Ebook Pesquisa
Ebook Pesquisa
Ebook Pesquisa
DOI 10.5935/2446-4775.20150005
Resumo
O grande potencial da biodiversidade brasileira estimula o desenvolvimento de produtos inovadores. Neste
sentido, instrumentos internacionais e políticas nacionais impulsionam a importância da medicina tradicional.
Entretanto, poucos estudos abordam sobre a produção agrícola de plantas medicinais. O presente trabalho
busca compreender o atual cenário de pesquisa sobre plantas medicinais no Estado do Rio de Janeiro, a partir
dos grupos de pesquisa informados no CNPq. Ainda explora a produção de artigos científicos destes grupos
de pesquisa, especialmente sobre a temática da produção agrícola de plantas medicinais. Os resultados apre-
sentam 111 grupos de pesquisa no período de 1977 a 2010, apontando uma forte e contínua tendência de
crescimento. Os grupos de pesquisa estão abrigados em 16 instituições de pesquisa e ensino, com predomínio
de instituições de natureza pública; vinculados predominantemente às Ciências Biológicas e Ciências Exatas
e da Terra. Os grupos de pesquisa produziram 656 artigos científicos sobre plantas medicinais, dos quais so-
mente 54 tratavam da temática de produção agrícola de plantas medicinais. Nossos dados demonstram que há
um expressivo número de grupos de pesquisa no Estado do Rio de Janeiro que se debruçam sobre o tema, em
todas as áreas de conhecimento, evidenciando que a temática de plantas medicinais tem despertado grande
interesse na comunidade científica. Entretanto, o exíguo número de artigos científicos pode comprometer a
sustentabilidade do setor. Em conclusão, o Estado do Rio de Janeiro apresenta grande potencial na constru-
ção do conhecimento e formação de recursos humanos técnico-científico, promovendo a Política Nacional de
Plantas Medicinais.
Palavras-chave: Plantas Medicinais; Grupos de Pesquisa; Artigos Científicos; Estado do Rio de Janeiro
Abstract
The great potential of Brazilian biodiversity encourages the development of innovative products. In this arena,
international instruments and national policies promote the importance of traditional medicine. However, few
studies discuss the agricultural production of medicinal plants. This study aims to understand the current lands-
cape on medicinal plants research in the Rio de Janeiro state, based on research groups reported on CNPq
Research Groups Directory. The work also seeks scientific production of these research groups, especially on
the issue of medicinal plants agricultural production. The results show 111 research groups in a period of 34
years (1977 to 2010), indicating a tendency of continuous and strong growth. Research groups are situated
Keywords: Medicinal Plants; Research Groups; Scientific Articles; State of Rio de Janeiro.
Os resultados apresentam 111 grupos de pesquisa a partir dos termos de busca utilizados, em
período deFigura
34 anos (período
1 - Evolução deanual
temporal 1977 a 2010),
e cumulativa apontando
de criação de novos uma
grupos forte e contínua
de pesquisa tendência
sobre plantas medicinais de
no Estado do Rio de Janeiro no período de 1977 a 2010.
scimento (FIGURA 1).
GURA 1. Evolução temporal anual e cumulativa de criação de novos grupos de pesquisa sobre
ntas medicinais
48 no Estado do Rio de Janeiro noGrupos
período de 1977
de pesquisa a científica
e produção 2010.em plantas medicinais no Rio de Janeiro
Assis, M. A.; Morelli-Amaral, V.Francisco; Pimenta, Fabrícia P.
uma forte e contínua tendência de crescimento Entretanto, a média de criação de sete novos grupos
(FIGURA 1). de pesquisa/ano sobre o tema no quinquênio poste-
rior à publicação da Portaria (2006 a 2010) difere da
O quinquênio de 2001 a 2005 se destacou pelo cres- média de criação de novos grupos de pesquisa/ano
cimento de fomento à temática de plantas medici- ao se considerar todo o período estudado (média de
nais. Em 2004, ocorre a inclusão da fitoterapia como 3,2/ano, período de 1977 a 2010). Neste sentido,
área de interesse para pesquisa e desenvolvimento apesar de não se observar um nítido aumento em
de novos produtos para tratamento, prevenção e 2006, nota-se que o período imediatamente poste-
promoção da saúde pela Política Nacional de C, T rior se mostrou bastante profícuo para a pesquisa
& I (BRASIL, 2006b). Neste mesmo ano, a Agência no tema, o que pode indicar a importância de uma
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprova política governamental no que tange a pesquisa
quatro resoluções orientadoras para o registro de científica, e a consequente expectativa de continui-
medicamentos fitoterápicos. Ainda neste período, foi dade de investimentos nesta área.
criado um Grupo de Trabalho Interministerial para
discutir a implantação da fitoterapia no SUS, em Os 111 grupos de pesquisa estão abrigados em
um esforço conjunto entre órgãos governamentais 16 instituições de pesquisa e ensino situadas no
e não governamentais, que culminou na proposta Estado do Rio de Janeiro. A TABELA 1 identifica
de uma política nacional. Apesar do ambiente pro- estas instituições, apresentando a Universidade
dutivo, neste período não se observa um aumento Federal do Rio de Janeiro – UFRJ como a institui-
expressivo na criação de novos grupos de pesquisa ção com maior número de grupos de pesquisa que
na temática, com uma média de três novos grupos abordam o tema, seguida da Fundação Oswaldo
de pesquisa/ano. Cruz – Fiocruz, Universidade Federal Fluminense –
UFF e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
De igual forma, não se observa um expressivo au- – UFRRJ.
mento específico em 2006, ano em que foram apro-
vados o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Cabe destacar que cerca de 95% (n=105) dos gru-
Fitoterápicos (PNPMF) e criada a Política Nacional pos de pesquisa selecionados estão abrigados em
de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) instituições de natureza pública. O que demonstra
(BRASIL, 2006a, c). que o tema não tem despertado interesse das
Tabela 1 - Instituições de pesquisa e ensino com grupos de pesquisa sobre plantas medicinais
no Estado do Rio de Janeiro.
FIGURA 2. Grupos de pesquisa sobre plantas medicinais no Estado do Rio de Janeiro, classificados
conforme
50 a área de conhecimento do CNPq. Grupos de pesquisa e produção científica em plantas medicinais no Rio de Janeiro
Assis, M. A.; Morelli-Amaral, V.Francisco; Pimenta, Fabrícia P.
“propagação”, “manejo”, “nutrição mineral”, “proces- que os resultados da pesquisa, quer seja de caráter
samento”, “armazenamento”, “fitoquímica”, indican- social ou técnico, devem ser comunicados e divulga-
do que tratavam unicamente acerca da produção dos; os artigos científicos surgem como uma ferra-
agrícola de plantas medicinais. Em contrapartida, menta para mensuração desta atividade (Miranda e
observou-se que os temas mais abordados foram Pereira, 1996). Assim, tanto o conhecimento prévio
fruticultura e horticultura, indicando a necessidade necessário para o êxito das diretrizes, quanto a iden-
premente de estímulo para produção de conheci- tificação e mensuração de que estes objetivos foram
mento na temática de produção agrícola de plantas atingidos carecem de comunicação e divulgação à
medicinais. comunidade civil e científica. E este movimento de
disseminação do conhecimento por ser atingido es-
A primeira diretriz da Política Nacional de Plantas pecialmente por meio dos artigos científicos.
Medicinais e Fitoterápicos enfatiza a regulamenta-
ção do cultivo, manejo sustentável, produção, distri- Apesar das demandas criadas pelas diretrizes
buição e uso das plantas medicinais e fitoterápicos da Política Nacional de Plantas Medicinais e
considerando as experiências da sociedade civil nas Fitoterápicos, não se observa uma expressiva
suas diferentes formas de organização. Já a segun- produção de conhecimento por meio dos artigos
da diretriz fala sobre a promoção técnico-científica científicos sobre a temática de produção agrícola de
e capacitação do setor. Mais especificamente, a plantas medicinais, alcançando menos de 10% de
terceira diretriz incentiva à formação e capacitação toda a produção selecionada. Esta pequena produ-
de recursos humanos para o desenvolvimento de ção também informa que a simples normatização ou
pesquisas, tecnologias e inovação em plantas me- regulamentação de um setor não se mostra suficien-
dicinais. A consecução destas três diretrizes está te para estimular de forma sustentável a produção
diretamente apoiada na produção de conhecimento científica de uma área de conhecimento.
gerado tanto pela sociedade civil quanto pela comu-
nidade técnico-científica. Os termos utilizados com o propósito de se explorar
o tema da produção agrícola de plantas medicinais,
O conhecimento alcançado pelo progresso da ciên- a partir dos artigos científicos, também permitem
cia e da tecnologia engloba o desenvolvimento social entender onde os pesquisadores estão investindo
e consolidam o conhecimento em uma determinada suas pesquisas. Dos 54 artigos selecionados, o ter-
temática. E a partir da ideia central da ciência de mo “propagação” foi o de maior destaque, indicando
Figura 3 - Produção de artigos científicos pelos líderes dos grupos de pesquisa sobre as temáticas de plantas
medicinais e de produção agrícola de plantas medicinais no Estado do Rio de Janeiro, no período de 2000 a 2011.
FIGURA 3. Produção de artigos científicos pelos líderes dos grupos de pesquisa sobre as temáticas
de plantas medicinais e de produção agrícola de plantas medicinais no Estado do Rio de51
Revista Fitos, Rio de Janeiro, Vol. 9(1): 1-72, Jan-Mar 2015
Janeiro, no
período de 2000 a 2011.
que grande parte dos artigos se dedica a fase inicial propicia o aumento da demanda destes espécimes
de investigação científica da produção agrícola vegetais.
de plantas medicinais. Em contrapartida, o termo
“fitoquímica” foi responsável por somente 1% das De igual forma, a Política Nacional de Plantas
publicações, demonstrando que o estudo da relação Medicinais e Fitoterápicos, em suas muitas diretri-
dos efeitos das práticas agrícolas na biossíntese zes, estimula o desenvolvimento da cadeia produti-
de substâncias bioativas de interesse farmacêutico va, a produção de fitoterápicos em escala industrial,
ainda tem oferece ambiente profícuo para a investi- a formação técnico-científica, o fomento à pesquisa,
gação científica. ao desenvolvimento tecnológico e à inovação, além
de incentivar a inserção da cadeia produtiva de fito-
O reduzido número e a aparente tendência de terápicos no processo de fortalecimento da indústria
estagnação na produção de trabalhos científicos farmacêutica nacional. Todas estas vertentes de
relacionados a produção agrícola de plantas me- ações exigindo informações atuais, regionais para
dicinais, produzidos pelos grupos de pesquisa de seu correto e eficiente desenvolvimento.
instituições situadas no Estado do Rio de Janeiro,
no período de 2000 a 2011 (FIGURA 3), pode ser Diversos autores vêm alertando acerca dos efeitos
reflexo da deficiente cadeia produtiva de fitoterá- da escassez de estudos científicos e, também ad-
picos no estado e no país. A baixa produtividade vertindo para uma possível marginalização do uso
científica pode ser atribuída a fatores, tais como, de plantas medicinais (Manhã et al., 2008; Veiga
carência de projetos de P, D & I que estimulem a Jr., 2008; Andrião et al., 2010; Ethur et al., 2011;
produção de matéria prima vegetal com padrões Castro et al., 2014). Apesar de o Brasil deter a maior
fitoquímicos; falta de regulamentação para padrões biodiversidade vegetal do planeta, a situação perma-
fitoquímicos de qualidade; reduzido número de nece paradoxal, pois embora as plantas medicinais
programas públicos de fomento; baixa demanda do brasileiras sejam consideradas como altamente pro-
mercado farmacêutico formal entre outros aspectos missoras ainda são pouco conhecidas, sob qualquer
(Simões e Schenkel, 2002). aspecto científico (Simões e Schenkel, 2002).
Neste sentido, o presente estudo aponta para a real A Política Nacional de Plantas Medicinais e
necessidade de incentivo ao estudo da fitoquímica Fitoterápicos não demonstrou, a partir dos dados aqui
conjuntamente ao estudo da produção agrícola das apresentados, significativo impacto no número de pu-
plantas medicinais, em um esforço de interação e blicações de artigos científicos e na criação de grupos
cooperação entre os diferentes grupos multidisci- de pesquisa no Estado do Rio de Janeiro relaciona-
plinares que abordam o tema (Simões e Schenkel, dos à produção agrícola de plantas medicinais, como
2002). Isso se dá principalmente porque a não via- pode ser evidenciado nas FIGURAS 1 e 3. Entretanto,
bilidade da produção agrícola de determinada planta este trabalho apresenta evidências de que o Estado
pode restringir drasticamente os estudos fitoquími- do Rio de Janeiro possui um grande potencial na
cos. De igual forma, o fracasso no uso medicinal de construção do conhecimento científico e na formação
uma planta pode ser o fator limitante para o desen- de recursos humanos técnico-científico nesta área
volvimento da sua produção agrícola (Andrião et al., em face do grande número de grupos de pesquisa
2010; Souza-Moreira, Salgado e Pietro, 2010). e em diferentes áreas de conhecimento (FIGURA 2),
alocados em inúmeras instituições (TABELA 1).
Esta escassez de conhecimento científico se torna
mais evidente em face da criação e das ações para O presente estudo buscou compreender o atual
desenvolvimento das políticas públicas para o setor. cenário de pesquisa sobre plantas medicinais
Tem-se, por exemplo, a publicação de resolução da no Estado do Rio de Janeiro e, como a temática
Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, está inserida na comunidade científica a partir dos
RDC n. 10, de 09/03/2010, que dispõe sobre o uso grupos de pesquisa informados no CNPq. Assim,
de drogas vegetais ao divulgar uma lista de espé- espera-se que os dados apresentados possam
cies vegetais medicinais. Neste mesmo sentido, o servir para orientar decisões estratégicas para o
Ministério da Saúde aprova a Política Nacional de desenvolvimento do setor de plantas medicinais no
Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) do Estado do Rio de Janeiro, assim como, atuar na
SUS, promovendo a institucionalização de práticas mensuração da consecução das políticas governa-
de uso de plantas medicinais e fitoterapia, dentre mentais, da alocação de investimentos e recursos,
outras atividades (BRASIL, 2006c). Ao regulamentar e na avaliação do desenvolvimento científico e
o uso de plantas medicinais, o Estado diretamente tecnológico do estado.