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Resenha Do Documentário Cidade Cinza (2013)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

ESCOLA DE ARQUITETURA E DESIGN - CURSO DE DESIGN


ANÁLISE CRÍTICA DA ARTE

RESENHA CRÍTICA:
CIDADE CINZA (2013)

Luana Costa Sarto


2024015934

Belo Horizonte, Junho de 2024


RESENHA CRÍTICA: CIDADE CINZA (2013)

O termo epistemicídio, citado pela primeira vez em 1994 no livro “Pela Mão de
Alice” de Boaventura de Sousa Santos, pode ser identificado como uma das
principais armas do imperialismo e um dos maiores instrumentos de repressão na
história. De acordo com o autor português, esse processo consiste em “eliminar-se
povos estranhos porque tinham formas de conhecimento estranho e eliminar-se
formas de conhecimento estranho porque eram sustentadas por práticas sociais e
povos estranhos”1. Ele ainda acrescenta que tal processo foi “muito mais vasto que o
genocídio porque ocorreu sempre que se pretendeu subalternizar, subordinar,
marginalizar ou ilegalizar práticas e grupos sociais que podiam constituir uma
ameaça à expansão capitalista”2.
O documentário “Cidade Cinza”, dirigido em 2013 por Guilherme Valiengo e
Marcelo Mesquita, retira o conceito de epistemicídio do contexto histórico e o aplica
nas áreas urbanas, mais especificamente na metrópole de São Paulo, quando, em
2008, a prefeitura iniciou uma política de limpeza urbana, na qual os muros da
cidade seriam pintados de cinza para apagar as intervenções artísticas.
Demonstrando contemporaneamente como a repressão a formas de expressão
cultural continua a ser uma ferramenta de controle social e marginalização, o
documentário apresenta ambos os lados do conflito: os funcionários da prefeitura,
responsáveis por cobrir os grafites e pixos, e os artistas, que tiveram suas obras
apagadas sem aviso prévio.
Os momentos em que o espectador acompanha os funcionários públicos
destacam o desconhecimento deles sobre os critérios do que deveria ou não ser
coberto. Ao responderem que “apenas apagam os que acham feio”, expõem o que
Boaventura de Sousa Santos afirmou sobre eliminar expressões consideradas
estranhas aos olhos de quem detém o poder. Também é evidente a relevância dos
status sociais ao longo do documentário, principalmente quando se observa que os
artistas acompanhados durante a obra - OSGEMEOS, Nina Pandolfo, Nunca, entre
outros - possuem renome nacional e internacional, e conseguiram patrocínios para
resistir ao movimento de repressão da prefeitura de São Paulo e pintar, sobre o
cinza, um mural conjunto. Isso leva o espectador a refletir sobre a situação de outros
jovens grafiteiros da cidade, que, como os citados anteriormente, tiveram suas
intervenções apagadas, mas, devido a suas condições sociais, não são
considerados “artistas de verdade”.
O documentário também levanta a discussão sobre a importância da arte de
rua como uma quebra da monotonia urbana e da elitização do consumo de conteúdo
artístico. Obras expostas em locais públicos, fora da rigidez dos museus, acessíveis

1
SANTOS, Boaventura de Sousa. “Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade”
(1994). Coimbra: Edições Almedina, 9. ed., 2013, 581pg.
2
Idem, ibidem.
a todos, independentemente de classe, representam uma ruptura dos padrões
acadêmicos que categorizam as manifestações artísticas há vários séculos.
Ademais, quando pensamos na modernidade, cada vez mais acinzentada e
descolorida devido aos padrões de consumo capitalista, em que a neutralidade é
imposta sistematicamente, um respiro de cor em um muro ou prédio representa,
além da diversificação do ambiente, deixando-o mais vivo e singular, a quebra dos
padrões de consumo vigentes em nosso tempo.
Ao final do documentário, é mostrada a inauguração do mural conjunto já
mencionado, com a participação de figuras ilustres da cidade, incluindo o prefeito de
São Paulo da época, Gilberto Kassab. Chama a atenção o quanto essas figuras
parecem destoantes do ambiente, externas ao que estava acontecendo ali e, até
certo ponto, desconfortáveis. A repulsa expelida por essas figuras evidencia a
importância do documentário “Cidade Cinza”, pois é essa repulsa que motiva o
epistemicídio, o genocídio cultural. Essa repulsa deve ser evidenciada e combatida
para que representações culturais e sociais diferentes não mais sofram repressão e
isolamento. O documentário nos convida a refletir sobre a importância de valorizar e
preservar as diversas formas de expressão cultural como um meio de resistência e
enriquecimento social.

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