1191-Texto Do Artigo-4892-1-10-20130523
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E SEXUALIDADE
NO MUNDO MODERNO
C o n t e x t o e E d u c a ç ã o - E d i t o r a U N I J U Í - A n o 1 6 - nº 6 4 - O u t . / D e z . 2 0 0 1 - P. 8 1 - 1 0 7
SEXO Y SEXUALIDAD EN EL MUNDO MODERNO
SEXO E SEXUALIDADE
Da sedução pode-se reter que se trata de um jogo cujo objeti-
vo é a conquista. Arma sobretudo feminina de acordo com Kehl
(1998), exige estratégia e véu. Sempre se encobre a intenção que se
mostra apenas no ato da conquista. Cabe lembrar que, de acordo
com Baudrillard (1992), a sedução no campo feminino vem perden-
do terreno na medida em que o sexo torna-se mais e mais evidente e
ANO 16
que a mesma sedução deslocou-se para a mídia que a utiliza sobre-
maneira para transmitir seus conceitos e ideologia.
OUT./DEZ.
Que lugar ocupa, então, a mulher na atualidade? Tamanho
apelo ao sexo, usual no mundo contemporâneo tem dado poder à 2001
mulher, ou, por outro lado, trata-se de mais uma adequação a um
discurso masculino que se mostra novamente superior e dominador,
91 como aconteceu nos séculos XVIII e XIX de forma tão evidente?
Para que possamos ir mais além neste tema, faz-se necessá-
rio que entendamos uma diferenciação bastante tênue, mas que, em
nosso entendimento, pode ser importante instrumento para enten-
dermos de que forma sutil a sexualidade continua sendo um assunto
de difícil acesso, entendimento e transformação, apesar da aparente
facilidade com que temos acesso à ela em nossa sociedade.
É comum vermos cenas de sexo na televisão, referências mais
ou menos explícitas não ao romance, isso já não vende mais produto
algum, mas sim ao ato sexual, ao corpo, aos ícones contemporâneos 64
de beleza: corpo magro, seios fartos, nádegas grandes e firmes, au-
sência de barriga (para as mulheres); corpo forte, músculos bem
delineados, novamente ausência de barriga (para os homens), entre
outras características.
Uma estatística relativa aos Estados Unidos, elaborada em uma
pesquisa realizada no ano de 1988 afirma que:
“Na televisão, a cada ano, as crianças e adolescentes norte-ame-
ricanos vêem quase 14.000 referências, sugestões e comporta-
mentos sexuais, poucos dos quais envolvendo o uso de con-
traceptivos, autocontrole, abstinência ou responsabilidade.”
(Strasburger, 1999, p.53)
ANO 16
De acordo com Kehl (1998) as mulheres tiveram importante
papel na Revolução Francesa, participando de momentos decisivos
OUT./DEZ.
e mesmo encabeçando episódios importantes como o ataque à
Versalhes. A participação ativa das mulheres fundamenta-se, de acor-
2001 do com a autora, nos ideais de emancipação feminina surgidos no
Antigo Regime e fundamentados nas idéias do Iluminismo. Assim,
desde o período monárquico as mulheres buscavam emancipar-se;
aproveitaram, então, os movimentos de Revolução que rondavam o 98
século XVIII, mas causaram espanto ao se mostrarem decididas e
dispostas até mesmo a largar seus afazeres domésticos e maternos
em prol de um movimento social.
Tal sede de liberdade e direitos gera um novo discurso social
que visa a ligar a mulher, sob o disfarce de uma pretensa tendência
“natural”, à virtude, ao matrimônio, à maternagem.
“A cultura européia dos séculos XVIII e XIX produziu uma quan-
tidade inédita de discursos cujo sentido geral era promover uma
64 perfeita adequação entre as mulheres e o conjunto de atributos,
funções, predicados e restrições denominado feminilidade. A
idéia de que as mulheres seriam um conjunto de sujeitos defini-
dos a partir de sua natureza, ou seja, do corpo e suas vicissitudes,
aparece nesses discursos em aparente contradição com outra idéia,
bastante corrente, de que a “natureza feminina” precisaria ser
domada pela sociedade e pela educação para que as mulheres
pudessem cumprir o destino a que estariam naturalmente desig-
nadas. A feminilidade aparece aqui como o conjunto dos atribu-
tos próprios a todas as mulheres, em função da particularidade
dos seus corpos e de sua capacidade procriadora; partindo daí,
atribui-se às mulheres um pendor definido para ocupar um único
lugar social – a família e o espaço doméstico –, a partir do qual se
traça um único destino para todas: a maternidade. A fim de melhor
corresponder ao que se espera delas (que é, ao mesmo tempo, sua
única vocação natural!), pede-se que ostentem as virtudes pró-
prias da feminilidade: o recato, a docilidade, uma receptividade
passiva em relação aos desejos e necessidades dos homens e, a
seguir, dos filhos” (Kehl, Op.cit., p.58/59).
Bem, agora que foi aberto espaço para que as mulheres no-
meiem-se, para que insiram seu significante demarcador; agora que
o discurso social liberou a mulher das restrições sexuais vividas ou-
ANO 16
trora, cabe perguntar: está a mulher menos alienada? Com que fun-
ção a exposição excessiva do sexo entra na dinâmica social contem-
OUT./DEZ. porânea e o que isso significa para a mulher? A mulher exerce real-
mente poder através dessa erotização do seu corpo, ou está mais
2001 uma vez respondendo a anseios e demandas masculinos? Há liberta-
ção da mulher nesse mostrar-se constante, ou o que está ocorrendo
é mais um deslocamento da relação mulher-feminilidade? Quais
anseios da mulher não estão sendo ouvidos na atualidade? 102
PARA NÃO CONCLUIR...
Por ora permanecem as perguntas, as quais buscaremos re-
solver na seqüência de nossa investigação, no tempo apropriado e
no devido lugar. Há que se investigar as vicissitudes a que estão
sujeitos os diferentes papéis sexuais na atualidade. Enquanto no sé-
culo XIX e início do século XX as mulheres responderam à dinâmi-
ca social – a qual, como vimos, restringia o uso da sexualidade pelas
64 mulheres e coibia suas tentativas de ascensão social – com os sinto-
mas histéricos, elucidados, em parte (Kehl, 1998), por Freud; as
mulheres de hoje apresentam demandas diferentes, já que houve trans-
formações em relação ao uso do corpo e à possibilidade de entrar no
mercado de trabalho.
Por isso, entendemos ser de relevância buscar compreender
as novas formas de sofrimento, tanto femininas quanto masculinas,
advindas do uso dos prazeres na atualidade. Sempre há os não-ditos
e as demandas não ouvidas, e o discurso social, ainda que pregando
a transparência, não foge à regra básica de possuir um limite
constitutivo, como qualquer discurso. Isso nos abre o espaço ne-
cessário para que possamos entender o que se esconde por detrás
da transparência, da trans-aparência contemporânea.
Como afirmou um aluno de 2º grau, o que chama a atenção
atualmente é a embalagem, é ela que cativa nosso olhar e nos faz
pensar o sexo e a sexualidade. Ainda se busca ser outro/outra que
não se é, como na época de Emma Bovary, apenas com objetivos e
formas diferentes de se conseguir ou fantasiar o que se almeja. Po-
rém, há o importante acréscimo da virtualidade das imagens, a dar
impulso contínuo à miragem da perfeição física, da urgência, do
predomínio do corpo, entre outros ícones contemporâneos.
E não se pode entender a dinâmica social da atualidade sem
procurarmos compreender também o sofrimento masculino, as trans-
formações que o discurso masculino sofreu a partir da emancipação ANO 16
das mulheres. A inserção gradativa do discurso feminino no meio
social lança o homem numa posição diferente das que estava acostu- OUT./DEZ.
mado a ocupar: senhor e provedor da alegria, prazer, desejo e neces-
sidades práticas das mulheres.
2001
Isso modifica também o uso que o homem faz do seu corpo,
do seu sexo e de sua sexualidade. A imbricação destes campos,
103 masculino e feminino, formam a dinâmica atual da sociedade, no
que tange à sexualidade. Bem, poder-se-ia dizer que desde sempre
houve esta imbricação, porém, é necessário notar que o uso do cor-
po ganhou uma dimensão diferente das de outras épocas e socieda-
des, como lembra Baudrillard (1992). Tal mudança tem suas impli-
cações no terreno do sexo e da sexualidade.
À guisa de não concluir, cabe a indagação do poeta: “Amarei
mesmo Fulana? ou é só ilusão de sexo?” Não traremos conclusões,
abrimos, outrossim, espaço para que possamos investigar mais a 64
sexualidade contemporânea. Contribuímos com um grande ponto
de interrogação, o qual buscaremos transformar cada vez mais em
exclamações, reticências, e novas interrogações.
NOTAS
1
Há que se notar que o deslocamento operado pelo eufemismo não
transfere um determinado assunto para outro campo, não desvia a
discussão; faz-se apenas uma “correção de curso” para que o impacto
de tal assunto diminua. Obviamente, isso gera conseqüências na pró-
pria discussão do assunto, pois o impacto é parte essencial de nossas
impressões sobre determinado caso.
2
Relatório de pesquisa: “Do grupo ao indivíduo: a tirania da mídia
televisiva no mundo adolescente”. Trabalho realizado entre agosto de
1999 e julho de 2000, financiado pelo PIBIC/CNPq.
3
As citações da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que
aparecem neste trabalho foram retiradas do site: <http://
w w w. d i r e i t o s h u m a n o s . u s p . b r / d o c u m e n t o s / h i s t o r i c o s /
declaracao_de_direitos_do_homem_cidadao.html> e correspondem a
uma tradução direta do texto original em Francês.
4
A autora, no capítulo II do livro “Deslocamentos do Feminino”, traz um
ANO 16 estudo aprofundado da obra “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert,
no qual fala da personagem central, Emma Bovary, como um paradigma
OUT./DEZ. da mulher oitocentista, dividida entre seus desejos e a impossibilidade
de realizá-los pela via do social, ou seja, de forma autorizada. Mais
2001 abaixo veremos maiores detalhes a crise de Emma.
104
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