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A Técnica e o Processo Legislativos - Apostila

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INSTITUTO DO LEGISLATIVO PAULISTA - ILP

TÉCNICA E
PROCESSO
LEGISLATIVOS
CURSO MINISTRADO PELAS PROFESSORAS SUELI DE SOUZA E
MARICY VALLETTA NOS DIAS 22 E 29 DE OUTUBRO E 5 E 12
NOVEMBRO DE 2018.

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS


2018
1

PARTE I

A TÉCNICA LEGISLATIVA

I – INTRODUÇÃO

Ao iniciarmos este estudo sobre Técnica Legislativa, é importante relembrar


alguns conceitos básicos sobre a estruturação do Estado brasileiro, a partir da promulgação da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Somos, nos termos do art. 1º de nossa Carta, uma República Federativa,


formada pela união indissolúvel de Estados, Municípios e Distrito Federal. Constituímos, além
disso, um Estado Democrático de Direito, ou seja, vivemos sob o domínio da lei. Nossas leis
são elaboradas por nossos representantes, os representantes do povo - o real titular do poder -,
conforme dispõe o parágrafo único do art.1º, uma vez que a nossa é uma Democracia
Representativa, embora nela esteja previsto também o exercício direto da soberania popular,
através do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular (art.14).

O poder emanado do povo e exercido por seus representantes, eleitos para


mandatos com limitação temporal, se triparte em Legislativo, Executivo e Judiciário (saliente-
se que os membros do Poder Judiciário não são escolhidos através do voto). Cada um dos
Poderes tem uma função principal específica, e a exerce de forma independente e harmônica
com relação aos demais.

Determina a Constituição Federal que cada um dos entes que compõem nossa
Federação se organize conforme sua própria Carta, observados os princípios daquela. Nos
Estados, ela se chama Constituição do Estado; nos Municípios e no Distrito Federal, tem o
nome de Lei Orgânica.

Para fins políticos e administrativos, a Constituição Federal estabelece que a


República Federativa do Brasil se organize em União, Estados, Distrito Federal e Municípios
(art.18). Em cada um desses níveis, está presente o Poder Legislativo, cumprindo suas
2

atividades-fim de legislar e de fiscalizar, no limite de suas competências, nos termos da


Constituição Federal.

Nosso Estado Democrático de Direito garante aos seus cidadãos o direito


fundamental de não ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, a não ser em virtude
de lei (art. 5º, II da Constituição Federal). Em decorrência de tal garantia, é importante que o
cidadão, ao ser obrigado por lei a se portar de determinada maneira, ou a evitar outro
comportamento considerado ilegal, conheça e entenda o conteúdo da lei que o obriga ou lhe
proíbe alguma atitude.

Nos sistemas jurídicos oriundos do direito romano, como é o caso do nosso,


a lei é considerada a principal fonte do direito. Outras fontes, como os costumes, são
consideradas supletivas ou interpretativas.

Entende-se por lei a regra imperativa, de caráter geral, originada de


autoridade competente e resultante de um processo de elaboração pré-estabelecido. No Brasil,
tal processo tem suas regras gerais previstas na Constituição. A lei é, pois, regra de conduta
social, revestindo-se das seguintes características: generalidade, imperatividade, coerção
potencial, sanção jurídica e conteúdo de justiça. Lembremos, a propósito, o “caput” do art. 5º
da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”

O caráter geral da lei pode ser considerado sob dois aspectos: a) a origem,
uma vez que a lei é a expressão da vontade comum; b) o objeto, já que a lei é aplicada ao
conjunto dos cidadãos e não apenas a um caso ou a uma pessoa especificamente.

A Ciência Jurídica atribui os mais variados sentidos à palavra lei. Para fins
deste estudo, consideraremos lei, principalmente, no sentido de norma jurídica abstrata e geral,
proveniente da atividade-fim do Poder Legislativo. No entanto, consideraremos a palavra
também no sentido de ato legislativo, ou seja, aquela “declaração unilateral da vontade estatal
expressa e exteriorizada por escrito, que dispõe sobre a criação, modificação ou extinção de
normas jurídicas, abstratamente gerais” 1, oriunda de qualquer dos Poderes estatais, uma vez
que a técnica legislativa também é aplicada a atos normativos como decretos, portarias,
resoluções, deliberações, etc.

1
MEEHAN. Teoría y técnica legislativas, p. 32, citado por CARVALHO, Kildare Gonçalves, in Técnica
Legislativa – legística formal, p. 110.
3

No Estado Democrático de Direito, as leis são elaboradas a partir de regras


previamente estabelecidas. As regras gerais do processo de elaboração das leis, ou seja, do
processo legislativo, têm “status” de norma constitucional. Na Constituição Federal, tais
normas constam dos arts. 59 a 69. Os Estados, os Municípios e o Distrito Federal têm suas
próprias normas para o processo legislativo, obedecidos os princípios da Constituição Federal
(princípio federativo, princípio da separação dos Poderes, dentre outros).

II – AS ESPÉCIES NORMATIVAS

As espécies normativas que constituem o objeto do processo legislativo, no


âmbito federal, são aquelas descritas no art. 59 da Constituição Federal: emendas à
Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos
legislativos e resoluções. Desse rol, os Estados, Municípios e o Distrito Federal tiveram a opção
de adotar todas, ou algumas apenas, quando elaboraram suas próprias Cartas. Exemplificando:
na Constituição do Estado de São Paulo (artigo 21)2, não foram adotadas nem a medida
provisória nem a lei delegada. Já na Constituição de Minas Gerais, foi adotada a lei delegada,
mas não a medida provisória e o decreto legislativo (art. 63). Alguns Municípios adotaram todas
as espécies relacionadas no art. 59, enquanto que outros preferiram não adotar as medidas
provisórias e as leis delegadas. O Município de São Paulo não adotou a lei complementar,
optando por estabelecer quórum qualificado para a deliberação de determinadas matérias.
Alguns autores defendem, inclusive, que poderiam ser incluídas outras espécies normativas não
constantes do art. 59 da Constituição Federal.

1. Emenda à Constituição

Esta terminologia é usada com relação à Constituição da República e às


Constituições Estaduais. No âmbito dos Municípios, fala-se em Emenda à Lei Orgânica.
Consiste em alteração efetuada no texto da Constituição (ou da Lei Orgânica), a fim de suprimir
ou acrescentar dispositivo, ou, ainda, de alterar a redação de dispositivo já existente. A proposta
de emenda deve ser redigida de forma que o novo texto se encaixe adequadamente no conjunto

2
No Estado de São Paulo, a Constituição do Estado e as demais leis usam a palavra “artigo” escrita por
extenso e não abreviada, como exige a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998. A Lei
Complementar nº 863, de 29 de dezembro de 1999, que dispõe sobre a elaboração das leis no âmbito
do Estado, não traz a mesma exigência.
4

dos dispositivos existentes na Constituição. A proposta de emenda à Constituição (PEC)


obedece a um procedimento legislativo especial cujas principais características são:

a) iniciativa: um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados


ou do Senado Federal; o Presidente da República; ou mais da metade das Assembleias
Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa
de seus membros.

b) dois turnos de discussão e votação;

c) quórum qualificado para aprovação: 3/5 dos membros de cada uma das
Casas onde é votada;

d) momentos em que é proibida a sua apreciação: na vigência de intervenção


federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

e) temas que lhe são proibidos: a forma federativa de Estado; o voto direto,
secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais.

2. Lei complementar
A lei complementar tem duas peculiaridades: a) as matérias para as quais se
exige lei complementar estão especificadas na Constituição ou na Lei Orgânica; b) o projeto de
lei complementar necessita de quórum qualificado para sua aprovação (maioria absoluta da casa
legislativa). No mais, o projeto de lei complementar segue o procedimento legislativo padrão,
ou seja, o procedimento utilizado para a lei ordinária.

3. Lei ordinária

É o tipo legislativo usado para todas as situações em que se pretende obter


como resultado uma lei, desde que a Constituição não exija a forma de lei complementar.
Projeto de lei e projeto de lei complementar são as únicas proposições legislativas submetidas
à sanção do Chefe do Poder Executivo, que procede à promulgação da lei resultante.

4. Lei delegada

É de iniciativa exclusiva do Poder Executivo, mas depende de delegação


solicitada ao Senado. Há limitações ao objeto da delegação: os atos de competência exclusiva
5

do Congresso Nacional; os atos de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do


Senado Federal; e a matéria reservada à lei complementar; a legislação sobre: organização do
Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; planos plurianuais,
diretrizes orçamentárias e orçamentos.

A resolução do Senado que conceder a delegação ao Presidente da República


especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício. Se a resolução determinar a apreciação
do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.

5. Medida provisória
É de iniciativa exclusiva do Presidente da República. Tem força de lei desde
sua publicação. Em tese, deveria ser utilizada apenas em casos de relevância e urgência. Há
vedação para se utilizar a medida provisória com relação a determinadas matérias:
nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; direito penal,
processual penal e processual civil; organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a
carreira e a garantia de seus membros; planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento
e créditos adicionais e suplementares, ressalvada a abertura de crédito extraordinário para
atender despesas imprevisíveis e urgentes; detenção ou sequestro de bens, de poupança popular
ou qualquer outro ativo financeiro; matéria reservada à lei complementar ou já disciplinada por
projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente
da República.
O Congresso tem prazo certo para apreciá-la: 60 dias, a contar de sua
publicação, prorrogável por mais 60 dias. Após 45 dias de sua publicação, passará a tramitar
em regime de urgência, sobrestando todas as demais deliberações legislativas do Congresso. A
medida provisória rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo não poderá
ser editada na mesma sessão legislativa.
Se a medida provisória tratar de instituição ou majoração de impostos,
vigorará o princípio da anterioridade, ou seja, deve ser convertida em lei no exercício anterior
ao de sua vigência.
Chama-se “projeto de lei de conversão” a proposição que converte a medida
provisória em projeto de lei.
6

6. Resolução

A resolução destina-se a regular matéria político-administrativa, de


economia interna do Legislativo, cuja promulgação compete ao Presidente do Poder
Legislativo. Exemplo: os regimentos internos, a instituição de prêmios a serem concedidos pelo
Poder Legislativo, etc.
A majoração do salário dos servidores do Poder Legislativo, porém, deve ser
feita através de projeto de lei, por exigência constitucional (art. 37 da Constituição Federal).

7. Decreto legislativo

É destinado a regular matéria que extrapole os limites do Poder Legislativo,


atingindo terceiros não pertencentes a esse Poder. A proposição é deliberada apenas no âmbito
da casa legislativa, ou seja, não é submetida à sanção do Chefe do Poder Executivo.

Na esfera federal, o projeto de decreto legislativo é proposição que contém


decisão do Congresso Nacional. O projeto de resolução consubstancia decisão do Senado
Federal, nos termos do Regimento Interno do Senado. A Constituição prevê, entretanto,
Resolução do Congresso Nacional.

Tanto as Constituições quanto as Leis Orgânicas e os Regimentos Internos


podem trazer as situações em que será utilizado o decreto legislativo ou a resolução.

O art. 59 prevê, em seu parágrafo único, a edição de uma lei complementar


que disponha sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, ou seja, uma
lei que adote parâmetros técnicos que possibilitem a uniformização dos textos legislativos. Tal
previsão se consubstanciou na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998. As
Constituições dos Estados trazem previsões idênticas e muitas Leis Orgânicas também. Outras,
não. Isso não significa que não haja, nesses Municípios, regras específicas para a elaboração
das leis. Elas podem estar previstas nos regimentos internos, por exemplo. Há leis orgânicas
que estabelecem, especificamente, que serão seguidas, na elaboração de suas leis, as regras da
legislação federal.
7

Técnica e processo legislativos estão, pois, associados. O estudo da técnica


implica no conhecimento do processo, ressalta Natália de Miranda Freire.3 Segundo Kildare
Gonçalves Carvalho, “a técnica legislativa acha-se presente em todas as fases do processo
legislativo e integra sua essência, de modo a estabelecer uma vinculação entre elas para a
obtenção do resultado final, ou seja, a lei como produto do ato legislativo.”4

III – A LEI COMPLEMENTAR FEDERAL Nº 95, DE 26 DE


FEVEREIRO DE 1998 (COM ALTERAÇÕES PROPOSTAS PELA LEI
COMPLEMENTAR Nº 107, DE 26 DE ABRIL DE 2001)

O conteúdo da L. C. nº 95, de 1998 acha-se dividido em cinco capítulos. O


CAPÍTULO II é o que trata especificamente das técnicas de elaboração, redação e alteração das
leis. Esse Capítulo, com suas três Seções (I - Da Estruturação da Lei; II -Da Articulação e da
Redação das Lei; III - Da Alteração das Leis) é o objeto principal de nosso estudo sobre Técnica
Legislativa.

Ao estabelecer seu âmbito de aplicação, a L. C. nº 95, de 1998 determina que


os dispositivos nela contidos se apliquem às espécies normativas objeto do processo legislativo,
mas também à elaboração dos textos normativos de competência dos órgãos do Poder
Executivo, como os decretos, as deliberações, as portarias, as instruções normativas, etc.

Salienta Natália de Miranda Freire que, antes da edição da L. C. nº 95, de


1998, o tema “era objeto de atos normativos esparsos e até mesmo de normas não escritas ou
de praxes há muito adotadas”. Acrescenta a autora que “a ausência de normas técnicas de caráter
sistemático e geral, nos diversos entes da Federação, inviabilizava a uniformização dos textos
legislativos.”5

3
FREIRE, Natália de Miranda. A Técnica Legislativa como Objeto da Ciência do Direito. Belo Horizonte,
2001
4
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Técnica Legislativa (Legística Formal). 6ª ed. rev. atual. e ampl. – Belo
Horizonte: Del Rey, 2014.
5
FREIRE, Natália de Miranda. Op. Cit.
8

IV – TÉCNICA LEGISLATIVA E LEGÍSTICA

A L.C. nº 95, de 1998 beneficiou-se, em sua elaboração, da existência de um


ramo do conhecimento, cujo desenvolvimento se iniciou na Europa, em meados do Século XX,
ramo esse intitulado de Legística. Concluíram os estudiosos do tema que o excesso de normas
existentes e sua baixa qualidade geravam prejuízos econômicos e repercutiam negativamente
no PIB (Produto Interno Bruto) dos países europeus. Além disso, geravam um ativismo judicial
intenso, uma vez que os textos legais davam margem a diversas interpretações. A falta de
confiança na eficácia da lei provocava a fuga de investimentos, a descrença nas instituições e
gerava na população um sentimento de injustiça. Como a legislação constitui elemento
importante na implementação de determinadas políticas públicas, concluiu-se que a melhoria
na qualidade da lei contribuiria para o êxito dessas.

Nas palavras de Kildare Gonçalves Carvalho, “a Legística caracteriza-se


desse modo como a área do conhecimento relacionada com a feitura das leis de forma metódica
e sistemática, com o objetivo de produzir normas de melhor qualidade, mais eficazes e menos
onerosas.” Continua o autor: “Na elaboração da lei devem ser levados em conta múltiplos
fatores, como a utilidade da norma, a capacidade de produzir os efeitos pretendidos, a sua
harmonização com o ordenamento jurídico e a adequada relação entre custo e benefício.”6

Os estudiosos da Legística a subdividem em dois ramos: Legística material e


Legística formal. A primeira preocupa-se com questões referentes ao planejamento, à
necessidade, à utilidade da norma, a sua harmonização com o sistema jurídico e com a avaliação
legislativa. Antes da decisão de legislar, faz-se necessária a correta identificação do problema,
a clara definição dos objetivos, a fim de se optar pela melhor solução, quer se consubstancie
em uma nova norma ou não. A segunda, a Legística formal, estuda a redação do ato legislativo
propriamente dito, de forma a garantir sua clareza e coerência, tornando-a compreensível e
linguisticamente correta.

Segundo a Professora Fabiana de Menezes Soares, em artigo publicado na


Revista da Faculdade de Direito da UFMG, jan-jul 2007, é necessária a inserção da cultura
legística no Poder Legislativo, ou seja, a cultura do planejamento legislativo. Isso dependerá,

6
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Op. Cit., p. 179
9

segundo ela, de capacitação de pessoal técnico, de sensibilização de quem exerce o poder de


decisão e de modificações regimentais que introduzam a Legística no fazer legislativo.

V - PENSAR A LEI – ETAPA QUE PRECEDE A ELABORAÇÃO


LEGISLATIVA

No âmbito da Legística material, o Prof. Jean-Daniel Delley, estudioso do


tema, propõe um procedimento metódico em etapas, a fim de melhorar a eficácia da legislação.
Segundo o autor, a divisão em etapas responde apenas à necessidade prática de facilitar a
apresentação. O procedimento, entretanto, tem caráter interativo: uma etapa não se encerra
quando se passa à seguinte, mas pode ser refeita a qualquer momento, em decorrência das
conclusões obtidas nas etapas subsequentes. O procedimento metódico proposto pelo Prof.
Delley encontra-se minuciosamente descrito no texto “Pensar a lei. Introdução a um
Procedimento Metódico”.7

Embora tenha sido pensado especificamente para leis que estabeleçam


políticas públicas, o procedimento pode ser aplicado a todos os tipos de leis. Baseia-se no ciclo
de implementação de políticas públicas, que se compõe das seguintes fases: definição do
problema, determinação de objetivos, estabelecimento de cenários alternativos, escolha das
soluções, avaliação prospectiva, execução e avaliação retrospectiva.

O procedimento metódico proposto limita-se às seguintes etapas: definição


do problema, determinação dos fins e dos objetivos e avaliação prospectiva (avaliação “ex
ante”).

1. A definição do problema

A forma como a demanda chega ao legislador nem sempre corresponde à


realidade da questão. A percepção do problema pode não corresponder à sua exata definição. É
preciso examinar objetivamente a questão, identificando os atores envolvidos e sua lógica de
comportamento; detectando a interação entre os atores; procedendo com distanciamento crítico

7
http://www.almg.gov.br/opencms/export/sites/default/consulte/publicacoes_assembleia/periodicas/c
adernos/arquivos/pdfs/12/delley.pdf
10

ao diagnosticar a situação que demanda a intervenção legal; estabelecendo a dimensão


psicológica do fato; enfim, comparando a realidade vivida com a realidade desejada.

Para conseguir o distanciamento crítico e realizar o exame objetivo da


demanda legislativa que lhe chega, é preciso que o legislador a analise como a um problema,
considerando sua natureza, as causas, a duração, a dinâmica, os meios envolvidos e as
consequências. Alguns princípios devem reger sua análise: a relativização do problema ao
longo do trabalho, a autonomia do legislador e a consideração do contexto do problema e seus
potenciais impactos sobre domínios conexos.

O Prof. Delley propõe uma técnica de representação do problema denominada


gráfico de modelização causal. Aponta como vantagens: facilitar uma visão panorâmica do
problema e seus diferentes elementos; evidenciar os fatores explicativos do problema e as
ligações entre esses fatores; apreender a complexidade do problema e sua dinâmica e poder, a
partir do gráfico, elaborar uma estratégia adequada de ação.

2. A determinação dos fins e objetivos

A definição adequada de fins e objetivos facilitará a avaliação posterior da


iniciativa legislativa. Fins e objetivos podem constar de planos de governo, de pronunciamentos
da autoridade pública, de decretos, etc. Fins são abstratos, indicam tarefas permanentes, jamais
realizadas definitivamente, por isso têm mais aceitação. Já os objetivos são fins operacionais,
realizáveis através das iniciativas apropriadas, e, por sua concretude, capazes de causar
conflitos. Exemplificando: oferecer um meio ambiente equilibrado e saudável à população de
determinado Município é um fim aceitável sem maiores resistências. Já o objetivo de canalizar
100% da rede de esgoto do Município, em quatro anos, poderá sofrer alguma oposição se, para
cumpri-lo, for necessário deslocar a população de determinada área, transferindo as pessoas
para locais mais distantes, sem acesso a transporte e outros equipamentos públicos.

O Prof. Delley propõe como princípio para a determinação de fins e objetivos


a ótica do interesse público. Como técnica, propõe a elaboração de um sistema hierarquizado,
partindo-se de fins abstratos para objetivos muito precisos, para medidas concretas, com a
construção de uma estrutura arbórea que conduza a concretizações sucessivas e que culminem
com o inventário dos efeitos e dos indicadores que qualifiquem os objetivos estabelecidos.
11

3. A estratégia de realização dos fins


Os instrumentos à disposição do legislador, para alcançar os fins e os
objetivos estabelecidos, são de diferentes tipos. Há medidas coercitivas, passíveis de sanção,
medidas de regulação e de incentivo, fornecimento de bens ou serviços públicos, parcerias, etc.
A escolha do instrumento adequado deverá obedecer aos seguintes princípios:
a) princípio da subsidiariedade – deverá ser escolhido o instrumento menos
constrangedor dos direitos dos administrados;
b) princípio da adequação – deve-se assegurar a adequação mínima dos
instrumentos aos objetivos estabelecidos;
c) princípio da sinergia – deve-se assegurar que as medidas não se
entrechoquem;
d) princípio da celeridade – deve-se escolher o instrumento que mais
rapidamente alcance o objetivo pretendido, mesmo que esse instrumento não seja a elaboração
de uma lei.

Como técnica para a escolha dos instrumentos, propõe o Prof. Delley que se
estabeleça uma lista a mais completa possível dos instrumentos disponíveis para a solução do
problema e que se faça a escolha com base em critérios de adequação aos objetivos visados
(eficácia), e de viabilidade jurídica, política e financeira.

4. A avaliação prospectiva
A avaliação prospectiva é aquela realizada ainda na fase de planejamento,
antes que a norma inicie seu trâmite legislativo. Objetiva apresentar os efeitos potenciais das
medidas pretendidas, com alto grau de precisão. Ao fazê-la, deve-se levar em conta os efeitos
desejados, o impacto previsível sobre os destinatários e o impacto sobre as demais políticas
públicas. Esta avaliação poderá ser conseguida através de métodos de análise (direito
comparado, obtenção de informações sobre experiências semelhantes em outros países, estados
ou municípios), ou métodos de teste, em que se tenta prever os resultados da intervenção
legislativa, como se já tivesse em vigor, através de métodos estatísticos, ou se lança mão de um
teste prático, com a participação de um grupo de destinatários cujo comportamento frente à
aplicação da norma é analisado.
Uma forma mais avançada de teste legislativo é a legislação experimental.
Edita-se uma lei com limitação temporal e com aplicação territorial restrita. Se não se
alcançarem os resultados esperados, durante o período estabelecido para o teste, a lei não terá
12

sua aplicação ampliada e deverá ser revista. Esse tipo de legislação deverá prever dispositivo
de avaliação de seus próprios efeitos e é indicada para os casos em que os demais métodos de
avaliação prospectiva não produzam resultados efetivos e para medidas claramente avaliáveis.
Definido de forma clara o problema a ser atacado e cuja solução passe pela
elaboração de uma nova norma legal, outras questões se propõem e devem ser respondidas: há
amparo jurídico? é constitucional? há competência legislativa? há poder de iniciativa? a espécie
normativa escolhida é a adequada? pesquisou-se de forma exaustiva a legislação existente sobre
o tema? a lei nova será autônoma ou modificará diploma legal já existente? será necessário
revogar alguma outra lei? haverá necessidade de decreto de regulamentação?
Redigido o esboço do texto legal, a que se dá o nome de anteprojeto,
recomenda-se sua discussão com especialistas das áreas afetas a seu objeto, para dirimir dúvidas
de natureza técnica e também para se avaliarem as possíveis consequências práticas da medida.
O anteprojeto poderá, então, enquadrar-se às normas técnicas pertinentes, chegando à sua
redação final, antes de ser apresentado ao Parlamento, momento em que passará a denominar-
se projeto de lei (ou projeto de lei complementar, ou proposta de emenda à Constituição, ou
projeto de lei delegada, ou medida provisória, ou projeto de decreto legislativo, ou projeto de
resolução, conforme seja seu conteúdo), deflagrando o devido processo legislativo.
No âmbito do Poder Executivo Federal, as questões a serem analisadas
quando da elaboração dos atos normativos constam do Anexo do Decreto nº 9.191, de 1º de
novembro de 2017, que estabelece as normas e as diretrizes para elaboração, redação, alteração,
consolidação e encaminhamento de propostas de atos normativos ao Presidente da República
pelos Ministros de Estado. Este decreto revogou e substituiu o de nº 4.176, de 28 de março de
2002. O referido anexo segue os ensinamentos teóricos da Legística Material e propõe os
seguintes itens a serem analisados, quando da elaboração dos atos normativos: diagnóstico,
alternativas, competência legislativa, necessidade da lei, reserva legal, norma temporária,
medida provisória, oportunidade do ato normativo, densidade do ato normativo, respeito aos
direitos fundamentais, norma penal, norma tributária, norma de regulação profissional,
compreensão do ato normativo, exequibilidade, análise de custos envolvidos, simplificação
administrativa, prazo de vigência e adaptação e avaliação dos resultados.
13

VI – A ESTRUTURA DA LEI (LEGÍSTICA FORMAL)

Concluída a fase de planejamento legislativo (Legística material), passemos


ao estudo da estrutura do texto legal, nos termos do que dispõe o art. 3º da L. C. nº 95, de 1998.
A estrutura da lei compõe-se de três partes: parte preliminar, parte normativa
e parte final.

1. Parte Preliminar
A parte preliminar serve, segundo Kildare Gonçalves Carvalho, para
identificar a lei na ordem legislativa, tanto no tempo como no espaço8. Na parte preliminar estão
compreendidas a epígrafe, a ementa, o preâmbulo, o enunciado do objeto e o âmbito de
aplicação das disposições normativas.
Epígrafe é o nome técnico para o título da lei. Exige a L.C. 95, de 1998 que
seja grafada em caracteres maiúsculos e que seja formada pelo título designativo da espécie
normativa, pelo número respectivo e pelo ano de promulgação. O inciso XXVI do art. 15 do
Decreto 9.191, de 2017 acrescenta que a epígrafe deve ser centralizada e não deve ser negritada.
Exemplo:

LEI COMPLEMENTAR Nº 95, DE 26 DE FEVEREIRO DE 1998

Saliente-se que as leis complementares, as leis ordinárias e as leis delegadas


têm numeração sequencial àquela iniciada em 1946, conforme determina o inciso II do § 2º do
art. 2º da L.C 95, de 1998. Já as emendas à Constituição têm sua numeração iniciada a partir da
promulgação da Constituição de 1988.
Ementa é a súmula do objeto da lei. Deve ser sintética e clara. Deve ser
grafada de forma a ficar em realce. O Decreto nº 9.191, de 2017 determina, para esse fim, em
seu artigo 15, inciso XXVII, que a ementa seja alinhada à direita da página, com nove
centímetros de largura. É conhecida também como “rubrica”, mas a terminologia adotada na
lei é “ementa”.
Segundo o Manual de Redação da Presidência da República, “a síntese
contida na ementa deve resumir o tema central ou a finalidade principal da lei”. Recomenda
que se evite, portanto, “mencionar apenas um tópico genérico da lei acompanhado do clichê “e

8
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Op. cit. p. 152
14

dá outras providências.” O Decreto nº 9.191, de 2017 restringe o uso da expressão “e dá outras


providências” apenas a “atos normativos de excepcional extensão e com multiplicidade de
temas e se a questão não expressa for pouco relevante e estiver relacionada com os demais
temas explícitos na ementa” (parágrafo único do art. 6º).

Recomenda o Manual de Redação da Assembleia Legislativa do Estado de


Minas Gerais que a expressão “e dá outras providências” só deva ser usada se o texto contiver
dispositivos complementares relacionados com o objeto central, como disposições
modificativas de leis em vigor ou alterações na estrutura administrativa necessárias à
implementação da lei nova.9
Embora não seja exigência da L.C. 95, de 1998, é aconselhável fazer
referência na ementa ao número e ao objeto de lei que se pretenda alterar ou revogar, quando
for o caso.
A ementa se inicia, geralmente, com um verbo na terceira pessoa do singular
do presente do indicativo, como: “dispõe sobre”, “institui”, “declara de utilidade pública”,
“cria”, “altera”, etc.
Preâmbulo – é a parte da lei que se situa logo após a ementa e deverá indicar,
conforme determina a L.C. 95, de 1998, o órgão ou a instituição competente para a prática do
ato e sua base legal. O termo preâmbulo é usado no caso do ato específico de promulgação da
lei. Noutros casos, usa-se a expressão “fórmula de promulgação.”
Pela fundamentação legal e pela indicação da autoridade ou órgão legiferante,
no preâmbulo, pode-se inferir como se deu o processo legislativo (se a sanção foi tácita ou não,
se houve veto, etc.) Exemplificando:
a) “O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso
Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:”
b) “O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso
Nacional decreta e eu promulgo, nos termos do parágrafo 5º do art. 66 da Constituição Federal,
as seguintes partes vetadas da Lei no 13.509, de 22 de novembro de 2017:”
Chama-se ordem de execução ou mandado de cumprimento a parte
imperativa do preâmbulo em que se prescreve a força coativa da lei.

9
Manual de redação parlamentar. 2. ed. – Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas
Gerais, 2007. p. 34
15

O enunciado do objeto e o âmbito de aplicação da lei estarão contidos nos


primeiros artigos do texto legal.
A enunciação do objeto da lei só se justifica naqueles textos mais complexos,
como é, por exemplo, o da lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Naquelas
leis cujo objeto está contido em um único artigo, não há necessidade de sua enunciação. Quanto
ao âmbito de aplicação da lei, também só se justifica na legislação federal, em que se tem que
explicitar se a lei se aplica somente ao âmbito da União ou se sua obrigatoriedade se estende
também aos Estados e Municípios. Exemplo de artigo contendo o enunciado do objeto e o
âmbito de aplicação da lei:
“Art. 1º Esta lei institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo sobre seus
princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento
de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos
instrumentos econômicos aplicáveis.
§ 1º Estão sujeitas à observância desta lei as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público
ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações
relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos. (...)

Quanto ao objeto da lei, é preciso lembrar que, regra geral, cada lei tratará de
um único objeto, exceto as codificações. As matérias contidas na lei deverão estar vinculadas
ao objeto por afinidade, pertinência ou conexão. A lei não poderá conter, portanto, matéria
estranha ao seu objeto. O mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei,
exceto quando a lei subsequente se destine a complementar a lei básica, vinculando-se a esta
por remissão expressa.

2. Parte Normativa
A parte normativa da lei contém as disposições de conteúdo substantivo
relacionadas à matéria legislada. Não é possível estabelecer modelos prévios, mas, embora o
legislador disponha de alguma margem de discricionariedade, a articulação e a divisão do texto
deverão ser feitas de acordo com a natureza, a extensão e a complexidade da matéria. Algumas
regras básicas podem, entretanto, ser estabelecidas, como propõe o Manual de Redação da
Presidência da República:
1. matérias que guardem afinidade objetiva devem ser tratadas em um
mesmo contexto;
2. procedimentos devem ser disciplinados segundo uma ordem cronológica;
16

3. a sistemática da lei deve ser concebida de modo a permitir que ela forneça
resposta à questão jurídica a ser disciplinada e não, a qualquer outra indagação;
4. deve-se guardar fidelidade ao sistema escolhido, evitando-se a mistura de
critérios;
5. institutos diversos devem ser tratados separadamente.

Os artigos iniciais da lei serão destinados a indicar seu objeto e o âmbito de


aplicação, a estabelecer os objetivos e as diretrizes e a definir o sentido dos termos que serão
usados de modo recorrente.

Na ordenação dos artigos referentes ao objeto da lei, os preceitos gerais


precedem os especiais; os preceitos principais precedem os acessórios; os preceitos
permanentes precedem os transitórios; e os preceitos substantivos precedem os processuais.

Quando houver a necessidade de agrupar os artigos por temas, nos casos de


as leis serem bastante complexas, será usada a seguinte terminologia: subseções, para um
conjunto de artigos dentro das seções; seções, para o conjunto de subseções; capítulo, para o
conjunto de seções; título, para o conjunto de capítulos; livro, para o conjunto de títulos; parte,
para o conjunto de títulos. Subseções e seções podem ser consideradas frações de um inteiro
denominado capítulo. Dessa forma, a primeira divisão que se adota, ao separar os temas da lei,
é o capítulo. Se houver necessidade de subdivisões dentro dos capítulos, aí sim se utilizam as
seções. Se houver necessidade de subdividir as seções, utilizam-se as subseções.

A L. C. nº 98, de 1998 exige que seções e subseções sejam identificadas por


algarismos romanos, em letras minúsculas e postas em negrito ou caracteres que as coloquem
em realce. Exemplo: Seção I, Subseção III.

Já os CAPÍTULOS, TÍTULOS, LIVROS E PARTES serão grafados em letras


maiúsculas e identificados por algarismos romanos, mas não há exigência de negritá-los.
Exemplos: CAPÍTULO I, TÍTULO III, LIVRO V, etc.

As PARTES podem se subdividir em PARTE GERAL e PARTE ESPECIAL,


ou em partes expressas em números ordinais escritos por extenso, como PARTE PRIMEIRA,
PARTE DÉCIMA, etc.
17

Para um melhor entendimento da estrutura das leis mais complexas, é


aconselhável consultar, por exemplo, o índice da Constituição Federal ou o índice dos Códigos
Civil ou Penal.

A lei poderá conter, ainda, grupamentos de artigos com denominações


específicas, de acordo com sua finalidade:

a) Disposições preliminares – para destacar os artigos iniciais das


disposições substantivas, para localizar a lei no tempo e no espaço, para apresentar os
princípios, objetivos e diretrizes e para estabelecer as normas de aplicação.
b) Disposições gerais – se no início da lei, têm a mesma função das
disposições preliminares. Se no início de um capítulo, funcionam como disposições
preliminares daquele bloco de artigos apenas. Se no final do texto, podem conter preceitos
comuns a mais de um capítulo, preceitos autônomos que não caibam nas divisões do texto, por
falta de pertinência temática, comandos que estabeleçam providências destinadas a
operacionalizar a aplicação da lei ou comandos que indiquem normas intertemporais.
c) Disposições finais - contêm preceitos autônomos, normas de
operacionalização da lei, normas intertemporais, cláusula de vigência e de revogação e cláusula
financeira.
d) Disposições transitórias – regulam situações de transição entre o direito
velho e o novo, de modo autônomo e temporário; indicam o direito aplicável a situações
pendentes; disciplinam determinada situação até que se editem normas definitivas a respeito;
definem procedimentos para pôr em funcionamento a lei nova ou as instituições por ela criadas.
Podem compor um bloco destacado, com numeração própria, ou virem inseridas nas
disposições gerais ou finais.

3. Parte Final
A parte final do texto legal conterá normas relativas a sua implementação,
normas de caráter geral e transitório, cláusula de vigência e cláusula de revogação.
Embora a L.C. 95, de 1998 não faça referência à cláusula financeira, esta é
exigida em algumas unidades da Federação, como é o caso do Estado de São Paulo onde, em
consequência da exigência contida no artigo 25 de sua Constituição, “nenhum projeto de lei
18

que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste
a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.”
A cláusula de vigência deve ser indicada de forma expressa, contemplando
um prazo razoável para que se tenha amplo conhecimento da lei. Recomenda a L. C. nº 95, de
1998 que se reserve a fórmula “Esta lei entra em vigor na data de sua publicação” para leis de
pequena repercussão.
As leis que estabeleçam período de vacância devem usar a fórmula “Esta lei
entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial.”
Caso a lei não traga previsão sobre o termo inicial de sua vigência, segue-se
a regra contida no art. 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que determina
que “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País quarenta e cinco dias
depois de oficialmente publicada.”
Deve-se, por oportuno, distinguir entre vigência e eficácia. Dizer que a lei
entra em vigor significa dizer que ela é incorporada ao ordenamento jurídico (vigência), mas
também que ela está apta a produzir efeitos jurídicos (eficácia). A cláusula de vigência tanto
pode fazer coincidir vigência e eficácia, quanto pode dissociar temporalmente os dois eventos.
Assim, a eficácia pode ser concomitante à vigência, como é o caso da fórmula
“Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.” A eficácia pode ser retroativa, ou seja,
anterior à publicação da lei, como na fórmula “Esta lei complementar entra em vigor na data de
sua publicação, retroagindo seus efeitos a 1º de outubro de 2007”, numa lei que foi publicada
em 28 de dezembro de 2007. A eficácia poderá ser diferida, ou seja, os efeitos jurídicos advirão
algum tempo após a publicação da lei, como na fórmula “Esta lei complementar entra em vigor
na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2008” numa lei
publicada em 27 de dezembro de 2007. A cláusula de vigência poderá prever, ainda, que apenas
alguns dispositivos da lei tenham eficácia diferida ou retroativa.
Nas leis que trazem período de vacância, tanto a vigência quanto a eficácia
são diferidas. É a chamada “vacatio legis” ou postergação da produção de efeitos. Determina o
Decreto 9.191, de 2017 o uso da “vacatio legis” em atos normativos de maior repercussão; que
demandem tempo para esclarecimentos ou exijam medidas de adaptação da população; que
exijam medidas administrativas prévias para a aplicação de modo ordenado; ou em que não
convenha a produção de efeitos antes da edição de ato normativo inferior ainda não publicado.
Para estabelecer o prazo da “vacatio legis” recomenda o referido decreto que
se considere: o prazo necessário para amplo conhecimento da norma pelos destinatários; o
tempo necessário à adaptação da administração pública e dos particulares aos novos
19

procedimentos, regras e exigências; e o período do mês, do ano ou da semana mais adequado


para a adaptação às novas regras. Recomenda, ainda, que se priorize o primeiro dia do mês
como data de entrada em vigor de atos normativos e, nos casos de atos normativos que tratem
de organização administrativa, que se priorizem os dias úteis.

A L.C. nº 95, de 1998 exige que a cláusula de revogação seja expressa,


enumerando expressamente as leis ou disposições legais revogadas. Não se admite mais a
fórmula genérica “Revogam-se as disposições em contrário.”
A cláusula de vigência deve constar em artigo separado daquele que contém
a cláusula de revogação.
Poderá ser necessário criar alguns anexos para aqueles textos que não
comportem a articulação nem devam constar do corpo da lei. É o caso das tabelas, das listas,
dos gráficos, dos modelos de formulários, das minutas de contratos, etc.
O anexo deverá ser instituído por um artigo da lei. Por exemplo:
“Art. 4º A estrutura das carreiras instituídas por esta lei e o número de cargos
de cada uma são os constantes no ANEXO I”.
O anexo tem como título a palavra ANEXO, escrita em letras maiúsculas e
centralizada. Abaixo, a indicação do artigo que o instituiu, entre parênteses. Se for um só, será
ANEXO ÚNICO. Se houver mais de um, serão numerados com algarismos romanos. Seu
conteúdo poderá conter títulos e subtítulos, conforme o caso. Exemplo:
ANEXO IV
(a que se refere o art. 8º da Lei nº ..., de ... de ........ de ....)

Na numeração interna dos anexos, usam-se algarismos romanos, quando os


itens forem considerados incisos. Noutras situações, porém, podem ser usados algarismos
romanos ou arábicos. Os subtítulos devem ter a numeração iniciada com algarismo romano,
correspondente ao número do anexo, seguido de algarismo arábico. Exemplo:
ANEXO IV
(a que se refere o art. 8º da Lei nº ..., de ... de ........ de ....)
IV. 1 Tabela das carreiras da Secretaria X
IV. 2 Tabela das carreiras da Secretaria Y

Em algumas circunstâncias, como para fins de organização da lei e para


possibilitar que o veto do Poder Executivo incida apenas sobre parte do conteúdo, é necessário
20

estabelecer que os itens de determinado anexo têm valor de inciso. Isso pode ocorrer, por
exemplo, na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual. Na Assembleia
Legislativa de Minas Gerais, as emendas parlamentares apresentadas a esses projetos são
reunidas em anexo específico e referidas na lei como incisos de um artigo determinado. Após a
sanção, o Governador providenciará o enquadramento adequado no interior dos textos ou
anexos das referidas leis.

Da parte final da lei constam, ainda: o fecho, a assinatura e a referenda,


embora não mencionados na L.C. 95, de 1998.

O fecho contém o local e a data. Na legislação federal, o fecho toma a seguinte


forma: “Brasília, 27 de maio de 1990, 169º da Independência e 102º da República.”

A assinatura da autoridade que promulga a lei é condição para sua validade.


Além disso, por exigência constitucional (inciso I do parágrafo único do art. 87 da Constituição
Federal), as leis federais devem ser referendadas pelo Ministro de Estado cuja área se relacione
com o objeto da lei. Ressalta Kildare Gonçalves Carvalho que a referenda consiste na
assinatura de próprio punho e por extenso e que, sem referenda, o ato é considerado inexistente,
porque a assinatura é imperativo constitucional.10

As leis promulgadas por outras autoridades que não o Chefe do Poder


Executivo não trazem referenda ministerial.

VI I– O ARTIGO – A UNIDADE BÁSICA DE ARTICULAÇÃO

O artigo é a unidade básica de articulação e deve conter um único assunto.


Deve ser indicado pela abreviatura “Art.”, seguida de numeração ordinal até o nono e cardinal
a partir do seguinte: Art. 1º, Art. 2º, ......Art. 9º, Art. 10, ... Art. 239, etc. Quando a complexidade
do tema o exigir, é preferível que este seja tratado em vários artigos, agrupados em uma seção,
se for o caso, do que redigir um único artigo muito extenso. Não se interrompe o texto do artigo
com ponto final, começando-se novo período no interior do mesmo artigo. Cada artigo deve se

10
CARVALHO, Kildare Carvalho. Op. Cit. p. 173
21

iniciar com letra maiúscula e se encerrar com ponto final, ou dois pontos, se houver subdivisão
em incisos.

O comando contido no “caput” do artigo é a regra geral. Os parágrafos, se


houver, servirão para expressar medidas complementares e exceções relacionadas ao conteúdo
do “caput”.

Os artigos podem se desdobrar em incisos (representados por algarismos


romanos que se leem como números cardinais: inciso um, inciso cinco, etc.), em parágrafos ou
nos dois ao mesmo tempo. Os incisos se prestam a enumerações, assim como as alíneas e os
itens. O parágrafo é representado pelo sinal gráfico “§”. Sendo um só, deve-se escrever por
extenso “Parágrafo único”.

Os parágrafos também podem se desdobrar em incisos. Já os incisos se


desdobram em alíneas e estas, em itens. As alíneas são representadas por letras minúsculas,
seguidas pelo sinal de fechar parêntese: a), b), c) ...

Finalmente, os itens são representados por algarismos arábicos, seguidos de


ponto: 1., 2., 3., etc.

VIII– A LINGUAGEM DO TEXTO LEGAL

Para Carlos Blanco de Morais, “a difícil inteligibilidade, a litigiosidade e a


ineficácia da lei no plano de sua aceitação, acatamento e praticabilidade administrativa derivam,
com grande frequência, de defeitos de linguagem, já que a norma dificilmente é separável das
proposições linguísticas que a contêm.”11

O autor aponta cinco pontos críticos na redação das leis:

1. Uso de linguagem inadequada ao caráter prescritivo, à utilidade e


compreensão das leis: verbosidades desprovidas de fins regulatórios, arcaísmos, jogos de
palavras, abuso de adjetivos e advérbios, uso de sinônimos, redundâncias, marcas ideológicas,

11
Morais, Carlos Blanco. Manual de Legística Critérios Científicos e Técnicos para Legislar Melhor.
Lisboa: Verbo, 2007, 690 p.
22

enunciados puramente programáticos, alargamentos explicativos ou justificativos e conceitos


puramente doutrinais;
2. Redação de artigos longos, compactos, contendo uma pluralidade de
normas na mesma formulação;
3. Utilização, no plano da semântica, de termos e formulações vagas,
ambíguas, incertas e alienígenas: uso de hipertecnicismos e expressões cifradas;
4. Deficiente formulação gramatical: erros na conjugação, concordância
e regência dos verbos, erros na concordância nominal, uso indevido da vírgula e outros
descuidos na pontuação, uso incorreto de pronomes, etc.
5. Existência de defeitos na ortografia: erros na escrita das palavras, uso
inapropriado de letra maiúscula e minúscula, menção incorreta de numerais, uso de siglas não
decodificadas, etc.

Determina a L. C. nº 95, de 1998 que as disposições normativas sejam


redigidas com clareza, precisão e ordem lógica (art. 11). Propõe o uso de alguns recursos
linguísticos para alcançar cada uma dessas características.

Um texto legal claro evita conflitos de interpretação, contribui para a


segurança jurídica e contribui para o atendimento à determinação contida no artigo 3º da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que
não a conhece.” Contribuem para a clareza do texto a impessoalidade, o uso do padrão culto de
linguagem, a formalidade, a padronização e a concisão.

“Conciso é o texto que consegue transmitir um máximo de informações com


um mínimo de palavras”, define o Manual de Redação da Presidência da República. Não se
trata de economia de pensamento, mas da capacidade de condensá-lo no substancial,
dispensando palavras e expressões inúteis, que nada acrescentam. Todo texto tem ideias
fundamentais e outras acessórias. As ideias secundárias servem para detalhar ou exemplificar
as fundamentais; se não acrescentam qualquer informação ao texto, devem ser descartadas. A
revisão do texto é fundamental para se obter a concisão.

A simplicidade do texto também contribui para sua clareza. São recursos


linguísticos para se obter simplicidade: dar preferência à ordem direta, exceto quando a ordem
inversa for necessária para reforçar o caráter imperativo do enunciado; dar preferência às
expressões na forma positiva; empregar palavras e expressões de uso corrente, exceto nos casos
23

em que seja necessária a linguagem técnica; usar termos estrangeiros somente em casos
excepcionais (expressões latinas, p.e.), ou quando não houver expressão correspondente em
Português, como é o caso da nomenclatura ligada à inovação tecnológica; grafar o
estrangeirismo em itálico, ou “entre aspas” ou em negrito, opção escolhida pelo Decreto 9.191,
de 2017( art. 15, inciso XXV).

A uniformidade do texto é um elemento que contribui para sua precisão. São


recursos linguísticos para se obter a uniformidade: expressar a mesma ideia, ao longo de todo
o texto, com as mesmas palavras, evitando sinônimos; evitar o uso de regionalismos,
empregando termos de uso comum; buscar a uniformidade do tempo e do modo verbais em
todo o texto; buscar o paralelismo nominal e verbal entre as disposições dos incisos, das alíneas
e dos itens constantes na mesma enumeração; evitar o emprego de palavra ou expressão que
confira ambiguidade ao texto; grafar por extenso quaisquer referências a números e percentuais,
exceto data, número de lei e nos casos em que houver prejuízo para a compreensão do texto.

Para ter precisão, o texto legal deve ser coerente. A coerência deve se dar
entre os dispositivos da própria lei (coerência interna) e também entre os dispositivos do texto
legal e os preceitos contidos na Constituição, em outras leis e os princípios do Direito (coerência
externa).

Para se obter coerência, deve haver rigor na adoção de critérios, de categorias


e de termos normativos, equilíbrio no grau de detalhamento dos temas e articulação lógica, em
cada artigo, entre o disposto no “caput” e o disposto nos parágrafos. Deve-se ordenar
logicamente os dispositivos e dar progressão sistemática aos enunciados. Deve-se fazer menção
apenas a entes ou conceitos que já tenham sido determinados na própria lei ou em outra. Antes
de usar um termo ou expressão que tenha significado específico no texto em que aparece,
indicar o objeto ou ente que ele designa. Deve ser mantido o paralelismo sintático entre os
elementos de uma enumeração e a continuidade sintática entre o comando do “caput” e os itens
de uma enumeração. Deve ser usado o mesmo termo para fazer menção ao mesmo conceito ou
ente. Quando se optar por usar dois termos diferentes para designar um mesmo ente, isso dever
ser explicitado na lei. Finalmente, as remissões devem ser feitas de forma clara e precisa.

Remissões são as referências feitas a outros dispositivos da mesma lei


(remissão interna) ou a dispositivos de outras leis (remissão externa). Recomenda-se: identificar
com precisão o objeto da remissão, evitando usar expressões como “artigo anterior”, “parágrafo
24

seguinte”, e, quando for o caso, fazer menção exata ao termo ou expressão que é o núcleo da
remissão; explicitar, sempre que possível, o conteúdo do preceito objeto da remissão, de modo
a garantir a maior autonomia textual possível ao dispositivo em que se faz a remissão; evitar a
proliferação de remissões, prejudicial à legibilidade do texto.

Recomenda o Decreto 9.191, de 2017 que as remissões sejam grafadas da


seguinte forma:

a) Na ementa, no preâmbulo e na primeira remissão no corpo da norma: “Lei


nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990”(o nº da lei tem ponto entre o milhar
e a centena, mas a indicação do ano não tem; a remissão deverá ser
sublinhada);
b) Nos demais casos: “Lei 8.112, de 1990”.

IX– A ALTERAÇÃO DAS LEIS

A L. C. nº 95, de 1998 prevê três hipóteses de alteração das leis existentes:

1. Reprodução integral do conteúdo em um novo texto, revogando-se a lei


anterior, quando a alteração for considerável;
2. Revogação parcial do texto, mantendo-se os demais dispositivos da lei
anterior;
3. Substituição, no texto da lei, dos dispositivos alterados, ou acréscimo de
dispositivos novos.

No caso de a lei nova acrescentar dispositivos à lei em vigor, devem ser


obedecidas as seguintes regras: a numeração original dos artigos não pode ser alterada, nem a
numeração dos agrupamentos de artigos (seção, capítulo, etc.); embora permitida, a
reordenação interna dos desdobramentos do artigo deve ser evitada, devendo-se, quando
ocorrer, identificar o artigo modificado com as letras (NR) ao final; havendo necessidade de
acréscimo de novos artigos, estes devem ter o mesmo número do artigo existente, após o qual
o novo artigo será inserido, seguido de letra maiúscula; é vedado o aproveitamento de número
de dispositivo revogado, vetado ou declarado inconstitucional, que deve continuar constando
do texto da lei, com as devidas anotações.
25

O Decreto 9.191, de 2017 adota a seguinte redação para a lei que proponha a
substituição, supressão ou acréscimo de dispositivo a outra lei em vigor: o ato normativo a ser
alterado deverá ser mencionado pelo título designativo da espécie normativa e pela sua data de
promulgação, seguidos da expressão “passa a vigorar com as seguintes alterações”, sem a
especificação dos artigos ou subdivisões de artigo a serem acrescidos ou alterados. Será
utilizada a linha pontilhada para indicar os dispositivos que não terão seu texto alterado. A
utilização da linha pontilhada é obrigatória para indicar a manutenção de dispositivo em vigor.
Se usada para indicar a manutenção do texto do “caput”, deverá ser precedida da indicação do
artigo a que se refere; para indicar a manutenção do texto do “caput” e do dispositivo
subsequente, usam-se duas linhas pontilhadas. A inexistência da linha pontilhada não
dispensará a revogação expressa do dispositivo. Exemplificando:

LEI Nº 13.690, DE 10 DE JULHO DE 2018.

Altera a Lei nº 13.502, de 1º de novembro de 2017, que


dispõe sobre a organização básica da Presidência da
República e dos Ministérios, para criar o Ministério da
Segurança Pública, e as Leis nos 11.134, de 15 de julho de
2005, e 9.264, de 7 de fevereiro de 1996; e revoga
dispositivos da Lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional


decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Fica criado o Ministério da Segurança Pública e transformado o


Ministério da Justiça e Segurança Pública em Ministério da Justiça.

Art. 2º A Lei nº 13.502, de 1º de novembro de 2017, passa a vigorar com as


seguintes alterações:

“Art. 21. ...............................................................

....................................................................................

XIII - da Justiça;
26

....................................................................................

XXIII - da Segurança Pública.” (NR)

(...)

X – A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS

A consolidação constitui uma espécie de saneamento do ordenamento


jurídico. É uma forma específica de alteração das leis que consiste na revogação total de leis
em desuso ou na integração de todas as leis pertinentes a determinada matéria num único
diploma legal, revogando-se formalmente as leis incorporadas à consolidação, sem modificação
do alcance nem interrupção da força normativa original dos dispositivos consolidados.

Chama-se “matriz de consolidação a lei geral básica à qual se integrarão os


demais atos normativos de caráter extravagante que disponham sobre matérias conexas ou afins
àquela disciplinada pela matriz. Leis complementares e leis ordinárias não poderão ser
consolidadas em uma mesma matriz.” (artigos 48 e 48 do Decreto nº 9.191, de 2017).

No processo de consolidação permitem-se as seguintes alterações: novas


divisões e nova numeração dos artigos; fusão de disposições idênticas; atualização de termos e
de denominações de órgãos; atualização de valores de penas pecuniárias, com base em
indexação padrão; supressão de dispositivos declarados inconstitucionais pelo STF e indicação
de dispositivos não recepcionados pela Constituição Federal; declaração expressa de revogação
de dispositivos implicitamente revogados por leis posteriores; declaração de revogação de leis
e dispositivos implicitamente revogados ou cuja eficácia ou validade se encontre
completamente prejudicada.
27

XI – ATOS NORMATIVOS INFRALEGAIS

São atos emanados pelo Chefe do Poder Executivo ou por seus órgãos, com
a finalidade de regulamentar disposições legais. Podem se originar de autoridades, de forma
singular, ou de órgãos colegiados. Ainda reina alguma confusão quanto à finalidade de alguns
desses atos e sua denominação. Principais denominações: decretos, atos, portarias, resoluções,
deliberações, instruções normativas, ordens de serviço.

Determina o parágrafo único do artigo 1º da Lei Complementar nº 95, de 1998


que suas regras também sejam aplicadas aos decretos e demais atos de regulamentação
expedidos por órgãos do Poder Executivo.

1. Decretos e Decretos Autônomos


Definição clássica de decretos: “Atos administrativos de competência
exclusiva do Chefe do Executivo, destinados a prover situações gerais ou individuais,
abstratamente previstas na lei, de modo expresso ou implícito.”

Tal definição não se aplica aos decretos autônomos, introduzidos no


ordenamento constitucional brasileiro através da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de
setembro de 2001. O Decreto Autônomo deriva diretamente da Constituição e possui efeitos
análogos aos de lei ordinária.
Aplica-se apenas nas hipóteses contidas no artigo 84, VI da Constituição
Federal, ou seja:
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não
implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.

1.1 Decretos singulares: trazem regras singulares ou concretas como:


nomeação, aposentadoria, abertura de crédito, desapropriação, cessão de uso de imóvel, etc.

1.2 Decretos regulamentares: destinam-se a estabelecer regras orgânicas e


processuais destinadas a pôr em execução os princípios institucionais estabelecidos por lei ou
para desenvolver os preceitos dela constantes. O decreto regulamentar não pode inovar o
ordenamento jurídico nem contrariar preceitos legais. Deve ser referendado pelo chefe da pasta
28

à qual se relacionar seu conteúdo. Quando o decreto objetiva a aprovação de algum


regulamento, este vem formalizado em texto à parte, dentro do próprio decreto.

1.3 Estrutura do Decreto:


a) Epígrafe (tipo de ato, número e data)
b) Ementa (resumo do conteúdo)
c) Preâmbulo (identificação da autoridade e o respaldo legal para editar o
decreto, seguido da ordem de execução consubstanciada na palavra
“decreta”, na linha abaixo, em letras maiúsculas)
d) Corpo (texto articulado, que pode vir precedido de “consideranda”)
e) Fecho (local e data)
f) Assinatura
g) Referenda (assinatura dos demais secretários relacionados ao tema do
decreto).

2. Portarias

2.1 Definição: “Ato administrativo pelo qual os Ministros, Secretários e


outras autoridades expedem instruções sobre a organização e o funcionamento do serviço de
sua competência e praticam outros atos a ele relativos.”

2.2 Estrutura

A portaria possui a mesma estrutura do decreto, mas não é referendada por


qualquer outra autoridade.

A portaria pode ser individual ou conjunta.

A ordem de execução é dada pelo termo “resolve(m)” situado na linha


subsequente à indicação da autoridade ou autoridades que expedem o documento e a
fundamentação legal, em letras maiúsculas, de preferência.

A parte articulada pode ser precedida de “consideranda”, quando necessário


fundamentar o ato de forma mais contundente.
29

Deverá ter cláusula de vigência e poderá conter cláusula de revogação, desde


que expressa.

Os comandos contidos nos artigos devem ser redigidos de forma a demonstrar


sua imperatividade. Não é tecnicamente correto iniciar o artigo com o verbo no modo infinitivo.

3. Deliberações e Resoluções

3.1 Definição: São atos normativos que consubstanciam decisões de órgãos


coletivos, como diretorias, conselhos, agências reguladoras etc., embora se encontrem
resoluções originadas de autoridades singulares, como Secretário de Estado.

3.2 Estrutura

As deliberações e as resoluções possuem a mesma estrutura que o decreto.

O preâmbulo deverá conter o nome da autoridade, o cargo em que se acha


investida e a atribuição legal em que se baseia para editar o ato. Poderá conter “consideranda”,
quando necessário.

O preâmbulo será seguido da ordem de execução, consubstanciada na palavra


“delibera”, no caso das deliberações, ou na palavra “resolve”, no caso das resoluções. É
aconselhável que tais palavras estejam realçadas, sozinhas em uma linha e em letras maiúsculas.

O corpo do documento será articulado, contendo cláusula de vigência e


cláusula de revogação, desde que expressa.

O fecho conterá o local e a data em que foi aprovado o documento.

As assinaturas (seguidas do nome e do cargo) obedecerão à ordem


hierárquica, quando for o caso.

4. Instruções normativas

4.1 Definição: espécie do gênero ato administrativo, é expedida pelo superior


hierárquico a seus subordinados com a finalidade de:

a) interpretar uma lei


30

b) dispor sobre normas gerais disciplinares, de caráter interno, a serem


adotadas no funcionamento de determinado serviço público.

Sua validade e eficácia resultam da estrita observância dos limites impostos


pelas leis, tratados, convenções internacionais ou decretos (STF ADI 365 DF)

No âmbito tributário, os Tribunais as definem como sendo uma espécie de


“regulamento” com o objetivo exclusivo de clarificar as normas do ordenamento.

Exemplo: Instrução Normativa nº RFB 1600, de 14 de dezembro de 2015, da


Secretaria da Receita Federal, que dispõe sobre a aplicação dos regimes aduaneiros especiais
de admissão temporária e de exportação temporária.

4.2 Estrutura:

As Instruções Normativas têm estrutura idêntica à dos textos de lei. Não


possuem fecho (data e local), mas apenas a assinatura da autoridade que a expediu.

5. Atos (ou Atos Deliberativos)

5.1 Definição: são atos normativos que se destinam a regulamentar matéria


de caráter geral ou estabelecer diretrizes e normas de procedimento. São de competência da
Mesa Diretora do Poder Legislativo ou de seu Presidente, individualmente, ou de órgãos
diretivos de outros Poderes.

5.2 Estrutura: mantém-se a mesma estrutura dos demais atos normativos.

6. Ordens de serviço
6.1 Definição: é o instrumento que encerra orientações detalhadas e
pontuais para a execução de serviços por órgãos subordinados da administração. Assemelha-se
à portaria, possuindo caráter mais específico e detalhista, pois objetiva a otimização e
racionalização dos serviços.

6.2 Estrutura: mantém-se a mesma estrutura dos demais atos normativos.


31
32

PARTE II

O PROCESSO LEGISLATIVO

I – INTRODUÇÃO

Em decorrência do princípio da separação dos Poderes, consagrado no artigo


2º da Constituição da República Federativa do Brasil, cabe ao Poder Legislativo o exercício da
função legislativa, ou seja, a criação de normas destinadas a inovar o ordenamento jurídico. A
formação das leis, a fiscalização e o controle dos atos do Poder Executivo constituem as
atividades típicas daquele Poder.

No âmbito da União, o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso


Nacional, composto da Câmara dos Deputados e do Senado, ou seja, é bicameral. No âmbito
dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, o Poder Legislativo é unicameral.

O exercício da função legislativa compreende tanto a elaboração de


proposições de iniciativa própria, quanto a deliberação sobre proposições de iniciativa de outros
parlamentares ou de representantes de outros Poderes e instituições cuja iniciativa legislativa
esteja prevista constitucionalmente, como o Chefe do Poder Executivo, o Presidente do STF, o
Presidente do TJ, o Procurador-Geral de Justiça, o Presidente do Tribunal de Contas, etc.
Compreende, também, a prerrogativa de propor alterações às proposições legislativas em
tramitação.

A atividade legislativa dos Parlamentos não transcorre, porém, de forma


totalmente livre. Deve obedecer às regras previstas nas Constituições e Leis Orgânicas e cujo
detalhamento é feito nos regimentos internos das Casas Legislativas.

Chama-se, pois, processo legislativo “o conjunto coordenado de disposições


que disciplinam o procedimento a ser obedecido pelos órgãos competentes na produção das leis
e atos normativos que derivam diretamente da própria Constituição.” Esta, a acepção jurídica
do termo, nas palavras do Ministro do STF Alexandre de Moraes. O processo legislativo inicia-
33

se com o ato de apresentar a proposição à Casa Legislativa e extingue-se com o arquivamento


da proposição ou sua transformação em lei.

Os entes da Federação – Estados, Municípios e Distrito Federal, não se


obrigam a ter um processo legislativo exatamente igual àquele adotado pelo Congresso
Nacional. Devem, entretanto, cuidar para que sejam obedecidos os princípios consagrados na
Constituição Federal: princípio federativo, princípio da separação dos Poderes, entre outros.
Em cada um dos entes da Federação deve prevalecer, entretanto o princípio do devido
processo legislativo, ou seja, a elaboração das leis deve obedecer às normas procedimentais
constantes da Constituição ou da Lei Orgânica, explicitadas e complementadas nos regimentos
internos das Casas Legislativas. Uma lei não pode ser anulada por não obedecer à melhor
técnica legislativa, mas pode sê-lo se tiver sido elaborada sem obediência ao devido processo
legislativo.

Enquanto que processo legislativo é o conjunto de movimentos orientado para


o fim de produzir uma nova norma jurídica, procedimento é o modo como esse movimento
ocorre na prática, correspondendo um procedimento específico para cada espécie legislativa.

Chama-se procedimento legislativo padrão aquele destinado à produção da


espécie legislativa específica intitulada lei ordinária. Os procedimentos destinados à produção
das demais espécies legislativas serão procedimentos legislativos especiais, tendo em vista as
diferenças que apresentam com relação ao procedimento legislativo padrão.

II – FASES DO PROCEDIMENTO LEGISLATIVO PADRÃO

Adotaremos, neste estudo, a seguinte terminologia:

1. Fase de apresentação
2. Fase de instrução
3. Fase de deliberação
4. Fase de positivação
34

1. Fase de apresentação

Inicia-se com a entrega da proposição ao órgão competente do Poder


Legislativo, nos termos do regimento interno. Pressupõe-se que ela tenha sido elaborada
seguindo a melhor técnica e que tenha sido considerada a competência legislativa e a
competência de iniciativa. Por competência legislativa entende-se a prerrogativa do ente da
Federação de legislar sobre a matéria dada. Algumas matérias somente podem ser reguladas
pela União (iniciativa privativa), enquanto outras podem sê-lo pelos Estados e Distrito Federal
(iniciativa concorrente). Por competência de iniciativa entende-se a prerrogativa atribuída a
determinado chefe de Poder ou aos parlamentares em geral, para deflagrar o processo
legislativo. Exemplificando: leis sobre servidores públicos são de iniciativa exclusiva do chefe
do Poder ao qual estão relacionados os referidos servidores. Isso em respeito ao princípio da
separação dos Poderes.
Recebida a proposição e devidamente registrada, de forma a possibilitar sua
identificação processual, ela é lida em sessão do Plenário e mandada publicar, em obediência
ao princípio da publicidade. A proposição ficará disponível para conhecimento dos demais
parlamentares e outros interessados, por um período determinado no regimento interno,
podendo receber emendas.
As proposições têm regimes de tramitação diferentes: tramitação ordinária,
tramitação em prioridade e tramitação em urgência. O primeiro – regime de tramitação
ordinária, é o padrão e impõe um andamento mais demorado, com prazos mais dilatados e maior
número de formalidades. Os outros dois se caracterizam pelo andamento mais célere, pela
adoção de prazos menores e a supressão de formalidades. Regras detalhadas sobre os regimes
de tramitação, sobre quais as matérias que se submetem a cada um deles, sobre as mudanças de
um para outro regime de tramitação, etc., encontram-se nos regimentos internos.
Durante a fase de apresentação, as proposições podem receber emendas, ou
seja, propostas de supressão, adição ou alteração parcial, ou total. O poder de emendar faz parte
da atividade-fim do Poder Legislativo. As limitações a ele estão enumeradas nas Constituições
e nas Leis Orgânicas.
35

2. Fase de instrução

Encerrada a fase de apresentação, quando a proposição foi recebida e


admitida à tramitação, foi publicada e esteve disponível para receber emendas, abre-se a fase
de instrução.
Na fase de instrução, a proposição é analisada pelas Comissões Técnicas,
órgãos colegiados permanentes, previstos constitucionalmente, cuja finalidade é estudar com
profundidade a matéria, acrescentando informações de ordem técnica que possibilitem,
posteriormente, a decisão do Plenário. Todas as Casas Legislativas devem ter Comissões
Técnicas. A denominação e as competências, entretanto, vão depender de normas regimentais.
Haverá sempre, entretanto, uma Comissão Técnica encarregada de avaliar a
constitucionalidade, a legalidade e a juridicidade da proposição. Haverá, também, Comissões
Temáticas, encarregadas de analisar o mérito da matéria, ou seja, sua conveniência e
oportunidade.
As Comissões Técnicas manifestam-se através de pareceres, que são, em
geral, documentos de caráter opinativo, cuja finalidade é esclarecer os demais parlamentares
sobre os aspectos técnicos e políticos do assunto.

3. Fase de deliberação

A fase de deliberação se realiza em duas subfases que ocorrem nos dois


Poderes: no Legislativo, a discussão e a votação; no Executivo, a sanção (ou o veto) e a
promulgação e publicação da lei. Saliente-se que, ocorrendo o veto, a subfase da deliberação
que ocorre no Poder Executivo é suspensa, retornando a proposição à análise do Poder
Legislativo.

3.1 No Poder Legislativo

Esgotada a fase de instrução e estando as proposições devidamente


analisadas pelas Comissões Técnicas, cuja manifestação se deu através dos pareceres, é hora de
o Plenário iniciar a fase de deliberação que se constitui de dois momentos: a discussão e a
votação da matéria.
36

Os debates que ocorrem durante a fase de discussão abrangem tanto a


constitucionalidade, legalidade e juridicidade da matéria, quanto sua conveniência e
oportunidade, abarcando, pois, todos os aspectos da proposição. Procura-se manter a alternância
entre parlamentares que se posicionem a favor e contra a matéria. O número de turnos de
discussão estará especificado nos regimentos internos, mas predomina como regra geral o turno
único de discussão e votação para as leis ordinárias.
O início da fase de discussão é anunciado pelo Presidente da Casa
Legislativa e seu final pode ocorrer por diversos motivos: não haver oradores inscritos, esgotar-
se a lista de oradores, esgotar-se o tempo destinado à discussão ou haver sido votado um
requerimento de encerramento dos debates.
A votação é considerada a fase mais importante do processo legislativo,
pois nela é que se vê manifestada a vontade do Parlamento sobre determinada proposição
legislativa.
Os parlamentares se manifestam através do voto favorável ou contrário à
proposição sob análise. O voto poderá ser ostensivo, ou a descoberto, e secreto. Algumas
Constituições e Leis Orgânicas já eliminaram totalmente o voto secreto.
O voto ostensivo pode se dar por dois processos: o simbólico e o nominal.
No processo de votação simbólico, o parlamentar se manifesta de forma indireta, através de
sua postura, coletivamente. (“os parlamentares que estiverem de acordo permaneçam como se
encontram” é o comando do Presidente). No processo de votação nominal, cada parlamentar
deve se manifestar individualmente, através da palavra, a favor ou contra. Onde há meios
eletrônicos de manifestação, o parlamentar digita seu voto em um terminal ao qual tem acesso
através de senha individual.
O voto secreto que, antigamente, se dava através de cédulas impressas,
colocadas num envelope, sem identificação, pode ocorrer através de meios eletrônicos, que
registram os votos, mas não divulgam os nomes dos votantes.
Embora as Constituições e as Leis Orgânicas deixem para os regimentos
internos o detalhamento do processo legislativo, elas são bem minuciosas quanto ao quórum.
Entende-se por quórum tanto o número de assinaturas necessárias para apresentar determinada
espécie legislativa (quórum de apresentação), quanto o número de votos necessários para
aprová-la (quórum de deliberação) e também o número mínimo de parlamentares presentes para
se iniciar uma sessão ou uma votação.
A regra geral é que as Casas Legislativas deliberem por maioria de votos,
estando presente a maioria absoluta de seus membros. É o que se chama de quórum ordinário.
37

Para algumas proposições ou situações específicas é exigido quórum qualificado, distinto da


regra geral. Eis alguns conceitos referentes ao quórum:
Maioria absoluta é o número inteiro imediatamente superior à metade do
número total de membros da Casa Legislativa. Num parlamento de 21 membros, a maioria
absoluta será de 11 parlamentares.
Maioria simples é o número inteiro imediatamente superior à metade da
maioria absoluta. Se a maioria absoluta é 11, a maioria simples será 6. É um número fixo,
enquanto que a maioria relativa é um número variável, pois dependerá do número de
parlamentares presentes no momento da votação. A maioria relativa pode variar desde a maioria
simples até o número imediatamente inferior à totalidade dos presentes. Se todos os presentes
votarem num mesmo sentido, não há que se falar em maioria, mas sim, em unanimidade.
Maioria qualificada é o quórum distinto do quórum ordinário, da regra
geral. É exigido para algumas votações específicas. Exemplificando: a maioria absoluta exigida
para aprovar as leis complementares é maioria qualificada, assim como os três quintos exigidos
para aprovar a proposta de emenda à Constituição.
Proclamado o resultado da votação e tendo sido aprovada a proposição, é
expedido um documento chamado autógrafo, que contém a manifestação de vontade do Poder
Legislativo que será encaminhada à análise do Poder Executivo. Caso a proposição tenha sido
aprovada com alterações, faz-se necessário, antes de se expedir o autógrafo, proceder à redação
final do documento. Esse trabalho cabe à Comissão Técnica competente e é submetido à
apreciação do Plenário.

3.2 No Poder Executivo

A decisão tomada pelo Poder Legislativo chega, pois, à apreciação do


Chefe Poder Executivo através de um documento chamado autógrafo. Ele terá duas opções:
sancionar ou vetar.
Através da sanção, o Poder Executivo manifesta sua concordância com a
decisão do Poder Legislativo, ou seja, entende que aquela matéria está apta a se constituir em
nova norma no ordenamento jurídico. Essa concordância pode ser total ou parcial. No segundo
caso, significa que parte da decisão do Parlamento foi rejeitada e lhe será devolvida para nova
apreciação.
A sanção pode ocorrer de forma expressa, quando então o Chefe do Poder
Executivo promulga a lei e a manda publicar. Pode, entretanto, ser tácita, ou seja, o Chefe do
38

Poder Executivo permanece em silêncio pelo prazo de 15 dias, decorridos os quais considera-
se que a proposição foi sancionada, cabendo ao Chefe do Poder Legislativo proceder à
promulgação da lei.
A sanção, ato opcional do Chefe Poder Executivo, incide sobre o projeto
de lei. É o ato que finaliza o processo de elaboração da lei.
A sanção não precisa ser justificada, mas o veto, sim, devendo ser
comunicado ao Parlamento dentro das 48 horas seguintes ao transcurso dos 15 dias concedidos
ao Chefe do Poder Executivo para se manifestar.
Veto é, pois, a negativa de sanção. O Chefe do Poder Executivo deve
comunicar ao Parlamento as razões pelas quais não sancionou a proposição que lhe foi
encaminhada. Essas razões podem ser de inconstitucionalidade ou de contrariedade ao interesse
público (inconveniência ou inoportunidade). Se o veto for parcial, a parte não vetada é
promulgada e a lei entra em vigor.
Por exigência constitucional, o veto parcial somente poderá abranger texto
integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. Não poderão ser vetadas palavras ou
expressões avulsas porque, dessa forma, haveria o risco de o Poder Executivo se imiscuir na
atividade legislativa, deturpando a vontade do legislador e ferindo o princípio da separação dos
Poderes.
Recebidas as razões de veto, reinicia-se o processo legislativo.
Manifestam-se as Comissões Técnicas, não sendo possível, nesta fase, a apresentação de
emendas. Completada a fase de instrução, a proposição vetada é levada novamente à discussão
e votação. Se o veto for mantido, a proposição é arquivada. Se for rejeitado, a proposição será
encaminhada ao Chefe do Poder Executivo para a promulgação da lei. Se esse não a promulgar,
o Presidente da Casa Legislativa o fará e se também ele não o fizer, caberá a missão ao Vice-
Presidente do Parlamento.

4. Fase de positivação

Positivar significa incluir o texto da lei no ordenamento jurídico e lhe dar


eficácia jurídica. Isso ocorre com a promulgação e a publicação da lei. A promulgação é o ato
imediatamente posterior à sanção e incide sobre a lei cuja existência se deu com a sanção.
Através da promulgação, a autoridade competente atesta a existência da lei e determina que seja
cumprida. Para tanto, ao promulgá-la, ordena que lhe seja dada a devida publicidade.
39

4.1 Vigência e eficácia

Os textos das leis trazem cláusula específica dizendo quando elas


entrarão em vigor, ou seja, quando passarão a fazer parte do ordenamento jurídico. É a chamada
cláusula de vigência, que poderá coincidir com a data da publicação ou não. A lei poderá prever,
inclusive, um período de vacância (vacatio legis) entre a publicação e a vigência. Caso não haja
cláusula de vigência, aplica-se a disposição contida na Lei de Introdução às Normas Brasileiras,
segundo a qual a lei entrará em vigor em todo o território nacional quarenta e cinco dias depois
de oficialmente publicada.

Outra acepção da palavra vigência é a capacidade de produzir efeitos


jurídicos, isto é, de ter eficácia. A eficácia da lei pode ser concomitante, ou seja, na data da
publicação. Pode, ainda, ser diferida, ou seja, os efeitos jurídicos advirão em data posterior à da
publicação. E pode, também, ser retroativa, produzindo efeitos jurídicos em data anterior à de
sua publicação. Nesse caso, não se podem esquecer os limites estabelecidos pelo direito
adquirido, pelo ato jurídico perfeito e pela coisa julgada (art. 5º, inciso XXXVI da Constituição
Federal).

III – PROCEDIMENTOS LEGISLATIVOS ESPECIAIS

Consideram-se procedimentos legislativos especiais aqueles que se


diferenciam do procedimento legislativo padrão e que são utilizados para a elaboração das
demais espécies legislativas que não a lei ordinária. Exemplificando: a proposta de emenda à
Constituição ou à Lei Orgânica segue um procedimento legislativo especial, pois, além de haver
exigências específicas quanto ao quórum de apresentação e de aprovação, não existe a fase de
deliberação no Poder Executivo, uma vez que não há sanção. A promulgação das emendas à
Constituição ou às Leis Orgânicas é feita pelas Mesas Diretoras dos Parlamentos. Quanto às
resoluções e decretos legislativos, cujas hipóteses de utilização constam dos regimentos
internos, também não passam pela sanção. O projeto de lei complementar foge do procedimento
legislativo padrão apenas com relação ao quórum para aprovação, que é qualificado (maioria
absoluta ou mais).
40

Os projetos de lei que consubstanciam as leis orçamentárias (plano


plurianual, diretrizes orçamentárias e orçamento anual), embora no final resultem em leis
ordinárias, têm características específicas que os afastam do procedimento utilizado para as
demais leis ordinárias: têm prazo determinado constitucionalmente para serem enviados pelo
Chefe do Poder Executivo, seu conteúdo está especificado na Constituição e em outras leis,
como a Lei Federal nº 4.320, de 17 de março de 1964, a fase de instrução é mais ampla que
para os demais projetos de e emendas apresentadas têm características específicas. Por essas
razões, são aprovados através de procedimentos legislativos especiais.

CONCLUSÃO

Diferentemente de outros diplomas legais, a Lei Complementar nº 95, de 26


de fevereiro de 1998 não traz sanções para o caso de seu descumprimento. Pelo contrário, seu
artigo 18 determina que “eventual inexatidão formal de norma elaborada mediante processo
legislativo regular não constitui escusa válida para seu descumprimento.” Ou seja, o
questionamento judicial quanto à validade da lei será possível apenas se houver sido
descumprido o devido processo legislativo. Isso não significa, entretanto, que os legisladores
e os técnicos que se dedicam à elaboração das leis possam descuidar em seu mister, porque a
obediência a seus dispositivos e aos ensinamentos da Legística só contribuirão para o
aperfeiçoamento de nossa Democracia e para o respeito ao cidadão brasileiro, o destinatário
final da norma legal e que não pode alegar seu desconhecimento nem deixar de cumpri-la.

Esperamos, com este texto, contribuir para o aperfeiçoamento profissional


das pessoas dedicadas ao trabalho de elaboração dos textos normativos.

Sueli de Souza (*) e Maricy Valletta (**)


41

(*) Graduada em Direito pela UNIFIEO, com especialização em Governo e Poder Legislativo pela UNESP, e em Política Pública Legislativa,
pela EACH-USP; Licenciada em Letras (Português/Espanhol) pela UFMG. Funcionária pública aposentada da Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo - ALESP, dedica-se a ministrar aulas sobre Processo e Técnica Legislativa em cursos de formação de servidores do Poder
Legislativo e demais interessados. Participa do grupo de colaboradores do ILP – Instituto do Legislativo Paulista da ALESP.

(**) Servidora Pública da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo – ALESP desde 1997, é graduada pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo e tem formação e experiência em moderação, desenho e facilitação de processos em discussão grupal. Ministra
cursos e oficinas de elaboração legislativa para órgãos públicos dos diversos Poderes. Tem atuação na área do direito eleitoral; trabalhou com
monitoramento de projetos e informações estratégicos do Governo Federal; prestou assessoria jurídica e legislativa na Câmara Municipal de
São Paulo e em diversas Prefeituras do Estado de São Paulo. Participa do corpo de colaboradores do ILP- Instituto do Legislativo Paulista da
ALESP.
42

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Antonio Fabris,128 p.

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São Paulo. Assembleia Legislativa do Estado. Manual de Redação Processo Legislativo. São
Paulo: ALESP/SGP, 1998, 56 p.
43

ENDEREÇOS ELETRÔNICOS ÚTEIS AO APROFUNDAMENTO DOS


ESTUDOS SOBRE LEGÍSTICA, PROCESSO LEGISLATIVO E TÉCNICA
LEGISLATIVA (OBS.: COPIE O ENDEREÇO E COLE NO MECANISMO DE
BUSCA, CASO O LINK NÃO ABRA)

CONGRESSO DE LEGÍSTICA. Textos referências. O que é Legística? www.almg.gov.br

DELLEY, Jean-Daniel, “Pensar a Lei. Introdução a um Procedimento Metódico”.


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CONSTITUIÇÃO FEDERAL com jurisprudência do STF


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MENDES, Gilmar. “Questões Fundamentais de Técnica Legislativa”.


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MANUAL DE REDAÇÃO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA


http://www.bibiloteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais-1/catalogo/orgao-essenciais/casa-
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MANUAL DE REDAÇÃO PARLAMENTAR E LEGISLATIVA DO SENADO


FEDERAL http://www12.senado.gov.br/senado/institucional/conleg/manuais/manual-de-
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MANUAL DE REDAÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS


http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/5684/manual_redacao.pdf

MANUAL DE REDAÇÃO PARALMENTAR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO


ESTADO DE MINAS
GERAIS https://www.almg.gov.br/export/sites/default/consulte/publicacoes_assembleia/carti
lhas_manuais/arquivos/pdfs/manual_parlamentar/manual_de_redacao_parlamentar3.pdf
44

MANUAL DE REDAÇÃO DE PROPOSIÇÕES DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO


ESTADO DE SÃO PAULO http://www.al.sp.gov.br/arquivos/documentacao/estudos-e-
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SOARES, Fabiana de Menezes. Legística e desenvolvimento: a qualidade da lei no quadro da


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PARLAMENTO PORTUGUES – Regras de Legística a serem observadas na elaboração das


leis. http://www.parlamento.pt/arquivodocumentacao/documents/ar_regras_legistica.pdf

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