Memórias de Entre Homem e Cávado - Origens de Uma Família
Memórias de Entre Homem e Cávado - Origens de Uma Família
Memórias de Entre Homem e Cávado - Origens de Uma Família
133-156
ução: a de Entre e
Sobre a Terra de Entre Homem e Cávado escreveu Santana Dionisio': ''A cha
mada Terra de Entre Homem e Cávado, pela sua natureza montanhosa, bem
defendida, a poente e a sul, pelos dois rios e, do lado este e norte, pelos pín
caros e desfiladeiros do Gerês, parece ter sido um dos refúgios mais seguros
dos Cristãos logo após a invasão mourisca (séc VIII). Há quem pressuponha,
e com alguma verosimilhança, que essa colossal cunha hidro-orográfica cons
titui uma espécie de obscuro reduto avançado da Reconquista neo-gótica ou
séc. IX e X, num isolamento ascético e feroz, com os olhos sempre postos nos
Machados porque D. Afonso V quis com ela galardoar os serviços que Pedro
Machado filho de Vasco Machado, a quem D. Nuno Álvares Pereira fizera
-
outros bens, a Terra de Entre Homem e Cávado ("com todas as rendas, foros,
montados e marinhas, direitos e pertenças e coisas que a coroa ali tinha, com
a jurisdição cível e de crime enquanto sua mercê fosse"2), mas pôs-lhe uma
fora de Álvaro de Meira, Senhor de Jales, as 500 coroas de oiro que D. João I
prometera a esse casal quando do seu casamento, e "a cujo pagamento ficara
empenhada aquela Terre",
Francisco Machado, seu filho e sucessor, de quem adiante falaremos, foi, desde
1463 até ao ano de 1518, em
que faleceu, o 2.0 Sen horde Entre Homem e Cávado.
Uma irmã de Marcelino Pereira" casou com Diogo de Araújo Rodrigues Machado",
Senhor da Casa da Câmara em Moure, que, como todos os dessa Casa, tinha
sangue, não só dos Machados, como dos Nantes. Este casamento pode ter-lhe
dado acesso a fontes que outros desconheciam.
No título que coincide com o do presente capítulo, Marcelino Pereira começa por
referir Nantes, pequeno lugar no termo de Chaves: "Nantes he um lugar situado
na freguesia de São Salvador no termo da Vi/a de Chaves. A dita freguesia he
vicararia de apresentação da casa de Bragança. Nella se contém a Vi/ar de
Joana Machado da Silva, herdeira que fora dos Senhores de Entre Homem e
"parece que esta Quinta Danantes he o Solar desta família", isto é, da Família
dos Nantes.
Solar dos Nantes, e, portanto, que tinha pertencido a estes antes de passar aos
Vale a pena lembrar o que escreveu Leite de Vasconcelos no seu artigo sobre
Vilar de Nantes da "Grande Enciclopédia Luso-Brasileira": '�o pé de Chaves
existem dois lugarejos chamados Nantes e Vilar de Nantes, notável este último
por aí haver olarias populares de louça preta. Apesar da homofonia que se nota
entre Nantes e o nome da cidade de França bem conhecida, nada há de comum
Seria o apelido "de Nantes", usado pelos Nantes de Entre Homem e Cávado,
derivado de alguém que deu nome à terra, isto é, um toponímico derivado de
os do século XIII?
Marcelino Pereira nos permite avançar que a Quinta de Nantes era olhada como
Entre Homem e Cávado. Uma das anotações que acompanham o texto invoca
Existia, sem dúvida, uma estreita relação, pelo menos de amizade, entre os
Francisco Machado, filho de Pedro Machado, foi, não só herdeiro dos senhorios
de seu pai, como, por troca que fez da Vila da Lousã com D. Jorge, Duque
de Coimbra, recebeu a comenda de Sousel, na Ordem de Avis. Por isso, é
na Igreja Matriz de Sousel que, debaixo de uma magnífica pedra sepulcral,
se encontra sepultado. Na pedra, dos Machados, pode
que ostenta as armas
ler-se a
inscrição: "Aqui iaz Francisco Machado fidalgo da Casa Delrei nosso sr
e sr
q foi da Vila da Louza e do Concelho Dantre Orne e Cavado moreo nesta
já mencionados "Prazos de Casais do Cabido" que: "o qual Campo parte por
esta maneira: começa em o A/pendre que he herdade de Francisco Machado e
que vai partindo em tudo do mesmo Francisco Machado athe o Cham da Volta
Nantes.
de uma família 139
sugerido pela leitura da obra "O Poeta do Neiva", de José de Sousa Machado,
que refere, não só estas escrituras, mas também, a páginas 178, um pedido
de intervenção e de auxílio que, no seu testamento, redigido em 1593, faz
Francisco de Sá de Meneses, neto do poeta, ao Reverendo Gaspar Quinteiro,
filho de Diogo de Nantes II e Abade de S. Martinho de Carrazedo, e ao Reve
rendo Doutor Isidoro de Sá, Abade do Fiscal.
Mas não param aqui as relações entre Machados e Nantes. De facto, em 1595,
o dito Gaspar Quinteiro foi uma das três testemunhas na celebração da já
mencionada escritura de dote de Dona Joana Machado da Silva (na qual, como
1.° Senhor da Casa de Câmara em Moure, que, segundo se crê", era filho
bastardo do mesmo Francisco Machado.
que, de acordo com os livros paroquiais desta freguesia (em que aparecem
como Arantes, e não como Anantes), já no século XVI estavam estabelecidos
140 Eduardo R. de Arantes e Oliveira
que, como atrás dissemos, o primeiro Francisco Machado, foi Senhor da Lousã.
Os Machados eram pois o elemento de ligação entre a Quinta de Nantes, os
5
Os Quinteiros
Nos séculos XVI e XVII, o apelido Nantes aparece algumas vezes associado
com o apelido Quinteiro.
Sabe-se que os Quinteiros tiveram arrnas". O mesmo não pode dizer-se dos
Nantes, de cujo brasão, se de facto existiu, não se achou qualquer notícia.
na companhia
do escrivão -
obra, de que "do ouro da Adiça se fez o cetra, & coroa que os Reys de Portugal
costumavam trazer nos actos públicos".
1.a Dinastia, actividade esta que foi desaparecendo à medida que as minas
6
Nantes a Arantes
(ver "Memórias Paroquiais" no ANTT), e não havendo razão para ser muito
chamada Maria -
letra do século XVIII, o nome das mesmas pessoas com o apelido Arantes.
nimes em
negar que Nantes se tenha transformado em Arantes por razões de
ordem meramente filológica.
do
conjunto de medidas que o Príncipe Perfeito tomou nessa época para reforçar
os meios de defesa do Reino. Diz, a esse propósito, Rui de Pina ("Crónica de
D. João II", Capítulo XXX): "No começo do anna de mil quatrocentos e oitenta
e oyto, comquanto E/Rey estava em pacifica paz e amizade com Castella, e
sem algua causa nem sospeiçom de rompimento; porem como Rey bõm, e muy
d'autoridade".
cuidadosamente ponderada.
Antes de abordar esta questão, observemos que, fosse qual fosse a sua origem,
João de Arantes foi em Lisboa uma personalidade marcante. Prova-o, nomeada
que foram de Joham darantes". Observe-se que não há dúvida que o apelido
aparece escrito nessa carta como Arantes, e não Anantes.
carta que o Prof. Eduardo Gonçalves Rodrigues nos escreveu, "a constante
referência a João de Arantes ao longo de cerca de 20 anos após a sua saída
8
Sobre a
Duas hipóteses parecem dever ser consideradas: a primeira é que fosse estran
Afonso V o tenham sido, pelo menos, durante a guerra que opôs o nosso Rei
Memórias de Entre Homem e Cávado: origens de uma família 145
aos Reis Católicos de Espanha, Fernando e Isabel, guerra esta que culminou,
como é sabido, na Batalha de Toro (1/111/1476), ou, mais precisamente, nas duas
mais tarde D. João II. A esta se refere Felgueiras Gay020 quando afirma que
Francisco Machado "foi o primeiro na Bata/ha do Crasto onde se achou com 40
homens à sua custa". Francisco Machado, que nela foi feito prisioneiro, poderia
aí ter conhecido João de Arantes e com ele partilhado o cativeiro.
Parte dos castelhanos, muitos dos quais eram originários da Galiza, e chefiados
Portugal. Sendo assim, é possível que tivesse tomado como apelido o nome
uma origem basca: "aranz" que significa "va/e", palavra que deve ter dado o
nome à vila e município de Arantza, na província de Navarra. A raridade do
Este último local seria mais provável, até porque D. Pedro Alvarez de Sotomaiorera
Senhor de Salvaterra do Minho, senhorio a que o Couto de Arantes foi agregado.
146 Eduardo R. de Aranles e Oliveira
Concluímos mais tarde que quem escreveu que "Extras" significa estrangeiros
não deve ter consultado o índice do "Livro de Extras". Para não perdermos
tempo a descrever esse índice, limitar-nos-emos a observar que a carta de
9
q
vias de ser elaborada pelo IICT, baseia-se num códice do "Núcleo Antigo" do
ANTT. Refere-se este códice, escrito em cursivo do século XVI- cuja presença
no ANTT se
explica pelo facto de D. João III ter mandado recolher ao
Arquivo
Real a documentação das contas dos diferentes almoxarifados -, a registos
de contas relativas às receitas "dos quartos e vintenas" da Ilha de Santiago
abrangendo os anos de 1513 a 1516.
mercador chegou ao
porto de Santiago, no navio "Madanella Cansina", tendo
deixado Santiago no mesmo navio a 15 do mês de Dezembro do mesmo ano.
datas tão antigas como 1513-1516, o apelido aparece escrito, na versão original
de um documento, sob a forma d'Arantes, e não de Nantes ou d'Anantes. Por
outro lado, um Quinteiro aparece junto com estes Arantes, o que torna alta
mente provável um relacionamento com os Nantes de Entre Homem e Cávado.
É de considerar a hipótese de se tratarem de filhos de João de Arantes que
o
Cronolog dos Nantes
A cronologia que se
segue foi estabelecida a partir de factos conhecidos,
nomeadamente a partir das Chancelarias dos sucessivos Reis (incluindo a
"Leitura Nova"), dos livros paroquiais mais antigos, e das datas das matrículas
de ordinandos que nos foram dadas a conhecer no ADB. Como é sabido, estas
últimas datas permitem estimar limites superiores e inferiores das dos nasci
mentes>. Pudemos estabelecer assim, não propriamente uma genealogia, mas
a
seguinte cronologia cujas gerações se assinalam pelo ano que nos parece
ser mais ou menos o do nascimento.
João de Arantes:
14xx: Terá casado com uma Quinteiro (seria filha de R.o Anes Quinteiro, de
Ponte de Lima, o
primeiro Quinteiro de que se tem conhecimento, o qual,
em 1455, era almoxarife do Infante D. Henrique?).
1463: Tentativa de conquista de Tânger, em que morreu Pedro Machado;
149x: Sai de Lisboa para se fixar nas suas terras de E.H.&C., onde conta com a
II
1470: eà local)
Nantes:
de Nantes
Mercadores em Castela.
150 Eduardo R. de Arantes e Oliveira
em
1534: A data mais antiga para o nascimento do seu filho Fernão (Ribeiro de
Macedo).
1549: Fernão recebe ordens menores.
de Nantes IL
15xx: Casa com Hilária, ou Eulália, Pires. Nasce Gaspar de Nantes em 1530.
1554: Renuncia a seu pedido ao ofício de escrivão dos órfãos de E.H.&C., mas
15xx: Torna-se criado de D. Filipe Lobo, 4.° filho do 2.° Barão de Alvito.
1535: Recebe o ofício de escrivão das sisas deste Concelho e do Couto de Bouro.
IV1 -
Samaça:
de
Macedo:
1560: Já era então órfã de seu pai, casada com Jorge de Mello Pereira, e
IV2 -
Gaspar de Nantes:
1544: Torna-se ajudante do pai (Diogo) como escrivão dos órfãos (14 anos).
1547: É nomeado pela 1.8 vez tabelião de E.H.&C.
1602: O Rei força-o a renunciar (por ser muito velho) ao ofício "que servia há
mais de 50 anos".
Chegamos pois ao fim de uma dissertação que teve por objectivo investigar
as origens da Família Arantes.
o da Família
dessa Família, temos dedicado especial atenção, e sobre o qual nos temos
Solar dos Nantes" não passa de uma hipótese, que, a verificar-se, aumentaria
grandemente a probabilidade de os Nantes das "Inquirições de D. Afonso III"
dúvida básica sobre a sua origem não foi escamoteada. Seria português ou
data, seria uma simples família de "homens bons" (como tal foram chamados
a testemunhar nas "Inquirições de D. Afonso 11/"), vivendo à lei da nobreza,
mas sem o prestígio social que, na Idade Média, se associava geralmente à
carreira das armas. Mas, a partir daí, os Nantes, sobretudo os da Casa de
Ramai, aliaram-se a algumas das mais prestigiosas famílias do Minho. Ora,
esse brilho pode ser devido à carreira militar de João de Arantes. Parece-nos
Não ousámos apresentar uma genealogia, mas uma simples cronologia. A que
apresentámos abarca 4 gerações e sintetiza os dados que nos foi possível
coligir. Constitui ela própria uma teoria que considerámos aceitável por não
factos conhecidos.
Esta cronologia incluiu dois desdobramentos de gerações que até agora não têm
sido considerados. O primeiro desses desdobramentos consistiu em considerar
o "condestável dos espingardeiros do Reino" João de Arantes como sendo da
pois, como tem sido feito até aqui, os dois Joões um com o outro. O segun
d025 consistiu em desdobrar o único Diogo de Nantes a que se tem julgado
referirem-se os Livros das Chancelarias Reais em dois do mesmo nome: Diogo
de Nantes I e Diogo de Nantes II, possivelmente tio e sobrinho (ou pai e filho?).
como um desafio a uma refutação sempre possível através de factos novos, que
no futuro se tornem conhecidos. Mas enquanto tais factos não se revelarem,
nada há que nos permita considerá-Ia falsa.
Agradecemos o apoio do Arquivo Nacional da Torre do Tombo -
A.NTT. e do
gue pretendemos homenagear, bem como da Dr.a Ana Isabel Canas e da Dr.a
de la Serna, que nos esclareceu sobre fontes históricas do país vizinho, ao Dr.
ao Dr. João Carlos de Andrade Vilaverde e Silva Gachineiro que tem estudado
exaustivamente a descendência de João de Arantes.
156 Eduardo R. de Arantes e Oliveira
Notas
1
Santana Dionísio, "Guia de Portugal", 4.° Vol. (Minho), página 895, da ed. da Fund. Cal.
Gulbenkian.
2
C. R. de 29/1V/1450, trasladada a páginas 344 da obra "O Poeta do Neiva" de José de
Sousa Machado.
3
Ver em "O Poeta do Neiva" (pag. 281) de José de Souza Machado, Livraria Cruz, ed.,
Braga, 1929.
4
"Colecção de Memórias Genealógicas", pelo Padre Marcelino Pereira (2.° VoL), manuscrito
n." 876 do Arquivo Distrital de Braga (ADB).
5
Ver em Felgueiras Gayo, "Nobiliário de Famílias de Portugal", título de Barbosas, §86, N26.
6
Verem Felgueiras Gayo, "Nobiliário de Famílias de Portugal", título de Machados, §168, N21.
7
O original desta escritura pode ver-se no ADB, no Livro 6 dos "Prazos de Casais do Cabido
(1509/1510)", a folhas 44v.0/46v.0.
8
Vol. I, Parte II, Fascículo VIII, dos "Portugalliae Monumenta Historica".
9
Ver no Arquivo Distrital de Braga.
10
Transcrito e anotado em 1997 pelo Dr. João Paulo de Castro e Mello Trovisqueira. Conse
guimos cópia deste documento, antes mesmo de conhecermos o Dr. João Trovisqueira,
através do Dr. José Arantes Rodrigues.
11
Seria mais tarde escudeiro da Casa Real.
12
Ver em Felgueiras Gayo, §12, N21, do título de Coelhos.
13
Ver em Felgueiras Gayo, §42, N22, do título de Machados.
14
Ver em Felgueiras Gayo, §168, N21, do título de Machados.
15
Dos quais descendia o Conselheiro Arantes Pedroso, ilustre professor da Escola de Medi
cina de Lisboa.
16
De facto, o Doutor Manuel Artur Norton, na nota de rodapé n." 1690 do Vol. II do seu livro
"A Heráldica em Portugal", cita a obra "Cartas de Brasão", de António Machado de Faria, na
qual são mencionadas, embora não descritas, as armas dos Quinteiros.
17
Reeditada pela Imprensa Nacional- Casa da Moeda, Lisboa, 1976.
18
Apresentada na Adenda I.
19
IANTT, Leitura Nova, Estremadura, L. 9, f. 225-228. Deu-no-Ia a conhecer o Prof. Eduardo
Gonçalves Rodrigues.
20
Felgueiras de Gayo, "Nobiliário de Famílias de Portugal", §42, N19, do título de Machados.
21
Ver, porexemplo, em título de Correias, §83, N11, a referência a "Pedro Correia Soares, se
nhor da Quinta de Troporiz (que fica do lado sul do Rio) e do Couto de Arantes em Galiza".
22
"Pape/es del Hospital", n." 19, Arquivo Diocesano de Tui.
23
De facto, as Constituições do Arcebispado de Braga determinavam que os ordinandos
tivessem entre 7 e 15 anos de idade (ver, por exemplo, a nota de rodapé da página 112 da
obra "O poeta do Neiva" de José de Souza Machado, Braga, Livraria Cruz ed., 1928).
24
Ver em Felgueiras Gayo, "Nobiliário de Famílias de Portugal", título de Machados, §168, N21.
25
Este 2.° desdobramentofoi-nos sugerido pelo Dr. João Paulode Castro e Mello Trovisqueira.