A Psicologia e A Existência Humana
A Psicologia e A Existência Humana
A Psicologia e A Existência Humana
Roberto Assagioli
Tudo isto pede, exige “tomadas de posição” e, portanto, decisões; mas as decisões
são atos de vontade, uma vez que o decidir é um dos estágios do ato volitivo.
Estas são as situações diante das quais todo ser vivo se encontra. Existe ainda uma
condição mais específica que se pode chamar “angustia existencial”, da qual, neste
momento, se fala muito e é importante compreender no que consiste.
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ao pleno bem estar e a favor da sorte, surge em alguém uma vaga inquietude, um
senso de insatisfação, de falta, mas não a falta concreta, mas sim de algo vago, fugaz,
que não se sabe definir. Acrescenta-se assim um senso de irrealidade, de futilidade da
vida comum; todos os interesses pessoais que antes tanto ocupavam e preocupavam
“empalidecem”, por assim dizer, perdem sua importância e seu valor. Novos
problemas se insinuam; a pessoa principia a questionar o sentido da vida, o por que
do próprio sofrimento e o dos outros, qual a justificativa de tantas disparidades de
sorte, a origem da existência humana, seu objetivo. O estado de agitação torna-se
sempre mais penoso, o vazio interno mais intolerável; a pessoa tem o senso de
aniquilamento, tudo que formava sua vida parece um sonho, dissolve-se como um
fantasma”. (Il risveglio dell’anima).
Mas tal crise existencial é em geral somente uma etapa de passagem; ela precede um
“despertar” interno, a tomada de consciência de uma esfera mais ampla, o contato
com uma Realidade superior, faz descobrir um novo significado e valor da vida. Muitas
vezes o despertar é acompanhado por um senso de luz, sentimentos de alegria e
amor, por um impulso de adesão e comunhão com a Vida Universal, com a Divindade.
Alguns dos mais típicos, dentre os quais de Tolstoi e Tagore são reportados no meu
texto O Despertar da alma.
Porém nem toda a psicologia permaneceu fechada de fato senão de nome neste
circuito positivista e materialista. Foi feita também uma série de estudos do ser
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humano que podem ser reagrupados sob o nome de “psicologia humanista”, que
recentemente foi chamada a “terceira força” na psicologia, distinguindo-a das outras
duas maiores correntes psicológicas, a comportamental (behaviorismo) e a
psicanalítica.
James era dotado de intuição, de ampla visão e também coragem antiacadêmica. Isto
é demonstrado principalmente no estudo e no exame dos fenômenos e problemas
parapsicológicos, que em seu próprio tempo, ainda mais que agora, eram tabus para
os psicólogos oficiais!
Pois bem, William James reconheceu e afirmou aquilo do que agora se ocupa a
psicologia humanista, isto é a existência de poderes latentes, de possibilidades não
utilizadas pelo ser humano.
James declara: “Não tenho nenhuma dúvida que a maior parte das pessoas vive tanto
fisicamente quanto intelectualmente e moralmente, usando uma parte muito restrita
das potencialidades.....O assim dito “homem normal’, o que podemos denominar
“filisteu saudável”, é somente uma pequena parte do que poderia ser, e temos todos
reservas de vida para aproveitar, que nem sequer sonhamos”. (Henry James, ed.: The
Letter of William James, Atlantic Montyl press, Boston).
“Em confronto ao que deveremos ser, estamos só meio acordados. Os nossos fogos
estão apagados, as nossas potencialidades estão impedidas, e fazemos uso somente
de uma pequena parte de nossos recursos físicos e mentais” .... “De todas as criaturas
existentes sobre a terra, somente o homem tem o poder de mudar a si mesmo,
somente o homem é autor do próprio destino”. (Citado em The Third Force di Frank
Goble, New York Grossmann, 1970).
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humanista teve um rápido e exuberante desenvolvimento. Nomearei entre os seus
mais notáveis representantes Viktor Frankl, Eric Fromm, Rollo May, Charlotte Bühler;
mas seu maior representante, do qual lastimamos a recente e prematura perda, foi
Abraham Maslow.
É justamente isto que produz muitas vezes a angustia existencial. Em outros casos,
sem atravessar esta crise de angustia, há um avançar mais gradual, mas insistente,
até os níveis superiores da realidade. Maslow interpretou bem estes fatos com sua
concepção das necessidades humanas. Ele diz que existem necessidades primárias,
que chama de “básicas” (basic needs), uma vez que são baseadas nos instintos
fundamentais. Mas além destas existem as “necessidades superiores” (higher needs)
que, como ele justamente afirma, são tão reais e prementes quanto às necessidades
de base. Por isso as chamou de “instintoides”, isto é que participam da qualidade e da
natureza dos instintos, sendo, no entanto diferentes dos instintos de base. Maslow
estudou e descreveu o que ele chamou as “Peak exsperiences”, experiencias de pico.
Deste modo foi-se constituindo uma psicologia dita transpessoal ou também a “quarta
força na psicologia”.
Outro pioneiro que estudou este campo quase contemporaneamente a James foi
Bucke, que publicou seus resultados no livro já citado Cosmic Consciousness. É
interessante notar que Bucke o fez depois de ter tido ele mesmo uma experiência de
iluminação interna.
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Atualmente este estudo, e principalmente a pesquisa e a experiência de métodos e
técnicas para alcançar níveis de consciência mais amplos e superiores, tornaram-se
muito extensas e intensas.
Também esta foi geralmente ignorada e hostilizada pela ciência oficial; isto aconteceu
por várias razões; acima de tudo pelo fato de que as investigações dos fenômenos
parapsicológicos eram inicialmente ligadas ao assim chamado espiritismo e focavam
quase exclusivamente na busca de criar relações com seres não vivos fisicamente.
Isto era feito, e vem sendo feito ainda, muitas vezes, de modo fanático e sem critérios
científicos.
À parte disto, foi feita uma série de estudos sérios e profundos da fenomenologia.
Neste campo um dos maiores pioneiros foi Myers, com seu livro “Human survival after
bodily death”; porém no seu livro ele misturou o estudo dos fenômenos à tentativa de
provar a vida após a morte. O mesmo fez outros dois cientistas, de grande valor no
seu campo, dois físicos Oliver Lodge e William Crookers. Nas últimas décadas foi-se
desenvolvendo uma parapsicologia estritamente científica, também universitária, a
qual evitando o problema da vida após a morte concentrou-se na constatação e
interpretação dos fenômenos parapsicológicos. Um dos seus melhores cultores foi
Rhine, que o fez por muitos anos em um laboratório na Ducke University nos Estados
Unidos.
Existem agora dois professores que têm uma cátedra universitária, Tenaieff na
Holanda e Bender na Alemanha. Nestes últimos anos também na Rússia houve um
florescer de pesquisas parapsicológicas.
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julgamentos e numerosos mal entendidos, ocorriam, no entanto grandes esforços de
mentes abertas para realizá-la, mas todo estudioso livre de pré-conceitos pode levar
sua contribuição a esta obra”.
Para indicar o conjunto destes métodos, tinha proposto retomar o antigo nome de
“psicagogia” dado por Platão, nome que de um lado indica o caráter prático e ativo da
disciplina, do outro mostra que não se trata da educação de faculdades separadas,
mas da cultura integral de toda psique. Nisto já existia essencialmente a concepção da
psicossíntese, palavra que foi usada publicamente de 1926 em diante.
Entre os métodos usados, indiquei que a primeira prática a ser realizada de modo
sério e metódico é o recolhimento e a reflexão meditativa.
É evidente que não se pode falar de cultura da psique se não se parar de viver, por
assim dizer, na superfície da consciência deixando executar automaticamente o jogo
das ideias-força.
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É preciso, no entanto curvar-se e, por meio de uma acurada, serena e aguda
interpretação, analisar, livres de cada temerosa estagnação e toda hipocrisia, todo o
conteúdo da nossa psique, sem deixar-se espantar pelos monstros inesperados nem
ofuscar pelo brilho de alguma pedra preciosa.
Tais análises e tais discriminações não devem por certo permanecer puros
reconhecimentos intelectuais. Ao contrário, elas devem transmutar-se imediatamente,
direi quase automaticamente, em propósitos práticos, em decisões. Assim coloca-se
em evidencia a função da vontade, uma vez que, repito, a decisão é um dos estágios
essenciais da ação volitiva.
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usar os antídotos que a psicologia coloca à disposição com várias de suas técnicas.
Uma das mais simples, mas que se demonstra eficaz foi exposta e difundida pelo
nosso Instituto e por outros Centros de Psicossíntese no exterior: as “Palavras
Evocativas”. Outro método, indicado em meu texto de 1909, é o de “agir como se”,
baseado na lei que: Cada ato externo tende a despertar e a intensificar o sentimento
correspondente.
“Esta lei presta-se a ser aplicada continuamente de mil modos diferentes. Do esboçar
um sorriso para expulsar uma preocupação, ao mostrar insólita cordialidade a uma
pessoa para superar em nós um ressentimento que reconhecemos injusto e
mesquinho, não há, pode-se dizer, circunstância na qual o sábio uso de tais recursos
não seja de grande valia”.
Digo por fim que com o uso destes métodos psicológicos podem ser desenvolvidas as
funções superiores psicoespirituais: a intuição, a consciência mística, a visão interior e
concluo o artigo assim:
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Mas esta tendência colide com a relutância, aliás, medo, em assumir
responsabilidades, em “empenhar-se”, como pede a mais ampla participação vital.
Assistimos ao fato paradoxal que de um lado se pede, aliás, se pretende a liberdade, e
quando se consegue conquistá-la, muitos não sabem o que fazer, encontram-se
desorientados, mais ou menos conscientemente, procuram novos pontos de apoio e
submetem-se a novas autoridades, muitas vezes ruins. Este fato foi colocado em
evidência por Herman Keyserling e Erich Fromm, que o trata em seu livro intitulado
justamente “Escape from Freedom”, “Fuga da Liberdade”.
Uma segunda causa consiste no fato de que quem procura ou tem as experiências
transcendentais descobre bem cedo que para manter-se naquele nível superior, para
integrá-lo na personalidade comum, para valorizá-lo, é necessária uma ação interna
de disciplina e de autodomínio. Mas disto poucos, principalmente os jovens, querem
ouvir falar, aliás, existe uma reação muitas vezes violenta contra ela. Tal reação é
devida em grande parte à rebelião contra as rígidas e excessivas coerções do
passado, mas é determinante também pela fundamental preguiça interna inata no ser
humano, até mesmo naqueles que se mostram muito ativos, no externo. São agora
colocados muito em evidência os instintos ativos, principalmente os de autoafirmação
e satisfação sexual e afetiva, mas é forte também a tendência, que se pode considerar
como a contraparte psicológica da homeostase fisiológica, isto é a tendência a um
equilíbrio estático, manter o estado atual eliminando tudo que possa perturbá-lo, todo
esforço mental.
O campo que suscita talvez as hostilidades mais intensas por grande parte dos
psicólogos é o da parapsicologia. Isto se explica pelo fato que alguns fenômenos
parapsicológicos levantam fortes dúvidas sobre a validade de doutrinas e concepções
as quais muitos cientistas estão ligados e que fazem parte das suas mentalidades. Os
mais inquietantes e, direi, revolucionários a este respeito são os fenômenos de
bilocação. Certo número de pessoas teve e descreveu a experiência de encontrarem-
se conscientemente fora do corpo, isto é, de vê-lo deitado no leito, enquanto estavam
conscientes de ser e mover-se independentemente no quarto e até mesmo andando
em outro lugar. Tais fenômenos e experiencias não são novos, encontramos muitos
exemplos na literatura religiosa, nas biografias de santos e de místicos. São bem
conhecidos no oriente, onde alguns yogues afirmam poder sair do seu corpo e retornar
à vontade.
Estes fatos fazem desmoronar um dos princípios, que poderia ser chamado um
dogma, ao qual aderiram também alguns psicólogos de vanguarda: o da unidade
psicofísica indivisível.
Neste ponto creio ser útil indicar as relações e diferenças entre a “psicologia do alto” e
transpessoal e a parapsicologia. De fato, existem muitas pessoas que tendo estes
fenômenos parapsicológicos, sensibilidades especiais, por exemplo, fenômenos
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telepáticos e premonições, consideram-nos como faculdades superiores e aproveitam
as oportunidades de vaidade e senso de superioridade diante daqueles que não as
têm. Mas isto é um erro baseado na falta de consciência do conjunto da
fenomenologia parapsicológica. De fato foi constatado que muitas vezes as
sensibilidades paranormais encontram-se em pessoas que não somente não são
desenvolvidas mentalmente e espiritualmente mais que o normal, mas são
psicologicamente subnormais. Há ainda mais: foi observada a existência de
sensibilidades parapsicológicas também nos animais. Por isso aquela empolgação,
aquele senso de superioridade de muitos médiuns e sensitivos, não tem razão de ser.
As faculdades parapsicológicas são independentes do desenvolvimento intelectual,
moral e espiritual.
Isto se explica facilmente: reconhecer que outros são superiores suscita um senso de
inferioridade, fere o orgulho, a vaidade, a presunção. Por isso pode-se notar, até
mesmo fora da psicologia, na cultura, ou assim dita cultura atual, em muitos
intelectuais, uma verdadeira fúria em “rebaixar” os seres superiores, ao colocar em
evidência com comprazimento as suas fraquezas, também seus vícios, acreditando
assim reduzi-los a um nível comum, sem se dar conta que a existência destes lados
inferiores neles não tem nada a ver com a existência dos aspectos superiores, dada a
multiplicidade e complexidade da natureza humana.
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resolvidos de modo satisfatório no nível em que existem, mas somente a partir de um
nível mais elevado, no qual, e do qual, os termos opostos encontram uma conciliação
e regulação construtiva.
Muitas vezes as situações existenciais estão conectadas entre si, aliás, pode-se dizer
que em qualquer medida o são sempre, uma vez que se apresentam na vida do
mesmo ser humano no qual várias experiências e manifestações podem ser diferentes
e contrastantes, mas não de todo separadas, fazem parte dele na sua totalidade.
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