A Interpretação - Da Escuta Ao Escrito - Eric Laurent
A Interpretação - Da Escuta Ao Escrito - Eric Laurent
A Interpretação - Da Escuta Ao Escrito - Eric Laurent
Éric Laurent
Psicanalista, AME, membro da EBP, ECF, ELP, EOL, NEL, NLS e AMP
A escuta serve para tudo. Por exemplo, para constituir amálgamas entre
terapias autoritárias centradas na reeducação dos comportamentos e a
psicanálise, que se apoia no sujeito do inconsciente. A tentativa de
substituição de uma pelas outras passa pela constituição de uma categoria
confusa e inconsistente, a das práticas da escuta. Como se fosse o caso,
sobretudo, de escutar a queixa dos sujeitos que pedem ajuda, ao passo que
se trata de fazer disso alguma coisa.
O comportamentalista escuta, no que lhe é dito, o agenciamento de uma
soma de comportamentos elementares que ele pretende, em seguida,
reeducar. Ele responde ao que ouviu por meio de uma objetivação dos
comportamentos e uma série de prescrições. A crença do
comportamentalizado repousa na fé na reeducação.
O analista, em primeiro lugar presente como escuta, introduz, com seu
silêncio, uma demanda de fala por parte do analisando. A resposta do
analista jogará nesse registro da demanda para responder ao lado da
demanda, a m de poder fazer ouvir naquilo que é dito o que ultrapassa a
intenção daquele que sustenta seu dizer. O analista assume a
responsabilidade da escuta para fazer surgir a presença de um sentido
diferente do senso comum, de uma parte do discurso que sempre escapa. A
isso se acrescenta a crença do analisando de que o analista tem em seu
poder o saber no lugar do objeto demandado. Qualquer demanda implica a
escuta, o silêncio da escuta como lugar reservado ao que, naquilo que se
diz, excede a intenção. Essa escuta silenciosa vem marcar o lugar do desejo
que, no discurso, se ignora.
O lugar do desejo assim isolado também testemunha a xação do gozo que
está em jogo na queixa. A efração constituída pelo gozo na homeostase do
corpo é o fundamento da repetição do Um: “Nos casos aos quais se tem
acesso pela psicanálise, seu modo de entrada [o do gozo] é sempre pela
efração. A efração, ou seja, não a dedução, a intenção ou a evolução, mas a
ruptura, a disrupção em relação a uma ordem prévia, em relação à rotina do
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discurso pelo qual as signi cações se sustentam, ou em relação à rotina que
se imagina do corpo animal”[1].
A escuta não tem, portanto, vocação para car paralisada em seu silêncio.
Ela deve ajudar a manifestar a dimensão do desejo para além da intenção e
de uma pulsão acéfala. Esta é a função da interpretação. O desejo não é a
interpretação metalinguageira de uma pulsão prévia confusa. O desejo é sua
interpretação. As duas coisas estão no mesmo nível. Uma outra proposição
deve ser acrescentada: “os psicanalistas fazem parte do conceito de
inconsciente, posto que constituem seu destinatário”[2]. O psicanalista só
consegue acertar o alvo se ele estiver à altura da interpretação operada pelo
inconsciente, já estruturado como uma linguagem. Ainda é preciso não
reduzir essa linguagem à concepção que a linguística pode ter dela, de uma
ligação entre o signi cante e o signi cado. É preciso dar todo o seu lugar à
barra que separa as duas dimensões e permite a topologia da poética. A
função poética revela que a linguagem não é signi cação, mas ressonância,
e evidencia a matéria que, no som, excede o sentido.
[1] MILLER, J.-A. «L’Un est lettre». La Cause du désir, Paris, n. 107, p. 35, mar.
2021.
[2] LACAN, J. “Posição do inconsciente”. In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1998. p. 848.
[3] MILLER, J.-A. “L’interprétation à l’envers”. La Cause freudienne, Paris, n. 32, p.
13, jan. 1996.
[4] ____________ “O monólogo da aparola”. Opção Lacaniana online, nova série,
São Paulo, ano 3, n. 9, nov. 2012.
[5] ____________ Ibid.
[6] ____________ Ibid.
[7] ____________ Ibid.
[8] ____________ Ibid.
[9] LACAN, J. O seminário, livro 22: R.S.I. Lição de 11 de fevereiro de 1975. Texto
estabelecido por J.-A. Miller. Ornicar?, Paris, n. 4, p. 95-96.
[10] MILLER, J.-A. «Introduction à l’érotique du temps». La Cause freudienne,
Paris, n. 56, p. 77, mar. 2004.
[11] __________ 2004, op. cit., p. 78.
[12] LACAN, J. O seminário, livro 22: R.S.I. Lição de 11 de fevereiro de 1975, p.
96.
[13] _________ Ibid.
[14] _________ O seminário, livro 20: Mais, ainda. (1972-1973) Texto estabelecido
por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008 (novo projeto). p.
32-33.
[15] __________ 2008, op. cit., p. 39.
[16] __________ Ibid.
[17] __________ “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”. In:
LACAN. Escritos, op. cit., p. 496-536.
[18] __________ “Lituraterra”. In: LACAN, J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2003. p. 18.
[19] __________ “Carta a Francis Ponge, 11 de dezembro de 1972”. La Cause du
désir, n. 106, p. 14, jun. 2020.
[20] _________ “Rumo a um signi cante novo”. Texto estabelecido por J.-A.
Miller. Opção Lacaniana, Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, São
Paulo, Ed. Eolia, n. 22, p. 9, ago. 1998.
[21] _________ Ibid., p. 10.
[22] _________ Ibid., p. 11.
[23] _________ Ibid., p. 13.
[24] _________ Ibid., p. 11.
[25] _________ O seminário, livro 21: Les non-dupes errent. Lição de 18 de
dezembro de 1973. Inédito.
[26] _________ O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise. (1964) Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1979.
[27] _________ 2008, op. cit., p. 42.
[28] _________ Ibid.
[29] Cf. LACAN, J. “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”.
(1953) In: LACAN, 1998, op. cit., p. 273.
[30] _________ 2008, op. cit., p. 43.
[31] _________ Ibid.
[32] _________ Ibid.
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