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1

DEMOCRACIA: UM ENSAIO TEÓRICO SOBRE SUAS PRINCIPAIS CONCEPÇÕES

AUTOR:
Jimmy Matias Nunes1

Eje temático - Filosofía y Teoría Política

Monterrey, agosto de 2019.

1
Mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). E-mail:
jimmymnunes@gmail.com
2

Trabajo preparado para su presentación en el X Congreso Latinoamericano de Ciencia


Política (ALACIP), organizado conjuntamente por la Asociación Latinoamericana de
Ciencia Política, la Asociación Mexicana de Ciencia Política y el Tecnológico de
Monterrey, 31 de julio, 1, 2 y 3 de agosto 2019.

RESUMO

A democracia é um fenômeno que comporta uma multiplicidade de definições, a


depender de aspectos históricos, contextuais, jurídicos, temporais, dentre outros.
Vários foram os teóricos que se debruçaram sobre o tema e que buscaram oferecer
um conceito que pudesse servir de parâmetro na classificação dos regimes políticos
existentes. Através da exploração das obras de importantes pensadores da teoria
democrática, este trabalho objetiva analisar as principais concepções existentes
acerca da democracia, de modo a apresentar uma visão abrangente desta espécie de
regime político. Conclui-se que as teorias estudadas, de um modo geral, ao invés de
se revogarem mutuamente, se complementam e, em seu conjunto, oferecem uma
ampla compreensão acerca do fenômeno democrático.

Palavras-chaves: Teoria Democrática. Democracia. Concepções de Democracia.

1 INTRODUÇÃO

Este ensaio tem como objetivo explorar as obras de importantes pensadores


da teoria democrática e, por conseguinte, analisar as principais concepções existentes
acerca da democracia, de modo a apresentar uma visão abrangente desta espécie de
regime político.
De acordo com a visão clássica, a democracia é o regime no qual as decisões
políticas são tomadas pelo povo, seja diretamente ou indiretamente, cujo objetivo é a
realização do bem comum. Ao considerar a concepção clássica como excessivamente
ideológica, outras teorias acerca da democracia foram formuladas por importantes
teóricos como Schumpeter, Anthony, Downs, David Held, Robert Dahl, Leonardo
Avritzer, Guillermo O’Donnell, dentre outros não menos valorosos.
A partir das obras dos supracitados teóricos, muitas das quais ainda
influenciam consideravelmente a teoria democrática contemporânea, procurar-se-á
discorrer, neste trabalho, as principais concepções acerca da democracia. A escolha
do tema se justifica pelo fato de que as teorias analisadas, antes de serem conflitantes,
3

se complementam e oferecem conjuntamente uma ampla visão do fenômeno


democrático. Ademais, este estudo exploratório servirá de contribuição para outras
pesquisas na Ciência Política e em outras áreas afins.
O ensaio teórico está organizado da seguinte forma: na primeira é apresentada
a concepção clássica da democracia, a qual se fundamenta em três elementos
basilares: a soberania popular, o bem comum e a vontade geral/do povo. Verificar-
se-á que, de acordo com esta visão, a democracia é o regime que propicia a tomada
de decisão política pelo próprio povo, seja diretamente ou indiretamente (através de
representantes eleitos).
Em uma segunda parte, apresentar-se-á a democracia processualista ou
procedimental defendida por Schumpeter, teórico considerado como um divisor de
águas da teoria democrática. Por conseguinte, estudar-se-á a compreensão da
democracia como um método de escolha de governantes, não de decisões políticas.
Analisar-se-á, também, a teoria pluralista de democracia, a qual, embora leve em
consideração alguns dos posicionamentos de Schumpeter, leva em consideração a
atuação de outros atores sociais na formação das decisões políticas (grupos de
interesse).
Na quarta parte será exposta, de forma sucinta, a concepção de democracia
exposta na obra de Robert Dahl (Poliarquia), a qual, embora também seja considerada
procedimentalista, considera com aspecto que Schumpeter não ponderou em sua
análise: a responsividade do governo perante os seus cidadãos.
Os dois capítulos seguintes tratarão, especificamente, do elitismo democrático
e da democracia concorrencial, com foco principal nos trabalhos de David Held e de
Michael Burton, Richard Gunther e John Higley. Destarte, apresentar-se-á o conceito
de elites, o seu papel em uma democracia e o seu poder na consolidação e na
transformação de regimes políticos.
Na sétima parte será realizada uma exposição acerca da readequação
conceitual proposta por Guillermo O’Donnell, que, ao analisar as novas democracias,
principalmente as oriundas da América Latina, compreendeu que a teoria democrática
e o conceito de democracia ainda não estão prontos e acabados, devendo, por isso,
incorporar outros aspectos analíticos, históricos, contextuais e legais.
No oitavo tópico, com base nos estudos de Leonardo Avritzer, será
apresentada o revigoramento do debate e da argumentação públicos na legitimação
4

das decisões políticas tomadas em um regime democrático (modelo de democracia


deliberativa).
Por fim, nas considerações finais, são apresentados os resultados obtidos nos
estudos realizados em cada uma das referidas seções.

2 DA CONCEPÇÃO CLÁSSICA DE DEMOCRACIA

O termo Democracia é plurissignificativo, isto é, comporta diversas concepções


de acordo com o ponto de vista estudado. Em seu conceito clássico, que dominou a
filosofia democrática do século XVIII, tem-se que a democracia “é o arranjo
institucional para se chegar a decisões políticas que realiza o bem comum fazendo o
próprio povo decidir as questões através da eleição de indivíduos que devem reunir-
se para realizar a vontade desse povo” (grifo nosso) (SCHUMPETER, 1984, p. 313).
De acordo com Bobbio (2000), o pensamento democrático remonta a
antiguidade e, de lá para cá, sofreu algumas alterações, embora não se tenha
abandonado a ideia de que o titular do poder, em um regime democrático, sempre
será o povo. Assim, de acordo com aquele autor, é possível fazer uma diferenciação
entre a democracia dos antigos e a democracia moderna, tomando como
parâmetro o exercício do poder. Na primeira, tem-se o poder exercido diretamente
pelos cidadãos, aos quais cabe tomar as decisões coletivas de forma pessoal. Já a
segunda surge em razão das grandes dimensões dos Estados modernos, o que
tornou impossível o exercício direto do poder por todos os cidadãos. Nesse último
caso, as decisões políticas passaram a ser tomadas indiretamente pelo povo, através
de seus representantes eleitos.
Vale salientar, todavia, que importantes teóricos ignoram o argumento de que
a soberania pode ser representada e, diante disso, rechaçam a ideia de uma
democracia representativa. Rousseau, por exemplo, em consonância com tal
posicionamento, afirmou que:

[...] ‘uma verdadeira democracia jamais existiu nem existirá’, pois exige,
acima de tudo, um Estado muito pequeno, ‘no qual seja fácil ao povo se
reunir’; em segundo lugar, ‘uma grande simplicidade de costumes’; além do
mais, ‘uma grande igualdade de condições e fortunas’; por fim ‘pouco ou nada
de luxo’ (ROUSSEAU apud BOBBIO, 2000, p. 33).
5

À parte do posicionamento acima transcrito, pondera-se que “tanto a


democracia direta quanto a indireta descendem do mesmo princípio da soberania
popular, apesar de se distinguirem pelas modalidades e pelas formas com que essa
soberania é exercida” (BOBBIO, 2000, p. 34). Entretanto, malgrado compartilhem do
mesmo princípio, Bobbio defende a democracia representativa como mais perfeita que
a direta, pois aquela seria menos vulnerável aos interesses particularistas e
transitórios dos cidadãos individualmente considerados. Nesse sentido:

[...] a democracia representativa também nasceu da convicção de que os


representantes eleitos pelos cidadãos estariam em condições de avaliar quais
seriam os interesses gerais melhor do que os próprios cidadãos, fechados
demais na contemplação de seus próprios interesses particulares; portanto,
a democracia indireta seria mais adequada precisamente para o alcance dos
fins a que fora predisposta a soberania popular (BOBBIO, 2000, p. 34).

Cumpre esclarecer que a verdadeira democracia representativa, segundo os


seus defensores, é aquela em que há o abandono do mandato vinculatório2, ou seja,
é aquela em que os representantes eleitos se desvinculam dos interesses individuais
dos seus eleitores para lutar pelo interesse geral da nação.
Também é importante mencionar o esforço de Bobbio em esclarecer que um
governo democrático não depende necessariamente de qualquer forma de concepção
do Estado, de modo que a democracia é capaz se desenvolver tanto em um Estado
liberal, quanto no denominado Estado de bem-estar social (Welfare State). No que se
refere ao liberalismo, mais especificamente, o autor aduz que é plenamente possível
um Estado liberal e democrático, desde que, nesse caso, o ideal de igualismo
democrático ceda espaço para a concepção da democracia como método ou fórmula
política (sufrágio universal). Destarte, a ideia do sufrágio universal não contraria, nem
limita as vigas de sustentação do liberalismo, quais sejam o Estado de Direito
(limitação dos poderes do Estado) e o Estado Mínimo (limitação das funções do
Estado).
Pode-se dizer, pelo exposto, que a democracia, em sua concepção clássica,
nada mais é que o regime através do qual o próprio povo, diretamente ou através de
seus representantes eleitos, formula as decisões políticas que terão o condão de

2
A referida ideia da desvinculação do mandato se contrapõe à teoria econômica da democracia proposta por
Anthony Downs (1999), segundo a qual o objetivo principal de um governo é a reeleição e que o meio para ele
atingir esse objetivo é o voto. Sendo assim, interessado no voto do cidadão, o governo se vê obrigado a considerar
os interesses daquele, de modo que, de acordo com tal pensamento, não seria possível que os representantes
eleitos se desvinculem totalmente do mandato atribuído pelos cidadãos.
6

concretizar o bem comum. Quando a democracia é do tipo representativa/indireta, o


próprio povo escolherá seus representantes por intermédio de um processo eletivo,
os quais, após eleitos, deverão decidir de modo a realizar a vontade daquele povo que
está sendo representado.
Tem-se, pelo exposto, três elementos basilares da teoria democrática clássica:
a soberania popular, o bem comum e a vontade geral/do povo.

3 DA DEMOCRACIA PROCESSUALISTA OU PROCEDIMENTALISTA

Tomando como base a teoria clássica da democracia acima exposta, em que


consiste o bem comum e qual é, especificamente, a vontade geral à qual devem servir
os representantes do povo na democracia moderna?
O pensamento de Schumpeter pode ser considerado um divisor de águas da
teoria democrática, pois, ao criticar fervorosamente a concepção clássica, apresenta
uma visão mais pragmática e menos ideológica da democracia. De acordo com aquele
teórico (1984, p. 315), o bem comum anunciado pelos clássicos simplesmente não
existe, tendo em vista que o significado de bem comum pode variar entre grupos e
indivíduos. Outrossim, mesmo que os indivíduos, em uma coletividade, entrassem em
consenso quanto ao que seria esse bem comum, cada um deles teria uma opinião
diferente acerca da forma pela qual ele seria realizado. Nesse caso, de acordo com o
exemplo dado pelo autor, se todos os cidadãos concordassem que o bem comum
fosse a satisfação econômica, cada um deles apresentariam respostas distintas
quanto à forma pela qual essa satisfação seria alcançada.
Quanto à vontade geral, esta também é ilusória justamente pelo fato dela
depender da existência de um bem comum definido. Assim, tanto “[...] a existência
como a dignidade desse tipo de volonté génerale se vão logo que a ideia do bem
comum nos abandona. E ambos os pilares da doutrina clássica inevitavelmente se
transformam em pó” (SCHUMPETER, 1984, p. 316).
Em clara contraposição à visão clássica, Schumpeter se propõe a apresentar
uma concepção mais realista (de bases empíricas) de democracia, a qual, de acordo
com essa visão, deve ser concebida como um processo, cujas decisões políticas não
produzirão necessariamente a vontade do povo. Dessarte, a compreensão de
democracia deve ser desprendida da vontade geral, haja vista o regime nem sempre
se inclinar aos desejos do povo, os quais, inclusive, podem ser realizados por um
7

órgão não democrático, como ocorreu na França de Napoleão Bonaparte, onde, em


plena ditadura militar, foi realizado o acordo religioso que o povo tanto desejava e
necessitava. Sobre este ponto:

O segundo argumento de Schumpeter contra a ‘doutrina clássica’ é que as


decisões de agentes não democráticos podem, algumas vezes, se provar
mais aceitáveis para as pessoas em geral do que ‘decisões democráticas’,
pois tais agentes podem usar suas posições especiais para produzir políticas
com as quais os vários partidos afetados, em primeira instância, não
conseguiram concordar ou teriam rejeitado com base na afirmação de que
estas envolviam níveis inaceitáveis de sacrifícios (HELD, 1987, p. 157).

Também é interessante expor as considerações de Schumpeter acerca do


comportamento político do cidadão, o qual, para o teórico, quando inserido na
coletividade, possui um reduzido senso de responsabilidade, um baixo nível de
energia de pensamento e uma sensibilidade maior às influências não-lógicas.
Outrossim, individualmente considerado, o cidadão se interessa apenas por um
estreito campo de temas que o afetam direta e pessoalmente, podendo ser facilmente
influenciado pela propaganda e por outros métodos de persuasão.
Logo, nem sempre será possível verificar racionalidade no comportamento dos
cidadãos, muito pelo contrário, não será raro encontrar um reduzido poder de discernir
fatos, uma reduzida preparação para agir sobre eles e um diminuto senso de
responsabilidade. Quanto à capacidade de decisão dos eleitores sobre os negócios
nacionais, Schumpeter (1984, p. 326) é cético ao afirmar que eles “[...] são maus
juízes, frequentemente corruptos e muitas vezes até mesmo são maus juízes de seus
próprios interesses de longo prazo, pois apenas a premissa de curto prazo diz alguma
coisa politicamente e apenas a racionalidade de curto prazo se afirma de modo
efetivo”.
Tem-se, portanto, que o eleitor (do não instruído ao mais erudito) direciona seus
esforços tão somente para aqueles assuntos que o afetam diretamente em um curto
prazo, de modo que lhe falta discernimento para assuntos de política interna e externa.
Tal ponto de vista, anos mais tarde, iria ao encontro da Teoria Econômica da
Democracia de Anthony Downs, que em sua obra aduz que a racionalidade do cidadão
é direcionada para o seu interesse pessoal, pois sempre o homem racional escolhe a
alternativa que ele acredita que lhe trará a maior utilidade. Assim sendo, “cada cidadão
vota no partido que ele acredita que lhe proporcionará mais benefícios do que
qualquer outro” (DOWNS, 1999, p. 57).
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Na realidade schumpeteriana, os eleitores podem ser facilmente influenciados


por atores denominados de políticos profissionais, isto é, por outros cidadãos que se
qualificam e que direcionam seus esforços para participar e dirigir a política. Dessa
afirmativa, Schumpeter (1984, p. 329) faz uma constatação que coloca em xeque a
vontade geral canonizada pela doutrina clássica: “[...] tais grupos são capazes de
fascinar e, dentro de limites muito amplos, até mesmo criar a vontade do povo” (grifo
nosso). A vontade geral, portanto, não seria algo natural, mas um produto artificial do
processo político. Ao se fazer um paralelo com a obra de Downs (1999), pode-se
afirmar que cada grupo de interesse apresentará ao eleitor uma ideologia, a qual, ao
invés de constituir metas reais de bem comum, representa nada mais que um
instrumento para a obtenção do poder político.
Em síntese, o problema da teoria democrática clássica consiste basicamente
em compreender a democracia como um meio para que os eleitores tomem,
conjuntamente, decisões políticas. Diante disso, Schumpeter propõe uma outra teoria,
a qual sustenta que a democracia é um método de produção de governos, não de
decisões políticas. É através desse método que o povo será chamado para eleger
um governo, o qual será o responsável pelas decisões políticas no lugar do povo, de
modo que o poder de decisão caberá a um grupo de indivíduos que adquiriu tal poder
através de uma luta competitiva pelos votos da população.
A competição política da teoria de Schumpeter toma como base as concepções
da própria competição na esfera econômica. Por conseguinte, assim como ocorre na
economia, a competição em uma democracia também pode ser injusta ou fraudulenta,
de modo que “[...] há um espectro contínuo de variações dentro do qual o método
democrático de governo se dilui, em passos imperceptíveis, ao autocrático”
(SCHUMPETER, 1984, p. 339).
Para que haja uma competição livre e justa, Schumpeter defende que a
coletividade, antes de tudo, goze de certas liberdades individuais (de consciência,
de expressão, de imprensa etc.), pois subsiste uma íntima relação entre tais
liberdades e a democracia. Isto posto, é possível concluir que o teórico parte do
pressuposto de que o estado liberal deve ser instalado antes do método democrático,
conforme se verifica no seguinte trecho:

[...] o método democrático requer que todos, em princípio, sejam livres para
competir pela liderança política. Para que este requisito seja satisfeito, devem
(sic) haver um “considerável volume de liberdade de discussão para todos e
9

isso envolve tanto a liberdade de expressão quanto a liberdade de imprensa”


(SCHUMPETER, 1942, p. 270 apud HELD, 1987, p. 161).

Devido ao fato de Schumpeter ter subordinado o êxito do método democrático


à satisfação de condições relacionadas a liberdades individuais, autores como
O’Donnell (1999) chegaram a afirmar que aquele teórico não é tão minimalista como
parece.
Além do exposto, a política, nos dizeres de Schumpeter, deve ser
compreendida como uma verdadeira carreira profissional, na qual disputam as
lideranças das elites pelo poder político. O vencedor de tal competição é escolhido
pelo povo, através do procedimento democrático.
De acordo com Leonardo Avritzer (2000, p. 30), Schumpeter acentuou os
elementos anti-deliberativos do modelo decisionístico, pois rejeitou as formas públicas
de discussão e argumentação, e identificou as práticas decisórias com o processo de
escolha dos governantes, de modo que a deliberação democrática se reduziria
unicamente à escolha de representantes através do voto. Posteriormente Downs
(1999) endossaria tal posicionamento defendendo a ideia, com base na teoria da
escolha racional, de que a democracia seria o método pelo qual os partidos competem
pela obtenção dos votos dos eleitores (único meio para a obtenção do poder político)
e pelo qual os cidadãos, através do voto, elegem aquele partido/grupo que poderá
lhes proporcionar maiores rendas de utilidade.
Por último, cumpre expor que as ideias de Schumpeter não estiveram a salvo
de críticas de outros teóricos, os quais afirmam, inclusive, que sua obra teve grande
inspiração no pensamento de Weber consignado em Economia e Sociedade (1978).
Ademais, tais críticos informam que, apesar de ter pretensões realistas, a teoria
schumpeteriana possui aspectos claramente normativos.
Os adeptos ao pluralismo, por exemplo, aduzem que a teoria de Schumpeter
é incompleta e parcial, pois ignora as atividades de grupo de interesses organizados
(sindicatos, associações, grupos religiosos etc.) que têm o papel de conectar as
pessoas às mais diversas instituições.
O pluralismo, de acordo com David Held (1987), se desenvolveu nos anos 50
e 60, nos estudos políticos da América do Norte, e ainda possui bastante influência
na Ciência Política contemporânea. Apesar dos adeptos desta corrente tomarem
como corretas algumas das ideias de Schumpeter, como, por exemplo, a da apatia do
eleitorado, rejeitam a ideia de que o poder inevitavelmente se centraliza integralmente
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nas mãos das elites, haja vista a existência de uma pluralidade de centros de
poder (facções/grupos de interesse/grupos de pressão).
Os grupos de interesse são uma decorrência natural da liberdade de
associação e representam interesses comuns de indivíduos inseridos em um sistema
industrial fragmentado e de grande diversidade de demandas sociais (HELD, 1987).
Cada grupo, em conformidade com os recursos que lhes são disponíveis, são capazes
de pressionar o governo, principalmente o executivo, a satisfazer os seus interesses
e demandas. Logo, os “[...] resultados políticos advêm da tentativa do governo e, em
última instância, do executivo, de tentar mediar e adjudicar entre as demandas de
grupos concorrentes” (HELD, 1987, p. 172). O próprio governo constitui um desses
grupos que luta pela satisfação de seus próprios interesses.
Em um regime democrático, de acordo com a tese clássica do pluralismo, as
decisões políticas serão resultado de um processo de barganha e troca entre grupos,
os quais não poderão ter seus interesses integralmente realizados, haja vista o poder
estar disperso em uma pluralidade de pontos de pressão. É justamente essa
diversidade que impediria o domínio político de apenas um grupo de interesse e
geraria, portanto, uma estabilidade democrática:

Uma vez que, nas palavras de Truman, todas as pessoas ‘toleravelmente


normais’ fazem parte de múltiplos grupos dispersos com diversos (e mesmo
incompatíveis) interesses, cada grupo de interesse provavelmente
permanecerá tão fraco e internamente dividido que não conseguirá garantir
para si uma parcela de poder incomensurável com seu tamanho e objetivos
(HELD, 1987, p. 173).

É perceptível, portanto, que a teoria de Schumpeter, embora seja pertinente e


realista, centralizou-se nas figuras do eleitor, dos partidos e das elites,
desconsiderando outras figuras não menos ativas e essenciais ao processo
democrático, como, por exemplo, os grupos de interesses focalizados pela doutrina
pluralista.

4 DA POLIARQUIA DE ROBERT A. DAHL

Robert A. Dahl (1997), em Poliarquia¸ apresentou a democracia como um ideal,


como um sistema hipotético que serve de instrumento de avaliação do grau de
democratização dos diversos regimes existentes, os quais aquele teórico prefere
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denominar de poliarquias. Vale salientar que em nenhum momento de sua obra ele
apresenta uma definição do que seria uma democracia plena.
De acordo com Dahl, o grau de democratização de um regime se revela através
de duas dimensões: o nível de contestação pública (exercício da oposição ao governo)
e o grau de participação da população em eleições e cargos públicos. Tais dimensões
variam de acordo com o gozo de alguns direitos pela população, tais como: liberdade
de formar e aderir a organizações, liberdade de expressão, direito de voto, direito de
líderes políticos disputarem apoio, acesso a fontes alternativas de informação,
elegibilidade para cargos políticos etc.
A poliarquia, portanto, é o regime no qual se atingiu altos níveis naquelas duas
dimensões, isto é, onde há um alto nível de tolerância quanto à oposição ao governo
(substancialmente liberalizado) e onde grande parcela da população possui direito
ao sufrágio (inclusivo). Note-se que ambos os níveis variam de forma independente.
Em consequência, a variação e a relação entre os níveis de contestação pública e de
participação podem gerar quatro espécies de regime, as quais são delineadas no
GRÁFICO 1:

GRÁFICO 1 – CLASSIFICAÇÃO DOS REGIMES QUANTO À RELAÇÃO ENTRE AS DIMENSÕES


CONTESTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO:

Extraído de: DAHL, 1997, p. 30.

De acordo com o gráfico, por exemplo, é possível que determinado regime,


denominado de oligarquia competitiva, restrinja amplamente a participação dos seus
cidadãos na escolha dos governantes, mas, por outro lado, seja bastante tolerante
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quanto ao exercício da contestação pública ao governo. Esse tipo de regime é


preferível a uma hegemonia inclusiva, pois um “[...] país com sufrágio universal e com
um governo totalmente repressivo certamente proporcionaria menos oportunidades a
oposições do que um país com um sufrágio limitado mas com um governo fortemente
tolerante” (DAHL, 1997, p. 28-29).
A poliarquia de Dahl também constitui um método de escolha de um governo,
assim como o modelo proposto por Schumpeter. Entretanto, Dahl acrescenta uma
característica à democracia, a qual não é tratada por aquele teórico: a
responsividade do governo.
Em suma, a referida responsividade nada mais é que o accountability vertical
oriundo dos altos níveis de contestação pública e de inclusividade (participação)
existentes em uma poliarquia. Dessarte, o teórico (1997, p. 25) parte do pressuposto
“de que uma característica-chave da democracia é a contínua responsividade do
governo às preferências de seus cidadãos, considerados como politicamente iguais”.

5 DO ELITISMO DEMOCRÁTICO E DA DEMOCRACIA CONCORRENCIAL

Viu-se no tópico anterior que a democracia também é compreendida como um


método através do qual os grupos e indivíduos competem pelo poder político e
assumem o governo. Cumpre agora responder à seguinte pergunta: quem são esses
atores que participam da competição política em uma democracia?
De acordo com David Held (1987) o elitismo democrático teve como grande
expoente o pensamento de Max Weber, o qual erigiu suas ideias diante do
florescimento de organizações de grande escala que limitavam os papéis dos
indivíduos na sociedade. Por conseguinte, para Weber, a democracia direta era
totalmente inapropriada nas sociedades modernas, em virtude do seu tamanho,
complexidade e diversidade, de modo que, se fosse nelas adotada, geraria uma
ineficiente e indesejada administração, bem como seria incapaz de solucionar
conflitos entre facções (classes).
Para Weber, a abertura da participação política às massas transformou a
dinâmica da vida política, tendo os partidos modernos atingido uma posição política
central. Assim, em uma realidade de sufrágio amplo, surgiu a necessidade de se
formar associações políticas formadas por grupos de cidadãos que detinham interesse
na administração de questões públicas (cidadãos politicamente ativos). Tais
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associações, denominadas de partidos políticos, representam e organizam uma


pluralidade de forças sociais em disputa, as quais, para ganhar as eleições e atingir o
poder, necessitam angariar recursos, obter influência e recrutar seguidores através da
burocratização e da adoção de estratégias sistemáticas. Como verdadeiras
organizações de grande escala que são, os partidos devem ser dirigidos politicamente
através de suas lideranças, as quais, por sua vez, se destacariam inclusive entre o
próprio grupo dos representantes eleitos.
Quanto ao papel dos partidos políticos, Schumpeter (apud HELD, 1987) afirma
que embora cada um possua seus princípios e plataformas próprias, eles funcionam
como instrumentos (máquinas) criadas com o intuito de vencer a luta competitiva pelo
poder, haja vista a incapacidade dos cidadãos ordinários de administrar suas próprias
atividades políticas.
Por outro lado, Weber relega uma característica de total passividade para os
cidadãos comuns integrantes das massas, a qual é consequência das poucas
possibilidades de participação no mundo burocrático moderno, bem como da
emotividade inerente à tais massas. Dessarte, na democracia representativa de
Weber, poucos são aqueles que se destacam nas massas e se tornam capazes
de competir pelo poder, cabendo aos cidadãos comuns apenas o papel de
escolher entre um líder e outro. A “[...] democracia é como um ‘mercado’, um
mecanismo institucional para podar os mais fracos e colocar no poder aqueles que se
mostram mais competentes na luta competitiva por votos e pelo poder” (HELD, 1987,
p.143). Logo, a democracia constitui nada mais, nada menos, do que um
procedimento que legitima a seleção das lideranças políticas e nacionais mais
eficientes.
Cumpre expor que, para David Held (1987), Weber privilegiou o poder das
lideranças e subestimou o papel dos subordinados, dentre os quais se encontram a
burocracia e os cidadãos comuns. Assim, de acordo com aquele teórico, as
burocracias podem aumentar o seu poder através do controle das informações
essenciais dos processos de tomada de decisão, evitando o controle hierárquico.
Ademais, se os cidadãos comuns são capazes de escolher os líderes políticos mais
competentes, então eles não são inteiramente incapazes de refletir sobre questões
políticas como afirmava Weber. Por fim, tal inaptidão atribuída aos cidadãos pode ser
resultado mais da ausência de oportunidades de participação efetiva na política do
que da passividade que Weber pretendeu lhes atribuir. Sendo assim:
14

É altamente significativo que a participação no processo de tomada de


decisões (de qualquer tipo) é muito mais extensa quando se relaciona a
questões que afetam diretamente a vida das pessoas e quando os afetados
têm motivos para estar confiantes de que sua participação neste processo
realmente terá algum valor; ou seja, que terá uma influência equitativa em
relação a outros e não será simplesmente ignorada por aqueles que detêm
maior poder (HELD, 1987, p. 148).

A partir de supracitada crítica ao pensamento weberiano, Held atenta para a


necessidade de se romper com as estruturas institucionais que criam sistemas de
participação limitada ou ausente. A complexidade da vida moderna realmente reclama
uma maior centralização do poder político, mas não deve servir de justificativa para a
limitação da participação política dos cidadãos em geral.
Tem-se, portanto, que o elitismo competitivo desemboca no próprio conceito de
democracia concorrencial, a qual pode ser compreendida como um método através
do qual as lideranças dos diversos partidos competem pela obtenção dos votos dos
cidadãos, a fim de obter o poder de decisão sobre todas as questões políticas. Assim,
a política deve ser entendida como uma verdadeira carreira formada por líderes
experientes e competentes, de modo que a democracia seria o processo de eleições
periódicas de tais lideranças políticas em situação de concorrência.
A eleição, segundo Schumpeter (SCHUMPETER, 1984 apud MIGUEL, 2002,
p. 502) não significaria a vontade do povo, nem da maioria, mas consistiria apenas no
método através do qual as elites governantes se legitimam no poder, tendo em vista
que o povo, através do voto, pensa que está efetivamente decidindo e, por isso,
resolve obedecer à vontade dos governantes.
Para Luis Felipe Miguel (2002), a sociedade é naturalmente desigual e em
qualquer ramo de atividade haverá grupos que se destacam no exercício de suas
capacidades, fato que não ocorre apenas na atividade política. Nesse sentido:

Elite é o nome dado ao grupo de indivíduos que demonstram possuir o grau


máximo de capacidade, cada qual em seu ramo de atividade. O grande
cirurgião e o grande financista fariam parte da elite em seus respectivos
setores, da mesma maneira que o ladrão mais habilidoso ou o pistoleiro de
melhor pontaria (MIGUEL, 2002, p. 493).

Dessarte, as elites podem ser classificadas em elites governantes, as quais


seriam formadas por um grupo minoritário que se destaca por monopolizar e exercer
o poder político, e elites não governantes, as quais se sobressaem nos demais
ramos de atividades.
15

6 DO PAPEL DAS ELITES NAS TRANSFORMAÇÕES DOS REGIMES


DEMOCRÁTICOS

Em “Introduction: elite transformations and democratic regimes”, capítulo do


livro “Elites and Democratic Consolidation in Latin America and Southern Europe”,
Michael Burton, Richard Gunther e John Higley (1992) fazem uma abordagem sobre
o papel decisivo do comportamento das elites nas transformações de regimes
democráticos, tanto no que se refere a sua consolidação, quanto no tocante a sua
retração para um regime autoritário.
Na primeira parte, que trata dos regimes consolidados e outros regimes
democráticos, os autores distinguem quatro espécies de regimes democráticos,
cujos conceitos levam em consideração os critérios procedimentais estabelecidos por
Robert Dahl, quais sejam: eleições livres e abertas, com barreiras relativamente
baixas à participação; autêntica competição política; e ampla proteção das liberdades
civis.
O primeiro regime explicitado pelos autores é a democracia consolidada, a qual
satisfaz todos os critérios procedimentais supracitados e cujas elites mais importantes
da sociedade aceitam as instituições políticas e aderem às regras do jogo. Esses
regimes consolidados, em virtude de suas características, possuem amplas
perspectivas de sobrevivência ao longo do tempo, se tornando resistentes aos
desafios que lhes são postos.
A título de exemplificação, tem-se os casos da Grã-Bretanha e da Espanha,
países que, em uma análise superficial, poderiam ser considerados como
democracias não consolidadas, haja vista a existência de movimentos regionais
separatistas e, até certo ponto, violentos, que ambos vivenciam na Irlanda do Norte e
no País Basco, respectivamente. Cumpre ressaltar, contudo, que nenhum regime
democrático se adequa totalmente às características da democracia procedimental, a
qual deve ser tida como um “tipo ideal”; por isso, a Grã-Bretanha e a Espanha devem
ser considerados como democracias consolidadas, pois, apesar da existência
daqueles conflitos, as elites politicamente significativas de ambos os países
permanecem firmes no apoio ao regime democrático existente.
Por outro lado, os regimes democráticos não consolidados são definidos como
aqueles em que as suas elites ainda não apresentam consenso quantos às regras do
jogo e às instituições políticas. Tal panorama pode ser observado em fases
16

subsequentes à queda de regimes autoritários, como ocorreu na Segunda República


Espanhola (1931 a 1936), a qual foi subsequente à ditadura de Primo Rivera. Com
constituições formalmente democráticas, estes regimes são marcados por uma elite
desunificada, um funcionamento instável e precário e, muitas vezes, por conflitos
violentos entre facções.
Outro conceito trazido por Burton, Gunther e Higley é o de democracias
limitadas estáveis, que, embora apresentem uma elite consensual e uma unidade
estrutural, dispõem de um sufrágio restrito que obstaculiza a ampla participação. A
estabilidade dessa espécie de regime democrático é explicada pelo fato das elites
conterem a massas da população excluída, o que impede a ocorrência de ataques e
golpes. O México de 1929 serve como exemplo de uma democracia estável e limitada.
O quarto e último tipo apresentado são as pseudodemocracias, nas quais existe
uma elite dominante que monopoliza as decisões políticas. Assim, embora sejam
realizadas eleições nesses regimes, a participação das massas e a competição entre
as elites são insignificantes.
A segunda parte do texto - Elites e os Regimes Democráticos – discorre de
forma mais aprofundada sobre as elites, definindo-as como conjuntos de pessoas que,
em virtude de suas posições em poderosas organizações, têm a capacidade de afetar
os resultados políticos nacionais de forma regular e substancial. Tais pessoas, nesse
contexto, constituem os principais tomadores de decisão das organizações culturais,
militares, profissionais, de comunicação, econômicas etc.
De acordo com a definição dada, uma elite não é necessariamente aquela que
domina todos os aspectos operacionais e políticos de um determinado regime, mas
apenas um conjunto de indivíduos que é capaz de afetar os resultados políticos em
prol dos seus próprios interesses. É possível identificar uma elite quando a sua
ausência em determinada decisão política produz efeitos substanciais no resultado
desta.
Os grupos sociais são organizados e liderados por elites, cujos acordos têm a
capacidade de comprometer seus respectivos grupos de seguidores. Por isso, as
elites são cruciais para a consolidação e a estabilidade de um regime democrático.
Na terceira parte, intitulada de Tipos de Elites, os autores fazem uma
abordagem sobre a tipologia das elites, a qual foi formulada de acordo com duas
dimensões básicas: a extensão da integração estrutural – que incide sobre a inclusão
relativa de redes formais e informais de comunicação e influência entre pessoas,
17

grupos e facções – e a extensão do consenso de valor – que considera o consenso


entre as elites sobre as regras, instituições e códigos de conduta. Destarte, são
identificados três tipos ideais, em torno dos quais podem ser distribuídas as elites de
diferentes países: a desunificada, a consensualmente unificada e a ideologicamente
unificada.
A elite desunificada é aquela marcada pela comunicação deficiente e pela
inexistência de consenso sobre as regras do jogo. Em tal conformação, as elites
vivenciam uma verdadeira “guerra política”, na qual uma sempre está disposta a se
tornar dominante, enquanto que outras visam derrubar e prejudicar o regime e as elites
que o operam. Por outro lado, as elites consensualmente unificadas são aquelas que
coexistem em um ambiente onde há uma rede de comunicação entre as diversas
facções, que, por sua vez, não é dominada por nenhuma delas. Nesse contexto, a
maioria das elites consegue participar da decisão política e aceita o regime como um
jogo de soma positiva, o que torna a democracia mais estável. Por último, as elites
ideologicamente unificadas são as que apenas aparentemente representam um
consenso de valores, pois, embora a rede de influência abranja todas as facções,
somente uma delas apresenta dominância nas decisões políticas.
Em assentamento das elites os autores tratam do evento no qual as elites,
que até então guerreavam na arena política, se reorganizam deliberadamente e
negociam compromissos entre si, o que gera duas importantes consequências: uma
competição mais pacífica entre as facções, que desemboca em uma democracia
limitada; e, em alguns casos, a facilitação do surgimento de uma democracia
consolidada. De acordo com os fatos históricos apresentados no texto, o fenômeno
do assentamento parece ocorrer em um ambiente de crise e conflito, no qual as elites
firmam compromissos que não seriam realizados em circunstâncias normais. É
interessante destacar que os acordos formais, por si sós, dificilmente serão
suficientes, pois ao lado deles deve haver uma grande força de comportamento
tolerante e conciliador entre os mais importantes atores da elite, como ocorreu com o
Rei Willian, da Inglaterra (1689), que honrou e aceitou as restrições que a “Declaração
de Direitos” colocou em sua autoridade.
Na quinta parte – assentamentos de elites e consolidação democrática – é
demonstrado, através de vários casos históricos, que as democracias estáveis são
resultado direto do assentamento das elites, pois este fenômeno tem o condão de
estabilizar os ambientes políticos e de regular os conflitos entre as elites rivais.
18

Outrossim, os autores argumentam que à medida que as sociedades se


modernizam economicamente, as populações se tornam politicamente “mobilizadas”
em termos de valores e participação, desempenhando papéis mais relevantes na
política nacional. Por conseguinte, entre o assentamento da elite e a concretização da
democracia consolidada, a mobilização das massas e as demandas de participação
surgem como importantes variáveis intervenientes. Logo, a manutenção dos
assentamentos de elite ao longo do tempo requer a capacidade, por parte das elites
fundadoras e das instituições por elas criadas, da aceitação de novos grupos como
participantes ativos do jogo político-democrático. Quando esses novos grupos são
excluídos, o resultado será uma pseudodemocracia ou uma democracia não
consolidada.
No tópico convergência da elite os autores explicam um tipo de transição que
ocorre em democracias não consolidadas, caracterizadas por uma elite desunificada.
Nesse caso específico, as facções antagônicas descobrem que, ao formar uma ampla
coalizão eleitoral, ganham o poder de mobilizar uma maioria confiável de eleitores e,
por conseguinte, de vencer as eleições repetidamente, dominando o poder executivo
do governo. Diante desse panorama, as grandes elites dissidentes, para conseguirem
vencer a coalizão dominante recém-formada, se veem obrigadas a reconhecer a
legitimidade das instituições democráticas existentes e prometem adesão às regras
do jogo, tornando-se, assim, concorrentes confiáveis e aceitáveis pela maioria dos
eleitores.
Quando ocorre a convergência das elites, forma-se uma unidade consensual
que acaba por consolidar o regime democrático. Para exemplificar seu argumento, os
autores apresentaram o caso da Quinta República francesa, na qual houve a formação
de uma forte e duradoura coalizão entre as facções centristas e de direita, que fez
com que a elite esquerdista abandonasse a sua posição contrária ao sistema e
passasse a ser mais moderada. A França, portanto, teria se tornado uma democracia
consolidada em virtude da convergência das suas elites.
Finalmente, em algumas observações finais, os autores apresentam de
forma sintética as principais ideias defendidas no capítulo, quais sejam: a) a
estabilidade e as perspectivas de longo prazo para a sobrevivência dos regimes
democráticos dependem da unidade consensual das suas elites; b) o consenso entre
as elites pode ser alcançado através de dois meios – o assentamento e a
convergência; c) a aceitação, pelas elites, da legitimidade das instituições e das regras
19

do jogo político é essencial para a consolidação da democracia, ao mesmo tempo em


que a não aceitação de tais regras ocasiona um efeito de retração democrática que
pode culminar em uma democracia limitada ou, até mesmo, em um regime autoritário;
d) os modelos de assentamento e convergência de elites estão basicamente
preocupados com o estabelecimento de instituições políticas e de regras com as quais
as elites possam conviver; e) o assentamento e a convergência de elites se
assemelham ao conceito de pacto de elite definido por O’Donnell e Schimitter, que
definem tal pacto como um acordo explícito, não necessariamente público, entre um
seleto conjunto de atores que busca definir ou redefinir as regras que regem o
exercício do poder, com base em garantias mútuas para todos aqueles que a elas irão
se submeter; f) e, considerando a concepção procedimental da democracia, é
plenamente aceitável que haja negociações privadas entre elites na governança
democrática, tendo em vista que apenas nas democracias diretas se exige que as
decisões sejam tomadas em fóruns públicos.
Em suma, a chave para consolidação de novos regimes democráticos depende
da transição de uma elite desunificada para uma elite consensual, o que pode ser feito
através do assentamento ou da convergência dessas elites.

7 DA READEQUAÇÃO DA TEORIA

A teoria democrática e o conceito de democracia, para Guillermo O’Donnell


(1999), ainda não estão prontos e acabados, e sua insuficiência se torna ainda mais
patente quando a América Latina se torna objeto de estudo. Desse modo:

[...] Praticamente todas as definições de democracia são uma condensação


da trajetória histórica e da situação atual dos países originários. Entretanto,
as trajetórias e a situação de outros países que hoje podem ser considerados
democráticos diferem muito do que ocorreu nos originários. Por isso, uma
teoria de alcance adequado deveria dar conta dessas diferenças, tanto pelo
que elas significam em si mesmas, quanto porque podem ser causa de
características específicas ou de subtipos de democracias no universo dos
casos relevantes (O’DONNELL, 1999, p. 3).

Diante da supracitada constatação, O’Donnell afirma que deve ser promovida


uma readequação da teoria democrática existente, a qual deveria levar em
consideração aspectos analíticos, históricos, contextuais e legais. Ademais, no estudo
das democracias contemporâneas, devem ser afastadas as definições clássicas de
democracia - que ainda se prendem à ideia de que é o povo quem governa -, bem
20

como as abordagens vagas e imprecisas. Isto posto, O’Donnell estabelece, em sua


obra, diversos atributos que devem ser compreendidos e devidamente explicados, a
fim de que se disponha de uma concepção mais realista e abrangente da democracia,
conforme se verá adiante.
Para que um regime seja tido como democrático, não basta apenas a existência
de um método eletivo para a escolha da liderança governante, pois a ocorrência, por
si só, de eleições pode ser observada até mesmo em regimes autoritários. Assim, as
eleições em um regime democrático são caracterizadas por serem competitivas (ao
menos dois partidos devem concorrer em paridade de condições e oportunidades);
livres (a decisão e o voto dos cidadãos não devem sofrer qualquer tipo de coação);
igualitárias (o voto de cada cidadão deve ter o mesmo peso nas eleições e deve ser
computado sem fraude); decisivas (os eleitos devem tomar posse dos cargos para
os quais foram eleitos, de acordo com as regras legais e constitucionais, e devem
deixar os cargos quando exaurido o prazo estipulado em tais normas); e includentes
(o direito de votar e de ser votado deve ser compartilhado por todos os cidadãos
adultos de um país). Quanto ao atributo decisivo das eleições, O’Donnell exemplifica:

Em diversos países houve casos em que os candidatos, depois de ganharem


as eleições que satisfaziam os atributos mencionados, foram impedidos de
tomar posse, frequentemente por um golpe militar. Por outro lado,
governantes democraticamente eleitos, como Boris Yeltsin e Alberto Fujimori,
dissolveram anticonstitucionalmente o Congresso e destituíram os ocupantes
de altos postos no Poder Judiciário. [...] Em todos esses casos, as eleições
não são decisivas: não geram, ou deixam de gerar, algumas das
consequências básicas que supostamente deveriam acarretar (O’DONNELL,
1999, p. 7).

Tem-se, portanto, a importância da estrutura institucional na definição das


regras do jogo e a necessidade de fiel observância dessas regras na garantia do
caráter decisivo das eleições.
Na democracia, as eleições, além de competitivas, são institucionalizadas, de
modo que há a expectativa, na população, de que elas ocorrerão contínua e
permanentemente no futuro, haja vista elas constituírem o único meio de se alcançar
os cargos políticos. Diferentemente ocorre em um regime autoritário, no qual não
existe qualquer expectativa de que uma eleição volte a acontecer e onde as altas
posições políticas podem ser acessadas por outros meios não-eletivos.
Obviamente que a mera existência de um procedimento eletivo não tem a
capacidade de sustentar a democracia. Por isso, autores como Dahl e Schumpeter
21

defenderam que o processo eleitoral deve estar ancorado em um conjunto de


liberdades individuais e políticas, a fim de que garantam um mínimo de
institucionalidade e competitividade.
Todavia, de acordo com O’Donnell (1999), é bastante difícil definir teoricamente
o significado e os limites daquelas liberdades, principalmente quando se considera a
modificação do seu conteúdo ao longo do tempo, isto é, sua variabilidade histórica.
Apesar de tais liberdades possuírem um caráter indecidível, o seu conjunto “[...]
parece ser necessário para sustentar uma alta probabilidade de haver eleições livres
e isentas (O’DONNELL, 1999, p. 9).
Considerando que as instituições são padrões de comportamento que têm o
condão de moldar a ação dos indivíduos, tem-se que, em uma democracia
contemporânea, elas irão determinar que cada pessoa possua direitos e obrigações
iguais, principalmente quanto aos atos de votar e de ser votado, bem como estipularão
as consequências e responsabilidades inerentes a tais atos. Dessarte, os indivíduos,
em uma democracia, são obrigados a aceitar o caráter universal e includente do
regime, pois este constitui uma opção institucionalizada do próprio Estado, na qual
cada um tem a obrigação jurídica de se submeter ao risco de resultados equivocados,
independentemente de suas preferências. Logo:

Um regime democrático (ou democracia política, ou poliarquia) inclui: (a) um


Estado que delimita dentro do seu território aqueles que são considerados
cidadãos políticos, e (b) um sistema legal vinculado a esse mesmo Estado
que outorga cidadania política, conforme definida na proposição anterior,
sobre uma base universalista e includente (O’DONNELL, 1999, p. 13).

Na democracia há uma presunção de agency, isto é, presume-se que os


sujeitos são agentes dotados de racionalidade e autonomia, devendo ser garantidos
a todos os mesmos direitos subjetivos, salvo algumas exceções previstas no próprio
ordenamento jurídico do Estado.
Note-se que o reconhecimento de direitos civis, nos países originários, ocorreu
muito antes do surgimento da democracia inclusiva. Por isso, quando este regime
apareceu com sua proposta de inclusiva, ele foi melhor aceito por aqueles países,
diferentemente do que ocorreu em algumas novas democracias. Nesse sentido:

[...] Em muitas novas democracias, mesmo que, por sua própria definição, se
realizem eleições competitivas, e tanto estas quanto a aposta universalista
estejam institucionalizadas, os direitos civis têm escassa vigência em todo
seu território e nas classes e setores sociais. Além disso, quando se adotou
nesses países a aposta includentes, muitas salvaguardas liberais não
22

estavam em vigor e algumas permaneceram ausentes [...] Foi essa dinâmica


que, no passado e até muito recentemente, alimentou o aparecimento de
várias formas de regime autoritário na América Latina e em outras regiões”
(O’DONNELL, 1999, p. 17).

Alguns regimes ditos democráticos, apesar de conferir formalmente direitos


políticos aos seus cidadãos, pecam no reconhecimento e na garantia de direitos civis
e sociais, fato que interfere na qualidade geral da democracia, haja vista estes últimos
direitos influenciarem diretamente a efetivação de uma cidadania política. Este parece
ser o caso de algumas novas poliarquias, as quais importaram o sistema jurídico-
democrático de países originários sem, contudo, ter consolidado direitos civis e sociais
básicos, fato que, de acordo com O’Donnell (1999), interfere no funcionamento do
regime, bem como nas suas relações com o Estado e a sociedade.
Observa-se que O’Donnell minudenciou a concepção de democracia que já
havia sido proposta por teóricos como Schumpeter e Dahl, e realocou o foco de
análise para a própria figura do Estado. Desse modo, para aquele teórico, o Estado é
o ente que estabelece um sistema institucional em dado território, através do qual
impõe a obrigatoriedade de liberdades civis e políticas que dão ensejo à aposta
democrática. É o Estado, portanto, que dá sustentação à democracia, através de um
sistema jurídico cujas normas devem ser obedecidas não apenas por seus cidadãos,
mas também por todos os poderes e instituições formais.
Em síntese, nesta readequação do conceito de democracia, tem-se que ela se
diferencia de outros regimes por quatro caraterísticas essenciais (O’DONNELL, 1999):
a) eleições competitivas e institucionalizadas; b) caráter includente e universalista; c)
existência de um sistema legal que dá respaldo mínimo às liberdades civis, sociais e
políticas que dão amparo ao regime democrático; e d) a impossibilidade jurídica de
que qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, se declare acima da
autoridade legal.
Cumpre, por fim, salientar que nada adianta a existência de meras previsões
normativas, sem que o Estado tenha condições de dar efetividade a tais normas
através de sua rede de instituições, isto é, sem que se tenha, ao lado do accountability
vertical/eleitoral, um sistema forte de accountability horizontal, isto é, instituições
formais capazes de desencadear processos públicos adequados de identificação e
punição de atos que violam as liberdades democráticas. Esse é justamente o
problema encontrado em algumas poliarquias latinoamericanas, as quais, apesar de
23

possuírem um sistema de accountability vertical bem definido, são fracas quanto ao


accountability horizontal (O’DONNELL, 1988).

8 DA DEMOCRACIA DELIBERATIVA

Tomando como ponto de partida a distinção entre os modelos decisionístico e


deliberativo de democracia, Avritzer (2000) realiza um estudo da crise do primeiro
modelo e sua passagem para o segundo. Este novo modelo deliberativo resgata a
importância do debate público em um regime democrático, aspecto que foi totalmente
rechaçado por teóricos como Schumpeter e Downs, conforme já visto.
O modelo decisionístico influenciou a teoria democrática da primeira parte do
século XX e tem como principais expoentes Weber, Schumpeter e Downs. Esta
corrente de pensamento exclui da discussão política os aspectos culturais e as
clássicas concepções de bem comum, assim como compreende a participação
popular como um obstáculo a uma administração burocrática eficiente. Logo, para o
modelo decisionístico, a participação popular deve se restringir apenas à escolha dos
governantes, conforme se verifica abaixo:

[...] o papel do processo argumentativo na formação da vontade geral não


seria para Schumpeter nada mais que uma ficção. Sua proposta é inverter a
relação entre soberania e governo, ao propor uma doutrina na qual a
população, ao invés de ‘escolher representantes que expressem as suas
opiniões’, passe a ‘escolher os indivíduos que estariam tomando decisões’
(Schumpeter, 1942:269). Nesse sentido, a deliberação democrática se
reduziria unicamente à escolha de representantes através do voto
(AVRITZER, 2000, p. 30).

Não havendo qualquer espaço para a argumentação e a discussão públicas no


modelo decisionístico, tem-se que as preferências dos cidadãos são tomadas
individualmente, através de suas preferências, em tese, imutáveis.
A partir dos anos 70, o modelo decisionístico começou a perder força na teoria
democrática e autores como John Rawls e Jurgens Habermas fizeram renascer as
ideias inerentes ao debate público. Desenvolve-se, a partir de então, o modelo
deliberativo de democracia, no qual o pluralismo é levado em conta e a esfera pública
é entendida como o local em que os indivíduos debatem acerca das questões políticas
e discutem sobre as decisões emanadas das autoridades públicas (AVRITZER, 2000).
24

De acordo com a corrente deliberativa, a legitimidade das decisões políticas,


em uma democracia, não se restringiria apenas na observância da vontade da
maioria, mas também na preocupação com a participação efetiva de todos os
indivíduos que serão atingidos por aquela deliberação. Tem-se, aqui, o que Habermas
(1995, p. 107 apud AVRITZER, 2000, p. 39) denominou de Princípio D: “Somente
são válidas aquelas normas-ações com as quais todas as pessoas possivelmente
afetadas possam concordar como participantes de um discurso racional”. Logo, a
posição da minoria não mais deve ser integralmente rechaçada.
De acordo com Avritzer (2000), a democracia deliberativa deve ocorrer no
âmbito dos fóruns, locais conformados entre o Estado e a sociedade, como acontece
no orçamento participativo realizado no Brasil. Tais locais, segundo aquele autor,
deveriam guardar as seguintes características:

a) Local cedido pelo Estado, no qual tanto a maioria quanto as minorias podem
participar e expor seus distintos interesses;
b) Constituem espaços nos quais os atores expõem e tornam públicas as
informações necessárias à tomada de decisão política. Sendo assim, “os
arranjos deliberativos pressupõem que as informações ou soluções mais
adequadas não são a priori detidas pro nenhum dos atores e necessitam serem
construídas coletivamente” (AVRITZER, 2000, p. 44); e
c) Possibilidade de testar múltiplas experiências, isto é, de experimentar e
partilhar diversos resultados.

Portanto, a pluralidade inerente às sociedades do século XXI impõe a


necessidade de se acolher e socializar as mais diversas diferenças entre grupos e
indivíduos, em processos que devem ocorrer, também, fora do Estado e cujos
resultados, de acordo com Avritzer (2000), sejam capazes de vincular todos os atores
envolvidos.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A compreensão acerca da democracia é variável de acordo com o tempo, o


espaço e os aspectos sobre os quais o regime é analisado e estudado. A partir da
teoria clássica, da qual emergem os ideais de soberania popular, vontade geral e bem
comum, outras teorias começaram a ser elaboradas com o fim de proporcionar uma
25

visão mais ampla e realista da democracia, haja vista a concepção clássica ser
considerada por muitos teóricos como ideológica e fundada em bases não empíricas.
Considerado como um divisor de águas da teoria democrática, Schumpeter
criticou fervorosamente os supracitados ideais da teoria clássica e concebeu a
democracia não como um meio popular de tomada de decisão pública, mas como um
método/procedimento de escolha de um governo. De forma mais pragmática, aquele
autor, assim como Dahl e Downs, defendeu a ideia de que aos cidadãos, incapazes
de se posicionar racionalmente acerca de decisões políticas, cabe tão somente a
função de escolher um governo, o qual, após eleito, é o único ente ao qual é atribuído
o papel de tomar decisões políticas em um regime democrático.
Se a passividade e a emotividade dos cidadãos comuns os tornam
incapacitados de tomar decisões políticas, a quem caberia exercer esta
responsabilidade em um regime democrático? Para responder tal questionamento,
autores como Schumpeter e David Held exaltaram o papel das lideranças políticas
(elites políticas), que se destacam no meio social por serem dotadas de maior
capacidade de deliberar sobre questões públicas e por direcionarem os seus esforços
para a administração do poder político.
Destarte, o elitismo competitivo desemboca no próprio conceito de democracia
concorrencial, que pode ser compreendida como um método através do qual as
lideranças dos diversos partidos competem pela obtenção dos votos dos cidadãos, a
fim de obter o poder de decisão sobre todas as questões políticas. Assim, a política
deve ser entendida como uma verdadeira carreira formada por líderes experientes e
competentes, de modo que a democracia seria o processo de eleições periódicas de
tais lideranças políticas concorrentes.
Vale salientar que elites existem em todo e qualquer ramo de atividade, seja
ela política ou não. Isto posto, é imperativa a desconstrução da visão negativa que o
senso comum possui das elites, pois, de acordo com Luis Felipe Miguel (2002), a
sociedade é naturalmente desigual e em qualquer ramo de atividade haverá grupos
que se destacam no exercício de suas capacidades, fato que não ocorre apenas no
âmbito político. A preocupação, portanto, não deve recair sobre a existência de elites
na política, pois isso é inevitável, mas sobre a forma como tais elites exercem o poder
em um dado regime.
26

Conclui-se, do exposto, que o comportamento das elites tem papel decisivo nas
transformações de regimes democráticos, tanto no que se refere a sua consolidação,
quanto no tocante a sua retração para um regime autoritário.
Outra importante constatação foi a de que a democracia deve se amparar em
direitos/liberdades individuais e políticas. Assim, para que haja uma competição livre
e justa, a coletividade, antes de tudo, deve gozar de certos direitos fundamentais,
pois subsiste uma íntima relação entre esses direitos e a democracia.
Também se infere, neste trabalho, que aspectos além dos propostos por
Schumpeter devem ser considerados na compreensão do regime democrático.
Destarte, outros atores políticos, como os grupos de interesse (facções) estudados no
pluralismo, também exercem forte influência no funcionamento da democracia, assim
como o eleitor e as lideranças políticas preconizadas por Schumpeter. É inegável que
cada grupo de pressão, em conformidade com os recursos que lhes são disponíveis,
são capazes de pressionar o governo, principalmente o executivo, a satisfazer os seus
interesses e demandas. O próprio governo constitui um desses grupos que luta pela
satisfação de seus próprios interesses.
Ademais, Robert Dahl, embora também adepto à visão processualista da
democracia, abordou outro aspecto inerente ao regime democrático, qual seja a
responsividade do governo, isto é, a viabilização de um maior accountability vertical
oriundo dos altos níveis de contestação pública e de inclusividade (participação)
existentes. Cumpre ressaltar que, para Dahl, a democracia constitui um ideal que
ainda não foi atingido por nenhum país, motivo pelo qual denomina de Poliarquia o
regime que mais se aproxima daquele ideal.
Também são essenciais ao estudo da democracia os papeis exercidos pelo
Estado e as suas instituições formais. A partir de tal assertiva, O’Donnell minudenciou
a concepção de democracia que já havia sido proposta por teóricos como Schumpeter
e Dahl, e realocou o foco de análise para a própria figura do Estado. Desse modo,
para aquele teórico, o Estado é o ente que estabelece um sistema institucional em
dado território, através do qual impõe a obrigatoriedade de liberdades civis e políticas
que dão ensejo à aposta democrática. É o Estado, portanto, que dá sustentação à
democracia, através de um sistema jurídico cujas normas devem ser obedecidas não
apenas por seus cidadãos, mas também por todos os poderes e instituições formais
do próprio ente estatal.
27

Conclui-se, de acordo com O’Donnell, que não basta a ocorrência de eleições


para que um regime seja considerado democrático, pois, para que isso ocorra, o
Estado deve garantir a ocorrência de um processo eletivo competitivo (ao menos
dois partidos devem concorrer em paridade de condições e oportunidades); livre (a
decisão e o voto dos cidadãos não devem sofrer qualquer tipo de coação); igualitário
(o voto de cada cidadão deve ter o mesmo peso nas eleições e deve ser computado
sem fraude); decisivo (os eleitos devem tomar posse dos cargos para os quais foram
eleitos, de acordo com as regras legais e constitucionais, e devem deixar os cargos
quando exaurido o prazo estipulado em tais normas); e includente (o direito de votar
e de ser votado deve ser compartilhado por todos os cidadãos adultos de um país).
Outrossim, de nada adianta a existência de meras previsões normativas, sem
que o Estado tenha condições de dar efetividade a tais normas através de sua rede
de instituições, isto é, sem que se tenha, ao lado do accountability vertical/eleitoral,
um sistema forte de accountability horizontal, isto é, de instituições formais capazes
de desencadear processos públicos adequados de identificação e punição de atos
que violam as liberdades democráticas.
Por fim, verificou-se que as teses de autores como Schumpeter e Downs se
fundam em um modelo decisionístico da democracia, no qual a participação da
população se resume na escolha dos governantes, não havendo qualquer espaço
para o debate público e para a construção de decisões políticas de forma conjunta
com os cidadãos.
Rompendo os paradigmas do modelo decisionístico e ampliando ainda mais o
conceito de democracia, a visão deliberativa do regime democrático fez voltar à tona
a importância do debate público na tomada das decisões políticas. Assim, para esta
corrente, a legitimidade das decisões políticas, em uma democracia, não se
restringiria apenas na observância da vontade da maioria, mas também na
preocupação com a participação efetiva de todos os indivíduos que serão atingidos
por aquelas deliberações, de modo que a posição da minoria não mais deve ser
integralmente rechaçada.
Depreendeu-se que as teorias estudadas, de um modo geral, ao invés de se
revogarem mutuamente, se complementam e, quando analisadas em seu conjunto,
oferecem uma ampla compreensão acerca do fenômeno democrático.
28

REFERÊNCIAS

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[online]. 2000, n. 50, p. 25-46. ISSN 0102-6445.

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