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Artigo Tipos de Democracia

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ÁGORA FILOSÓFICA

Tipos de Democracia
Cacilda Vilela de Lima1
Mariana Riccitelli Annunciato2

DOI 10.20399

Resumo
Este artigo apresenta uma reflexão sobre a polissemia concernente ao termo
democracia no sentido de o termo ser empregado como um conceito guarda-
chuva que abrange desde a reivindicação por liberdade até a demanda por
sociedades mais justas. A partir dessa reflexão apresentamos como a democracia
abrange as condições sociais, econômicas e culturais que permitem o exercício
livre e igual da autodeterminação política, descrevendo os diferentes tipos de
democracia que existem na contemporaneidade. Para essa descrição,
apresentamos alguns aspectos históricos sobre a democracia, mostrando como o
conceito foi se modificando ao longo do tempo e como a noção contemporânea
pode ser entendida como um palimpsesto de diferentes épocas, um amálgama de
significações históricas. Observamos que existem alguns elementos e
procedimentos mínimos comuns que se encontram nas diferentes democracias
contemporâneas, tais como um sistema de governo, um domínio público, a
existência da noção de cidadão e as relações de competição e colaboração entre os
representantes dos cidadãos, assim como as condições mínimas que permitem que
todos esses elementos possam coatuar de forma livre, porém com algum tipo de
controle por parte dos cidadãos e seus representantes, mas sem que haja nenhum
tipo de coerção. Introduzimos alguns parâmetros que são utilizados para a
tipificação das democracias, tais como o consenso, a amplitude de participação, o
tipo de representatividade, a soberania dos poderes, a configuração do sistema
partidário e os sistemas de controle. Discorremos mais detalhadamente sobre
alguns dos tipos de democracia mais comumente apresentados nas ciências
políticas, mostrando como, apesar de o regime democrático não ser
necessariamente a forma de governo mais eficiente, ele propicia um ambiente no
qual há a emergência de instituições políticas estáveis que podem competir para
influenciar as políticas de governo na redução de conflitos sociais e econômicos e
para dar à sociedade a possibilidade de tomar suas decisões de maneira mais
eficiente e abrangente, considerando diferentes perspectivas, inclusive, a
perspectiva de escolher outro tipo de regime como o mais adequado àquela
comunidade.

1
Bacharel em Administração de Empresas (FEA/USP); Doutora em
Administração de Empresas pela Université de Lausanne, Suíça; Bacharel em
Letras, habilitação Português/Inglês (FFLCH/USP); Doutora em Linguística
(FFLCH/USP).
2
Aluna do curso de Psicologia (UNICAP).
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Abstract
This article presents considerations on the polysemy concerning the term
democracy in the sense that the term is used as an umbrella-concept that ranges
from the claim for freedom to the demand for more just societies. From these
considerations we present how democracy encompasses the social, economic and
cultural conditions that allow the free and equal exercise of political self-
determination, describing the different types of democracy that exist in the
contemporary world. For this description, we present some historical aspects
about democracy, showing how the concept has been changing over time and
how the contemporary notion can be understood as a palimpsest of different
epochs, an amalgam of historical meanings. We observe that there are some
common elements and procedures that are found in the different contemporary
democracies, such as a system of government, a public domain, the existence of
the notion of citizen and the relations of competition and collaboration between
the representatives of the citizens, as well as the minimum conditions that allow
all these elements to co-act freely, but with some type of control by the citizens
and their representatives, but without any type of coercion. We introduce some
parameters that are used for the typology of democracies, such as consensus, the
degree of participation, the type of representativeness, the separation of powers,
the organization of the party system, and the control systems. We discuss in more
detail some of the most commonly presented types of democracy in Political
Science, showing how, while the democratic regime is not necessarily the most
efficient form of government, it provides an environment in which there are
stable political institutions that can compete to influence government policies in
reducing social and economic conflicts and to give society the possibility to make
its decisions in a more efficient and comprehensive ways, considering different
perspectives, including the perspective of choosing another type of regime as the
most appropriate to that community.

Introdução
Atualmente, observa-se que democracia é o termo que
sempre vem à mente das pessoas e nos seus discursos cada vez que
elas querem reivindicar liberdade e um modo de vida mais justo. No
campo político, o termo também é utilizado de maneira bastante
abrangente. Políticos das mais variadas convicções e ideologias tem
se apropriado do termo para justificar suas ações. Acadêmicos, por
outro lado, hesitam em empregar o termo sem acrescentar
qualificadores devido, sobretudo, à ambiguidade que permeia o
referido termo. Apesar de não existir consenso, portanto, sobre a
definição do termo democracia, uma conceitualização bastante
abrangente e difundida em diversos dicionários, sejam eles
genéricos sobre a língua, sejam específicos, como os dicionários
políticos, é a noção de que democracia é um regime político em que
todos os cidadãos elegíveis participam igualmente — diretamente
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ou através de representantes eleitos — na proposta, no
desenvolvimento e na criação de leis, exercendo o poder de governo
através do sufrágio universal. A democracia abrange as condições
sociais, econômicas e culturais que permitem o exercício livre e
igual da autodeterminação política. Percebe-se que a igualdade, a
liberdade e o estado de direito são tomados como características
fundamentais da democracia.
O objetivo dessa reflexão é apresentar os diferentes tipos de
democracia que existem na contemporaneidade. Para tanto, faz-se
necessário que possamos entender e definir minimamente o termo.
Começamos então por apresentar alguns aspectos históricos sobre a
democracia, mostrando como o conceito foi se modificando ao
longo do tempo e como a noção contemporânea pode ser entendida
como um palimpsesto de diferentes épocas, um amálgama de
significações históricas. A seguir, apresentamos alguns elementos e
procedimentos mínimos comuns que se encontram nas diferentes
democracias da sociedade contemporânea. Depois, introduzimos
alguns parâmetros que são utilizados para a tipificação das
democracias e discorremos mais detalhadamente sobre alguns dos
tipos de democracia mais comumente apresentados nas ciências
políticas do mundo contemporâneo. Por fim, apresentamos algumas
considerações finais, enfatizando as razões pelas quais acreditamos
que o regime democrático é o mais vantajoso para a organização das
sociedades contemporâneas.

1. Alguns aspectos históricos sobre a democracia


O termo democracia origina-se do grego antigo δημοκρατία
(dēmokratía ou governo do povo), que foi criado a partir de δῆμος
(demos, povo) e κράτος (kratos, poder) no século V a.C. para
denotar os sistemas políticos então existentes em cidades-Estados
gregas, principalmente Atenas. No entanto, o significado da
democracia grega não é o mesmo que entendemos hoje. No sistema
político da Atenas Clássica, por exemplo, a cidadania democrática
abrangia apenas homens, filhos de pai e mãe atenienses, livres e
maiores de 21 anos, enquanto estrangeiros, escravos e mulheres
eram grupos excluídos da participação política.
Atualmente o significado de democracia advém de um
amálgama de mudanças conceituais processadas ao longo de nossa
história. Esse amálgama conceitual pode ser entendido pela teoria
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contemporânea sobre a democracia na qual se percebe a confluência
de três grandes tradições do pensamento político, segundo Bobbio,
Matteucci e Pasquino (2009). A primeira teoria é a teoria clássica
grega, também conhecida como teoria aristotélica, que distinguia
quatro formas de governo: a democracia, como forma de governo
do povo, ou seja, de todos os cidadãos que gozam dos direitos de
cidadania, que se distinguia da tirania, como forma de governo de
um só, da aristocracia, como o governo de uma elite, e da
oligarquia como o governo desempenhado por grupos com
privilégios. Como dito acima, o conceito de cidadão para os gregos
não pode ser entendido com as noções contemporâneas de
cidadania.
A segunda teoria é a teoria medieval, de origem romana,
tendo por base o conceito de soberania na qual entende-se que há
uma contraposição de uma concepção ascendente e de uma
concepção descendente de soberania. O poder supremo podia
derivar do povo e se tornar representativo ou podia derivar do
príncipe e ser transmitido por delegação do superior para os
subordinados. Aqui também a ideia de povo não é a da noção
contemporânea. Povo naquele contexto refere-se a um grupo
privilegiado de pessoas que orbitavam, primeiro, ao redor do
príncipe e mais tarde ao redor do príncipe e dos representantes da
Igreja.
A terceira teoria é a teoria política moderna, conhecida como
teoria de Maquiavel, nascida com o Estado moderno na forma das
grandes monarquias. Nessa teoria, as formas históricas de governo
são essencialmente duas, a monarquia e a república, sendo a antiga
democracia nada mais do que uma forma de república. Percebe-se,
portanto, que em praticamente todos os governos tidos como
democráticos ao longo da história antiga e moderna, a cidadania
democrática valia apenas para um grupo privilegiado de pessoas. A
ampliação de participação política para todos os cidadãos foi
conquistada, na maioria das democracias contemporâneas, apenas
durante os séculos XIX e XX por meio dos movimentos
demandando o sufrágio universal.
Justamente devido ao amálgama de elementos de regimes
políticos diversos (democracia, oligarquia, monarquia e república)
na constituição dos governos contemporâneos, variantes de
democracias existem no mundo, sendo que algumas variedades de
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democracia proporcionam melhor representação e maior liberdade
para seus cidadãos do que outras.

2. Elementos e procedimentos que determinam o que é a


democracia para a sociedade contemporânea

2.1. Os elementos comuns dos regimes democráticos


Democracia é um conceito genérico que distingue um
sistema político que organiza as relações entre governantes e
governados. Contudo, não existe apenas um tipo de democracia,
mas sim, vários tipos com distintas práticas políticas e instituições
que, apesar de serem variados, produzem um conjunto de efeitos
similar. Sendo assim, alguns elementos comuns são encontrados em
todos os tipos de democracia.
Schmitter e Karl (1991) definem a democracia moderna
como “um sistema de governo no qual os governantes são
responsabilizados em relação às suas ações no domínio público
pelos cidadãos que agem indiretamente por meio da competição e
colaboração de seus representantes eleitos” (p. 76). Dessa definição,
podemos extrair que os elementos comuns a todas as democracias
são um sistema de governo, um domínio público, a existência de
cidadãos e as relações de competição e colaboração entre os
representantes dos cidadãos. Vejamos como cada um desses
elementos contribuem para o entendimento do regime democrático.
Um regime ou um sistema de governo é um conjunto de
padrões que determina: a) os métodos de acesso às principais
instituições públicas; b) as características dos atores que podem ser
admitidos ou excluídos desse acesso; c) as estratégias que os atores
podem utilizar para ter esse acesso; d) as regras que devem ser
seguidas para que as decisões políticas sejam disponibilizadas ao
público. Para que esse conjunto de padrões funcione corretamente, o
conjunto deve ser institucionalizado, ou seja, os vários padrões
devem ser conhecidos, praticados e aceitos pela maioria. O
mecanismo preferido para a institucionalização desse conjunto de
padrões é a forma escrita de leis sob as normas constitucionais
escritas. A maneira como cada um desses elementos é agrupado
num conjunto de padrões específico interferirá no tipo de
democracia que determinada sociedade desenvolverá.
Como em todos os regimes, a democracia depende da
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presença de governantes, pessoas que detêm uma autoridade
especializada e podem legitimamente comandar outras pessoas. O
que distingue os governantes democráticos dos não democráticos
são as normas que condicionam como esses governantes podem
assumir o poder e as práticas políticas que evidenciam como eles
podem ser responsabilizados por suas ações.
O domínio público cobre as normas coletivas e as escolhas
que guiam a sociedade e delimitam os processos de coerção. Esses
conteúdos podem variar imensamente de democracia para
democracia, dependendo das distinções preexistentes entre o que é
público e o que é privado, entre as fronteiras do Estado e da
sociedade, entre a legitimada coerção e as trocas voluntárias e entre
as necessidades coletivas e as preferências individuais. A concepção
liberal de democracia, por exemplo, circunscreve o domínio público
ao mínimo possível, enquanto as abordagens socialistas e a social-
democrática estenderão esse domínio mediante regulações,
subsídios e, em alguns casos, o direito de propriedade para a
coletividade. Nenhuma forma é mais democrática do que a outra,
apenas diferente. Isso implica dizer que defender o
“desenvolvimento do setor privado” ou o “desenvolvimento do
setor público” são ambas práticas democráticas. Ambos, se levados
ao extremo, podem destruir as bases da democracia, o primeiro,
comprometendo a busca para satisfazer as necessidades da
coletividade e, o segundo, destruindo as bases para satisfazer as
preferências individuais e o controle legítimo das ações
governamentais. As diferenças de opinião para tentar otimizar a
combinação entre essas duas perspectivas é o que promove as
disputas políticas dentro das democracias estabelecidas.
Cidadãos são o elemento mais relevante nas democracias.
Todos os regimes possuem governantes e governados e um domínio
público, mas apenas será considerado um regime democrático
dependendo da forma como trata sua população. Historicamente
muitas restrições foram impostas à cidadania em regimes
democráticos emergentes ou parciais segundo critérios de idade,
gênero, classe social, raça, alfabetização, direito de propriedade,
status de pagador de impostos etc. Somente uma parcela minoritária
da população era elegível para poder votar ou candidatar-se a algum
cargo público. Somente algumas categorias sociais podiam compor,
agrupar-se ou manter associações políticas. Somente após séculos
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de combate – em alguns casos com crises internas gravíssimas ou
mesmo guerras mundiais – é que se conseguiu que essas restrições
fossem eliminadas. Atualmente, os critérios formais para a inclusão
são bastante semelhantes em todos os tipos de democracia. Apesar
de certas restrições informais para o exercício legítimo dos direitos
do cidadão ainda poderem ser presenciadas em vários países que
adotam o regime democrático. É por isso que devemos nos ater aos
procedimentos de forma bastante detalhada quando queremos
compreender o funcionamento dos regimes democráticos, pois
sutilezas inerentes à forma de acesso aos cidadãos na participação
política podem revelar diferenças cruciais no tipo de democracia de
uma sociedade em comparação com outra, mesmo quando,
aparentemente, seus procedimentos se assemelham.
A competição nem sempre foi considerada uma definição
essencial para a democracia. O conceito clássico presume que as
decisões sejam baseadas na participação direta que leve a um
consenso. No exercício da cidadania, espera-se que haja acordo em
relação ao curso de ações a serem adotadas após as alternativas
terem sido escutadas e debatidas sobre seus méritos e deméritos.
Dessa forma, as diferentes facções que se formam para a defesa de
determinada ideia se esforçam ao máximo para mostrar ao restante
dos cidadãos que suas ideias são as melhores. Nesse sentido, a
competição é saudável pois gera o palco necessário para o
surgimento de inovações e para o exercício da tolerância. Segundo
Schmitter e Karl (1990), as diferenças geradas pelos modos
preferenciais e as fronteiras da competição entre as facções
contribuem imensamente para distinguir os subtipos de democracia.
A mais popular definição de democracia reduz o conceito à
adoção de eleições regulares, honestamente conduzidas e
computadas. Alguns, inclusive, defendem que apenas a adoção de
eleições já é suficiente. Essa falácia tem sido chamada de
“eleitoralismo” ou, como apresenta Schmitter e Karl (1990), “a
crença de que apenas a adoção de eleições desenvolverá ações
políticas capazes de pacificar as disputas entre as elites e o acordo
público de legitimação dos vencedores” (p. 78), independentemente
do tipo de conduta ou das restrições impostas àqueles que ganharão
a eleição. Segundo os autores, o que legitima um regime a ser
democrático é o fato de ele “oferecer uma gama de processos
competitivos e canais de expressão dos interesses e valores, sejam
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esses interesses e valores de associação, partidários, funcionais,
territoriais, coletivos ou individuais, que levará à prática integral da
democracia moderna” (p. 78).
Outra ideia comumente aceita sobre a democracia é o
conceito de vontade da maioria. Qualquer governo que tome suas
decisões baseada na composição de votos de mais de 50% daqueles
que são elegíveis e estão presentes é tomado como um governo
democrático, seja essa maioria advinda de um processo eleitoral, do
parlamento, de um comité, de um conselho de cidadãos, de uma
orientação partidária. Embora não se possa negar que a democracia
envolve a vontade da maioria, um problema que se apresenta é a
relação entre número e intensidade. O que dizer do fato de uma
decisão majoritária prejudicar o direito de uma minoria. Nessas
circunstâncias, faz-se necessário que os regimes democráticos
providenciem regras constitucionais que protejam o direito das
minorias.
Outro conceito intrínseco à democracia envolve o conceito
de cooperação. Os atores devem voluntariamente tomar decisões
coletivas como um todo. Eles devem cooperar para poder competir.
Eles precisam ser capazes de agir coletivamente por meio de
partidos, associações e movimentos para poderem selecionar
candidatos, articular preferências e petições e influenciar
determinadas práticas políticas. Mas a liberdade democrática
também precisa encorajar os cidadãos a deliberar entre eles, a
descobrir suas necessidades comuns e a resolver suas diferenças
sem precisar dirigir-se a tribunais judiciários. Na
contemporaneidade, esses fenômenos de cooperação e deliberação
via atividade de grupos autônomos levam a rubrica de “sociedade
civil”.
Os representantes, sejam eles eleitos direta ou indiretamente
– fazem realmente a maior parte do trabalho nas democracias
modernas. A questão central é saber como esses representantes são
escolhidos, eleitos e possam vir a ser responsabilizados por suas
ações. A eleição periódica baseada em territorialidade é a mais
comum das formas de eleição de representantes, base dos regimes
parlamentaristas e presidencialistas. Atualmente há também os
representantes civis que divulgam os interesses de associações e são
a primeira forma de representação da sociedade civil.
Postas essas palavras sobre os elementos comuns às
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democracias, veremos agora que além desses elementos comuns,
para que um regime seja considerado democrático é preciso que
esses elementos se organizem minimamente em procedimentos que
possam viabilizar a democracia.

2.2. Os procedimentos que tornam a democracia possível


Os teóricos das ciências políticas comparadas compilaram
algumas condições mínimas para a existência dos regimes
democráticos (e.g. Dahl, 1989; Schmitter e Karl, 1990). Grosso
modo esses procedimentos são: a) a existência de controle sobre as
decisões governamentais que deve ser constitucionalmente
realizado por pessoas eleitas para esse intento; b) esses
representantes não devem sofrer nenhum tipo de coerção; c) todos
os cidadãos adultos devem ter direito a eleger esses representantes;
d) todos os cidadãos adultos devem ter o direito de poder se
candidatar a ser eleito para os cargos públicos; e) todos os cidadãos
devem ter o direito de se expressar sem correr o risco de sofrer
punições nem em termos políticos nem em termos pessoais; f) os
cidadãos devem ter o direito de recorrer a diferentes fontes de
informação e essas fontes devem existir e serem protegidas pela
legislação; g) os cidadãos têm o direito de formar associações e
organizações independentes, inclusive partidos políticos que
atendam aos interesses de grupo; h) os representantes eleitos devem
exercitar seus poderes constitucionais mesmo estando sujeitos a
oposições de representantes não eleitos; e i) os políticos devem ter a
possibilidade de se autogovernarem independentemente das
restrições impostas pelo sistema político.
Esses procedimentos deixam entrever a marca registrada da
democracia contemporânea que pode ser apreendida pela famosa
definição de Abraham Lincoln para o governo popular: “governo do
povo, pelo povo e para o povo”, complementada pelo direito de
livre expressão, por uma imprensa livre, por um judiciário
independente, pela aplicação imparcial das regras legais e pelo
direito de livre associação. Contudo, os procedimentos que fazem a
democracia funcionar dependem de fatores subjetivos como a
confiança mútua, os padrões de justiça e a disposição para o
compromisso e o comprometimento.

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3. As diversas democracias da contemporaneidade
Contemporaneamente podemos distinguir diferentes tipos de
democracia. Já apresentamos os elementos comuns e procedimentos
mínimos que se fazem indispensáveis para que determinado regime
possa ser classificado como democrático e que dependendo do grau
de atuação desses elementos e procedimentos um regime
democrático de certa sociedade poderá se distinguir de outro. Mas a
tipificação da democracia também pode ser feita sob outros tipos de
parâmetros e, conforme a prevalência de um parâmetro em
detrimento de outro, a democracia será nomeada e classificada de
forma distinta. A seguir veremos alguns desses parâmetros.

3.1. Alguns parâmetros para a diferenciar os tipos de democracia


As democracias podem ser classificadas sob diferentes
parâmetros. Alguns desses parâmetros são: a) o consenso – nem
todos os cidadãos precisam concordar com os objetivos substantivos
que regem as ações políticas ou com o papel do estado; b) a
participação - os cidadãos não precisam necessariamente participar
ativamente da vida pública, mas precisam ter o direito legal de fazê-
lo se assim o desejarem; c) o acesso e a governabilidade - os
governantes não precisam seguir as preferências de todos que
vieram anteriormente, mas tem que ter o direito de governar
segundo suas preferências e as preferências dos grupos que
representam; d) a responsabilidade - nem sempre os governadores
precisam seguir o curso de ação baseado nas normas preferenciais
de seus representados. Contudo, caso os governantes promovam
esses desvios, tais como as ações baseadas em “razões de estado”
ou “em prol de interesses nacionais”, é necessário que os
representantes possam ser responsabilizados por seus atos em
processos justos e regulares; e) a regra da maioria - nem sempre a
regra da maioria deve ser empregada para determinar o curso de
ação política, pois como foi dito anteriormente, há casos nos quais
se devem preservar os direitos das minorias, mesmo que isso
implique em não aceitação por parte da maioria; f) a soberania do
legislativo - os parlamentares do poder legislativo não podem ser os
únicos com direito a fazer as leis. Os poderes – executivo e
judiciário ou outro poder - devem ter esse direito também, contanto
que eles também possam ser responsabilizados por seus atos; g) os
partidos políticos – governantes não necessariamente precisam
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nomear, favorecer, promover ou ter suas atividades disciplinadas
pelos partidos que seguem, embora caso não o façam, poderão ter
dificuldades em agir efetivamente na vida pública; h) o pluralismo –
o processo democrático não precisa necessariamente estar baseado
na multiplicidade, no voluntariado ou na autonomia de grupos
privados, mas é preciso ressaltar e estar atento para perceber que
quanto mais houver monopólio das representações, hierarquia nas
associações e obrigatoriedade para os membros, mais próximos dos
interesses de alguns poucos, os representantes estarão e mais longe
da democracia plena essa sociedade se inserirá; i) o federalismo – a
divisão territorial da autoridade não precisa ser organizada em
múltiplos níveis e autonomias locais. Contudo, a dispersão de
autoridade territorial é o parâmetro que mais se encontra presente
nas democracias contemporâneas; j) a liderança do executivo - o
chefe do executivo não necessariamente precisa estar concentrado
numa única pessoa e nem precisa necessariamente ser eleita
diretamente pelos cidadãos como um todo; e k) as checagens e
balanços – é necessário que diferentes instâncias governamentais
façam sistematicamente o acompanhamento das ações
governamentais.
Esses são alguns dos parâmetros comumente utilizados para
classificar as democracias. Nada impede que outros parâmetros
sejam utilizados, mas esses são os mais recorrentes nas ciências
políticas.

3.2. Tipos de democracia


A democracia tem tomado diferentes formas de governo,
tanto na teoria quanto na prática. Dentro da noção de democracia
podem-se distinguir várias espécies de regimes democráticos. Como
vimos no tópico anterior, a multiplicidade das tipologias depende da
variedade dos parâmetros adotados para a classificação das formas
de democracia. A seguir apresentaremos alguns tipos de democracia
que são mais comumente tipificados na literatura das ciências
políticas.

3.2.1. Democracia direta, indireta ou representativa e semi-indireta


As duas formas básicas que dizem respeito à integralidade
dos cidadãos elegíveis e a execução de suas vontades são a
democracia direta e a democracia indireta, ou seja, nesse tipo de
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classificação o que se prioriza é a forma de participação da
população. Na democracia direta, todos os cidadãos elegíveis têm
participação direta e ativa na tomada de decisões do governo. Na
democracia indireta ou democracia representativa, os cidadãos
elegíveis permanecem com o poder soberano, mas o poder político é
exercido indiretamente por meio de representantes eleitos em
intervalos regulares. Esse conceito de democracia representativa
surgiu a partir de ideias e instituições que se desenvolveram durante
períodos históricos como a Idade Média europeia, a Reforma
Protestante, o Iluminismo e as revoluções Americana e Francesa.
A democracia direta é cada vez mais difícil de ser
encontrada. Quanto maior é o número de cidadãos de uma
sociedade democrática, mais a democracia direta se convergirá para
a democracia representativa. É questionável, inclusive, se já houve
algum dia uma democracia puramente direta com qualquer grupo
que apresente um número de membros considerável. Na prática,
sociedades de qualquer complexidade sempre precisam de uma
especialização de tarefas, inclusive das administrativas. No entanto,
considera-se que o regime que mais se aproxima de uma
democracia direta é a democracia semidireta da Suíça. Uma
democracia semidireta é um regime de democracia em que existe a
combinação de representação política com formas de democracia
direta (Bonavides, 2003). Nesse tipo de democracia, os
instrumentos de participação direita são o plebiscito, o referendo e a
iniciativa popular. O plebiscito é realizado quando a consulta à
população ocorre antes da proposição de determinada lei pelos
representantes dos cidadãos. No referendo, essa consulta será
posterior à elaboração da lei e sempre deverá versar sobre a
manutenção ou descontinuidade da referida lei. Na iniciativa
popular, a população propõe determinada lei, cabendo ao sistema
legislativo aceitar ou recusar essa proposição.

3.2.2. Democracia liberal e a democracia socialista


Em relação à democracia liberal e a democracia socialista, a
tipificação da noção de democracia baseia-se no tipo de ideologia
defendida. Dentro desse entendimento, o termo democracia às vezes
é usado como uma abreviação para a democracia liberal, que é uma
variante da democracia representativa e que pode incluir elementos
como o pluralismo político, a igualdade perante a lei, o direito de
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petição para reparação de injustiças sociais; processo legal
difundido e reconhecido; liberdades civis; direitos humanos; e
elementos da sociedade civil fora do governo.
O voto, um elemento característico dos regimes
democráticos, também chamado de sufrágio censitário, é típico do
Estado liberal (século XIX) e exigia que os seus titulares
atendessem certas exigências tais como pagamento de imposto
direto; proprietário de propriedade fundiária e usufruir de certa
renda. No passado muitos grupos foram excluídos do direito de
voto, em vários níveis. Algumas vezes essa exclusão é uma política
bastante aberta, claramente descrita nas leis eleitorais; outras vezes
não é claramente descrita, mas é implementada na prática por meios
que parecem ter pouco a ver com a exclusão que está sendo
realmente feita (e.g. impostos de voto e requerimentos de
alfabetização). Algumas vezes, a um grupo era permitido o voto,
mas o sistema eleitoral ou instituições do governo eram
propositadamente planejadas para lhes dar menos influência que
outros grupos favorecidos. Exclusão que durou muito tempo foi a
baseada no sexo. Todas as democracias proibiam as mulheres de
votar até 1893, quando a Nova Zelândia se tornou o primeiro país
do mundo a dar às mulheres o direito de voto nos mesmos termos
dos homens. No Brasil, pela constituição de 1822 e suas emendas
antes dessa data, permitiu-se o direito de voto feminino, desde que
as mulheres pertencessem à classe dos fazendeiros e fossem
alfabetizadas (Benevides, 1991). Isso aconteceu devido ao sucesso
do movimento feminino pelo direito de voto, tanto na Nova
Zelândia como no Brasil, sendo que houve participações
parlamentares já no Brasil depois dessa época. Hoje praticamente
todos os Estados permitem que mulheres votem; as únicas exceções
são sete países muçulmanos do Oriente Médio: Arábia Saudita,
Barein, Brunei, Kuwait, Omã, Qatar e Emirados Árabes Unidos.
Atualmente, o direito de voto é garantido sem discriminação
de raça, grupo étnico, classe ou sexo, sendo, por essa razão
denominado de voto universal. No entanto, o direito de voto ainda
não é universal. É restrito a pessoas que atingem uma certa idade,
normalmente 18, embora em alguns lugares, como no Brasil, possa
ser 16 ou, como na Índia, 21). Somente cidadãos de um país
normalmente podem votar em suas eleições, embora alguns países
façam exceções a cidadãos de outros países com que tenham laços
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próximos, como por exemplo, alguns membros da Comunidade
Britânica e membros da União Europeia. Dependendo da legislação
do país o voto dos cidadãos pode ser obrigatório, como no Brasil,
ou facultativo como nos EUA.
No século XIX, a discussão em torno da democracia se deu
principalmente pelo confronto entre as doutrinas dominantes no
tempo, o liberalismo e o socialismo. No entanto, as diferenças entre
democracia liberal e democracia socialista não são tão díspares. Tal
como na democracia liberal, o ideal democrático representa um
elemento integrante e necessário, mas não constitutivo da
democracia socialista. Integrante, já que uma das metas que se
propuseram os teóricos do socialismo foi o reforço da base popular
do Estado. Necessário, uma vez que sem esse reforço jamais seria
alcançada a transformação da sociedade que os socialistas das
diversas correntes sempre tiveram como perspectiva. O ideal
democrático não é constitutivo do socialismo, porque a essência do
socialismo sempre foi a ideia da revolução das relações econômicas
e não apenas das relações políticas; da emancipação social, como
disse Marx, e não apenas da emancipação política do homem. O que
muda na doutrina socialista a respeito da doutrina liberal é o modo
de entender o processo de democratização do Estado. Enquanto no
liberalismo há uma primazia das liberdades individuais em relação
ao Estado e tudo deve ser executado para suprir a base constitutiva
das liberdades individuais, no socialismo, o processo de
democratização do Estado se dá por meio da passagem do
autogoverno para a autogestão descentralizada. Como resumem
Bobbio, Matteucci e Pasquino (2009), a democracia socialista, “em
seu complexo, será uma federação de conselhos unificados através
do reagrupamento ascendente, partindo deles até aos vários níveis
territoriais e administrativos” (p. 325). Nas democracias liberais, o
sufrágio universal, como desenvolvimento histórico, é o ponto de
chegada do processo de democratização do Estado, enquanto para a
democracia socialista ele constitui apenas o ponto de partida. Sendo
assim, enquanto a democracia liberal prioriza a representatividade, a
democracia socialista prioriza a participação direta.

3.2.3. Democracias majoritárias (competitivas) e democracias de


consenso
A democracia pode ser classificada pelo tipo de cultura
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política adotada em determinada sociedade. Lijphart (2012)
distinguiu os regimes democráticos com base na maior ou menor
fragmentação da cultura política, ou seja, na observação de que as
elites dominantes de determinado país podem estar mais inclinadas
para as coligações para obtenção de consensos (democracias de
consenso) ou a serem mais competitivas (democracias majoritárias).
Alega-se que as democracias majoritárias – as democracias
competitivas - são mais eficientes do que os outros tipos de
democracia, mas, segundo Schmidt (2002), os estudos mostram que
as democracias mais eficientes não são as democracias
competitivas, mas as democracias de negociação. As democracias
de negociação também chamadas de consociacionais (Lehmbruch,
1975) ou consociativas (Lijphart, 2012) são um tipo de democracia
baseada na inclusão, em extensas negociações e comprometimentos
do que as puramente com regras majoritárias. São um tipo de
democracia na qual acontecem entendimentos de cúpula entre
líderes de subculturas rivais para a formação de um governo estável.
Têm seus maiores exemplos na Áustria, Suíça, Holanda e Bélgica.
As democracias de negociação assim como democracias
híbridas, caracterizadas como parcialmente majoritárias,
parcialmente não-majoritárias como a forma encontrada na
Alemanha, por exemplo, são os modelos que prevalecem em grande
parte dos países tidos como os mais democráticos. A diferença entre
as democracias majoritárias e as democracias de negociação se
concentram nas políticas de macroeconomia e no que tange às
decisões de manutenção da paz civil. De acordo com Lijphart
(2012), nas democracias de negociação há uma proteção às minorias
mais efetiva, maior respeito ao voto dos eleitores, distribuição
econômica mais igualitária. Nessas democracias há uma
predominância da adoção de práticas do bem-estar social, taxa de
encarceramento mais baixa e uma legislação criminal com caráter
menos punitivo e mais preventivo. Além disso, as democracias de
negociação são melhores na integração de partidos oponentes. Um
ponto fraco das democracias de negociação refere-se ao extenso
processo de tomada de decisão para se atingir um consenso devido
ao grande número de pessoas envolvidas na deliberação de políticas
governamentais e tomada de decisão. Outras fraquezas são a falta de
transparência do processo de deliberação e tomada de decisão e a
diluição das responsabilidades dos participantes no processo de
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negociação e tomada de decisão.
Nas democracias majoritárias a transparência e a
responsabilidade atribuída aos poucos envolvidos no processo de
tomada de decisão são a força desse tipo de democracia, uma vez
que esses políticos estão mais expostos ao grande público. A
fraqueza desse tipo de regime são as constantes mudanças nas
diretrizes políticas, ou seja, o que um grupo decide fazer pode ser
facilmente desfeito por um grupo oposto. Outra fraqueza é em
relação à desconsideração com o desejo das minorias e a ausência
de mecanismos de integração daqueles que perderam a eleição.
Portanto, as democracias majoritárias sofrem da tendência a “uma
tirania da maioria”, como disse Alexis de Tocqueville. O trabalho
de administrar uma sociedade profundamente dividida sobrecarrega
os regimes democráticos majoritários. Contudo, a marca registrada
das democracias majoritárias são a competição e o conflito. Essas
características, quando dosadas adequadamente, podem gerar
inovações no âmbito de políticas públicas. Mas não se deve
esquecer que a competição e conflito excessivos podem levar a
confrontos cada vez mais acirrados, extermínio dos opositores e, em
última instancia, à desestabilização do sistema político.

3.2.4. Democracias bipartidárias, democracias multipartidárias,


democracias bipolares e democracias multipolares
A tipificação da democracia também pode ser realizada pelo
critério do tipo de sistema partidário. Nesse critério, tem-se duas
variantes: o número de partidos e a forma como os partidos se
relacionam uns com os outros. Em relação ao número de partidos,
podemos ter regimes democráticos bipartidários e sistemas
multipartidários. Apesar de teoricamente haver a possibilidade de
existir um regime democrático unipartidário, geralmente não se
considera esse tipo de regime como um regime democrático. Com
base no tipo de relação entre os partidos, tem-se os regimes
bipolares no qual os partidos se agregam ao redor de dois polos – o
polo governista e o polo da oposição – e os regimes multipolares
nos quais vários partidos se relacionam de acordo com suas
ideologias políticas (centro, direita e esquerda). Também nessa
situação não se admite um sistema monopolar no qual não existe
uma oposição reconhecida como um sistema democrático.
De acordo com Sartori (1994), a tipificação por relação entre
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os partidos oferece duas vantagens. A primeira e a de permitir
entender a dinâmica das alianças de forma mais eficaz ao levar em
conta as alianças entre os partidos, mostrando que mesmo num
sistema multipartidário pode-se ter um sistema bipolar. A outra
vantagem é permitir entender a distinção entre sistemas polarizados
e sistemas não-polarizados no caso de haver duas extremidades que
tendam à ruptura do sistema, como, por exemplo, partidos de
ultradireita e ultraesquerda que possam levar à adoção de regimes
totalitários.

3.2.5. Democracia presidencialista e democracia parlamentarista


Uma distinção entre as democracias pode ser feita tendo por
base o critério jurídico-institucional a respeito da forma de
representante do executivo. Sob esse critério, temos os regimes
presidencial e o parlamentar. A diferença entre esses dois regimes
está no grau de autonomia entre o poder legislativo e o poder
executivo. Enquanto no regime parlamentar, o poder executivo está
diretamente subordinado ao legislativo, no regime presidencialista,
o chefe do executivo é eleito diretamente pelo povo. Em
consequência disso, ele presta contas não ao Parlamento, mas aos
eleitores que podem sancionar a sua conduta política negando-lhe a
reeleição.
No senso comum, o sistema parlamentarista é considerado
melhor com a alegação de que promove de maneira mais efetiva a
representatividade popular, a proteção de direitos das minorias e a
ampla participação dos eleitores, além de lidar mais prontamente
com os desafios das políticas econômicas. Entretanto, Schmidt
(2002) lembra-nos que essa ideia é equivocada, pois ambos os
regimes podem apresentar distúrbios e ineficiências. Este autor
defende que os problemas do regime presidencialista ocorrem
quando certas circunstâncias se encontram presentes em
determinada sociedade, como por exemplo, um sistema polarizado
com múltiplos partidos, profunda crise social e poucas formas de
restringir a autoridade do presidente. No caso parlamentarista,
quando há um excesso de concentração de poder nos partidos, pode
haver a concentração de decisões importantes na mão do partido
dominante, promovendo a má alocação e ineficiência na utilização
de recursos, além de corrupção generalizada.
Para haver uma comparação mais efetiva entre esses regimes
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seria necessário levar em consideração outros parâmetros que
compõem o sistema político de determinado país, como por
exemplo as especificidades de regimes políticos parlamentaristas,
mas com enfoque em regimes majoritários ou consensuais e o
mesmo para os regimes presidencialistas. Sem esse cruzamento de
informações, as opiniões a respeito se determinado tipo de regime
democrático é melhor do que outro se tornam parciais, quando não
equivocadas.

3.2.6. Democracias estabelecidas e democracias parciais


Nessa classificação o que está em jogo é a consideração do
processo de democratização. Para fazer essa distinção, Schmidt
(2002) apresenta que nas democracias estabelecidas, também
conhecidas como democracias plenas, necessariamente, precisa
haver a composição de regras legisladoras, a efetiva proteção dos
direitos civis e um alto nível de bem-estar social. Em contraste, nas
democracias parciais, ou em países em processo de
democratização, não se nota a proteção adequada aos direitos civis e
há um baixo nível de bem-estar social.
A fragilidade dos governos encontrados em democracias
parciais pode ser atribuída a inúmeras fontes e causas, tais como a
herança da ambição desproporcional de governos anteriores; a
concentração excessiva de poder nas mãos de poucos; a não-
competitividade ou a estagnação ou declínio da economia; a
corrupção generalizada; a fragilidade do Estado em relação ao
cumprimento das leis; tradições culturais e religiosas em que os
direitos individuais não são respeitados entre tantos outros fatores.
Segundo Schmidt (2002), três tipos de democracia parciais
são mais significativos na contemporaneidade: as democracias
exclusivas, as democracias de dominação (enclave democracies) e
as democracias não-liberais. Nas democracias exclusivas, uma
grande parte da população é excluída da ampla participação na vida
pública. Essa exclusão pode estar baseada em questões de etnia,
religião, educação, propriedade, crenças políticas e ideológicas e
gênero. Nas democracias de dominação, poderes exacerbados de
certos setores da sociedade como os dos militares, de setores
guerrilheiros ou de grandes corporações restringem o poder efetivo
dos representantes eleitos pela população, seja pela coação direta ou
suposta. Um exemplo desse tipo de democracia pôde ser visto na
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Colômbia nos tempos de Pablo Escobar. Nas democracias não-
liberais, observam-se a violação na separação dos poderes do
Estado, principalmente pelo esvaziamento de poder do legislativo e
judiciário, e o desrespeito pelo estado de direito por parte das
autoridades públicas. Exemplos incluem a Rússia pós-comunista e o
Peru quando sob o comando do presidente Fujimori.
O processo de democratização de um país é difícil e pode ser
bastante demorado, pois nem todos apresentam os requisitos
necessários para pertencer às democracias plenas. Dahl (1989)
apresenta-nos alguns desses requisitos como sendo: a) a efetiva
divisão entre os poderes legislativo, executivo e judiciário e um
controle da sociedade civil eficaz sobre a polícia e os aparatos
militares; 2) a existência de uma “moderna, dinâmica e plural
estrutura da sociedade” associada à diminuição da concentração de
poder nas mãos de apenas alguns com a ampliação do poder
disperso nas mãos de diferentes setores da sociedade (p. 251-252);
3) a valorização da autonomia e das liberdades individuais; 4) a
adoção da tradição de estados constitucionais; 5) a prevalência da
resolução de conflitos pelos métodos da negociação consensual em
caso de haver heterogeneidade étnica; 6) a independência legal e a
relativa autonomia do país nas relações internacionais assim como a
não existência de disputas de fronteiras e territórios do país; 7)
barreiras restringindo a hegemonia de um único partido; 8)
aceitação dos resultados de eleições que transfiram o poder para a
oposição; e 9) apoio da população adulta para as regras do processo
político. De acordo com Schmidt (2002), mesmo as democracias
plenas sentem dificuldades em manter todos esses pré-requisitos
necessários à manutenção do processo democrático.

3.2.7. Democracias de alta autonomia, democracias de limitada


autonomia e democracias de baixa autonomia
A classificação pertinente nesses tipos de democracias,
baseia-se nas formas de controle e nas relações entre as diferentes
estruturas das sociedades, tais como as relações entre os partidos,
sindicatos e grupos de pressão em geral. Sob a égide desse critério,
Dahl (1966) e Almond e Verba (2010) distinguiram três tipos de
democracia: a) democracia de alta autonomia dos subsistemas,
como por exemplo, a Inglaterra e os EUA, entendendo-se por
subsistemas os partidos, os sindicatos e os grupos de pressão, em
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geral; b) democracia de autonomia limitada dos subsistemas, como
a França da III República, a Itália depois da Segunda Guerra
Mundial e a Alemanha de Weimar; c) democracia de baixa
autonomia dos subsistemas, como o México.

Considerações finais
Nesse trabalho vimos que há vários tipos de democracia e
que essa tipificação depende de parâmetros distintos que são
priorizados em detrimento de outros. Observamos também que os
teóricos das ciências políticas mostram uma propensão em esperar
demasiado dos regimes democráticos, imaginando que todos os
países que conquistam ou adotam o regime democrático terão uma
sociedade mais justa com todos os seus problemas políticos, sociais,
econômicos, administrativos e culturais resolvidos. Infelizmente
essa expectativa não nos parece verdadeira por uma série de fatores.
Primeiro, o regime democrático não necessariamente é a forma mais
eficiente economicamente quando comparada a outras formas de
governo. Segundo, a democracia não necessariamente é o regime
mais eficiente em termos administrativos. Terceiro, democracias
não necessariamente são mais organizadas, consensuais, estáveis ou
mais governáveis. A democratização não necessariamente levará ao
crescimento econômico, à paz social, à eficiência administrativa, à
harmonia política, à liberdade de mercado ou ao fim das ideologias.
Por que, então, na contemporaneidade, defendemos a democracia
como a forma de governo mais almejada?
Uma resposta que nos parece adequada a essa questão é o
ambiente que o regime democrático propicia. O que se espera desse
tipo de regime é a emergência de instituições políticas estáveis que
devem competir livre e pacificamente para influenciar as políticas
de governo que podem reduzir os conflitos sociais e econômicos por
meio de processos regulares e que estejam suficientemente ligados à
sociedade civil para representar seus interesses e liderá-la para
cursos de ações coletivas. A democracia, ao propiciar esse
ambiente, dará à sociedade a possibilidade de tomar suas decisões
de maneira mais eficiente e abrangente, considerando diferentes
perspectivas, inclusive, a perspectiva de escolher um outro tipo de
regime como o mais adequado àquela comunidade. A importância
da democratização é fornecer as possibilidades de escolhas aos
indivíduos dentro em um ambiente no qual se respeitem tanto os
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direitos individuais quanto os coletivos.
Entendemos que a vantagem dos sistemas democráticos é
que, ao contrário dos regimes autoritários, eles possuem a
capacidade de modificar suas regras e instituições consensualmente
de tal maneira que possam responder às mudanças circunstanciais
de forma mais efetiva. A democracia pode não responder
imediatamente a todos as vantagens esperadas, e que foram
mencionadas acima, mas com certeza é o tipo de regime que melhor
promove uma eventual forma de o fazer em comparação com outros
regimes.

Referências
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Newbury Park: Sage Publications, 2010
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