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NIEBUHR - Execução Contratual

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CAPÍTULO 19

EXECUÇÃO CONTRATUAL

1 Importância da fase de execução do contrato


É bastante frequente que a Administração Pública se dedique com esmero à licitação
pública, até para evitar impugnações, recursos e medidas judiciais por parte dos licitantes.
Também é frequente que a Administração Pública firme os contratos administrativos em
obediência às normas legais, sem maiores percalços, até porque, como visto, o teor deles
deve corresponder, em regra, ao teor do que fora licitado e da proposta apresentada pelo
vencedor do certame. Malgrado, também é muito frequente que a Administração Pública
não tome precauções nem realize atividades mínimas para acompanhar a execução dos
contratos administrativos. Disso resultam, entre outros, obras fora das especificações, por
vezes com problemas estruturais gravíssimos, serviços mal prestados, responsabilização
subsidiária da Administração Pública em razão de encargos trabalhistas e previdenciários,
e recebimentos de bens falsificados ou de “segunda mão”.
A impressão é que para muitos agentes administrativos parece que a assinatura do
contrato exaure suas atividades, como se não fosse necessário mais nada, como se o interesse
público fosse cumprido com a assinatura dele. Essa percepção é equivocada, sobretudo
porque apreende o processo de licitação pública e de contrato administrativo isoladamente,
sem atentar que um e outro não passam de meios para a consecução do interesse público,
finalidade maior que norteia todas as atividades administrativas.
É fundamental que se perceba a licitação pública como meio para escolher a melhor
proposta, o que é pressuposto para a celebração de contrato administrativo. Outrossim,
o contrato administrativo também não passa de um meio para o fim consubstanciado no
excelente e efetivo cumprimento do interesse público, o que ocorre com a construção de
uma obra, a prestação de um serviço, a aquisição ou alienação de bens ou outra utilidade
de interesse reclamado pela coletividade.
Destarte, tanto a licitação pública quanto o contrato administrativo não são pro­
cedimentos vazios e abstratos. Tudo que a eles se refere está estritamente relacionado
à concreta satisfação do interesse público. Eles são meios que visam ao atendimento
concreto e efetivo do interesse público, que é a verdadeira e última finalidade do aparato
administrativo estatal.
A proposta mais vantajosa e o melhor contrato são aqueles efetivamente cumpridos
com excelência. Portanto, a eficiência do processo de licitação e do contrato depende do
atendimento concreto e efetivo ao interesse público. De nada adianta receber proposta
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
936 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

aparentemente excelente, firmar belíssimo contrato, se o interesse público, a demanda da


Administração Pública, não for atendida e satisfeita. A eficiência, pois, depende da execução
do contrato, momento em que é possível mensurar se o interesse público realmente é ou
não é atendido e satisfeito.
Por tudo e em tudo, de nada adianta a licitação pública e o contrato administrativo
se a Administração Pública for omissa em relação à execução deste, porque é nessa fase que
o interesse público efetiva e concretamente é ou não é atendido e satisfeito. Daí a extrema
relevância da fase de execução dos contratos administrativos – infelizmente desamparada
e descuidada por grande parte da Administração Pública brasileira.

2 O dever da Administração de acompanhar e fiscalizar a execução dos seus


contratos
O caput do artigo 115 da Lei nº 14.133/2021, em expressão do princípio do pacta
sunt servanda, prescreve que “o contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de
acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, e cada parte responderá pelas
consequências de sua inexecução total ou parcial”.
Portanto, a Administração Pública e o contratado devem cumprir à risca as suas
obrigações, o que é fundamental para a eficiência do contrato. Nesse sentido, o inciso III
do artigo 104 da Lei nº 14.133/2021 outorga à Administração a prerrogativa de fiscalizar a
execução dos contratos. A rigor jurídico, não se trata de mera prerrogativa, como se fosse
uma espécie de faculdade. A Administração tem o poder-dever ou mesmo o dever-poder
de fiscalizar a execução dos contratos. Quer-se dizer que, antes de ser uma prerrogativa,
a fiscalização dos contratos administrativos é um dever, uma obrigação inescusável da
Administração.
Nesse sentido, o caput do artigo 117 da Lei nº 14.133/2021 é bem mais preciso ao
enunciar:

[...] a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por 1 (um) ou mais fiscais
do contrato, representantes da Administração especialmente designados conforme requisitos
estabelecidos no art. 7º desta Lei, ou pelos respectivos substitutos, permitida a contratação
de terceiros para assisti-los e subsidiá-los com informações pertinentes a essa atribuição.

Isto é, a fiscalização dos contratos administrativos não é um poder, uma prerrogativa


ou uma faculdade; é, acima de tudo, insista-se, um dever, uma obrigação inescusável. Para
além de outras razões legais, a Administração tem o dever de acompanhar e fiscalizar a
execução do contrato, porque ela não pode aceitar nem receber objeto se ele estiver em
desacordo com as obrigações avençadas.
Sobretudo, o trabalho de acompanhamento e de fiscalização produz efeitos pre­
ventivos, evitando que a desídia do contratado provoque prejuízos irreversíveis ou de
difícil ou onerosa reparação para ele próprio, para a Administração ou para terceiros.
A fiscalização eficiente antevê defeitos e, por consequência, eventuais prejuízos, mino­rando
transtornos e inconvenientes como rescisões contratuais, aplicação de penali­dades mais
severas e ações judiciais. Trata-se de medida essencial para a consecução dos inte­resses
públicos no que tange ao gerenciamento de contratos administrativos.
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
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3 O gestor e o fiscal do contrato administrativo


O caput do artigo 117 da Lei nº 14.133/2021 estatui:

[...] a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por 1 (um) ou mais fiscais
do contrato, representantes da Administração especialmente designados conforme requisitos
estabelecidos no art. 7º desta Lei, ou pelos respectivos substitutos, permitida a contratação
de terceiros para assisti-los e subsidiá-los com informações pertinentes a essa atribuição.

O representante da Administração é o fiscal do contrato, quem está na linha de frente,


acompanhando a execução do contrato e interagindo com o representante do contratado.
O fiscal, em conformidade com o §1º do artigo 117 da Lei nº 14.133/2021, é encarregado de
anotar em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato,
determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados.
Ou seja, o fiscal do contrato deve verificar se o contratado executa o contrato a contento, de
acordo com as obrigações contraídas por ele.
Atente-se que o caput do artigo 117 da Lei nº 14.133/2021 admite que a execução do
contrato seja atribuída a um ou mais fiscais. A ideia de repartir a fiscalização, atribuí-la a
mais de um agente administrativo, cada qual encarregado de algum aspecto do contrato,
é bastante positiva e já vem sendo usada por muitos órgãos e entidades administrativas.
Não há restrição para que a fiscalização do contrato seja desempenhada por uma equipe
ou acometida a mais de um agente administrativo.
O fiscal do contrato não deve ser confundido com o gestor do contrato, expressão
usada no âmbito da Administração e na Lei nº 14.133/2021. Pode-se dizer que o gestor do
contrato ocupa posição hierárquica superior à do fiscal do contrato e que, nessa medida,
tem o dever de organizar, supervisionar e controlar a atuação do fiscal do contrato, bem
como dar vazão às providências que sejam necessárias durante a execução do contrato
que desbordem das competências do fiscal do contrato. O gestor, sob essa perspectiva,
recebe as informações sobre o contrato do fiscal e instaura os procedimentos para que
tais providências sejam realizadas, passando pelas instâncias competentes. O gestor não é
necessariamente o agente que dá a palavra final sobre tais providências, o que depende da
concertação de competências de cada órgão e entidade administrativa. Quem costuma dar a
palavra final é a autoridade competente, que pode ou não ser o gestor do fiscal, a depender
da aludida concertação de competências de cada órgão e entidade administrativa.
A Lei nº 14.133/2021, no capítulo dedicado à execução dos contratos, não se refere
ao gestor do contrato. O §2º do artigo 117 prescreve que “o fiscal do contrato informará a
seus superiores, em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes, a situação que
demandar decisão ou providência que ultrapasse sua competência”. O gestor ou gestores
são os superiores, aludidos no §2º do artigo 117.
O §3º do artigo 8º da Lei nº 14.133/2021 emprega a expressão “gestores de contratos”
de modo solto, sem a contextualizar, para prescrever que se deve editar regulamento para
tratar da “[...] atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da
comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos [...]”.
O Decreto Federal nº 11.246/2022 regulamenta o sobredito §3º do artigo 8º da Lei
nº 14.133/2021 para a Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional e
distingue a gestão do contrato, a fiscalização técnica, administrativa e setorial:
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
938 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

Art. 19. Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:


I - gestão de contrato - a coordenação das atividades relacionadas à fiscalização técnica,
administrativa e setorial e dos atos preparatórios à instrução processual e ao encaminhamento
da documentação pertinente ao setor de contratos para a formalização dos procedimentos
relativos à prorrogação, à alteração, ao reequilíbrio, ao pagamento, à eventual aplicação de
sanções e à extinção dos contratos, entre outros;
II - fiscalização técnica - o acompanhamento do contrato com o objetivo de avaliar a execução
do objeto nos moldes contratados e, se for o caso, aferir se a quantidade, a qualidade, o
tempo e o modo da prestação ou da execução do objeto estão compatíveis com os indicadores
estabe­lecidos no edital, para fins de pagamento, conforme o resultado pretendido pela
admi­nistração, com o eventual auxílio da fiscalização administrativa;
III - fiscalização administrativa - o acompanhamento dos aspectos administrativos contratuais
quanto às obrigações previdenciárias, fiscais e trabalhistas e quanto ao controle do contrato
administrativo no que se refere a revisões, a reajustes, a repactuações e a providências
tempestivas nas hipóteses de inadimplemento; e
IV - fiscalização setorial - o acompanhamento da execução do contrato nos aspectos técnicos
ou administrativos quando a prestação do objeto ocorrer concomitantemente em setores
distintos ou em unidades desconcentradas de um órgão ou uma entidade.

Em complemento e de forma minudente, os artigos 21, 22, 23 e 24 do Decreto Federal


nº 11.246/2022 especificam as competências do gestor do contrato e do fiscal técnico,
administrativo e setorial, respectivamente. Em síntese, o fiscal do contrato não exerce
poder de gestão sobre os contratos. Ele acompanha e fiscaliza o contrato, apresentando-se
como interlocutor entre o contratado e a Administração, devendo, se for o caso, comunicar
ocorrências pertinentes à gestão – tais como necessidade de aditivos, revisões, prorrogações,
aplicações de sanções – à autoridade que lhe seja superior, chamada de gestor de contrato,
para que ela tome ou dê encaminhamento para que sejam tomadas as providências cabíveis.
Nesse contexto, a fiscalização técnica recai diretamente sobre o objeto do contrato, pode-
se falar em atividade-fim do contrato. A fiscalização administrativa sobre as obrigações
burocráticas do contrato, pode-se falar em atividade-meio do contrato, o que só faz sentido
nas situações em que elas forem relevantes e puderem causar algum impacto para o órgão
ou a entidade administrativa, como é usual com a terceirização de serviços. A fiscalização
setorial tem lugar nas situações em que a execução do contrato ocorre em órgãos e entidades
diversos, de modo que seja necessária alguma estrutura de acompanhamento em cada um
desses órgãos e entidades. Os fiscais oferecem subsídios para a instrução das providências
necessárias à gestão do contrato, como a elaboração de relatórios e documentos técnicos.
Portanto, o fiscal do contrato, a que faz referência o caput do artigo 117 da Lei
nº 14.133/2021, apenas acompanha e fiscaliza a execução dos contratos administrativos.
Por isso, é equivocado chamá-lo de gestor de contratos, já que não recebeu, em princípio,
poderes de gestão. Também é equivocado atribuir ao mesmo agente administrativo a função
de fiscal e gestor do contrato. Ora, o caput do artigo 117 da Lei nº 14.133/2021 refere-se ao
fiscal e à autoridade que lhe é superior, esta o gestor do contrato. Portanto, no plano legal,
exigem-se dois agentes administrativos diferentes, um que cuida da fiscalização e outro da
gestão do contrato, que lhe é hierarquicamente superior.
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
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4 Atuação e responsabilidade do fiscal


A atribuição do fiscal do contrato é, como o próprio nome revela, fiscalizar a sua
execução, verificando se o contratado cumpre as suas obrigações à risca. Essa atividade,
de fiscalização, é extremamente complexa, requerendo da pessoa designada experiência e
amplos conhecimentos, em várias áreas de atuação.
Se o fiscal, na forma do prescrito no §1º do artigo 117 da Lei nº 14.133/2021, percebe
que o contratado está descumprindo suas obrigações, ele deve anotar as irregularidades,
todos os acontecimentos e determinar que execute a avença adequadamente. Em paralelo
a isso, o fiscal deve manter informada a autoridade competente ou a que lhe seja superior,
segundo a organização interna de cada órgão ou entidade, de todos os acontecimentos,
diligenciando para que sejam tomadas e aplicadas as medidas cabíveis.
Dentro desse contexto, o fiscal deve averiguar se o objeto é executado de acordo com as
especificações do contrato e com os termos da proposta apresentada pelo contratado durante
o processo de licitação pública. Aliado a isso, o fiscal deve acompanhar o cronograma de
execução do contrato, especialmente em relação aos denominados contratos de escopo, a fim
de evitar que o cronograma de execução não seja respeitado. Se o fiscal constata atraso
considerável, deve comunicar à autoridade competente ou superior, sugerindo, se for o
caso, que referido cronograma seja prorrogado.746
No que tange ao objeto, o fiscal é o responsável, em regra, por seu recebimento
provisório, nos termos da alínea “a” do inciso I e da alínea “a” do inciso II, ambos do artigo
140 da Lei nº 14.133/2021. Na prática dos órgãos e entidades administrativas, o fiscal do
contrato é responsável pelas medições, inclusive pelo recebimento definitivo, o que contraria
a alínea “b” do inciso I e da alínea “b” do inciso II, ambos do artigo 140 da Lei nº 14.133/2021.
É muito importante que o fiscal esteja atento a algumas peculiaridades da Lei
nº 14.133/2021, como o inciso XVI do caput do artigo 92 da Lei nº 14.133/2021, cujo teor exige
que os contratados mantenham as suas condições de habilitação durante toda a execução
do contrato. Por isso, o fiscal deve requerer e averiguar os documentos de habilitação do
contratado periodicamente. É necessário, nesse passo, verificar se o contratado mantém
situação de regularidade fiscal, mantém a sua capacidade técnica, especialmente se os
profissionais indicados por ele na licitação participam efetivamente da execução do contrato,
e se mantém as condições econômicas e financeiras para a execução do contrato, mormente
no que tange à liquidez nos contratos de médio e longo prazo.
Isso é mais e mais fundamental em relação aos contratos de terceirização de serviços
em que o contratado disponibiliza à Administração empregados seus em regime de
dedicação exclusiva. Ocorre que, se o contratado não cumpre as suas obrigações trabalhistas
e previdenciárias, nos termos do §3º do artigo 121 da Lei nº 14.133/2021 e do Enunciado
nº 331 do TST, a Administração corre o risco de ser responsabilizada solidariamente pelos
encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas, arcando com
prejuízo vultoso.
Também, nesse contexto, é relevante que o fiscal atente a respeito do cumprimento
de normas trabalhistas por parte do contratado, como, por exemplo, jornada de trabalho,
limitações de horas extras e descanso semanal. Ocorre que a desobediência a tais

746
“O fiscal de contrato, especialmente designado para o acompanhamento da obra, pode ser responsabilizado quando
se omite na adoção de medidas necessárias à manutenção do ritmo de execução normal do empreendimento” (TCU,
Plenário. Acórdão nº 2.296/2019. Rel. Min. André de Carvalho, j. 25.9.2019).
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
940 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

normas trabalhistas também pode onerar a Administração no futuro, diante da aludida


responsabilidade subsidiária.
Ainda, o fiscal também deve verificar se o contratado obedece às normas relativas à
segurança do trabalho, a fim de evitar acidentes, quer com agentes administrativos, quer
com empregados do contratado, quer com terceiros, e a consequente responsabilização da
Administração.
O fiscal, afora essa questão trabalhista e previdenciária, deve averiguar se é o
contratado, e não terceiro, quem executa o contrato. É preciso apurar se há cessão ou
subcontratação fora das hipóteses legais.
Por outro lado, ao fiscal não é permitido formular exigências incompatíveis com o
edital e com o contrato. Insista-se que a função dele é de fiscalizar a execução do contrato,
isto é, verificar se o contratado cumpre as obrigações por ele contraídas. Com o mesmo
teor, o fiscal não deve autorizar prorrogações de contrato, nem aditivos, ou qualquer
outra medida que implique alterações das condições contratadas. Se for o caso, se o fiscal
reputar que medidas desse naipe sejam convenientes e oportunas, ele deve encaminhar à
autoridade competente ou superior missiva sugerindo ou requisitando as providências por
ele reputadas adequadas.747
A propósito, do Tribunal de Contas da União:

Na mesma linha do parecer técnico, considero que remanesce a irregularidade apurada nos
autos. O responsável, na condição de fiscal do Contrato UT-06-0025/02-00, atestou boletins
de medição contendo serviços em desconformidade com o projeto executivo vigente, ou
seja, atestou serviços não previstos no contrato, caracterizando infração ao disposto no
artigo 60, caput e parágrafo único c/c artigo 61, parágrafo único, da Lei 8666/1993, bem como
nos arts. 62 e 63, §2º, inciso III, da Lei 4320/64. Conforme bem demonstrado na instrução,
as justificativas trazidas aos autos pelo fiscal do contrato não merecem acolhida, cabendo,
assim, a apenação do responsável com a multa prevista no artigo 58, II, da Lei 8.4443/92.748

A atuação do fiscal é de suma importância para a Administração Pública. É ele


quem verifica se o contratado cumpre as suas obrigações e, portanto, se o contrato
administrativo satisfaz as demandas de interesse público. Infelizmente, na prática, em
muitas oportunidades, os fiscais são omissos e acabam sendo responsabilizados pelos
órgãos de controle. Colhem-se na jurisprudência inúmeras decisões que responsabilizam
fiscais por omissões na fiscalização, sobremodo quando permitem que contratados recebam
pagamentos indevidos. A título ilustrativo:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR


PÚBLICO. FISCAL DE CONTRATO. OBRA PÚBLICA. CERTIFICAÇÃO DE MEDIÇÃO
INEXISTENTE. PENA DE DEMISSÃO. AUSÊNCIA DA FUMAÇA DO BOM DIREITO.
INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. PRESUNÇÃO
DE LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. INDEFERIMENTO DA LIMINAR.

747
“O fiscal do contrato tem o dever de conhecer os limites e as regras para alterações contratuais definidos na Lei
de Licitações, e, por conseguinte, a obrigação de notificar seus superiores sobre a necessidade de realizar o devido
aditivo contratual, evitando a atestação da execução de itens não previstos no ajuste, sob pena de ser-lhe aplicada
a multa do art. 58, inciso II, da Lei 8.443/1992” (TCU, Plenário. Acórdão nº 43/2015. Rel. Min. Raimundo Carreiro,
j. 21.1.2015).
748
TCU, Plenário. Acórdão nº 2.511/2014. Rel. Min. Raimundo Carreiro, j. 24.9.2014.
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
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AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. [...] 2. A ação mandamental impugna


a pena de demissão aplicada pelo Ministro de Estado do Ministério da Transparência,
Fiscalização e Controle a servidor do DNIT, que, na qualidade de fiscal de contrato de
obra pública, atestou de maneira equivocada a execução de serviços em rodovia federal,
autorizando o pagamento de quantia supostamente indevida à sociedade empresária
contratada. 3. Em juízo de cognição sumária, estão ausentes os requisitos para o deferimento
da liminar pleiteada. 4. A sentença penal absolutória encontra-se assentada na insuficiência
de provas hábeis a caracterizar o crime de estelionato, devendo prevalecer a independência
entre as esferas administrativa e criminal, mormente porque não se verificam as situações
previstas no art. 126 da Lei nº 8.112/90. 5. A sanção disciplinar, por seu turno, foi aplicada
com base na prática de ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, qual
seja, a liberação do pagamento de verba pública sem a observância das normas pertinentes,
o que, em tese, autoriza a demissão, nos termos do art. 132, IV, da Lei nº 8.112/90. 6. Não
tendo sido demonstrada a flagrante ilegalidade da pena de demissão, deve-se prestigiar,
a princípio, a presunção de legitimidade do ato administrativo, bem assim do respectivo
processo disciplinar. 7. Agravo interno a que se nega provimento. Pedido de reconsideração
não conhecido.749
9.5. dar ciência desta deliberação, mediante remessa de cópia do presente acórdão,
acompanhado do relatório e do voto que o fundamentam, ao Instituto Federal de Educação
do Espírito Santo, para que tome conhecimento de seu inteiro teor, em especial das
irregularidades detectadas neste processo de representação, sintetizadas abaixo, e adotem
as medidas necessárias à não reincidência dessas falhas;
9.5.1. fiscalização de contrato sob sua alçada em desacordo com o artigo 67 da Lei nº 8.666/
1993, não garantindo a qualidade do objeto final e importando a efetivação de paga­mentos
em dissonância com o cronograma físico-financeiro proposto pela contratada;
9.5.2. designação apenas de cunho formal da comissão responsável pela fiscalização de obra
e quando já transcorrido significativo prazo de execução;
9.5.3. ausência de exigência por parte dos fiscais da elaboração de diário de obras, registrando
tempestivamente as ocorrências relacionadas à execução do contrato (materiais, equipamentos
e mão de obra utilizados, bem como a localização precisa dos serviços executados etc.), em
atenção ao §1º do artigo 67 da Lei nº 8.666/1993;
9.5.4. falta de verificação, previamente à efetivação de cada pagamento, da manutenção pela
contratada da regularidade quanto às condições de habilitação;
9.5.5. descumprimento material da fase de liquidação da despesa, porquanto fundada
exclusivamente em documentos produzidos pela contratada, avalizados por um único
membro da comissão de fiscalização, desrespeitando-se os arts. 62 e 63 da Lei 4.320/1964 e
os arts. 36 e 42 do Decreto 93.872/1986;
9.5.6. descontrole quanto à exigência de manutenção em plena vigência da garantia contratual
oferecida e/ou de seu reforço por ocasião da celebração de aditivos de valor; [...].750

A atividade de fiscalização dos contratos deve ser exercida com redobrada atenção e
cautela, quer pela sua centralidade na consecução dos contratos administrativos, quer pelo
rigor com que os órgãos de controle responsabilizam os gestores e fiscais. É usual que fiscais
sejam designados apenas formalmente, sem que a eles sejam conferidas condições para o
exercício das suas atribuições. É comum que agentes administrativos concentrem atribuições
em excesso e não tenham disponibilidade de tempo para desempenhar suas funções de fiscal

749
STJ, Primeira Seção. AgInt no MS nº 22.900/DF 2016/0276678-6. Rel. Min. Og Fernandes, j. 26.4.2017.
750
TCU, Segunda Câmara. Acórdão nº 382/2014. Rel. Min. Aroldo Cedraz, j. 3.2.2014.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
942 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

ou, noutras oportunidades, não reúnam conhecimento especializado. Tudo isso deve ser
sopesado pelos órgãos de controle diante de faltas cometidas pelos fiscais dos contratos.751

5 A proibição de recusa à designação para atuar na fiscalização e na gestão


de contrato
A Lei nº 14.133/2021 exige da alta administração do órgão ou da entidade que
implemente medidas direcionadas à governança das contratações (parágrafo único do
artigo 11), entre as quais a promoção de gestão por competências, o que importa designar
agentes administrativos qualificados para atuar em licitações e contratos administrativos
(inciso II do caput do artigo 7º).
O caput do artigo 8º do Decreto Federal nº 11.246/2022 prescreve que os gestores e
fiscais dos contratos sejam designados pela autoridade máxima do órgão ou entidade, e o
§1º do mesmo artigo demanda que eles sejam “formalmente cientificados da indicação e
das respectivas atribuições antes da formalização do ato de designação”. Os parágrafos 4º
e 5º do artigo 8º do Decreto Federal ainda prescrevem que a gestão do contrato pode ser
exercida por setor do órgão ou entidade, situação em que o titular do setor é considerado
o responsável. Para completar, o §6º enuncia que, se não houver fiscal e gestor designados,
mesmo em casos de desligamento ou afastamento daqueles inicialmente designados, a
autoridade máxima assume tais responsabilidades.
A designação, na forma do §2º do artigo 8º do Decreto Federal nº 11.246/2022, deve
considerar: “I - a compatibilidade com as atribuições do cargo; II - a complexidade da
fiscalização; III - o quantitativo de contratos por agente público; e IV – a capacidade para o
desempenho das atividades”.
O Tribunal de Contas da União, na mesma toada, orienta as autoridades admi­
nistrativas para que avaliem adequadamente os agentes administrativos a serem designados
para a função de fiscal e gestor de contrato e demais funções relacionadas às licitações e aos
contratos. Confira-se:

9.2.3. organize a gestão dos contratos de modo que sejam designados, formalmente,
servidores públicos qualificados que serão responsáveis pela execução de atividades e/ou
pela vigilância e garantia da regularidade e adequação dos serviços e produtos elaborados e
aceitos, assim como pela observância do princípio da indisponibilidade do interesse público,

751
“31. No tocante aos pressupostos subjetivos de responsabilização, entendo que há elementos mitigadores da
culpa do recorrente. 32. De fato, as condições materiais de exercício da função pública devem ser consideradas
na avaliação da culpabilidade do gestor e, por conseguinte, na dosimetria das sanções eventualmente aplicadas.
[...] 34. Observo também que, até pouco tempo, a legislação brasileira era omissa a respeito dos parâmetros que
devem ser considerados na mensuração da gravidade da conduta inquinada. Com o advento da Lei 13.655/2018,
foram incluídas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB disposições sobre segurança
jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público. 35. Passou-se a exigir dolo ou erro grosseiro para a
responsabilização pessoal do agente público nas esferas administrativa, controladora e judicial (art. 28). Ademais,
na interpretação das normas de gestão pública, deverão ser considerados os obstáculos e as dificuldades reais do
gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo (art. 22, caput). 36. Nesse contexto, verifico a existência
de indícios de que as condições de fiscalização da obra eram, de fato, precárias, conforme alegou o recorrente em
várias oportunidades. [...] 41. Ainda que subsistam questionamentos acerca da correta atuação do responsável na
qualidade de fiscal e gestor do Contrato 34/2002, os pressupostos elementares para a sua responsabilização neste
Tribunal (vide, a propósito, os Acórdãos 2.420/2015 e 2.781/2016, ambos de Plenário) não restaram devidamente
configurados. Ademais, as condições de fiscalização mitigam a culpabilidade do recorrente” (TCU, Segunda Câmara.
Acórdão nº 2.973/2019. Rel. Min. Ana Arraes, j. 30.4.2019).
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
943

especialmente em atividades eminentemente finalísticas/estratégicas como: elaboração de


termos de referência de editais, a análise crítica sobre os trabalhos de gerenciamento de obras
e programas, bem como de análise de projetos e de suas revisões; [...].752

A realidade, no entanto, está muito distante do desejo externado pela Lei


nº 14.133/2021, pelo Decreto Federal nº 11.246/2022 e pelo Tribunal de Contas da União. Na
verdade, diversos órgãos e entidades administrativas, inclusive os federais, não dispõem de
estrutura adequada para o cumprimento de suas competências. É deveras frequente que não
contem com pessoal qualificado e em número suficiente para atender às suas demandas.
Daí que, também é frequente, agentes administrativos acabam sendo designados para
funções que vão para além de suas capacidades de trabalho ou produção, o que sucede na
fiscalização e na gestão dos contratos.
A questão é se um agente administrativo que recebe a designação para atuar na
fiscalização ou na gestão de contrato pode ou não a recusar sob o argumento de que há
excesso de atividades e atribuições ou que não está qualificado para o exercício da função
de fiscal ou de gestor do contrato. Em regra, a resposta é negativa, não pode recusar a
designação.
O servidor público é investido em cargo público (artigo 1º da Lei nº 8.112/1990),
que representa “o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura
organizacional que devem ser cometidas a um servidor” (artigo 3º da Lei nº 8.112/1990).
Nesse passo, são deveres do servidor “exercer com zelo e dedicação as atribuições do
cargo” (inciso I do artigo 116 da Lei nº 8.112/1990) e “cumprir as ordens superiores, exceto
quando manifestamente ilegais” (inciso IV do artigo 116 da Lei nº 8.112/1990). Portanto, se a
designação para atuar na fiscalização ou na gestão de contrato administrativo é compatível
com o conjunto de atribuições do cargo ocupado pelo servidor, ele não pode recusá-la,
porque não se trata de ordem manifestamente ilegal.
Ademais, quem goza de competência discricionária para decidir quais dos agentes
administrativos devem atuar em relação aos contratos administrativos é a autoridade
hierarquicamente superior. Ela deve avaliar os quadros da Administração, as atribuições e
as funções desempenhadas por cada agente e decidir qual o mais apto para a fiscalização e
a gestão do contrato. Os agentes administrativos não gozam de competência para decidir
que atividades devem ou não desempenhar, em tributo à organização hierárquica da
Administração Pública.
De toda sorte, insista-se, em regra, os agentes administrativos não gozam de
competência discricionária para avaliar o acerto ou desacerto das designações que lhe
foram direcionadas e as recusarem. Sob essa luz, extrai-se da jurisprudência do Tribunal
de Contas da União:

5.7.7. O servidor designado para exercer o encargo de fiscal não pode oferecer recusa, porquanto não
se trata de ordem ilegal. Entretanto, tem a opção de expor ao superior hierárquico as deficiências e
limitações que possam impedi-lo de cumprir diligentemente suas obrigações. A opção que não se
aceita é uma atuação a esmo (com imprudência, negligência, omissão, ausência de cautela
e de zelo profissional), sob pena de configurar grave infração à norma legal (itens 31/3 do
voto do Acórdão nº 468/2007-P).753

752
TCU, Plenário. Acórdão nº 2.632/2007. Rel. Min. Augusto Nardes, j. 5.12.2007.
753
TCU, Plenário. Acórdão nº 2.971/2010. Rel. Min. Valmir Campelo, j. 3.11.2010.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
944 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

Seguindo essa linha, o caput do artigo 11 do Decreto Federal nº 11.246/2022 prescreve


que “o encargo de agente de contratação, de integrante de equipe de apoio, de integrante
de comissão de contratação, de gestor ou de fiscal de contratos não poderá ser recusado
pelo agente público”.
Pode haver situações arbitrárias, em que realmente o agente administrativo esteja
açodado de atribuições e não tenha condições de assumir a fiscalização ou a gestão de novos
contratos. É preciso ressaltar que a escolha sobre quem recai a fiscalização ou a gestão de
contrato é discricionária, porém, não é arbitrária.
Pode acontecer que, diante do caso concreto, fique evidente que dado agente
administrativo não deveria ser designado como fiscal ou gestor de contrato, haja vista que já
recebeu outras atribuições que lhe consomem a capacidade de trabalho ou porque não goza
de conhecimentos específicos. Nesses casos, em que o desacerto da designação é manifesto,
o agente administrativo designado pode pedir a revisão da designação.
Sob essa luz, o §1º do artigo 11 do Decreto Federal nº 11.246/2022 ressalva que, “na
hipótese de deficiência ou de limitações técnicas que possam impedir o cumprimento
diligente das atribuições, o agente público deverá comunicar o fato ao seu superior
hierárquico”.
Aliás, a bem da verdade, o pedido de revisão da designação pode ser formulado
em qualquer caso em que os agentes administrativos designados como fiscal ou gestor
de contrato não concordem com a designação e está amparado no direito de petição,
consagrado no inciso XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal. O que não se admite é
que o agente administrativo, pura e simplesmente, de modo unilateral, recuse a designação.
O §2º do artigo 11 do Decreto Federal nº 11.246/2022, em complemento, preceitua
que “a autoridade competente poderá providenciar a qualificação prévia do servidor para
o desempenho das suas atribuições, conforme a natureza e a complexidade do objeto, ou
designar outro servidor com a qualificação requerida, observado o disposto no §3º do
art. 8º”. Veja-se que, nos termos do Decreto Federal nº 11.246/2022, a promoção da
qualificação ou a designação de outro servidor são faculdades outorgadas à autoridade
competente, e não medidas que se lhe impõem, até porque, insista-se, com frequência, os
seus recursos são limitados e ela não dispõe de alternativas viáveis.
De todo modo, o pedido de revisão de designação deve ser respondido pela
autoridade competente, de modo motivado. No mínimo, ainda que a petição seja indeferida
e mantida a designação como fiscal ou gestor de contato, o agente administrativo designado
pode utilizá-la como instrumento de defesa acaso ocorra problema no futuro e haja
questionamento sobre a sua atuação por parte dos órgãos de controle. Por derradeiro, se o
agente administrativo designado como fiscal ou gestor não concordar com a sua designação
e o pedido administrativo for mal sucedido, é-lhe garantido propor ação judicial para anular
o ato de designação, desta feita com amparo no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição
Federal, que hospeda o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, ou mesmo oferecer
representação aos órgãos de controle internos ou externos.

6 Desvio de função em relação à fiscalização dos contratos administrativos


O artigo 2º da Lei nº 8.112/1990 preceitua que “servidor é a pessoa legalmente
investida em cargo público”. O artigo 3º da mesma lei prescreve que “cargo público é o
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
945

conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que


devem ser cometidas a um servidor”.
Em face do princípio da legalidade, os agentes administrativos somente podem
atuar na medida da lei, na medida das suas competências, que lhes são outorgadas por lei.
Isto é, a lei cria o cargo público e prescreve as atribuições daqueles que o ocupam. Quem
ocupa dado cargo público, independentemente de sua qualificação profissional, somente
pode realizar as atribuições previstas em lei para o seu cargo, sob pena de desvio de função,
que constitui espécie de ilegalidade e burla à regra constitucional acerca da necessidade de
concurso público.
Ocorre, com certa frequência, infelizmente, que servidores são desviados de suas
funções, mormente no que tange à fiscalização de contratos administrativos.
A título ilustrativo, engenheiro civil é aprovado em concurso público para exercer
cargo meramente administrativo, não de engenharia civil. A entidade administrativa
contrata a execução de obra e designa o referido engenheiro civil para a função de fiscalizar o
contrato. Ora, ainda que seja qualificado para tanto, ele não pode exercer tal função, porque
não ocupa cargo que pressuponha tal atribuição. Se fiscaliza o referido contrato, exercendo
funções de engenheiro, ele atua em desvio de função.
Nesses casos, é importante que se diga, o profissional, o engenheiro civil, tem direito
à remuneração equivalente à função efetivamente exercida por ele, que é de engenheiro civil,
e não, como deveria ser, meramente administrativa. Aliás, é essa a orientação que deflui
da jurisprudência remansosa do Superior Tribunal de Justiça, como é possível concluir em
razão da leitura da ementa que segue:

Agravo Regimental no Recurso Especial. Administrativo. Servidor público. Desvio de função.


Diferenças salariais devidas. Decisão agravada mantida pelos seus próprios fundamentos.
1. Nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte, são devidos ao servidor que trabalhou
em desvio de função, a título de indenização, os valores resultantes da diferença entre os
vencimentos do cargo ocupado e da função efetivamente exercida, sob pena de locupleta-
mento indevido da Administração. Precedentes. 2. Restringindo-se a Agravante a manifestar
sua irresignação com a decisão agravada, sem apresentar fundamento apto a ensejar a sua
modificação, impõe-se o desprovimento do recurso. 3. Agravo regimental desprovido.754

Os agentes administrativos devem atuar na exata medida de suas competências


legais, o que é decorrência do princípio da legalidade. Afora o reconhecimento do desvio
de função e a obrigação da Administração de indenizar a diferença entre os valores da
remuneração do cargo ocupado pelo agente administrativo e do cargo efetivamente
exercido, correspondente às funções desviadas, os atos praticados em desvio de função
contêm vício de competência, que compromete a sua validade jurídica. Ou seja, além de
tudo, os atos praticados em desvio de função são suscetíveis de anulação.

7 Contratação de terceiro para auxiliar o fiscal do contrato


O caput do artigo 117 da Lei nº 14.133/2021 permite a contratação de terceiros para
assistir e subsidiar de informações o fiscal do contrato. Isso ocorre com mais frequência em

754
STJ, Quinta Turma. AgR no REsp nº 396.704/RS. Rel. Min. Laurita Vaz, j. 7.6.2005.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
946 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

contratos de grande porte, cuja fiscalização é muito difícil de ser realizada por uma pessoa
só, ou em entidades administrativas que não tenham estrutura de pessoal suficiente para
fiscalizar adequadamente os seus contratos, especialmente em relação àqueles cujos objetos
envolvam a prestação de serviços técnicos especializados, como informática e engenharia.
Advirta-se que o supracitado caput do artigo 117 da Lei nº 14.133/2021 não autoriza
a terceirização completa da atividade de fiscalização dos contratos. O dispositivo autoriza
apenas a contratação de alguém que auxilie a fiscalização. O responsável por ela é
obrigatoriamente um representante da Administração, o fiscal do contrato.
Nessas situações, o inciso I do §4º do artigo 117 da Lei nº 14.133/2021 prescreve que
“a empresa ou o profissional contratado assumirá responsabilidade civil objetiva pela
veracidade e pela precisão das informações prestadas, firmará termo de compromisso de
confidencialidade e não poderá exercer atribuição própria e exclusiva de fiscal de contrato”.
Demais disso, o inciso II do mesmo parágrafo esclarece que “a contratação de terceiros não
eximirá de responsabilidade o fiscal do contrato, nos limites das informações recebidas do
terceiro contratado”.
Nesse sentido, deve-se avaliar com ponderação e razoabilidade as decisões do fiscal
tomadas com base em relatórios ou laudos elaborados pelas empresas contratadas para atuar
na fiscalização dos contratos. Os órgãos de controle devem ter sensibilidade para avaliar
a medida da culpabilidade do fiscal, o que depende das peculiaridades de cada contrato.
A regra estabelecida na parte final do inciso II do §4º do artigo 117 da Lei nº 14.133/2021
é que o fiscal atue com base nas informações prestadas pelas empresas contratadas e não
deve ser responsabilizado se o defeito provém de tais informações. O fiscal somente deve
ser responsabilizado excepcionalmente se, e somente se, pelas circunstâncias de fato, for
possível aferir com facilidade que as informações repassadas pela empresa contratada são
equivocadas ou contêm falhas e que o fiscal foi extremamente negligente em relação às
tais análises. Reitera-se que os agentes públicos, incluindo os fiscais, somente podem ser
responsabilizados por dolo ou erro grosseiro (culpa grave), em alinho com o artigo 28 da
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
Por exemplo, agente administrativo é designado para atuar como fiscal em obra de
grande porte, a construção de uma usina hidrelétrica. A Administração, pelo volume da
obra, contrata empresa especializada para auxiliar o fiscal. Pelo padrão de procedimentos
utilizados pelo órgão ou entidade contratante, percebe-se que a empresa especializada
realiza os trabalhos de campo, acompanhando com equipe multidisciplinar a execução do
contrato e emitindo relatórios e laudos. O fiscal atua com base em tais relatórios e laudos.
Ou seja, naquele contrato, o fiscal não é o responsável por verificar todos os acontecimentos
e ações da empresa contratada, o que, aliás, é materialmente impossível ou muito difícil,
à vista do vulto do empreendimento. Ocorre que determinado relatório, produzido pela
empresa especializada, veicula informação falsa, dando conta que a contratada realizou dada
atividade que, de fato, não foi executada. Em regra, o fiscal não deve ser responsabilizado
porque tomou decisões confiando nas informações que vieram da empresa contratada, até
porque ele não tinha a obrigação de verificar in loco e de modo detalhado todas as atividades
da empresa contratada.
Esse é o teor acertado do artigo 26 do Decreto Federal nº 11.246/2022:

Art. 26. Na hipótese da contratação de terceiros para assistir e para subsidiar os fiscais de
contrato nos termos do disposto neste Decreto, será observado o seguinte:
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
947

I - a empresa ou o profissional contratado assumirá responsabilidade civil objetiva pela


veracidade e pela precisão das informações prestadas, firmará termo de compromisso de
confidencialidade e não poderá exercer atribuição própria e exclusiva de fiscal de contrato; e
II - a contratação de terceiros não eximirá o fiscal do contrato da responsabilidade, nos
limites das informações recebidas do terceiro contratado.

A Administração Pública não trespassa a fiscalização do contrato a terceiros. A fisca­


lização é indelegável. Entretanto, há de se analisar se, diante do caso concreto, se poderia
exigir do fiscal do contrato comportamento diverso, se ele obrou com dolo ou com erro
grosseiro (culpa grave). Nem sempre o defeito ou falha na fiscalização deve ser imputada
ao fiscal. Malgrado, os órgãos de controle não costumam revelar maior preocupação em
fazer as distinções necessárias e, indevidamente, responsabilizam fiscais de contratos que
atuam com base nas informações das empresas contratadas. Por ilustração:

38. Concordo com os titulares da unidade técnica, bem como com o MP/TCU, ao entenderem
que o assessoramento técnico de engenheiro previamente ao atesto das notas fiscais não
constitui excludente de responsabilidade do fiscal do contrato, como havia entendido a
Auditora Federal de Controle Externo que instruiu este processo. 39. De acordo com portarias
do órgão, o Sr. [omissis] era o designado para acompanhar e fiscalizar a execução dos con­
tratos em tela. O fato de ter obtido ou não assessoramento de engenheiro contratado na
fiscalização das obras não o exime de sua responsabilidade de fiscal, pois o apoio técnico
é subsidiário. [...] 41. Não obstante essa possibilidade, restando evidente que o dever de
fiscalizar diretamente a execução do empreendimento é do preposto da Administração, não
sendo tal tarefa passível de delegação. Nesse sentido são os Acórdãos Plenários 1.001/2017
(rel. Min. Vital do Rego), 1.925/2015 (rel. Min. José Múcio) e 2.987/2015 (de minha relatoria).755

Advirta-se que, ainda que a Administração não conte em seus quadros com pro­
fissional habilitado para exercer a função de fiscal de contrato, especialmente em relação
a contratos que envolvam a prestação de serviços técnicos especializados, a fiscalização
permanece de titularidade dela. O terceiro continua, em todo o caso, apenas a auxiliar a
fiscalização. Nesses casos, em que não haja profissional habilitado para exercer a função nos
quadros da entidade administrativa, quem responde pela fiscalização é a própria autoridade
competente que será municiada com as informações técnicas do contratado para assisti-la
em tal atividade. Assim sendo, em princípio, não se deve exigir do fiscal, por não possuir
conhecimento apropriado, que divirja dos relatórios e laudos técnicos da contratada para
auxiliá-lo com a fiscalização, ainda que aos olhos de outro técnico, terceiro, tais relatórios e
laudos pareçam mesmo absurdos.

8 O preposto do contratado
O caput do artigo 118 da Lei nº 14.133/2021 prescreve que “o contratado deverá
manter preposto, aceito pela Administração, no local da obra ou serviço, para representá-
lo na execução do contrato”.

755
TCU, Plenário. Acórdão nº 2.292/2017. Rel. Min. Marcos Bemquerer, j. 11.10.2017.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
948 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

É recomendável que o preposto seja indicado pelo contratado por escrito, até para
que tal fato seja documentado no respectivo processo, inclusive para a aferição dos órgãos
de controle.
Demais disso, como deflui do próprio caput do artigo 118 da Lei nº 14.133/2021, o
preposto indicado pelo contratado deve ser aceito pela Administração. Isso significa, por
dedução cartesiana, que a Administração pode recusá-lo. Evidentemente, a Administração
deve motivar, se for o caso, o ato de recusa, deixando claras as razões pelas quais a pessoa
indicada não está apta ou não é a mais adequada para exercer tal função. As razões apontadas
pela Administração devem ser de ordem objetiva. É inadmissível que a Administração, por
meio de seus agentes, recuse preposto indicado pelo contratado por força de questões de
índole pessoal, antipatias ou coisas do gênero. Enfim, a Administração, conquanto possa
recusar o preposto indicado pelo contratado, não pode fazê-lo de modo arbitrário, sem
justificativas plausíveis e em desobediência aos princípios vetores do direito administrativo,
sobretudo, na espécie, o da impessoalidade.
O preposto indicado pelo contratado pode ser substituído, desde que por profissional
devidamente habilitado. A substituição pode ocorrer no interesse do próprio contratado,
que, por exemplo, pode aproveitá-lo noutra função, ou mesmo a requerimento da
Administração, se não se mostrar qualificado ou apto para exercer tal desiderato.
O preposto indicado pelo contratado é o interlocutor oficial dele com a Administração,
especialmente com o fiscal do contrato. Ele deve acompanhar a execução do contrato,
tomando todas as providências para que os demais empregados da contratada realizem
as suas atividades de modo adequado. Ele também deve tomar ciência de todas as
recomendações e anotações realizadas pelo fiscal, realizando as providências para
corrigir o que fora realizado de modo inadequado, saneando falhas e defeitos. Ele, ainda,
deve interagir constantemente com o fiscal do contrato, indicando problemas técnicos,
necessidade de prorrogações, aditivos e revisões. Enfim, deve enveredar esforços para que
o contrato seja executado a contento, de acordo com as cláusulas nele avençadas.

9 Subcontratação
9.1 Noções gerais
Por regra, o contrato administrativo decorre de licitação pública, processo seletivo
que se realiza por tributo ao princípio da isonomia, dando-se a todos os interessados as
mesmas condições de disputá-lo. No final das contas, o contratado é pessoa que passou
pelo escrutínio da Administração Pública, inclusive em razão de suas condições pessoais de
habilitação. Por conseguinte, o vencedor da licitação e não terceiro é quem faz jus ao direito
de firmar o contrato e executá-lo, o que significa que ele não goza do direito de trespassar
o contrato a terceiro, salvo situações bem delimitadas e sempre parciais.
Pondera-se que, atualmente, em muitos segmentos, é quase improvável que uma
empresa consiga, sozinha e por seus próprios meios, executar inteiramente contrato
administrativo, quer em virtude da complexidade das relações econômicas, quer em
tributo ao avanço do processo de terceirização no setor privado ou quer por força da
especialização das atividades. É muito difícil, por exemplo, que um prédio público mediano
seja inteiramente construído por única empresa. É frequente que a empresa contratada
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
949

subcontrate várias partes da obra, já começando com a própria fundação, que costuma ser
feita por empresa especializada, passando por sistemas elétricos, sistemas de refrigeração,
elevadores e outros.

9.2 Distinção entre subcontratação e cessão


Há, basicamente, dois modos para que o contratado trespasse a terceiros parte do
objeto do contrato, com efeitos jurídicos bem diversos: a cessão e a subcontratação.
A cessão pressupõe a transferência, por parte do contratado, de uma parcela do
contrato para terceiro, estranho à Administração. Em virtude dela, a Administração
passa a manter duas relações: uma com o contratado, outra com o cessionário. Como há a
transferência, os pagamentos são realizados diretamente pela Administração a cada qual.
Isto é, a Administração paga diretamente o que é devido ao contratado e paga diretamente
o que é devido ao cessionário. Sem embargo, a cessão desincumbe o contratado em relação
a qualquer responsabilidade tocante à parte cedida. O cessionário passa a ser o responsável
pela parte cedida. Se há algum problema com ela, a Administração deve tomar providências
diretamente em relação ao cessionário, sem constranger o contratado.
A subcontratação, por sua vez, não importa transferência de parte do contrato.
A subcontratação pressupõe única relação entre a Administração e o contratado; e outra
entre o contratado e o subcontratado. A Administração não mantém qualquer relação
direta com o subcontratado. Por isso, em regra, os pagamentos devidos são feitos todos
em prol do contratado. Ele, depois de receber o total, é que deve repassar o montante
devido ao subcontratado. O subcontratado deve executar uma parte do contrato, mas, de
todo modo, o responsável por ela perante a Administração continua sendo o contratado.
Se há problema com a parte subcontratada, a Administração deve tomar providências
diretamente em relação ao contratado. Se for o caso, o contratado é que deve agir em relação
ao subcontratado.
Então, pode-se dizer que a subcontratação é mais onerosa em comparação com a
cessão, especialmente sobre o ponto de vista fiscal. No entanto, a subcontratação é mais
vantajosa sob a ótica das garantias da Administração, uma vez que o contratado continua
sendo responsável pela totalidade da execução do contrato, não sendo cabível qualquer
escusa amparada em culpa do subcontratado.
No final das contas, a subcontratação assegura melhor o interesse público, uma
vez que a responsabilidade do contratado é total e abrangente, não lhe cabendo transferi-
la ao subcontratado como forma de se esquivar das cominações legais e das penalidades
administrativas. Ou seja, se houve alguma coisa errada, o contratado é o responsável por
corrigi-la, ainda que ela tenha sido produzida diretamente pelo subcontratado.

9.3 Condições gerais para a subcontratação


A Lei nº 14.133/2021 contempla apenas a subcontratação parcial e não a cessão. Nessa
medida, o caput do artigo 122 da Lei nº 14.133/2021 enuncia que, “na execução do contrato e
sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, o contratado poderá subcontratar
partes da obra, do serviço ou do fornecimento até o limite autorizado, em cada caso, pela
Administração”.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
950 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

Enfatiza-se, já de plano, que a subcontratação não pode ser total. Ao contrário, ela
é sempre parcial, relativa a partes previamente autorizadas pela Administração. A sub­
contratação total equivaleria à transferência do contrato administrativo, sendo que o
contratado faria as vezes de uma espécie de intermediário. Essa situação é rechaçada pelos
órgãos de controle que, inclusive, apontam a existência de dano ao erário. Confira-se do
Tribunal de Contas da União:

A subcontratação total do objeto, em que se evidencia a mera colocação de pessoa inter­


posta entre a administração pública contratante e a empresa efetivamente executora
(subcontratada), é situação ensejadora de débito, o qual corresponde à diferença entre os
pagamentos recebidos pela empresa contratada e os valores por ela pagos na subcontratação
integral. Pelo débito respondem, em regime de solidariedade, a empresa contratada e os
gestores que permitiram a subcontratação total.756

De todo modo, é necessário que a Administração, por força do supracitado caput do


artigo 122 da Lei nº 14.133/2021, autorize a subcontratação em concreto. Isso significa que
não basta a admissão da possibilidade no edital e no contrato. Além disso, se o contratado
quiser subcontratar, ele deve pedir autorização para a Administração caso a caso. Por via
de consequência, como a Administração deve autorizar, ela também pode recusar, com as
devidas justificativas, tudo sob a mira do interesse público.
A propósito, a Administração deve analisar com cautela o pedido de subcontratação,
inclusive a pessoa do subcontratado. A Administração deve, nessa ocasião, preocupar-se
sobremaneira com a capacidade do subcontratado para executar a parte que lhe caberá,
exigindo documentos de habilitação que comprovem aptidão e idoneidade. Nessa linha, o
§1º do artigo 122 prescreve que “o contratado apresentará à Administração documentação
que comprove a capacidade técnica do subcontratado, que será avaliada e juntada aos autos
do processo correspondente”.
Muitos editais e contratos, ao tratarem da subcontratação, prescrevem um limite
para elas: por exemplo, admitem a subcontratação de até 30% do objeto do contrato. Isso
não significa que os contratados, dentro de tais limites, estão autorizados de antemão a
subcontratar partes do contrato sem pedir autorização expressamente à Administração.
Tais porcentagens ou parâmetros, quando previstos nos editais, desenham espécie de
limite máximo; isto é, acima de tais limites, não se pode subcontratar, independentemente
de autorização da Administração. Insista-se que o contratado, se quiser, ainda que dentro
dos aludidos limites, deve pedir autorização expressa à Administração caso a caso. E a
Administração, não se esqueça, pode, justificadamente, recusá-la.
Ressalva-se que não é obrigatório prever limites à subcontratação no edital,
especialmente em percentuais preestabelecidos e fechados sobre o objeto do contrato, o
que pode futuramente engessar a Administração. Sob essa premissa, o §2º do artigo 122
da Lei nº 14.133/2021 preceitua que “regulamento ou edital de licitação poderão vedar,
restringir ou estabelecer condições para a subcontratação”. Trata-se de uma faculdade e
não de uma obrigação, insista-se. É positivo que órgãos e entidades regrem o assunto,
na direção de conferir segurança jurídica para fiscais e gestores de contratos e para os
próprios contratados, bem como para uniformizar o tratamento do tema internamente.

756
TCU, Segunda Câmara. Acórdão nº 3.002/2021. Rel. Min. Marcos Bemquerer, j. 2.3.2021.
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
951

O problema ocorre nas situações em que essas regras são prescritas em pormenor e com
rigidez excessiva, o que acaba, como se disse, engessando a própria Administração e
inviabilizando soluções mais eficientes e adequadas para a execução dos contratos.

9.4 Impedimento para subcontratação


O §3º do artigo 122 da Lei nº 14.133/2021 determina:

[...] será vedada a subcontratação de pessoa física ou jurídica, se aquela ou os dirigentes desta
mantiverem vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou
civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe
função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou se deles forem
cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral, ou por afinidade, até o terceiro
grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação.

Os termos usados no §3º do artigo 122 da Lei nº 14.133/2021, bem abertos, podem
causar muitas dúvidas, em prejuízo à segurança jurídica, especialmente em municípios
de médio e pequeno porte. Nesses municípios de médio e pequeno porte, é comum que
o universo de fornecedores seja limitado, ampliando os riscos de se deparar com algumas
das situações mencionadas no dispositivo.
Vínculo trabalhista não atrai dúvida maior, pressupõe relação de emprego. Sobre os
demais vínculos, os de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou civil, não há
definição precisa e objetiva. Por exemplo, imagine-se que se pretenda subcontratar empresa
local especializada em refrigeração, que faz a manutenção eventual dos aparelhos de ar-
condicionado da residência de dirigente do órgão ou entidade. A rigor jurídico, pode-se
dizer que há vínculo comercial, econômico e civil e, por via de consequência, a empresa de
manutenção estaria impedida de ser subcontratada. Isso soa desproporcional.
Propõe-se que os vínculos especiais listados no §3º do artigo 122 da Lei nº 14.133/2021
não se configuram diante de relações que são padronizadas e de préstimos que são
oferecidos de modo geral ao público com condições relativamente uniformes. É que não
se antevê relação pessoal direta nessas situações, o que configuraria o receio de benefício
indevido ou conflito de interesse, o que se busca evitar com o §3º do artigo 122 da Lei
nº 14.133/2021 (intepretação teleológica).
A vedação também atinge, nos termos do §3º do artigo 122 da Lei nº 14.133/2021,
cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral, ou por afinidade, até o terceiro
grau.
De acordo com o artigo 1.591 do Código Civil, “são parentes em linha reta as pessoas
que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes”. O arti­go
1.592 do Código Civil considera que “são parentes em linha colateral ou transversal, até o
quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra”.
No que atine aos graus de parentesco, o artigo 1.594 do Código Civil prescreve que “contam-
se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também
pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo
até encontrar o outro parente”. Esclareça-se que na ascendência o terceiro grau é o bisavô
e na descendência é o bisneto. Em linha colateral, os parentes de terceiro grau são os tios e
sobrinhos. Primos são parentes de quarto grau, portanto, não estão abrangidos pelo §3º do
artigo 122 da Lei nº 14.133/2021.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
952 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

Também há a relação de parentesco por afinidade. O artigo 1.595 do Código Civil


determina que “cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo
da afinidade”. O §1º do mesmo artigo sinaliza que “o parentesco por afinidade limita-
se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro”. Então,
por afinidade, em relação aos ascendentes e descendentes da esposa ou do marido, não
há limites. Por exemplo, os parentes em linha reta do marido são considerados parentes
colaterais em linha reta da esposa. Em termos práticos, por afinidade, os pais e filhos
(primeiro grau), avós e netos (segundo grau) e bisavós e bisnetos (terceiro grau) do
marido são considerados parentes por afinidade em linha reta da esposa e, também, se
enquadram no §3º do artigo 122 da Lei nº 14.133/2021. Em linha colateral, o parentesco
por afinidade, na forma do §1º do artigo 1.595 do Código Civil, limita-se aos irmãos do
cônjuge ou companheiro, portanto, aos cunhados. A relação de parentesco por afinidade e
em linha colateral encerra-se com os cunhados. Os sobrinhos, tios e primos do cônjuge ou
companheiro sequer são considerados parentes.
É de registrar que a Lei nº 14.133/2021 prescreve normas parecidas sobre o conflito
de interesses em relação a agentes públicos, conforme o inciso III do caput do seu artigo 7º,
bem como sobre impedimento para participar de licitações e contratar, em consonância
com o preceituado no inciso III do caput do seu artigo 14. O §3º do artigo 122 da Lei
nº 14.133/2021, no fim das contas, estende as restrições gerais para as subcontratações. Quer-
se evitar que a subcontratação seja utilizada como espécie de subterfúgio para fugir dos
impedimentos gerais. Ou seja, não se contrata empresa impedida, mas a empresa contratada
se compromete a subcontratá-la, gerando benefícios supostamente ilegítimos para agentes
públicos. A propósito, a redação do §3º do artigo 122 da Lei nº 14.133/2021 é praticamente
idêntica a do inciso III do caput do artigo 14 da mesma lei.

9.5 A subcontratação não deve abranger as parcelas de maior relevância e


de valor significativo do contrato
A subcontratação parcial do contrato não deve envolver os seus aspectos principais,
suas parcelas mais relevantes e significativas. A transferência a terceiro deve ser limitada a
aspectos secundários e periféricos. O contrato administrativo é firmado em razão da pessoa
do contratado, que passou pelo crivo da licitação pública, comprovando a sua habilitação.
Não é permitido ao contratado trespassar as suas obrigações para terceiros. O que se
permite em subcontratação é que o contratado acometa a terceiros aspectos que não sejam
centrais. Caso contrário, a transferência de aspectos centrais importa substancialmente na
transferência do próprio contrato.
Os órgãos de controle, ainda que diante da Lei nº 8.666/1993, têm atentado a esse
ponto. O Tribunal de Contas da União prolatou acórdão significativo sobre o tema, deixando
assentado:

23. A licitação se destina a selecionar a proposta mais vantajosa para a administração. E a


proposta mais vantajosa não é apenas a de menor preço, mas igualmente a que contempla
a técnica adequada e a execução por empresa apta para tanto. Ou seja, busca-se com o
certame licitatório também selecionar o contratado que melhor atenda às necessidades da
administração.
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
953

24. Para assegurar a boa execução do objeto, é exigida do futuro contratado a demonstração
de capacidade financeira e sua capacidade técnico-profissional e técnico-operacional, de
forma a comprovar sua aptidão mediante desempenho de tarefas semelhantes.
25. Tal comprovação de aptidão, obviamente, está relacionada às frações tecnicamente
complexas e financeiramente relevantes do objeto, sob pena de serem absolutamente
descabidas as exigências de habilitação.
26. Assim, não faria sentido admitir que tais parcelas cruciais do objeto, para cuja execução
foi selecionado o licitante mais apto, fossem posteriormente transferidas a terceiro por este
escolhido. Isso tornaria completamente desnecessário o procedimento de habilitação e,
consequentemente, esvaziaria de qualquer significado ou finalidade os dispositivos da lei
que o preconizam, o que não pode ocorrer.
27. Conclui-se, pois, que não é possível a subcontratação das parcelas tecnicamente mais
complexas ou de valor mais significativo do objeto, que motivaram a comprovação de
capacidade financeira ou técnica.757

É necessário compreender de maneira ponderada a assertiva constante no trecho


acima referido de que tudo aquilo sobre o qual se exige atestado de capacidade técnica,
representativo das parcelas de maior relevância e de valor significativo, não pode ser
subcontratado.
Diga-se que o raciocínio, em princípio, está correto. A lógica é que, se a Administração
exigiu atestado de dada parcela é porque a qualificou como relevante e de valor significativo,
portanto, compõe aspecto central do contrato, não pode ser acometido a terceiros por meio
de subcontratação. Daí que, se o mercado costuma subcontratar determinada parcela do
objeto e a Administração pretende autorizar que o contratado a subcontrate ou ceda a
terceiros, não deve exigir atestado de capacidade técnica em relação a ela. Ou exige atestado
de capacidade técnica ou permite a subcontratação.
Insiste-se que o raciocínio está correto em princípio, porém, deve ser ponderado
diante de situações específicas.
Por exemplo, em licitações para concessão de serviço público em que a concessioná­
ria se obriga a executar uma obra. Não se está licitando a obra, porém, a concessão. Como
a obra eventualmente pode ser relevante, à Administração é permitido exigir atestado de
capacidade técnica relativo à obra. Nesse caso, a Administração não exigirá atestados de
parcelas relevantes e de valor significativo da obra; a obra em si, como um todo, representa
uma parcela relevante e de valor significativo do contrato de concessão. Portanto, a obra
como um todo, se exigido o atestado, não pode ser objeto de subcontratação ou cessão. No
entanto, aspectos periféricos e secundários da obra podem ser sim acometidos a terceiros
por meio de subcontratação ou cessão.
Dessa sorte, o correto seria proibir a subcontratação integral das parcelas consideradas
de maior relevância ou de valor significativo, dado que as próprias parcelas podem ser
decompostas, a depender do caso. Nessas hipóteses, em que as próprias parcelas podem ser
decompostas, deve-se permitir a subcontratação das partes delas que sejam instrumentais,
secundárias ou periféricas.

757
TCU, Plenário. Acórdão nº 3.144/2011. Rel. Min. Aroldo Cedraz, j. 30.11.2011.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
954 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

Cumpre destacar que o §9º do artigo 67 da Lei nº 14.133/2021 preceitua:

o edital poderá prever, para aspectos técnicos específicos, que a qualificação técnica seja
demonstrada por meio de atestados relativos a potencial subcontratado, limitado a 25%
(vinte e cinco por cento) do objeto a ser licitado, hipótese em que mais de um licitante poderá
apresentar atestado relativo ao mesmo potencial subcontratado.

O permissivo do §9º do artigo 67 deve ser compreendido como norma de exceção,


dependente das seguintes condições: (i) é permitido, desde que autorizado expressamente
no edital, subcontratar parcelas consideradas relevantes e de valor significativo sobre as
quais a Administração exige a comprovação de experiência, desde que limitada a 25%; e (ii) é
permitido que a comprovação da experiência das parcelas consideradas relevantes e de valor
significativo seja realizada pela pessoa que se pretende subcontratar e não pelo licitante.
As situações devem ser analisadas de acordo com suas peculiaridades pela Admi­
nistração, sempre com vistas a ampliar a competição e a obter as propostas mais vantajosas.
O §9º do artigo 67 da Lei nº 14.133/2021, em tese, é vantajoso para a Administração diante
de objetos de domínio restrito, cujo potencial de competição é reduzido. Permitir a
subcontratação de parcelas mais relevantes e de valor significativo acaba sendo medida para
incrementar a competição, viabilizando a participação de empresas que, em caso contrário,
não teriam condições de atender a toda a atestação exigida no edital, embora disponham
do objeto pretendido pela Administração.758

9.6 Pagamento direto à subcontratada


Como já afirmado, na subcontratação quem mantém relação jurídica com a Admi­
nistração é o contratado e não o subcontratado. Este, o contratado, é quem mantém relação
jurídica com o subcontratado. Daí que, por regra, a Administração paga ao contratado o
valor integral das respectivas faturas e este faz os pagamentos devidos ao subcontratado.
Essa operação é onerosa sob o ponto de vista fiscal, porque a tributação incide uma vez no
pagamento da Administração para o contratado e outra vez no pagamento do contratado
para o subcontratado.
Dessa sorte, para desonerar os contratos administrativos, discute-se a legalidade de
estabelecer em contrato ou aditivo que a Administração realize os pagamentos diretamente
ao subcontratado. Registre-se que a Lei nº 8.666/1993 e a Lei nº 14.133/2021 não tratam
expressamente sobre essa questão específica.

758
Inclusive, sob essa perspectiva e diante da Lei nº 8.666/1993, o Tribunal de Contas da União já admitiu: “17. Ainda que
fosse realmente necessária a comprovação de aptidão técnico-operacional para aquela parcela principal do contrato,
seria suficiente que o edital demandasse da contratada demonstração de capacidade técnica da eventual empresa
a ser subcontratada na gestão e execução de obras ou serviços análogos, em atenção ao disposto no art. 78, caput, e
§1º, da Lei das Estatais (13.303/2016) e ao comando expresso no subitem 9.3.3 do Acórdão 2992/2011-TCU-Plenário,
reproduzido anteriormente. 18. Por se tratar de licitação para contratação sob o regime de empreitada integral –
assemelhada à modalidade EPC/Turn Key – que contempla as etapas de engenharia, compra, produção e entrega
do objeto em pleno funcionamento –, é válida a reflexão dos auditores acerca das diferenças dessa modalidade em
relação aos demais regimes de execução, em especial ao regime por preço unitário. A complexidade e a abrangência
desse tipo de contrato requerem flexibilidade nas aquisições e concentração de esforços no gerenciamento do
projeto e na execução das etapas do empreendimento. Nesses casos, dificilmente a contratada detém capacidade
para fornecer todos os insumos e serviços da cadeia produtiva” (TCU, Plenário. Acórdão nº 2.021/2020. Rel. Min.
Ana Arraes, j. 5.8.2020).
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
955

Diante da Lei nº 8.666/1993, o Tribunal de Contas da União já decidiu:

9.2.2. abstenha-se de efetuar pagamentos diretos a subcontratadas, tendo em vista a falta de


amparo legal, uma vez que não há qualquer relação jurídica entre a Administração Pública
e o terceiro subcontratado, impossibilitando a realização de uma das fases da despesa, a
saber, a liquidação, a qual deve ter por base o respectivo contrato, ajuste ou acordo; a nota
de empenho; e os comprovantes da entrega do material ou da prestação efetiva do serviço,
conforme dispõe o art. 63, §2º, da Lei 4.320/64.759 760

Mais recentemente, o Tribunal de Contas da União voltou ao tema diante de consulta


que lhe foi formulada em razão da Lei nº 12.232/2010, que versa sobre os serviços de
publicidade. O entendimento foi o seguinte:

9.3. responder ao consulente que, por falta de amparo legal, os serviços complementares
prestados por empresas subcontratadas por agências de publicidade, que não estejam
prestando serviços de veiculação, não podem ser faturados diretamente em nome do órgão/
entidade da administração pública contratante; [...].761

Em síntese, o Tribunal de Contas da União vem entendendo que o pagamento direto


para o subcontratado teria que encontrar amparo expresso em lei. Sem autorização legal,
a Administração deve pagar ao contratado e não diretamente ao subcontratado, porque
mantém relação jurídica com o contratado e não com o subcontratado.
O assunto é, no entanto, controverso. O argumento principal, em sentido contrário, é
que o pagamento direto da Administração ao subcontratado não desnatura a subcontratação
e não faz com que o subcontratado passe a travar relação jurídica direta com a Administração.
Trata-se apenas de pagamento em favor de terceiro, autorizado pelo artigo 308 do Código
Civil,762 que se aplica supletivamente aos contratos administrativos, por força caput do artigo
89 da Lei nº 14.133/2021. Nesse sentido, com razão, o Professor Alexandre Santos Aragão
observa:

[...] não há criação de uma relação contratual entre a SUBCONTRATADA e a ESTATAL


CONTRATANTE. A única relação a ser entre elas estabelecida possui natureza meramente
formal e seus efeitos se darão tão-somente no âmbito contábil e com o único intuito de evitar
a dupla incidência de ISS e das parcelas de PIS e COFINS sobre o único serviço prestado.763

Agregue-se que o §2º do artigo 122 da Lei nº 14.133/2021 autoriza a Administração


a vedar, restringir ou estabelecer condições para a subcontratação em regulamento ou
em edital de licitação. Nessa medida, o dispositivo atribui à Administração competência

759
TCU, Segunda Câmara. Acórdão nº 502/2008. Rel. Min. Ubiratan Aguiar, j. 11.3.2008.
760
Em sentido diverso: “9.5.8. atente, nas futuras licitações, para os percentuais aplicados de BDI sobre serviços, materiais
e equipamentos, de forma a corrigir eventual distorção comparativamente aos preços de mercado, avaliando quanto
a este dois últimos (materiais e equipamentos) a possibilidade de a própria Companhia reavaliar as compras de
equipamentos e materiais ou promover a sistemática de pagamento direto aos fornecedores, buscando reduzir os
custos de aquisição” (TCU, Plenário. Acórdão nº 1.595/2006. Rel. Min. Guilherme Palmenira, j. 30.08.2006).
761
TCU, Plenário. Acórdão nº 720/2018. Rel. Min. Marcos Bemquerer, j. 4.4.2018.
762
“Art. 308. O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de
por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito”.
763
ARAGÃO, Alexandre Santos. Possibilidade de faturamento direto entre sociedade de economia mista e empresa
subcontratada sem alteração da responsabilidade da empreiteira principal. Revista de Direito da Procuradoria Geral,
Rio de Janeiro, p. 248-249, 2014.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
956 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

discricionária para dispor sobre a subcontratação, desde que em consonância com as


disposições legais. Logo, a ausência de regra legal específica que autorize o faturamento
direto para a subcontratada não impede que a Administração a preveja em regulamento ou
no próprio edital, sobremodo nas situações em que tem em mira a contratação para si mais
vantajosa, que é o grande objetivo das licitações e dos contratos administrativos, como se
depreende do inciso I do caput do artigo 11 da Lei nº 14.133/2021.

10 Recebimento
A Lei nº 14.133/2021 prescreve regras distintas para o recebimento dos objetos
dos contratos uma vez executados pelos contratados em relação às obras e aos serviços,
e em relação às compras. Num e noutro caso, no entanto, há etapa inicial destinada ao
recebimento provisório, e outra final destinada ao recebimento definitivo.
Com o recebimento provisório a Administração toma posse da coisa, do objeto do
contrato, passando a valer o princípio do res perit domino, isto é, a coisa perece para o dono.
Explicando melhor, a partir do recebimento provisório, a Administração é responsável
pela guarda e conservação do objeto do contrato, afastando qualquer responsabilidade do
contratado. Por exemplo, a Administração recebe provisoriamente uma obra, um prédio
público. Ela, por via de consequência, deve tomar providências para guardá-lo, conservá-
lo. Imagine-se, então, que, depois do recebimento provisório, a Administração deixa o
prédio sem qualquer vigilância e meliantes o invadem, furtando alguns objetos e destruindo
partes da obra. A responsabilidade é exclusivamente da Administração. Ao contratado,
como o objeto foi recebido provisoriamente pela Administração, não é imputável qualquer
responsabilidade.
Cumpre enfatizar que o recebimento provisório não importa liberação das obrigações
do contratado, o que somente ocorre com o recebimento definitivo. Logo, a Administra­
ção não deve usar nem consumir o objeto do contrato a partir do recebimento provisório
e antes do definitivo. O recebimento definitivo expressa a aceitação da Administração.
O recebimento definitivo é o reconhecimento da Administração de que o contratado adim­
pliu suas obrigações.
Evidentemente, o contratado não pode ser compelido a permanecer perpetuamente
à espera do aceite da Administração. É necessário que a Administração expresse sua
concordância ou discordância com o que foi executado pelo contratado. Se, ao analisar
o objeto, a Administração depara-se com falhas e incorreções, o contratado é obrigado a
corrigir ou refazer o objeto do contrato, em obediência ao artigo 119 da Lei nº 14.133/2021.
Portanto, a Administração, se não recebe em definitivo o objeto do contrato, deve
firmar documento ou laudo, indicando os motivos pertinentes, que ensejam a recusa.
O contratado, no exercício do contraditório e da ampla defesa, pode manifestar-se e,
inclu­sive, requerer que se reexamine o objeto do contrato. Se a Administração mantém
a sua posição de recusa, o contratado deve acatá-la, corrigindo ou refazendo o objeto do
contratado, ou deve procurar a via judicial, reclamando a realização de perícia.
Cumpre registrar que, a teor do §2º do artigo 140 da Lei nº 14.133/2021, “o recebimento
provisório ou definitivo não excluirá a responsabilidade civil pela solidez e pela segurança
da obra ou serviço nem a responsabilidade ético-profissional pela perfeita execução do
contrato, nos limites estabelecidos pela lei ou pelo contrato”. O supracitado dispositivo não
pretende perpetuar a responsabilidade do contratado, deixando-o sempre suscetível aos
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
957

rompantes da Administração. Por força da lógica, se a Administração recebeu em definitivo


o objeto do contrato, é porque verificou o que foi executado e o aceitou. À Administração não
é permitido rever esse ato a qualquer tempo, produzindo clima de incerteza, incompatível
com o princípio fundamental da segurança jurídica. A responsabilidade do contratado, a
que se refere o §2º do artigo 140 da Lei nº 14.133/2021, mesmo posterior ao recebimento
definitivo, diz respeito apenas a aspectos não aparentes do objeto, a vícios que se podem
denominar ocultos, como ocorre com a solidez de uma obra de engenharia, que é difícil de
ser aferida pela Administração ainda que no prazo de vistoria ou observação outorgado
pela lei.
Em resumo, com o recebimento definitivo, a Administração exime o contratado de
qualquer responsabilidade em relação a supostos vícios aparentes. A responsabilidade
do contratado persiste no tocante aos vícios ocultos ou não aparentes. Quanto a tal
responsabilidade, preconizada no §2º do artigo 140 da Lei nº 14.133/2021, devem-se seguir
as normas de direito privado, como permite o artigo 89, também da Lei nº 14.133/2021.
Se o objeto é equivocadamente recebido em definitivo pela Administração – isto é,
foi recebido quando não deveria ter sido, em vista de algum defeito ou incorreção aparente
–, é imperativo que se instaure sindicância ou de pronto processo administrativo, a fim
de apurar as responsabilidades, buscando que os agentes administrativos responsáveis
indenizem os prejuízos suportados pela Administração – evidentemente se atendidos os
pressupostos para a responsabilização daqueles, entre os quais a configuração do dolo ou
do erro grosseiro (culpa grave), em conformidade com o artigo 28 da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro.

10.1 Procedimento para o recebimento provisório e definitivo


De acordo com a alínea “a” do inciso I do artigo 140 da Lei nº 14.133/2021, no que
tange às obras e aos serviços, o fiscal do contrato é responsável pelo recebimento provisório,
“mediante termo detalhado, quando verificado o cumprimento das exigências de caráter
técnico”. Portanto, em relação às obras e aos serviços, o fiscal deve avaliar se o contratado
executou o objeto do contrato e deve produzir documento que detalhe os serviços e as obras
executadas.
Realizado o recebimento provisório, em conformidade com a alínea “b” do inciso I do
artigo 140 da Lei nº 14.133/2021, passa-se a verificar se o contratado cumpriu todas as demais
exigências contratuais, o que é de competência de servidor ou de comissão designada pela
autoridade competente. O recebimento definitivo, sob essas condições, é especialmente
importante em relação aos serviços contínuos em que os empregados do contratado são
dedicados exclusivamente à execução do contrato, diante das providências exigidas da
Administração no §3º do artigo 121 da Lei nº 14.133/2021.
Em muitos lugares, o recebimento definitivo é realizado pelo fiscal do contrato, que
representa a Administração durante a sua execução. O fato é que, de acordo com as alíneas
“a” e “b” do inciso I do artigo 140, ele é responsável apenas pelo recebimento provisório, não
pelo definitivo. A rigor, não existe nada que impeça a sua designação para o recebimento
definitivo, até porque ele é um servidor e, pois, nessa qualidade, entre os demais servidores,
pode ser designado, conforme a alínea “b” do inciso I do artigo 140 da Lei nº 14.133/2021.
Mas, em princípio, não há nada na lei que outorgue a ele de antemão tal incumbência.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
958 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

As regras sobre o recebimento são diferentes no tocante às compras. A alínea “a”


do inciso II do artigo 140 da Lei nº 14.133/2021 atribui ao fiscal o recebimento provisório,
porém, sem exigir dele a verificação do cumprimento das exigências de caráter técnico.
O dispositivo estabelece que o recebimento provisório relacionado às compras se dá
de forma sumária, “[...] com verificação posterior da conformidade do material com as
exigências contratuais”. Ou seja, o fiscal recebe os objetos e procede à avaliação mais
superficial e panorâmica, sem se ater aos detalhes atinentes à especificação do objeto. Esses
detalhes devem ser analisados na sequência, quando do recebimento definitivo, que é
incumbência de servidor ou comissão designada pela autoridade competente.
A Lei nº 14.133/2021 não fixou prazos para os recebimentos provisório e definitivo.
Preferiu, no §3º do seu artigo 140, prever que os prazos e métodos para os recebimentos
sejam definidos em regulamento ou no contrato. Na verdade, em interpretação sistemática,
a definição dos critérios e condições para o recebimento do objeto, medição e pagamento
deve estar no edital e no contrato, sem prejuízo de se produzir regulamento para que sejam
estabelecidas regras internas gerais para os órgãos e entidades administrativas.
Nessa direção, dentro da Lei nº 14.133/2021, pode-se destacar: (i) o inciso III do caput
do artigo 18 exige que na etapa preparatória sejam definidas as condições de execução,
recebimento e pagamento; (ii) a alínea “g” do inciso XXIII do artigo 6º determina que o
termo de referência disponha sobre critérios de medição e pagamento; (iii) o caput do artigo
25 determina que o edital contenha regra relativas à entrega do objeto e às condições de
pagamento; (iv) e o inciso VI do artigo 92 exige que o contrato verse expressamente sobre
“os critérios e a periodicidade da medição, quando for o caso, e o prazo para liquidação e
para pagamento”.
Dessa sorte, reconhece-se discricionariedade à Administração para que ela defina
as condições de recebimento do objeto e de pagamento, o que abrange o estabelecimento
de prazos, indicação de critérios e métodos, bem como a organização dos trâmites e das
competências internas para a produção de tais atos. No entanto, realça-se, a Administração
não goza da mínima discricionariedade para não tratar do assunto na etapa preparatória,
no edital e no contrato. Quer dizer que não há discricionariedade para se omitir sobre o
assunto nem para abordá-lo com vagueza. Trata-se de informação crucial para o contrato,
sob pena de ilegalidade. As regras a respeito do recebimento e pagamento devem ser claras
nos contratos, porque os contratados não podem ficar à mercê da Administração por tempo
indefinido nem podem ser surpreendidos por critérios e condicionantes não contratados.
A rigor, os prazos, critérios e condicionantes para recebimento e pagamento devem ser
claros desde a publicação do edital, porque determinantes para a formação das propostas.
Registre-se que, em âmbito federal, foi expedida a Instrução Normativa SEGES/
ME nº 77/2022, que versa sobre a observância da ordem cronológica de pagamento para a
Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional e que, também, estabelece
balizas para os recebimentos e pagamentos. É de ressaltar, de início, que o artigo 2º da
sobredita Instrução Normativa determina que ela se aplica para os demais entes da federação
“quando executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias”.
Pois bem, o artigo 6º da referida Instrução prescreve que os prazos para recebimento
e pagamento devem constar do instrumento de contrato ou documento equivalente.
O artigo 7º, por sua vez, prescreve que os prazos são limitados a: “I – 10 (dez dias) úteis
para a liquidação da despesa, a contar do recebimento da nota fiscal ou instrumento de
cobrança equivalente pela Administração; II – 10 (dez dias) úteis para pagamento, a contar
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
959

da liquidação da despesa”. Logo, tais prazos são considerados máximos, e não mínimos.
O §2º do mesmo artigo 7º preceitua que, “para as contratações decorrentes de despesas cujos
valores não ultrapassem o limite de que trata o inciso II do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021,
os prazos de que dos incisos I e II do caput serão reduzidos pela metade”.
Chama a atenção que os referidos prazos sejam significativamente mais curtos do
que os consignados na Lei nº 8.666/1993, vigente por décadas. De lembrar que, pela alínea
“a” do inciso I do artigo 73 da Lei nº 8.666/1993, combinado com o seu §3º, o prazo para o
recebimento provisório em obras e serviços era de 15 (quinze) dias, e para o recebimento
definitivo de até 90 (noventa) dias a contar do recebimento provisório. O prazo para
pagamento, consoante a alínea “a” do inciso XIV do caput do artigo 40 da Lei nº 8.666/1993,
não deveria ser superior a 30 (trinta) dias. Esses prazos, preceituados na Lei nº 8.666/1993,
realmente eram muito alongados e não razoáveis, somados atingiam 135 (cento e trinta e
cinco) dias.
Agora, repita-se, diante da Lei nº 14.133/2021, ao menos em âmbito federal, de acordo
com o artigo 7º da Instrução Normativa nº 77/2022, o prazo total para o recebimento foi
limitado a 10 (dez) dias úteis a contar do recebimento da nota fiscal ou instrumento de
cobrança equivalente pela Administração. O novo prazo, indicado na Instrução Normativa,
é mais adequado. No entanto, bem se vê, demandará de órgãos e entidades administrativas
ajustes nas suas rotinas e mesmo que estruturem melhor a gestão dos seus contratos e fluxos
de pagamentos, para que os recebimentos e pagamentos sejam realizados nos prazos mais
curtos da Instrução Normativa.
O §3º do artigo 7º da Instrução Normativa nº 77/2022 admite a prorrogação do prazo,
desde que justificadamente, por igual período, “quando houver necessidade de diligências
para a aferição do atendimento das exigências contratuais”. O §4º, em complemento,
ressalva que “o prazo para a solução, pelo contratado, de inconsistências na execução
do objeto ou de saneamento da nota fiscal ou de instrumento de cobrança equivalente,
verificadas pela Administração durante a análise prévia à liquidação de despesa, não será
computado para os fins de que trata o inciso I do caput e o §2º deste artigo”. Logo, se houver
necessidade de diligência para apurar se o objeto foi de fato executado em conformidade
com o contrato, o prazo para o recebimento pode ser prorrogado. Em acréscimo, se o objeto
não tiver sido executado em conformidade com o contrato e for necessária diligência para
que o contratado promova ajustes ou correções, o prazo para o recebimento é suspenso até
que os ajustes ou correções sejam realizados.

11 Pagamento
A Lei nº 14.133/2021 não predefiniu condições, critérios e prazos para os pagamentos.
Preferiu-se deixar o assunto em aberto, para que a Administração dispusesse sobre ele
de acordo com as peculiaridades de cada contrato. Nem ao menos um prazo referencial
foi indicado. Sem embargo, o legislador impôs à Administração definir as condições de
recebimento e pagamento já na etapa preparatória, o que deve ser expresso no termo de
referência, diante da interpretação conjunta do inciso III do caput do artigo 18 e da alínea
“g” do inciso XXIII do artigo 6º, ambos da Lei nº 14.133/2021. Esses aspectos, definidos na
etapa preparatória, devem ser expressos no edital, como demanda o caput do artigo 25 da
mesma lei, para que os licitantes tenham clareza sobre eles quando da elaboração das suas
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
960 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

propostas – até porque influem e podem ser até mesmo determinantes para as respectivas
propostas. Além da indicação no edital, o inciso VI do artigo 92 da Lei nº 14.133/2021 exige
que constem do contrato “os critérios e a periodicidade da medição, quando for o caso,
e o prazo para liquidação e para pagamento”, cláusulas que lhe são fundamentais. Daí
que a omissão ou a vagueza da Administração sobre condições, critérios e prazos para
os pagamentos constitui ilegalidade, que pode importar na invalidação ou convalidação
dos respectivos atos omissos ou vagos e na responsabilização dos agentes administrativos
faltosos, a depender das peculiaridades do caso.
O pagamento, por regra, depende do anterior cumprimento das obrigações pela
contratada e do recebimento do objeto executado pela Administração, tudo na forma do que
dispõe o contrato. O artigo 62 da Lei nº 4.320/1964 prescreve que “o pagamento da despesa
só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação”. A liquidação, por sua vez,
em acordo com o artigo 63 da Lei nº 4.320/1964, “consiste na verificação do direito adquirido
pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito”.
Então, execução do objeto, recebimento (liquidação) e pagamento são atos que se devem
dar de modo sucessivo, sendo que um depende do outro, nesta ordem.
O inciso V do artigo 92 da Lei nº 14.133/2021 determina que o contrato trate de
“critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do
efetivo pagamento”. A atualização monetária é devida mesmo que o pagamento seja
realizado dentro do prazo contratado. Ela consiste apenas na correção monetária, que deve
ser apurada da data da comunicação do contratado à Administração do seu adimplemento,
o que costuma ocorrer com a apresentação de fatura, até a data do efetivo pagamento.
A Administração deve esclarecer no edital como a atualização deve ser realizada, sobre
quais parâmetros. Portanto, a atualização não revela nenhuma espécie de penalidade à
Administração.
O inciso XIV do artigo 92 da Lei nº 14.133/2021 obriga, ainda, o contrato a versar
sobre “os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores
das multas e suas bases de cálculo”. Nesse contexto, o contrato também deve disciplinar
a mora da Administração e os seus efeitos, inclusive dispondo dos encargos que lhe são
decorrentes, como juros e correção monetária.
A propósito, é permitido ao edital, inclusive, prescrever multa contra a Administração,
como penalidade à mora.764 Veja-se que o inciso XIV do artigo 92 da Lei nº 14.133/2021 refere-
se às “partes”, Administração e contratada, consignando que pode haver penalidades para
ambas, inclusive, expressamente, multas. Essa medida é conveniente porque demonstra aos
interessados em participar da licitação que a Administração pretende realmente honrar os
seus compromissos em dia, tanto que ela mesma se compromete a arcar com multa se não
o fizer. Isso confere credibilidade e serve como incentivo para que os licitantes reduzam
os seus preços.

764
O Tribunal de Conas da União, antes da Lei nº 14.133/2021, editou a Súmula nº 226, cujo teor é o seguinte: “É indevida
a despesa decorrente de multas moratórias aplicadas entre órgãos integrantes da Administração Pública e entidades
a ela vinculadas, pertencentes à União, aos Estados, ao Distrito Federal ou aos Municípios, quando inexistir norma
legal autorizativa”. Não se deve interpretar tal súmula no sentido de que é proibido estabelecer multa em desfavor
da Administração em contratos administrativos. A multa vedada pela referida súmula é aquela estipulada entre
dois órgãos ou entidades da Administração Pública, logo de efeito interno. A súmula não se opõe à multa entre a
Administração e o contratado, terceiro que não se confunde com órgão ou entidade da Administração Pública.
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
961

Como já noticiado no tópico precedente, a Secretaria Especial de Desburocratização,


Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia produziu a Instrução Normativa
nº 77/2022, que trata da observância da ordem cronológica de pagamento para a
Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional e que também estabelece
balizas para os recebimentos e pagamentos. Ressalta-se, mais uma vez, que o artigo 2º da
sobredita Instrução Normativa determina que ela se aplica para os demais entes da federação
“quando executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias”.
Salienta-se, novamente, que o artigo 7º da referida Instrução Normativa prescreve
que os prazos são limitados a: “I – 10 (dez dias) úteis para a liquidação da despesa, a contar
do recebimento da nota fiscal ou instrumento de cobrança equivalente pela Administração;
II – 10 (dez dias) úteis para pagamento, a contar da liquidação da despesa”. Tais prazos,
bem se vê, são considerados máximos, e não mínimos. O §2º do mesmo artigo 7º preceitua
que, “para as contratações decorrentes de despesas cujos valores não ultrapassem o limite
de que trata o inciso II do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021, os prazos de que dos incisos I e
II do caput serão reduzidos pela metade”.
Como também já apontado, o prazo para pagamento, consoante a alínea “a” do inciso
XIV do caput do artigo 40 da Lei nº 8.666/1993, não deveria ser superior a 30 (trinta) dias.
A prática assentada da Administração diante da Lei nº 8.666/1993 é a previsão contratual
do prazo de até 30 (trinta) dias para pagamento. Insista-se em que, sob a Lei nº 14.133/2021,
a Instrução Normativa nº 77/2022 reduziu esse prazo em âmbito federal para, no máximo,
10 (dez) dias úteis, o que requer a atenção de muitos órgãos e entidades administrativas.
O §5º do artigo 7º da Instrução Normativa nº 77/2022 preceitua que, “na hipótese de
caso fortuito ou força maior que impeça a liquidação ou o pagamento da despesa, o prazo
para o pagamento será suspenso até a sua regularização, devendo ser mantida a posição
da ordem cronológica que a despesa originalmente estava inscrita”. Podem-se antever, com
certa facilidade, hipóteses de caso fortuito ou de força maior que impeçam a liquidação
(recebimento). Imagine-se a interdição de uma estrada que leva ao local de execução de
uma obra. A interdição é evento necessário e inevitável para a Administração, que a impede
de acessar o local da obra e verificar se ela foi executada em conformidade com o contrato.
Logo, até que a interdição seja levantada, o prazo para recebimento permanece suspenso.
Sem embargo, é mais difícil que ocorram hipóteses de caso fortuito ou de força maior que
impeçam o pagamento, porque ele é medida administrativo-burocrática. O caso fortuito ou
de força maior teria de afetar as atividades administrativo-burocráticas da Administração,
como, por exemplo, greve de servidores ou bancários que impedisse o pagamento, alguma
adversidade climática que prejudicasse as atividades da Administração ou outras situações
do gênero.
O §6º do artigo 7º da Instrução Normativa nº 77/2022 autoriza o pagamento parcial
diante da insuficiência de recursos disponíveis – alegação frequentemente utilizada
para justificar o inadimplemento da Administração. Ou seja, sem recursos suficientes, o
pagamento pode ser realizado parcialmente, complementado quando o orçamento da
Administração for normalizado.

11.1 Pagamento de parte incontroversa


O artigo 143 da Lei nº 14.133/2021 prescreve que, “no caso de controvérsia sobre a
execução do objeto, quanto à dimensão, qualidade e quantidade, a parcela incontroversa
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
962 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

deverá ser liberada no prazo previsto para pagamento”. Havendo dissenso sobre o que foi
executado pelo contratado, a parte controversa não deve ser paga e a parte incontroversa
deve ser paga. Ocorre que, muitas vezes, parcelas de pagamentos são retidas em razão de
dissenso parcial e de menor monta, o que gera prejuízos aos contratados.
Pondera-se que a regra do artigo 143 da Lei nº 14.133/2021 deve ser obtemperada
diante das particularidades de cada contrato e não tem lugar naqueles em que o objeto
somente tem utilidade na sua integridade, não cabendo dividi-lo em partes. Nesses casos,
a Administração não deve realizar qualquer pagamento, porque não há utilidade em pagar
por algo que não lhe será útil até que o todo seja executado.

11.2 Pagamento antecipado


Por regra, a Administração contrata, recebe o objeto do contrato, liquida a despesa
e paga (artigo 62 da Lei nº 4.320/1964).765 Ou seja, paga depois da execução do objeto do
contrato. No entanto, em situações excepcionais, com as devidas justificativas, cautelas e
garantias, autoriza-se o pagamento antecipado.
O pagamento antecipado é reconhecido e tratado na legislação por muito tempo.
O artigo 38 do Decreto Federal nº 93.872/1986, que dispõe sobre a unificação dos recursos
de caixa do Tesouro Nacional, autoriza o pagamento antecipado, desde que “mediante as
indispensáveis cautelas e garantias”.766
O pagamento antecipado também é tratado na Lei nº 14.133/2021. O caput do seu
artigo 145, como regra geral, proíbe o pagamento antecipado. O §1º do artigo 175, no
entanto, esclarece:

[...] a antecipação de pagamento somente será permitida se propiciar sensível economia


de recursos ou se representar condição indispensável para a obtenção do bem ou para a
prestação do serviço, hipótese que deverá ser previamente justificada no processo licitatório
e expressamente prevista no edital de licitação ou instrumento formal de contratação direta.

Em complemento, o §2º do mesmo artigo prevê que “a Administração poderá exigir


a prestação de garantia adicional como condição para o pagamento antecipado”. Em
arremate, o §3º, também do artigo 175, ressalva que, “caso o objeto não seja executado no
prazo contratual, o valor antecipado deverá ser devolvido”.
Não é demais ressaltar que as condições de pagamento devem ser dispostas já na
etapa preparatória da licitação (inciso III do caput do artigo 18 e da alínea “g” do inciso
XXIII do artigo 6º, ambos da Lei nº 14.133/2021) e estar previstas expressamente no edital
e no contrato (caput do artigo 25 e inciso VI do artigo 92, ambos da Lei nº 14.133/2021).
Logo, o pagamento antecipado deve ser contratado. Ele não surge de surpresa no curso da
execução contratual, como uma espécie de benesse da Administração ao contratado. O §1º
do artigo 145 da Lei nº 14.133/2021, sob esse manto, prescreve que a hipótese de pagamento

765
“Art. 64. A ordem de pagamento é o despacho exarado por autoridade competente, determinando que a despesa
seja paga”.
766
“Art. 38. Não será permitido o pagamento antecipado de fornecimento de materiais, execução de obra, ou prestação
de serviço, inclusive de utilidade pública, admitindo-se, todavia, mediante as indispensáveis cautelas ou garantias,
o pagamento de parcela contratual na vigência do respectivo contrato, convênio, acordo ou ajuste, segundo a forma
de pagamento nele estabelecida, prevista no edital de licitação ou nos instrumentos formais de adjudicação direta”.
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
963

antecipado deve ser “previamente justificada no processo licitatório e expressamente


prevista no edital de licitação ou instrumento formal de contratação direta”.
A propósito, registre-se que é permitido alterar o contrato por acordo entre as partes,
na forma da alínea “c” do inciso II do caput do artigo 124 da Lei nº 14.133/2021:

quando necessária a modificação da forma de pagamento por imposição de circunstâncias


supervenientes, mantido o valor inicial atualizado e vedada a antecipação do pagamento
em relação ao cronograma financeiro fixado sem a correspondente contraprestação de
fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço.

Ou seja, é legal alterar a forma de pagamento, porém, não para prever o pagamento
antecipado. Repita-se que, nos termos da Lei nº 14.133/2021, o pagamento antecipado é
excepcional, faz parte do contrato original, ele não surge no transcurso da relação contratual.
Os riscos do pagamento antecipado são altíssimos. Pura e simplesmente, pode
acontecer de a Administração Pública pagar e não receber o objeto que foi contratado ou
ainda receber com inadequações que impossibilitem, no todo ou em parte, sua fruição.
Sob essa perspectiva, não se pode jamais perder de vista que o pagamento antecipado
é exceção e, sendo assim, deve ser amplamente justificado, como exige o §1º do artigo 145 da
Lei nº 14.133/2021. Aliás, a justificativa deve ser amparada em duas hipóteses alternativas,
tudo conforme o dispositivo supracitado. Ou o pagamento antecipado propicia sensível
economia de recursos ou ele é condição indispensável para a obtenção do bem ou prestação
do serviço.
Se o pagamento antecipado não for “condição indispensável”, conforme o §1º do
artigo 145 da Lei nº 14.133/2021, é obrigatório demonstrar que ele propicia economia
de recursos, que seja vantajoso sob a ótica econômica. É bem complicado demonstrar a
economia de recursos em razão do pagamento antecipado, o que pode ser entrave para a
sua aplicação, dado que depende de muitas variáveis, algumas delas até mesmo subjetivas.
É difícil que essas variáveis sejam identificadas de forma precisa na etapa preparatória da
licitação, momento em que se deve definir, se for o caso, pelo pagamento antecipado.
Ganha destaque que, consoante o §2º do artigo 145 da Lei nº 14.133/2021, o pagamento
antecipado pode ser autorizado sem a prestação de garantias por parte dos contratados,
o que é fator de maior amplificação de riscos. O dispositivo mencionado preceitua que
“a Administração poderá exigir a prestação de garantia adicional como condição para o
pagamento antecipado”. O legislador, claramente, faculta a exigência da garantia adicional,
não a obriga.
É de frisar que, sob a ótica anterior à Lei nº 14.133/2021, os órgãos de controle têm
admitido o pagamento antecipado em condições excepcionais, devidamente justificadas
e sob a prestação de garantia do contratado. Inclusive, são frequentes os casos de agentes
administrativos responsabilizados pelos órgãos de controle porque não justificaram
adequadamente o pagamento antecipado ou não exigiram garantias, o que vem sendo
qualificado como erro grosseiro, com fundamento no artigo 28 da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).767 Insista-se que o §2º do artigo 145 da Lei
nº 14.133/2021, alterando esse quadro, não obriga a exigência de garantia.

767
Para fins de responsabilização perante o TCU, pode ser tipificada como erro grosseiro (art. 28 do Decreto-Lei
nº 4.657/1942 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) a realização de pagamento antecipado sem
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
964 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

Em que pese não obrigatória, em razão dos riscos do pagamento antecipado e


da jurisprudência dos órgãos de controle, a recomendação é que, em regra, os agentes
administrativos exijam sim a garantia referida no §2º do artigo 145 da Lei nº 14.133/2021.
A não exigência de garantia deve ser compreendida em seu contexto como medida de
exceção. Também se recomenda, embora não exigido no dispositivo supracitado, que a não
exigência da garantia seja devidamente motivada.
Pondera-se que a Lei nº 14.133/2021, por disciplinar o pagamento antecipado, pode
gerar sensação de falsa segurança, pode dar a impressão de que ele não seja tão complicado
ou arriscado. Diga-se em alto e bom som: ele é complicadíssimo e arriscadíssimo. O su­
perlativo é didático e se justifica em face dos inúmeros casos problemáticos que se percebem
na jurisprudência dos órgãos de controle. A questão é que as condicionantes e as medidas
facultativas de mitigação de riscos contidas na Lei nº 14.133/2021 não são suficientes para
oferecer segurança ao pagamento antecipado. O interesse público, o erário público e os
agentes públicos permanecem bem vulneráveis, o que se intensifica nas hipóteses em que
o pagamento antecipado não é precedido da apresentação de garantias, como autoriza,
repita-se, o §2º do artigo 145 da Lei nº 14.133/2021.
O autor deste livro e Rodrigo Pironti debruçaram-se sobre a gestão de riscos em
pagamentos antecipados a propósito das medidas de enfrentamento à pandemia de
Covid-19. Fecha-se este tópico com a reprodução das considerações aportadas naquela
ocasião sobre o gerenciamento de riscos decorrentes do pagamento antecipado:

A premissa central é o reconhecimento inequívoco de que o pagamento antecipado é o próprio


evento de risco e, por isso, deve ser precedido de análise cautelosa e ser preventivamente
gerenciado. Seguramente o pagamento antecipado é evento de risco de nível extremo,
notadamente quando desacompanhado de prestação de garantias pelo contratado, em
qualquer matriz que considere minimamente a legislação, as experiências pregressas da
Administração Pública nacional e os possíveis prejuízos financeiros.
Tomando em conta essa premissa central, dentro do processo de estruturação da gestão de
riscos para pagamentos antecipados, sugere-se: a) a criação, se ainda não há, de comitê de
gerenciamento de risco do órgão/entidade; b) que a avaliação desses contratos passe pela
análise antecipada do comitê de gerenciamento de risco do órgão/entidade; e c) que em
todos os casos, essas hipóteses sejam precedidas de due diligence para se determinar de
forma objetiva a idoneidade e capacidade das empresas “beneficiadas” por essa antecipação.
Sob esse contexto, é bastante importante que o pagamento antecipado seja precedido de
efetivo processo de due diligence, para se determinar de forma objetiva a idoneidade e
capacidade das empresas “beneficiadas” por essa antecipação. Práticas como “know your
customer” e “know your supplier” deverão ser implementadas de maneira mais efetiva na
Administração Pública. Não se pode admitir, à vista dos inúmeros escândalos vivenciados
no passado e agora potencializados pela pandemia de COVID-19, que a Administração não
estruture um processo organizado de investigação interna de seus fornecedores, que é algo
comezinho em qualquer relação privada de menor potencial econômico e fundamental em
se tratando de contratações que envolvam o pagamento antecipado realizado com recursos
públicos.
O pagamento antecipado é delicado e pressupõe o fortalecimento do processo de due diligence,
com a aplicação de Questionário de Due Diligence (QDD) específico e, posteriormente, a

justificativa do interesse público na sua adoção e sem as devidas garantias que assegurem o pleno cumprimento
do objeto pactuado (TCU, Plenário. Acórdão nº 185/2019. Rel. Min. Benjamin Zymler, j. 6.2.2019).
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
965

sugestão de medidas mitigadoras amparadas em processo de Gerenciamento de Risco de


Integridade (GRI) dos fornecedores, reduzindo, com isso, a vulnerabilidade da Administração
na opção/adoção da antecipação. É fundamental que esse processo de due diligence seja
previamente estruturado para que ele possa ser célere e adequado às situações emergenciais,
prevendo-se níveis de investigação em harmonia ao grau de emergência da contratação.768

12 A situação de irregularidade fiscal ou previdenciária não autoriza a


retenção do pagamento devido pelos serviços executados
Muitos órgãos e entidades da Administração Pública exigem equivocadamente que
os contratados estejam em e apresentem situação de regularidade fiscal ou previdenciária
como condição para a realização de pagamentos. Essa prática é herança de entendimento
já vencido e revisto pelo Tribunal de Contas da União, que, embora equivocado, vigorou
por período prolongado.769
Enfim, o pretenso fundamento para a referida exigência, de acordo com o enten­
dimento antigo do Tribunal de Contas da União, residia no §3º do artigo 195 da Constituição
Federal, cuja redação é a seguinte: “A pessoa jurídica em débito com o sistema de seguridade
social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”.
Perceba-se que o §3º do artigo 195 da Constituição Federal não condiciona o
pagamento à regularidade com o sistema de seguridade social. O que o referido dispositivo
condiciona é a capacidade de contratar com o Poder Público à regularidade com o sistema
de seguridade social. Nesse sentido caminha o inciso XVI do artigo 92 da Lei nº 14.133/2021,
ao prescrever que o contratado deve manter durante a execução do contrato as condições de
habilitação. Ora, como a regularidade fiscal, incluindo a previdenciária, é quesito obrigatório
de habilitação, é dever do contratado a manter. O contratado que não a mantém descumpre
suas obrigações contratuais e, em vista disso, se a situação não for regularizada, na mais
rigorosa das hipóteses, o contrato deve ser rescindido unilateralmente pela Administração,
nos termos do inciso I do artigo 137 da Lei nº 14.133/2021, e ele, o contratado, apenado, na
forma dos artigos 155 e seguintes da mesma lei.
No entanto, não há nada na Constituição Federal ou na Lei nº 14.133/2021 que
autorize expressamente a retenção dos valores devidos ao contratado por força de situação
de irregularidade fiscal ou previdenciária. Ora, rescindir o contrato e aplicar penalidade ao
contratado é bem diferente de, pura e simplesmente, não pagar.
Como dito, não há nada na Constituição Federal e na Lei nº 14.133/2021 que
autorize o não pagamento. Ao contrário, se o contratado cumpriu sua obrigação perante
a Administração, ele tem o direito de receber a contrapartida devida por ela, sob pena
de enriquecimento sem causa do Poder Público. A situação de irregularidade fiscal ou
previdenciária do contratado não autoriza nem justifica o inadimplemento. Se o contratado
cumpriu suas obrigações, fez o que se comprometeu a fazer, ele deve receber o que lhe é
devido.

768
NIEBUHR, Joel de Menezes; PIRONTI, Rodrigo Aguirre de Castro. Gestão de riscos de pagamentos antecipados.
Zênite Fácil, 23 jun. 2020. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 15 set. 2021.
769
TCU, Plenário. Decisão nº 705/1994. Rel. Min. Paulo Affonso Martins de Oliveira, j. 23.11.1994.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
966 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

Portanto, a Administração Pública não está autorizada a reter pagamentos ao


argumento de que o contratado está em situação irregular perante a Seguridade Social ou,
diga-se de passagem, perante qualquer outra entidade fiscal.
Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Confira-se a
seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO


ADMINISTRATIVO. ILEGALIDADE NÃO CONFIGURADA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO
NÃO DEMONSTRADO. 1. Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança impetrado
por Menezes Serviços de Conveniência Ltda. contra ato do Prefeito de Laranjeiras/SE,
consubstanciado na retenção de pagamento por serviços prestados à Municipalidade, sob a
alegação de que a empresa não teria apresentado certidão de regularidade fiscal de tributos
federais. 2. O Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe concedeu parcialmente a ordem,
para determinar à autoridade impetrada, exclusivamente, que se abstenha de condicionar
o pagamento relativo às faturas das notas fiscais referentes aos serviços executados,
decorrentes do contrato administrativo 55/2013, à apresentação de certidões negativas de
débitos e/ou de regularidade fiscal (fls. 121-129, e-STJ). 3. A decisão impugnada não merece
reforma, pois cabe à recorrente cumprir com sua obrigação de apresentar a comprovação
de sua regularidade fiscal, sob pena de ver rescindido o contrato com o Município pelo
descumprimento de cláusula contratual, em que pese ser vedada a retenção do pagamento
pelos serviços prestados, como ocorreu na espécie, no que tange às notas fiscais apresentadas
na petição inicial.770

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é antiga e desde muito se opunha


à do Tribunal de Contas da União – a falta de deferência por parte do Tribunal de Contas
da União ao Poder Judiciário é causa de insegurança jurídica e incerteza, em prejuízo dos
agentes administrativos e, especialmente, dos contratados. O Tribunal de Contas da União,
no entanto, reviu o seu antigo posicionamento, agora alinhado com o do Superior Tribunal
de Justiça. A título ilustrativo, leia-se:

Consulta – Execução contratual – Pagamento a fornecedores em débito com o sistema de


seguridade social que constem do sistema de cadastramento unificado de fornecedores –
Conhecimento – Resposta à consulta.
1. Nos contratos de execução continuada ou parcelada, a Administração deve exigir a
comprovação, por parte da contratada, da regularidade fiscal, incluindo a seguridade social,
sob pena de violação do disposto no §3º do artigo 195 da Constituição Federal, segundo o
qual “a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido
em lei, não poderá contratar com o poder público nem dele receber benefícios ou incentivos
fiscais ou creditícios”.
2. Nos editais e contratos de execução continuada ou parcelada, deve constar cláusula que
estabeleça a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, as
condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação, prevendo, como sanções para
o inadimplemento dessa cláusula, a rescisão do contrato e a execução da garantia para
ressarcimento dos valores e indenizações devidos à Administração, além das penalidades
já previstas em lei (arts. 55, inciso XIII, 78, inciso I, 80, inciso III, e 87, da Lei nº 14.133/2021).

770
STJ, Segunda Turma. MS nº 53.467/SE. Rel. Min. Herman Benjamin, j. 27.6.2017.
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
967

3. Verificada a irregular situação fiscal da contratada, incluindo a seguridade social, é vedada


a retenção de pagamento por serviço já executado, ou fornecimento já entregue, sob pena
de enriquecimento sem causa da Administração.771

De todo modo, é importante ressaltar que o contratado em situação de irregularidade


fiscal ou previdenciária descumpre as suas obrigações contratuais, como deflui do inciso XVI
do artigo 92 da Lei nº 14.133/2021. Por via de consequência, se a situação de irregularidade
persistir, o contrato pode vir a ser rescindido, com fundamento no inciso I do artigo 137 da
Lei nº 14.133/2021, e o contratado até mesmo apenado, em consonância com os artigos 155
e seguintes da mesma lei. É a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

Pode a Administração rescindir o contrato em razão de descumprimento de uma de suas


cláusulas e ainda imputar penalidade ao contratado descumpridor. Todavia a retenção
do pagamento devido, por não constar do rol do artigo 87 da Lei nº 14.133/2021, ofende o
princípio da legalidade, insculpido na Carta Magna.772

Sem embargo, pondera-se que a rescisão não deve ser considerada consequência
automática e inevitável diante de situação de irregularidade perante a seguridade social
ou qualquer outra entidade fiscal. Sucede que a rescisão produz efeitos drásticos e muitas
vezes prejudiciais à Administração. Portanto, antes de partir para a rescisão do contrato, é
aconselhável que a Administração oportunize ao contratado a regularização da situação,
dando-lhe prazo adequado para tal desiderato, que deve ser avaliado diante de cada caso
concreto.
A rescisão não deve ser açodada. Isso não quer dizer, no entanto, que a Administração
deva ser leniente com contratados inadimplentes, que não mantêm as suas condições
de habilitação, entre as quais a regularidade fiscal. Se for o caso, se a situação não for
regularizada, a rescisão unilateral do contrato, por falta do contratado, é medida que se
impõe.
Outrossim, a rescisão permite à Administração executar a garantia contratual, para
ressarcimento dos prejuízos, bem como os valores das multas e das indenizações, conforme
o inciso III do caput do artigo 139 da Lei nº 14.133/2021, e, ainda, reter pagamentos devidos
ao contratado até o limite dos prejuízos causados, dessa feita com amparo no inciso IV do
mesmo artigo.
Trocando-se em miúdos, a rescisão do contrato por culpa do contratado confere à
Administração o direito de executar garantia e reter os pagamentos devidos ao contratado
para fazer frente aos prejuízos por ele causados. Portanto, se o contratado não mantém
situação de regularidade com a seguridade social ou qualquer outra de ordem fiscal, à
Administração, no final das contas, ao rescindir o contrato administrativo, é permitido
reter os pagamentos. No entanto, ela só pode fazê-lo na medida dos prejuízos que lhe são
causados. A ela não é permitido reter, de cambulhada, os valores devidos ao contratado
em sua totalidade, sem parâmetros, em montante superior aos prejuízos a ela causados.
A título ilustrativo, imagine-se que o contratado recolheu os encargos relativos ao
sistema de seguridade social, bem como todos os encargos trabalhistas e outros legais

771
TCU, Plenário. Acórdão nº 964/2012. Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, j. 25.4.2012.
772
STJ, Segunda Turma. Agravo de Instrumento nº 1.030.498/RO. Rel. Min. Castro Meira, j. 9.9.2008.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
968 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

pertinentes a contrato firmado com a Administração. No entanto, em razão de outros


contratos ou de outra situação qualquer, não diretamente relacionada ao contrato firmado
com a Administração, ele não mantém a regularidade com o sistema de seguridade social.
A Administração deve rescindir o contrato e apurar os prejuízos que lhe foram causados.
Suponha-se que a Administração deva pagar ao contratado, por tudo que ele executou,
R$200.000,00, porém, em vista da rescisão, ela apura prejuízo de R$100.000,00. Nesse caso,
a Administração pode reter R$100.000,00, não R$200.000,00. Ela deve pagar a diferença entre
o valor devido ao contratado e os prejuízos por ele causados, que é de R$100.000,00. Não
há justificativa para a Administração reter valores além do necessário para fazer frente aos
prejuízos provocados em razão da rescisão. A propósito, é possível, inclusive, que não haja
prejuízo. Se assim o for, não há justificativa para que a Administração retenha sequer um
centavo do pagamento devido ao contratado.
De modo geral, as considerações deduzidas neste tópico foram sistematizadas no
artigo 8º da Instrução Normativa SEGES/ME nº 77/2022, que vale para a Administração
Pública Federal direta, autárquica e fundacional e para os demais entes da federação nas
hipóteses em que executam recursos da União decorrentes de transferências voluntárias.
Leia-se o artigo 8º da Instrução Normativa:

Art. 8 Previamente ao pagamento, a Administração deve verificar a manutenção das


condições exigidas para a habilitação na licitação, ou para a qualificação, na contratação
direta.
§1º A eventual perda das condições de que trata o caput não enseja, por si, retenção de
pagamento pela Administração.
§2º Verificadas quaisquer irregularidades que impeçam o pagamento, a Administração
deverá notificar o fornecedor contratado para que regularize a sua situação.
§3º A permanência da condição de irregularidade, sem a devida justificativa ou com justi­
ficativa não aceita pela Administração, pode culminar em rescisão contratual, sem prejuízo
da apuração de responsabilidade e da aplicação de penalidades cabíveis, observado o
contraditório e a ampla defesa.
§4º É facultada a retenção dos créditos decorrente do contrato, até o limite dos prejuízos
causado à Administração Pública e das multas aplicadas, nos termos do inciso IV do
art. 139 da Lei nº 14.133, de 2021.

Note-se que, embora a Administração tenha de verificar as condições de habilitação


por ocasião do pagamento, este não deve deixar de ser realizado porque o contratado não
as mantém. Neste caso, o contratado deve ser notificado para regularizar a situação e, caso
não regularize, o contrato pode vir a ser rescindido – o que, também, não é consequência
automática da não regularização. Os prejuízos eventualmente causados à Administração e
multas aplicadas, estes sim podem ser descontados dos pagamentos contratados.

13 O registro no Cadin não impede a contratação e não autoriza a retenção


do pagamento devido pelos serviços executados
A Lei nº 10.522/2002 dispõe sobre o cadastro informativo dos créditos não quitados de
órgãos e entidades federais, conhecido como Cadin. Muitos estados e municípios possuem
o seu próprio Cadin, com legislação própria, porém, com regras muito parecidas com as
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
969

federais. As pessoas físicas e jurídicas responsáveis por obrigações pecuniárias vencidas e


não pagas são inscritas no Cadin (inciso I do artigo 2º). De acordo com o artigo 6º da Lei
nº 10.522/2002:

Art. 6º É obrigatória a consulta prévia ao Cadin, pelos órgãos e entidades da Administração


Pública Federal, direta e indireta, para:
I - realização de operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos;
II - concessão de incentivos fiscais e financeiros;
III - celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a
qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos.

A redação do dispositivo é péssima e confusa. Diz-se que é obrigatório consultar


o Cadin para a celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos e aditamentos.
No entanto, o dispositivo e as demais normas da Lei nº 10.522/2002 não tratam das
consequências da consulta. Daí as dúvidas: em primeiro lugar, quem está registrado no
Cadin é proibido de contratar com a Administração Pública Federal? Em segundo lugar, a
Administração Pública Federal está proibida de pagar aos contratados inscritos no Cadin?
O artigo 6º da Lei nº 10.522/2002 não prescreve que a pessoa inscrita no Cadin está
proibida de contratar. O dispositivo prescreve que o Cadin deve ser consultado e ponto
final. Não está dito que a inscrição impede a contratação. O impedimento de contratar
representaria norma restritiva de direito. Daí que qualquer dispositivo legal que possa
conduzir ao impedimento de contratar deve ser interpretado restritivamente, haja vista
o preceito de hermenêutica de acordo com o qual norma restritiva de direito não admite
interpretação extensiva. A mesma conclusão extrai-se do princípio da legalidade, tal qual
entabulado no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, em vista do qual “ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O particular
inscrito no Cadin não está proibido por lei a firmar contratos administrativos, não há
enunciado normativo nesse sentido.
Ademais, o fato de o sujeito possuir uma dívida com o Poder Público em aberto
não significa que ele não tenha capacidade para contratar com a Administração, que seja
inidôneo ou que possa receber qualquer qualificação equivalente. Logo, impedi-lo de
contratar representaria ofensa ao princípio da isonomia e da competitividade, bem como
à parte final do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, cujo texto prescreve que,
em licitações, a lei “somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. É que, se fosse proibido de
contratar, seria também proibido de participar de licitação, dado que esta é procedimento
de disputa do contrato.
E muito menos o artigo 6º da Lei nº 10.522/2002 proíbe o recebimento de valores
devidos por força da execução de contratos administrativos. Se houvesse norma com esse
teor, ela seria manifestamente contrária ao princípio geral que veda o enriquecimento sem
causa. A título ilustrativo, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE


SERVIÇO. DNER. RETENÇÃO DE PAGAMENTO POR IRREGULARIDADE PERANTE O
SICAF E O CADIN. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO 1. É
ilegal a retenção de pagamento devido em função de serviços regularmente contratados e efetivamente
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
970 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

prestados ao argumento de que a contratada está em situação irregular perante o SICAF, por ausência
de previsão legal e por configurar enriquecimento ilícito da Administração Pública. Precedente:
(AG 2003.01.00.035327-7/DF - TRF 1ª Região - Quinta Turma - Rel. Desem. Federal Selene
Maria de Almeida - DJ 08.03.2004, p. 106) 2. Remessa oficial a que se nega provimento.773

Poder-se-ia questionar qual a consequência da consulta a que refere o artigo 6º da Lei


nº 10.522/2002. É difícil de antever, parece mesmo que não teria consequência alguma, afora
informar ao órgão ou entidade contratante que o seu futuro contratado possui débito com
o Poder Público. Talvez se pudesse notificar o credor a respeito do contrato administrativo
e, por decorrência, dos faturamentos que serão gerados por ele. Sob essa perspectiva, a
norma do artigo 6º da Lei nº 10.522/2002 não teria muita utilidade, como realmente não tem.

14 Medidas diante da possibilidade de responsabilização da Administração


pelo inadimplemento trabalhista e previdenciário do contratado em
terceirização de serviços com dedicação exclusiva de pessoal
Situação diferente é aquela em que o contratado não recolhe os encargos trabalhistas
e previdenciários pertinentes a contrato de terceirização em que os empregados ficam
dedicados exclusivamente à Administração. Ocorre que, nesses casos, por força do §2º do
artigo 121 da Lei nº 14.133/2021 e do Enunciado nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho,774
a Administração pode ser responsabilizada subsidiariamente pelos encargos trabalhistas e
solidariamente pelos previdenciários. Dito de maneira clara, se o contratado não pagar, a
Administração pode ser condenada a fazê-lo em seu lugar.
Ressalva-se que o §2º do artigo 121 da Lei nº 14.133/2021 admite a responsabilidade
da Administração apenas nos contratos de serviços contínuos, que são aqueles que visam
atender à necessidade permanente da Administração. Faz-se o reparo porque, nos termos do
Enunciado nº 331, do Tribunal Superior do Trabalho, a responsabilidade da Administração
não é limitada a contratos de serviços contínuos. Nada impede que a Administração seja
responsabilizada diante de outros tipos de contratos, desde que configurem terceirização e
que o contratado lhe disponibilize empregados de forma exclusiva.

773
TRF-1, Sexta Turma. REOMS nº 0018595-86.2008.4.01.3400. Rel. Des. Kassio Nunes Marques, j. 13.12.2013.
774
O Enunciado nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho foi revisto em face da decisão prolatada pelo Supremo
Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de Constitucionalidade nº 16, em 24.11.2010. O enunciado é o seguinte:
“I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o
tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular
de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração
pública direta, indireta ou fundacional (artigo 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o
tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem
como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e
a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a
responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da
relação processual e conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da administração pública
direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta
culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 14.133/2021, especialmente na fiscalização do cumprimento
das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não
decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI - A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação
referentes ao período da prestação laboral”.
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
971

A propósito, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da


terceirização de serviços por parte da Administração Pública e que a responsabilidade
dela pelo inadimplemento do prestador do serviço não é automática. Confira-se trecho da
ementa:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA COM


REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DO TRABALHO. TER-
CEIRIZAÇÃO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SÚMULA 331, IV E V, DO
TST. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 71, §1º, DA LEI Nº 8.666/93. TERCEIRIZAÇÃO
COMO MECANISMO ESSENCIAL PARA A PRESERVAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO
E ATENDIMENTO DAS DEMANDAS DOS CIDADÃOS. HISTÓRICO CIENTÍFICO. LITE-
RATURA: ECONOMIA E ADMINISTRAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PRECARIZAÇÃO DO
TRABALHO HUMANO. RESPEITO ÀS ESCOLHAS LEGÍTIMAS DO LEGISLADOR. PRE-
CEDENTE: ADC 16. EFEITOS VINCULANTES. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO
E PROVIDO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO EM CASOS SEMELHANTES. [...] 7.
O art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/93, ao definir que a inadimplência do contratado, com referên-
cia aos encargos trabalhistas, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por
seu pagamento, representa legítima escolha do legislador, máxime porque a Lei nº 9.032/95
incluiu no dispositivo exceção à regra de não responsabilização com referência a encargos
trabalhistas. 8. Constitucionalidade do art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/93 já reconhecida por
esta Corte em caráter erga omnes e vinculante: ADC 16, Relator (a): Min. CEZAR PELUSO,
Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010. 9. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido
e, na parte admitida, julgado procedente para fixar a seguinte tese para casos semelhantes:
“O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere
automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja
em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/93”.775

Nesse mesmo sentido, noutro precedente, o Supremo Tribunal Federal ressalvou que
a responsabilidade da Administração depende da comprovação de comportamento dela
sistematicamente negligente e que ela não tem a obrigação de acompanhar pagamento por
pagamento da empresa prestadora dos serviços. Leia-se:

O Supremo Tribunal Federal fixou, na ADC 16, que a mera inadimplência não pode
converter a Administração Pública em responsável por verbas trabalhistas, decidindo
que não é todo e qualquer episódio de atraso na quitação de verbas trabalhistas que
pode ser imputado subsidiariamente ao Poder Público, mas só aqueles que tenham se
reiterado com a conivência comissiva ou omissiva do Estado. Não me parece que seja
automaticamente dedutível, da conclusão deste julgamento, um dever estatal de fiscalização
do pagamento de toda e qualquer parcela, rubrica por rubrica, verba por verba, devida aos
trabalhadores. O que pode induzir à responsabilização do Poder Público é a comprovação
de um comportamento sistematicamente negligente em relação aos terceirizados; ou seja,
a necessidade de prova do nexo de causalidade entre a conduta comissiva ou omissiva do
Poder Público e o dano sofrido pelo trabalhador. Se não houver essa fixação expressa, clara
e taxativa por esta Corte, estaremos possibilitando, novamente, outras interpretações que
acabem por afastar o entendimento definitivo sobre a responsabilização da Administração
Pública nas terceirizações, com a possibilidade de novas condenações do Estado por mero
inadimplemento e, consequentemente a manutenção do desrespeito à decisão desta Corte
na ADC 16.776

775
STF, Plenário. RE nº 760.931/DF. Rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, j. 26.4.2017.
776
STF. Rcl nº 45.550/SP. Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 27.1.2021.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
972 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

Por outro lado, fique claro que o risco de responsabilização da Administração


ocorre apenas nos contratos de terceirização em que o contratado põe à disposição da
Administração empregados em regime de exclusividade. A esse respeito, por exemplo, a
Orientação Jurisprudencial nº 191, da SBDI-1, do Tribunal Superior do Trabalho, é categórica
ao afastar a responsabilidade subsidiária do dono da obra pelo descumprimento das
obrigações trabalhistas por parte do empreiteiro contratado para executá-la:

Diante da inexistência de previsão legal, o contrato de empreitada entre o dono da obra e o


empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas
contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou
incorporadora.

Note-se que, na parte final da orientação jurisprudencial, prevê-se que a Administração,


na qualidade de dona da obra, pode ser responsabilizada se ela própria for considerada
empresa construtora ou incorporadora. Acontece que, nesses casos, o contrato de obra
equivale a uma terceirização de serviços e, sendo assim, ainda que excepcionalmente,
a Administração (dona da obra) pode ser responsabilizada pelo inadimplemento do
contratado.
Feitas essas ressalvas, a Lei nº 14.133/2021 prescreve providências para evitar ou
mitigar o inadimplemento do contrato e o risco de responsabilização da Administração.
Sob essa premissa, a Administração pode e deve exigir do contrato uma série de
providências, que são autorizadas pelo §3º do artigo 121 da Lei nº 14.133/2021:

I - exigir caução, fiança bancária ou contratação de seguro-garantia com cobertura para


verbas rescisórias inadimplidas;
II - condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas
relativas ao contrato;
III - efetuar o depósito de valores em conta vinculada;
IV - em caso de inadimplemento, efetuar diretamente o pagamento das verbas trabalhistas,
que serão deduzidas do pagamento devido ao contratado;
V - estabelecer que os valores destinados a férias, a décimo terceiro salário, a ausências
legais e a verbas rescisórias dos empregados do contratado que participarem da execução
dos serviços contratados serão pagos pelo contratante ao contratado somente na ocorrência
do fato gerador.

Como já destacado, as garantias contratuais devem ser amplas e abrangerem todo


os prejuízos decorrentes da execução do contrato por parte do contratado. Em contratos de
serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra, o prejuízo em potencial para a
Administração mais relevante é justamente o decorrente do inadimplemento das obrigações
trabalhistas e previdenciárias por parte do contratado. Logo, a garantia deve cobrir tais
possíveis prejuízos, inclusive, como frisado na parte final do inciso I do §3º do artigo 121, as
verbas rescisórias inadimplidas. Na verdade, é importante que a Administração mencione
no edital que a garantia a ser apresentada seja abrangente e que cubra ações trabalhistas e
previdenciárias, inclusive verbas rescisórias, para que os licitantes tenham ciência clara da
sua obrigação e para evitar litígios futuros, notadamente porque, a depender da situação,
a garantia com essa cobertura pode demandar condições específicas.
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
973

O inciso II do §3º do artigo 121 permite à Administração “condicionar o pagamento à


comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas relativas ao contrato”. Nestes
casos, não de mera irregularidade fiscal ou previdenciária, porém, de inadimplemento
das obrigações trabalhistas – por consequência, também previdenciárias – diretamente
decorrentes do contrato, a Administração não deve realizar os respectivos pagamentos.
Trata-se, nada obstante a redação do parágrafo, de obrigação da Administração. Sucede
que o contratado somente faz jus ao pagamento depois do seu adimplemento. E, se ele não
honra os encargos trabalhistas e previdenciários pertinentes aos empregados dedicados
exclusivamente à Administração, ele é inadimplente e a Administração, nesta condição,
não pode pagá-lo.
O inadimplemento do contratado não faz nascer a condição que autoriza o pagamento
por parte da Administração. Daí que não há sequer de falar em retenção de pagamento.
Esta, a retenção, pressuporia que tivesse surgido a obrigação da Administração de pagar
e que tivesse acontecido algo posterior que justificasse o sobrestamento desta obrigação.
A rigor, se o contratado não paga os encargos trabalhistas e previdenciários dos empregados
dedicados exclusivamente à Administração, ele não cumpre as obrigações contratadas,
não se configura o adimplemento das obrigações do contratado e, pois, não surge a
obrigação da Administração de pagar. É relevante, igualmente para evitar controvérsias,
que esse condicionamento seja expresso no edital e no contrato, de modo que a sistemática
do contrato para o pagamento preveja como condição antecedente o cumprimento das
obrigações trabalhistas e previdenciárias por parte do contratado.
Com esse objetivo, o artigo 50 da Lei nº 14.133/2021 prescreve:

[...] nas contratações de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, o
contratado deverá apresentar, quando solicitado pela Administração, sob pena de multa,
comprovação do cumprimento das obrigações trabalhistas e com o Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS) em relação aos empregados diretamente envolvidos na execução
do contrato, em especial quanto ao:
I - registro de ponto;
II - recibo de pagamento de salários, adicionais, horas extras, repouso semanal remunerado
e décimo terceiro salário;
III - comprovante de depósito do FGTS;
IV - recibo de concessão e pagamento de férias e do respectivo adicional;
V - recibo de quitação de obrigações trabalhistas e previdenciárias dos empregados
dispensados até a data da extinção do contrato;
VI - recibo de pagamento de vale-transporte e vale-alimentação, na forma prevista em
norma coletiva.

Como consequência, a fiscalização desses contratos de serviços contínuos com


dedicação exclusiva de mão de obra é complexa, demandando da Administração que ela
tenha ciência de todos os empregados postos à sua disposição, controle os horários e as
presenças, bem como empreenda uma espécie de acompanhamento do cumprimento das
obrigações trabalhistas e previdenciárias por parte do contratado, tudo para ter condições de
identificar se os pagamentos devidos aos empregados realmente foram realizados ou não.
Verificado o inadimplemento, a Administração não deve pagar as faturas correspondentes.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
974 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

O Superior Tribunal de Justiça segue o mesmo entendimento:

No caso dos autos, trata-se de exigência dupla: regularidade fiscal e trabalhista. Assim,
diante da distinção das situações acolhidas pela jurisprudência desta Corte, cumpre negar
provimento ao agravo interno, mas esclarecer que a retenção somente pode incidir sobre
os encargos trabalhistas subsidiariamente garantidos pela administração, no limite de suas
respectivas parcelas, e não do valor global dos pagamentos devidos pelos serviços prestados
ou em relação aos débitos fiscais.777

Advirta-se que a mera propositura de ação trabalhista, sem nenhuma referência


à plausibilidade dela ou probabilidade de êxito, não é o bastante para obstaculizar o
pagamento. Ora, os empregados muitas vezes propõem ações temerárias, requerem direitos
que não lhes assistem. E as ações não são julgadas imediatamente, ainda que a justiça
trabalhista seja mais célere do que a comum. Suponha-se uma ação temerária que perdure
por cinco anos, ao fim da qual os pedidos são julgados improcedentes. Não faz sentido
reter os pagamentos devidos ao contratado por cinco anos pura e simplesmente porque
um empregado resolveu pleitear algo indevido.
As ponderações são no sentido de que a mera propositura de ação trabalhista não
justifica o sobrestamento do pagamento. A Administração deve verificar, independentemente
da propositura de ação trabalhista, o cumprimento das obrigações por parte do contratado
e, acaso entender que o contratado descumpriu suas obrigações trabalhistas, daí ela não
deve realizar o respectivo pagamento. Em sentido oposto, se entender que o contratado
cumpriu suas obrigações, deve realizar o respectivo pagamento. Em questões duvidosas
ou controvertidas, deve realizar o pagamento, pressupondo a boa-fé do contratado, em
prestígio à segurança jurídica e ao princípio do pacta sunt servanda (os pactos devem ser
cumpridos). Somente em situações excepcionais, em que o descumprimento das obrigações
do contratado for visível ou em que se constata que ele não terá condições de arcar com a
condenação, é que a Administração deve recusar-se a realizar os pagamentos.
Pois bem, ao verificar o inadimplemento das obrigações trabalhistas e previdenciárias
do contratado, a Administração pode optar pela rescisão do contrato, com fundamento no
inciso I do caput do artigo 137 da Lei nº 14.133/2021. Sem embargo, como forma de evitar
os gravames e os prejuízos à própria Administração decorrentes da rescisão, pode-se optar
pela concessão de prazo para a regularização das obrigações, desde que não haja má-fé ou
incapacidade do contratado de corrigir a situação.
Para além disso, o inciso IV do §3º do artigo 121 autoriza a Administração a, “em
caso de inadimplemento, efetuar diretamente o pagamento das verbas trabalhistas, que
serão deduzidas do pagamento devido ao contratado”. Esse pagamento direto demanda
que a Administração tenha muita atenção aos valores devidos a cada um dos empregados
postos à sua disposição.778 Por isso, é recomendável que a Administração consulte e peça a

777
STJ, Segunda Turma. AgInt no AgInt no REsp nº 1.690.994/DF 2017/0192424-0. Rel. Min. Og Fernandes, j. 5.3.2020.
778
“A única crítica inteiramente despida de fundamento, conforme a unanimidade de posições dos órgãos que atuaram
no feito, consiste naquela endereçada à previsão de retenção de pagamentos em caso de não ser comprovada, pela
contratada, durante a execução da avença, o cumprimento das obrigações trabalhistas, previdenciárias e para com o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). 1. Ao menos em análise abstrata, nota-se aderência a parâmetros
de razoabilidade. De fato, a retenção é proporcional ao inadimplemento e permite que a contratada regularize
a situação, em até 15 (quinze) dias. Apenas em caso de não demonstração da conformidade das obrigações, no
referido prazo, procederá a Administração ao pagamento direto em favor dos empregados vinculados ao contrato,
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
975

confirmação dos valores devidos ao contratado. Sem a anuência do contratado, o eventual


erro do pagamento, inclusive se feito a algum empregado a maior, é ônus da Administração.
Portanto, se há divergência entre a Administração e o contratado sobre o pagamento direto,
por medida de precaução, recomenda-se que a Administração proponha ação cautelar de
depósito ou outro equivalente na justiça trabalhista. A ideia é que a controvérsia seja levada
ao Poder Judiciário, que deve decidir sobre os valores corretos a serem pagos a cada um
dos empregados, mitigando os riscos em relação à Administração.
Nesses contratos de terceirização há uma série de verbas trabalhistas devidas pelo
contratado a seus empregados que depende de eventos futuros e incertos se considerados
em relação à data da contratação, como, por exemplo, adicionais, horas extras, décimo
terceiro salário e verbas rescisórias. Daí que o inciso III do §3º do artigo 121 permite que
a Administração efetue depósito em conta vinculada, justamente para fazer frente a tais
eventos futuros e incertos. Ou seja, os valores são depositados, porém, o contratado somente
pode sacá-los na ocorrência dos sobreditos eventos e nos montantes exatos que lhe sejam
correspondentes.
Na mesma linha, o inciso V do §3º do artigo 121 possibilita à Administração estabelecer
no edital ou no contrato que “os valores destinados a férias, a décimo terceiro salário, a
ausências legais e a verbas rescisórias dos empregados do contratado que participarem da
execução dos serviços contratados serão pagos pelo contratante ao contratado somente na
ocorrência do fato gerador”. Ou seja, em vez de depositar em conta vinculada, como permite
o inciso III, a Administração somente faz o pagamento e despende tais valores quando da
ocorrência comprovada dos fatos que lhe são geradores.
Os incisos III e V do §3º do artigo 121 têm a mesma finalidade, que é evitar o paga­
mento da Administração para o contratado de valores cujos custos somente serão incorridos
por ele no futuro e de forma incerta. As opções são: depositar em conta vinculada e liberar
os recursos diante do evento que gera o pagamento ou não depositar em conta vinculada
e somente pagar diante do evento que gera o pagamento. As medidas obstam que o
contratado disponha dos valores e que dê a eles destinação diversa, mitigando os riscos de
insuficiência de recursos para os pagamentos quando devidos.
Encarece-se que todas as medidas previstas no §3º do artigo 121 da Lei nº 14.133/2021
devem ser dispostas em edital ou em contrato – como o próprio dispositivo exige literalmente.
Isso significa que elas não podem vir de surpresa, no transcurso do contrato. O licitante
deve ter ciência das providências que serão adotadas pela Administração na execução do
contrato, até porque elas afetam os seus custos e, sendo assim, são determinantes para a
formulação das respectivas propostas.
Convém mencionar que a Instrução Normativa SEGES/ME nº 77/2022 trata, de pas­
sagem, sobre as questões atinentes à irregularidade e ao inadimplemento das obrigações
trabalhistas e previdenciárias em contratos de prestação de serviços com dedicação exclusiva
de mão de obra. Os dispositivos são os §2º e 3º do artigo 5º da Instrução Normativa:

com a notificação do sindicato pertinente para acompanhar o procedimento. Além disso, verifica-se que a cautela
da Administração encontra amparo no artigo 55, inciso XIII, da Lei Federal nº 8.666/93, que explicita o dever de
manutenção, durante toda a consecução do contrato, das condições de habilitação demandadas na licitação, entre
as quais se insere a regularidade em relação aos encargos previdenciários e de FGTS” (TCE-SP, Tribunal Pleno.
TC-018208.989.20-2. Rel. Cons. Cristiana de Castro Moraes, j. 2.2.2020).
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
976 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

Art. 5º A ordem cronológica de exigibilidade terá como marco inicial, para efeito de inclusão
do crédito na sequência de pagamentos, a liquidação de despesa. [...]
§2º Nos contratos de prestação de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de
obra, a situação de irregularidade no pagamento das verbas trabalhistas, previdenciárias ou
referentes ao FGTS não afeta o ingresso do pagamento na ordem cronológica de exigibilidade,
podendo, nesse caso, a unidade administrativa contratante deduzir parte do pagamento
devido à contratada, limitada a dedução ao valor inadimplido.
§3º Na hipótese de que trata o §2º, a Administração, mediante disposição em edital ou
contrato, pode condicionar a inclusão do crédito na sequência de pagamentos à comprovação
de quitação das obrigações trabalhistas vencidas.

Veja-se que os dispositivos são mais focados na questão da ordem cronológica para
os pagamentos do que na proteção da Administração em face do inadimplemento do
contratado. De toda forma, extrai-se da interpretação conjunta dos supracitados parágrafos
que a situação de irregularidade trabalhista e previdenciária pode ensejar o desconto parcial
dos valores correspondentes no pagamento, sem afetar sua posição na ordem cronológica
(§2º). Ou, desde que previsto em edital ou contrato, a irregularidade pode obstar a inclusão
do crédito na ordem cronológica e, por via de consequência, obstar o pagamento (§3º).
São alternativas que se abrem à Administração. Ambas as alternativas foram postas na
Instrução Normativa como faculdades da Administração, e não como obrigação. Pondera-
se, no entanto, em acordo com os comentários já deduzidos acima em face do inciso II do
§3º do artigo 121 da Lei nº 14.133/2021, que, nos casos de inadimplemento das obrigações
trabalhistas – por consequência, também previdenciárias – diretamente decorrentes do
contrato, a Administração não deve realizar os respectivos pagamentos. Repita-se, nos
casos de inadimplemento das obrigações por parte do contratado e não mera situação de
irregularidade, deve-se considerar que o contratado não cumpriu a sua obrigação, o que
não gera a obrigação da Administração de realizar o pagamento. Não se trata, insista-se, de
retenção ou medida do gênero. Trata-se da não verificação da condição que gera a obrigação
da Administração de pagar. Essas questões, insista-se, devem estar dispostas no edital ou
no contrato, como exige o §3º do artigo 121 da Lei nº 14.133/2021.

15 Conta vinculada e pagamento pelo fato gerador


O artigo 142 da Lei nº 14.133/2021 prescreve que “disposição expressa no edital
ou no contrato poderá prever pagamento em conta vinculada ou pagamento pela efetiva
comprovação do fato gerador”. Não se esqueça de que os incisos III e V do §3º do artigo 121
já autorizam, respectivamente, o pagamento em conta vinculada e pelo fato gerador nos
contratos de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra. Daí que
se deve considerar que a autorização dada pelo artigo 142 é de abrangência geral, de modo
que os pagamentos em conta vinculada e pelo fato gerador possam ser aplicados em todos
os contratos que forem pertinentes, a depender do juízo discricionário da Administração
externado no edital ou no contrato.
Os pagamentos em conta vinculada e pelo fato gerador são pertinentes a contratos
em que o contratado tenha obrigações sujeitas a eventos futuros e incertos. O emprego deles
faz com que o contratado somente receba efetivamente os valores correspondentes aos
tais eventos futuros e incertos se eles vierem a ocorrer. O pagamento em conta vinculada
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
977

significa que a Administração deposita os valores correspondentes aos eventos e eles


somente podem ser sacados pelo contratado com a anuência da Administração, mediante
a ocorrência dos eventos e as despesas efetivas.779 O pagamento pelo fato gerador importa
que a Administração somente realiza o pagamento quando da realização do evento que lhe
é condicionado, sem adiantar valores nem os depositar previamente em conta vinculada.

16 Remuneração variável
O artigo 144 da Lei nº 14.133/2021 autoriza a previsão no edital e no contrato de
remuneração variável vinculada ao desempenho da contratada, com base em metas, padrões
de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega.
A experiência com remuneração variável na Administração Pública nacional
vem ganhando força especialmente nas contratações de tecnologia da informação e na
terceirização de serviços, áreas em que é corriqueira a previsão do denominado “acordo
de níveis de serviço”, cujo propósito é disciplinar contratualmente a remuneração variável.
O artigo 144 da Lei nº 14.133/2021 autoriza a remuneração variável, que pode ser
formalizada por meio de acordo de níveis de serviço ou não, para todos os contratos,
inclusive obras e serviços de engenharia. A Administração não é obrigada a utilizar a
sistemática de remuneração variável em todos os seus contratos. Ela deve avaliar em quais
contratos a remuneração variável é cabível e pode ser proveitosa.
A remuneração variável somente faz sentido se o nível de satisfação e de utilidade
para o interesse público também puder ser variável. Se não puder, se o interesse público
puder ser atendido de uma maneira apenas, então a Administração não deve prever
remuneração variável. Ou o contrato atende ou não atende, é adimplente ou inadimplente.
Em síntese, a remuneração variável pressupõe que a prestação ao cargo do contratado
também possa ser razoavelmente variável e a variação da prestação impactar o interesse
público.

779
“Quando da prolação do Acórdão 1.214/2013-Plenário, foi levantada questão no sentido de que o procedimento
possa se constituir em prática excessivamente onerosa em confronto com outras formas de fiscalização, tendo em
vista dificuldades para operacionalizar o controle da conta vinculada, especialmente dificuldades no cálculo de
valores a serem liberados, e ações judiciais relativas a outros contratos que bloqueiam os recursos depositados.
Todavia, não houve a formulação de providência específica sobre o assunto. 54. Neste trabalho, a equipe retomou
a questão para argumentar que esse mecanismo deveria ser submetido a avaliação de risco e de custo-benefício
em face de indícios de onerosidade em sua aplicação. Consequentemente, foi proposto recomendar à SLTI que
reavaliasse a obrigação da utilização da conta vinculada, levando em consideração o custo do procedimento e outras
alternativas de fiscalização suscitadas pelo Acórdão 1.214/2013-Plenário (combinação de controles, amostragem,
supervisão, etc.). 55. Em sua manifestação, a SLTI informou que está em processo de revisão o normativo que trata
da contratação dos serviços terceirizados, com avaliação da possibilidade de definir as situações passíveis, ou
não, de adoção da referida conta, em conjunto com a inclusão de requisitos mais rigorosos na qualificação técnica
e econômico-financeira. 56. Segundo avalio, a questão da utilização realmente precisa ser estudada com maior
profundidade. De fato, há indícios de que, em determinadas situações, o procedimento possa se afigurar oneroso.
Todavia, há que se admitir que podem ocorrer outras situações em que o procedimento seja o mais apropriado,
considerando os recursos humanos disponíveis e as condições específicas de cada contratação. De todo modo, não
se pode esquecer que a conta vinculada oferece ao gestor segurança no gerenciamento do contrato, assegurando
que ele não será responsabilizado e a Administração não será onerada, caso a empresa contratada não honre com
suas obrigações trabalhistas. 57. Em vista da intenção da SLTI de revisar as normas a respeito do tema, penso que
se possa alterar a proposta da equipe no sentido de formular recomendação para que a unidade jurisdicionada
elabore estudo de avaliação de custo-benefício e de riscos relacionados à utilização da conta vinculada e, com base
nos resultados obtidos, verifique as possibilidades de manter, ou não, o procedimento e de prever a adoção de
outras formas de controle, como, por exemplo, aquelas suscitadas no Acórdão 1.214/2013-Plenário” (TCU, Plenário.
Acórdão nº 2.328/2015. Rel. Min. Subst. Augusto Sherman Cavalcanti, j. 16.9.2015).
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
978 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

Por exemplo, a Administração contrata a reforma de um auditório e o prazo é de


100 dias. Ela só precisará do auditório depois dos 100 dias. Nesse caso, não faria sentido
majorar a remuneração do contratado se o auditório estiver pronto em 90 dias. A Admi­
nistração e o interesse público não serão beneficiados.
Noutro exemplo, a Administração contrata a manutenção do sistema de informática.
O contrato prevê que o contratado deve atender à chamada da Administração, caso haja
algum problema, em três horas. Nesse caso, se o contratado conseguisse atender à chamada
em menos tempo, em menos de uma hora, por exemplo, faria sentido que a remuneração
dele fosse majorada. Ora, sem o atendimento, o sistema de informática eventualmente
permanece paralisado, paralisando a Administração. Se o contratado vem antes e resolve o
problema antes, minimiza o prejuízo para a Administração. O contratado está sendo mais
eficiente e a Administração incentiva esta eficiência por meio da remuneração variável.
Noutra banda, se o contratado atende ao chamado em quatro horas, faz sentido também
que a remuneração devida a ele seja reduzida. Ele postergou a satisfação da necessidade
da Administração, ampliou seus prejuízos.
A Administração, ao definir os parâmetros para a remuneração variável, deve focar
no princípio da proporcionalidade em sentido estrito, na proporção entre meios e fins, tudo
sob a ótica da economicidade. A remuneração variável deve ser proporcional ao ganho ou
à perda causada pela execução do contrato. O contratado recebe mais na medida do ganho
gerado por ele para a Administração. Recebe menos na medida do prejuízo causado por
ele. Receberá exatamente o que foi contratado, nem mais nem menos, se não causar ganho
nem prejuízo.
Convém salientar que a remuneração variável não é atrelada somente ao prazo de
execução. O artigo 144 da Lei nº 14.133/2021 refere ao desempenho da contratada, com base
em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega.
Esses elementos devem ser objetivados e justificados com força na proporcionalidade e na
economicidade. Insista-se que a remuneração variável depende da prestação variável e
razoável, cuja variação impacta o interesse público.
Nesse sentido, o §2º do artigo 144 da Lei nº 14.133/2021 prescreve que a remuneração
variável deve ser motivada e deve respeitar o limite orçamentário fixado pela Administração
para a contratação, de modo que o valor que varia positivamente para o contratado não
extrapole o que dispõe a Administração em relação ao respectivo contrato.
A remuneração variável pressupõe que o quanto a ser pago ao contratado sofra
variação, que pode ser positiva ou negativa. Realça-se que nada impede a variação positiva,
que o contratado receba valor maior se for mais eficiente. Noutra banda, a variável negativa
é normal, faz parte da remuneração ajustada e não deve ser confundida com a sanção,
especialmente com alguma espécie de multa. A performance do contratado que gera
remuneração com viés positivo ou negativo pressupõe o adimplemento das obrigações
contratuais, a variação se dá sobre margens aceitáveis da parte da Administração. Logo,
dentro das margens de variação de performance, não se cogita de inadimplemento e, por
conseguinte, de qualquer sorte de sanção ou reprimenda. Daí que não há de se falar de
processo administrativo, contraditório e ampla defesa para a apuração dos valores devidos,
com a aplicação das variáveis positivas ou negativas.
O §1º do artigo 144 da Lei nº 14.133/2021 prevê que, em decorrência da remuneração
variável:
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
979

o pagamento poderá ser ajustado em base percentual sobre o valor economizado em


determinada despesa, quando o objeto do contrato visar à implantação de processo
de racionalização, hipótese em que as despesas correrão à conta dos mesmos créditos
orçamentários, na forma de regulamentação específica.

O dispositivo diz respeito a contratos com objetos delimitados, que envolvam


racionalização de despesas, como ocorre nos contratos de eficiência. Lembre-se que, de
acordo com o inciso LIII do artigo 6º da Lei nº 14.133/2021, contrato de eficiência é aquele
“cujo objeto é a prestação de serviços, que pode incluir a realização de obras e o fornecimento
de bens, com o objetivo de proporcionar economia ao contratante, na forma de redução de
despesas correntes, remunerado o contratado com base em percentual da economia gerada”.
Logo, nesses casos, a remuneração do contratado é variável e dependente da economia
gerada, como dispõe o artigo 39 da Lei nº 14.133/2021. Sem embargo, advirta-se que a
remuneração variável cabe noutros contratos que não os de eficiência. O §1º do artigo 144
apenas reforça a premissa da remuneração variável nos contratos de eficiência, sem excluir
a aplicação dela em relação a outros tipos de contrato.

17 Os pagamentos devem ser realizados de acordo com a ordem cronológica


de exigibilidade das faturas
O caput do artigo 141 da Lei nº 14.133/2021 prescreve:

no dever de pagamento pela Administração, será observada a ordem cronológica para cada
fonte diferenciada de recursos, subdividida nas seguintes categorias de contratos:
I - fornecimento de bens;
II - locações;
III - prestação de serviços;
IV - realização de obras.

A realização de pagamentos sem parâmetro, fora da ordem cronológica, de


acordo com o humor dos agentes administrativos, é medida comumente utilizada para
beneficiar apadrinhados e prejudicar desafetos, em total descompasso com os princípios
constitucionais republicanos, entre os quais o da impessoalidade e da moralidade. A rea­
lização de pagamentos segundo a vontade do agente administrativo é instrumento poli­
tiqueiro que perpetua prática clientelista e alimenta a corrupção. Há de se pôr cobro a essa
prática tão prejudicial à Administração Pública, que, em desalinho ao preceituado no caput
do artigo 141 da Lei nº 14.133/2021, ainda, infelizmente, de fato, é a regra. Os órgãos de
controle e, sobretudo, o Ministério Público deveriam atentar mais a esse ponto, exigindo o
cumprimento do caput do artigo 141 da Lei nº 14.133/2021 e, quando for o caso, promovendo
a responsabilidade penal dos agentes administrativos envolvidos, tal qual preceitua o
artigo 337-H do Código Penal.
Portanto, os pagamentos devem ser realizados na ordem cronológica de acordo
com as categorias de contratos definidas nos incisos do caput do artigo 141, o que pode ser
extremamente útil aos contratados, servindo de instrumento para compelir, mesmo que
de maneira oblíqua, a Administração a honrar os seus compromissos contratuais. Ora, se
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
980 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

a Administração deve pagar os contratados de acordo com a ordem cronológica dos seus
créditos, por dedução lógica, noutro lado, os contratados dispõem do direito de que os
pagamentos assim sejam feitos.
Cumpre ressalvar que, de conformidade com o §1º do artigo 141 da Lei nº 14.133/2021,
somente seria permitido à Administração quebrar a ordem cronológica em situações bem
excepcionais:

[...] mediante prévia justificativa da autoridade competente e posterior comunicação ao órgão


de controle interno da Administração e ao tribunal de contas competente, exclusivamente
nas seguintes situações:
I - grave perturbação da ordem, situação de emergência ou calamidade pública;
II - pagamento a microempresa, empresa de pequeno porte, agricultor familiar, produtor
rural pessoa física, microempreendedor individual e sociedade cooperativa, desde que
demonstrado o risco de descontinuidade do cumprimento do objeto do contrato;
III - pagamento de serviços necessários ao funcionamento dos sistemas estruturantes, desde
que demonstrado o risco de descontinuidade do cumprimento do objeto do contrato;
IV - pagamento de direitos oriundos de contratos em caso de falência, recuperação judicial
ou dissolução da empresa contratada;
V - pagamento de contrato cujo objeto seja imprescindível para assegurar a integridade do
patrimônio público ou para manter o funcionamento das atividades finalísticas do órgão ou
entidade, quando demonstrado o risco de descontinuidade da prestação de serviço público
de relevância ou o cumprimento da missão institucional.

Então, a quebra da ordem cronológica depende de aspectos formais e substanciais.


Os aspectos formais são: prévia justificativa da autoridade competente e comunicação ao
controle interno e ao tribunal de contas competente. Os aspectos substanciais demandam
que a justificativa se ampare numa das hipóteses previstas no supracitado parágrafo, que
devem ser interpretadas de forma restritiva, porque são normas de exceção.
Chama a atenção a hipótese do inciso V do §1º do artigo 141, sobretudo da parte
que se refere à justificativa de manutenção do funcionamento das atividades finalísticas do
órgão ou entidade, quando demonstrado o risco de descontinuidade da prestação de serviço
público de relevância ou o cumprimento da missão institucional. Ocorre que, com muita
frequência, diante de questionamento sobre o descumprimento da ordem cronológica, a
Administração apresenta justificativas atinentes à insuficiência orçamentária e à necessidade
de manter os pagamentos das suas demais obrigações, sob pena de solução de continuidade.
Esse tipo de justificativa genérica não pode ser aceita pelos órgãos de controle e pelo
Poder Judiciário, sob pena de consagrar a subversão da regra que impõe o pagamento de
acordo com a ordem cronológica. O cumprimento dos contratos firmados e os respectivos
pagamentos das parcelas já executadas e reconhecidas em acordo com a ordem cronológica
devem ser priorizados e não podem ceder diante de outros compromissos assumidos
com outros fornecedores. A contenção orçamentária deve ser suportada por todos, sem
preterição da ordem cronológica, nada justificando que uns recebam em dia e outros tenham
as suas faturas preteridas.
Nessa medida, diante da frustração de receitas orçamentárias ou coisa do gênero,
a Administração tem que demonstrar a implementação de uma série de medidas de
austeridade e de contenção de gastos antes de partir para a quebra da ordem cronológica.
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
981

Seguindo essa exegese, a quebra da ordem cronológica deve ser a única medida capaz de
evitar a lesão ao interesse público. Se outras medidas puderem ser adotadas para evitar
tal lesão, tal quebra já não se justificará. Se outras medidas não forem suficientes, a quebra
deve ser direcionada para favorecer exclusivamente aqueles contratos indispensáveis e não
à generalidade dos contratos da Administração. Ou seja, apenas os contratos essenciais
passariam à frente, não todos os contratos gerais da Administração.
O §2º do artigo 141 adverte que “a inobservância imotivada da ordem cronológica
referida no caput deste artigo ensejará a apuração de responsabilidade do agente responsável,
cabendo aos órgãos de controle a sua fiscalização”. O agente responsável, como está claro
no §1º do artigo 141, é a autoridade competente. O legislador foi intencionalmente enfático
na direção de que o descumprimento não deve ser tolerado pelos órgãos de controle. Diante
dele os órgãos de controle não devem se contentar com meras recomendações. A autoridade
deve ser punida. A conduta é especialmente qualificada, tanto que é tipificada como crime
pelo artigo 337-H do Código Penal.
Acresça-se que a quebra ocorre sempre que o pagamento de crédito posterior precede
o de crédito anterior. Cada pagamento fora da ordem representa uma quebra da ordem
cronológica e demanda o atendimento dos requisitos formais e substanciais estabelecidos
no §1º do artigo 141 da Lei nº 14.133/2021. Ou seja, cada pagamento fora da ordem demanda
uma justificativa específica da autoridade competente e uma comunicação específica ao
controle interno e ao tribunal de contas competente.
Sendo assim, a ocorrência de uma quebra não justifica nem autoriza que a fatura
preterida seja sempre preterida. A fatura preterida mantém o seu lugar na ordem
cronológica e o pagamento de qualquer outra fatura mais antiga do que ela representa nova
quebra da ordem cronológica.
A Lei nº 14.133/2021 não prevê qualquer tipo de condicionante temporal para a
formação da ordem cronológica, mesmo em relação a faturas em aberto de exercícios
anteriores. Se a obrigação do contratado foi liquidada, tendo a Administração reconhecido
o adimplemento dele, a fatura por ele apresentada ingressa na ordem cronológica e o
inadimplemento da Administração prolongado no tempo não a desfaz nem a prejudica,
desde que não se configure decadência ou prescrição. Solução diversa seria contrária à
máxima de que ninguém deve se beneficiar da própria torpeza (nemo auditur propriam
turpitudinem allegans), dado que o inadimplemento prolongado da Administração não pode
ser premiado.
De nada serviria o comando estatuído no caput do artigo 5º da Lei nº 14.133/2021 se
a Administração pudesse subverter a ordem cronológica dos pagamentos sob quaisquer
alegações, impertinentes ou irrelevantes. A quebra da ordem cronológica é medida
extremamente excepcional, em razão do que deve ser fitada de modo restritivo, para
albergar situações fáticas realmente anômalas, inevitáveis, alheias à vontade dos agentes
administrativos, potencialmente causadoras de relevantes prejuízos ao interesse público.
Para facilitar o controle sobre a ordem cronológica, o §3º do artigo 141 preceitua que
“o órgão ou entidade deverá disponibilizar, mensalmente, em seção específica de acesso à
informação em seu sítio na internet, a ordem cronológica de seus pagamentos, bem como
as justificativas que fundamentarem a eventual alteração dessa ordem”. Quer dizer que
cada órgão ou entidade precisa elaborar e dar publicidade, literalmente, a uma lista com a
ordem cronológica para pagamentos em acordo com as categorias de contratos indicadas
no caput do artigo 141. A medida é em prol da transparência e faz com que eventual quebra
de ordem seja identificada de forma objetiva pelos interessados e pelos órgãos de controle.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
982 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

17.1 As disposições da Instrução Normativa SEGES nº 77/2022 sobre a ordem


cronológica para os pagamentos
A Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério
da Economia produziu a Instrução Normativa nº 77/2022 com foco na regulamentação das
questões atinentes à observância da ordem cronológica. A Instrução Normativa, repita-se,
vale para a Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional e para os demais
entes federativos diante de contratos custeados com transferências voluntárias da União.
O artigo 3º da Instrução Normativa indica que a operacionalização e o controle da
ordem cronológica de pagamento devem ser realizados por meio do Sistema Compras.
gov.br Contratos.
O caput do artigo 4º categoriza os contratos, repetindo o prescrito no caput do
artigo 141 da Lei nº 14.133/2021. Em adendo, o §1º do artigo 4º esclarece que “as fontes de
recursos constituem-se de agrupamentos específicos de naturezas de receitas, atendendo a
uma determinada regra de destinação legal, evidenciando a origem ou a procedência dos
recursos que devem ser gastos com uma determinada finalidade”. O §2º, na sequência,
afirma que “os credores de contratos a serem pagos com recursos vinculados à finalidade
ou à despesa específica serão ordenados em listas próprias para cada convênio, contrato
de empréstimo ou de financiamento, fundo especial ou outra origem específica do recurso,
cuja obtenção exija vinculação”.
O caput do artigo 5º da Instrução Normativa determina que o marco inicial para
ingresso na ordem cronológica é a liquidação da despesa – o recebimento do objeto
contratado pela Administração, com o reconhecimento de que ele foi executado em acordo
com o contrato. Portanto, o ingresso na ordem cronológica não se dá com a execução do
objeto do contrato e o cumprimento das obrigações por parte do contratado, nem com a
emissão da respectiva fatura. Dá-se com o reconhecimento pela Administração de que o
contratado cumpriu suas obrigações e, portanto, faz jus ao pagamento. Sem a liquidação
da despesa (recebimento), o contratado não pode suscitar quebra da ordem cronológica.
Se a Administração não realizar a liquidação ou demorar para fazê-lo, o contratado, caso
entenda conveniente, deve tomar medidas para exigir da Administração a liquidação. A
liquidação é o que autoriza o pagamento por parte da Administração, o que significa dizer
que ela é condição para o ingresso do crédito do contratado na ordem cronológica para os
pagamentos.
O §4º do artigo 5º da Instrução Normativa assegura que “a despesa inscrita em restos
a pagar não altera a posição da ordem cronológica de sua exigibilidade, não concorrendo
com as liquidações do exercício corrente”. Portanto, as liquidações do ano corrente
não adquirem precedência sobre as inscritas em restos a pagar. Como enfatizado, a Lei
nº 14.133/2021 não prevê qualquer tipo de condicionante temporal para a formação da
ordem cronológica, mesmo em relação a faturas em aberto de exercícios anteriores. Se a
obrigação do contratado foi liquidada, ela entra na ordem cronológica, e o advento de novo
exercício não desfaz a ordem cronológica nem retira a precedência ou a posição na ordem
para pagamento. O novo exercício não significa estabelecer-se uma nova ordem cronológica
e não autoriza a preterição das faturas do exercício antigo pelas faturas do exercício novo.
O §6º do artigo 5º da Instrução Normativa frisa que a quebra imotivada da ordem
cronológica enseja a apuração de responsabilidade do agente responsável, o que é encargo
dos órgãos de controle e fiscalização, sendo que o agente responsável pode, inclusive,
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
983

incorrer no tipo penal do artigo 337-H do Código Penal, como adverte o §7º do mesmo
artigo 5º. Para facilitar o controle, o artigo 10 da Instrução Normativa exige que os órgãos e
as entidades administrativas disponibilizem, mensalmente, em seus sites a ordem cronoló­
gica de pagamentos e as justificativas para eventuais alterações da ordem. Esses aspectos
apenas reproduzem o que já está contido nos §2º e 3º do artigo 141 da Lei nº 14.133/2021.
A propósito, a ordem cronológica pode ser alterada diante dos casos previstos no
§1º do artigo 141 da Lei nº 14.133/2021, reproduzidos no artigo 9º da Instrução Normativa
nº 77/2022. O parágrafo único prescreve que o prazo para a comunicação ao controle sobre
a alteração da ordem cronológica é de 30 (trinta) dias contados da ocorrência do evento que
motivou a alteração da ordem cronológica de pagamento.

18 O direito subjetivo dos contratos de exigir que os pagamentos sejam


realizados de acordo com a ordem cronológica
Como dito, o caput do artigo 141 da Lei nº 14.133/2021 prescreve à Administração o
dever de realizar os pagamentos de conformidade com a ordem cronológica. Ora, reconhecer
que os contratados dispõem do direito de que os pagamentos sejam feitos em observância à
ordem cronológica significa dizer que eles têm o poder de exigir que os pagamentos sejam
realizados em tal ordem, que os seus créditos não sejam preteridos por outros cujas datas
de exigibilidade sejam posteriores às deles.
Trocando-se em miúdos, os contratados têm direito subjetivo a que os pagamentos
levados a cabo pela Administração respeitem a ordem cronológica. Vale dizer que eles têm
o poder de exigir que a ordem cronológica de exigibilidade dos créditos seja respeitada.
Noutras palavras, ao contratado que cumpriu suas obrigações contratuais perante a
Administração cabe direito subjetivo a que nenhum outro contratado, cujo crédito se tornou
exigível depois do dele, receba o pagamento antes que o crédito dele tenha sido quitado.
Pode-se falar que, nesses casos, o contratado goza de espécie de direito de preferência em
relação aos contratados cujos créditos se tornaram exigíveis depois do dele.
Aliás, os contratados dispõem de várias medidas processuais para fazer valer tal
direito subjetivo de preferência. Entre elas, é viável impetrar mandado de segurança
preventivo ou, mesmo, propor ação cominatória, com pedido de tutela antecipada, para
o efeito de impedir que a Administração Pública realize pagamentos fora da ordem
cronológica de suas exigibilidades.
Essa é a posição defendida pela mais abalizada doutrina nacional. Entre outros
autores, Carlos Pinto Coelho Motta observa o seguinte:

Concordo plenamente com o autor citado quando afirma que qualquer procedimento
administrativo que objetive burlar, protelar, diferir ou escamotear a aplicação do artigo 5º da
Lei nº 14.133/2021 constitui válido motivo para que o interessado recorra ao Judiciário, para
fazer valer o seu direito à ordem cronológica de pagamentos, assegurada pelos princípios
constitucionais da igualdade e da imparcialidade (artigos 5º, II, e 37 da Constituição Federal
e Emenda Constitucional 30/00).780

780
MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações e contratos: licitação, pregão, contratos, concessões, impactos da
Lei de Responsabilidade Fiscal: legislação, doutrina e jurisprudência atualizadas. 9. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2002. p. 128.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
984 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

Seguindo a mesma exegese, Laís de Almeida Mourão salienta:

Com efeito, a questão que se coloca – e que o artigo 5º da Lei nº 14.133/2021 visa assegurar
– é a de ter o contratante um direito público subjetivo de não ser imotivadamente preterido
pelo seu contratante, o Poder Público, no momento de receber aquilo a que faz jus em razão
de um determinado contrato.
Tal direito do contratante decorre, à evidência, dos princípios constitucionais insertos no caput
do artigo 37 da Constituição Federal, em especial o da impessoalidade e o da moralidade,
que, precipuamente, respaldam o direito dos contratantes particulares, impondo ao agente
público o dever de não favorecer quem quer que seja na efetivação dos pagamentos.781

O Judiciário vem se manifestando timidamente sobre o assunto, mesmo porque não


é tão usual que se lhe apresente demanda desse naipe. Em que pese isso, começa a formar-
se jurisprudência relevante, inclusive a partir de precedente importantíssimo do Superior
Tribunal de Justiça, relatado pela Ministra Eliana Calmon:

PROCESSUAL CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA PARA IMPEDIR PAGAMENTO


SEM OBSERVÂNCIA DA ORDEM CRONOLÓGICA - ARTIGO 5º DA LEI 14.133/2021 -
DIREITO LÍQUIDO E CERTO - CONSEQUÊNCIA REFLEXA - PAGAMENTO DA DÍVIDA
- DEMONSTRAÇÃO DO INTERESSE PROCESSUAL.
1. Não se confunde a ação de cobrança com o mandado de segurança impetrado para exigir
obediência à ordem de pagamento das dívidas de cada unidade da Administração, conforme
o artigo 5º da Lei 14.133/2021.
2. O pedido imediato no mandado de segurança tem como propósito obter provimento
mandamental que garanta ao credor de débito mais antigo preferência sobre o credor titular
de crédito mais recente, quanto ao pagamento, nos termos da lei que estabelece critérios
para a Administração pagar aos seus credores.
3. Tal pretensão não se confunde com a contida na ação de cobrança, em que o credor exige
direta e imediatamente o adimplemento do débito em juízo.
4. Inviável o conhecimento do dissídio jurisprudencial, por tratar o paradigma de matéria
fática diversa da que serve de suporte para o acórdão impugnado.
5. É manifestamente inadmissível o recurso especial que não ataca os fundamentos do
acórdão recorrido, conforme dispõe a Súmula 283/STF.
6. Não compete ao STJ o exame de matéria constitucional em instância extraordinária.
7. Recurso especial da CCR - CONSTRUÇÕES CIVIS E RODOVIÁRIOS LTDA não
conhecido, sendo conhecido em parte, mas não provido o recurso especial do MUNICÍPIO
DE MATOZINHOS. […]
Como se vê, a impetrante aponta como direito líquido e certo, de sua titularidade, a
observância do dispositivo legal que determina seja seguida a ordem de pagamentos
estabelecida para o adimplemento das dívidas de cada unidade da Administração.
A impetrante não requereu fosse pago o débito de imediato. Não está a cobrar dívida vencida
e não paga, está requerendo aplicação da lei que regula a relação da Administração com os
seus credores, o que afasta a incidência da Súmula 263/STF.

781
MOURÃO, Laís de Almeida. Os contratos administrativos e a observância da ordem cronológica de pagamentos.
Boletim de Licitações e Contratos, v. 14, n. 10, out. 2001. p. 614.
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
985

Dentre os direitos dos credores está o de cobrar a dívida em juízo, quando provado que o
ente público não cumpriu as suas obrigações, pretendendo justificar a sua inadimplência
de forma burocrática.
Observe-se que, no pedido, a empresa não requer o recebimento do seu crédito. Pede apenas
para que seja obedecida a ordem legal de pagamento e que, quando a sua vez chegar, venha
a receber o que lhe é devido.
O acórdão recorrido decidiu a querela pelo comando inserto no artigo 5º da Lei 14.133/2021,
assim redigida:
Artigo 5º Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão
monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no artigo 42 desta Lei, devendo
cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento
de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte
diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo
quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da
autoridade competente, devidamente publicada.
À luz desse dispositivo, constato que o acórdão recorrido deve ser mantido, porque a
impetrante, por ter a Agravante direito líquido e certo em ver cumprida a ordem de
pagamento estabelecida em lei. Nesse contexto, não pode o credor, titular de dívida mais
recente recebê-lo, preterindo o titular de crédito mais antigo e da mesma natureza.782

Perceba-se que o Judiciário, ao deferir medidas fundadas no caput do artigo 141 da


Lei nº 14.133/2021, está apenas condenando a Administração à obrigação de não fazer, a se
abster de fazer pagamentos fora da ordem cronológica de suas exigibilidades. Tais decisões
não obrigam ao pagamento e, por via de consequência, por meio delas não se frustra a
peculiar sistemática de execução contra a Fazenda Pública, sustentada sob o regime dos
precatórios, prescrito no artigo 100 da Constituição Federal.
A propósito, não é demais encarecer que o Supremo Tribunal Federal já deu
por assentado que o cumprimento de obrigação de fazer do Poder Público com reflexo
econômico e financeiro não importa em ofensa ao regime dos precatórios preceituado
no artigo 100 da Constituição Federal. É o que foi decidido no Tema nº 45, com efeitos
vinculantes, de acordo com o inciso III do artigo 927 do Código de Processo Civil:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO


CONSTITUCIONAL FINANCEIRO. SISTEMÁTICA DOS PRECATÓRIOS (ART. 100,
CF/88). EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE DÉBITOS DA FAZENDA PÚBLICA. OBRIGAÇÃO
DE FAZER. SENTENÇA COM TRÂNSITO EM JULGADO. EMENDA CONSTITUCIONAL
30/2000. 1. Fixação da seguinte tese ao Tema 45 da sistemática da repercussão geral: ‘A
execução provisória de obrigação de fazer em face da Fazenda Pública não atrai o regime
constitucional dos precatórios’. 2. A jurisprudência do STF firmou-se no sentido da
inaplicabilidade do regime jurídico da execução provisória de prestação de pagar quantia
certa, após o advento da Emenda Constitucional 30/2000. Precedentes. 3. A sistemática
constitucional dos precatórios não se aplica às obrigações de fato positivo ou negativo,
dado a excepcionalidade do regime de pagamento de débitos pela Fazenda Pública, cuja
interpretação deve ser restrita. [...] Recurso extraordinário a que se nega provimento.783

782
STJ, Segunda Turma. REsp nº 1.095.777/MG. Rel. Min. Eliana Calmon, j. 1º.9.2009.
783
STF, Plenário. RE nº 573.872. Rel. Min. Edson Fachin, j. 24.5.2017.
JOEL DE MENEZES NIEBUHR
986 LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO

O ponto é que tais medidas judiciais que se opõem à quebra da ordem cronológica
acabam, de maneira indireta, ainda que não visem à cobrança ou execução, por inibir o
inadimplemento da Administração. Ocorre que, se o crédito de determinado contratado for
o primeiro da fila e se ele obtiver decisão que impeça a Administração de quebrar a ordem
cronológica, ela inevitavelmente, se não conseguir reverter a situação, acabará pagando
o que lhe é devido. Isso porque, em caso contrário, não poderá pagar nenhum outro
contratado, colocando, daí, deliberadamente, em perigo a continuidade de suas atividades
e dos serviços públicos acaso prestados por ela.
Portanto, sob esse enfoque, o reconhecimento de que os contratados têm direito
subjetivo a que os pagamentos sejam realizados na ordem cronológica de suas exigibilidades
revela-se como valioso instrumento para garantir o adimplemento da Administração,
conferindo certa margem de segurança jurídica, benéfica a todas as partes envolvidas na
relação contratual e, especialmente, ao interesse público.
Agregue-se que os pedidos formulados por contratados de que se proíba à
Administração realizar pagamentos fora da ordem cronológica de exigibilidade de seus
créditos não causam qualquer sorte de prejuízo ao interesse público. Se houver prejuízo,
ele será causado pela inadimplência da Administração, não pelos direitos dos contratados.
A desídia da Administração, o pouco caso dela com o Estado de Direito e a arbitrariedade
de muitos gestores públicos é que poderão causar prejuízo.
Outrossim, como destacado no tópico antecedente, a Administração somente
está autorizada a realizar pagamentos em desacordo com a ordem cronológica de suas
exigibilidades em situações verdadeiramente excepcionais, fartamente amparadas no
interesse público e desde que providencie a publicação das justificativas pertinentes antes
de efetuar o pagamento.
Em vista disso, a defesa da Administração em ações que visem a obrigá-la a não fazer
pagamentos fora da ordem cronológica de exigibilidade dos créditos é bastante limitada.
Vislumbram-se somente duas linhas de defesa. Por ordem, a seguir.
A primeira consiste em comprovar que os pagamentos não foram realizados na
ordem cronológica de exigibilidade dos créditos em decorrência de razão de interesse
público, devidamente justificado, consoante prevê o §1º do artigo 141 da Lei nº 14.133/2021.
Por óbvio, a justificativa deve ser anterior à data do pagamento que quebrou ou quebra a
ordem cronológica de exigibilidade dos créditos.
A segunda linha de defesa consubstancia-se na alegação de que o crédito pleiteado
pelo contratado-autor não é exigível. Ou seja, que ele não adimpliu a sua obrigação, em
virtude do que não poderia exigir que a Administração tivesse adimplido a sua, com base
na exceção do contrato não cumprido.
No entanto, pondera-se que, se o objeto do contrato foi liquidado pela Administração,
então não cabe a ela apoiar-se em tal alegação, que, de pronto, se desenhará temerária.
Ora, se a Administração recebeu os objetos contratados e não providenciou a devolução
imediata ou a notificação dos contratados para retirarem suas mercadorias ou desfazerem
os serviços prestados, é porque eles cumpriram com as suas obrigações e, por via de
consequência, o crédito é, a rigor, exigível.
Repita-se que o direito subjetivo dos contratados de que os pagamentos sejam feitos
na ordem cronológica perdura para além do exercício orçamentário. Isto é, o direito subjetivo
perdura, ainda que eventualmente o crédito de dado contratado não tenha sido quitado
até o final do exercício correspondente. Dessa sorte, os contratados pela Administração que
CAPÍTULO 19
EXECUÇÃO CONTRATUAL
987

enfrentam há anos o inadimplemento dela podem se valer do direito subjetivo outorgado


a eles por meio do caput do artigo 141 da Lei nº 14.133/2021, para o efeito de exigir os seus
direitos de preferência, a partir de então, mesmo que a ordem cronológica já tenha sido
quebrada. O advento de novo exercício orçamentário não justifica, nem remotamente, a
desobediência à ordem cronológica.
Ademais, mesmo que alguns pagamentos já tenham sido realizados fora da ordem
cronológica de suas exigibilidades, os contratados cujos créditos foram preteridos podem
ainda fazer valer os seus direitos de preferência. O fato de a Administração ter desrespeitado
a ordem cronológica por uma, duas, três vezes ou quantas forem, não a autoriza a
desrespeitá-la sempre, não confere legitimidade ao abuso.
O direito subjetivo dos contratados de que os pagamentos sejam realizados de acordo
com a ordem cronológica de suas exigibilidades é um dos poucos instrumentos disponí­
veis para que eles possam se opor com eficácia à contumaz inadimplência da Adminis­
tração Pública. Falta apenas aos contratados utilizarem tal direito, reclamando-o ao Poder
Judiciário, até mesmo para que se crie jurisprudência sobre o assunto, o que o tornará ainda
mais efetivo. O direito existe, falta usá-lo.

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