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Memórias de Entre Homem e Cávado - Origens de Uma Família

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FORUM 41, Jan-Jun 2007, Pág.

133-156

Memórias de Entre Homem e Cávado:

(J.r.i.fJ.�.ns . • ·dje •. . �FT1.� fa m.í.l.i�·


....

Ed:lJªrd.o.··�. {le Arantes e

ução: a de Entre e

Sobre a Terra de Entre Homem e Cávado escreveu Santana Dionisio': ''A cha­
mada Terra de Entre Homem e Cávado, pela sua natureza montanhosa, bem
defendida, a poente e a sul, pelos dois rios e, do lado este e norte, pelos pín­
caros e desfiladeiros do Gerês, parece ter sido um dos refúgios mais seguros

dos Cristãos logo após a invasão mourisca (séc VIII). Há quem pressuponha,
e com alguma verosimilhança, que essa colossal cunha hidro-orográfica cons­
titui uma espécie de obscuro reduto avançado da Reconquista neo-gótica ou

asturiana. Como no Cantábrico e na Galiza, os Cristãos teriam vivido aí, nos

séc. IX e X, num isolamento ascético e feroz, com os olhos sempre postos nos

luzeiros que lhes serviam de aviso".

No século XV, a Terra de Entre Homem e Cávado, que hoje se apresenta


cindida nos concelhos de Amares e Terras de Bouro, entrou na posse dos
134 Eduardo R. de Arantes e Oliveira

Machados porque D. Afonso V quis com ela galardoar os serviços que Pedro
Machado filho de Vasco Machado, a quem D. Nuno Álvares Pereira fizera
-

Alcaide-mar de Chaves -, lhe prestara como seu partidário durante a crise de


Alfarrobeira. Assim, por mercê de 29 de Abril de 1450, o Rei doou-lhe, entre

outros bens, a Terra de Entre Homem e Cávado ("com todas as rendas, foros,
montados e marinhas, direitos e pertenças e coisas que a coroa ali tinha, com

a jurisdição cível e de crime enquanto sua mercê fosse"2), mas pôs-lhe uma

condição: a de ele, Pedro Machado, pagar a D. Maria de Azevedo, mulher que

fora de Álvaro de Meira, Senhor de Jales, as 500 coroas de oiro que D. João I

prometera a esse casal quando do seu casamento, e "a cujo pagamento ficara
empenhada aquela Terre",

Tendo Pedro Machado satisfeito essa condição, os Machados tornaram-se

Senhores donatários da Terra de Entre Homem e Cávado. Pedro Machado,

que morreria em 1463 escalando as muralhas de Tânger, recebeu ainda, por


via do seu casamento com D. Inês de Goes, Senhora da Lousã, o senhorio
desta última Vila.

Francisco Machado, seu filho e sucessor, de quem adiante falaremos, foi, desde
1463 até ao ano de 1518, em
que faleceu, o 2.0 Sen horde Entre Homem e Cávado.

A presente comunicação trata em especial das origens de uma Família -

Família dos Nantes -

que, desde o século XV, se nos apresenta fixada na

Terra de Entre Homem e Cávado.

A "Colecção de Memórias Genealógicas" do Padre Marcelino Pereira",


genealogista do século XVIII, da Ordem do Oratório, é o único nobiliário que

conhecemos que inclui um título, "Nantes ou Anantes ou Danantes (que hoje


é Arantes)", dedicado a essa Família.
Memórias de Entre Homem e Cávado: origens de uma familia 135

Uma irmã de Marcelino Pereira" casou com Diogo de Araújo Rodrigues Machado",
Senhor da Casa da Câmara em Moure, que, como todos os dessa Casa, tinha

sangue, não só dos Machados, como dos Nantes. Este casamento pode ter-lhe
dado acesso a fontes que outros desconheciam.

Por vezes, um envolvimento demasiadamente íntimo com uma determinada

família é contraproducente no que se refere ao conhecimento das respectivas


raízes. De facto, muitas famílias cultivam mitos sobre as suas origens que não

correspondem de todo à realidade. O Padre Marcelino Pereira aparece-nos porém


como um investigador extremamente honesto. O seu trabalho apresenta-se

como uma colectânea de documentos, transcritos tanto de registos paroquiais


como notariais, e está enriquecido por anotações à margem que fornecem

informações suplementares que outras fontes confirmam. Constitui pois um

documento de alta credibilidade.

No título que coincide com o do presente capítulo, Marcelino Pereira começa por
referir Nantes, pequeno lugar no termo de Chaves: "Nantes he um lugar situado
na freguesia de São Salvador no termo da Vi/a de Chaves. A dita freguesia he
vicararia de apresentação da casa de Bragança. Nella se contém a Vi/ar de

Nantes com 80 vizinhos e outro lugar também Nantes com 86".

Indicando que um certo João de Nantes -

que se sabe ser tetravô do cunhado-,


e sua mulher Genebra, que noutros textos aparece com o nome de Genebra
de Sampaio, entraram como
partes numa escritura, feita em 1509, relativa ao

aprazamento, ao Cabido de Braga, do Casal de Remonte, sito na freguesia


de Arentim', do termo de Braga, lembra, citando a escritura de dote de Dona

Joana Machado da Silva, herdeira que fora dos Senhores de Entre Homem e

Cávado, que a Quinta de Nantes se tornara senhorio dos Machados, e afirma:

"parece que esta Quinta Danantes he o Solar desta família", isto é, da Família
dos Nantes.

Admitia-se pois, no tempo de Marcelino Pereira, que a Quinta de Nantes era o

Solar dos Nantes, e, portanto, que tinha pertencido a estes antes de passar aos

Machados. Implicava tal afirmação que, em épocas anteriores a tal passagem,

já existissem na região pessoas com o apelido Nantes.


136 Eduardo R. de Arantes e Oliveira

Vale a pena lembrar o que escreveu Leite de Vasconcelos no seu artigo sobre
Vilar de Nantes da "Grande Enciclopédia Luso-Brasileira": '�o pé de Chaves

existem dois lugarejos chamados Nantes e Vilar de Nantes, notável este último

por aí haver olarias populares de louça preta. Apesar da homofonia que se nota
entre Nantes e o nome da cidade de França bem conhecida, nada há de comum

aos dois: Nantes de França representa o nome de um povo gaulês de quem


fala César; Nantes de Chaves representa, quanto a mim, um patronímico, que
nos nossos documentos medievais tem a forma Nántiz (séc. X) e que provavel­
mente é de origem germânica. Deve entender-se que este patronímico, que
significa "filho de Nanto", veio a tornar-se apelido, e que houve um indivíduo
assim apelidado cujo apelido passou a ser o nome de uma propriedade que
ele possuía naquele locar.

As "Inquirições de D. Afonso 111"8 referem a paróquia de S. Salvador de Vilar


de Nantes e, a propósito desta, as testemunhas Martinus Fernandi de Nantes,

Petrus Fernandi de Nantes, Martin us Johannis de Nantes, e Rodericus Johannis


de Nantes, o que parece apontar para uma família de que todos estes seriam

membros, sendo os dois primeiros irmãos um do outro, bem como os dois

últimos, com um avô paterno comum.

Seria o apelido "de Nantes", usado pelos Nantes de Entre Homem e Cávado,
derivado de alguém que deu nome à terra, isto é, um toponímico derivado de

um patronímico, como sugeriu Leite de Vasconcelos? Seria esse


alguém o

geriarca dos Nantes? Ou referiria o nome simplesmente um local de origem,


sem que os "Nantes" do século XV tivessem quaisquer laços de sangue com

os do século XIII?

Como não se dispõe de resposta para estas questões, só a afirmação de

Marcelino Pereira nos permite avançar que a Quinta de Nantes era olhada como

o solar, isto é, o local de origem, dos Nantes de Entre Homem e Cávado.


Memórias de Entre Homem e Cávado: de uma família 137

Marcelino Pereira faz seguidamente referência ao "Livro do pão que se pagava


ao Cabido de Braga"9, para provar que os Nantes foram senhores da prestigiosa
Quinta de Ramai, na freguesia de S. Martinho de Carrazeda, Concelho de

Entre Homem e Cávado. Uma das anotações que acompanham o texto invoca

as "Notas do Marquês de Montebello ao Nobílíário do Conde D. Pedro" para


lembrar que essa
quinta (a de Ramai) foi fundada pelo Conde D. Romão, filho
e neto de reis das Astúrias, que, vivendo no século oitavo, foi o geriarca da
grande Família galega dos Romai.

Temos conhecimento de um outro documentó" existente no


Arquivo da Casa
de Vasconcelos de Vila do Conde: uma carta de venda datada de 9/111/1508,
relativa à aquisição por João de Nantes e sua mulher Genebra de Sampaio,
de uma herdade, no lugar de Ramai onde moravam (explícito no texto), sendo
testemunhas presentes Diogo de Nantes, escudeiro do "Senhor Francisco

Machado"!', e outros. Nas costas da última folha deste documento há várias

anotações posteriores no tempo, as mais importantes das quais são as se­

guintes: "Este João de Nantes comprou a quinta de Ramai a P. Nuçr» De


o o

Barcellos e sua mulher Isabel Carv. no a. de 1495 e a pessuhia q.do se fez


o tombo de Carrezedo no a. de 1503", e ainda: "No anna de 1508, João de

Nantes e sua m.er Genebra de Sampayo viviaõ na Q. de Ramai elle Irmão de


Diogo de Nantes escudr. do Sr. Fran.co Machado".

o Diogo de Nantes que testemunhou a escritura era pois irmão de João de

Nantes, e cunhado de Genebra de Sampaio. Dos Livros das Chancelarias de


D. Manuel e D. João III, constam cartas de nomeação deste Diogo de Nantes
como tabelião de Entre Homem e Cávado. Da primeira destas se depreende
que veio a ser escudeiro da Casa Real.

Na geração que se seguiu à sua, aparece-nos na administração local da Terra


de Entre Homem e Cávado um filho, ou sobrinho, do mesmo nome, ao qual
chamaremos Diogo de Nantes II.
138 Eduardo R. de Arantes e Oliveira

Nantes, Machados e Sãs

Existia, sem dúvida, uma estreita relação, pelo menos de amizade, entre os

Nantes e os Machados, que foram Alcaides-mores de Chaves por mercê de D.


Nuno Álvares Pereira, e também Senhores da Quinta de Nantes.

Na sua "Vida de D. Nuno Álvares", datada de 1723, Frei Domingos Teixeira


escreveu a propósito dessa mercê: "Entre muitos que ofereceram com partes
para a conservar, e defender, [D. Nuno] pôs os olhos em Vasco Machado (que
seria o pai de Pedro Machado), fidalgo de antiga nobreza que muitas vezes se

tinha mostrado benemérito de cargos maiores, e naquela guerra havia servido


com reputação e brios herdados no sangue de ilustres progenitores, no posto
de pajem de armas do exército ... ".

Francisco Machado, filho de Pedro Machado, foi, não só herdeiro dos senhorios
de seu pai, como, por troca que fez da Vila da Lousã com D. Jorge, Duque
de Coimbra, recebeu a comenda de Sousel, na Ordem de Avis. Por isso, é
na Igreja Matriz de Sousel que, debaixo de uma magnífica pedra sepulcral,
se encontra sepultado. Na pedra, dos Machados, pode
que ostenta as armas

ler-se a
inscrição: "Aqui iaz Francisco Machado fidalgo da Casa Delrei nosso sr
e sr
q foi da Vila da Louza e do Concelho Dantre Orne e Cavado moreo nesta

sua comenda de Sousel aos XXBII d Agosto na era de 1518".

Disse-se já que João de Nantes e Genebra de Sampaio entraram como partes


numa escritura, feita a 26/11/1509, relativa ao aprazamento ao Cabido de Braga
do Campo ou Casal de Remonte, sito na
freguesia de Arentim. Pode ler-se nos

já mencionados "Prazos de Casais do Cabido" que: "o qual Campo parte por
esta maneira: começa em o A/pendre que he herdade de Francisco Machado e

que vai partindo em tudo do mesmo Francisco Machado athe o Cham da Volta

e comoro e curral de gado do mesmo Francisco Machado". Por outras palavras,


João de Nantes e Francisco Machado não podiam ser mais vizinhos.

Francisco Machado, que foi o pai de Dona Briolanja de Azevedo, mulher do

poeta Sá de Miranda, terá sido pois particular amigo, e


protector, de João de

Nantes.
de uma família 139

O já mencionado filho de João de Nantes, Diogo de Nantes II, escudeiro, que,

segundo revelam os livros das chancelarias reais, teve as funções de tabelião

do concelho de Entre Homem e Cávado, escreveu e assinou como tabelião, na

Casa de Crasto, a 3/V/1530, a escritura da venda de uma propriedade cujos


compradores foram Francisco de Sá de Miranda e sua mulher, Dona Briolanja
de Azevedo, genro e filha de Francisco Machado. Mais tarde, a 5/V/1552, foi
Gaspar de Nantes (também referido como tabelião nos livros das chancelarias

reais), filho de Diogo, quem, também na Casa de Crasto, desempenhou as fun­

ções de tabelião por ocasião de outra escritura, esta de doação, de Bernardino

Machado, filho de Francisco Machado, a seu sobrinho o segundo Francisco


Machado, neto do primeiro.

O estreito relacionamento que deve ter existido entre os Nantes e os Sás é

sugerido pela leitura da obra "O Poeta do Neiva", de José de Sousa Machado,

que refere, não só estas escrituras, mas também, a páginas 178, um pedido
de intervenção e de auxílio que, no seu testamento, redigido em 1593, faz
Francisco de Sá de Meneses, neto do poeta, ao Reverendo Gaspar Quinteiro,
filho de Diogo de Nantes II e Abade de S. Martinho de Carrazedo, e ao Reve­
rendo Doutor Isidoro de Sá, Abade do Fiscal.

Mas não param aqui as relações entre Machados e Nantes. De facto, em 1595,
o dito Gaspar Quinteiro foi uma das três testemunhas na celebração da já
mencionada escritura de dote de Dona Joana Machado da Silva (na qual, como

Marcelino Pereira considerou importante assinalar, todos as testemunhas são

tratados por senhores), isto é, da filha do segundo Francisco Machado, neto do

primeiro. As duas restantes testemunhas, os senhores Martim Coelho da Silva"


e Francisco de Goes Peixoto", eram parentes próximos dos Machados.

Disse-se já que uma bisneta de João de Nantes (filha de João de Nantes

Quinteiro), Maria Fernandes de Macedo, casou com Gonçalo Pires Machado,

1.° Senhor da Casa de Câmara em Moure, que, segundo se crê", era filho
bastardo do mesmo Francisco Machado.

Também os Arantes da Lousã", de quem descendem os Arantes Pedroso, e

que, de acordo com os livros paroquiais desta freguesia (em que aparecem
como Arantes, e não como Anantes), já no século XVI estavam estabelecidos
140 Eduardo R. de Arantes e Oliveira

nesta vila, parecem representar um elo de ligação entre Nantes


Machados, já e

que, como atrás dissemos, o primeiro Francisco Machado, foi Senhor da Lousã.
Os Machados eram pois o elemento de ligação entre a Quinta de Nantes, os

Nantes de Entre Homem e Cávado, e os Arantes da Lousã.

5
Os Quinteiros

Nos séculos XVI e XVII, o apelido Nantes aparece algumas vezes associado
com o apelido Quinteiro.

Felgueiras Gayo dá notícia de um Sebastião Quinteiro Baldaya, fidalgo das

Casas de D. Afonso V, D. João II e D. Manuel, filho de Diogo Álvares Baldaya,


da Cidade do Porto, fidalgo da Casa de D. Afonso V, e de Brites Pires Quinteiro,
filha esta de um Rodrigo Anes Quinteiro que deve ter nascido com a 2.8 Dinastia

e que é o Quinteiro mais antigo de que temos notícia.

Sabe-se que os Quinteiros tiveram arrnas". O mesmo não pode dizer-se dos
Nantes, de cujo brasão, se de facto existiu, não se achou qualquer notícia.

Procurámos afincadamente o significado do termo "quinteiro". Chamava-se


evidentemente quinteiro a quem estava encarregado de uma quinta, mas

no Dicionário da História de Portugal, encontrou-se uma


definição bastante
mais interessante inspirada na obra de Henrique da Gama Barros, "História
da Administração Pública em Portugal nos Séculos XII a XV". É a seguinte:

"Funcionário régio incumbido de fiscalizar a exploração das minas de ouro,

uma vez que esta actividade se encontrava a


cargo de particulares. E a sua

designação resultou, porcerto, de serele quem tirava do produto da exploração


o quinto que pertencia à coroa. O cargo existiu, pelo menos, desde o reinado
de D. Afonso 11/ (1248-79), tendo este monarca determinado que os "eâiceiros",
ou "ourivezes da Adiça" (então os de maior relevo e que, por isso, gozavam
de importantes privilégios) apenas respondessem perante o seu quinteiro. Por
Memórias de Entre Homem e Cávado: origens de uma família 141

seu turno, D. Dinis (1279-1325), par diploma de 29/111/1316, estabeleceu que os

quinteiros dos ourivezeiros da Junqueira e de Pessegueiro fossem também o

seu juiz privativo, do mesmo passo que lhe competia fiscalizar -

na companhia
do escrivão -

as diferentes operações a que o ouro era sujeito e


acompanhar
a Lisboa a remessa do valioso metei",

Também na "Monarchia Lusitene'" se encontra, na Parte Quinta


(composta
por Frei Francisco Brandão), Livro XVI, Cap. XXXI ("Da vinda del Rey D. Dinis
a Coimbra, com outras memórias deste anno"), abundante informação sobre
as minas de ferro e ouro. E é curiosa a indicação, constante dessa mesma

obra, de que "do ouro da Adiça se fez o cetra, & coroa que os Reys de Portugal
costumavam trazer nos actos públicos".

Tudo isto revela a importante actividade mineira que se verificou durante a

1.a Dinastia, actividade esta que foi desaparecendo à medida que as minas

exploradas pelos portugueses passaram a ser, não já as da Metrópole, mas

as muito mais ricas minas do Ultramar.

6
Nantes a Arantes

Por razões não totalmente esclarecidas, o


apelido Nantes foi-se transformando
em Arantes. De facto, em diplomas contidos em Livros das Chancelarias Reais,

a forma "de Nantes" ou "Danantes", utilizada até ao reinado de D. João IV,

converteu-se, em meados do século XVII, em "d'Arantes".

É de assinalar, por exemplo, que a 12/V11i/1646 foi registado, na freguesia de


S. Paio de Sequeiros, o casamento de António Gonçalves Ferreira com Maria

d'Arantes, do lugar do Tojal dessa freguesia. Sabendo-se que em 1756 o


lugar
do Tojal da freguesia de S. Paio de Sequeiros não tinha mais que 5 vizinhos

(ver "Memórias Paroquiais" no ANTT), e não havendo razão para ser muito

maior a dimensão do mesmo lugar na primeira metade do século XVII, seria


142 Eduardo R. de Arantes e Oliveira

absolutamente inverosímil que a Maria d'Arantes, do Tojal, que casou em 1646,


não fosse a filha -

chamada Maria -

de Manuel Lopes e de Maria d'Anantes

do mesmo lugar, baptizada na freguesia a 6/11/1625.

o nome não mudou simultaneamente em todas as


freguesias. Por exemplo, na

freguesia de S. Paio de Besteiros, o pároco ainda registou o baptismo, ocorrido


em 14/11/1720, de uma Úrsula, "filha de João danantes e Maria Antunes", tendo
por madrinha outra Úrsula, sobrinha de um "José danantes". Cerca de dez anos
mais tarde, a 5/V1/1730, um novo pároco registou o baptismo de um irmão de

Úrsula, Francisco, dando-o como filho de "João d'Arantes e Maria Antunes"

(certamente o mesmo casal), sendo padrinhos um "Francisco d'Arantes da

freguesia de Caires e Teresa Francisca, mulher de "José d'Arantes", muito prova­


velmente o mencionado no assento anterior. Quanto aos assentos quinhentistas
da mesma freguesia relativos aos assentos de pessoas com o apelido Danantes,
ou seja "de Nantes", é interessante observar que têm à margem, escrito com

letra do século XVIII, o nome das mesmas pessoas com o apelido Arantes.

É de observar que os filólogos que tivemos o cuidado de consultar são unâ­

nimes em
negar que Nantes se tenha transformado em Arantes por razões de
ordem meramente filológica.

do

Curiosamente, o apelido Arantes aparece já em documentos bem mais antigos.

Do "Livro de Extras", contido na "Leitura Nova", consta nomeadamente um

documento datado de 2/1/148818 pelo qual um João de Arantes, escudeiro da


Casa Real, é nomeado por D. João II "Condestável dos Espingardeiros do Reino
e todos os seus Senhorios". A mesma carta de nomeação menciona que João

de Arantes já antes tinha prestado assinalados serviços a D. Afonso V.


Memórias de Entre Homem e Cávado: de uma família 143

O título de "Condestável dos Espingardeiros do Reino" fora antes usado por um

Guilherme de Leu, ou d'Aleu, cavaleiro da Casa Real, nomeado por D. Afonso


Va 9/111/1460. Mas ninguém mais o usou depois de João de Arantes, já que
os que lhe sucederam em idênticas funções, o
primeiro dos quais se chamou

Payo de Freitas, foram chamados Anadéis-mores, e não Condestáveis, dos


Espingardeiros do Reino.

A nomeação de João de Nantes, que se conclui ter sido escudeiro da Casa


Real e militar da mais elevada jerarquia, deve ser vista no contexto de um

conjunto de medidas que o Príncipe Perfeito tomou nessa época para reforçar
os meios de defesa do Reino. Diz, a esse propósito, Rui de Pina ("Crónica de
D. João II", Capítulo XXX): "No começo do anna de mil quatrocentos e oitenta
e oyto, comquanto E/Rey estava em pacifica paz e amizade com Castella, e

sem algua causa nem sospeiçom de rompimento; porem como Rey bõm, e muy

prudente que nos


tempos da paz ama as cousas da guerra, e nos da guerra

precura sempre os meas da paz, mandou proveer e fortalezer, e repairar,


todallas Cidades, Vil/as, e Castellas dos estremas de seus Reynos, assy no

repaira, e defenssam dos muros, e torres, como em muniçõs, e bastecimentos

d'artelharia, polvora, salitre, comas, almazees, pera ao que mandou fazer em

todallas fortalezas, novos apousentamentos, e casas deputadas pera isso. E


pera que estes cousas per negligencia, e
pouco provimento dos Alcaides se

no perdessem, ordenou logo novos Officiaes moores. pessoas discretas e

d'autoridade".

As armas chamadas "espingardas" eram muito diferentes das que moderna­


mente recebem esse nome. Tratava-se de bocas de fogo bastante compridas
cuja coronha se apoiava no solo. Apesar de a sua relativa leveza permitir que
fossem transportadas por um ou dois homens, eram verdadeiras peças de

artilharia ligeira, e não meras armas individuais. Os espingardeiros receberam

organização análoga à dos besteiros, sendo o cargo de Condestável dos


Espingardeiros comparável aos de Anadeis-mores dos Besteiros.

Os espingardeiros constituíam tropas de elite cujo número D. Manuel fixou em

milhar e meio. Por isso, no "Regimento dos ordenados e mantimentos da gente


de peleja e soldo na cidade de Tânger", datado de 1472, lê-se que o soldo

dos bombardeiros e espingardeiros ascendia a 300 reais por mês, sendo 3,


144 Eduardo R. de Arantes e Oliveira

5 e 6 vezes superior, respectivamente, aos dos homens de armas, besteiros


e homens de pé. A nomeação do respectivo condestável deve pois ter sido

cuidadosamente ponderada.

Quem seria João de Arantes?

Antes de abordar esta questão, observemos que, fosse qual fosse a sua origem,
João de Arantes foi em Lisboa uma personalidade marcante. Prova-o, nomeada­

mente, uma carta de confirmação", datada de 11/111/1502, que consta também


da "Leitura Nova" (Estremadura), da escritura de aforamento ao Doutor João
do Rego, lente de prima na Universidade, de uma casa na Rua de S. Jorge,
já que dela constam confrontações com "as casas de dona Isabel de sousa

que foram de Joham darantes". Observe-se que não há dúvida que o apelido
aparece escrito nessa carta como Arantes, e não Anantes.

A 13/XI/1521, em nova escritura de aforamento, que consta igualmente da


"Leitura Nova", as mesmas casas são mencionadas, não como tendo sido de

Dona Isabel de Sousa, mas sim, novamente, de João de Arantes. Citando a

carta que o Prof. Eduardo Gonçalves Rodrigues nos escreveu, "a constante
referência a João de Arantes ao longo de cerca de 20 anos após a sua saída

da casa permite concluirque foram marcantes na vizinhança, ou a sua persona­


lidade, ou eventuais obras na casa por ele promovidas".

8
Sobre a

Duas hipóteses parecem dever ser consideradas: a primeira é que fosse estran­

geiro, a segunda que fosse um dos Nantes de Entre Homem e Cávado.

Comecemos pela primeira hipótese, que nos parece menos provável.

É natural que os mencionados serviços prestados por João de Arantes a D.

Afonso V o tenham sido, pelo menos, durante a guerra que opôs o nosso Rei
Memórias de Entre Homem e Cávado: origens de uma família 145

aos Reis Católicos de Espanha, Fernando e Isabel, guerra esta que culminou,
como é sabido, na Batalha de Toro (1/111/1476), ou, mais precisamente, nas duas

Batalhas: a de Toro propriamente dita, perdida por D. Afonso V, e a de Castro

Queimado, ganha simultaneamente, e em lugar vizinho, pelo Príncipe D. João,

mais tarde D. João II. A esta se refere Felgueiras Gay020 quando afirma que
Francisco Machado "foi o primeiro na Bata/ha do Crasto onde se achou com 40
homens à sua custa". Francisco Machado, que nela foi feito prisioneiro, poderia
aí ter conhecido João de Arantes e com ele partilhado o cativeiro.

Parte dos castelhanos, muitos dos quais eram originários da Galiza, e chefiados

pelo grande feudal D. Pedro Alvarez de Sotomaior, o


legendário Pedro Madruga
das crónicas galegas, tomaram partido por D. Afonso V. João de Arantes
poderia ter sido galego, e um dos que, depois de Toro, preferiram ficar em

Portugal. Sendo assim, é possível que tivesse tomado como apelido o nome

do seu lugar de origem.

Ora, tanto na toponímia do Minho como na da Galiza, há vários lugares sus­

ceptíveis de terem dado origem ao apelido.

No Minho, aparece, por exemplo, Arentim (onde, em 1509, João de Nantes


aprazou, como já se disse, o Casal de Remonte), e o Va/e de Arante, junto a

Guimarães. José Pedro Machado, no seu "Dicionário Onomástico da Língua


Portuguesa" associa com este último apelido, sugerindo para esse topónimo
o

uma origem basca: "aranz" que significa "va/e", palavra que deve ter dado o
nome à vila e município de Arantza, na província de Navarra. A raridade do

apelido em Portugal leva efectivamente a pensar numa origem estrangeira.

Na Galiza, tem-se Arante no Município de Ribadeo (Lugo), Arantón no Muni­

cípio de Santa Comba (Corunha), e Arantei, uma freguesia do município de


Salvaterra do Minho, na
margem direita do Minho, quase em frente a Monção.
Nesta última se localizava o Couto de Arantei que genealogistas portugueses,
como Felgueiras Gay021, denominaram Couto de Arantes, já que a terminação
em s do genitivo germânico tende em Portugal a substituir a terminação em i

(ou y, como se usa em castelhano) do genitivo latino.

Este último local seria mais provável, até porque D. Pedro Alvarez de Sotomaiorera
Senhor de Salvaterra do Minho, senhorio a que o Couto de Arantes foi agregado.
146 Eduardo R. de Aranles e Oliveira

Enviou-nos o ''Arquivo Histórico Diocesano de Tui" cópia de um documento ",


datado de 1447 (Papeles del Hospital), que refere pessoas apelidocom o

Darantei, (ou "de Arantei"), e menciona um


Lourenço Rodrigues Darantei.

No entanto, não foi por acaso


que frisámos estarem todos os documentos
conhecidos relativos a João de Arantes incluídos na "Leitura Nova". De facto,
como bem sublinha o "Dicionário da História de Portuga/", o grande defeito que

pode apontar-se aos livros da "Leitura Nova" reside na deficiência de muitas

transcrições, que a ignorância dos copistas deixou eivadas de erros. O apelido


Arantes pode pois ter resultado de uma corruptela escrita de Anantes.

É de observar que o "Dicionário da História de Portuga/", no seu artigo sobre a

"Leitura Nova", informa que "Extras" significa "estrangeiros", o que, induzindo­


-nos em erro, começou por nos fazer aderir à hipótese de João de Arantes

ser de origem estrangeira, provavelmente da Galiza, não pertencendo pois à


Família dos Nantes.

Concluímos mais tarde que quem escreveu que "Extras" significa estrangeiros
não deve ter consultado o índice do "Livro de Extras". Para não perdermos
tempo a descrever esse índice, limitar-nos-emos a observar que a carta de

nomeação de João de Arantes está incluída num capítulo do Livro intitulado


"Título das cartas dos ofícios mores do Reyno e da justiça e casa del Rey, do

almirante e doutros ... ". O Condestável dos Espingardeiros do Reino João de


Arantes pode pois ter sido português, como a quase totalidade dos que constam
desse índice, e Arantes uma corruptela escrita de Anantes, da qual resultaria
a evolução verificada no decorrer dos séculos seguintes.

Os primeiros textos da "Leitura Nova" foram copiados a partir de 1504, e essa

corruptela pode ter tido efeitos quase imediatos. Apareceram, nomeadamente,


como vamos ver, pessoas que usaram o apelido Arantes logo na
segunda
década do século XVI.
Memórias de Entre Homem e Cávado: origens de uma família 147

9
q

O Volume II do Corpo Documental da obra "História Geral de Cabo Verde", em

vias de ser elaborada pelo IICT, baseia-se num códice do "Núcleo Antigo" do
ANTT. Refere-se este códice, escrito em cursivo do século XVI- cuja presença
no ANTT se
explica pelo facto de D. João III ter mandado recolher ao
Arquivo
Real a documentação das contas dos diferentes almoxarifados -, a registos
de contas relativas às receitas "dos quartos e vintenas" da Ilha de Santiago
abrangendo os anos de 1513 a 1516.

A partir da página 232, o Volume em questão apresenta o "Título das Entra­

das e Saídas dos Navios de Castela e dos Estrangeiros". A páginas 238,


242, 257, 259, 264 e 277, é mencionado viajando em navios castelhanos um

mercador chamado Francisco d'Arantes (sic). A 29 de Outubro de 1514, este

mercador chegou ao
porto de Santiago, no navio "Madanella Cansina", tendo
deixado Santiago no mesmo navio a 15 do mês de Dezembro do mesmo ano.

Voltou outras vezes, nomeadamente a 5 de Julho de 1515 no navio de que

era mestre Martim Delgado e piloto Francisco de La Feria, tendo partido no

mesmo navio a 7 de Agosto seguinte. Dessa vez, estava acompanhado de


um Cristovam d'Arantes e de um Estevam Quinteiro, além de outros cujos
nomes nada nos dizem.

Porém, os nomes Arantes e Quinteiro dizem-nos muito. Em primeiro lugar, em

datas tão antigas como 1513-1516, o apelido aparece escrito, na versão original
de um documento, sob a forma d'Arantes, e não de Nantes ou d'Anantes. Por

outro lado, um Quinteiro aparece junto com estes Arantes, o que torna alta­
mente provável um relacionamento com os Nantes de Entre Homem e Cávado.
É de considerar a hipótese de se tratarem de filhos de João de Arantes que

foram para Castela, e que, a partir de portos castelhanos, se dedicaram, como

mercadores, a um rendoso comércio, com os domínios portugueses em África.


Procuraremos, seguidamente, enquadrá-los na cronologia dos Nantes.
148 Eduardo R. de Arantes e Oliveira

o
Cronolog dos Nantes

A cronologia que se
segue foi estabelecida a partir de factos conhecidos,
nomeadamente a partir das Chancelarias dos sucessivos Reis (incluindo a

"Leitura Nova"), dos livros paroquiais mais antigos, e das datas das matrículas

de ordinandos que nos foram dadas a conhecer no ADB. Como é sabido, estas

últimas datas permitem estimar limites superiores e inferiores das dos nasci­
mentes>. Pudemos estabelecer assim, não propriamente uma genealogia, mas

a
seguinte cronologia cujas gerações se assinalam pelo ano que nos parece
ser mais ou menos o do nascimento.

João de Arantes:

Foi escudeiro e morador da Casa Real.

14xx: Terá casado com uma Quinteiro (seria filha de R.o Anes Quinteiro, de
Ponte de Lima, o
primeiro Quinteiro de que se tem conhecimento, o qual,
em 1455, era almoxarife do Infante D. Henrique?).
1463: Tentativa de conquista de Tânger, em que morreu Pedro Machado;

Francisco Machado torna-se 2.0 Senhor de Entre Homem e Cávado.

1470/1471: Nascem a João de Arantes os filhos João e Diogo.


1471: Conquista de Arzila e consequente abandono de Tânger aos portugueses.
1476: Entra na Batalha de Castro com Francisco Machado?

1488: É nomeado por D. João II Condestável dos Espingardeiros do Reino. São


invocados os muitos serviços prestados a D. Afonso Vea D. João II.

149x: Sai de Lisboa para se fixar nas suas terras de E.H.&C., onde conta com a

amizade de Francisco Machado. Deixa na capital duradoura recordação.


149x: Pode ter sido ele quem comprou a Quinta de Romai.
Memórias de Entre Homem e Cávado: origens de uma família 149

II
1470: eà local)
Nantes:

1495: Compra (ele ou o pai?), ainda solteiro, a Quinta de Romai.

1496?: Casa com Genebra de Sampaio.


1497/1498?: Nascem-lhes os filhos Francisco e António.

1508: João e Genebra compram uma herdade junto à Qta. de Romai.

1509: João e Genebra entram como partes no aprazamento ao Cabido do Casal


de Remonte (Arentim), junto a propriedades de Francisco Machado.

1507/1514: Nascem os filhos Fernando e Manuel.

1505/1510: O filho João (e Diogo?) recebe ordens menores.

1511: Os filhos Francisco e António recebem ordens menores, juntamente com

Bernardim, que foi caval." de Malta, o secundogénito de Fr.co Machado.

1514/1522: Morre Genebra de Sampayo.


1518: Morre Francisco Machado, em Souzel.

1522: Fernando e Manuel recebem ordens menores, juntamente com Simão,


filho do então já defunto Francisco Machado.

de Nantes

1508: Testemunha a celebração da escritura de compra, por seu irmão João

e sua cunhada Genebra, de uma herdade junto da Quinta de Romai.


Era então escudeiro de Francisco Machado.

15xx-: Torna-se escudeiro do Rei e morador da Casa Real.

1511: É nomeado pela 1.a vez tabelião de Entre Homem e Cávado.

1516: É nomeado pela 2.a vez tabelião de Entre Homem e Cávado.

1522: É nomeado pela 3.a vez tabelião de Entre Homem e Cávado.

Francisco dArantes, Cristóvão

Mercadores em Castela.
150 Eduardo R. de Arantes e Oliveira

em

15xx: Sucedeu a João de Nantes na Quinta de Ramai.

15xx: Casa com Francisca de Macedo.

1534: A data mais antiga para o nascimento do seu filho Fernão (Ribeiro de

Macedo).
1549: Fernão recebe ordens menores.

15xx (antes de 1560): Sucede a seu pai na Quinta de Ramai.

Morre antes de 1560 (ver referência no Livro do Pão do Cabido de Braga).

de Nantes IL

15xx: Casa com Hilária, ou Eulália, Pires. Nasce Gaspar de Nantes em 1530.

1542: É tabelião de E.H.&C.

1544: É proprietário do ofício de escrivão dos órfãos de E.H.&C. e do Couto


de Rendufe; é-lhe facultado nessa data escolher um
ajudante de idade
não inferior a 14 anos, o qual se crê ter sido o filho Gaspar.
1550: É-lhe permitido, por seu falecimento, fazer mercê do dito ofício à pessoa
que casasse com uma das filhas (50 anos).
1551: É tratado por escudeiro num processo que manteve contra o Cabido.

1554: Renuncia a seu pedido ao ofício de escrivão dos órfãos de E.H.&C., mas

é-lhe permitido manter o de escrivão do Couto de Rendufe.

15xx: Torna-se criado de D. Filipe Lobo, 4.° filho do 2.° Barão de Alvito.

1531: Vai numa expedição "ao socorro de Tânger" e é armado cavaleiro.

1532: Uma carta real de 17 de Dezembro confirma-lhe o respectivo foro.


1534: É nomeado tabelião do público e judicial do Concelho de E.H.&C.

1535: Recebe o ofício de escrivão das sisas deste Concelho e do Couto de Bouro.

1538: É nomeado tabelião do público e judicial do Concelho de Regalados.


Memórias de Entre Homem e Cávado: origens de uma familia 151

IV1 -

filhos de João de Nantes Quinteiro, e de Fr.ca de Macedo, da Quinta da

Samaça:

de

1534: A data mais antiga possível para o seu nascimento.

1549: Toma ordens menores em Braga.


15xx: Casa com Catarina da Costa.

15xx: Nasce a filha Maria Fernandes de Macedo, que casou com


Gonçalo
Pires Machado, Senhor da Quinta da Câmara, em Moure, "bastardo,
segundo dizem, de Francisco Machado, 4.0 Senhor de E. H. &C."24.

Macedo:

1560: Já era então órfã de seu pai, casada com Jorge de Mello Pereira, e

Senhora da Quinta de Ramai.

IV2 -

filhos de Diogo de Nantes Il, e de Hilária, ou Eulália, Pires:

Gaspar de Nantes:

1544: Torna-se ajudante do pai (Diogo) como escrivão dos órfãos (14 anos).
1547: É nomeado pela 1.8 vez tabelião de E.H.&C.

Era tabelião de E. H.&C. em 1547, 1552 e 1578.

1554: Nomeado formalmente escrivão dos órfãos de E.H.&C ..

1562: Casou uma 1.8 vez com


Briolanja Frz., e uma 2.8 vez com Justa Leitão.

1602: O Rei força-o a renunciar (por ser muito velho) ao ofício "que servia há

mais de 50 anos".

1615: Morre sem geração.


152 Eduardo R. de Arantes e Oliveira

1555: Recebe prima tonsura.

1562: Recebe ordens de Evangelho.

1574: Recebe ordens de missa.

1578: Torna-se Abade de Carrazeda.

1593: Sá de Miranda roga a intervenção e auxílio dos Abades de Carrazeda

(GasparQuinteiro) e de Fiscal (Isidoro de Sá) para garantira cumprimento


do seu testamento.

1595: Testemunha,juntamente com Martim Coelho da Silva e Francisco de Goes


Peixoto (estes dois últimos parentes próximos dos Senhores de Entre

Homem e Cávado; as três testemunhas têm tratamento de "Senhor"),


na escritura de dote da filha de Francisco Machado II. Sabe-se pelos
Livros Paroquiais de Carrazeda, que era ainda vivo em 1615, mas não
se achou nos referido Livros o assento do seu óbito. Deixou três filhos

naturais que tomaram o apelido Quinteiro.

Tem-se conhecimento deste por ter feito testamento em 25/111/1594 a favor


de seu irmão Gaspar de Nantes (o que parece indicar que não teve

descendência), e por, em 11/XI/1593, ter sido nomeado procurador do

Dr. Sebastião de Alfaro, "seu familiar" (portanto, familiar dos


Nantes)
e secretário do Arcebispo D. Frei Agostinho de Jesus, para efeitos do
emprazamento da casa n." 12 da Rua de S.to António, em Braga; o

"Mapa das Ruas de Braga", existente na Biblioteca Distrital, revela que


Sebastião de Alfaro morava na Rua de Santo António, em muito próxima
vizinhança dos Quinteiros, de Braga; foi casado com uma D. Maria, que

não se sabe identificar, e pai de Valéria de Alfaro. Segundo diz Diogo


Barbosa Machado, na sua "Biblioteca Lusitana", Sebastião de Alfaro fez,

após frequentar a Universidade de Coimbra, estudos de Jurisprudência


Cesárea em Lovaina onde recebeu o grau de doutor na faculdade res­

pectiva, exercitou depois o lugar de Auditor Geral da gente militar em

Flandres, no tempo de D. João de Áustria (1577), e traduziu do italiano

para português os Diálogos, de Nicolau Franco.


Memórias de Entre Homem e Cávado: 153

Chegamos pois ao fim de uma dissertação que teve por objectivo investigar
as origens da Família Arantes.

O que aqui apresentámos foi essencialmente uma metodologia aplicável a

outros casos. A apresentação foi feita aplicando-a a um caso -

o da Família

Nantes, ou Arantes -, caso esse a


que, por sermos nós próprios membros

dessa Família, temos dedicado especial atenção, e sobre o qual nos temos

mantido atentamente informados.

O que procurámos fazerfoi reunirtodos os dados de que tínhamos conhecimento


e uma teoria que, ao longo de todo o texto, fomos procurando demolir,
construir
mas que resistiu em muitos aspectos às nossas tentativas de demolição.

Começando pelos Nantes mais antigos, considerámos irrefutável o que consta


das "Inquirições de D. Afonso III" sobre um conjunto de pessoas ditas "de
Nantes". Essas pessoas existiram e
aparecem, no seu conjunto, estruturadas
como uma família. Não deixámos de alertar, porém, para as precauções neces­

sárias para não tomar como


apelido o que pode não ser mais que um lugar
de origem comum.

A afirmação de Marcelino Pereira de que a Quinta de Nantes "parece ser o

Solar dos Nantes" não passa de uma hipótese, que, a verificar-se, aumentaria
grandemente a probabilidade de os Nantes das "Inquirições de D. Afonso III"

serem ascendentes dos que no século XV nos aparecem fixados em Entre

Homem e Cávado. Se não podemos garantir que tal hipótese se verifica,


também não nos sentimos autorizados a rejeitá-Ia, até porque esses Nantes
devem ter vindo de algum lugar, e Nantes de Chaves é um lugar altamente
provável, dada a ligação da Quinta de Nantes com os Machados. Outras famí­

lias existem cujas origens nos


parecem bem mais duvidosas, mas
que nunca

foram seriamente discutidas, só porque constam de nobiliários cuja letra não


é costume pôr em causa.

Quanto a João de Arantes, Condestável dos Espingardeiros do Reino, a

dúvida básica sobre a sua origem não foi escamoteada. Seria português ou

estrangeiro? Sendo português, estaria relacionado com os Nantes de Entre


154 Eduardo R. de Arantes e Oliveira

Homem e Cávado? A gradual transformação do apelido Nantes em Arantes,


bem como a aparição em Castela, nos primórdios do século XVI, de Arantes
juntos com um Quinteiro, aponta para um tal relacionamento. Um dos aspectos
fundamentais do nosso estudo é assim o papel que damos à aliança com

os Quinteiros, que supomos ter ocorrido na geração de João de Arantes (ou


mesmo em geração anterior), pelo que todos os descendentes deste eram de
facto "Arantes Quinteiro".

Por volta de 1500, a


situação social dos Nantes parece ter mudado. Até essa

data, seria uma simples família de "homens bons" (como tal foram chamados
a testemunhar nas "Inquirições de D. Afonso 11/"), vivendo à lei da nobreza,
mas sem o prestígio social que, na Idade Média, se associava geralmente à
carreira das armas. Mas, a partir daí, os Nantes, sobretudo os da Casa de
Ramai, aliaram-se a algumas das mais prestigiosas famílias do Minho. Ora,
esse brilho pode ser devido à carreira militar de João de Arantes. Parece-nos

importante observar, no entanto, que o apelido Nantes, ou Arantes, se perdeu


por via dessas alianças, ficando reservado para ramos menos abastados de

que são originários, nomeadamente, os Arantes da Estremadura, a que nós


próprios pertencemos, e os Arantes do Brasil.

Não ousámos apresentar uma genealogia, mas uma simples cronologia. A que
apresentámos abarca 4 gerações e sintetiza os dados que nos foi possível

coligir. Constitui ela própria uma teoria que considerámos aceitável por não

infringir, nem a lógica, especialmente a lógica implacável do tempo, nem os

factos conhecidos.

Esta cronologia incluiu dois desdobramentos de gerações que até agora não têm
sido considerados. O primeiro desses desdobramentos consistiu em considerar
o "condestável dos espingardeiros do Reino" João de Arantes como sendo da

geração anterior a João de Nantes e Genebra de Sampaio, não confundindo

pois, como tem sido feito até aqui, os dois Joões um com o outro. O segun­
d025 consistiu em desdobrar o único Diogo de Nantes a que se tem julgado
referirem-se os Livros das Chancelarias Reais em dois do mesmo nome: Diogo
de Nantes I e Diogo de Nantes II, possivelmente tio e sobrinho (ou pai e filho?).

Como todas as teorias, a presente teoria é apresentada como uma


proposta, e

como um desafio a uma refutação sempre possível através de factos novos, que
no futuro se tornem conhecidos. Mas enquanto tais factos não se revelarem,
nada há que nos permita considerá-Ia falsa.
Agradecemos o apoio do Arquivo Nacional da Torre do Tombo -

A.NTT. e do

Arquivo Distrital de Braga -

ADB, instituições onde encontrámos grande parte


dos documentos utilizados na elaboração do presente trabalho, bem como da

Biblioteca Nacional de Lisboa, da Biblioteca da Academia das Ciências de

Lisboa, do Instituto de Investigação Científica Tropical (através do Centro de


Estudos de História e Cartografia Antiga), do Arquivo Histórico Diocesano de

Tui, e de outros Arquivos da Galiza, que tivemos o cuidado de consultar por


escrito. Destacamos ainda o apoio recebido do nosso falecido amigo, Prof.
Doutor Jorge Borges de Macedo, quando era Director do A.NT.T., e da falecida

Dr.a Dona Maria da Assunção Jácome de Vasconcellos. ex-Directora do A.D.B ..

gue pretendemos homenagear, bem como da Dr.a Ana Isabel Canas e da Dr.a

Teresa Saraiva, que, como investigadoras do A.N.T.T., nos prestaram preciosa


ajuda na leitura de documentos antigos, sobretudo dos das Chancelarias Reais

referidos no texto do presente artigo. Lembramos com gratidão o falecido Briga­


deiro José Guilherme Calvão Borges, a
quem ficámos devendo importantes
informações sobre a região de Nantes, e o Dr. Eugénio da Cunha Freitas, também

já falecido, e exprimimos o nosso reconhecimento ao Dr. Jerónimo Duarte de

Salazar e Chaves, ao Dr. Maurício Antonino Fernandes, ao Doutor Manuel Artur

Norton, ao Prof. Doutor Eduardo Gonçalves Rodrigues, ao Embaixador Alfonso

de la Serna, que nos esclareceu sobre fontes históricas do país vizinho, ao Dr.

Manuel Machado Sá Marques, a quem devemos também informações sobre


a Galiza, ao Dr. João Paulo de Castro e Mello Trovisqueira, a Francisco Freire

de Andrade que nos apoiou nas buscas inicialmente efectuadas no A.D.B., e

ao Dr. João Carlos de Andrade Vilaverde e Silva Gachineiro que tem estudado
exaustivamente a descendência de João de Arantes.
156 Eduardo R. de Arantes e Oliveira

Notas

1
Santana Dionísio, "Guia de Portugal", 4.° Vol. (Minho), página 895, da ed. da Fund. Cal.
Gulbenkian.
2
C. R. de 29/1V/1450, trasladada a páginas 344 da obra "O Poeta do Neiva" de José de
Sousa Machado.
3
Ver em "O Poeta do Neiva" (pag. 281) de José de Souza Machado, Livraria Cruz, ed.,
Braga, 1929.
4
"Colecção de Memórias Genealógicas", pelo Padre Marcelino Pereira (2.° VoL), manuscrito
n." 876 do Arquivo Distrital de Braga (ADB).
5
Ver em Felgueiras Gayo, "Nobiliário de Famílias de Portugal", título de Barbosas, §86, N26.
6
Verem Felgueiras Gayo, "Nobiliário de Famílias de Portugal", título de Machados, §168, N21.
7
O original desta escritura pode ver-se no ADB, no Livro 6 dos "Prazos de Casais do Cabido
(1509/1510)", a folhas 44v.0/46v.0.
8
Vol. I, Parte II, Fascículo VIII, dos "Portugalliae Monumenta Historica".
9
Ver no Arquivo Distrital de Braga.
10
Transcrito e anotado em 1997 pelo Dr. João Paulo de Castro e Mello Trovisqueira. Conse­
guimos cópia deste documento, antes mesmo de conhecermos o Dr. João Trovisqueira,
através do Dr. José Arantes Rodrigues.
11
Seria mais tarde escudeiro da Casa Real.
12
Ver em Felgueiras Gayo, §12, N21, do título de Coelhos.
13
Ver em Felgueiras Gayo, §42, N22, do título de Machados.
14
Ver em Felgueiras Gayo, §168, N21, do título de Machados.
15
Dos quais descendia o Conselheiro Arantes Pedroso, ilustre professor da Escola de Medi­
cina de Lisboa.
16
De facto, o Doutor Manuel Artur Norton, na nota de rodapé n." 1690 do Vol. II do seu livro
"A Heráldica em Portugal", cita a obra "Cartas de Brasão", de António Machado de Faria, na
qual são mencionadas, embora não descritas, as armas dos Quinteiros.
17
Reeditada pela Imprensa Nacional- Casa da Moeda, Lisboa, 1976.
18
Apresentada na Adenda I.
19
IANTT, Leitura Nova, Estremadura, L. 9, f. 225-228. Deu-no-Ia a conhecer o Prof. Eduardo
Gonçalves Rodrigues.
20
Felgueiras de Gayo, "Nobiliário de Famílias de Portugal", §42, N19, do título de Machados.
21
Ver, porexemplo, em título de Correias, §83, N11, a referência a "Pedro Correia Soares, se­
nhor da Quinta de Troporiz (que fica do lado sul do Rio) e do Couto de Arantes em Galiza".
22
"Pape/es del Hospital", n." 19, Arquivo Diocesano de Tui.
23
De facto, as Constituições do Arcebispado de Braga determinavam que os ordinandos
tivessem entre 7 e 15 anos de idade (ver, por exemplo, a nota de rodapé da página 112 da
obra "O poeta do Neiva" de José de Souza Machado, Braga, Livraria Cruz ed., 1928).
24
Ver em Felgueiras Gayo, "Nobiliário de Famílias de Portugal", título de Machados, §168, N21.
25
Este 2.° desdobramentofoi-nos sugerido pelo Dr. João Paulode Castro e Mello Trovisqueira.

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