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A Psicologia e A Existência Humana

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Texto extraído dos cursos ministrados aos domingos

por Dr. Roberto Assagioli no Istituto di Psicosintesi, Florença. Lição 01/1971.

Tradução Livre: Centro de Psicossíntese de São Paulo, fevereiro/2019.

A PSICOLOGIA E A EXISTÊNCIA HUMANA

Roberto Assagioli

O próprio fato de estar vivo, de existir, de maneira independente e em relação com os


outros, o estar no mundo, segundo a expressão de Heidegger, coloca-nos diante de
uma série de situações que podemos chamar “existenciais”. São as várias etapas da
vida, do nascimento à morte física; a atitude em relação ao mal, o sofrimento, as
doenças. Por outro lado, a ampla série das relações interpessoais: acima de tudo as
pessoas da família (mãe, pai e seus substitutos), a polaridade psicossexual em todos
os níveis, a questão do isolamento e da comunicação, enfim a atitude em relação à
natureza, ao mundo em geral e ao universo.

Tudo isto pede, exige “tomadas de posição” e, portanto, decisões; mas as decisões
são atos de vontade, uma vez que o decidir é um dos estágios do ato volitivo.

Estas são as situações diante das quais todo ser vivo se encontra. Existe ainda uma
condição mais específica que se pode chamar “angustia existencial”, da qual, neste
momento, se fala muito e é importante compreender no que consiste.

Antes de mais nada um esclarecimento semântico sobre a palavra “existencial”: esta


faz pensar no existencialismo filosófico sobre o qual se tem muitas vezes ideias
confusas e erradas. Fala-se do existencialismo como se fosse uma concepção ou uma
doutrina unitária, mas na realidade esta palavra é usada em sentidos muito diferentes
e até opostos. Franckl disse justamente: “Existem tantos existencialismos quantos
existencialistas” (Franckl, The Will-to-meaning, p.3).

Não posso entrar em uma discussão teórica sobre existencialismos e nem é


necessário. Ao falar de “situações existenciais”, não se trata de teorias ou filosofias,
mas de situações reais, de fato, vividas, experimentadas.

Das afinidades e diferenças entre a psicossíntese e certas concepções existenciais


falei na minha palestra no Congresso Internacional de Psicoterapia em Viena em
1961, e publicada em meu livro Psicossíntese. A angustia existencial não depende de
situações especiais, de relações externas nas quais o indivíduo pode ser encontrado,
mas é produzida por uma crise interna. Esta pode assumir vários aspectos, mas sua
natureza e seu significado podem ser descritos do seguinte modo: “Às vezes em
seguida a uma série de decepções; não raro depois de um forte abalo moral, como a
perda de uma pessoa querida, mas às vezes também sem causa aparente, em meio

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ao pleno bem estar e a favor da sorte, surge em alguém uma vaga inquietude, um
senso de insatisfação, de falta, mas não a falta concreta, mas sim de algo vago, fugaz,
que não se sabe definir. Acrescenta-se assim um senso de irrealidade, de futilidade da
vida comum; todos os interesses pessoais que antes tanto ocupavam e preocupavam
“empalidecem”, por assim dizer, perdem sua importância e seu valor. Novos
problemas se insinuam; a pessoa principia a questionar o sentido da vida, o por que
do próprio sofrimento e o dos outros, qual a justificativa de tantas disparidades de
sorte, a origem da existência humana, seu objetivo. O estado de agitação torna-se
sempre mais penoso, o vazio interno mais intolerável; a pessoa tem o senso de
aniquilamento, tudo que formava sua vida parece um sonho, dissolve-se como um
fantasma”. (Il risveglio dell’anima).

A independência desta angustia existencial de qualquer situação externa foi exposta


de modo evidente, aliás, dramático, por Leon Tolstoi nas suas Confissões.

Mas tal crise existencial é em geral somente uma etapa de passagem; ela precede um
“despertar” interno, a tomada de consciência de uma esfera mais ampla, o contato
com uma Realidade superior, faz descobrir um novo significado e valor da vida. Muitas
vezes o despertar é acompanhado por um senso de luz, sentimentos de alegria e
amor, por um impulso de adesão e comunhão com a Vida Universal, com a Divindade.

Os testemunhos e as descrições deste novo e superior “modo de ser”, são numerosos.


Podem-se encontrar nos livros de James, (La coscienza religiosa) de Bucke (Cosmic
Consciousness) de E. Underhill (Mistycism) e em outros.

Alguns dos mais típicos, dentre os quais de Tolstoi e Tagore são reportados no meu
texto O Despertar da alma.

A psicologia – ciência do homem – deveria propiciar os meios para compreender,


enfrentar estes problemas existenciais e ajudar a chegar à solução. Mas a psicologia
cinética, que se desenvolveu nas últimas décadas do século XIX, não oferece esta
ajuda. Ela se moldou em grande parte nas ciências naturais e procurou aplicar ao ser
humano os métodos experimentais e os critérios quantitativos para o estudo dos
fenômenos externos. Por isso ela permaneceu por assim dizer na superfície do ser
humano, não penetrou em sua verdadeira natureza.

Estudou o ser humano de um modo que se poderia chamar “anatômico”, analisou


várias funções: sensação, memória, inteligência e etc., como se fossem atividades por
si ultrapassadas, não referidas a um sujeito vivo (estudou e estuda o comportamento
externo do ser humano e acredita poder compreendê-lo deste modo, mas não
conseguiu, e não poderia conseguir).

Foi desenvolvendo a psicologia clínica ou psicopatologia, que teve a sua maior


expressão na psicanálise. Esta pesquisou principalmente a vida psíquica inconsciente
e suas relações com a consciência, mas em geral ocupou-se quase exclusivamente
dos aspectos inferiores e patológicos da psique.

Porém nem toda a psicologia permaneceu fechada de fato senão de nome neste
circuito positivista e materialista. Foi feita também uma série de estudos do ser

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humano que podem ser reagrupados sob o nome de “psicologia humanista”, que
recentemente foi chamada a “terceira força” na psicologia, distinguindo-a das outras
duas maiores correntes psicológicas, a comportamental (behaviorismo) e a
psicanalítica.

Neste ponto é oportuno outro esclarecimento semântico ou terminológico. O


significado dado geralmente fora da psicologia à palavra “humanística” refere-se à
“cultura humanista”, baseada na cultura greco-romana e sobre seus desenvolvimentos
ulteriores e se contrapõe à cultura e às atividades científicas. Recentemente, no
entanto, na psicologia a palavra “humanista” é usada, principalmente na América, para
designar uma psicologia que estuda e procura compreender o ser humano em todos
os seus aspectos, suas necessidades, comportamentos e reações diante da vida, suas
aspirações e suas metas; pode-se afirmar que é uma psicologia existencialista em
sentido lato.

Um dos maiores psicólogos e cultores da psicologia científica foi ao mesmo tempo, ou


melhor, paralelamente, um pioneiro da psicologia humanista: William James. Pode-se
dizer, em certo sentido, que ele tenha tido duas personalidades: a primeira,
estritamente científica no sentido acima mencionado, que se expressou na grande
parte do seu clássico tratado: Princípios da Psicologia, segunda, uma personalidade
sutil, sensível, que teve intensas crises existenciais e que, portanto, esteve consciente
destes problemas.

James era dotado de intuição, de ampla visão e também coragem antiacadêmica. Isto
é demonstrado principalmente no estudo e no exame dos fenômenos e problemas
parapsicológicos, que em seu próprio tempo, ainda mais que agora, eram tabus para
os psicólogos oficiais!

Pois bem, William James reconheceu e afirmou aquilo do que agora se ocupa a
psicologia humanista, isto é a existência de poderes latentes, de possibilidades não
utilizadas pelo ser humano.

James declara: “Não tenho nenhuma dúvida que a maior parte das pessoas vive tanto
fisicamente quanto intelectualmente e moralmente, usando uma parte muito restrita
das potencialidades.....O assim dito “homem normal’, o que podemos denominar
“filisteu saudável”, é somente uma pequena parte do que poderia ser, e temos todos
reservas de vida para aproveitar, que nem sequer sonhamos”. (Henry James, ed.: The
Letter of William James, Atlantic Montyl press, Boston).

“Em confronto ao que deveremos ser, estamos só meio acordados. Os nossos fogos
estão apagados, as nossas potencialidades estão impedidas, e fazemos uso somente
de uma pequena parte de nossos recursos físicos e mentais” .... “De todas as criaturas
existentes sobre a terra, somente o homem tem o poder de mudar a si mesmo,
somente o homem é autor do próprio destino”. (Citado em The Third Force di Frank
Goble, New York Grossmann, 1970).

Alguns aspectos humanistas podem ser encontrados também nas concepções de


McDougall, Jung e Adler. Principalmente nas duas últimas décadas a psicologia

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humanista teve um rápido e exuberante desenvolvimento. Nomearei entre os seus
mais notáveis representantes Viktor Frankl, Eric Fromm, Rollo May, Charlotte Bühler;
mas seu maior representante, do qual lastimamos a recente e prematura perda, foi
Abraham Maslow.

Maslow, depois de ter passado pelo Behaviorismo e depois de um período de


atividade psicanalítica, reconheceu as limitações e voltou seu interesse ao estudo dos
aspectos normais do ser humano, e promoveu a psicologia do “homem saudável”.
Fazendo este estudo, sem preconceitos, do “homem total”, ele reconheceu outro fato
de grande importância, ou seja, que o homem saudável não é o ultimo termo da
existência e do desenvolvimento da humanidade. No homem muitas vezes encontram-
se aspirações, pressentimentos, insatisfações, necessidades em relação a algo além e
superior à normalidade.

É justamente isto que produz muitas vezes a angustia existencial. Em outros casos,
sem atravessar esta crise de angustia, há um avançar mais gradual, mas insistente,
até os níveis superiores da realidade. Maslow interpretou bem estes fatos com sua
concepção das necessidades humanas. Ele diz que existem necessidades primárias,
que chama de “básicas” (basic needs), uma vez que são baseadas nos instintos
fundamentais. Mas além destas existem as “necessidades superiores” (higher needs)
que, como ele justamente afirma, são tão reais e prementes quanto às necessidades
de base. Por isso as chamou de “instintoides”, isto é que participam da qualidade e da
natureza dos instintos, sendo, no entanto diferentes dos instintos de base. Maslow
estudou e descreveu o que ele chamou as “Peak exsperiences”, experiencias de pico.
Deste modo foi-se constituindo uma psicologia dita transpessoal ou também a “quarta
força na psicologia”.

O terreno de encontro dos seus cultores é o “Journal of Transpersonal Psychology:


uma boa exposição dos vários aspectos, da psicologia existencial está contida no livro
que tem este título, publicado por Rollo May, do qual há uma tradução italiana editada
pela Astrolabio, onde estuda as experiencias que transcendem às comuns, e que
como se sabe tinha iniciado antes. William James, também aqui, foi um pioneiro. Ele
as estudou tais experiências magistralmente em uma série de conferências reunidas
em um volume com o título “Varieties of Religious Experiences”. Ele dá à palavra
“religioso” um sentido amplo, largo, que se poderia denominar “experiencias
espirituais”, e paras quais Maslow criou a ótima designação “transpessoais”. Este
termo evita o sentido vago demais, aliás, os sentidos múltiplos que se dão à palavra
“espiritual” e certas ligações que se chocam, mais ou menos com a razão, a
sensibilidade dos cientistas.

Outro pioneiro que estudou este campo quase contemporaneamente a James foi
Bucke, que publicou seus resultados no livro já citado Cosmic Consciousness. É
interessante notar que Bucke o fez depois de ter tido ele mesmo uma experiência de
iluminação interna.

No campo estritamente religioso houve muitas outras colaborações valiosas, como as


de Evelyn Underhill (Mysticism), de Heiler (Das Gebet), e etc.

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Atualmente este estudo, e principalmente a pesquisa e a experiência de métodos e
técnicas para alcançar níveis de consciência mais amplos e superiores, tornaram-se
muito extensas e intensas.

Antes, porém, devo apontar outro ramo semi-independente da pesquisa psicológica, a


parapsicologia.

Também esta foi geralmente ignorada e hostilizada pela ciência oficial; isto aconteceu
por várias razões; acima de tudo pelo fato de que as investigações dos fenômenos
parapsicológicos eram inicialmente ligadas ao assim chamado espiritismo e focavam
quase exclusivamente na busca de criar relações com seres não vivos fisicamente.

Isto era feito, e vem sendo feito ainda, muitas vezes, de modo fanático e sem critérios
científicos.

À parte disto, foi feita uma série de estudos sérios e profundos da fenomenologia.
Neste campo um dos maiores pioneiros foi Myers, com seu livro “Human survival after
bodily death”; porém no seu livro ele misturou o estudo dos fenômenos à tentativa de
provar a vida após a morte. O mesmo fez outros dois cientistas, de grande valor no
seu campo, dois físicos Oliver Lodge e William Crookers. Nas últimas décadas foi-se
desenvolvendo uma parapsicologia estritamente científica, também universitária, a
qual evitando o problema da vida após a morte concentrou-se na constatação e
interpretação dos fenômenos parapsicológicos. Um dos seus melhores cultores foi
Rhine, que o fez por muitos anos em um laboratório na Ducke University nos Estados
Unidos.

Existem agora dois professores que têm uma cátedra universitária, Tenaieff na
Holanda e Bender na Alemanha. Nestes últimos anos também na Rússia houve um
florescer de pesquisas parapsicológicas.

Paralelamente à evolução da psicologia humanista, desenvolveu-se a Psicossíntese.


Já em um artigo meu intitulado “A psicologia das ideias-força e a psicagogia”,
publicada em 1909 na “Revista de Psicologia Aplicada”, lá estavam germinando a
maior parte das concepções e métodos da psicossíntese. Citarei alguns trechos, não
para estabelecer prioridades (uma vez que estas no campo científico, pouco
interessam ou deverão interessar), mas para colocar em evidência como a
psicossíntese participou plenamente desde o inicio do campo psicológico humanístico.
Faço-o também porque o programa deste está ainda longe de ser realizado; ele
suscita ainda resistência, controvérsias e incompreensões, pode-se dizer que está
ainda em um estágio inicial. Apesar de a psicossíntese ter trazido à psicologia
humanista sua contribuição, ainda tem muito a oferecer para seu desenvolvimento e
afirmação. Na introdução do artigo das várias linhas de desenvolvimento da psicologia
clínica ou psicopatológica, dos estudos sobre experiencias religiosas e espirituais, e
seus fenômenos parapsicológicos (que até então eram chamados “metapsíquicos”),
acenavam que aqueles estudos assim díspares e muitas vezes aparentemente
antagônicos se corrigiam, completavam-se e iluminavam-se alternadamente.
Rapidamente era observado: “Certo que esta grande síntese de tendências diversas
mal começa a delinear-se incerta e distante, ainda contrastadas por persistentes pré-

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julgamentos e numerosos mal entendidos, ocorriam, no entanto grandes esforços de
mentes abertas para realizá-la, mas todo estudioso livre de pré-conceitos pode levar
sua contribuição a esta obra”.

Diria então que a admirável vida psíquica começava a reconhecer a enorme


complexidade, o incessante dinamismo, as amplas regiões ainda inexploradas, e as
insuspeitáveis energias extraordinárias. Viu-se depois, que a psique não é algo rígido
e independentemente de ser ser somente observada e descrita como uma peça de
quartzo ou uma cebola, ou se presta a experimentos como um sapo ou uma tartaruga,
é no entanto, maravilhosamente plástica e presta-se a ser profundamente modificada
de modos variados.

Porém, eu dizia que se a psique é profundamente modificável, sua própria


complexidade e plasticidade fazem-na escapar continuamente de quem procura
plasmá-la. Portanto para modificá-la não basta agir sobre ela de modo empírico e
irregular, mas é preciso, com os dados recolhidos por meio de um estudo acurado da
sua natureza e das leis que a governam, constituir uma série de métodos práticos e
eficazes, independentes de toda doutrina filosófica específica.

Para indicar o conjunto destes métodos, tinha proposto retomar o antigo nome de
“psicagogia” dado por Platão, nome que de um lado indica o caráter prático e ativo da
disciplina, do outro mostra que não se trata da educação de faculdades separadas,
mas da cultura integral de toda psique. Nisto já existia essencialmente a concepção da
psicossíntese, palavra que foi usada publicamente de 1926 em diante.

Diante destas possibilidades de modificação e transformação da psique, dizia: “Agora


não servem mais todas as cômodas desculpas, todos os pretextos e sofismas que se
escolhem usar em direção a nós mesmos e em direção aos outros para justificar as
nossas fraquezas e as nossas covardias e para continuar a cometer tolices”. Agora
não se pode mais dizer: “O que queres! Fiz assim!”. “Este é o meu temperamento não
posso mudá-lo. Quando vejo certas coisas não posso frear-me”. Agora sabemos que o
nosso caráter, longe de ser rígido e imutável, modifica-se cada dia pela ação de
inumeráveis influências, estejamos nós conscientes ou não. Trata-se, portanto de
decidir se tais modificações devem ser deixadas ao acaso e, portanto, permanecer
lentas, contraditórias, caóticas e muitas vezes nocivas, como são agora, ou então ser
produzidas conscientemente, coordenadas segundo um plano harmônico,
intensificadas e dirigidas a libertar-nos das tendências não desejadas e a realizar uma
vida psíquica mais elevada, mais livre e mais fecunda. Não existem desculpas para
não empreender esta obra de domínio da nossa psique e para não a continuar
incessantemente cada dia e por toda vida.

Entre os métodos usados, indiquei que a primeira prática a ser realizada de modo
sério e metódico é o recolhimento e a reflexão meditativa.

É evidente que não se pode falar de cultura da psique se não se parar de viver, por
assim dizer, na superfície da consciência deixando executar automaticamente o jogo
das ideias-força.

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É preciso, no entanto curvar-se e, por meio de uma acurada, serena e aguda
interpretação, analisar, livres de cada temerosa estagnação e toda hipocrisia, todo o
conteúdo da nossa psique, sem deixar-se espantar pelos monstros inesperados nem
ofuscar pelo brilho de alguma pedra preciosa.

É preciso principalmente aproveitar os momentos de calma para diferenciar clara e


definitivamente as nossas inspirações mais elevadas e a multidão de tendências,
impulsos, pré-conceitos, atitudes mentais, que constituem a indesejável
hereditariedade do nosso passado, tanto próximo quanto distante.

Tais análises e tais discriminações não devem por certo permanecer puros
reconhecimentos intelectuais. Ao contrário, elas devem transmutar-se imediatamente,
direi quase automaticamente, em propósitos práticos, em decisões. Assim coloca-se
em evidencia a função da vontade, uma vez que, repito, a decisão é um dos estágios
essenciais da ação volitiva.

Para o domínio da mente, é necessário fazer numerosos, metódicos e insistentes


exercícios de concentração. Mas os exercícios especiais de concentração constituem-
se somente numa preparação contínua. Neste estado, qualquer que seja a atividade
que nos ocupe, seja ela fácil ou difícil, divertida ou enfadonha, insignificante ou grave,
a mente deve estar rigorosamente concentrada nela, excluindo qualquer outra.

Não se acredita que a concentração implique necessariamente em esforço e tensão;


aliás, ela pode acontecer naturalmente, de modo fácil e quase automático, isto é
justamente o objetivo ao qual tendem os exercícios especiais. Porém alguns poderão
objetar que um estado de contínua concentração tenderia a reduzir a nossa vida a
uma rigidez excessiva e compassada, insensibilizando as vivas fontes do sentimento e
da inspiração. Este temor é injustificado. Nossa mente deve dominar somente os
pensamentos heterogêneos e desagradáveis, as tendências reprováveis, as
preocupações fúteis, as apreensões inúteis, mas deve dar felizmente livre passagem a
cada bela ideia, a cada aspiração luminosa, a cada impulso elevado. Uma vez que
podemos prever os efeitos de determinada leitura ou observação, da visão de uma
certa obra de arte, do estudo de uma certa filosofia, se não nos servirmos
sistematicamente destas previsões para modificar-nos e melhorar-nos, a culpa é
somente nossa.

Era então claramente indicada a responsabilidade em expor-nos e aos outros às


influências nocivas, negativas e neutralizá-las com a exposição à influências positivas.

Em relação a isto existe agora uma grande inconsciência e – ainda pior – um


deliberado propósito de não se dar conta, porque contrapõe-se com vastos e potentes
interesses financeiros.

Assim, por ignorância ou cinismo, a humanidade se vê exposta às descrições e


imagens de violência e pornografia sob influências destrutivas. Trata-se de um
verdadeiro smog (névoa de poluição) psíquico, mais nocivo do que o químico. É difícil
lutar contra a vasta escala e tal envenenamento, mas cada um pode ao menos
procurar proteger-se a si e aos outros, principalmente as crianças e os adolescentes e

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usar os antídotos que a psicologia coloca à disposição com várias de suas técnicas.
Uma das mais simples, mas que se demonstra eficaz foi exposta e difundida pelo
nosso Instituto e por outros Centros de Psicossíntese no exterior: as “Palavras
Evocativas”. Outro método, indicado em meu texto de 1909, é o de “agir como se”,
baseado na lei que: Cada ato externo tende a despertar e a intensificar o sentimento
correspondente.

“Esta lei presta-se a ser aplicada continuamente de mil modos diferentes. Do esboçar
um sorriso para expulsar uma preocupação, ao mostrar insólita cordialidade a uma
pessoa para superar em nós um ressentimento que reconhecemos injusto e
mesquinho, não há, pode-se dizer, circunstância na qual o sábio uso de tais recursos
não seja de grande valia”.

Digo por fim que com o uso destes métodos psicológicos podem ser desenvolvidas as
funções superiores psicoespirituais: a intuição, a consciência mística, a visão interior e
concluo o artigo assim:

“É hora de banir definitivamente as negações apriorísticas e reconhecer que não só no


céu e na terra, mas também na alma humana existem muitos mistérios cuja existência
nossa tímida razão apenas começa a suspeitar. Se, portanto, de um lado a psicagogia
deve tender a elevar e aperfeiçoar a consciência comum, por outro há a tarefa de
tentar expandi-la, guiando-a à conquista das misteriosas e fascinantes regiões do
subconsciente e da consciência espiritual”.

Voltando a falar do estado atual das pesquisas e aplicações psicológicas, pode-se


dizer que, além da multiplicidade de movimentos e correntes diversas, é colocado em
evidência um conflito que respeita, ou é manifestação de uma das situações
existenciais que enumerei e que será tratada em uma das reuniões deste curso pelo
Dr. Caldironi. Trata-se do conflito entre os comportamentos dinâmicos e estáticos.
Pode-se observar que, tanto no individuo quanto nos grupos e na sociedade, existe
um contínuo contraste entre a adaptação, a tendência à homeostase e também a
tendência à regressão, a estados precedentes de um lado, e do outro o impulso ao
desenvolvimento, ao crescimento, à realização de novas possibilidades, que se
poderão chamar a “transcendência do presente”.

Este conflito existencial, no campo da psicologia humana, manifesta-se de vários


modos. Existe agora pesquisa e tentativas apaixonadas para alcançar a ampliação da
consciência, para penetrar em níveis mais altos da vida; isto se encontra
principalmente entre os jovens e se caracteriza pela multiplicação do que chamamos
“growth groups”, “grupos de crescimento” ou “pelo crescimento”. Mas contra esta
tendência há fortes relutâncias e oposições. É interessante examinar mesmo que seja
rapidamente, as razões, ou melhor dizendo as causas, uma vez que elas não são na
realidade “racionais”. Um dos aspectos mais evidentes do desejo de transcendência,
do impulso à transcendência, manifesta-se como exigência de liberar-se de
condicionamentos, de limitações de ideias, de formas mentais, restrições que são
sentidas como obstáculos para uma vida mais elevada e plena; como aspiração a
desenvolver novas atividades em campos antes impedidos.

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Mas esta tendência colide com a relutância, aliás, medo, em assumir
responsabilidades, em “empenhar-se”, como pede a mais ampla participação vital.
Assistimos ao fato paradoxal que de um lado se pede, aliás, se pretende a liberdade, e
quando se consegue conquistá-la, muitos não sabem o que fazer, encontram-se
desorientados, mais ou menos conscientemente, procuram novos pontos de apoio e
submetem-se a novas autoridades, muitas vezes ruins. Este fato foi colocado em
evidência por Herman Keyserling e Erich Fromm, que o trata em seu livro intitulado
justamente “Escape from Freedom”, “Fuga da Liberdade”.

Uma segunda causa consiste no fato de que quem procura ou tem as experiências
transcendentais descobre bem cedo que para manter-se naquele nível superior, para
integrá-lo na personalidade comum, para valorizá-lo, é necessária uma ação interna
de disciplina e de autodomínio. Mas disto poucos, principalmente os jovens, querem
ouvir falar, aliás, existe uma reação muitas vezes violenta contra ela. Tal reação é
devida em grande parte à rebelião contra as rígidas e excessivas coerções do
passado, mas é determinante também pela fundamental preguiça interna inata no ser
humano, até mesmo naqueles que se mostram muito ativos, no externo. São agora
colocados muito em evidência os instintos ativos, principalmente os de autoafirmação
e satisfação sexual e afetiva, mas é forte também a tendência, que se pode considerar
como a contraparte psicológica da homeostase fisiológica, isto é a tendência a um
equilíbrio estático, manter o estado atual eliminando tudo que possa perturbá-lo, todo
esforço mental.

Existem pessoas nas quais encontramos ambas as tendências; isto as torna


ambivalentes e, portanto, muitas vezes contraditórias nas suas atitudes e ações. A
ambivalência é um mecanismo psicológico muito difundido que faz compreender
muitas manifestações do comportamento humano que surpreendem e desconcertam.

O campo que suscita talvez as hostilidades mais intensas por grande parte dos
psicólogos é o da parapsicologia. Isto se explica pelo fato que alguns fenômenos
parapsicológicos levantam fortes dúvidas sobre a validade de doutrinas e concepções
as quais muitos cientistas estão ligados e que fazem parte das suas mentalidades. Os
mais inquietantes e, direi, revolucionários a este respeito são os fenômenos de
bilocação. Certo número de pessoas teve e descreveu a experiência de encontrarem-
se conscientemente fora do corpo, isto é, de vê-lo deitado no leito, enquanto estavam
conscientes de ser e mover-se independentemente no quarto e até mesmo andando
em outro lugar. Tais fenômenos e experiencias não são novos, encontramos muitos
exemplos na literatura religiosa, nas biografias de santos e de místicos. São bem
conhecidos no oriente, onde alguns yogues afirmam poder sair do seu corpo e retornar
à vontade.

Estes fatos fazem desmoronar um dos princípios, que poderia ser chamado um
dogma, ao qual aderiram também alguns psicólogos de vanguarda: o da unidade
psicofísica indivisível.

Neste ponto creio ser útil indicar as relações e diferenças entre a “psicologia do alto” e
transpessoal e a parapsicologia. De fato, existem muitas pessoas que tendo estes
fenômenos parapsicológicos, sensibilidades especiais, por exemplo, fenômenos

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telepáticos e premonições, consideram-nos como faculdades superiores e aproveitam
as oportunidades de vaidade e senso de superioridade diante daqueles que não as
têm. Mas isto é um erro baseado na falta de consciência do conjunto da
fenomenologia parapsicológica. De fato foi constatado que muitas vezes as
sensibilidades paranormais encontram-se em pessoas que não somente não são
desenvolvidas mentalmente e espiritualmente mais que o normal, mas são
psicologicamente subnormais. Há ainda mais: foi observada a existência de
sensibilidades parapsicológicas também nos animais. Por isso aquela empolgação,
aquele senso de superioridade de muitos médiuns e sensitivos, não tem razão de ser.
As faculdades parapsicológicas são independentes do desenvolvimento intelectual,
moral e espiritual.

Outra causa de oposição contra a psicologia transpessoal é a hostilidade individual e


coletiva contra o que é superior, até por parte de seres que estão em um nível
evolutivo psicoespiritual mais avançado em relação ao normal.

Isto se explica facilmente: reconhecer que outros são superiores suscita um senso de
inferioridade, fere o orgulho, a vaidade, a presunção. Por isso pode-se notar, até
mesmo fora da psicologia, na cultura, ou assim dita cultura atual, em muitos
intelectuais, uma verdadeira fúria em “rebaixar” os seres superiores, ao colocar em
evidência com comprazimento as suas fraquezas, também seus vícios, acreditando
assim reduzi-los a um nível comum, sem se dar conta que a existência destes lados
inferiores neles não tem nada a ver com a existência dos aspectos superiores, dada a
multiplicidade e complexidade da natureza humana.

A hostilidade contra o que é superior tem consequências danosas principalmente no


campo educativo. A par da ignorância de educadores que se ocupam de jovens
superdotados, há uma imensa maioria negligenciando encontrá-los e ajudá-los. Mas
eles, não sendo reconhecidos, apreciados e ajudados, naturalmente rebelam-se e
tornam-se não raro, sem dúvida, antissociais. Foi constatado que entre crianças e
jovens das assim ditas “casas de correção” (que seria mais justo chamá-las “casas de
corrupção”) encontram-se os superdotados.

Esta hostilidade em relação ao que é superior encontra uma aparente, mas


inconsistente justificativa no falso conceito de democracia que muitos mais ou menos
conscientemente têm. A verdadeira democracia consiste em oferecer a todos as
mesmas oportunidades, mas não em “nivelamento para baixo”. Falei da psicologia
transpessoal não somente por seu valor e importância por si mesma, mas porque ela é
estritamente ligada ao tema geral das reuniões deste ano: As crises existenciais e
suas soluções psicossintéticas. De fato fica claro que não somente a angustia
existencial, mas, que em muitos casos, as situações e crises existenciais de todo tipo
não podem ser resolvidas de modo satisfatório sem levar em conta os fatores que
genericamente são conhecidos como espirituais, mas que agora são designados de
modo mais definido como atividades do nível psíquico supraconsciente e relações
existentes entre o eu ou self pessoal, o Eu espiritual e a Realidade superindividual.

É necessário levá-los em conta e usar métodos para ativá-los e utilizá-los. Nisto se


baseia o principio geral de que os problemas e conflitos humanos podem ser

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resolvidos de modo satisfatório no nível em que existem, mas somente a partir de um
nível mais elevado, no qual, e do qual, os termos opostos encontram uma conciliação
e regulação construtiva.

Muitas vezes as situações existenciais estão conectadas entre si, aliás, pode-se dizer
que em qualquer medida o são sempre, uma vez que se apresentam na vida do
mesmo ser humano no qual várias experiências e manifestações podem ser diferentes
e contrastantes, mas não de todo separadas, fazem parte dele na sua totalidade.

A concepção humanista por isso, é parte integrante da psicossíntese e os seus


métodos oferecem a base e os meios para as melhores soluções dos vários
problemas existenciais que se apresentam na educação, na terapia, no
desenvolvimento individual, nas relações interpessoais e sociais, e naquelas com o
cosmos (em todos os níveis: físico – psicológico – espiritual). Nós nos propomos e
esperamos cooperar assim para que a humanidade saia da atual condição de
desordem, conflitos e desorientação – da sua crise existencial coletiva – e que possa
criar uma nova civilização e uma nova cultura nas quais as suas admiráveis
potencialidades sejam realizadas.

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