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HumanizaSUS.-CLÍNICA AMPLIADA

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Ms.

Taina Rocha
1
O Ministério da Saúde tem reafirmado o HumanizaSUS como
política que atravessa as diferentes ações e instâncias do
Sistema Único de Saúde, englobando os diferentes níveis e
dimensões da atenção e da gestão.

A Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do


SUS aposta na indissociabilidade entre os modos de produzir
saúde e os modos de gerir os processos de trabalho, entre
atenção e gestão, entre clínica e política, entre produção de
saúde e produção de subjetividade.

Tem por objetivo provocar inovações nas práticas gerenciais


e nas práticas de produção de saúde, propondo para os
diferentes coletivos/equipes implicados nestas práticas o desafio
de superar limites e experimentar novas formas de organização
dos serviços e novos modos de produção e circulação de poder.

2
Operando com o princípio da transversalidade, o
HumanizaSUS lança mão de ferramentas e dispositivos para
consolidar redes, vínculos e a corresponsabilização entre
usuários, trabalhadores e gestores. Ao direcionar estratégias e
métodos de articulação de ações, saberes e sujeitos pode-se
efetivamente potencializar a garantia de atenção integral,
resolutiva e humanizada.

Por humanização compreendemos a valorização dos


diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde.
Os valores que norteiam essa política são a autonomia e o
protagonismo dos sujeitos, a corresponsabilidade entre eles, os
vínculos solidários e a participação coletiva nas práticas de
saúde.

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Por que precisamos de Clínica Ampliada?

Existem dois aspectos importantes para responder a esta


pergunta. O primeiro é que, dentre as muitas correntes teóricas
que contribuem para o trabalho em saúde, podemos distinguir
três grandes enfoques: o biomédico, o social e o psicológico.
Cada uma destas três abordagens é composta de várias facetas.

Neste contexto, a proposta da Clínica Ampliada busca se


constituir numa ferramenta de articulação e inclusão dos
diferentes enfoques e disciplinas. A Clínica Ampliada reconhece
que, em um dado momento e situação singular, pode existir uma
predominância, uma escolha, ou a emergência de um enfoque ou
de um tema, sem que isso signifique a negação de outros
enfoques e possibilidades de ação.

4
Outro aspecto diz respeito à urgente necessidade de
compartilhamento com os usuários dos diagnósticos e condutas
em saúde, tanto individual quanto coletivamente.

Trabalhar com diferentes enfoques, trabalhar em equipe,


compartilhar saberes e poderes é trabalhar também com
conflitos.

Os instrumentos aqui propostos – Clínica Ampliada, Equipes


de Referência, Projetos Terapêuticos Singulares – têm-se
mostrado como dispositivos resolutivos, quer seja no âmbito da
atenção como no âmbito da gestão de serviços e redes de saúde.

5
O que é clínica ampliada?

É certo que o diagnóstico de uma doença sempre parte de um


princípio universalizante, generalizável para todos, ou seja, ele
supõe alguma regularidade e produz uma igualdade. Mas esta
universalidade é verdadeira apenas em parte. Isso pode levar à
suposição de que sempre bastaria o diagnóstico para definir todo
o tratamento para aquela pessoa. Entretanto, como já dizia um
velho ditado, “Cada caso é um caso”, e esta consideração pode
mudar, ao menos em parte, a conduta dos profissionais de saúde.

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Muitos profissionais tendem a considerar tudo o que não diz
respeito às doenças como uma demanda “excessiva”, algo que
violentaria o seu “verdadeiro” papel profissional. A Clínica
Ampliada, no entanto, não desvaloriza nenhuma abordagem
disciplinar. Ao contrário, busca integrar várias abordagens para
possibilitar um manejo eficaz da complexidade do trabalho em
saúde, que é necessariamente transdisciplinar e, portanto,
multiprofissional.

Trata-se de colocar em discussão justamente a fragmentação


do processo de trabalho e, por isso, é necessário criar um
contexto favorável para que se possa falar destes sentimentos
em relação aos temas e às atividades não restritas à doença ou
ao núcleo profissional.

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A proposta da Clínica Ampliada engloba os seguintes eixos
fundamentais:

1. Compreensão ampliada do processo saúde-doença;

2. Construção compartilhada dos diagnósticos e


terapêuticas;

3. Ampliação do “objeto de trabalho”;

4. A transformação dos “meios” ou instrumentos de


trabalho;

5. Suporte para os profissionais de saúde.

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Caso 3:

Ao olhar o nome no prontuário da próxima paciente que chamaria,


veio-lhe à mente o rosto e a história de Andréia, jovem gestante que pedira
“um encaixe” para uma consulta de “urgência”. Com 23 anos, ela estava na
segunda gestação, porém não no segundo filho.
Na primeira vez que engravidara, ela perdera a criança no sexto mês.
Estela, obstetriz experiente, também fizera o pré-natal na primeira
gestação e pôde acompanhar toda a frustração e tristeza da jovem após a
perda. Com o prontuário na mão, abriu a porta do consultório e procurou o
rosto conhecido. Fez um gesto sutil com a cabeça acompanhado de um
sorriso, pensando ou dizendo de forma inaudível: “Vamos?”.
Mal fechou a porta e já ouviu Andréia dizer, contendo um choro: “Ele
não está se mexendo”. Quase escapou de sua boca uma ordem para que
ela se deitasse imediatamente para auscultar o coração do bebê com o
sonar. Olhou nos olhos de Andréia e, tendo uma súbita certeza do que
estava acontecendo, disse: “Vamos deitar um pouco na maca?”. Enquanto
a ajudava a deitar-se, ainda olhou para o sonar, confirmando a convicção
de que não o usaria... pelo menos não ainda.

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Andréia se surpreendeu quando ela disse: “Feche os olhos e
respire fundo”. Pegou a mão fria de Andréia, apertou entre as suas
e colocou-a sob a sua mão, ambas sobre a barriga. Respirou
fundo e procurou se colocar numa postura totalmente atenta,
concentrando-se no instante. Agora eram ali duas mulheres,
reinventando o antigo compromisso de solidariedade e sabedoria
feminina para partejar a vida.
Quanto tempo se passou? Não saberia dizer. O suficiente
para que ele começasse a se mexer com movimentos fortes e
vigorosos dentro da barriga, sacudindo as mãos das mulheres e
derrubando lágrimas da mãe. O que aconteceu foi que Estela
pôde mediar uma “conexão”, possibilitar uma vivência que
estabeleceu uma conversa silenciosa entre mãe e filho e permitiu
a Andréia aprender a conhecer e utilizar a sua própria força e lidar
com o medo ao atravessar o “aniversário” de uma perda.

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Algumas sugestões práticas:

A escuta;

Vínculo e afetos;

Muito ajuda quem não atrapalha;

Culpa e medo não são bons aliados da Clínica Ampliada;

Diálogo e informação são boas ferramentas;

Doença não pode ser a única preocupação da vida;

A clínica compartilhada na saúde coletiva;

Equipe de Referência e Apoio Matricial.

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As Equipes de Referência e Apoio Matricial surgiram como
arranjo de organização e de gestão dos serviços de saúde como
forma de superar a racionalidade gerencial tradicionalmente
verticalizada, compartimentalizada e produtora de processo de
trabalho fragmentado e alienante para o trabalhador.

Nesse sentido, a proposta de Equipes de Referência vai além


da responsabilização e chega até a divisão do poder gerencial.
As equipes transdisciplinares devem ter algum poder de decisão
na organização, principalmente no que diz respeito ao processo
de trabalho da equipe.

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Há muitas possibilidades de operacionalização de Apoio
Matricial. Vamos destacar duas modalidades que tendem a
carregar consigo toda a potência desse arranjo: o atendimento
conjunto e a discussão de casos/formulação de Projetos
Terapêuticos Singulares.

Em relação à rede de especialidades, como funciona o


princípio da Equipe de Referência? Da mesma forma. Os centros
de especialidade passam a ter “dois usuários”: os seus usuários
propriamente ditos e as Equipes de Referência da atenção
básica, com a qual estes usuários serão compartilhados.

A proposta dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família


(NASF) pode ser entendida como uma proposta de Apoio
Matricial.

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Projeto Terapêutico Singular

O Projeto Terapêutico Singular é um conjunto de propostas de


condutas terapêuticas articuladas, para um sujeito individual ou
coletivo, resultado da discussão coletiva de uma equipe
interdisciplinar, com Apoio Matricial se necessário. Geralmente é
dedicado a situações mais complexas.
No fundo, é uma variação da discussão de “caso clínico”.
Portanto, é uma reunião de toda a equipe em que todas as
opiniões são importantes para ajudar a entender o sujeito com
alguma demanda de cuidado em saúde e, consequentemente,
para definição de propostas de ações.
O nome Projeto Terapêutico Singular, em lugar de Projeto
Terapêutico Individual, nos parece melhor porque destaca que o
projeto pode ser feito para grupos ou famílias e não só para
indivíduos, além de frisar que o projeto busca a singularidade (a
diferença) como elemento central de articulação.

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O Projeto Terapêutico Singular contém quatro movimentos:

1) Definir hipóteses diagnósticas: este momento deverá conter


uma avaliação orgânica, psicológica e social que possibilite uma
conclusão a respeito dos riscos e da vulnerabilidade do usuário.
O conceito de vulnerabilidade (psicológica, orgânica e social) é
muito útil e deve ser valorizado na discussão.
2) Definição de metas: uma vez que a equipe fez os
diagnósticos, ela faz propostas de curto, médio e longo prazo,
que serão negociadas com o sujeito doente pelo membro da
equipe que tiver um vínculo melhor.
3) Divisão de responsabilidades: é importante definir as tarefas
de cada um com clareza. Uma estratégia que procura favorecer
a continuidade e articulação entre formulação, ações e
reavaliações e promover uma dinâmica de continuidade do
Projeto Terapêutico Singular é a escolha de um profissional de
referência. Não é o mesmo que responsável pelo caso, mas
aquele que articula o processo.
4) Reavaliação: momento em que se discutirá a evolução e se
farão as devidas correções de rumo.
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Uma anamnese para a Clínica Ampliada e o Projeto
Terapêutico Singular

A concepção de Clínica Ampliada e a proposta do Projeto


Terapêutico Singular convidam-nos a entender que as situações
percebidas pela equipe como de difícil resolução são situações
que esbarram nos limites da clínica tradicional.
É necessário, portanto, que se forneçam instrumentos para
que os profissionais possam lidar consigo mesmos e com cada
sujeito acometido por uma doença de forma diferente da
tradicional.
Se todos os membros da equipe fazem as mesmas perguntas
e conversam da mesma forma com o usuário, a reunião de Projeto
Terapêutico Singular pode não acrescentar grande coisa; ou seja,
é preciso fazer as perguntas da anamnese tradicional, mas dando
espaço para as ideias e as palavras do usuário.

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Uma história clínica mais completa, sem filtros, tem uma
função terapêutica em si mesma, na medida em que situa os
sintomas na vida do sujeito e dá a ele a possibilidade de falar, o
que implica algum grau de análise sobre a própria situação. Além
disso, esta anamnese permite que os profissionais reconheçam as
singularidades do sujeito e os limites das classificações
diagnósticas.
Outra função terapêutica da história clínica acontece quando o
usuário é estimulado a qualificar e situar cada sintoma em relação
aos seus sentimentos e outros eventos da vida (modalização).
Exemplo: no caso de um usuário que apresenta falta de ar, é
interessante saber como ele se sente naquele momento: com
medo? Conformado?

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Agitado? O que melhora e o que piora os sintomas? Que fatos
aconteceram próximo à crise?
O que chamamos de história “psi” em parte está misturado
com o que chamamos de história clínica, mas aproveitamos
recursos do campo da saúde mental para destacar aspectos que
nos parecem essenciais:
• Procurar descobrir o sentido da doença para o usuário;
respeitar e ajudar na construção de relações causais próprias,
mesmo que não sejam coincidentes com a ciência oficial. Exemplo:
por que você acha que adoeceu?
• Procurar conhecer as singularidades do sujeito, perguntando
sobre os medos, as raivas, as manias, o temperamento, seu sono
e sonhos. São perguntas que ajudam a entender a dinâmica do
sujeito e suas características.
• Procurar avaliar se há negação da doença, qual a
capacidade de autonomia e quais os possíveis ganhos
secundários com a doença.
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• Procurar perceber a chamada contratransferência, ou seja, os
sentimentos que o profissional desenvolve pelo usuário durante os
encontros; procurar descobrir os limites e as possibilidades que
esses sentimentos produzem na relação clínica.

• Procurar conhecer quais os projetos e desejos do usuário.

• Conhecer as atividades de lazer é muito importante. A simples


presença ou ausência de atividades prazerosas é bastante
indicativa da situação do usuário.

• Fazer a “história de vida”, permitindo que se faça uma narrativa,


é um recurso que pode incluir grande parte das questões
propostas acima. Como esta técnica demanda mais tempo, deve
ser usada com mais critério. Muitas vezes, requer também um
vínculo e um preparo anterior à conversa, para que seja frutífera.

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A reunião de equipe

Para que a equipe consiga inventar um projeto terapêutico e


negociá-lo com o usuário, é importante lembrar que reunião de
equipe não é um espaço apenas para que uma pessoa da
equipe distribua tarefas às outras. Reunião é um espaço de
diálogo e é preciso que haja um clima em que todos tenham
direito à voz e à opinião.

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Projeto Terapêutico Singular e gestão

As discussões para construção e acompanhamento do Projeto


Terapêutico Singular são excelentes oportunidades para a
valorização dos trabalhadores da equipe de saúde. Haverá uma
alternância de relevâncias entre os diferentes trabalhos, de forma
que, em cada momento, alguns membros da equipe estarão mais
protagonistas e criativos do que outros.
No decorrer do tempo, vai ficando evidente a interdependência
entre todos na equipe. A percepção e o reconhecimento na equipe
desta variação de importância é uma forma importante de
reconhecer e valorizar a “obra” criativa e singular de cada um.
Outra importante utilidade gerencial dos encontros de Projeto
Terapêutico Singular é o matriciamento com (outros) especialistas.
À medida que a equipe consegue perceber seus limites e suas
dificuldades - e esta é uma paradoxal condição de aprendizado e
superação - ela pode pedir ajuda.

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Quando existe um interesse sobre determinado tema, a
capacidade de aprendizado é maior. Portanto, este é,
potencialmente, um excelente espaço de formação permanente.
Por outro lado, é um espaço de troca e de aprendizado para os
apoiadores matriciais, que também experimentarão aplicar seus
saberes em uma condição complexa, recheada de variáveis com
as quais nem sempre o recorte de uma especialidade está
acostumado a lidar.

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BONS ESTUDOS!

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