não te ouvia dizer versos.

Eduardo – Secou a fonte, secaram as flores, imagino como devia ter flores nesse jardim e como
esta casa devia estar sempre cheia de gente, uma família imensa, crianças, velhos, cachorros
desapareceram todos. Ficou a casa, as portas escancaradas…

Alice – Acabou-se, não Eduardo? Acabou-se. Nem água, nem flores, nem gente. Acabou-se.

Eduardo – (há encara). Não acabou Alice, transformou-se apenas, transformou-se passou de um
estado para o outro, o que é menos trágico as coisas não acabam.

Alice - Ah não?

Eduardo – (olha para ela se aproxima enlaçando num gesto afetuoso e triste) É difícil explicar,
Alice, mas, esses anos todos que vivemos juntos. Toda essa experiência não vai desaparecer
assim com se… Não saímos de mãos vazias, ao contrário, saímos ricos mais ricos do que antes.

Alice – Riquíssimo.

Eduardo – (num quase afago) Tem jogado?

Alice – Não. O tabuleiro lá está com todas as peça como deixamos na última partida, lembra?

Eduardo – Alice, Alice (cantarola a musica que a Amanda canta) você me deixou ganhar, meu
bem, eu não devia ter ficado com a torre.

Alice – (atira-se nos seus braços) Eduardo eu te amos não vai embora, por favor. (ela o beija as
mãos, a boca) eu te amo, meu amor. Eu te amo

Eduardo – (Eduardo ficou nervoso) Alice! (tentado se soltar dela) Alice não dê escândalo, não
continue…

Alice – Você me amava Eduardo eu sei que você me amava!

Eduardo – (Se solta da alguns passos limpa a boca com um lenço) Vem Alice, por sorte ninguém
viu, agora tenha juízo, por favor. Vamos sentar, venha comigo. (ela tira o cabelos dos olhos e
limpa o rosto com um guardanapo), Você quer um lenço?
Alice – não é necessário. Está tudo em ordem, não se preocupe comigo, estou bem.

Eduardo – (Gira o isqueiro na mesa como se fosse um pião), O Homenzinho esqueceu mesmo
de nós. O que é uma boa coisa. Desconfio que os tais bifes…

Alice – Ela fuma.

Eduardo – O que?

Alice – Perguntei se ela fuma.

Eduardo – fuma.

Alice – E ela gosta desse seu isqueiro?

Eduardo – Não sei Alice, não tenho a menor ideia.

Alice – Tão jovem, não é Eduardo?

Eduardo – Alice você prometeu.

Alice – E naturalmente vai vestida de Noiva, ah, sim, a virgenzinha… Já deu para todos os
machos, Mas isso não choca mais ninguém, imagine! Tem médico amigo que costura num
instante, tem pílula, morro de inveja dessa geração. Como as coisas ficaram fáceis!

Eduardo – cale-se Alice.

Alice – Como você já é uns bons anos mais velho, ela mandou costurar, questão de principio. E
vai chora na hora, fingido a dor que está sentindo mesmo porque às vezes a tal costura…

Eduardo – Cale-se.

Eduardo para irritá-la acende um cigarro e fica o isqueiro aceso.

Alice – Eduardo apague isso, Não vou fumar, apague!

Eduardo – Mas então o desconhecido sentou na nossa mesa e disse que era marinheiro

Alice – Eduardo, eu queria que você fosse embora.

Eduardo – vou te levar Alice. Vamos juntos estou só esperando aquele alegre aparecer…

Alice – Você não entendeu, eu quero ficar só, vou indo daqui apouco, mas quero que você saia
na frente, queria que você fosse agora já.

Eduardo – Mas Alice, como vou te deixar assim?


Alice – estou te pedindo, Eduardo, me ajude, por favor, me ajude! Não, Não se preocupe
comigo, Já estou calma, quero apenas ficar um pouco sozinha compreende? Eu preciso
Eduardo…

Eduardo – Mas você vai conseguir um taxi?

Alice – exatamente! Quero andar um pouco vai me fazer bem andar (ele não sai). Me ajude.

Eduardo – (levantando-se) você não precisa mesmo de nada?

Alice – Não estou ótima pode ir. Vá.

Eduardo vai conversar com o garçom e depois sai. O garçom entra se aproximando da mesa.

Garçom – A Madama deseja ainda alguma coisa? Vamos fecha… (ele acende a vela), fiquei La
dentro esqueci da vida.

Alice – Ah sim, já vou, quanto é?

Garçom – o cavalheiro já pagou, madama, Ele disse para eu arrumar um taxi para a senhora.

Alice – Não é preciso, quero andar um pouco.

Garçom – A madama está se sentindo mal?

Alice – Estou bem obrigada. Tivemos uma discussão

Garçom – Também discuto às vezes com mina velha, mas depois fico chateado à beça. Mãe
sempre tem razão. (ajuda ela se levantar) a senhora não quer mesmo um taxi?

Alice – Não obrigada. (pão a mão no seu ombro) você é um rapaz muito bom. (sai)

Garçom (ele a chama) A senhora esqueceu isto.

Alice – Ah, o isqueiro.

Olivia canta (non no letà) no final da canção Eduardo entra e a beija ele puxa a cadeira para ela,
mas ela senta na outra cadeira.

Olivia – e aí como foi?

Eduardo - Chata como sempre. (ele vai acender o cigarro e percebe que não está com o isqueiro)
você acredita que aquela miserável ficou com meu isqueiro?

Olivia – acredito. (acende o cigarro dele) Não se preocupe, aqui está o seu troféu.

Eles saem. Em off ouve se uma discussão entre Alice e Eduardo ela pedindo pelo amor de Deus
que ele não a abandone. Ao som da musica “Atrás da porta” de Elis Regina. Eduardo entra por
um lado do palco. “Macha nupcial”. Olivia entra do outro lado. sombra chinesa Olivia tira o véu
cinco anos depois).

A ÚLTIMA CEIA – II ATO

TEXTO DE GABRIEL VASCONCELOS, INSPIRADO NA OBRA DE LYGIA FAGUNDES TELLES.

Após casamento nas sombras chinesas, no mesmo restaurante do primeiro ato, Eduardo e
Olívia entra em cena, Eduardo todo cuidadoso e educado, porém Olívia demonstra-se
insatisfeita com a situação. Os dois caminham para a mesa.

Eduardo: Que tal esta mesa? É agradável para você?

Olívia: Sinceramente, não me importo. Pode ser aqui mesmo.

Eduardo puxa a cadeira para Olívia sentar e ela se senta sem agradecer o gesto.

Eduardo: Que noite agradável, não? O que você vai pedir?

Olívia: Eduardo, eu não tenho muito tempo. O pessoal da banda está me esperando. Talvez uma
água, apenas.

Eduardo: Está com pressa!

Olívia: É o que parece (irônica). Você acredita que a gente conseguiu uma apresentação
naquele espaço novo ali no Marista? Dá tanta gente importante por lá...

Eduardo: Eu só achei que precisávamos conversar Olívia. Não é justo que tudo isso que a gente
construiu, acabe assim, desta maneira. Eu sei que você está cheia de coisas, mas você ainda vai
pensar direitinho, não vai? Responda Olívia, não precisa ser agora, ao menos um pouco, hein,
Olívia?

Olívia: Eu estou tão animada com essa apresentação, eu já estou começando a retomar minha
carreira, voltando a ser conhecida.

Eduardo: Percebeu que eu usei aquele perfume que você tanto gosta?

Olívia: Sim.

Eduardo: Não precisa ser monossilábica. Eu estou aqui pra conversar numa boa. Não vai ser
como da outra vez, não irei atacar ninguém (sorri). Foi horrível, não, Olívia? Foi horrível, hein?
Sabendo quando você detesta essas cenas de ciúme. Imagine atacar o barman de uma boate...
Que papel miserável!

Olívia: Esquece essa história. Você tinha bebido demais. Eu avisei que aquele drink era forte
demais pra alguém da sua idade, Eduardo.

Eduardo: Você telefonou pra ele?


Olívia: Que ideia! Não, imagine se eu havia de.

Eduardo: Você telefonou Olívia, você telefonou. Claro, uma oportunidade de conseguir uma
aventura com um bezerrinho. Homens, mesmo ainda meninos, não resistem a uma boa aventura.

Olívia: Por favor, Eduardo, não continue, sim?Você só está dizendo absurdos! Pensa então que
eu ia telefonar pra ele? Está enganado, só mandei um pedido de desculpas pelo What’s app.
Você pode pensar que não, mas eu ainda te respeito. Eu fui apaixonada por você.

Neste momento são interrompidos pelo Garçom que traz os cardápios.

Garçom: Acabamos que iniciar nossos serviços culinários. Estamos com um menu especial e
recomendamos a especialidade da casa, Lagarto recheado ao molho bolonhesa. O que vão
pedir?

Eduardo: Ainda é cedo! Acho uma ótima sugestão. Você me acompanha?

Olívia: Muito obrigada, eu vou querer uma água com gás.

Eduardo: Só isso, Olívia? Por favor... Apenas uma dose de Whisky pra mim.

Garçom: Só temos Chivas, senhor.

Eduardo: Que seja!

Olívia: Quer beber?

Eduardo: Não posso?

Olívia: Claro que pode, pensando bem, eu vou querer também. Acho que vou precisar...

Garçom: Muito obrigado. Vou providenciar o pedido. (sai de cena)

Eduardo: Não fique com essa cara apavorada! Juro que hoje não vou me embriagar. Hoje não.
Queria que ficasse tranquila...

Olívia: Mas eu estou tranquila, querido...

Começa tocar “Devolva-me – Adriana Calcanhoto” ao fundo e Olívia percebe.

Olívia: Que ironia, esta música tocar logo agora (Gargalhada). Me perdoe, mas é um tanto
quanto irônico.

Eduardo: Meu amor, meu amor, você agora sorriu e tudo ficou como antes. Como é possível,
Olívia? Como é possível... Olívia me escuta. Isso é uma fase, nós vamos passar por isso junto.
Eu só quero mais uma chance, pra gente salvar essa história linda que temos. Ainda temos
tantos sonhos, tantas coisas que planejamos. Eu não estou pronto pra te perder, não agora.

Olívia: Eduardo meu querido, acho melhor você aceitar os fatos... Você sabe perfeitamente que
a nossa situação está insustentável. Este seu ciúme doentio me cansa. Eu abri mão de tanta coisa
pra estar com você. Eu já nem sei mais quem eu sou! Não nasci pra ser uma simples esposa,
aquela que acorda cedo, prepara o café, bota ordem na casa, eu não sou uma Alice. Eu
simplesmente não aguento mais fingir que estou bem ao seu lado, pois não estou. Estamos
vivendo uma situação falsa.

Garçom chega com as duas doses de whisky em copos com gelo. Olívia bebe tudo de uma vez, e
Eduardo acompanha enquanto Garçom observa.

Eduardo: Deixe a garrafa e saia.

Olívia: Acho melhor a gente acabar assim, aqui. Cada um vai pra sua casa, rasgamos as fotos,
cartas e bola pra frente. Assim simples, disco na prateleira

Eduardo: Disco na prateleira? Essa é boa, então você acha que vivemos uma situação falsa?
Que o que eu sinto por você é falso. Eu deixei minha mulher por você. Esta não é uma situação
falsa!

Olívia: De repente, é uma praga da Alice, sua ex-mulher! A Raposa Velha! (Gargalhada)

Eduardo: Eu não admito que você fale assim da Alice. Olha só pra você, nem se importa mais
comigo. Diria qualquer coisa pra me machucar, pra se ver livre de mim. Alice jamais faria isso.

Olívia: Volta pra ela! Acho que ela te ama até hoje Eduardo, e eu acho que você está
dramatizando demais...

Eduardo: Você tem outro, não é? Pra desistir assim tão fácil. Caiu na conversa de um
vagabundo qualquer, e digo mais, de repente é até mesmo aquele garçonzinho daquela
espelunca.

Olívia: Mas eu devo ter servido quisuco na santa ceia. Só pode! Pegue esse whisky é o meu
sangue... Fazei isso em memória de mim

Eduardo: Não blasfeme! Acho que você vai precisar de Deus quando se vê sem mim. Vocês
estão juntos?

Olívia: Eduardo, eu e você não estamos juntos há quase um mês. Nosso casamento acabou.
Natural que eu siga em frente.

Eduardo: Vocês estão juntos?

Olívia: Eu o adicionei no facebook e começamos a conversar. Surgiu uma empatia muito forte...

Eduardo: Empatia muito forte?! O nome disso agora é “Empatia muito forte”?

Olívia: Ele me apoia

Eduardo: Eu não te dei apoio? Casa, dinheiro, joias, e fiz todas as suas vontades?!

Olívia: Não era o bastante.

Eduardo: Ainda um mês atrás você me sussurrava “eu te amo”, quando fazíamos amor.

Olívia: Eu mentia, eu fingia, eu nem ao menos queria, Eduardo.


Eduardo: Eu te dei tudo!

Olívia: Eu não pedi nada! A minha carreira foi pro espaço...

Eduardo: Que bom pra você! Pois é lá que estão as estrelas, meu bem!

Olívia surpreende Eduardo com um tapa na cara.

Olívia: Cale-se! Não zombe da única coisa que é importante pra mim. Olha só que miserável
você é. Sabe o que é pra um artista ficar longe da sua paixão? Do seu dom? Pois esses cinco
anos eu vivi este inferno. Não era pra ser assim, nossa separação, mas você já não tem mais o
meu respeito. Eu não tenho nada o que fazer aqui! Tome a minha parte, eu não quero dever nada
a você.

Olívia joga dinheiro na mesa

Eduardo: Olívia, não faz assim. Vamos conversar! Eu me exaltei! Espera!

Olívia: Eu estou atrasada, não temos mais nada pra conversar. Por onde será que anda a Dona
Alice? Um beijo pra ela!

Olívia dá um beijo na face de Eduardo e sai

Eduardo: Olívia volte aqui! Olívia espere! Olívia! Olívia!

Entra à música “Vou deitar e rolar – Elis Regina”, Eduardo fica paralisado. Blackout. Volta
luz e foco em Eduardo com a aparição de “Alice”, que pega o resto do Whisky bebe e senta na
mesa olhando pra cena de Eduardo paralisado e rindo ao som da música. O garçom se
aproxima

Garçom – está tudo bem com o senhor

Eduardo – sim nós discutimos, mas tudo está bem

Garçom – não se preocupe os filhos são assim mesmo. Muito rebeldes.

Clodoaldo - Pactos.

Amanda - Acho que é isso. Não de sangue nem de nada que se possa ver e tocar. É um pacto
silencioso que tem a força de manter as coisas enraizadas.

Elis - um pacto de eternidade, (Martha Medeiros).

Gabriel - De tanto tentar colocar um ponto final.

Todos - Eles acabam se tornando reticências”.


(Tati Bernardi)

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