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Kat Martin - O Rapto de Velvet

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O Rapto de Velvet

Nothing But Velvet

Kat Martin

Inglaterra, 1760
Refém ou amante?...
Para salvar a família da ruína, Velvet Moran está disposta a renunciar a seus
sonhos românticos e casar-se com o implacável duque de Carlyle. Mas em vez de
esposa de um aristocrata, ela se vê refém de um notório salteador de estradas... e sua
resolução de fugir do covil de seu raptor na floresta enfraquece diante da forte
atração que ele lhe desperta.
Injustamente acusado de assassinato, Jason Sinclair volta em segredo à
Inglaterra para provar sua inocência e impedir que se realize o matrimônio que o
impossibilitaria de recuperar o ducado que lhe foi roubado. Fazendo-se passar por
um fora da lei, Jason decide raptar a linda noiva e mantê-la em seu poder pelo tempo
que for necessário. Mas será ele capaz de refrear a paixão que tomou conta de seu
coração, e que poderá pôr a vida de ambos em perigo?

Digitalização e Revisão: Crysty


Querida leitora,
Conheça os relacionamentos
perigosos da aristocracia inglesa...
Encante-se com o luxo e o glamour dós
sofisticados salões de bailes... Viva uma aventura indescritível e entre no mundo de romance e
sensualidade que só Kat Martin consegue criar, uma autora que captura a nossa imaginação é
o nosso coração, numa história que vai transportar você das profundezas de uma floresta
inglesa aos reluzentes salões de baile e à ameaçadora sombra de um patíbulo, percorrendo o
caminho da tentação, da emoção e da paixão...
Leonice Pomponio Editora

Copyright@ 1997 by Kat Martin


Originalmente publicado em 1997 pela St. Martin Press.

PUBLICADO SOB ACORDO COM ST. MARTIN PRESS.


NY.NY-USA
Todos os direitos reservados.
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas
vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

TÍTULO ORIGINAL: NOTHING BUT VELVET

EDITORA Leonice Pomponio


ASSISTENTE EDITORIAL
Patrícia Chaves
Maiza Prande Bernardello
Vânia Canto Buchala
EDIÇÃO/TEXTO
Tradução: Silvia Maria Pomanti
ARTE
Mônica Maldonado
MARKETING/COMERCIAL
Andréa Riccelli
PRODUÇÃO GRÁFICA
Sônia Sassi
PAGINAÇÃO
Ana Beatriz Pádua

Copyright © 2009
Editora Nova Cultural Ltda.
Rua Paes Leme, 524 — 10° andar — CEP 05424-010 — São Paulo — SP

Projeto Revisoras
www.novacultural.com.br
Impressão e acabamento: RR Donnelley

Projeto Revisoras
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Prólogo

Inglaterra, 1752
— Eu o proíbo! Proíbo, entendeu? — Com o rubor do rosto ressaltado pela
cabeleira toda branca, o duque de Carlyle confrontou o olhar desafiante do filho. —
Por Deus, Você é um Sinclair, um conde, fidalgo do reino, herdeiro do duque de
Carlyle... Como eu haveria de permitir esse seu relacionamento indecente com aquela
meretriz?
No elegante gabinete com paredes revestidas de painéis de nogueira em
Carlyle Hall, a opulenta propriedade rural do duque, Jason cerrou os dentes de tanta
raiva. Aos vinte e um anos, alto e encorpado, era um homem-feito e, no entanto, seu
pai insistia em tratá-lo como um moleque.
— Pelo amor de Cristo, pai, é da condessa de Brookhurst que estamos falando,
não de uma raparigazinha à toa de taverna!
— Essa viúva oito anos mais velha do que você, que já se deitou com meia alta
sociedade, não vai sossegar enquanto não puser as mãos na fortuna e no título
Carlyle.
— Não admito que o senhor se refira a Célia nesses termos. E, com ou sem
suas proibições, vou me relacionar com quem bem entender. — Indiferente ao murro
que o duque dava no tampo da escrivaninha, virou-se e deixou o gabinete como um
furacão, seus passos duros fazendo eco pelo piso de mármore negro.
Do lado de fora do casarão, onde seu luzidio baio pateava o chão, Jason
agradeceu ao cavalariço que cuidava do animal com um aceno antes de saltar à sela
do cavalo. E, ao ouvir o estrondo do bater de uma porta ressoar pela imponente
mansão de pedra, franziu o cenho. Não era possível que seu pai fosse segui-lo até a
pousada. Nem mesmo um homem prepotente e obstinado como o duque de Carlyle
seria capaz de tamanho despautério.
Após esperar alguns instantes a fim de se certificar de que o pai não vinha ao
seu encontro no propósito de dar seguimento ao desagradável bate-boca, instou o
cavalo a um trote largo. Agora mais calmo, atentou ao luminoso luar que envolvia a
copa das árvores e à agradável aragem a afagar seus cabelos castanhos presos junto à
nuca num rabicho. Um começo de noite como aquele mitigava os resquícios do
arroubo colérico que tensionara todos os músculos de seu corpo.
A medida que o cavalo avançava por entre as sombras noturnas, seus
pensamentos foram se desgarrando das afirmações tão rudes que ouvira do pai para
ir se concentrar na mulher de corpo macio e benfeito que esperava por ele. Célia

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Rollins, lady Brookhurst. A irresistível Célia, os cabelos negros elegantemente presos


no alto da cabeça, os seios voluptuosos num corpo sinuoso, a cintura muito fina, os
pés tão femininos...
Já fazia três meses que vinham se encontrando na Pousada do Peregrino, uma
confortável e acolhedora hospedaria a meio caminho entre Carlyle Hall e a
propriedade rural da condessa, a Quinta Brookhurst. Naquela noite iriam ter mais
um daqueles interlúdios amorosos, e ele sentiu o membro viril se enrijecer só de
pensar no prazer que o aguardava entre os braços da condessa.
Menos de uma hora mais tarde, Jason passava sob o arco coberto de hera à
entrada da hospedaria, de onde guiou o cavalo ao pátio murado com pavimento de
pedras arredondadas. Ali, apeou e, após bater de leve no pescoço da montaria,
entregou as rédeas ao rapazinho, encarregado de cuidar das cavalgaduras, antes de
seguir a passos largos para os fundos do estabelecimento, onde ficavam a taverna e
também um acesso privativo às dependências internas da pousada, discreta entrada
destinada aos fregueses mais abastados.
— Uma esmola, senhor? Ajude um pobre cego, e Deus haverá de abençoá-lo.
— Envolto em trapos dos pés à cabeça, o homem todo sujo encolhido no chão
estendeu uma caneca.
Como sempre fazia, Jason atirou uma moeda na caneca de metal e continuou
seu caminho até a entrada que costumava usar, onde tomou a escada que levava ao
segundo piso, galgando os degraus de dois em dois.
— Jason, querido. — Com suas formas exuberantes acariciadas pelo clarão
dourado que irradiava da lareira, Célia não perdeu tempo a ir aninhar-se entre os
braços dele. — Que bom que você veio... — E o beijou com a ousada desinibição com
que sempre o recebia.
Tomado por uma forte onda de desejo, Jason correspondeu ao beijo com a
mesma urgência, já cuidando de arrancar os grampos que prendiam os longos cabe-
los negros dela.
— Celia... Meu Deus, parece que faz meses, não só uma semana. — Após
beijá-la no pescoço, pôs-se a acariciar com os lábios os ombros nus da condessa
enquanto desabotoava o vistoso vestido de seda cor de safira.
— Tive medo de que... — Célia arfou. — Sei que seu pai... Oh, cheguei a
pensar que você não fosse aparecer.
— A opinião dele não conta. Não no que diz respeito a nós dois. — Tornou a
beijá-la, depois começou a fazer uma trilha de delicados beijos, que seguiam pelo
pescoço dela em direção aos seios fartos.
Uma série de pancadas à porta o fez dar fim à carícia.
Não, ele não cometeria tal disparate. Mas, apesar da certeza de que seu pai não
iria tão longe, foi com o duque de Carlyle que Jason se deparou ao abrir a porta do

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quarto.
— Vim ter uma conversinha com você. Ou melhor, com vocês dois. — Frio e
duro como aço, o olhar do duque foi pousar sobre os cabelos desguedelhados e o
vestido desabotoado da condessa. — E não arredarei os pés daqui enquanto não
disser o que tenho para dizer.
Sem saber se sentia-se apenas constrangido ou profundamente humilhado,
Jason retrucou:
— Muito bem, mas depois faça o favor de nos deixar em paz. — Deu um passo
para o lado, esperou que o pai entrasse e tornou a fechar a porta.
O duque de Carlyle fez que fosse falar... e de súbito franziu o cenho, voltando
o olhar à janela do outro lado do aposento. Mas, antes que seu filho ou a condessa
pudessem entender o que estava se passando, o disparo de uma arma de fogo, que
ecoou pela aconchegante alcova e foi acertá-lo em cheio no peito, calou para sempre
o que o velho nobre teria a dizer.
Célia deu um grito, e Jason, tomado de horror, ofegou ao ver a mancha
escarlate espraiar-se pelo colete prateado do pai. Agarrando a nódoa como se com
isso pudesse deter o jorro de sangue que brotava de seu peito, o duque caiu de
joelhos antes de tombar morto no chão.
— Pai! — Ao se virar na direção de onde partira o tiro, Jason se estarreceu ao
ver o meio-irmão, Avery, que galgara a escada na face externa do edifício para atirar
da janela contra o próprio pai, e então sentiu a pancada na cabeça. O quarto começou
a girar, suas pernas pareciam se recusar a sustentá-lo. Cambaleou. — Pai... — Mas
tudo se turvou e, com um gemido, ele desabou desacordado a um metro de distância
do corpo sem vida do duque.
Com o cuidado de evitar os cacos da jarra que arrebentara na cabeça do
amante, a condessa de Brookhurst foi abrir a porta e, pouco depois, um cavalheiro
trajado nos requintes da moda em voga entrava no aposento.
— Muito bem, minha querida. Muito bem. — Avery Sinclair alisou um cacho
da cabeleira postiça que usava e, alheio ao alvoroço que ia se avolumando no piso
térreo da hospedaria, apoiou-se num joelho para colocar a pistola ainda fumegante
entre os dedos lassos de Jason.
— Quando a oportunidade se apresenta, não se pode deixá-la passar, não é
verdade? — A condessa deu um sorriso matreiro.
— Realmente. Além do quê, você sempre soube que o velho não iria permitir
que Jason a desposasse. — Visivelmente satisfeito, passou os olhos pelos corpos
estirados no chão. — Nunca imaginei que fosse ser tão fácil, tão...
—Abram! — No corredor, o dono da hospedaria pôs-se a esmurrar a porta. —
Abram imediatamente!

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— Deixe que eu cuide disso — afirmou Avery num sussurro. — Ah, e não
esqueça: um escândalo não é nada em troca da sua parte numa fortuna considerável.
— Vou me lembrar, sim... Vossa Graça.

Capítulo I

Inglaterra, 1760
Duquesa! Iria tornar-se duquesa! O plano desesperado tinha dado certo. Em
frente à janela, Velvet Moran esperou a ornamentada carruagem dourada do duque
de Carlyle desaparecer no fim da alameda margeada de alamos. Com os
pensamentos voltados aos momentos passados na companhia do distinto loiro que
em breve seria seu marido, ela nem percebeu os passos do avô pelo piso de mármore
preto e branco do vestíbulo.
— Ora, minha menina, e não é que você conseguiu? — O conde de Haversham
parecia bastante bem naquele dia, sem lapsos de memória, em que ainda não
esquecera uma só vez onde estava ou o que ia dizendo. Algo cada vez mais raro na
vida do pobrezinho.
— Você salvou Windmere, como havia prometido e nos livrou da ruína.
— Mais duas semanas, e estarei casada. — Apesar da agitação que tinha no
peito, Velvet sorriu. — Gostaria muito de que não tivesse de enganar o duque, mas o
fato é que seria arriscado demais contar a verdade a ele.
Com fios brancos como neve nas áreas da cabeça onde não estava calvo, tão
magro que um pé de vento talvez o carregasse, o velhinho deu uma risadinha
marota.
— Ele vai se aborrecer quando souber das dívidas que terá de assumir como
seu marido, mas, por outro lado, não podemos nos esquecer de que seu dote é bas-
tante bom. De mais a mais, Carlyle terá a você, a melhor esposa que um homem
poderia desejar.
— Vou fazê-lo feliz, vovô. Ele não vai se arrepender de ter casado comigo.
O conde tomou o rosto dela entre as mãos engelhadas para admirá-la por um
instante. Miúda e graciosa, com aquele nariz arrebitado, olhos castanhos ligeiramente
amendoados e longos cabelos suavemente ondulados da cor do mogno polido,

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Velvet era uma cópia da mãe havia muito falecida.


— Eu queria muito que você fizesse um casamento por amor, não por
conveniência... — O idoso conde suspirou. — Mas a vida não é fácil e muitas vezes
nos obriga a irmos contra nossas mais profundas e sinceras aspirações.
— O duque e eu vamos nos dar bem. — No entanto, bastou-lhe lembrar de
Avery Sinclair, do ar de superioridade e dos modos pomposos dele, e essa certeza se
esvaiu. — Há alguma corrente de ar por aqui; por que não vamos nos sentar junto à
lareira?
O conde concordou com um aceno de cabeça, e Velvet, segurando-o pelo
braço, levou-o em direção à ala dos fundos do casarão, deixando para trás a solene
sala de visitas com paredes revestidas de tecido vermelho, reproduções de caleches
pintadas no teto e móveis de sólida madeira entalhada. Passaram também por outros
cômodos de menores dimensões, porém igualmente suntuosos, com tapeçarias
riquíssimas, cortinados em seda moiré e imponente mobília, quase todos guarnecidos
por vistosas lareiras de mármore esverdeado.
No entanto, ao fim da curva, no amplo corredor, não existiam mais sinais de
tamanha opulência. O saguão que dali se descortinava já não mais ostentava os cas-
tiçais e arandelas banhados a ouro e os retratos com molduras douradas, vendidos
juntamente com os belos tapetes persas que outrora aqueciam os ambientes. No lugar
de todo esse luxo, carvão e modestas passadeiras puídas cumpriam o papel de
afastar a friagem do inverno.
A um eventual visitante, porém, Windmere tinha a aparência majestosa de
sempre, com sua imponente fachada de tijolos vermelhos voltada para o rio, três
espaçosos pavimentos e jardins que faziam lembrar um parque. Quando o pai de
Velvet era vivo, a construção com quatro torres quadradas e telhados triangulares
perfurados por canos de chaminés, assentada sobre dezenas de quilômetros
quadrados de campinas, era uma obra da arquitetura digna de nota.
Mas os últimos três anos tinham dado fim ao período de fausto,
definitivamente sepultado pelas dívidas que o pai dela contraíra antes de morrer.
Mesmo no embotado estado mental em que se encontrava, o conde de Haversham
dava-se conta do erro que cometera ao entregar a administração de suas
propriedades aos cuidados do filho. Se bem que, com a saúde cada vez mais
debilitada, que outra opção lhe restaria? De qualquer forma, George Moran agora
estava morto, vitimado por um acidente de carruagem no continente durante uma
viagem na companhia da amante, uma atriz de nome Sophie Lane. Assim como a
mãe de Velvet, que se despedira da vida havia mais de dez anos.
Fora Velvet quem tinha descoberto o estado desesperador em que se
encontravam. Dos recursos irresponsavelmente dilapidados só restara seu dote,
única medida responsável e altruísta que George havia tomado em todos os anos em
que gerira as finanças de Haversham. Por sorte, a fortuna do conde fora considerável,

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de modo que o dote se traduzia numa quantia vultosa, suficiente para mantê-los em
condições confortáveis por anos a fio. O problema era que, para colocar as mãos
nesse dinheiro, que se achava depositado num banco, ela teria de se casar.
— Aonde estamos indo? — quis saber o conde.
— Ao salão Carvalho. Snead já deve ter acendido a lareira. — Velvet se referia
a um dos seis criados de confiança, únicos empregados que podiam se dar ao luxo de
se manter em Windmere. — Aposto que está bem quentinho lá.
— Mas, o duque... Ele não ficou de vir nos visitar?
Ela sentiu um aperto no peito. As falhas de memória estavam de volta.
— O duque já veio e já foi embora, vovô.
— E o casamento?
— Vamos para Carlyle Hall no final de semana. Sua Graça faz questão de que
estejamos lá com alguns dias de antecedência, para o caso de qualquer imprevisto.
— Você será uma noiva muito bonita — afirmou o velho nobre com um
sorriso afetuoso.
E Avery Sinclair vai levar um susto daqueles, emendou Velvet em pensamento.
Não, iria cuidar desse problema no momento oportuno. Até lá, trataria de manter as
aparências que haveriam de transformá-la na esposa de um duque muito abastado.
Iria ignorar a friagem que se infiltrava pela casa, o cheiro de mofo nos cômodos
fechados havia tanto tempo, o odor desagradável das velas de sebo baratas.
Graças a Deus, seriam só mais duas semanas de fingimento.

Jason Sinclair, um homem, que sempre fora alto e espadaúdo, e, nos últimos
oito anos, vira seu físico, antes esguio, ganhar músculos exuberantes e duros como
aço por conta das intermináveis horas de estafante labuta, caminhava de um lado
para o outro diante das chamas mortiças na lareira.
— Estamos prestes a colocar aquele bastardo de joelhos. — Insensível ao roçar
dos rufos rendados dos punhos da camisa em suas mãos, Jason virou-se para o
amigo, recostado a uma poltrona estofada. — Não podemos vacilar justamente
agora.
— Reconheço que as notícias não são exatamente o que você gostaria de ouvir
— admitiu Lucien Montaine, marquês de Litchfield —, mas uma hora vamos
encontrar outra forma de chegar até ele. Mais cedo ou mais tarde, um canalha como
Avery acaba se tornando vítima da própria imoralidade.
Jason juntou-se ao amigo, a única pessoa que ficara do seu lado nos últimos
oito anos.
— Já esperei demais, Lucien. O crápula dilapidou quase toda a fortuna de que

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se apoderou.
— É por isso que ele resolveu casar-se.
— Não estou interessado nas decisões de Avery. Quero o que é meu de
direito. Quero fazer justiça à memória de meu pai. Quero que meu irmão pague pelo
crime que cometeu, e vou fazer o que for preciso para que ele seja punido.
— Faltam só duas semanas para o casamento, Jason. A jovem é uma das mais
ricas herdeiras da Inglaterra e, assim que puser as mãos no dote da noiva, Avery terá
como quitar as dívidas que contraiu. Inclusive a hipoteca sobre Carlyle Hall, da qual
você é credor. Desse modo, como vai alegar o não pagamento do débito para tomar
posse da propriedade? — Lucien esfregou o queixo. — A menos que houvesse uma
forma de impedir esse casamento, não vejo como...
— Pois é exatamente esse, meu caro Litchfield, o meu plano.
Sobrancelhas cerradas se ergueram sobre os olhos negros como piche do
marquês, quase tão alto quanto o amigo, porém bem mais magro. Vizinhos nas pro-
priedades rurais de suas famílias, os dois se conheciam desde que eram meninos.
— Será que posso perguntar como pretende fazer isso? — Lucien o interpelou
antes de afastar da testa uma mecha de seus cabelos negros.
— Você disse que a moça vai para Carlyle Hall com o avô, não foi? Pois bem,
vou raptar a encantadora noivinha e mantê-la sob meus cuidados até fazê-la perder o
casamento. O período de tolerância da nota promissória está prestes a se esgotar; tão
logo Avery reconheça não ter como quitar a dívida, executaremos a hipoteca e eu
tomarei posse da propriedade.
— Você realmente está pensando em seqüestro?
— E vou precisar da sua ajuda, evidentemente. Preciso de um lugar onde
esconder a moça até resolver a pendência sobre Carlyle Hall.
— Ela tem só dezenove anos, Jason. É uma inocente, que certamente ficará
apavorada quando...
— Não vou machucá-la. Pelo contrário, farei tudo o que for preciso pelo seu
bem-estar. — Ajeitou os rufos nos punhos da camisa, depois esfregou a cicatriz no
dorso da mão esquerda. — Direi a essa jovem que a raptei em troca de um resgate;
quando ela descobrir que não é em dinheiro que estou interessado, o dia do
casamento terá passado e a nota promissória estará vencida. Carlyle Hall será minha.
E meu irmão vai ter o que merece.
Pensativo, o marquês de Litchfield se ajeitou melhor na poltrona antes de
afirmar:
— Fosse outra a situação, eu me oporia a uma medida tão drástica, mas, desta
vez, acho que deixarei passar. Essa moça será poupada, pelo menos por algum
tempo, de casar-se com um assassino; só isso já compensa a tolice que você pretende

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fazer.
— Eu sabia que poderia contar com sua compreensão. — Jason encarou o
amigo com um ar mais sério.
— Você, que ficou do meu lado nos piores momentos por que passei na vida,
agora está colocando sua reputação em risco para me ajudar outra vez. Não me
esquecerei disso, Lucien.
— E você, meu amigo, merece a chance de reconquistar o que o seu irmão
parricida lhe tomou.
— Erguendo-se, foi até o aparador e destampou uma botelha de cristal com
conhaque. — A noiva de Avery terá de tomar a estrada que passa entre Winchester e
Midhurst. Tenho um chalé onde fico, quando vou caçar na floresta, nas cercanias de
Ewhurst; não é grande, mas está sempre limpo e bem cuidado. Vou providenciar
alimentos e tudo o mais de que você e a dama possam precisar.
Jason anuiu com um meneio de cabeça. Após servir outra dose de conhaque
em seu cálice, Lucien fez o mesmo com o do amigo, em seguida tornou a se sentar.
— Há um rapaz que mora ali perto. Ele é leal e poderá ajudá-lo no que for
preciso. Além desse moço, não há mais ninguém com quem contar. — O marquês
tomou um gole da aromática bebida. — Conheço superficialmente lady Velvet, uma
jovem encantadora, e quero crer que você irá dedicar à inocência dessa dama o
mesmo respeito que pretende ter para com a integridade física dela.
— A experiência que tive com Célia foi uma lição que me custou duríssimas
penas. O preço de levar uma dama para a cama é alto demais.
Lucien não respondeu. Jason Sinclair havia mudado um bocado nos últimos
anos. O jovem loquaz e espirituoso que ele conhecera havia sido destruído pouco a
pouco pelo ódio e sofrimento vividos nas colônias. Por quatro daqueles oito anos,
Jason labutara como um escravo nos pantanosos campos de trabalhos forçados na
Geórgia, para onde fora levado numa incrível guinada do destino, já que antes tinha
sido condenado à morte. Aqueles longos e dolorosos anos o transformaram num
homem que o marquês mal reconhecia como o garoto com quem fizera amizade na
infância. Os olhos azuis de seu amigo haviam perdido o deslumbramento e a
curiosidade da meninice e juventude; eram agora olhos de um predador, frios, duros
como os músculos que lhe recobriam o físico robusto.
Quatro anos na colônia penal, depois a fuga. Nos últimos trinta meses, Jason
encontrara a prosperidade trabalhando num latifúndio, que hoje lhe pertencia, numa
pequena ilha nas proximidades de St. Kitts. Mas faltava um ano em toda aquela triste
saga, um ano do qual ele jamais havia falado.
Lucian indagou-se se estaria ali a origem da profunda melancolia que via no
semblante do amigo sempre que Jason se imaginava sozinho.

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— Falta muito, vovô? — Velvet Moran se remexeu no assento da reluzente


carruagem negra de Haversham, a única que restava das mais de dez que sua família
chegara a possuir. — Parece que faz horas que estamos neste coche.
— Faz horas, tanto que já começou a escurecer. Você vive me dizendo que
deveríamos viajar mais vezes e, agora que estamos na estrada, põe-se a reclamar e
não para quieta um minuto.
— Oh, o senhor tem razão... Mas é que um lado meu quer ver tudo isso se
resolver de uma vez por todas; o outro preferiria que jamais chegássemos lá.
— Coragem, querida. Quando você se casar, tudo vai se resolver.
Ela suspirou. Apesar de o tempo ter esfriado, sua aia, Tabitha Beeson, viajava
na boléia junto do cocheiro desde que haviam feito uma parada para almoçar e trocar
de roupas numa hospedaria. Ao que tudo indicava, Tabitha não só havia se
enamorado do moço como era correspondida.
Tornando a suspirar, Velvet recostou a cabeça no apoio para as costas do
estofado de veludo. Como seria apaixonar-se? Houve vezes em que sonhara em
desposar um homem que a amasse, porém, com a mesma freqüência, concluíra que
não queria se casar em hipótese alguma. Nos últimos três anos, aprendera a dar valor
à sua independência, o que certamente iria perder com o matrimônio. Ou então...
— Velvet
— Sim, vovô?
— Acho que me fugiu da lembrança... Aonde é mesmo que estamos indo?
— Carlyle Hall, vovô. — Apertou de leve a mão ressequida dele. — Vou me
casar com o duque, lembra?
— O casamento... Sim, é claro! — O conde deu um sorriso. — Você será uma
linda noiva.
Ela não respondeu. Em vez disso, ajeitou os cabelos com gestos nervosos,
alisou o vestido de brocado cor de abricó sob a manta que lhe cobria as pernas e
tentou não pensar na noite de núpcias. Ou no que o duque iria dizer quando
soubesse que seu dote era tudo o que havia sobrado da imensa fortuna Haversham.
Com mais outro suspiro, fechou os olhos e assim permaneceu, buscando
manter a mente vazia, até que um tropel de cascos de cavalo viesse imiscuir-se na
quietude daquele frio comecinho de noite de março. Um estrépito que foi ganhando
potência e velocidade, retumbando numa marcha muito mais acelerada do que a das
montarias que puxavam a carruagem... E então o estampido de uma arma de fogo fez
com que o coche perdesse a aceleração até estacar com um solavanco.
— Mas que diabos?... — Cenho franzido, o conde se acomodou sobre o coxim
enquanto sua neta colocava a cabeça para fora da janela do veículo.
— Boa-noite, minha dama — cumprimentou o encorpado desconhecido que, à

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garupa de um cavalo negro, tinha uma pistola ainda fumegante numa das mãos e
outra arma já engatilhada apontada para o cocheiro.
— Que os santos nos ajudem! — exclamou Tabitha da boleia. — É o
salteador... Jack Kincaid, o Zarolho!
Toda trêmula, Velvet correu a se encolher num canto da carruagem. Pelo bom
Deus, era ele! Já tinha ouvido falar daquele homem. O patife havia roubado inú-
meros viajantes, de Marlborough até Hounslow Heath. E agora estava bem ali, em
carne e osso... de tapa-olho negro e tudo!
— Não tenham medo. — Apeando da montaria, o fora da lei foi abrir a
portinhola do coche. — Entreguem o que tiverem de valor, e vocês poderão seguir
caminho sãos e salvos.
Bem alto e de compleição robusta, ele tinha o olho descoberto da mais vivida
tonalidade de azul que Velvet já vira. Depois de olhar de relance para o avô, que
aparentava total perplexidade ela tornou a mirar o salteador que, em calças pretas
justas enfiadas nas botas de cano alto da mesma cor, usava uma camisa de linho
branco sobre o peito largo e musculoso.
— Acredite ou não — Velvet tentou imprimir alguma firmeza à voz—, temos
pouquíssimo dinheiro conosco e uma ou outra jóia. Vai se sair melhor se roubar
outra pessoa.
Ele a examinou por um momento antes de contemplar o brasão dourado na
portinhola da carruagem: uma pomba voando acima de duas espadas entrecruzadas.
Força e Paz. O lema de Haversham.
— Talvez sim. Ou talvez não. Seja como for, entregue o que vocês têm aí.
Velvet não perdeu tempo a obedecer, passando às mãos dele sua bolsa e a
carteira de seu avô. Após enfiá-las no cós da calça, o malfeitor ordenou:
— Agora as jóias.
Foram-se o pesado relógio de ouro e o anel de rubi com a insígnia gravada na
portinhola, que Velvet passou às mãos dele com o coração contrito. Ao abrir o fecho
do broche que trazia no corpete, porém, ela não pôde evitar um sorriso fugaz. O
diamante incrustado no alfinete era falso. A jóia que dera origem àquela cópia e que
pertencera à sua mãe fora vendida para quitar contas em atraso.
— Isso é tudo — afirmou em voz baixa. — Eu disse que não tínhamos quase
nada.
Os lábios do larápio se curvaram num arremedo de sorriso. Lábios benfeitos,
reparou Velvet, encimados por um nariz reto e sobrancelhas elegantemente
arqueadas. Uma cicatriz discreta percorria a lateral de um maxilar que parecia rígido,
implacável.
— De fato, o que me entregou é bem pouco. Então, tratarei de tirar algum

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proveito de uma situação adversa. — O sorriso dele se alargou. — Desça da


carruagem, lady Velvet.
Santo Deus, o patife sabia o nome dela!
— Por quê? O... O que está querendo?
— Quero que faça o que mandei.
— Não... não sem antes saber o que você pretende.
— O que pretendo, minha dama, é raptá-la e pedir um bom resgate ao seu
noivo. Afinal, você deve valer uma fortuna. Agora desça dessa carruagem antes que
alguém se machuque.
Valei-me, Senhor! Não podia permitir que algo grave sucedesse a seu avô, um
senhor de saúde frágil e memória fraca.
— O que está acontecendo? — indagou o conde de Haversham ao ver a neta
fazer menção de saltar para o chão. — Aonde você vai?
— Está tudo bem, vovô. Esse cavalheiro quer ter uma palavrinha comigo. Não
se aflija; tenho certeza de que ele não pretende me fazer mal.
— Não. Não lhe farei mal algum, minha dama — confirmou Jason com
firmeza. — Dou-lhe minha palavra de honra.
— Sua palavra? Espera que eu vá crer na palavra de um ladrão de estrada?
Está me dizendo que um salteador tem honra?
— Eu tenho.
Embora não soubesse dizer por que acreditava nele, Velvet sentiu que parte
do pavor que até então experimentava se esvaecia. Assim, desceu da carruagem e,
enquanto ajeitava as anquinhas, arrependeu-se de não ter colocado um vestido com o
decote menos cavado.
Após admirá-la por um instante, Jason dirigiu-se ao cocheiro:
— Siga seu caminho. A dama ficará bem se você fizer o que digo. — Brandiu a
pistola que apontava para o moço. — Mas se parar essa carruagem, uma só vez que
seja, antes de chegar a Carlyle Hall, então não me culpe pelo que será feito dela.
— Oh, minha pobre menina! — Tabitha levou um lenço aos olhos marejados.
— Desonrada por um tipo como o zarolho Jack Kincaid...
— Já falei que não farei nenhum mal a ela — retorquiu Jason. — Andem,
sumam-se daqui! — A pistola rugiu.
A aia deu um grito, o cocheiro correu a açoitar os cavalos, e o velho conde
tombou de encontro ao encosto do assento no momento em que a carruagem
disparou estrada afora. Quando viu o veículo desaparecer atrás de uma curva,
Velvet, com o coração pesado como chumbo, ergueu os olhos ao fora da lei.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Tire essa maldita gaiola que você está usando.


— Como?
— As tais anquinhas... Essa armação dos infernos sob suas saias. Tire isso.
Ela sentiu o estômago se retorcer. O canalha realmente pretendia violentá-la.
Como pudera ser tão tola a ponto de acreditar que Jack Kincaid não iria lhe fazer
mal?
— Aqui? — Olhou pela estrada sinuosa que se embrenhava na floresta, para
os teixos altos e frondosos que formavam uma cortina ao longe. Um mocho piou
nalgum galho perto dali, e ela sentiu um arrepio na espinha.
— Tire.
Mesmo sentindo o lábio tremer, Velvet ergueu o queixo para afirmar:
— Vire-se.
— O quê?
— Mandei você se virar. Não vou me desnudar na sua frente.
— Santo Cristo, não estou lhe pedindo que se dispa, apenas que tire essa coisa
pavorosa para poder se acomodar na sela do cavalo à minha frente. — Ao ver que ela
não se mexia, saltou à garupa da montaria e, fazendo o animal dar meia-volta, ficou a
olhar para um ponto qualquer perdido no horizonte.
Talvez o larápio mantivesse a palavra empenhada,
E talvez não... Mas como não estivesse nem um pouco disposta a descobrir as
verdadeiras intenções dele, Velvet esperou um instante e, erguendo as saias, desatou
a correr. Não iria se entregar tão facilmente e, antes disso, podia tentar escapar.
A noite havia caído, e o fiapo de lua atrás de uma nuvem mergulhava a
floresta numa penumbra tão densa que ela mal enxergava o terreno diante de seus
pés. Apesar da aflição, conseguiu ouvir a imprecação que o fora da lei deixara
escapar e também o baque surdo do solado das botas dele sobre a relva que recobria
o solo à margem da estrada. Por Deus que estava no céu, não podia deixar que ele a
apanhasse!
Com todo o ímpeto de que era capaz, com os seixos a lhe fustigar os pés sob a
sola macia dos seus sapatos de pelica e ramos ásperos a lacerar a renda das mangas
do seu vestido, Velvet continuou em plena disparada. Desviou de uma árvore,
cruzou uma clareira e seguiu adiante em desabalada carreira, tratando de ignorar a
dor à altura das costelas e o compasso ensandecido do coração aos pulos em seu
peito. Por mais que corresse, porém, o rumor das passadas às suas costas parecia
cada vez mais próximo... E não demorou mais do que instantes para que ela sentisse
o impacto do corpo que a arremessava de encontro ao chão.
Tão logo conseguiu recuperar o fôlego sob o peso do físico avantajado que a

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comprimia contra a terra úmida, Velvet não se conteve:


— Saia de cima de mim!
— Pare quieta, diabos! — Jason deslizou as mãos pela cintura dela até
encontrar as palas que mantinham as anquinhas no lugar e torceu-as com toda a
força até ter certeza de que haviam se soltado das alças.
— Solte-me!
Antes que Velvet se desse conta do que estava acontecendo, ele havia se
colocado de joelhos e, enfiando as mãos por sob suas saias, arrancou-lhe pelos pés a
armação de barbatana de baleia que sustentava o belo traje de brocado. Meio zonza,
ela o deixou ajudá-la a se levantar e, apesar de tudo, demorou alguns segundos até
constatar que continuava completamente vestida. Suas anquinhas estavam partidas
ao meio no chão, era verdade, porém tudo o mais se achava no devido lugar.
— Vamos andando, minha dama. — Jason tentou não prestar atenção aos
reluzentes cabelos castanhos com reflexos avermelhados que, agora soltos, tomba-
vam sobre os elegantes ombros dela. Nem nos rasgos no corpete agarrado aos seios
de formas generosas. Ou nas singelas manchas de terra que a linda lady Velvet tinha
no rosto.
Ao fitar o olho azul que a observava, ela se sentiu estremecer. Jack Kincaid até
podia ser um homem de palavra, no entanto um ar intimidador o envolvia tal qual
um manto. E ainda que as ameaças que fazia fossem um tanto veladas, era evidente
que estava pronto para concretizá-las a qualquer momento... Fingindo não notar as
marcas de terra em suas roupas e em seus cabelos agora desgrenhados, ela partiu na
frente do seu raptor em direção à estrada, onde o cavalo os esperava.
Em questão de minutos, seguiam floresta adentro no lombo da montaria.
Cansada, temerosa, desalentada, Velvet lembrou que seu casamento estava marcado
para dentro de poucos dias e indagou-se como o duque iria reagir ao seqüestro... ou
se estaria disposto a pagar o resgate. Mas, fosse como fosse, uma coisa era certa: na
primeira oportunidade que surgisse, trataria de escapar.
O garanhão todo negro pisou em falso, e Jason trouxe de encontro ao peito a
jovem miúda e muito bonita que tinha à sua frente sobre a sela do cavalo.
Arredondados e viçosos, os seios dela só faltavam saltar do decote do traje cor de
abricó e de quando em quando roçavam seus braços, sobretudo quando ele manejava
as rédeas, provocando-lhe uma sensação... extremamente agradável. Semelhante ao
efeito suscitado pelas pontas dos longos cabelos com um brilho levemente
anacarado, que no momento pareciam afagar suas mãos.
O cavalo desceu a encosta de uma colina, e os movimentos do animal
pressionaram lady Velvet contra seu tórax num contato bastante prazeroso. Bem que
Litchfield o avisara... "Uma jovem encantadora". A descrição do marquês, porém, não
fazia justiça à dama entre seus braços. Velvet Moran era a mulher mais fascinante e

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tentadora que ele já vira, impetuosa sem deixar de ser feminina, doce e ao mesmo
tempo sensual... Ao ver-se obrigado se acomodar melhor à sela por conta da turgidez
no interior de suas calças, praguejou em pensamentos. Jamais lhe passara pela cabeça
que iria achar a noiva de Avery atraente. Jamais. E, no entanto, agora se pegava
pensando como seria deitar-se com ela.
Não iria fazer isso, claro. Havia cometido uma série de despautérios desde
que deixara a Inglaterra, atitudes desprezíveis cujo único propósito era a sobrevi-
vência. Mas nunca fizera mal a uma inocente, jamais possuíra uma mulher à força, e
não começaria a fazê-lo com Velvet Moran. De mais a mais, conter a volúpia era
questão de somenos importância. O que realmente interessava era recuperar sua
herança, e aquele era o primeiro passo para que a justiça fosse feita.
O início da longa caminhada com que esperava limpar seu nome.
Sentiu lady Velvet estremecer, então se deteve o tempo suficiente para
apanhar o manto que deixara preso à sela e colocá-lo sobre os ombros dela, em
seguida voltou a incitar o cavalo. Ao cabo de mais alguns minutos, o chalé de
Litchfield finalmente se descortinou atrás de um arvoredo, e ele deu graças a Deus
com seus botões, ansioso que estava por tirar a jovem adormecida de seus braços.
Parando o cavalo diante da pequena moradia de pedras amareladas e dois
pavimentes nas franjas de uma campina, com um só dormitório no segundo andar e
um amplo salão também usado como cozinha no piso térreo, Jason acenou com a
cabeça para o cavalariço, Bennie Taylor, que o esperava lá fora. Como Litchfield
havia dito, o rapazinho era hábil e leal até demais e parecia disposto a fazer tudo o
que ele lhe pedisse.
— Boa-noite, milorde — cumprimentou o jovenzinho bastante forte, de
cabelos claros e poucos sorrisos, que devia ter uns treze anos de idade.
— Boa-noite. — Jason cuidou de ter em mente que o marquês o apresentara
como o conde de Hawkins, já que Hawkins era o nome que ele vinha usando desde
que deixara a Inglaterra. — Cuide do cavalo, sim? Eu me encarrego da dama.
— Sim, milorde.
Velvet acordou quando ele a tirou do cavalo.
— Onde... Onde estamos?
— Num ponto qualquer da floresta. — Jason colocou-a no chão. — Tentei
deixar a casa confortável.
Ela olhou ao redor antes de acusá-lo:
— Você tinha tudo planejado. Seu intento não era assaltar, e sim me raptar.
— Espero que se sinta à vontade. — Indicou o chalé com um movimento de
cabeça. — Por aqui, minha dama.
Com evidente relutância, ela o acompanhou até a moradia e, surpresa por se

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deparar com um ambiente limpo e bem cuidado, estacou no limiar da porta.


— Não é bem o tipo de lugar que alguém associaria a um fora da lei.
— O que esperava? Um quartinho sob as vigas do telhado numa taverna
imunda? — Supondo que ela fosse segui-lo, Jason partiu em direção à escada.
— Quanto vai pedir?
Ele se deteve para encará-la.
— Como?
— O resgate. Quanto tenciona pedir?
— Quanto você acha que vale?
Muito menos do que você imagina, pensou Velvet, reprimindo um surto de
pânico para afirmar com convicção:
— Imagino que o duque não dê valor a artigos danificados. — Por ora, era
melhor nem pensar no dano à sua reputação e na possível reação do esnobe Avery
Sinclair a tudo aquilo. — Ele não terá como saber que você não... não...
— Não o quê, minha dama? Não abusei de você? Não a violentei?
— Eu quis dizer que talvez ele não esteja disposto a pagar o valor do resgate.
— Ao vê-lo dar de ombros, sentiu um calafrio. Aquele homem em nada fazia lembrar
um fora da lei, mas isso, em vez de reconfortá-la, deixava-a ainda mais apreensiva.
Era como se algo estivesse acontecendo fora do seu campo de visão, algo que ela
simplesmente não era capaz de enxergar.
— Vamos ter de esperar para ver. — Jason rumou para o segundo piso do
chalé. — Há um dormitório lá em cima. Venha comigo.
Velvet fez o que ele pedia. E foi se deter à entrada de um aposento pequeno,
porém aconchegante.
— Pelo visto, é aqui que irei dormir.
— Os lençóis e as cobertas estão limpos. E a cama é confortável.
Quando seu olhar recaiu sobre a janela, ela viu-se tomada de esperanças.
— Esqueça; o caixilho das vidraças foram fixados com pregos, e eu estarei lá
embaixo — afirmou Jason. — Porte-se bem, lady Velvet, e muito em breve você irá
para casa. Este pequeno contratempo não vai durar mais do que uns poucos dias.
Contratempo... Apesar de tudo, aquiesceu:
— Como quiser... meu lorde. — E ficou muito satisfeita ao vê-lo erguer uma
sobrancelha. Não, não estava adormecida quando o rapazinho o tratara pelo título
aristocrático.
— Boa-noite.

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— Boa-noite. — Reprimiu a vontade de fazer um muxoxo. Não iria ficar ali, de


braços cruzados, enquanto ele, fosse quem fosse, providenciava um pedido de
resgate ao duque. Não iria ficar à espera de que Avery decidisse se pagava ou não a
quantia exigida. Tampouco iria correr o risco de faltar ao seu casamento e, assim,
perder Windmere e aniquilar seu futuro e o futuro de seu avô. Iria, isso sim, dar um
jeito de fugir.
Resistindo ao ímpeto de caminhar de um lado para outro, Velvet continuou
encolhida no centro do colchão de penas que realmente seria bastante confortável... se
ela conseguisse pegar no sono.
Os suportes de barbatana de baleia lhe cutucavam as costelas, mas pelo menos
estava livre das incômodas anquinhas. Lá fora, as nuvens haviam se transformado
numa massa densa, sombria, de onde de quando em quando escapava um
relâmpago. Não era o tipo de noite que ela escolheria para se safar do "contratempo",
mas a verdade era que sua situação se complicava com o passar das horas. E como a
porta estivesse trancada, restava a janela com os pregos... Embora não fizesse a
menor idéia de onde se achava, tinha certeza de que, se se embrenhasse na mata,
mais cedo ou mais tarde iria deparar com algum vilarejo ou mesmo com uma
casinha, cujo dono não se furtaria a ajudá-la. Só o que precisava era escapulir daquele
quarto.
Quanto tempo faria que estava esperando? O suficiente para que o fora da lei
tivesse adormecido?
Com o cuidado de evitar que a cama rangesse, levantou-se vagarosamente e,
após esperar que seu coração se acalmasse um tiquinho, tomou nas mãos as tiras de
lençol que amarrara umas às outras. Pé ante pé, cuidou de deixar a improvisada
corda junto à janela, depois foi apanhar o "martelo", a escova de cabelo com cabo de
prata que alguém deixara ao lado de um bonito pente do mesmo metal sobre a
mesinha de cabeceira.
Senhor, não sou muito boa com esse tipo de coisa, por isso Lhe peço que me ajude e olhe
por mim.
Deus evidentemente estava do seu lado, pois, no primeiro golpe que deu na
vidraça com o cabo da escova, usando parte da trouxa de lençóis para abafar o ruído,
a lâmina de vidro não só se partiu silenciosamente como apenas um único fragmento
caiu, para dentro do quarto... e com um barulhinho de nada.
Obrigada, Senhor.
Tão logo sentiu as mãos um pouco menos trêmulas, tratou de recolher os
cacos espalhados sobre o peitoril, em seguida arrancou outros pedaços de vidro
presos ao caixilho da janela a fim de aumentar o espaço por onde pretendia passar. A
atenção e o desvelo empregados em trabalhar em silencio e não se ferir a fizeram
demorar bem mais do que havia calculado, tanto que, quando afinal lançou pela
janela a corda de pano amarrada a um dos pés da sólida cama de madeira, já tinha

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

começado a chover.
Depois de rezar para que a cama e a corda feita às pressas suportassem seu
peso, contorceu-se toda até conseguir passar pelo espaço aberto na moldura da vi-
draça e, soltando uma mão depois da outra, foi descendo pelas tiras de pano. Com os
olhos fixos na janela, sentiu um dos pés afundar numa poça de lama... e precisou
fazer um esforço sobre-humano para não gritar enquanto a água gelada lhe ensopava
o sapato e a meia de seda.
Sufocando um impropério nada digno de uma dama, sondou rapidamente os
arredores no intuito de escolher um caminho por onde seguir. Ao constatar que nada
lhe parecia familiar, amaldiçoou-se por não ter prestado a devida atenção às
imediações do chalé quando chegara ali, então ergueu as saias e partiu em desa-
balada carreira em direção à floresta.
Pasmo, Jason pestanejou um par de vezes. Não, não estava vendo coisas: o
pequeno vulto que descera bamboleando junto à parede do chalé realmente acabava
de disparar rumo à mata.
— Com mil demônios! — Terminou de abotoar as calças, calçou as botas e
jogou o manto sobre os ombros antes de correr para a porta. Aquela mulher era
mesmo um espinho na garganta; precisava ter escolhido uma noite de chuva para
criar confusão? Enquanto ele cruzava a campina na direção que lady Velvet havia
tomado, a chuva rala se transmudou num pesado e inclemente aguaceiro, reforçado
pelo vento que continuava a fustigar a copa das árvores. Em meio aos relâmpagos
que agora rasgavam o céu, o estrondo de um trovão ecoou não muito longe dali.
Jason imprimiu mais velocidade às suas passadas e, sem deixar de amaldiçoar a
endiabrada um só instante, embrenhou-se na mata alheio à chuva que lhe açoitava o
rosto e cabelos. Assim, não demorou muito a vislumbrar, por entre a cortina d'água,
um lampejo cor de abricó à frente de alguns troncos de árvore... E, um segundo
depois, cerrou os dentes ante o cintilante ziguezaguear do raio que, ao atingir em
cheio um galho pendente, decepou-o de um só golpe com a precisão de um machado
de desapiedado gume. Com o coração pulsando na garganta, tratou de buscar forças
no mais íntimo de seu ser para acelerar a já desembestada marcha que imprimia às
pernas. E se o pior tivesse acontecido? E se ela estivesse ferida? Ou... morta? Santo
Deus, era o único responsável pelo que porventura acontecesse a Velvet Moran.
Levara-a para lá. Tomara para si a obrigação de zelar pela integridade física dela.
Tinha de manter sua palavra.
Valei-me, Senhor! O ar que engolia às golfadas parecia queimar seu peito, as
pontadas que sentia na altura das costelas mal lhe permitiam continuar a correr.
Tinha os cabelos ensopados grudados nos ombros; seu vestido, um trapo encharcado
colado às suas pernas, parecia pesar mil quilos. Santo Deus, de onde viera aquela
tempestade? Uma chuva leve que apagasse seu rastro até iria ajudá-la, mas aquele
temporal...

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Ensurdecedor, o estrondo de mais outro trovão deixou-a apavorada, um medo


tão avassalador que a paralisou por um instante. E antes que pudesse dar ao menos
um passo, o chiado traiçoeiro de um raio estrilou no ar, tão próximo que Velvet teve
a impressão de que a descarga quisera acertá-la. No mesmo instante, um galho
frondoso tombou da copa da árvore a poucos metros de distância e, aterrorizada, ela
deu um grito antes de, fazendo das tripas coração, correr para longe do ponto onde a
ramagem recém-abatida começava a pegar fogo. No entanto, não foi muito longe:
assim que desviou do tronco de um carvalho, bateu de chofre numa sólida parede de
músculos... e tornou a gritar.
— Por Deus, duquesa! — Depois de envolvê-la com seu manto, Jason a
abraçou contra o peito.
Ficaram ali por um momento, até que Velvet encontrasse forças para
murmurar:
— Você tem de me deixar ir embora. — Com o pulso acelerado e a respiração
entrecortada, ergueu os olhos ao rosto dele, lavado pela chuva. — Preciso ir.
Jason meneou a cabeça para dizer que não. A tira de couro que lhe prendia os
cabelos se perdera pelo caminho, e onduladas mechas castanhas caíam sobre seus
ombros.
— Por favor... Tenho de ir para Carlyle. Preciso me casar com o duque.
— Você pode se casar com quem quiser... quando voltar para junto dos seus.
Até lá, vai ficar aqui comigo. — Conteve-a entre seus braços. — Escute aqui, sua
desmiolada: por acaso ainda não se deu conta de que poderia ter morrido? — E,
antes que ela pudesse responder, tomou-a nos braços e partiu de volta ao chalé.
Velvet sentiu o coração dele aos pulos, no ritmo açodado do seu. Era estranho,
mas lhe ocorreu que, mesmo com aquele sinistro tapa-olho, Jack Kincaid era um
homem muito bonito.
Não demoraram a chegar à moradia de pedras amareladas e, depois de abrir a
porta com o pé, Jason a colocou no chão. Em questão de segundos, uma poça de água
e lama se formou ao redor dos pés dela. Percebendo que tremia da cabeça aos pés,
tanto de frio como de raiva de si própria, Velvet se lamentou:
— Se a chuva não tivesse apertado tanto... Se não tivesse esfriado...
— Sim, se os porcos voassem, você teria conseguido. — Ao vê-la tiritar, foi
colocar mais lenha na lareira. — É melhor tirar essas roupas encharcadas. Embora a
sala de teto alto não demorasse a ser impregnada por uma benfazeja onda de calor,
Velvet não conseguia parar de tremer. Indo apanhar a manta que largara no sofá
onde pretendia dormir, Jason estendeu-a para ela.
— Amanhã o rapazinho irá trazer um traje limpo para você vestir. Nesse meio
tempo, agasalhe-se com isto.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Ela mordeu o lábio. Tinha as mãos dormentes; como iria fazer para desabotoar
as costas do vestido?
— Talvez minha roupa não demore tanto assim a secar...
— Não seja boba. Pensei em lhe sugerir que fosse para o quarto, mas, com o
vento que está entrando por aquela vidraça quebrada, é melhor você ficar aqui
embaixo, no calor da lareira.
— Você tem razão, só que... Minhas mãos estão tão geladas que mal consigo
senti-las. Acho que não conseguirei desabotoar o corpete do meu vestido.
Jason praguejou baixinho.
— Muito bem, vire-se.
Com as pernas ainda meio bambas, Velvet fez o que ele pedia e, constrangida,
cuidou de não prestar atenção aos movimentos dos dedos ágeis sobre sua pele
enquanto segurava o traje de encontro aos seios. Quando tornou a se virar, deparou
com as costas anchas do seu captor, que havia se virado para a porta. Um fora da lei
bem-educado... Quem haveria de dizer?
— Pronto?
A fim de não colocar a paciência do malfeitor à prova, ela largou o vestido no
chão e, só de roupa branca, correu a se enrolar no cobertor enquanto indagava:
— E você? — Aproximou-se um pouco mais da lareira, exalando um suspiro
diante do calor do fogo.
— Estou habituado à falta de conforto. — Apesar do que afirmara, Jason
também se aproximou da fornalha antes de tirar a ensopada camisa de linho pela
cabeça.
Velvet voltou a ficar gelada. Não só nunca tinha visto o peito nu de um
homem como jamais imaginara um torso parecido ao dele: bem fornido, a
musculatura perfeitamente delineada... Os pelos castanho-escuros a se embrenhar no
cós da calça preta tinham um aspecto tão sedoso que dava vontade de afagar. Não
pela primeira vez, reparou também na cicatriz no dorso da mão esquerda dele.
— Vou consertar a janela do quarto. — Sentando-se, Jason tirou as botas. —
Depois, acho melhor tratarmos de dormir um pouco.
Olhos fixos nas chamas da lareira, Velvet ouviu de novo o murmurejo de
tecido que indicava que ele trocava o traje encharcado por roupas secas, em seguida
ouviu passos ao longo da escada e, por fim, ouviu o bate-bate de marteladas na
madeira.
Quem era aquele homem?
Por que o cavalariço o tratava como fidalgo?
E, o mais importante: agora que sua tentativa de fuga não tinha dado em

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

nada, como faria para escapar dali?


Jason, que havia nadado nas águas geladas do riacho mais cedo, despejou o
último balde de água quente na tina de madeira que colocara diante da lareira para a
noiva de Avery. Era arriscado, bem o sabia. Na véspera, precisara de um esforço
sobre-humano para não afagar a pele alva e acetinada dela, para não desnudar
aqueles seios suculentos e acarinhá-los até... Maldição, tinha náuseas só de pensar
que seu irmão porventura tivesse tocado, beijado, se deitado com Velvet Moran.
— Bom-dia, meu lorde — cumprimentou ela no topo da escada.
— Bom-dia. Eu trouxe roupas para você e achei que fosse querer banhar-se
antes de vesti-las. — Na verdade, havia sido o jovem Bennie quem providenciara a
saia de lã marrom, a blusa branca de camponesa e as roupas de baixo e de dormir;
por sorte, a irmã do rapazinho tinha a constituição física bem parecida à de lady
Velvet.
— Ah, eu adoraria tomar um bom banho, sim.
— Está com fome? Deixei queijo, pão e uma caneca de chá sobre a mesa. —
Tentou não admirar a pele desnuda, acima da manta que a envolvia. — Vou aguar-
dar lá fora enquanto você se banha.
Velvet esperou que ele se fosse e a porta se fechasse para dar um suspiro. Ao
despertar de um sono entrecortado que custara tanto a chegar, tinha levado alguns
instantes a se dar conta de onde estava e o que havia acontecido, então deixara o
olhar vagar pelo dormitório com cortinas franzidas de musselina, atentando à
cômoda encostada à parede e ao conjunto de jarro e bacia de porcelana pintada de
azul sobre o móvel. Na noite anterior, não tinha reparado no vaso de cristal com um
pequenino ramalhete de narcisos amarelos junto ao jarro. Nem na bonita colcha de lã
azul sobre a cama.
Para um cárcere, aquele lugar não era dos piores.
Ainda assim, tinha de fugir de lá. Aquela confortável prisão poderia acabar se
transformando na sua sepultura.
Assim que terminou de descer os degraus, foi espiar pela janela e, ao ver o
salteador cortando lenha ao longe, fechou as cortinas antes de ir para junto da tina.
Ali, experimentou a temperatura da água antes de largar a manta em que se
embrulhava, então entrou na banheira com um suspiro satisfeito. Alguém deixara
um sabonete ao alcance de sua mão, que ela usou sem se preocupar em poupá-lo.
Quando enfim se sentiu limpa, deixou a tina e se secou com uma toalha de
algodão, em seguida foi vestir as roupas que estavam sobre o sofá. Admirada com
que as peças lhe servissem, comeu o pão e o queijo, e então foi se sentar numa
banqueta diante da lareira para tomar o chá e secar os cabelos.
Bateram à porta.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Espero que esteja vestida, duquesa, pois vou entrar, quer você queira, quer
não.
A porta se abriu.
— Você não disse que eu teria de me apressar. — Jogando os cabelos por cima
de um ombro, Velvet ficou olhando para ele.
Em silêncio, Jason fechou a porta e deu um passo adiante.
— Desculpe-me, lady Velvet. Cheguei a pensar que você tivesse dado um jeito
de escapulir e... — Pigarreou. — Vejo que me enganei.
— É verdade, você se enganou.
— Seus cabelos... são lindos. Se precisar, há escova e pente lá em cima.
— Obrigada. — Percebeu que sua voz soara um mero balbucio. Não era para
menos: Jack Kincaid a olhava de um modo estranho, o que lhe dava uma inquietação
no peito. — Eu já ia buscá-los.
Jason não se moveu. Após um instante de hesitação, Velvet largou a caneca no
chão e, erguendo-se, passou por ele a caminho da escada. Um aroma de fumaça de
lenha e couro o envolvia, mas certamente não era isso o que fazia as mãos dela
tremer. Ou seu coração se acelerar. Por que ficara tão nervosa?
Quando retornou ao piso térreo do chalé com os cabelos presos num coque,
Velvet encontrou seu raptor ajoelhado diante da lareira, picando legumes recém-
lavados e pedaços de carne de carneiro antes de jogá-los num caldeirão de ferro
sobre as chamas. E, ao perceber que o observava com um olhar enlevado, obrigou-se
a ter em mente não apenas que ele era um temido fora da lei, mas também o perigo
que corria naquele lugar e o problema de proporções incalculáveis que impingiria ao
seu avô e ao seu futuro, caso não conseguisse se casar com o duque.
O tempo estava lindo: não havia nuvens no céu muito azul, e pela janela
entrava uma aragem fresca e perfumada. Excelente dia para uma fuga... Nas longas
horas antes de conseguir conciliar o sono, ela tinha elaborado outro plano para
escapar; agora precisava do momento oportuno para começar a colocá-lo em ação.
— Por acaso já recebeu uma resposta do duque? Jason se virou para ela.
— O duque? Está falando do seu querido futuro marido?
— Eu me referia à Sua Graça, o duque de Carlyle.
— Não. — Voltou a atenção aos temperos que colocava no caldo.
— Mas você já enviou o pedido de resgate, não enviou?
— Por que não enviaria? — Ao tornar a encará-la, Jason não notou que tinha
um meio sorriso nos lábios.
— Foi por isso que eu a trouxe para cá, não foi?

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Sim, foi o que você disse. — Velvet franziu a testa. Por que, todas as vezes
em que mencionava o resgate, tinha a sensação de não ser esse o motivo pelo qual
estava ali?
A manhã dera lugar à tarde, e o salteador, que escolhia passar a maior parte
do tempo lá fora enquanto ela continuava confinada entre as paredes do chalé, ao
menos a municiara com uma pilha de livros, entre os quais Robinson Crusoé, de
Defoe, e um volume com os sonetos de Shakespeare. Mas por mais que tentasse se
distrair um pouco com as obras, Velvet não conseguia se fixar no que lia, uma vez
que tinha coisas mais importantes com que se preocupar.
Quando Jason finalmente retornou ao chalé, ela andava de lá para cá, decidida
a colocar seu plano de fuga em prática.
— O jantar vai demorar?
— Vá com calma, duquesa. Não sou um dos seus inúmeros criados, por isso
sugiro que pergunte com bons modos ou terá de fazer você mesma a sua comida.
Ela ergueu o queixo.
— Nunca cozinhei.
— Por que será que não estou surpreso?
— Você é mesmo um aristocrata? Tive a impressão de que está acostumado
com o título.
— Talvez... em outros tempos. Por quê? Faz alguma diferença? — Arqueou
uma sobrancelha. — Bem, é claro que deve fazer, sobretudo para uma mulher que
pretendia se casar com um duque.
— Como assim, "pretendia" se casar? Vou me casar com ele. E nem você nem
ninguém vão me impedir.
— Está assim tão decidida, é? Reconheço que se trata de um homem bem-
apanhado que, quando quer, sabe ser agradável. Mas não pensei que você gostasse
tanto dele. — Largando a colher no caldeirão, Jason esfregou a cicatriz na mão
esquerda. — Então se trata de um casamento por amor?
Velvet umedeceu os lábios. Apaixonada por Avery Sinclair? Enamorado de si
próprio, ele não era um homem fácil de amar.
— Não, não amo Avery. Foi meu avô quem arranjou essa união. — Mais ou
menos. — É um matrimônio que interessa a nós dois e às nossas famílias.
Sem perceber, Jason exalou um suspiro de alívio antes de anunciar:
— O guisado está pronto. — Colocou um pouco do ensopado numa tigela de
estanho e passou-a às mãos dela, em seguida se serviu.
Alimentaram-se em silêncio e, finda a refeição, ele recolheu as tigelas e levou-
as para fora a fim de lavá-las.

Projeto Revisoras 25
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

A hora tinha chegado: com o coração na garganta, Velvet correu até a lareira,
apanhou o atiçador de ferro com que ele havia remexido as brasas e disparou escada
acima. Não podia perder nem mais um segundo.
Assim que entrou no quarto, olhou fixamente para a janela, agora vedada com
tábuas; nesgas de sol se filtravam por entre as frestas das placas de madeira, o que
indicava que aquela região continuaria banhada em claridade antes do anoitecer.
Muito bem. Dessa vez iria levar o cavalo todo negro, e Jack Kincaid não teria como
segui-la.
Sem perda de tempo, tirou os narcisos do vaso e despejou a água na bacia de
porcelana, depois foi colar o ouvido à porta. E, ao ouvir ruídos no piso térreo do
chalé, usou do atiçador para jogar o vaso no chão antes de dar um grito.
— Duquesa?
Fingindo que soluçava, ela subiu na cadeira ao lado da porta. Tinha as mãos
geladas e a boca seca como algodão, mas não iria desistir.
— Duquesa, você está bem?
O barulho pela escada era um indício de que ele subia os degraus de dois em
dois. Ótimo. Respirando fundo, ergueu o atiçador no ar. Deus, não queria machucá-
lo, mas que outra opção lhe...
A porta se escancarou, e Velvet, com toda a força de que era capaz, tentou
golpear seu raptor, só que, ao perceber o movimento estranho, Jason teve a reação
instintiva de saltar para o lado. Ainda assim o atiçador chegou a atingi-lo na
têmpora, uma pancada que jamais iria desacordá-lo, porém forte o bastante para
derrubá-lo no chão.
— Valha-me, Deus! — Saltando da cadeira, Velvet largou o bastão de ferro e
se ajoelhou para examinar o rosto dele. Ao ouvi-lo gemer, respirou aliviada por
constatar que não o matara. — Perdoe-me, mas não tive escolha. Preciso ir embora.
Apesar de estar tremendo, correu para o piso térreo do chalé, onde só se
deteve para pegar o pesado manto dele e o pão e o queijo que havia escondido, e
rumou com a mesma presteza para a estrebaria. O enorme cavalo negro achava-se lá,
mas, graças aos céus, não havia sinal do rapazinho.
— Venha, Blackie. — Usando o nome com que Jack Kincaid chamava o
garanhão, tirou-o da baia pelo cabresto, em seguida o levou para fora e, usando uma
cerca como apoio, colocou-se à garupa do belo animal. — Bom menino... Vá com
calma, viu?
Após dizer a si que montava razoavelmente bem, bateu com os calcanhares
nos flancos da montaria e inclinou o torso para a frente. Mas Blackie nem chegou a
mover uma das patas, pois mãos firmes e graúdas agarraram-na pela cintura para
arrancá-la de cima do dorso do animal.

Projeto Revisoras 26
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Mal o grito escapou de sua garganta, Velvet se viu no chão, frente a frente com
o zarolho Jack Kincaid, cujo semblante era uma máscara de profunda ira. Ela bem
que tentou fugir, porém os dedos longos que se cravaram em seus ombros a
impediram de dar um passo sequer.
— Vai a algum lugar, minha dama?
Trêmula de medo, Velvet fez o que pôde para fingir que não via o filete de
sangue junto à têmpora do seu raptor. Santo Deus, era bem provável que ele agora
resolvesse matá-la.
— Desculpe... Eu tinha de...
— Lamento frustrar suas expectativas.
De tão apavorada, ela custou a se dar conta de que não era um olho azul como
o céu que a fitava com aguda frieza, e sim dois.
— Por Jesus, quem é você? Qualquer um, menos Jack Kincaid, é evidente.
— Um homem que subestimou sua determinação... pela última vez, minha
dama. — Com isso, Jason arrancou de volta ao chalé, arrastando-a junto dele.
Por mais que fizesse das tripas coração para não chorar, Velvet tinha os olhos
marejados quando chegaram à porta da moradia.
— Por todos os demônios do inferno, será que você não entende, garota?
Quantas vezes eu lhe disse que vou deixá-la voltar para casa no momento oportuno?
Até lá, tente não fazer das nossas vidas um inferno! — Tornou a praguejar, dessa vez
em voz baixa. — Agora faça o favor de entrar, sim?
Com um soluço, ela soltou o braço que Jason apertava e secou o rosto com o
dorso da mão antes de rumar para a sala.
— Maldição! — Sem mais, Jason se afastou da soleira e bateu a porta com toda
a força.
O estrondo se ergueu até as vigas do teto. Diante da janela, Velvet o viu
caminhar até o cocho, enfiar a cabeça na água e depois sacudi-la com força, tal qual
um cão recém-saído de um riacho. O filete de sangue se fora da têmpora ferida,
mesmo assim ela sentiu o remorso lhe aguilhoar o peito. Por Deus, nunca havia
machucado outra pessoa, muito menos de propósito...
Quando Jason entrou no chalé, ela se afastou vários passos em direção à
parede. Como se não a visse, ele foi se largar sobre o sofá e, fechando os olhos,
apoiou a cabeça no encosto do móvel. De onde estava, Velvet notou o hematoma que
se formava na região da pancada, junto à raiz dos cabelos dele, e, pé ante pé, apro-
ximou-se de mansinho.
— Eu não queria machucá-lo.
— Você é mulher, não? — O par de olhos de vivido azul que se abrira de

Projeto Revisoras 27
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

estalo foi pousar sobre ela. — Logo, eu devia saber que não podia confiar em você.
Velvet suspirou.
— Por que não me diz a verdade, não me conta o que está acontecendo? Quem
sabe não posso ajudá-lo? Você não é o zarolho Jack Kincaid, e começo a duvidar de
que esteja interessado no dinheiro do resgate. Se me disser o que...
— E se você ficar quieta alguns instantes, talvez minha cabeça pare de latejar.
Após um instante de hesitação, ela foi até o balde de água ao lado da lareira,
umedeceu o pano preso à alça do recipiente e, retornando para junto do sofá, colocou
a compressa sobre o ferimento na têmpora de Jason. Os penetrantes olhos azuis
tornaram a se abrir, descortinando uma emoção sombria e turbulenta em suas
profundezas. Uma emoção que levou Velvet a se arrepender amargamente do que
fizera.
— Queria que você entendesse que eu tinha de tentar fugir.
— Não só entendo como acho até que admiro sua coragem. Ainda assim, não
posso deixá-la ir embora daqui.
Ela ficou calada. Jamais havia conhecido um homem como aquele. E mais:
sentia-se atraída por ele. Fascinada pelo perigo que parecia rondá-lo. Tocada pela
delicadeza que vislumbrara nele em mais de uma oportunidade.
Apesar disso tudo, continuaria a enfrentá-lo. Não tinha outra opção.

Com suas janelas iluminadas pela claridade das velas de cera virgem
despejando suaves acordes de clavicórdio na penumbra que a circundava, Carlyle
Hall resplandecia como uma jóia em meio à noite de março. Erguida no primeiro do
século, a residência em estilo clássico romano feita de pedra calcária de Portland,
com suas belas balaustradas venezianas e vistosas janelas nos frontões, era quase
uma atração turística na região rural de West Sussex.
Sob as pinturas no teto do salão rei Jaime, Avery Sinclair andava de lá para cá
diante do sofá de brocado dourado junto ao qual Baccy, ou Bacilius Willard, um
troncudo ex-investigador da força policial de Bow Street, apertava o chapéu de três
bicos entre as mãos.
— Onde diabos ela foi parar? — Os reflexos do fogo na lareira tingiam de
dourado a peruca toda branca que o duque usava sobre os cabelos loiros. — Por
Deus, temos só três dias até o casamento! Os convidados estão começando a chegar.
Até agora ninguém percebeu que a sirigaita está desaparecida, e o velho parece que
de quando em quando se esquece disso, mas uma hora alguém vai se dar conta de
que algo está errado.
— Logo, logo, iremos encontrá-la — retrucou o grandalhão. — Há doze
homens vasculhando as estradas que ligam esta região ao local onde a moça foi

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

raptada. Mais cedo ou mais tarde, vamos encontrá-los.


— Pois é bom que seja mais cedo!
Baccy balançou a cabeça. Trabalhava para Avery Sinclair fazia mais de seis
anos, desde que o duque o resgatara da Prisão de Newgate, aonde fora atirado por
conta de furto de ninharias.
— Coachy falou que o camarada levou a mocinha para depois exigir um
resgate, só que ainda não apareceu nem sinal de um bilhete.
— Ela é muito graciosa — observou Avery. — Vai ver, o canalha se deixou
levar pelos instintos... Não que faça alguma diferença aos meus planos o fato de esse
fulano abusar dela ou não. Importa, isto sim, que a encontremos, e o mais rápido
possível. Não posso esconder o velho dos demais convidados para sempre. Isso sem
falar do casamento, evidentemente.
— Não vou decepcioná-lo, Vossa Graça.
— Sei que não. — De fato, Baccy Willard era leal como um cão, e não havia
ordem sua que o brutamontes não cumprisse. — Agora, pode ir. Traga a dama de
volta e irá encontrar uma bolsinha cheia de guinéus de ouro à sua espera.
Baccy se foi sem nada dizer. Ao contrário de Avery, o brutamontes dava
pouquíssima importância a dinheiro; trabalhava por uma palavra amistosa, por um
elogio, por um sorriso de gratidão.

Mais um dia havia se passado.


Já que ocupar-se era uma boa maneira de afastar os pensamentos da jovem
dama no interior do chalé, e também tentar esquecer que sua cabeça ainda doía a
qualquer movimento brusco, Jason continuou a passar a almofada pela espessa crina
negra de Blackie. Diabos, como fora tão ingênuo a ponto de se deixar enganar com
tamanha facilidade? Oito anos atrás, Célia Rollins o abatera de modo bem parecido...
e por pouco não dera cabo de sua vida. Deveria ter aprendido a lição.
Por outro lado, as circunstâncias em nada se assemelhavam. Velvet Moran não
o traíra, não se fingira estar enamorada dele. Tampouco estava mancomunada com
aquele demônio na forma humana que era seu inescrupuloso irmão. Nem queria
usufruir da sua fortuna. Ela estava apenas tentando escapar de um homem a quem
via como uma ameaça à própria vida, um homem cujas reais intenções desconhecia.
Se estivesse em seu lugar, não agiria da mesma maneira?
Não mentira ao afirmar que admirava a coragem da noiva de Avery. Outras
mulheres teriam desfalecido ou se debulhado em lágrimas ao vê-lo abordar a impo-
nente carruagem Haversham com uma pistola na mão. Ela não fizera nem uma coisa
nem outra; sacrificara-se pelo bem das pessoas que a acompanhavam, depois tratara
de afrontá-lo de todas as maneiras possíveis.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Convencido de que um assassino frio e calculista como seu irmão não estava à
altura de uma mulher tão íntegra, nas últimas horas tinha decidido que o canalha
não a teria para si. Lady Velvet merecia um casamento digno e, livre de Avery,
poderia procurar um noivo honrado, um homem de boa índole; um cavalheiro que
fizesse jus à mulher leal e destemida que era.
Ao olhar de relance para a porta do chalé, Jason não conteve um sorriso. Só
queria saber o que ela estaria planejando dessa vez... Afinal, não acreditava nem por
um só instante que Velvet Moran desistira de desafiá-lo.
Velvet espiou pelas frestas entre as tábuas que tapulhavam a janela. O
salteador continuava na estrebaria. Salteador... Fosse quem fosse, aquele homem
misterioso não deixara de ser seu inimigo. Não seria fácil, disso já sabia, porém tinha
de encontrar uma forma de vencê-lo.
Decepcionada por não encontrar nada de útil na cômoda, cuidou de fechar a
última gaveta do móvel antes de ir ajoelhar-se diante do velho baú de madeira
encostado a uma das paredes. Assim que abriu a tampa, a pesada arca lhe revelou o
tabuleiro com itens de costura: um novelo de lã que ainda não fora transformado em
fios, agulhas feitas de esgalhos de cervos, uma meada de fios coloridos para bordar,
pedaços de lã sem tingimento de diversos tamanhos... Nada que pudesse ajudá-la.
Sob essa bandeja havia artigos medicinais: faixas de algodão para curativos, sais de
amônia para desmaio, vários potes de unguento.
Destampando um dos potes, torceu o nariz ante o odor da mistura de banha
de porco rançosa com rábano silvestre e outras plantas desconhecidas, depois voltou
a atenção às inúmeras trouxinhas de ervas espalhadas no fundo do baú. Um dos
embrulhinhos exalava o característico aroma de urtiga seca, mas, quando cheirou
outra trouxinha, Velvet franziu a testa ao reconhecer o odor de uma espécie de fungo
encontrada nos bosques, um vegetal narcótico que, triturado e misturado a vinho
temperado com especiarias, produzia poderosa poção indutora de sono. Ou um bom
remédio para dormir, cujo preparo ela aprendera com a cozinheira, tanto que
costumava ministrá-lo em pequenas doses a seu avô sempre que necessário.
Por mais que tentasse, ela não conseguia refrear a temerária idéia que ia
tomando corpo entre seus pensamentos. Tinha prometido a si não machucá-lo nova-
mente, mas que mal haveria em fazê-lo cair num sono profundo e relaxante? Mais
cedo ou mais tarde, ele iria despertar, não iria? E, quando isso acontecesse, ela estaria
bem longe dali.
Com um sorriso, apertou a trouxinha de encontro ao peito.
Costumavam fazer a principal refeição do dia no meio da tarde. E, já fazia
algum tempinho, o jovem cavalariço viera trazer uma torta fria de pombo, um
pastelão de carne de carneiro, um bom pedaço de queijo amarelo e um garrafão de
vinho. Embrulhados numa toalha de linho, os alimentos estavam sobre a mesa, junto
da bebida, ao lado da lareira.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Foi espiar outra vez pelas frestas da janela. Nem sinal do fora da lei.
Colocando o pacotinho com a erva no chão, triturou-a com a sola do sapato, depois
se utilizou da pesada caneca de estanho que ficava junto à bacia de água para reduzi-
la a pó. Finda a tarefa, rumou para o piso térreo do chalé.
O garrafão de vinho se achava no mesmo lugar em que o rapazote o deixara.
Assim que conseguiu tirar a rolha do recipiente, Velvet começou a despejar o pó que
havia preparado sobre a bebida... Quanto deveria colocar? Além da estatura elevada,
ele tinha um físico bastante robusto, o que significava que a porção tinha de ser
generosa. Bem, até onde sabia, o fungo não era letal... Mordendo o lábio, derramou
todo o conteúdo da trouxinha no garrafão, depois tornou a fechá-lo com a rolha e
sacudiu-o até ter certeza de que o pó havia se incorporado à bebida.
Nem bem recolocara o garrafão sobre a mesa, ouviu passos do lado de fora do
chalé, então correu para o sofá, onde se sentou enquanto abria o livro que supos-
tamente estaria lendo. Dali, viu com o rabo do olho seu raptor entrar e fechar a porta
e, fingindo-se absorta na leitura, tentou não prestar atenção aos passos que se
aproximavam do sofá.
—"Sonetos de Shakespeare". — Jason franziu o cenho. — Pensei que estivesse
lendo Defoe.
— A bem da verdade, não logrei me concentrar nem em um nem no outro. —
Simulou um suspiro de enfado. — Só consigo pensar em quanto tempo mais terei de
ficar trancada aqui dentro.
— Lamento, duquesa. Veja tudo isto como um bem-vindo adiamento das
responsabilidades que terá de enfrentar como esposa de um duque.
Ela fez um muxoxo.
— Já que você não é Jack Kincaid, ao menos podia me dizer como se chama. —
E, como não obtivesse resposta, concluiu que ficaria sem saber o nome dele. Mas
então o viu aproximar-se da mesa com o almoço para retirar a toalha que cobria os
alimentos e sentiu o coração na garganta.
— Jason. — Olhou-a de relance por cima do ombro. — Meu nome é Jason.
Velvet sorriu.
— Jason — repetiu o nome que, aos seus ouvidos, trazia um quê de suavidade
e civilidade. — É nobre demais para um fora da lei, mesmo assim combina com você.
— Sei. — Sem mais, serviu o almoço em dois pratos de estanho e o vinho em
duas taças.
Tomando a comida e a bebida nas mãos, Velvet foi se sentar novamente no
sofá, porém o nervosismo que a acometia não lhe permitiu nem ao menos mordiscar
um pedaço da torta de pombo; assim, deixou o prato sobre o colo e fingiu tomar um
golinho do vinho com o cuidado de não engolir uma só gota. Jason, ao contrário,

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

devorou o alimento em poucas bocadas e, tão logo esvaziou sua taça, tornou a se
servir de mais vinho.
Cada vez mais tensa, Velvet não se conteve quando o viu pronto para despejar
outra generosa dose da bebida na taça de estanho.
— Que sede é essa que lhe deu hoje?
— Está com medo de que eu me embriague e abuse de você? Não se aflija; eu
jamais faria isso. Um pouco de vinho não iria me transformar num animal. — Jason a
fitou por um instante e, irritado com que suas afirmações não fossem o bastante para
fazê-la parar de morder o lábio, emborcou o conteúdo da taça antes de largá-la sobre
a mesa.
Através de olhares furtivos, Velvet atentou ao modo como o físico avantajado
dele imergia na poltrona ao lado da fornalha. Com os olhos fixos nas chamas
mortiças, Jason dava a impressão de estar distante, alheio à presença dela e a tudo o
mais ao seu redor. Que Deus a ajudasse, tudo indicava que a poção iria fazer efeito.
Os minutos se sucediam num silêncio de dar agonia, porém finalmente os
olhos azuis, agora sem o viço exuberante de sempre, davam sinais de não ter forças
para se manter abertos. A cabeça protegida pelos luzidios cabelos castanhos foi se
inclinando... inclinando... e tombou sobre o peito largo que se expandia e se retraía
mansamente. Afundando-se ainda mais na poltrona, como se muito pesado e
completamente lasso, ele cerrou as pálpebras. Eufórica, Velvet fez um esforço sobre-
humano para resistir ao ímpeto de sair correndo dali. Mais alguns instantes... Só mais
alguns instantes...
Já pronta para se erguer, de súbito ela viu Jason fazer um movimento brusco
para o lado, como se fosse cair da poltrona, para então se pôr em pé de um salto. Ele
pestanejou... pestanejou... e passou a mão pelo rosto antes de encará-la com um ar
meio grogue.
— O que foi que você fez? Por Deus, você me envenenou? — E, alcançando-a
com dois passos largos, agarrou-a pela cintura.
— É claro que não! Eu não seria capaz de tamanha atrocidade! Você não vai
morrer. É só uma... — tentou se soltar, mas não conseguiu — uma beberagem para
dormir. Não vai lhe fazer mal. Você vai apenas... cair no sono.
Embora cambaleasse e quase caísse, Jason não a largou.
— Megera! Fingida! — Arrastou-a até a lareira e, ali, apanhou a tira de couro
que Bennie havia usado para amarrar a trouxa em que trouxera o almoço.
— O que está fazendo? O que... — Velvet não conteve um grito ao vê-lo passar
a correia ao redor do seu pulso e, logo a seguir, do pulso dele.
— Posso estar prestes a cair no sono, duquesa, mas esteja certa de que,
enquanto durmo como uma pedra, você não arredará os pés daqui. — Depois de atar

Projeto Revisoras 32
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

a tira com dois nós bem seguros, deu um passo trôpego em direção ao sofá na
intenção de se deitar. No entanto não conseguiu chegar até lá: sentindo as pernas a
ponto de se dobrar, enlaçou Velvet pela cintura um instante antes que desabasse no
chão, caindo sobre ela.
— Oh, Virgem Santa. — Com muita dificuldade, conseguiu empurrá-lo para o
lado, ao menos o tantinho de que necessitava para encher os pulmões de ar. E
quando percebeu que respirava normalmente, sentiu-se corar: ele tinha uma coxa
enfiada entre as suas e a mão larga e calosa sobre seu seio.
A ponta de um dedo afagou seu mamilo por cima do tecido fino da blusa de
camponesa. No mesmo instante, a rosada aréola se intumesceu e um espantoso e
instigante calor se formou em seu baixo-ventre. Que Deus a ajudasse! Tentou se
afastar, no entanto tudo o que conseguiu foi pressionar ainda mais suas partes
íntimas de encontro à coxa dele. De pronto, o calor que sentia entre as pernas se
transformou numa abrasadora ardência, cujo foco ia se alojar no seu âmago de
mulher.
Embora seu coração disparasse a pulsar num ritmo insano, uma estranha
curiosidade apossou-se dela. Uma de suas mãos estava firmemente presa, porém a
outra... Ergueu-a. Um pouco mais. Sentiu a camisa de algodão dele sob seus dedos,
que então deslizaram pelas costas largas e vigorosas que terminavam numa cintura
estreita, igualmente recoberta por feixes de músculos rijos. Como se detivesse
vontade própria, sua mão seguiu adiante até encontrar uma nádega levemente
arredondada, examinando-lhe o contorno e a firmeza antes de, arrependida da
ousadia, ir pousar sobre a cintura dele.
Velvet comprimiu os lábios. Não contara com aquela tortura. Horas e horas
estirada sob seu captor com aquele hálito tíbio e adocicado em seu rosto e aquele
corpo robusto aprisionando o seu. Horas e horas daquelas estranhas e latejantes
sensações que se emaranhavam em sua pélvis. Sensações que a incitavam a pres-
sionar seu seio ao encontro da mão dele e também lhe provocavam uma queimação
em regiões mais... Pelos anjos do céu, o que tinha na cabeça? Aquele homem era um
salteador, um larápio ou coisa ainda pior. No entanto, a inquietação persistia e
Velvet, sem mais o que fazer, pôs-se a amaldiçoá-lo em pensamentos. E imprecar
contra ela própria também. Como fora deixar que aquilo acontecesse?
Quando a penumbra começou a tomar todos os cantos do chalé, ela, cansada
de se encolher sob o peso do físico de Jason, cansada dos esforços para soltar,
rendeu-se a exaustão e se deixou dominar pelo sono. Apesar de o fogo ter se
apagado, não sentia frio, mas uma acolhedora sensação de estar muito bem
protegida.
Com a cabeça latejando como se uma dúzia de sinos dobrassem bem no centro
dos seus miolos, Jason tentou mudar de posição. Seu corpo inteirinho parecia
tomado por uma inexplicável letargia. Inteirinho, não; tinha o membro viril rígido
como uma tábua, pulsando no mesmo ritmo latejante que lhe martelava o cérebro.

Projeto Revisoras 33
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Por Deus, o que estava acontecendo?


Sacudiu a cabeça no intuito de clarear as idéias e, com um esforço hercúleo,
abriu os olhos devagarzinho... Mas o que fazia ali, deitado no chão em meio à
escuridão, tiritando de frio? E Velvet Moran? Teria fugido ou... Ah, sim. O preparado
para dormir.
Antes que pudesse se mover, porém, sentiu o corpo tenro sob o seu. Então viu
a saia erguida, sua perna fincada entre as coxas roliças... E viu também sua mão
abarcando um seio grácil e carnudo. A ereção que inturgescia sua masculinidade se
intensificou, embrenhando-se na junção das pernas dela.
Jason gemeu baixinho ao sentir mechas de sedosos cabelos lhe afagar o rosto.
Ajeitou-se melhor, quase por instinto, e o mamilo sob sua palma se enrijeceu. Em
resposta, seu membro palpitou, e ele praguejou num sussurro antes de se colocar de
joelhos, levando Velvet junto do peito. O inopinado despertar a fez arfar de leve e,
mal refeita do susto, ela ficou a encará-lo.
— Dormiu bem, minha dama? Se bem que você deve preferir sua bela e
confortável cama, não?
— Miserável! — Tentou se afastar dele, no que foi impedida pela tira de couro
ao redor de seu pulso.
— Calma lá, duquesa. Não posso ser responsabilizado por este infeliz
contratempo.
— Está dizendo que a culpa é minha? Está me culpando? Ora, você me raptou!
— E estou me fartando das suas desastradas tentativas de fuga. —
Levantando-se, Jason ajudou-a a se pôr em pé também. — Preste atenção, duquesa:
mais um truque sujo como este, e não responderei pelos meus atos. — Segurou no
queixo benfeito para obrigá-la a encará-lo. — Fui claro?
Velvet afastou o rosto da mão dele.
— Só há uma forma de dar fim a esses "contratempos": você me deixar ir
embora daqui.
— É o que vou fazer, no momento oportuno.
— E quando será isso? Passada a data da celebração do meu casamento?
— Exatamente.
— Você ficou louco?
Ele ignorou a pergunta.
— Está frio aqui. — Curvou-se e, tirando um punhal do cano da bota, cortou a
tira de couro que os prendia um ao outro, então foi cuidar de colocar lenha na
fogueira e acender o fogo. — Um pouco de calor irá nos fazer bem.

Projeto Revisoras 34
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Você... você é insuportável! — Com isso, Velvet partiu em direção à escada.


Jason tentou não reparar nos reluzentes cabelos que esvoaçavam pelas costas
dela ou nos delicados tornozelos desnudados pelo movimento das saias. Entretanto,
mais do que tudo, tentou não relembrar a sensação de ter o seio de Velvet Moran em
sua mão. E quando a ouviu entrar no quarto e bater a porta, suspirou de alivio pelo
fato de ter dormido tão pesado e se sentir perfeitamente descansado. Afinal, como
haveria de conciliar o sono naquela noite se continuasse a pensar que tivera o corpo
dela sob o seu por horas e horas a fio?

O duque sorriu efusivamente para o visconde Landreth e a roliça esposa dele,


Serena, que, do topo dos largos degraus de granito, dirigiam-se à entrada do casarão.
— Que bom vê-los aqui, Landreth. Sobretudo porque se trata de uma viagem
árdua, ainda mais com essas estradas cobertas de lama.
— Ora, nós não perderíamos a ocasião por nada neste mundo. — O visconde
tentou dar uma piscadela, o que fez com que o monóculo saltasse das dobras de
gordura ao redor do seu olho. — Você conseguiu apanhar uma beleza de mocinha.
Eu esperava casá-la com meu filho, mas a verdade é que ele não seria páreo para
alguém de sua estatura.
— Sou um homem de sorte, realmente. — Avery se dirigiu ao mordomo. —
Mostre a Sua Senhoria e esposa os aposentos que eles irão ocupar, Cummings. Lorde
e lady Landreth devem estar cansados e certamente querem se refrescar após uma
viagem tão longa.
— De fato — confirmou o visconde. — Além do cansaço, esta gota anda me
incomodando um bocado.
O duque tornou a sorrir.
— Voltaremos a conversar durante o jantar.
O mordomo inclinou a cabeça grisalha para os convidados, e o visconde e
esposa, seguidos de perto pelos criados, foram conduzidos ao interior da mansão. Já
Avery aproveitou a oportunidade para escapulir até seu gabinete, onde Baccy
Willard o esperava, como um moleque de recados, diante da escrivaninha entalhada
em pau-rosa.
— Pois bem, onde está ela? Você disse que iria encontrá-la. E não cumpriu a
promessa que me fez.
Encolhendo-se todo, Baccy correu a se explicar:
— Viramos aquelas malditas colinas do avesso, Vossa Graça, e nem sinal da
moça.
— Ele deve ter se embrenhado na floresta. — rosnou Avery uma praga. —
Meu casamento está marcado para depois de amanhã e, à noitinha, esta casa estará

Projeto Revisoras 35
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

infestada de convidados. O que sugere que eu diga a eles?


— A verdade — propôs Baccy, deixando cair os ombros largos.
— A verdade! E que verdade? Que a moça foi raptada ou que, se esse
casamento não se realizar, estarei aniquilado? Ora, faça-me o favor! — Tratou de se
controlar. Não tinha nada a ganhar perdendo a cabeça. — Por que não volta para lá e
vê se consegue descobrir o paradeiro de lady Velvet? O avô dela está se tornando um
problema, e esta manhã recebi um bilhete do procurador em Londres que representa
o credor da dívida sobre Carlyle Hall. Se não formos rápidos, a hipoteca será
executada. Eu terei de encarar a pobreza, e você, meu bom amigo, vai retornar à vida
nas ruas.
Baccy estremeceu.
— Vou encontrá-la, Vossa Graça.
— Faça isso.
E como o duque não dissesse mais nada, o parrudo faz-tudo rumou em
direção à porta. Avery cravou um olhar gélido no peso para papel de cristal sobre a
escrivaninha. Não sabia muito bem o porquê, mas Baccy Willard era a única pessoa
em quem confiava. Embora o pobre-coitado tivesse o cérebro pouco mais
amadurecido do que o de uma criança, confiava-lhe coisas que não revelava a mais
ninguém. Talvez porque o infeliz não compreendesse a real extensão do que ele
dizia. Ou porque sabia que Baccy ficaria sem a língua caso ao menos pensasse em
comentar o que sabia. Ou então era porque todo mundo precisava de alguém com
quem conversar.
De qualquer maneira, não iria se preocupar com isso. Não como estava
preocupado com o sumiço da herdeira Haversham. Precisava de Velvet Moran.
Precisava do vultoso dote dela para salvar sua pele.
Onde raios ela estaria metida?
Pondo-se a zanzar de um lado para outro, amaldiçoou o salteador que a
raptara, amaldiçoou Baccy Willard por não tê-la encontrado, amaldiçoou a guinada
na sorte que o levara a hipotecar a mansão e o inclemente credor da nota
promissória.
— Diabos! — Punhos cerrados, desejou que o fora da lei ardesse no fogo dos
infernos e vituperou contra os convidados que não paravam de chegar. Mais dois
dias, e os mais abastados membros da alta sociedade estariam reunidos em Carlyle
Hall. Não poupara gastos no intuito de impressioná-los, afundando-se em novos
empréstimos, agora respaldados pelos comentários sobre a fortuna que estava
prestes a ir parar em suas mãos. E o que era feito de Velvet Moran?
Enxovalhada pelo raptor ou não, iria se casar com ela. Iria resgatar Carlyle
Hall, engravidar a sirigaita e deixá-la a resmungar no campo. Passaria seu tempo na
cidade, usaria a fortuna dela para refazer a sua, e seu poder seria tão sólido como nos

Projeto Revisoras 36
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

tempos era que seu pai era o duque de Carlyle. Até lá, não tinha outra opção senão
persistir.
Com isso em mente, tratou de fixar um sorriso nos lábios e retornou para
junto dos seus convidados.

O dia de seu casamento chegara, e ela queria muito saber o que Avery teria
dito aos convidados. Fracassara ao tentar fugir, fracassara era chegar a Carlyle Hall a
tempo de desposar o duque... E, por toda a manhã, o peso desse malogro vinha
pesando mais de uma tonelada sobre seus ombros.
O salteador continuava lá fora, já o cavalariço, que viera trazer a comida e
arrumar um pouco o chalé, despontou no alto da escada. Marcando a página do livro
que lia com o dedo, Velvet indagou ao rapazola:
— Seu nome é Bennie, não?
— Sim.
— Você é amigo de Jason?
— Está falando de Sua Senhoria?
— Sim.
— Ele paga o meu trabalho. — Sem mais, Bennie rumou para a porta.
— Este lugar é muito bonito... Você não acha?
— Faz um frio de doer no inverno, mas a floresta e os arredores são bonitos,
sim.
— Esqueci o nome daquela cidadezinha que fica junto à estrada, não muito
longe daqui. Como é mesmo?
Bennie enfim a encarou.
— Meu patrão me falou que a senhora é muito esperta. E que eu devia tomar
cuidado com seus truques.
— E o que mais ele lhe disse? — Velvet ergueu o queixo. — Que me raptou?
Que estou aqui, neste chalé, contra a minha vontade?
— Isso não é da minha conta. — O rapazote levou a mão à maçaneta. — E ele
não machucou a senhora.
— Também posso pagar pelos seus serviços. Se me ajudar a ir embora daqui,
vou lhe dar o dobro do que ele está lhe pagando.
Como se nem sequer tivesse ouvido a proposta, Bennie abriu a porta, saiu e
tornou a fechá-la com firmeza. Velvet suspirou. Desalentada, deu uma espiadela no
relógio sobre a cornija da lareira. Duas da tarde. A essas horas, era para estar casada.
E certamente apavorada só de pensar na sua noite de núpcias junto de Avery

Projeto Revisoras 37
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Sinclair...
Remexendo-se no sofá, tornou a abrir o exemplar de Robinson Crusoé que
vinha tentando ler e, quando as letras impressas voltaram a se tornar um borrão,
fechou-o com toda a força antes de atirá-lo no chão. Maldito fosse o tal Jason, se era
que fosse esse o verdadeiro nome dele! Se não se casasse com o duque, como ela e
seu avô haveriam de se manter? Estavam quase sem recursos, com o salário dos
criados atrasado. E sem muito mais o que vender, como faria para manter as
aparências e procurar outro marido rico?
Ao relancear os olhos pela janela, viu o salteador ao longe, exercitando o
grande cavalo negro. Por que ele queria impedir seu casamento? O que sua união
com o duque poderia ter a ver com aquele homem?
Cansada das indagações às quais não conseguia formular respostas que a
satisfizessem, curvou-se para apanhar o livro caído próximo a seus pés... e reparou
que, sob o tomo, uma das lajotas se achava solta do restante do piso. Examinou-a
com atenção, concluindo que a peça de cerâmica, que não estava cimentada como as
demais, fora deixada daquela maneira de propósito. Ora, mas por que alguém?...
Dominada pela curiosidade, pôs-se de joelhos, tentando remover a peça do chão. E
quando afinal conseguiu fazê-lo, encontrou o pequeno bornal de couro oculto sob o
revestimento do piso.
A julgar pelo tilintar, a bolsa continha moedas, no entanto o que mais chamou
a atenção de Velvet foi a arma guardada naquele esconderijo tão original. Eufórica
com a descoberta, tomou nas mãos o velho bacamarte meio envolvido por um
pedaço de pano. A arma parecia estar em ótimo estado: o cabo de madeira encerado,
o cano reluzente, os componentes de metal ainda recendendo a graxa. Mais do que
isso, a arma se encontrava carregada e pronta para disparar, o que deixava claro que
a pessoa que a ocultara ali havia se preparado para qualquer eventualidade.
Voltando o olhar à janela, Velvet constatou que o fora da lei já havia levado o
belo corcel negro de volta à estrebaria. Já, já, ele virá para cá. Muito bem, mas como
aproveitar a oportunidade caída dos céus sem machucá-lo? Como fazer para...
A porta do chalé se abriu de chofre, e Jason entrou com uma braçada de lenha.
Ela nem piscou, uma vez que já não havia como esconder a arma nem como
dissimular o que tinha em mente; apenas engoliu o medo usando de ambas as mãos
para engatilhar o bacamarte, ergueu a pesada arma para o peito de seu captor.
— Não quero feri-lo.
Jason largou a lenha, e as achas rolaram pelo chão.
— Mas que diabos...
— Tudo o que quero é ir embora deste lugar. Mas, se for preciso, vou usar isto
aqui, sim. Por isso, peço que se afaste da porta e me deixe passar.
— Largue essa arma, duquesa, antes que alguém se machuque.

Projeto Revisoras 38
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— É você quem vai acabar se ferindo. Vou repetir: afaste-se dessa porta e me
deixe passar. — Por mais que estivesse decidida a não puxar aquele gatilho,
precisava soar convincente.
— Estou farto das suas brincadeiras, duquesa. Abaixe esse maldito bacamarte.
— Não posso. — Esquivando-se dele, começou a se mover em direção à porta.
— Por favor, Jason... Saia do meu caminho.
— Eu já lhe disse, inúmeras vezes, que não vou lhe fazer mal, que irei libertá-
la dentro de poucos dias. Nem assim você não me dá ouvidos. Estou avisando,
duquesa: largue essa maldita arma, agora mesmo, ou não irá gostar nem um pouco
do preço que terá de pagar pela sua teimosia.
Instigada pela ameaça, ela ergueu uma sobrancelha.
— Preço, meu lorde? Caso tenha esquecido, sou eu quem está com uma arma
na mão.
— Mas sou eu quem irá deitá-la sobre meu colo e lhe aplicar umas boas
palmadas se você não fizer o que estou mandando.
Velvet mordeu o lábio. Ele realmente arriscaria a própria vida para tentar
detê-la?
— A arma, duquesa.
Ela mirou a porta e, incapaz de resistir à tentação, partiu rumo à liberdade
com o bacamarte apontado para seu algoz. Então ouviu um rosnado e, no instante
seguinte, uma mão enorme foi pousar sobre o corpo da velha arma... Velvet gritou ao
ouvir o disparo. E gritou ainda mais alto quando sentiu grandes lascas de madeira e
gesso desabar sobre suas cabeças.
— Eu avisei. — Arrastando-a até o sofá, Jason a deitou sobre suas pernas e,
alheio aos gritos que ela dava, desferiu-lhe três sonoras palmadas nas nádegas. Em
seguida, segurando-a pelos ombros, colocou-a sentada em seu colo e obrigou-a a
encará-lo.
Embora fizesse menção de proferir o xingamento que tinha preso na garganta,
Velvet se manteve calada ante a severidade do olhar que a aprisionava.
— Pelo sangue de Cristo... — Jason segurou o rosto dela entre as mãos e a
beijou.
Assombro. Ultraje. E então a deliciosa sensação provocada pelos seus lábios
que, imperiosos, davam a entender que estavam prontos para devorar os dela. O
suave gemido que ela deixou escapar deu ensejo a que a língua de Jason invadisse
sua boca e a tomasse por inteiro.
Velvet ofegou. Parecia que a sala desandara a girar, e seu estômago se
contraiu como se ela se achasse à beirada de um despenhadeiro. As mãos dele
mergulharam por entre seus cabelos, desconjuntando a fita que aprendia as

Projeto Revisoras 39
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

encorpadas madeixas até fazê-las tombar sobre seus ombros. Uma envolvente onda
de calor se espalhou por seu corpo, inflamando ainda mais um coração que já batia
num ritmo alucinado. Sob o tecido leve da blusa que vestia, seus seios, agora bem
mais sensíveis e pesados, começaram a intumescer. O beijo tornou-se mais intenso, e
Velvet, sentindo-se trêmula, apoiou as mãos sobre os ombros do seu raptor,
cravando as unhas nos músculos sob seus dedos como se a compacta firmeza que
sentia ali fosse â única coisa no mundo capaz de sustentá-la.
— Jason... — sussurrou, quando sentiu os lábios dele se afastar dos seus para
deslizarem pelo contorno do seu queixo e ao longo do seu pescoço.
— Santo Deus, duquesa... — Voltou a beijá-la, e uma de suas mãos foi abarcar
um seio dela.
Com a impressão de que o ar lhe faltava, Velvet suspirou ao sentir o mamilo
se enrijecer sob a palma dele. Uma emoção misteriosa brotou em seu peito, algo que
fazia lembrar a sensação de incompletude, e, sem pensar no que fazia, projetou o
torso ao encontro dos dedos que a afagavam. Quase no mesmo instante, ouviu um
gemido rouco se desgarrar das profundezas da garganta dele.
Atordoada como estava, nem se deu conta de que Jason havia desfeito o laço
dos cordões que fechavam o decote da sua blusa; apenas ouviu um tênue ciciar de
algodão instantes antes que a peça de roupa escorregasse dos seus ombros. Pouco
depois, as labaredas do inferno irromperam por entre suas entranhas quando dedos
sequiosos se puseram a lhe acariciar o seio nu. Santa Mãe de Deus! Não estava
preparada para aquilo. Jamais havia se sentido tão... fora de si.
— Jason... — No afã de retomar os resquícios do controle que tão súbita e
documente se esvaíra, tentou se afastar. Sentia-se em brasa: seus seios latejavam, e o
desejo umedecia todo o espaço entre suas pernas.
Após lhe mordiscar os lábios, Jason baixou a cabeça para tomar um mamilo
túmido na boca. Tomada por uma torrente de paixão, Velvet viu o último vestígio de
bom-senso lhe escapar enquanto ele afagava o bico rijo com a ponta da língua e,
mesmo sabendo que tinha de detê-lo, simplesmente fechou os olhos para se entregar
ao prazer que a carícia lhe provocava. Incapaz de resistir a um impulso, levou a mão
aos cabelos dele e, desfazendo o nó da tira de couro que os prendia, ficou a alisar as
lustrosas madeixas levemente onduladas entre os dedos. Podia sentir a intensidade
do desejo daquele homem sob seu corpo, e isso a deixava ainda mais excitada.
Já pensando que não teria forças para colocar um ponto final à sandice a que
os dois se entregavam, ela rogou a Deus que a ajudasse a recobrar o juízo. E,
instantes depois, a intervenção divina tomava a forma de Bennie Taylor, que batia
com força à porta do chalé.
— Mas que raios?... — Jason abandonou o seio que acarinhava com a boca
para mirar a porta com um ar contrariado antes de recolocar a blusa dela no lugar.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Fique aqui, sim? Vou ver do que se trata.


Ao vê-lo ajeitar as próprias roupas, Velvet não pôde deixar de reparar na
volumosa saliência na parte dianteira das calças de pele de camurça. Ainda mais
envergonhada, correu a baixar o olhar ao chão.
Jason foi perguntar o que o jovem cavalariço queria e, pelo canto dos olhos,
Velvet vislumbrou o rapazola fazer um gesto para indicar o celeiro. Voltando o olhar
para a janela, ela então viu um esguio cavalo cinzento amarrado à cerca diante do
paiol e um cavalheiro muito bem trajado ao lado do animal.
— Não me demoro. — Sem mais, Jason deixou o chalé e fechou a porta.
Desgrenhada, com os pensamentos num torvelinho o corpo ainda todo
trêmulo, Velvet exalou profundo suspiro.

Enquanto caminhava ao encontro de Lucien Montaine, Jason afastou os


cabelos do rosto, respirou fundo e se amaldiçoou pelo que acabara de fazer. Não
tinha o direito. Jamais poderia ter tomado aquelas liberdades com lady Velvet.
— E pensar que cheguei a me preocupar com que você fosse morrer de tédio
com a insossa vida no campo...
Jason fez uma careta. Pelo sarcasmo na voz de seu dileto amigo, era evidente
que o marquês de Litchfield sabia perfeitamente bem o que se passara no interior do
chalé.
— Tédio é o último dos meus problemas, Lucien. Mas, seja como for, tenho de
agradecer aos céus por você ter chegado quando chegou. Nem sei como tudo
aconteceu; num instante estávamos brigando, no outro eu a beijava como um... Deus,
ela tem a boca mais tenra, mais doce que já provei na vida. — Sacudiu a cabeça, como
a se censurar. — A culpa foi toda minha. De qualquer forma, dou-lhe minha palavra
de que isso não voltará a acontecer. Custa-me crer que me comportei de modo tão...
Eu sabia que tinha mudado um bocado desde que saí da Inglaterra, mas não ima-
ginava o quanto.
— Você não faria nada contra a vontade dela, não é mesmo?
— Deus me livre. Eu jamais desceria a tal ponto.
— Então relaxe, meu amigo. — Lucien deu um tapinha nas costas dele. —
Linda como é, lady Velvet representa uma tentação para qualquer um de nós. Não se
martirize por ter sido simplesmente humano.
— Seja como for, estou contente com que este suplício esteja prestes a chegar
ao fim.
— É sobre esse assunto que vim conversar com você, Jason. Avery já recebeu a
carta com o lembrete de que o prazo para a quitação da hipoteca está se esgotando.
Amanhã, à meia-noite, Carlyle Hall e os sessenta hectares que a circundam serão

Projeto Revisoras 41
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

seus novamente.
Ele sorriu, satisfeito, antes de indagar:
— E o casamento?
— Ah, foi muito engraçado. — Lucien riu baixinho. — Quando cheguei a
Carlyle Hall esta manhã, Avery estava a ponto de ter uma síncope. Ele não só ficou
aflito ao saber que a noiva tinha sido raptada por um salteador como não poupou
recursos para tentar descobrir o paradeiro da pobrezinha. E o casamento,
evidentemente, teve de ser adiado.
— Ele ainda tem planos de desposá-la?
— Se ela quiser, creio que sim. Ou melhor, desde que lady Velvet não
descubra a real situação financeira de Avery. Duvido de que a herdeira Haversham
vá querer se unir a um duque falido.
Ao sentir os ombros mais leves, só então Jason se deu conta do quanto ficara
tenso com a idéia de que Velvet fosse se casar com seu irmão.
— Farei com que ela chegue, sã e salva, a Carlyle Hall depois de amanhã. Não
quero que o avô se preocupe com o bem-estar da neta além do estritamente
necessário.
— Assim que ela estiver em casa, você poderia ir passar uns tempos comigo
na minha propriedade rural. De lá, prosseguiremos com os esforços para provar sua
inocência.
— Obrigado, Lucien. — Jason estendeu a mão, e o marquês a apertou. —
Jamais esquecerei tudo o que você tem feito por mim.
— Isso é só o começo, meu amigo. — Inclinou a cabeça para indicar o chalé. —
Eu não queria estar no seu lugar nos próximos dois dias.
Lucien riu e, com o cuidado de manter-se de costas para as janelas da casa,
ergueu-se à garupa do cavalo cinzento.
— Cuide-se, amigo. Até breve.
Jason esperou que ele se afastasse, então inspirou profundamente e partiu de
volta à moradia de pedras amareladas. Esperava encontrar Velvet Moran trancada no
quarto, remoendo-se de vergonha, culpando-o por tudo o que acabara de acontecer.
Em vez disso, achou-a placidamente acomodada no sofá, o olhar fixo nas páginas de
um livro e, após fechar a porta, foi se colocar diante dela.
— Sei que está zangada comigo.
Sem interromper a leitura, Velvet nada respondeu.
— Não estou dizendo que você não tenha esse direito, porém quero que saiba
que jamais tive a intenção de... Eu não queria fazer o que fiz, por isso lhe peço que
me desculpe, lady Velvet. E lhe dou minha palavra de que aquilo não tornará a

Projeto Revisoras 42
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

acontecer.
— Eu não esperava um pedido de desculpas. Ainda mais vindo de um
salteador. — Abaixou o livro, expondo as faces coradas. — Suas palavras são muito
gentis, meu lorde, mas, na verdade, a culpa foi também foi minha. Minha atitude foi
deplorável. Ainda não compreendo como fui... Talvez tenha sido por causa do
confinamento ou... Por favor, não pense que aquele é o meu padrão de
comportamento. Porque não é.
— Posso estar exausto, minha dama, mas sei reconhecer uma jovem inocente
quando me deparo com uma. — Por pouco ele não sorriu. — Eu não podia ter feito o
que fiz.
Ainda evitando encará-lo, Velvet voltou o olhar para a janela.
— Aquele cavalheiro... Ele veio trazer o resgate?
— Não houve pedido de resgate. Não foi por isso que você foi seqüestrada.
— Então ele veio avisar que já posso ir embora?
— Depois de amanhã cuidarei para que você chegue ilesa a Carlyle Hall.
Imagino que seu avô ainda se encontre por lá, ele deve estar ansioso por revê-la.
— Depois de amanhã?
— Dou-lhe minha palavra.
— Mas eu sei quem você é. Não tem medo de que eu vá denunciá-lo às
autoridades?
Dessa vez, Jason sorriu.
— E quem sou eu, minha dama?
— Ora, você é... é... — Jogou os cabelos para trás. — Você é um salteador alto,
espadaúdo, de cabelos castanho-escuros e olhos azuis, que...
— Velvet?
O tratamento informal levou-a a fitá-lo nos olhos.
— Sim?
— Há algo que você precisa saber sobre seu futuro marido. E antes que me
pergunte... Avery Sinclair não tem onde cair morto. Nem mesmo Carlyle Hall ele
possui mais.
— Como?! — Ela pôs-se em pé de um pulo, e o livro que deixara sobre o colo
foi cair no chão. — Isso é absurdo!
— Peça a seus procuradores que verifiquem se o que estou dizendo é verdade
ou não.
— É claro que não é verdade. O duque é riquíssimo.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Ele foi rico, sim, mas lamento informá-la de que isso agora é passado.
Sinclair quer casar com você pelo seu dinheiro, porque precisa de recursos para
tentar recuperar tudo o que perdeu. Ele tem feito péssimos investimentos nos
últimos anos, um malogro atrás do outro. Não faz muito tempo, investiu uma
pequena fortuna num projeto para transformar água do mar em água potável que, é
claro, não deu certo; pouco depois, tornou a investir vultosa quantia numa empresa
que afirmava ser capaz de extrair prata de chumbo; noutra ocasião, tentou
transformar mercúrio num metal maleável de utilização caseira. Ele comercializou
cabelos humanos, importou asnos da Espanha e também deu apoio financeiro a um
inventor que alegava ter construído um aparelho de moto-perpétuo.
Branca como cera, Velvet não sabia o que dizer.
— Nenhuma dessas empreitadas deu qualquer retorno. Em se tratando de
negócios, aquele homem é um completo fracasso. Caso venha a se casar com ele, você
vai colocar seu patrimônio nas mãos de alguém que seguramente irá aniquilá-lo.
— Por que está me contando tudo isso? — Lívida, deixou-se cair sobre o sofá.
— Se queria acabar com meu noivado, por que não disse antes?
— Nunca afirmei que queria acabar com seu noivado. O que eu não queria era
que seus recursos caíssem nas mãos dele... Pelo menos até depois de amanhã.
Ao perceber que tinha as mãos trêmulas, Velvet apoiou-as no colo.
— Não... Não pode ser. — Largando-se de encontro ao espaldar do canapé,
pôs-se a rir da ironia do destino. E pensar que imaginara que aquele casamento iria
salvá-la da ruína... — Até parece uma anedota! Uma anedota de muito mau gosto!
Ao vê-la ficar de súbito muito séria, com sinais de lágrimas nos olhos, Jason
segurou-a pelos braços para fazê-la se levantar.
— Ah, duquesa... — Num gesto impulsivo, estreitou-a contra o peito. — Ele
não merece você.
Enlaçando-o pela cintura, ela desatou a chorar.
— Não fique assim. Você encontrará um cavalheiro de verdade com quem se
casar, alguém muito melhor do que Avery Sinclair.
Mais até do que as palavras encorajadoras, era a brandura do tom que ele
usava o que mitigava parte do desespero que Velvet sentia. Aos poucos, as lágrimas
se foram e o nó que lhe apertava a garganta começou a se desmanchar.
— Perdoe meu destempero. — Afastou-se dele com delicadeza. — Não foi só
por causa do duque ou do fiasco dos meus planos de casamento. É... é um pouco de
tudo o que tem acontecido, creio eu.
— Tente ficar calma. Em breve você estará em casa — Jason enxugou-lhe a
face com a polpa do polegar —, e tudo isto ficará para trás.
No intuito de mostrar-se recomposta, Velvet tentou sorrir. Não, não tinha

Projeto Revisoras 44
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

como ficar calma. A menos que encontrasse outro pretendente, alguém com recursos
suficientes para saldar as dívidas de Haversham, nada ficaria bem novamente.
Os dois dias que se seguiram transcorreram sem incidentes.
Com a frágil trégua que se estabelecera entre ambos, Jason resolveu dar um
pouco de liberdade à sua refém, permitindo-lhe deixar o chalé para desfrutar do
revigorante sol de março. E ela, caminhando ao longo do riacho nas imediações da
moradia, atenta ao cantar dos pássaros ou observando uma ou outra corça que
vagava pela campina, parecia não apenas resignada às circunstâncias como também
satisfeita com aquele breve interlúdio no campo antes de retornar à vida bem mais
regrada que levava em seu lar.
Até Bennie havia baixado a guarda. Nos últimos dias, o rapazinho ria das
brincadeiras de Velvet, ouvia com atenção as histórias que a "hóspede" lhe contava e
até aceitava sua ajuda com os afazeres matinais.
Mas, indagando-se se não teria ido longe demais, Jason largou o machado com
que cortava lenha para esquadrinhar o horizonte: o sol começava a se pôr, e fazia
mais de uma hora que ela havia sumido de sua vista. Dentes cerrados, e já cogitando
da possibilidade de uma nova tentativa de fuga, ele partiu à procura de Velvet... E
não pôde conter um suspiro de alívio ao encontrá-la na estrebaria.
— Então é aqui que você está. — Aproximando-se da baia em que ela se
encontrava, apoiou um dos pés numa tábua e os cotovelos no topo da portinhola. —
Pensei que tivesse resolvido ir embora por conta própria.
Sentada com uma perna cruzada sobre a outra num tapete de feno, Velvet
tinha o ar mais inocente do mundo e, no colo, três pequeninos cãezinhos de pelagem
preta e branca aconchegados uns aos outros. Ela sorriu e, sentindo os ombros ainda
mais leves, Jason retribuiu o sorriso.
— Parece que você arrumou três amiguinhos.
— Não são lindos? Bennie falou este é Marty e este é Nigel. Ele disse que
posso escolher o nome deste aqui. — Apontou o terceiro cãozinho. — Acho que vou
chamá-lo de Piscadela, já que é o menorzinho da ninhada. — Tomando o filhote na
mão, roçou o nariz no colar de pelos negros ao redor do pescoço do animalzinho. —
Tive uma spaniel cor de mel que era um doce, a quem dei o nome de Sammy. Mesmo
após todos esses anos, ainda sinto muito a falta dela.
Jason não respondeu. Era difícil se concentrar em algo além da encantadora
imagem diante dos seus olhos.
— Gosta de cães, meu lorde?
— Gosto.
Com muito cuidado, Velvet colocou os dois cãezinhos sobre a palha antes de
se levantar com o terceiro filhote junto do peito.

Projeto Revisoras 45
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Quer pegar Piscadela no colo?


Já pronto para dizer que não, ele viu-se erguendo os braços na direção da
pequenina cria, uma criaturinha cuja raça parecia impossível de se determinar, mas
que lembrava o canzarrão que volta e meia se punha nos calcanhares de Bennie
quando o rapazote fazia tarefas nas cercanias do chalé. Tão pequenino que cabia na
palma de sua mão, o filhote cálido e macio como um novelo de lã recendia a leite
fresco.
— Não gostaria de levá-lo com você? Bennie ficaria contente se conseguisse
um lar para este vira-latinha.
— Oh, não seria prudente. Ainda tenho de resolver meu assunto com o duque,
e também há meu avô, que está sofrendo de lapsos de memória. Cuidar dele toma
muito do meu tempo.
— Seus pais não podem ajudá-la a cuidar de seu avô?
— Mamãe morreu há mais de dez anos; meu pai se foi fez três. — A voz de
Velvet tornou-se um tom mais grave. — Ele não foi um pai admirável, quase nunca
esteve presente. Mas eu o amava.
O filhotinho, que dormia a sono solto em sua mão, gemeu baixinho, e Jason
pôs-se a acariciá-lo com delicadeza enquanto comentava:
— Meu pai foi o homem mais incrível que já conheci. Forte e sensato, honesto
e sem rodeios, era uma pessoa muito exigente, mas também bastante generosa. Acho
que foi o melhor pai que alguém poderia ter. — A dolorosa lembrança embargou sua
voz e, ao reparar que Velvet olhava para ele com um ar piedoso, entregou-lhe o
cãozinho. — Está ficando tarde, e já começou a esfriar. É melhor irmos para o chalé.
— Com isso, partiu em direção à porta da estrebaria.
— Já estou indo. — Ajoelhando-se, ela colocou o filhotinho junto dos irmãos e,
ao deixar a cocheira, sorriu para si ao ver a mamãe vira-lata correr para junto da
ninhada. Então se apressou para acertar o passo ao de Jason e, juntos, os dois
rumaram para o chalé.
No dia seguinte estaria nas imediações de Carlyle Hall.
Mas não era no retorno ao convívio dos seus que ela pensava, e sim no tempo
que havia passado junto ao seu raptor e no pouco sobre si mesmo que ele tão
inesperadamente havia revelado naquela tarde. Sob uma aparência inflexível, Jason
ocultava uma delicadeza que vinha à tona nos momentos mais imprevisíveis, como
aquele em que, afagando o cãozinho adormecido, falara a respeito do pai.
Ele se retraíra depois disso, rosnando ordens durante o jantar, resmungando
por qualquer motivo, para em seguida deixar o chalé pisando duro. E quando re-
tornara, ela já tinha se recolhido ao aposento no segundo pavimento da habitação.
Bem, talvez fosse isso mesmo o que seu raptor quisesse...

Projeto Revisoras 46
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

A julgar pelo silêncio que reinava no piso térreo, Velvet presumiu que ele
estivesse dormindo. Assim, trocou as roupas do dia a dia pelo traje de dormir que
Bennie havia providenciado e, acomodando-se sob as cobertas, aproximou-se da
mesinha de cabeceira para apagar a vela... Um ruído lá embaixo a fez deter-se. Vozes?
Que estranho.
Saltando da cama, foi encostar o ouvido à porta. A voz que tinha ouvido
continuava a dizer palavras ininteligíveis. A voz de Jason. Mas com quem ele estaria
conversando?
Apesar de saber que seria uma tentativa inútil, girou a maçaneta... e ficou
pasma ao ver que ele deixara a porta destrancada. Abrindo-a com o cuidado de não
fazer barulho, deixou o dormitório e, pé ante pé, foi se colocar no topo da escada.
Jason achava-se estirado no sofá, e não havia mais ninguém na sala. Num
sono profundo, coberto somente até a cintura, ele tinha o peito nu recoberto por uma
película de suor. Estaria passando mal?
Certa de que sua presença o levaria a despertar, Velvet desceu os degraus sem
se preocupar com o leve ranger da escada. Jason, porém, apenas se remexeu de um
lado para outro, voltando a murmurar palavras incompreensíveis; parecia que
sonhava, discutindo com alguém que só ele via.
— Jason. — Aproximou-se, tentando não rememorar a sensação de ter aquele
torso musculoso junto do peito enquanto ambos se beijavam. — Jason...?
Nada.
Por Deus, o que estava acontecendo? Tocou-o com suavidade no ombro e,
como não obtivesse resposta, sacudiu-o de leve.
— Acorde, meu lorde. Você está tendo um... — O susto de vê-lo pôr-se em pé
de um pulo e agarrar seu braço a fez dar um grito. — Sou eu, Velvet!
— Santo Cristo... — Largando o pulso dela, Jason enxugou o suor do rosto
com a palma da mão.
— Que diabo está fazendo aqui embaixo?
— Você estava se revirando no sofá, falando enquanto dormia... Pensei que
estivesse doente.
— Não machuquei você, machuquei?
— Não foi nada. — Quando o viu franzir o cenho, parou de esfregar o braço.
— Você deve ter tido um pesadelo daqueles.
— Já tive piores. — Sem atentar ao que fazia, friccionou a cicatriz no dorso da
mão. — Vá se deitar.
— Tem certeza de que está bem?
— Estou, sim. — Incapaz de reprimir-se, deslizou o olhar pelo corpo dela, que

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

a camisola de algodão mal protegia. — Volte para a cama. Você não devia ter vindo
aqui.
Só quando viu os olhos azuis se turvar foi que Velvet se deu conta de que, à
contraluz da claridade que vinha da lareira, os contornos do seu corpo eram perfei-
tamente visíveis sob o traje de dormir. Ruborizando, correu para a escada.
— Não esqueça que partiremos bem cedo — lembrou Jason. — Desça para o
café da manhã assim que clarear, caso contrário irei arrancá-la da cama. Ou melhor,
irei lhe mostrar que há maneiras bem prazerosas de se começar o dia...
Agora rubra como uma maçã madura, Velvet disparou degraus acima,
dizendo para si mesma que ele não se atreveria. No entanto, ao se enfiar entre as co-
bertas só conseguia pensar no belo e másculo salteador vindo acordá-la com uma
interminável sucessão de beijos.

Capítulo II

Velvet seguia pelo corredor de reluzente piso de mármore em Carlyle Hall a


caminho do suntuoso recinto denominado salão da Rainha, onde iria ter com Avery
Sinclair, a quem havia pedido uma conversa a portas fechadas. Sua chegada, dois
dias atrás, fora recebida com efusivo entusiasmo por parte do duque e pelas sinceras
lágrimas de alívio derramadas pelo seu avô, que logo a seguir esquecera que ela
estava desaparecida.
Tinha chegado à casa de campo do noivo à garupa do imponente cavalo negro
do desconhecido que a raptara. Ele a deixara junto ao arvoredo nos limites da
propriedade e, com uma expressão imperscrutável, mostrara-lhe os fundos da
mansão.
— Bem, duquesa, é chegada a hora do adeus. — Jason tocara de leve o
arranhão que tinha na têmpora. — Acho que não posso dizer que tenho muitos
motivos para apreciar o período que passamos juntos. — Mas então um sorriso
iluminara aqueles hipnóticos olhos azuis. — Ainda assim, não seria honesto se
dissesse que não gostei.
Com a certeza de que ele se referia aos instantes de intimidade que haviam
compartilhado, Velvet retrucara:
— Você é mesmo um patife, meu lorde.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— E você é uma mulher e tanto.


Lisonjeada, ela não fora capaz de evitar um sorriso.
— A aventura não me foi de todo má. Se o duque está realmente falido,
segundo suas afirmações, você me salvou de um casamento desastroso. Só isso já é o
bastante para que eu lhe empenhe meu silêncio e minha gratidão.
Jason examinara o rosto dela por alguns instantes.
— É estranho, duquesa, mas algo me diz que vou sentir sua falta.
— E eu... sentirei a sua, meu lorde fora da lei. Fique com Deus, Jason.
Ele permanecera calado. Tentando ignorar o peso que sentia no peito, Velvet
partira rumo à mansão, porém se detivera de súbito, ao sentir a mão pesada em seu
braço. E, antes que ela pudesse dizer alguma coisa, Jason a fizera virar-se para,
tomando-a num abraço, beijá-la sem pressa e ardorosamente. Um beijo a princípio
ávido, veemente, possessivo, que pouco depois se tornara uma carícia suave, plena
de sensualidade. E terminara com um olhar que ficaria para sempre em suas
lembranças.
— Adeus, duquesa. Juro que não vou esquecê-la. — E então ele saltara à
garupa do cavalo para ir-se num galope desenfreado.
Com os olhos repentinamente úmidos, Velvet permanecera ali por alguns
instantes, vendo-o sumir na distância, sentindo-se absolutamente só. Por dias a fio,
prisioneira naquele chalé perdido na floresta, vira-se arrebatada pela personalidade
indômita de Jason. Ainda não tinha pensado em como seria passar o restante da vida
sem a instigante presença dele.
Mais estranha ainda era aquela mesma sensação de nostalgia e abandono que
a invadia agora, no salão da Rainha, à espera do duque. Aquela sensação de que lhe
faltava algo, alguma coisa intensa e vital da qual jamais teria a chance de provar.
Quem era ele?, perguntou-se pela centésima vez nas últimas horas. Por que
quisera impedir seu casamento? Havia enviado um dos criados de Haversham para
Londres com um bilhete para seu procurador, e em breve ficaria sabendo da real
situação financeira do duque de Carlyle. Apesar disso, estava certa de que não
necessitava daquela confirmação; não tinha dúvida de que seu raptor havia dito a
verdade. Desde o momento em que Jason a seqüestrara, sentira uma aura de
honestidade a circundá-lo. De mais a mais, que motivo ele teria para mentir sobre esse
assunto?
Suspirou. E lá estava ela, diante da lareira emoldurada em mármore, sob um
teto com estrutura de favo de mel, à espera do duque falido que teria arruinado sua
vida. Usava um de seus melhores trajes, um vestido de brocado marfim salpicado de
dourado com arremates de seda belga negra, peça do riquíssimo enxoval que custara
os últimos recursos de que dispunham, despesa incontornável para alguém que
estava prestes a se casar com um duque; tinha os cabelos presos em cachos no alto da

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

cabeça, uma pinta negra pintada sobre o lábio num dos cantos da boca e o busto, de
tão apertado pelo corpete, a ponto de saltar pelo decote do vestido. Não só estava
pronta para aquele tête-à-tête como sabia como fazer para que tudo terminasse da
melhor maneira possível. Para ela e seu avô. As altas portas duplas se abriram para
dar passagem ao duque de Carlyle. Um par de criados em libré vermelho de cetim
tornaram a fechá-las, e Avery Sinclair se acercou dela com um sorriso, a boca qual
um talhe fino ruborizada com um toque de ruge.
— Minha dama adorada. — Avery levou os dedos dela aos lábios.
— Vossa Graça. — Mesmo se curvando numa mesura, não pôde deixar de
reparar que o duque estava tão elegante quanto ela, no vistoso habit à la française em
voga: jaqueta e calças abaixo dos joelhos de seda verde-musgo com bainhas
douradas, o colete recoberto de bordados. Em vez da cabeleira postiça que sempre
usava, Sinclair tinha os cabelos empoados, dissimulando o loiro evidente nas
sobrancelhas e nos cílios. Pelos padrões da alta sociedade, não era um homem sem
atrativos, visto que possuía traços benfeitos e expressivos olhos castanhos.
— Vamos nos sentar?
— Como preferir. — Permitiu-lhe acomodá-la numa grande poltrona de tecido
adamascado próxima à lareira, então esperou que ele se sentasse à sua frente.
— Quer que eu peça um lanche?
— Não, obrigada.
— Esse assunto de que você gostaria de falar... Presumo que esteja relacionado
com o seu seqüestro, não? — Avery, que havia se recostado ao espaldar da poltrona e
cruzado uma perna sobre a outra, projetou o torso para a frente. — Prezada dama, se
o motivo desta conversa a portas fechadas é sua pureza, não pense mais nisso. Não
sou tão cruel a ponto de deixar que esse detalhe se interponha entre nós. A culpa não
foi sua se você foi tão barbaramente arrancada de seu noivo. De hoje em diante, o
que quer que tenha lhe acontecido será nosso segredo, e não tornaremos a falar disso.
O casamento será celebrado...
— O casamento, Vossa Graça, não vai se realizar.
— Não diga tolices. Eu já disse, não me importo com que...
— Minha pureza continua intacta. A questão não é essa.
O franzir de cenho de Avery se acentuou.
— Nesse caso, minha cara, posso indagar qual é a questão?
— Infelizmente, vim a me inteirar de algo muito grave, Vossa Graça. Numa
situação normal, quem discutiria esse assunto com você seria meu avô, mas no
momento, como se sabe, ele não se acha... muito bem. Seja como for, o fato é que, não
importa como, fiquei sabendo da real situação em que você se encontra. Quisera eu
que questões financeiras não fossem um obstáculo, mas, num casamento como o

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

nosso, nós dois sabemos que é. Entendo sua falta de recursos, Vossa Graça, e lhe
empenho minha solidariedade. No entanto, meu dote não será empregado para
resolver seus problemas.
Embora a expressão de Avery não se alterasse, seu rosto perdeu um pouco da
cor.
— Perdão, minha cara, mas não faço a menor idéia sobre o que esteja falando.
— Você sabe muito bem do que estou falando. — Velvet obrigou-se a adotar
um tom mais suave. — Não estou culpando você, Vossa Graça. Como membros da
nobreza, todos nós temos de assumir pesadas responsabilidades, e matrimônios com
vistas a solucionar problemas financeiros são corriqueiros. No entanto, neste caso,
isso não irá ocorrer. — Ajeitando-se na poltrona, alisou a saia do vestido. — Como já
disse, estou a par dos seus problemas; no entanto, esteja certo de que não pretendo
discuti-los fora das quatro paredes desta sala. Agora, há algo que eu gostaria de lhe
pedir em troca do meu silêncio.
Os olhos dele se aguçaram.
— Não estou confirmando nenhuma das suas ridículas acusações, prezada
dama, mas, se porventura estiver precisando do meu auxílio, talvez eu possa ajudá-
la.
Erguendo-se, Velvet foi se colocar junto à lareira,
— Estes últimos dias foram desgastantes para todos nós e, como você bem
sabe, esse seqüestro não trouxe nenhum benefício à minha reputação. — Fitou-o nos
olhos. — Um rompimento súbito entre nós provocaria comentários e, certamente,
especulações quanto a minha pureza. E ainda que a minha integridade física
continue preservada, isso não diminuiria as chances de eu deixar ser vista como uma
noiva apropriada a um cavalheiro decente.
— Prossiga.
— Em troca do meu silêncio, peço apenas que nosso noivado se mantenha,
como antes, por mais algumas semanas. Deixe que as pessoas pensem que você ainda
está disposto a me desposar. Espalhe por aí que você pagou um resgate. Diga que
seu dinheiro comprou minha liberdade. — Soava bem melhor do que ela própria
havia afirmado: que conseguira fugir do raptor.
— Não vejo nenhum problema nisso.
— Precisaríamos de tempo para remarcar o casamento e, antes que a nova
data seja anunciada, romperei o noivado. Continuaremos amigos, é claro, e, até lá, é
provável até que já tenhamos encontrado possíveis futuros cônjuges, pessoas que se
ajustem ao que de fato esperamos do matrimônio.
Após examiná-la como se a visse pela primeira vez na vida, Avery curvou os
lábios num arremedo de sorriso.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Garanto-lhe, minha dama, que os boatos que você andou ouvindo a


respeito do duque de Carlyle são absolutamente mentirosos. Ainda assim, se quiser
cancelar nosso compromisso, estou disposto a acatar sua vontade. E, logicamente,
permitirei que você rompa o noivado, como qualquer outro cavalheiro faria.
— Então temos um trato? — E lhe estendeu a mão coberta pela luva branca.
— Seguramente, minha dama. — Tomando a mão dela, Avery inclinou a
cabeça numa mesura exagerada.
Velvet não deixou passar uma nota de malícia na voz do duque nem o fato de
que, sob o verniz dos bons modos, ele estava um tanto zangado. Havia frustrado os
planos de Avery Sinclair para salvar o próprio pescoço, e ele não era um homem que
aceitasse ser contrariado.
— Pretendo retornar a Windmere amanhã, porém fiquei sabendo que você
pretendia dar uma festa de gala aqui em Carlyle três semanas após nosso casamento.
— Eu tinha pensado num baile a fantasia, nosso primeiro evento juntos como
marido e mulher. — O sorriso dele era um esgar. — Os convites já foram enviados.
— Ótimo. Depois do baile, anunciarei que desisti do compromisso, o que nos
deixará livres para seguir nosso caminho.
— Como preferir. Ela fez uma mesura.
— Obrigada, Vossa Graça. Espero não tê-lo feito sofrer em demasia.
— Au contraire, lady Velvet. A dor causada pela sua rejeição me levará às raias
do desespero. — Olhou-a com um ar de pura lascívia. — Passar bem, minha dama.
Até nosso próximo encontro.
Enquanto o via deixar a sala pisando duro, Velvet concluiu que havia feito um
inimigo, mas, apesar disso, sentia-se incrivelmente aliviada sem ele em sua vida. Era
bem provável que o salteador não a tivesse salvado somente de um casamento
desastroso.

Sentado diante da lareira no gabinete adornado com painéis de nogueira do


Castelo Running, sua casa de campo não muito distante de Carlyle Hall, o marquês
de Litchfield observava o amigo Jason Sinclair zanzar pelo aposento.
— Você me parece inquieto desde que chegou aqui. Porventura isso teria algo
a ver com uma certa jovem que ambos conhecemos?
Um músculo se contraiu na mandíbula de Jason antes que ele afirmasse:
— A dama, que voltou sã e salva para casa, está inteirada da situação
financeira de Avery. Não é problema meu se ela não teve o bom-senso de dar fim ao
noivado.
— Quero crer que ela o fará, no momento oportuno. A questão é delicada, e

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Velvet Moran não é nenhuma tola. Mais cedo ou mais tarde, ela romperá o noivado
com seu irmão e estará descompromissada novamente. — Lucien olhou para o amigo
por sobre a borda do cálice de conhaque antes de tomar um gole. — Quando isso
acontecer, você estará em condições de demonstrar seu interesse por ela.
— Sou candidato ao cadafalso na colina de Tyburn, Lucien, não ao
matrimônio.
— Perdão se, por algum motivo, cheguei a pensar que a jovem tinha atraído
sua simpatia. Se bem me lembro, você não se mostrou capaz de resistir aos encantos
dela.
— Eu gostaria de me deitar com ela, sim. Desejei Velvet Moran praticamente
desde o instante em que a vi e, caso não se tratasse de uma jovem pura, eu não
hesitaria em possuí-la. Se tivesse saciado minha luxúria, decerto não haveria lugar
para Velvet entre meus pensamentos.
— Está me dizendo que continua a pensar nela?
— Estou dizendo que ainda gostaria de me deitar com ela. Mas já que essa
seria a atitude menos nobre a tomar, farei tudo o que estiver ao meu alcance para
esquecê-la.
— Pensei tê-lo ouvido dizer que não havia mais nenhum resquício de nobreza
em seu íntimo, que havia abandonado todos os seus traços aristocráticos há anos, nos
brejos barrentos da Geórgia.
— Em boa parte, sim. Mas pelo tempo que permanecer na Inglaterra, farei o
possível para ressuscitá-los. E lhe garanto que não é tarefa das mais fáceis.
— Você pretende ir embora, então? Mesmo depois de ter limpado seu nome?
—Meu lugar não é mais aqui, Lucien. Não faço mais parte dessa vida, que
também não é mais parte de mim. Ficarei na Inglaterra só o tempo que for preciso.
A ansiedade estampada no rosto de seu amigo levou o marquês a suspirar.
Havia pouco mais de um ano, Jason, assim como ele, contratara um agente do posto
policial da Bow Street para investigar o assassinato do pai, porém nada de
importante fora descoberto até o momento.
— Embora ainda não tenhamos tido notícias relevantes, Jason, posso lhe
assegurar que o homem que está trabalhando para nós é competente. Usei os serviços
dele em várias outras oportunidades, e o camarada nunca deixou uma tarefa pela
metade.
— Não duvido da perícia dele. Mas oito anos são um período de tempo muito
longo. As primeiras investigações não deram em nada e, mesmo que haja alguém
que tenha testemunhado o que houve naquele dia, será muito difícil encontrar essa
pessoa.
— Realmente, porém o dinheiro é excelente persuasor. Uma palavrinha aqui,

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outra ali... Quem sabe o que encontraremos pela frente?


Jason tentou sorrir, buscando mostrar-se mais confiante. Entretanto, a
realidade não o ajudava. Havia oito anos vinha jurando provar sua inocência,
recuperar as propriedades que lhe pertenciam, fazer com que o assassino de seu pai
pagasse pelo crime. Tinha dado o primeiro passo e Carlyle Hall era sua novamente,
ainda que tivesse permitido a Avery permanecer lá por mais algum tempo, até que,
segundo mandara dizer a seu irmão, o novo proprietário retornasse de uma viagem
pelo continente. Na verdade, era melhor manter Avery em Carlyle Hall, ou mesmo
na residência da Grosvenor Square, em Londres, pois assim teriam como vigiá-lo.
Recostando-se na poltrona de couro, Lucien tomou outro gole de conhaque. O
cálice de Jason continuava sobre a cornija da lareira, intacto.
— Talvez devêssemos ir para a capital — sugeriu o marquês. — A temporada
está para começar e, mesmo que não estivesse, há outros passatempos com que se
distrair. Tenho a impressão de que uma companhia feminina iria lhe fazer bem.
— Londres?
— Sim. Desde que fique longe do seu irmão, quando ele for para lá, não há
perigo de que venham a reconhecê-lo. Você não é mais o mesmo rapaz daqueles
tempos. De mais a mais, reparei na sua sábia insistência em evitar Célia Rollins.
Afinal, uma mulher quase nunca esquece um homem que conheceu tão intimamente
quanto ela o conheceu.
— Por ora, lady Brookhurst está fora de perigo. — Aproximando-se da lareira,
Jason tomou o cálice de conhaque na mão. — Vou procurá-la, sim, mas antes
pretendo ir à hospedaria, talvez lá consiga me lembrar de alguma coisa, de algum
detalhe importante que me escapou.
O investigador estivera na Pousada do Peregrino, obviamente, e não só uma
vez. De acordo com os relatórios, porém, dos poucos criados que ainda trabalhavam
na hospedaria nenhum se recordava de algum pormenor que ajudasse a esclarecer o
que havia acontecido na noite do crime.
— Acho que você faria melhor se permanecesse no Castelo Running por mais
algumas semanas, Jason. Embora eu nem imagine como ele pensa custear esse
capricho, Avery está planejando um pomposo baile a fantasia.
— Meu meio-irmão, que sempre adorou recepções, julga-se a quintessência
dos modismos em voga, e Carlyle Hall é o cenário ideal para esse tipo de
extravagância.
— Lady Velvet decerto comparecerá ao baile. Deixando o cálice vazio sobre a
mesinha ao lado de sua poltrona, Lucien se levantou. — Ser vista na companhia do
duque irá dissipar os comentários maldosos, e é imperativo que ela coloque um fim
no escândalo provocado pelo seqüestro.
— Como se eu tivesse dado algum motivo para todo esse falatório...

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O marquês apenas sorriu. Admitisse ou não, seu amigo parecia se importar


com a jovem dama que havia raptado.

Ao entrar na Pousada do Peregrino, Jason teve a nítida sensação de que a


solução para o seu problema se achava ali, naquela hospedaria. Não era possível que
ninguém tivesse visto algo além do que Avery quisera fazê-los ver: que o filho mais
velho do duque de Carlyle matara o próprio pai por conta de uma discussão a
respeito de sua amante.
Oito anos não haviam produzido nenhuma mudança na taverna do
estabelecimento. O odor de fumaça e cerveja rançosa ainda permeava o ambiente, o
piso de tábuas largas continuava o mesmo, embora um pouco mais escurecido pelo
passar do tempo. Assim como os bancos, as judiadas mesas de madeira ostentavam
uma recente demão de verniz que não escondia os velhos sulcos e talhos. A alcova no
primeiro piso que ele havia compartilhado com Célia também permanecia inalterada,
ou pelo menos fora essa a impressão que tivera ao espiar pela janela nos fundos do
estabelecimento.
Tentando ordenar os pensamentos, pôs-se a pensar na condessa tão logo se
sentou a uma mesa vazia e pediu uma caneca de cerveja. Segundo se informara, ela
agora morava em Londres, vivendo da gorda pensão anual que recebia de Avery. E
como iria reagir ao saber que o duque de Carlyle estava falido? Ou por acaso já
desconfiava da péssima situação financeira do comparsa?
A curiosidade em saber como Célia estaria levou-o a relembrar a mulher
voluptuosa com cabelos negros como breu... e a compará-la com a graciosa figura
miúda, de seios fartos e curvas sinuosas de Velvet Moran. Ambas não poderiam ser
mais dessemelhantes: uma usava a beleza trigueira para seduzir; a outra, impetuosa
e aguerrida, despertava seu desejo só com o temperamento ardente. Célia era a
personificação da perversidade. Em Velvet, a paixão duelava com a inocência; além
do quê, ela tinha uma doçura mal dissimulada pela ingenuidade, uma bondade de
enternecer o coração. Pena que ele, então tomado pela luxúria, não conseguira
enxergar a mulher que realmente existia sob o manto de sofisticação com que lady
Brookhurst se travestia.
Célia sabia a verdade, sabia o que de fato acontecera a seu pai. Ela podia ser
sua salvação, no entanto não cogitava ir procurá-la por ora. De que adiantava ir lhe
oferecer dinheiro em troca da verdade se, caso admitisse a responsabilidade de
Avery Sinclair pela morte do velho duque, ela estaria se implicando no assassinato?
Não, precisava encontrar uma maneira de obrigá-la a confessar tudo o que sabia.
Olhou pela taverna, examinando o rosto das atendentes que serviam as mesas,
os fregueses diante do bar, o camarada robusto atrás do balcão. Então terminou a
cerveja e, erguendo-se, rumou para a cozinha, o pulso acelerado em razão de ter
reconhecido o rosto redondo da senhora que trabalhava ali.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Em que posso ajudá-lo, querido? — A atarracada criada sorriu e, agitando


uma espátula de ferro no ar, aproximou-se. No passado, ela também o tratara com
cordialidade.
— O aroma que vem da cozinha me deu fome.
A simpática senhora passou os olhos pelas calças de pele de camurça e pelo
punho rendado que escapava das mangas do paletó de montaria azul-marinho que o
freguês usava. Com os cabelos presos à nuca numa trança, ele tinha toda a aparência
de um membro da aristocracia.
— O cheiro que você sentiu é de enguia e perna de veado assados. Se quiser,
posso lhe servir um prato num piscar de olhos.
Jason sorriu. Na verdade, não estava com tanta fome assim, mas se isso faria
com que ela desatasse a falar, comeria de bom grado.
— Obrigado, senhora. Importa-se se eu me sentar aqui?
A cozinheira franziu o cenho, afinal, vindo de alguém vestido daquela
maneira, o pedido era estranho.
— Se estiver procurando pela minha Betsy, ela foi até o vilarejo e só deve estar
de volta lá pelo anoitecer. Mas, se me disser como se chama, posso dizer que o
senhor esteve aqui. Minha Betsy vai ficar triste quando souber que perdeu a visita de
um cavalheiro tão educado.
— Hawkins. — Após oito anos, aquele nome lhe vinha sem a menor
dificuldade. — Jason Hawkins.
Com um meneio afirmativo de cabeça, ela se pôs a remexer nas caçarolas e,
por alguns segundos, quase sumiu atrás de uma aromática cortina de vapor. Não
demorou muito e o prato, uma generosa porção de carne e um bom naco de pão de
centeio, foi pousar na rústica mesa de madeira diante de Jason. A cozinheira então
desapareceu por alguns instantes, retornando logo a seguir com uma jarra de estanho
com cerveja.
— Passei uns tempos no estrangeiro — comentou ele —, mesmo assim me
lembro da senhora dos tempos em que freqüentava a hospedaria.
— O senhor também não me parece estranho, mas não sei se me recordo de tê-
lo visto por aqui.
— Entendo. Seja como for, tenho na memória uma ocasião em especial, uma
noite em que houve um rebuliço danado... quando o velho duque de Carlyle foi
morto..
A cozinheira revirou os olhos delineados por uma pele vincada de rugas.
— Foi um rebuliço daqueles, sim. Pobre homem... Foi um fim muito triste:
perder a vida pelas mãos de um filho.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— A senhora viu quando tudo aconteceu?


— Não, não; eu estava aqui, na cozinha. Mas um escândalo desses não escapa
ao ouvido de ninguém.
— Ele foi capturado, lembro-me bem. No entanto, tempos depois ouvi dizer
que não tinha sido o primogênito quem tirou a vida do pai, e sim o filho mais novo.
— Na época, também ouvi esse tipo de comentário, só que depois o assunto
morreu. O duque é um homem muito poderoso, muito influente; poucas pessoas se
atreveriam a contradizê-lo. — Examinou-o mais atentamente. — Olhando bem, o
senhor até que se parece com ele... Com o filho mais velho do duque, digo. Mas ele
era mais magrinho, mais pálido e, pelo que me lembro, mais baixo. — Seu sorriso se
alargou, revelando a ausência de vários dentes na arcada inferior. — O senhor não é
parente dele, é?
Jason torceu para que soasse sincero:
— Espero que não, tendo em vista que se trata de um assassino.
— Como o senhor mesmo falou, andaram falando que não foi ele quem fez
aquilo. — Deu de ombros.
— Não sei o que pensar. Eu estava aqui embaixo, não vi nada até o chefe de
polícia chegar e arrastar o rapaz para... Mas que diferença faz, já que o moço acabou
falecendo? É melhor não remexer no que está morto e enterrado.
Embora sentisse os nervos em ponto de bala, Jason nada disse, apenas
empurrou o restante da comida que estava no prato pela garganta que de súbito
sentia estreita demais. Seria possível que não houvesse ninguém ali que soubesse de
algo que poderia ajudá-lo?
— Obrigado pela refeição, senhora. — Após deixar algumas moedas sobre a
mesa, pôs-se em pé. — E pela companhia.
— O senhor voltará em breve, não é? Para ver a minha menina?
— É provável. — Sim, certamente retornaria, porém precisava usar de cautela
e aguardar o momento propício. A menos que estivesse dependurado pelo nó da
forca, nada nem ninguém haveriam de impedi-lo de prosseguir no seu intento.

Diante do espelho móvel em seu dormitório, Velvet deixou escapar um


profundo suspiro. Como na maior parte das dependências de Windmere, os
cômodos e corredores do segundo piso da mansão se achavam vazios. Até mesmo
seus aposentos tinham sido penalizados pela falta de recursos: o belo guarda-roupa
de pau-rosa fora trocado por um armário de carvalho sem adornos e as primorosas
molduras douradas já não ornavam as telas retiradas das paredes. Só restavam as
cortinas de seda cor de pêssego e o cortinado e a colcha da cama, do mesmo tecido.
Que provavelmente iriam se transformar em vestidos, caso os problemas financeiros

Projeto Revisoras 57
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

não se resolvessem logo.


Mas não era o momento de pensar nisso. Naquele dia, deixariam Windmere
para ir ao baile a fantasia em Carlyle Hall, e era só isso o que faltava para a
oficialização do seu rompimento com o duque... Ao se lembrar de Avery Sinclair e no
modo quase ameaçador como ele lhe falara naquela tarde no salão da Rainha, sentiu
um calafrio na espinha e, pela centésima vez, agradeceu mentalmente ao salteador
por tê-la livrado de um casamento fadado ao desastre.
E foi só ela pensar no belo e arredio raptor para que seu rosto se aquecesse.
Era impossível não recordar os fogosos beijos que haviam trocado ou a mão atrevida
que lhe acariciara o seio com tanta intimidade. Santo Deus, além de ir rezar de
joelhos na capela da paróquia, o que mais teria de fazer para afastar essas
lembranças? Mas, em vez de esquecê-lo, noite após noite se revirava na cama
ansiando por vê-lo novamente, desejando que Jason não fosse um fora da lei,
rogando para que ele viesse buscá-la, como tinha feito naquela noite em que a
seqüestrara.
Tornou a suspirar. Precisava se casar o mais depressa possível e Jason, dessa
vez, não teria como acudi-la. Precisava encontrar alguém, um cavalheiro rico e
adequado, que não necessitasse do seu dote. O baile a fantasia era um bom lugar
para dar início às suas buscas. Teria de ser sutil, obviamente, afinal a prioridade era
calar as línguas maldosas. E, ainda que de má vontade, o apoio de Avery iria ajudar a
dar um fim aos mexericos. Além do mais, a temporada estava para começar e, com
um pouco de sorte, haveria algum rosto desconhecido entre os solteiros e
descompromissados à procura de uma herdeira rica, com nome e posição social.
Com mais outro suspiro, Velvet se afastou do espelho no instante em que sua
aia, Tabitha Beeson, entrava no aposento com sua fantasia, que era só o que faltava
para colocar na bagagem para a viagem.
— Seu traje está prontinho, minha dama. E ficou uma beleza. Você será a
jovem mais encantadora de todo o baile.
— Obrigada, Tabitha. Diga a Martha que, como sempre, ela fez um trabalho
admirável. — Mais do que admirável, levando-se em conta o parco material que a
costureira tivera à disposição. Os criados que haviam permanecido em Windmere
tinham aprendido a fazer uma miríade de tarefas; Martha costurava esplendi-
damente quando não estava trabalhando na cozinha, e Tabitha amiúde ajudava com
a limpeza. — Diga a ela que a fantasia ficou muito bonita.
De inspiração medieval, o traje que Velvet usaria no baile consistia de uma
túnica cor de ameixa sobre um vestido de seda amarelo bordado em ouro, presa à
cintura por uma faixa dourada, da qual pendia uma pequena adaga com a
empunhadura adornada com pedrarias. Longas e pontudas, as mangas do vestido
iam quase até o chão, e os cabelos ficariam soltos sobre as costas, como as jovens
solteiras da Idade Média costumavam usá-los.

Projeto Revisoras 58
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Um ruído no corredor desviou a atenção de Velvet da vistosa fantasia em suas


mãos.
— A carruagem está esperando. — A voz do velho conde tinha uma nota de
impaciência. — Já devíamos ter partido.
Ela correu até a porta do quarto.
— Estamos prontas, vovô. Só mais um minutinho.
E, de fato, quinze minutos depois se encontravam na estrada, sacolejando ao
longo do percurso que iria levá-los a Carlyle Hall. Embora os últimos sete dias
tivessem sido um tanto frios, na véspera os primeiros sinais da primavera haviam se
espalhado pela região: as rosas silvestres começavam a despontar pelos campos, e
um sol cálido se filtrava pela copa das árvores que margeavam a estrada.
A demora em deixar Windmere fez com que chegassem à hospedaria na
metade do caminho quando já tinha anoitecido, porém lá encontraram seus quartos
prontos e o fogo já aceso nas lareiras. A viagem foi retomada logo cedo pela manhã, e
num ritmo bem mais acelerado do que o do dia anterior.
Carlyle Hall foi ficando cada vez mais próxima e, quanto mais se acercavam
da propriedade, mais Velvet se afligia, incapaz de reprimir os pensamentos que
teimavam em voltar à ocasião em que viajara pela última vez por aquela estrada. Pois
embora soubesse que isso era um absurdo, o que mais queria era que Jason surgisse
da floresta à garupa do cavalo negro para obrigar a carruagem a deter-se e a levasse
dali com ele.
— Você parece preocupada, minha menina. — Por sob as espessas
sobrancelhas brancas, o velho conde reparava nas nervosas espiadelas que sua neta
dava pela janela do veículo. — Não tenha medo, Velvet, desta vez, o salafrário não
nos pegará desprevenidos. Além de alerta, o cocheiro está armado.
— Armado? Oh, meu Deus!
— Se aquele miserável tornar a nos abordar, irá se ver na mira de uma pistola.
Protegei-o de todo mal, Senhor. Fixando o olhar nas árvores à margem da
estrada, tentou acalmar o coração acelerado.
No fim das contas, porém, sua aflição foi em vão: a região da floresta onde se
dera o rapto ficou para trás, Jason não apareceu, e a carruagem seguiu sem quaisquer
atropelos rumo a Carlyle Hall. Tudo levava a crer que o salteador tinha se esquecido
completamente dela.
Decepcionada, Velvet jurou para si que também iria esquecê-lo.

Os acordes de clavicórdio que pairavam pelo salão de baile repleto de


espelhos preenchiam de música as magníficas dependências e corredores vivamente
iluminados de Carlyle Hall. Sob a claridade de um candeeiro dourado preso à

Projeto Revisoras 59
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

parede, um dos inúmeros que havia pelo recinto, Avery Sinclair deteve-se por alguns
instantes ao vislumbrar sua pretensa noiva em meio aos pares que dançavam no
espaço reservado ao baile propriamente dito. Maldita fosse! Tanto se empenhara
para preservar sua imagem de homem rico e poderoso, e a atrevida havia descoberto
a verdade. Mas, como? Onde ela poderia ter se metido naqueles dias às vésperas do
casamento quando, supostamente, estaria em mãos de um raptor?
Na verdade, isso agora pouco interessava. O que lhe doía era ter
menosprezado a inteligência daquela sirigaita. Ela era bem mais esperta do que havia
imaginado.
Com um suspiro, ajeitou a boina negra enfeitada com pele de arminho e uma
longa pluma branca, inclinando-a um pouco mais sobre a sobrancelha esquerda.
Com um casaco curto de mangas bufantes e recordadas, colete de brocado prateado,
calças curtas com bordados prateados e longas meias brancas, fazia-se passar por
Henrique VIII, e era uma pena que, a exemplo do monarca, não pudesse mandar
cortar a cabeça daquela vadiazinha que era Velvet Moran... Não, não: melhor ainda
seria fazer como Henry: levá-la para a cama mais algumas vezes, depois mandar
decapitá-la. A espertinha dançava um minueto com o conde de Whitmore, cujo olhar
cobiçoso de quando em quando ia pousar sobre o generoso busto diante dele. Que o
diabo os levasse, pensou Avery, voltando a atenção à esguia loira que vira
anteriormente algumas vezes, por ocasião da primeira temporada dela em Londres.
O pai da moça, sir Wallace Stanton, uma das poucas pessoas a quem o rei dava
ouvidos em questões de finanças, obtivera admirável êxito nos negócios, tendo feito
Montanhas de dinheiro antes do estouro da bolha dos Mares do Sul. Um patrimônio
que obviamente legaria à filha, Mary, de dezoito anos. Interessante: o velhote tinha
tudo o que a maioria das pessoas poderia desejar e, no entanto, o que mais aspirava
na vida era um título para a filhinha querida, a quem queria ver como um membro
da aristocracia, única regalia que não fora capaz de lhe proporcionar.
Quando ouvira dizer que a jovem e a fortuna que a acompanhava estavam à
disposição de um pretendente da nobreza, ele, com idéias de desposar a herdeira
Haversham, não havia se interessado. Afinal, unir-se em matrimônio a uma mulher
que não pertencesse à aristocracia estava fora de cogitação. Mas agora, após perder a
noiva e com a iminência da bancarrota, era preciso reconsiderar suas decisões.
Contemplando a jovem loira de pele alva num rústico traje de mungidora,
inalou uma pitada de rapé e tornou a guardar o estojo de prata no bolso. Mary
Stanton era graciosa, natural, não tão cheia de vida quanto Velvet Moran, mas
certamente bem mais fácil de manipular. Na semana anterior, tinha ido até Londres
para um encontro reservado com o pai dela, que por pouco não dera cambalhotas
ante a possibilidade de ver a filha casada com um duque. Um esboço de
compromisso fora acordado, do qual fazia parte um vultoso dote e a garantia de que,
ao desposar Mary, o duque de Carlyle seria feito herdeiro da colossal fortuna
Stanton.

Projeto Revisoras 60
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Avery sorriu para ela, do outro lado do salão. Mary dançava com o conde de
Balfour, um rico e bem-apanhado aristocrata que, dizia-se, finalmente havia decidido
se casar. Segundo tais boatos, Balfour queria um herdeiro e pretendia, até o final da
temporada, resolver esse problema.
Ao se lembrar dos rumores, Avery franziu o cenho; além de o conde ter
péssima reputação, Mary Stanton, apesar de ainda não sabê-lo, estava
comprometida. Bem, cabia a ele solucionar mais esse contratempo para que, tão logo
se livrasse de sua desnecessária noiva, pudesse voltar seu considerável dom para a
sedução de Mary Stanton. Sorriu para si. A moça concordaria com o casamento, sim,
e muito em breve, uma vez que ele iria cuidar para que a tonta não tivesse outra
opção. Falhara com Velvet Moran, mas não iria cometer o mesmo erro com Mary.
Enquanto alisava a barba falsa, ocorreu-lhe que, quando tivesse dinheiro de
sobra novamente, talvez até se desse o trabalho de acertar as contas com lady Velvet.
E por que não?

Velvet obrigou-se a sorrir. Estava farta até o último fio de cabelo do conde de
Whitmore, que não se dedicara a outra coisa a noite toda senão admirar seus seios de
um modo simplesmente repulsivo. Ainda bem que Avery fizera a parte dele, tirando-
a para dançar, deixando claro que ainda estavam noivos, e que não havia nenhum
problema entre ambos. Descontada a falsidade, tal adulação a poupara dos avanços
lascivos do conde durante certo tempo, só que, nos últimos vinte minutos, o duque
parecia ter sumido.
— Você me parece cansada, minha cara — observou Whitmore. — Não
gostaria de ir descansar uns minutinhos no terraço?
— Não! Digo, não posso, meu lorde. — Que Deus a livrasse de passar "uns
minutinhos" a sós com aquele insolente. — Prometi esta dança a um outro
cavalheiro, que decerto já está vindo cobrá-la. — Virou-se, pronta para escapulir dele,
porém um tórax largo bloqueou-lhe o caminho.
— Como você mesma disse, minha dama — afirmou a voz grave que ela
conhecia tão bem —, serei seu par nesta música.
Jason! O coração de Velvet disparou. Mesmo mascarado e com uma cabeleira
postiça, só podia ser o salteador que a tinha seqüestrado.
— Minha dama? — Após fazer uma mesura, ele indicou o espaço destinado à
dança.
Jason trajava uma túnica escarlate, calças justas brancas de oficial da Cavalaria
e botas pretas de cano longo. Tinha os cabelos cobertos por uma peruca platinada e a
parte superior do rosto oculta por uma máscara de seda negra; o disfarce, porém, não
escondia aqueles ardentes olhos azuis, tampouco mitigava o efeito atordoante que
exerciam sobre ela.

Projeto Revisoras 61
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Velvet aceitou a mão que ele lhe oferecia e, com as pernas bambas, permitiu-
lhe conduzi-la para junto dos demais dançarinos. Quando se colocaram frente a
frente, contemplou-o por um instante e, com a força de uma bofetada, deu-se conta
do quanto sentira a falta de seu raptor, do quanto relembrara os momentos que
passaram juntos, do quanto se preocupara com o bem-estar dele, Era loucura, mas
não havia como negá-lo.
A admiração que sentia por aquele homem só fez crescer enquanto o
observava executar os movimentos da dança, elegante como um cortesão apesar de
ser mais robusto e mais alto do que a maioria dos convidados. Mas... e se alguém o
reconhecesse? Alguém a quem ele abordara no intuito de roubar? Santa Virgem,
Jason poderia ser preso, atirado às profundezas de um cárcere!
Tão logo a música chegou ao fim, ele, segurando-a pela mão, apressou-se a
levá-la para o terraço que se debruçava sobre o jardim. Um toque de primavera
perfumava o ar, e Velvet deixou-o guiá-la até um canto tomado pelas sombras, onde
se virou para encará-lo. Desde que o vira naquela noite, aquela foi a primeira vez que
a voz não lhe faltou:
— Por Deus que está no céu, Jason, você perdeu o siso? A casa do duque é o
último lugar no mundo onde você devia aparecer!
— Vim ver você. — Sorriu para ela. — Achei que talvez estivesse com saudade
de mim.
— Saudade! Ora, seu arrogante, seu... — Calou-se ao sentir o braço enérgico
enlaçá-la pela cintura. — Mas o que está...
Apertando-a contra seu corpo, Jason a beijou com volúpia, amoldando os
lábios aos dela, obrigando-os a se abrir ao assalto da sua língua afoita. Com a im-
pressão de que o mundo se punha a girar, Velvet sentiu o coração disparar e as
pernas ainda mais frouxas e, quando ele a estreitou entre os braços, pressionando-a
de encontro à musculatura rija de seu físico avantajado, viu-se inflamada por uma
onda de intenso c sôfrego desejo.
— Jason... — Voltando a beijá-lo, passou os braços em torno do pescoço dele.
Céus, simplesmente não conseguia se conter.
Conferindo ainda mais ardor ao beijo, Jason saboreou os recônditos da boca
que o acolhia, devassando-lhe todos os segredos enquanto deslizava as mãos ao
longo das costas de Velvet antes de agarrá-la pelas nádegas e apertá-la contra si. Ela
não foi capaz de reprimir um suspiro de puro prazer. Candente, instigante,
arrebatador, o beijo a incitava a premer-se de encontro ao rígido membro viril do
envolvente fora da lei, a segurar o rosto dele entre as mãos e beijá-lo com a mesma
volúpia.
Foi Jason quem deu fim à carícia para afirmar num tom incisivo:
— Você ainda está noiva do duque. Duvido de que ele fosse aprovar esse

Projeto Revisoras 62
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

beijo.
Admirada com que ele repentinamente se mostrasse tão contido, Velvet
respirou fundo, recuperando o fôlego. Mas mais admirada ainda ficou ao ouvir a
própria voz, igualmente controlada:
— Sua Graça e eu já concordamos em romper o compromisso. Estou só
esperando o momento propício, para não dar margem a novas maledicências. — E,
ao ver os ombros dele relaxar, indagou: — Por que veio aqui, Jason?
— Para ver você, é claro. — Sorriu com suavidade. — Valeu a pena, duquesa.
Embora se sentisse corar, ela retrucou:
— Não vou mais me tornar duquesa.
— Isso a entristece?
— Nem um pouco. — E era verdade. — Na verdade, tenho uma dívida de
gratidão para com você. Casar com o duque iria transformar minha vida num
inferno. Não sei como eu ainda não tinha me dado conta do tipo de pessoa que ele é.
— Avery é um homem de muitas caras. Não me surpreende que uma jovem
inocente como você tenha se deixado enganar por ele.
— Você fala como se o conhecesse muito bem.
— Pensei conhecê-lo... e vi que havia me enganado. Um equívoco que me
custou muito caro. Um erro que jamais tornarei a cometer.
— Se sabia que eu ainda estava noiva dele, por que se arriscou a vir aqui esta
noite? Como estava tão certo de que eu não iria armar um escândalo e contar a Avery
que você é o homem que me raptou?
— Eu não tinha certeza de nada. Apenas me senti um pouco mais seguro
porque lhe revelei a verdade sobre a situação financeira do duque e contava com que
sua gratidão a impedisse de... armar um escândalo. — Embora não soubesse disso,
deu aquele seu sorriso que a deixava completamente desarmada. — E também
imaginei que tivesse pensado em mim vez ou outra, como tenho pensado em você.
O coração de Velvet voltou a bater descompassado. Pensara nele, sim, infinitas
vezes, porém isso não fazia a menor diferença. Tinha de se casar por dinheiro.
Precisava de um marido que a salvasse, e a seu avô, da ruína. Por ironia, e por mais
que lhe custasse admitir, ela e Avery Sinclair trilhavam o mesmo caminho; no fundo,
não deviam ser assim tão diferentes um do outro.
— Preciso retornar ao salão.
— Quisera tanto não ter de fazê-lo...
— Tornarei a ver você?
— É pouco provável, Velvet. Não seria a atitude mais sensata a tomar. Aliás,

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

eu não deveria ter vindo vê-la esta noite.


— Fico contente com que você tenha vindo. — Afagou o rosto dele e, ao ver os
olhos azuis cintilar, por um instante teve a impressão de que Jason fosse beijá-la
novamente. Mas ele não o fez.
— Adeus, duquesa.
Velvet não o corrigiu. O tratamento tinha um quê afetuoso, e ele sempre a
fitava com carinho quando a chamava daquela maneira.
— Adeus, Jason. Cuide-se.
Após olhá-la nos olhos, ele deixou o terraço para ir se misturar às sombras em
que o jardim se achava mergulhado. Ao vê-lo desaparecer na noite, Velvet, teve a
sensação de estar subitamente vazia. Era sandice sentir-se tão atraída por um homem
que mal conhecia, no entanto seu peito se despedaçava por dentro e um doloroso nó
lhe apertava a garganta. Mas ainda que Jason sentisse algo além de mero desejo por
ela, de nada adiantaria. Viviam em mundos que jamais iriam se interligar. E não
havia nada que pudessem fazer para mudar essa situação.
Oh, Deus, como faria para esquecê-lo?
O baile parecia interminável. Por mais que continuasse sorrindo e falando
afetuosamente de Avery para os convidados dele, Velvet não deixava um instante
sequer de se indagar o verdadeiro motivo que levara Jason a Carlyle Hall. Ainda
assim, nenhuma das hipóteses que sugeria a si a satisfazia. Seu raptor era um
enigma, inescrutável como qualquer criatura bravia da floresta.
Ante os sinais de cansaço, ela foi procurar pelo avô. E, ao se inteirar de que o
conde já tinha ido se deitar, deixou os convidados aos cuidados do anfitrião para
perambular pelos suntuosos corredores da mansão, detendo-se num ou noutro salão
para admirar a rara grandiosidade do recinto. Na sala de armas, chamavam a
atenção os reluzentes conjuntos de armaduras, as espadas embainhadas, as lanças
apoiadas em elegantes suportes de madeira. Imensa, toda adornada com painéis de
madeira e ostentando a maior quantidade de livros que ela já vira num só lugar, a
biblioteca continha obras estupendas. Velvet não pôde deixar de sorrir ao pensar
que, caso tivesse se casado com o duque, ao menos teria onde passar momentos de
verdadeiro júbilo.
Um grande relógio de pêndulo soou as horas enquanto ela retornava ao salão
de baile. Mas a casa era tão grande que, ao se enganar na escolha de um caminho por
onde seguir, Velvet viu-se na Grande Galeria, um corredor abobadado com afrescos
no teto e dezenas de telas com moldura dourada nas paredes. Os quadros retravam
quatro, gerações de duques de Carlyle, seus ancestrais, suas esposas e filhos; todos
continham o nome gravado numa pequena placa de prata abaixo da obra.
— Com licença, minha dama. — O mordomo de rosto magro e cabelos
grisalhos se achegou. — Desculpe-me por incomodá-la, mas pensei que talvez

Projeto Revisoras 64
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

estivesse com dificuldade para encontrar o caminho de volta ao salão.


— É verdade, Cummings. Acho que perdi o senso de direção. — Sorriu para
ele. — Mas ainda que eu não pretendesse vir até aqui, estou gostando de admirar os
retratos.
Com um ar satisfeito, o criado se virou para indicar uma das telas.
— Este é o segundo duque, minha dama, avô de Sua Graça.
— E este imponente cavalheiro aqui? — Velvet mostrou o espadaúdo senhor
com cabelos mesclados de fios brancos num outro retrato; a iluminação tênue
dificultava a leitura do nome inscrito na placa.
— Era o pai do atual duque, minha dama.
— Engraçado, eles não são nada parecidos.
— Lorde Avery é o segundo filho do falecido duque de Carlyle. A primeira
esposa do antigo duque faleceu logo após o parto, e ele tornou a se casar pouco
tempo depois. Lorde Avery se parece com a mãe, a duquesa Clarice.
— Eu não sabia que Avery tinha um irmão mais velho.
— Tem, sim, minha dama. — O mordomo apontou um retrato de família mais
à esquerda, uma tela bem menos iluminada do que as demais. — Ali está. A senhora
sentada ao lado do duque é a segunda esposa dele, Clarice. O rapazinho loiro
sentado aos pés dos dois é Sua Graça, e o jovem de cabelos castanhos à direita é o
meio-irmão dele.
Ela se aproximou do quadro para melhor examinar os dois irmãos retratados
em plena adolescência. O semblante de ambos tinha uma certa dose de inocência, um
ar travesso combinado com a curiosidade impulsiva da juventude. As feições de
Avery pouco haviam se alterado: o loiro dos cabelos continuava o mesmo, assim
como o tom muito alvo da pele e a esbelteza da constituição física. Era o outro rapaz
quem tinha mudado e, apesar de tomar um candelabro da mesinha ao alcance de sua
mão para aproximá-lo da tela, Velvet já sabia muito bem de quem se tratava.
Pois não havia como não reconhecer aqueles penetrantes olhos azuis, os
contornos daquele queixo quadrado, os malares bem definidos, o desenho da boca
tão sensual. Ele estava diferente nos dias atuais: mais sólido, robusto, mais forte.
Mais vigoroso. Um guerreiro emergido do físico de um rapazola. Um homem que
tomara o lugar de um jovenzinho.
— Como... — evitou pensar no quanto o candelabro tremia em sua mão —
como ele se chama?
— O pai deu-lhe o nome de Jason, minha dama. Em homenagem ao primeiro
duque de Carlyle.
O coração dela deu um salto.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Um bom menino, o jovem Jason. O que diziam dele não era verdade. — A
emoção embargava a voz de Cummings.— Ninguém me fará acreditar naquilo.
Jamais.
— O que aconteceu? — indagou ela num balbucio. O velho criado meneou a
cabeça.
— Perdão, minha dama; eu não devia ter dito o que disse. Sua Graça não iria
gostar de saber, nem eu tenho gosto de falar desse assunto.
Numa reação instintiva, Velvet agarrou-o pelo braço. Mas, ao se dar conta do
que fazia, desculpou-se e, largando o braço dele com delicadeza, devolveu o castiçal
à mesinha.
— Desculpe-me, mas preciso saber o que houve com Jason. Prometo que
jamais comentarei com quem quer que seja ou... Por favor, Cummings.
Atento à palidez das faces e à tensão na voz dela, o velho criado aquiesceu.
— Apesar de já fazer oito anos, minha dama, tenho a sensação de que tudo
ocorreu na noite passada. — Respirou fundo. — Eles discutiram, o pai e o jovem
Jason... que tinha acabado de fazer vinte e um anos.
— Qual foi o motivo da briga?
— Lady Brookhurst, suponho.
— Lady Brookhurst? — Sentiu um frio no estômago ao pensar que conhecera
a bela condessa naquela mesma noite. Trajada como Cleópatra numa ousada fantasia
de seda vermelha e tule prateado, com os cabelos até as ancas soltos, a dama
concentrara a atenção de todos os homens presentes ao baile. Devia ter trinta e
poucos anos, idade que não se refletia nem na pele nem na silhueta.
— Sim, certamente os dois se desentenderam por causa da condessa. Foi o que
os criados disseram, e todos sabiam que o jovem Jason havia se envolvido com ela e
que o velho duque não aprovava esse relacionamento.
Velvet não sabia o que dizer.
— Seja como for, o rapaz deixou a mansão como um furacão e, pouco depois,
o pai foi atrás dele. — Cummings limpou a garganta. — Na verdade, o velho duque
seguiu o filho até a hospedaria onde o rapaz se encontrava com a condessa... E foi lá
que tudo aconteceu.
— Tudo o quê?
— Os dois voltaram a discutir. Sua Graça levou um tiro e veio a falecer. E
disseram que o jovem Jason foi o responsável por essa tragédia.
Sentindo o ar lhe faltar, ela inspirou e expirou profundamente. E, com as
pernas subitamente lassas, buscou apoio na mesinha ao seu lado.
— Não foi ele, minha dama. Não foi. Ele amava o pai, jamais iria fazer mal

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

algum ao velho duque.


— O que... o que houve com Jason? — Não queria saber. Mas precisava.
— Foi preso, atirado na Prisão de Newgate. Lorde Avery, que foi no encalço
do pai quando o velho duque deixou Carlyle Hall, disse que tentou impedir o... Lady
Brookhurst também testemunhou contra o jovem Jason. A única pessoa que ficou do
lado dele durante o julgamento foi lorde Litchfield; os dois eram amigos desde
crianças.
— Litchfield? — De pronto, lembrou-se do cavalheiro que fora procurá-lo no
chalé da floresta.
— Sim, mas não adiantou. Condenaram-no à morte, mas, graças à vontade de
Deus, o enforcamento não se realizou. Na primeira noite que ele passou na prisão,
ladrões o atacaram e o mataram. Newgate realmente deve ser um lugar pavoroso...
— O criado fez um ar enojado. — Tiraram a vida do pobre rapaz por causa de umas
moedas e das roupas que ele vestia, minha dama. Retalharam o rosto dele com uma
lâmina ou qualquer coisa assim.
Atordoada, Velvet ergueu o olhar ao retrato de família. Não, não havia se
enganado. Aquele era o rosto do homem que a seqüestrara, do homem que a
poupara de se casar com o duque falido... e insensível. Do homem que a beijara
naquela mesma noite no terraço da mansão. Um rosto que jamais iria esquecer.
— Obrigada, Cummings. — Tentava dar um pouco de firmeza à voz. —
Agora, se não for incômodo, será que poderia me levar até a escadaria? Eu gostaria
de ir me deitar.
— Certamente, minha dama. — Sem mais, ele a conduziu até o pé da
imponente escada de mármore que levava ao segundo piso da mansão.

Tabitha a esperava nos aposentos que Avery havia lhe destinado, porém ela
pouco falou: apenas deixou que a aia a ajudasse a trocar a fantasia pela roupa de
dormir e murmurou um boa-noite antes de se acomodar na espaçosa cama de quatro
colunas com dossel e, tão logo a porta do quarto se fechou, afundou-se no colchão de
penas. Deus do céu, não apenas Jason, como o conhecia, mas Jason Sinclair... que
deveria ter vindo a ser o quarto duque de Carlyle. Não um salteador, e sim um
assassino.
Mordeu o lábio na tentativa de fazê-lo parar de tremer. Tinha os pensamentos
em tamanha agitação que mal conseguia ordená-los. Onde ele teria se escondido em
todos aqueles anos? E por que decidira reaparecer justamente agora? Bastaria um
deslize, uma pessoa que o reconhecesse como o filho mais velho do finado duque,
para que fosse mandado de volta à prisão. Por que estaria se arriscando tanto?
Ainda que tentasse fixar o olhar no cortinado cor de âmbar ao redor da cama
ou nas borlas anacaradas que pendiam da barra do tecido, só o, que via à sua frente

Projeto Revisoras 67
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

era o rosto dele. Jason Sinclair. O duque de Carlyle. O que ele teria ido fazer ali
naquela noite? Teria realmente tirado a vida do próprio pai?
Velvet fechou os olhos. Mas não conseguiu dormir.

Jason subia os degraus que o levariam aos seus aposentos na torre norte do
Castelo Running, isolados da estrutura principal da moradia, um espaço em que ele
podia ir e vir à vontade sem trombar com um enxame de criados. Gostava de lá,
daquelas dependências mais simples do velho castelo, onde pesadas tapeçarias
flamengas, com motivos que reproduziam cenas de caçadas medievais, pendiam das
espessas paredes de pedras, e um escudo normando, ao lado de uma lança e duas
espadas cruzadas, ornamentavam o corredor. De carvalho maciço, a cama em que
dormia era tão ampla quanto confortável e se destacava no ambiente com piso de
madeira coberto por tapetes de pele.
Ao entrar no aposento e ver as labaredas a crepitar na lareira, um cuidado
certamente providenciado pelo devotado camareiro que Lucien havia lhe cedido, ele
sorriu para si; era bom sentir o calor que vinha da fornalha e se espalhava pelo
recinto, afugentando o frio que parecia fazer parte daquela ala da torre. Suspirando
de satisfação, tirou o manto dos ombros para em seguida jogá-lo sobre o banco de
madeira ao pé da cama, e só ao se virar foi que se deu conta de que não estava
sozinho.
— Pensei em ficar um pouco mais na pavorosa festa de Avery, mas, quando o
vi retornar são e salvo do seu pequeno passeio pelo gabinete dele, resolvi vir embora.
— O marquês se pôs em pé. — Calculei que a fantasia iria lhe dar a cobertura de que
você necessitava e, pelo visto, não me enganei.
— Tive um só pequeno contratempo, que no entanto se mostrou mais
prazeroso do que inoportuno.
— Sei. Creio ter visto esse contratempozinho dançando com Whitmore. —
Lucien ergueu uma sobrancelha. — Espero que tenha livrado a jovem dama das
garras daquele velho devasso antes que o cretino perdesse de vez o bom-senso.
— Ela ficou bastante contente em me ver, sabia?
— Eu já contava com isso. — E, ao ver Jason tirar do bolso um punhado de
folhas de papel dobradas, indagou: — Do gabinete de Avery?
— Exatamente. Como eu lhe disse, sei onde fica o cofre e como abri-lo. Só não
sabia o que iria encontrar, mas a verdade é que me saí bastante bem. — Desdobrando
os papéis, alisou-os sobre a rústica mesa de carvalho. — Este documento tem a data
de três dias após o assassinato de meu pai. É um contrato entre o duque de Carlyle e
a condessa de Brookhurst, no qual Avery se compromete a entregar a ela a vultosa
quantia de duzentas mil libras e mais uma pensão anual vitalícia. Recursos
suficientes para garantir à condessa uma vida de luxo e fartura pelo resto da vida.

Projeto Revisoras 68
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Deixe-me ver. — Litchfield se curvou para examinar o documento à luz


bruxuleante do castiçal. — Santo Deus, Avery ficaria roxo se soubesse que você pôs
as mãos nisso!
— Não é o bastante para revogar a sentença a que fui condenado, porém é um
começo. A primeira prova concreta que temos de que Avery e Célia possam estar
mancomunados.
— Melhor ainda: esse acordo não só vincula um ao outro como talvez possa
obrigá-la a admitir que mentiu. E a revelar tudo o que sabe sobre aquela noite.
— Célia não iria se entregar tão facilmente, por isso precisamos ser cautelosos.
Não podemos alertá-los para o que estamos tentando fazer até termos certeza de que
ela se disporá a revelar a verdade. De mais a mais, se suspeitar por um instante de
que ainda estou vivo, a condessa correrá a contar a novidade a Avery, e ele fará o que
for preciso para tentar me deter.
Pensativo, o marquês franziu a testa por alguns instantes. Entretanto, seu
semblante não demorou a se desanuviar.
— Seja como for, é um começo, como você mesmo disse.
— É, sim. É a primeira esperança promissora a que posso me agarrar.
— Você fez um bom trabalho. — Após bater de leve no ombro dele, Lucien se
encaminhou para a porta.
— Agora trate de descansar.
Ao ver o amigo deixar o aposento, Jason, voltando o olhar ao documento
sobre a escrivaninha, pensou no perigo a que tinha se exposto indo até Carlyle Hall.
E então sorriu ao lembrar o encontro com lady Velvet, a sensação de tê-la nos braços,
o aroma de jasmim nos cabelos dela, os lábios tenros se abrindo sob os seus, os seios
fartos de encontro ao seu peito... e uma forte excitação fez seu corpo se avivar antes
que o desejo pulsasse entre suas virilhas.
Precisava descansar, sim, mas o mais provável era que passasse o restante da
noite na agonia da sofreguidão, revivendo os abrasadores momentos que passara
com Velvet Moran.

Após boa parte da madrugada se revirando na cama, Velvet acordou


entorpecida e mal-humorada.
— Mas Sua Graça quer que você vá fazer companhia a ele e aos convidados
que pernoitaram aqui — explicou-se Tabitha, que só faltara sacudi-la para que ela
despertasse.
— Está bem, está bem, — No fundo, era bom que Avery prosseguisse com a
farsa; o disse que disse tinha dado lugar a palavras de encorajamento com o
propósito de consolá-la pela provação por que havia passado. Jogando a longa trança

Projeto Revisoras 69
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

sobre um dos ombros, sentou-se e lançou as pernas para fora da cama.


— Vou usar o traje de tafetá com listras amarelas, Tabitha. Enquanto se
arrumava, Velvet não conseguiu evitar que seus pensamentos retornassem ao
assunto que tinha em mente ao adormecer: Jason Sinclair. Seria possível que ele fosse
um assassino? Ou que a acusação tivesse se baseado num mal-entendido? Jason era
mesmo culpado? Ou seria inocente?
Ao terminar de se vestir, sentou-se ao toucador para que Tabitha a penteasse.
E, no espaço de tempo em que a aia prendeu seus cabelos no alto da cabeça,
deixando algumas mechas soltas sobre os ombros, tentou se convencer de que Jason
Sinclair era bem capaz de ter matado o próprio pai, porém algo em seu peito se
recusava a acreditar nessa possibilidade. Em pensamentos, repassou os dias que
haviam passado juntos no chalé da floresta para examinar os momentos mais tensos,
mais serenos, mais banais e mais extraordinários daquela breve convivência.
Lembrou também o respeito e a admiração com que Jason havia falado do pai no
estábulo, quando segurava o cãozinho de poucos dias, e a certeza com que
Cummings afirmara que ele jamais seria capaz de fazer mal ao velho duque. E tudo
isso a fez concluir que...
Ele é inocente. De imediato, uma voz lhe soprou no ouvido que tal conclusão
era fruto do seu desejo, era o que ela queria que fosse verdade. Ainda assim, sua
convicção não se abalou. Não, Jason Sinclair não era o tipo de pessoa capaz de
atentar contra a vida de alguém que amasse.
Talvez fosse esse o motivo que o fizera deixar o lugar onde se escondia... Sim,
era bem possível que, após todos aqueles anos, ele pretendesse provar sua inocência.
E, se isso fosse verdade, se Jason realmente queria limpar seu nome depois de
esperar tanto tempo, devia ser porque havia encontrado alguém que o ajudasse, uma
pessoa em quem podia confiar... Alguém como o amigo a quem conhecia desde a
infância, o marquês de Litchfield.
Claro! Litchfield acreditava na inocência do amigo, tanto que havia
testemunhado a favor dele no julgamento. O cavalheiro que fora procurá-lo no chalé
era alto e moreno... Não podia ser outro senão Lucien Montaine. E se um homem
como o marquês, um cidadão de posses, respeitado e admirado por toda a alta
sociedade, estava disposto a auxiliar Jason, era evidente que ele não havia matado o
próprio pai.
Mas não só isso: Litchfield obviamente sabia onde e como encontrá-lo.
— Mudei de idéia, Tabitha! Ajude-me a trocar de roupa. — Erguendo-se de
um pulo, Velvet correu até o guarda-roupa e abriu as portas guarnecidas com
espelhos para de lá tirar um vestido de viagem marrom e uma pelerine da mesma
cor.
A aia se admirou.

Projeto Revisoras 70
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— Aonde vai? Pensei que fosse passar a manhã na companhia do duque.


— Já disse que mudei de idéia. Tenho um assunto para resolver e preciso de
um traje mais simples, mais prático. Ajude-me a vestir isso, depois vá se trocar. E dê
uma desculpa ao duque enquanto mando chamar a carruagem, por favor.
Farta de saber que seria inútil discutir, Tabitha tratou de se apressar.

Lucien entrou no salão Vermelho e fechou as portas. Às costas dele, sentada


num sofá de damasco carmim, Velvet Moran aprumou os ombros e, pondo-se em pé,
aproximou-se do dono da casa.
— Perdoe-me por vir sem ter sido convidada, meu lorde, mas é que tenho um
assunto urgente e de suma importância de que tratar.
Com uma sobrancelha arqueada, o marquês tomou a mão dela e se curvou de
leve.
— Não há por que se desculpar, minha dama. É sempre um prazer receber a
visita de uma bela mulher. — Ignorando o rubor que tingia o rosto de Velvet, indicou
uma poltrona antes de se encaminhar ao aparador junto à parede. — Aceita um cálice
de xerez?
— Sim, obrigada.
Lucien serviu a bebida em duas taças de cristal e, passando um dos delicados
recipientes de cristal às mãos de Velvet, sentou-se na poltrona em frente à que ela
havia se acomodado.
— Muito bem, lady Velvet, que assunto urgente é esse que a traz à minha
casa?
— Jason Sinclair.
Por pouco ele não engasgou.
— Perdão; o que foi que disse?
— Você me ouviu perfeitamente bem, meu lorde. Quero falar sobre seu amigo,
Jason Sinclair, o verdadeiro e legítimo quarto duque de Carlyle.
— Meu amigo foi assassinado na Prisão de Newgate, lady Velvet. Uma morte
extremamente dolorosa, se me permite observar. E um assunto sobre o qual rara-
mente costumo falar.
Observando-o tão atentamente quanto o marquês a observava, ela retrucou:
— Mas você era amigo dele?
— Sim.
— E tem como certo que ele matou o pai?

Projeto Revisoras 71
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— O que penso não faz diferença, tendo em vista que...


— Você acha que ele era culpado?
— Não.
— Eu também não, meu lorde. — Projetou o tronco para a frente. — Acredito
na inocência dele, assim como você.
— É um consolo saber, minha dama, porém não vejo qual o propósito de...
— Se estivesse vivo, Jason ainda poderia contar com a sua amizade, não é
mesmo, meu lorde?
Mesmo percebendo que ela o encostava contra a parede, Lucien não
conseguiu encontrar uma forma de escapar ao cerco.
— Sim, é claro.
— E nós dois sabemos que Jason está vivo, não é verdade?
Pronto. Era de fato o que ele havia imaginado.
— Por que veio me procurar, lady Velvet? Ela nem pestanejou.
— Quero vê-lo, e acho que você pode providenciar esse encontro. É por isso
que estou aqui.
— Seria perigoso... para vocês dois. — Era impossível não reparar nas
centelhas que iluminavam o olhar dela. — Por que deseja vê-lo?
— No momento, creio que basta dizer que eu gostaria de me encontrar com
Jason amanhã. Ah, e diga-lhe que, se ele não aparecer, tornarei público o que sei.
— Não acredito que você seria capaz, minha dama.
— Mas não tem certeza disso, portanto não pode correr esse risco.
Os lábios do marquês se curvaram num discreto sorriso. Coragem e
inteligência eram qualidades fascinantes numa mulher. Não era de admirar que seu
amigo estivesse tão empolgado com ela.
— Jason não gosta de ser chantageado, lady Velvet.
— Esse é um problema que eu terei de resolver. Quanto a você, por que não
sugere um local apropriado para o encontro?
Lucien pensou por um instante antes de afirmar:
— Há uma dama que mora nos arrabaldes do vilarejo, uma viúva que conheço
já faz algum tempo. No momento ela está viajando; foi visitar a família na
Nortúmbria. — Quase chegou a sorrir. — Tenho a chave da casa... e estou certo de
que minha amiga não irá se importar se vocês usarem a residência dela para
conversar.
— Perfeito. — Fez o que pôde para demonstrar uma segurança que estava

Projeto Revisoras 72
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

longe de sentir. — E, por favor, não se esqueça de dizer à sua... amiga, quando ela
regressar, que sou muito agradecida.
— Lembrarei. E você tenha em mente que Jason não irá lhe agradecer por
intervir em seus assuntos.
— Também não gosto que interfiram nos meus assuntos, no entanto hoje sou
muito grata a Jason pelo rompimento do meu compromisso com Avery Sinclair.
Quem sabe ele também não acaba me agradecendo?
Lucien levantou-se.
— Duas horas é um bom horário, minha dama?
— Excelente. — Ela também se ergueu. — Obrigada pelo auxílio, meu lorde.
Ela se foi, e o marquês deixou que o sorriso largo que vinha reprimindo lhe
aflorasse aos lábios. Jason havia encontrado o par perfeito. Fossem outras as
circunstâncias, até seria muito divertido assistir ao duelo de vontades dos dois; na
atual conjuntura, porém, a ingerência de Velvet só faria agravar o perigo que Jason
corria.

— Pelo sangue de Cristo! Está me dizendo que ela veio até sua casa, afirmou
que sabia que sou Jason Sinclair e exigiu falar comigo ou então iria me entregar às
autoridades? — Zanzando de lá para cá na antessala de seus aposentos na torre,
Jason fazia de tudo para não explodir.
— Mais ou menos isso — confirmou Litchfield com um sorriso.
— Pois ela que esqueça! Não vou fazer a vontade de uma atrevidazinha sem
um pingo de juízo! — Fez que fosse dar um murro na cornija da lareira, mas então se
deteve. — Como raios ela foi descobrir?
— Não faço a mínima idéia.
— Ela é esperta como uma raposa. Eu devia ter suspeitado, devia ter
percebido que Velvet não iria se dar por satisfeita sem uma boa explicação para o
que...
— Você vai ter de ir até lá. Não sabemos o que ela é capaz de fazer, caso você
não apareça.
— E eu não sei do que sou capaz de fazer a ela se for encontrá-la.
O marquês deu uma risadinha.
— Lady Velvet é uma pessoa difícil. Bonita e impetuosa. Qualquer homem
daria tudo para tê-la nas mãos.
— Qualquer homem daria tudo para tê-la na cama — rosnou Jason.
— Realmente. — E, ao ver o amigo trincar os dentes, emendou: — Calma, meu

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

amigo; ela é toda sua. Estou contente com minha atual amante e os encontros furtivos
com a viúva Carter quando estou por aqui.
Detendo-se ao lado de uma poltrona, Jason olhou pela janela.
— Esse encontro pode vir a ser proveitoso — prosseguiu Lucien. — O que será
que ela pretende?
— Só Deus para saber.
— Deus e você, Jason, após as duas horas da tarde de amanhã.
Ele não respondeu, apenas continuou a contemplar as colinas sinuosas entre o
castelo e o vilarejo. Estava zangado... furioso. Ainda assim, não tinha como negar que
um lado seu ansiava loucamente por aquele encontro.

Num traje de montaria em veludo cor de rubi, ela atiçou o fogo que acendera
na lareira da casa de pedras da viúva nas cercanias de Hammington Heath. Bem
maior do que ela havia imaginado, a habitação caiada de branco tinha telhado de
ardósia e toda a parte dianteira recoberta de hera. A chave do marquês lhe
possibilitara entrar numa sala muito limpa, com piso de pedras arredondas e teto
sustentado por grandes vigas de madeira, onde a alegre estampa floral do sofá e das
poltronas num canto próximo à lareira conferia um ar extremamente aconchegante
ao ambiente.
Esticando as mãos em direção às chamas na fornalha, Velvet apurou os
ouvidos na expectativa de ouvir os passos lá fora. Eram quase duas e meia. Jason te-
ria se dado conta de que ela havia blefado e resolvera não aparecer? Estaria assim tão
seguro de que ela não iria desmascará-lo?
Profundamente irritada, Velvet foi espiar pela vidraça da janela.
— Procurando por mim, duquesa?
Ela girou sobre os calcanhares como um pião. Com calças de couro de búfalo
próprias para montar, camisa de mangas longas de linho branco e um dos ombros
displicentemente apoiado numa das laterais da moldura da lareira, Jason a fitava
com um ar impenetrável.
— Por Deus, por pouco você não me mata de susto! Como foi que entrou
aqui?
— Não foi nada difícil. E você já devia saber que sou um homem de muitas
aptidões.
Velvet então o viu aproximar-se com os punhos cerrados e chispas nos olhos.
— Sei que está zangado... E acho que tem todo o direito de estar, mas eu tinha
de vê-lo.
— Por quê?

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Sei quem você é.


— Você me ameaçou, Velvet. — Aproximou-se outro passo. — E eu não gosto
de ser ameaçado.
— Ora, também não gosto que me raptem — ergueu o queixo —, mas isso não
o impediu de me carregar para aquele chalé!
— Não tive escolha. — Tirando a jaqueta de montaria, jogou-a sobre o
espaldar de uma poltrona.
— Você realmente acreditou que eu iria denunciá-lo às autoridades?
— Como eu poderia saber com certeza que não? Nunca pensei que Célia
Rollins fosse colaborar para que tentassem me enforcar, no entanto ela o fez com
muita satisfação.
Velvet pousou a mão no braço dele.
— Lady Brookhurst o atraiçoou, mas eu não farei isso. Não acredito que você
tenha matado seu pai, acredito, sim, que você o amava. E quero ajudá-lo a provar sua
inocência — deu um passo atrás e fez uma discreta mesura — Vossa Graça.
Após um longo silêncio, Jason segurou-lhe a mão e, entrelaçando os dedos aos
dela, tomou-a nos braços.
— Ah, duquesa... Faz tanto tempo que ninguém me trata dessa maneira.
Abraçando-o, Velvet colou o rosto no dele.
— Quero ajudar você. É por isso que estou aqui. Quero que me conte o que
aconteceu, assim poderei buscar uma forma de ajudá-lo.
— Agradeço seu interesse, mas não há nada que você possa fazer, e envolver-
se com meus problemas só irá lhe trazer transtornos. Talvez até seja perigoso.
Ela se afastou um tantinho, o bastante para fitá-lo nos olhos.
— Quero saber o que houve, Jason. E você vai me contar, não vai?
Passaram-se longos instantes, avultados pelo eco do tique-taque do relógio
pela sala. Com um suspiro desgostoso, Jason tomou-a pela mão e, conduzindo-a até o
sofá, esperou-a acomodar-se e se sentou ao lado dela.
— Ainda é muito penoso para mim falar desse assunto. Fui tão ingênuo... Mas,
pensando bem, como iria suspeitar que... — Meneou a cabeça num gesto de-
salentado. — Eles tinham tudo planejado, Avery e a condessa. Os dois...
— Avery?! Foi ele quem matou seu pai?
— Foi.
— Meu Deus... Pensei que ele se deixara enganar, que alguém o tivesse
convencido de que você era o responsável pelo crime.

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— O que houve é muito simples: Célia queria dinheiro, Avery queria o poder
sobre o ducado; assim, ambos resolveram se livrar do meu pai e de mim... Talvez não
ao mesmo tempo, mas então a oportunidade surgiu, as circunstâncias não podiam
ser melhores, e eles cuidaram de colocar o plano em ação. Naquela noite, quando
meu pai deixou Carlyle Hall para ir atrás de mim na hospedaria, Avery deu-se conta
de que estava com a faca e o queijo na mão. E eu facilitei tudo para aqueles dois... —
Riu com amargura. — Eu estava enamorado de Célia, não fui capaz de ver o perigo.
Ao sentir um aperto no peito, Velvet viu-se obrigada a admitir para si que lhe
doía imaginar Jason apaixonado pela bonita condessa.
— Eu soube que você foi levado para a prisão. Como conseguiu escapar?
— Na primeira noite que passei lá, um grupo de detentos me atacou; eles
queriam minhas roupas e meus sapatos, que, em Newgate, valem uma pequena
fortuna. Por conta disso, fui surrado até quase perder os sentidos e, praticamente nu,
acabei vestindo os trapos que eles deixaram na cela após me espancarem. Um deles,
o mais encorpado, que havia ficado com quase tudo o que eu tinha, foi morto
naquela mesma noite. O coitado teve o rosto todo retalhado a faca e, quando os
guardas o encontraram, deduziram que fosse eu, uma vez que ele tinha o mesmo
tipo físico, a mesma cor de cabelos... — Deixou os ombros cair. — Cheguei a pensar
que Avery estivesse por trás de tudo isso, já que Lucien estava tentando impedir o
enforcamento; por outro lado, esse tipo de coisa é muito comum em lugares como
aquele.
— Oh, Jason...
— Na manhã seguinte, quando vieram procurar Hawkins, o prisioneiro que
havia morrido, tomei o lugar dele. E fui levado para as colônias, para trabalhar como
um escravo sob o sol escaldante, em lugares infestados de mosquitos, por quatro
longos anos antes de conseguir fugir. Só o que me manteve vivo foi o juramento que
fiz a mim mesmo de voltar para cá. — Ao ver que ela tinha os olhos úmidos,
segurou-lhe o queixo. — Já passou; o que houve ficou lá atrás. Mas, como eu lhe
disse, não há nada que você possa fazer.
— Não esteja tão certo disso. Ainda vou ficar mais um dia em Carlyle Hall,
tempo suficiente para fazer algumas perguntas, algumas averiguações... Descobri
quem você realmente é, talvez consiga desentranhar algo que possa nos ser útil.
— O mais provável é que sua curiosidade acabe despertando suspeitas em
Avery.
— É claro que serei cuidadosa. — Segurou na mão dele. — Deixe-me tentar,
Jason. Quanto mais tempo você levar para encontrar provas de que é inocente,
maiores são as probabilidades de vir a ser descoberto.
— Não. Não quero que você se machuque.
— Você realmente acha — ergueu o queixo — que pode me deter?

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Sua... Você é a pessoas mais teimosa, mais voluntariosa que já conheci!


— Vou ajudá-lo, Vossa Graça, quer você queira, quer não.
— Eu devia lhe dar umas palmadas... Mas a verdade é que prefiro beijá-la. —
Após puxá-la para si, capturou os lábios dela num fervoroso beijo, instigando-os a se
abrir à impaciência da sua língua.
Velvet entregou-se ao ardor que tomava conta do seu corpo, à deliciosa
percepção de estar entre os braços dele, ao ímpeto da língua que se enroscava na sua.
E, toda arrepiada, engoliu um suspiro quando sentiu uma mão larga e imperiosa
abarcar seu seio, amoldando-se à carne tenra, fazendo seu mamilo se enrijecer. Uma
onda de calor percorreu-a de cima a baixo antes de aflorar à sua pele, uma sensação
única, candente, que a nada no mundo se comparava. Os dedos enérgicos que lhe
acariciavam o seio foram brigar com os botões de metal do bolero que ela usava e,
depois de tirá-los das casas, enfiaram-se dentro do traje à procura do mamilo
intumescido pela paixão.
— Jason... — Mas a boca que lhe beijava o pescoço retornou aos seus lábios e
calou seu protesto, e as mãos deles prosseguiram as carícias.
Tão logo a despiu do casaquinho, Jason desfez o laço no decote rendado da
blusa bege para empurrá-la, junto com as alças da roupa branca, pelos ombros de
Velvet. E, ao vê-la nua até a cintura, deixou que seu olhar deslizasse pelas curvas
benfeitas por alguns instantes, como a devorá-las.
— Linda... Você é mesmo linda. — Baixando a cabeça, tomou um mamilo
todo eriçado na boca.
— Oh, meu bom Deus!... — Instada por uma ânsia que parecia consumir seu
âmago, projetou o torso para trás como a suplicar por mais e, cravando os dedos nos
ombros dele, gemeu baixinho ao senti-lo mordiscar o bico rijo antes de afagá-lo com
a língua. Um instante depois, porém, ouviu Jason respirar fundo.
— Temos de parar com isso, duquesa. Caso contrário, não sei do que serei
capaz.
Mas Velvet não queria que ele parasse. Estava apaixonada por Jason Sinclair.
Tentara negar essa paixão, no entanto bastara-lhe revê-lo, bastara-lhe senti-lo assim
tão próximo para saber que não tinha outra opção que não admitir a verdade.
— Faça amor comigo, Jason. — Tirou a fita negra que prendia os cabelos dele
para enredar os dedos entre as espessas mechas castanhas e fazê-lo erguer-se. — Por
favor.
Ele gemeu e, mesmo sem deixar de acarinhar o seio que palpitava junto à sua
palma, tentou dissuadi-la: — Quero você, Velvet. Não me lembro de ter desejado
outra mulher tanto assim, mas não posso... Não podemos...
— Por favor...

Projeto Revisoras 77
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Jason voltou a beijá-la, ardente e ao mesmo tempo ternamente. Titubeante,


Velvet abriu a camisa dele para deslizar a mão pelo tórax largo... e, ao sentir um feixe
de músculos estremecer sob sua palma, teve certeza de que o tinha convencido.
Com mãos agora ligeiramente trêmulas, Jason despiu-lhe a blusa, a saia e as
peças brancas, depois se abaixou para lhe descalçar as meias e as botinas próprias
para montar. Tirou a camisa e as botas, ficando somente com as calças, inchadas à
altura da braguilha pelo proeminente volume do seu sexo túrgido.
Enquanto o observava pelo canto dos olhos, Velvet admirou-se ao se dar conta
de que não sentia um pingo de receio. E, quando ele a conduziu até o sofá e a fez
deitar-se sobre o assento estofado antes de voltar a lhe afagar os seios, percebeu que
sentia, isso sim, um vivido contentamento, uma expectativa prazerosa que se
mesclava voluptuosamente à desorientadora excitação que se avolumava sem parar
em suas entranhas. Era um sentimento tão novo, tão intenso...
Enquanto voltava a beijá-la, Jason levou a mão ao acetinado manto acobreado
no vértice entre as pernas dela, enroscando os dedos nos pelos que o desejo se
encarregara de umedecer. E, ao percebê-la já preparada para recebê-lo, penetrou-a
com um dedo.
— Deus, como é bom tocar você.
Com a impressão de ter espirais de fogo a devorá-la por dentro, Velvet
arqueou o corpo ao encontro da mão dele ao senti-lo mover a língua em sua boca no
mesmo ritmo sensual que imprimia ao dedo mergulhado em seus refolhos de
mulher. Naquele instante, teve certeza de que o queria, de que o desejava fossem
quais fossem as conseqüências.
— Jason... Oh, Jason...
Ele se deteve. E, arfante e com o corpo todo rijo, fitou-a nos olhos.
— Não podemos continuar com isso, Velvet. Não vou me casar com você.
Mesmo que não estivesse ameaçado pela sombra do cadafalso, não me casarei com
você. Não posso. Por isso, faça com que eu pare... antes que seja tarde demais.
— Você... você já é casado?
— Não.
Ela hesitou por um instante. Porém não mais do que um instante.
— Então faça amor comigo. É o que nós dois queremos.
— Há coisas que você não sabe, Velvet, coisas que eu não posso explicar. Você
vai se arrepender, por isso faça com que eu pare agora, enquanto me resta um pouco
de sanidade para lhe dar ouvidos.
— Quero que você faça amor comigo, Jason.
— Você não sabe a espécie de homem que sou ou as atitudes que tomei ou...

Projeto Revisoras 78
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Pouco me importa! Ele a fitou nos olhos.


— É bem provável que você se arrependa disto, duquesa. Mas, posso lhe
garantir, eu não me arrependerei. — Apossando-se dos lábios dela num beijo fogoso,
massageou-lhe um dos seios até fazê-la gemer, depois voltou a lhe afagar o sexo em
brasa. — Quente e úmida... Você está pronta para mim. Não vou machucá-la,
acredite em mim.
— Sim... Sim, Jason...
Jason se afastou um instante para despir as calças, então foi se colocar entre as
pernas trêmulas dela. E, enquanto a beijava, tornou a acariciá-la com voluptuosa
intimidade antes de penetrar fundo na essência da feminilidade à espera de senti-lo
em toda a sua plenitude viril.
Com um grito abafado, Velvet cerrou os dentes, mas a dor se foi tão
vivamente como viera.
— Perdoe-me; juro que não queria machucá-la. — Apoiado nos cotovelos, com
todos os músculos tensos, ele se esforçava para manter-se imóvel. — Você está bem?
— Foi só uma pontada. — Sorriu, hesitante. — Mas agora me sinto
estranhamente... plena.
— E vai sentir muito mais, querida. Prometo. — Começou a se mover,
erguendo o quadril até quase se separar dela, para em seguida mergulhar novamente
nas profundezas que antes o tinham acolhido com surpreendente naturalidade.
Outra vez... e mais outra...
Com a impressão de que conseguia sentir cada pedacinho dele, Velvet tentou
relaxar o ventre e as pernas para recebê-lo ainda mais profundamente. E, agarrando-
o pelos ombros úmidos de suor, abandonou-se à doce e pungente voragem que, a
partir do âmago de sua pélvis, espraiava-se por todo o seu corpo em sucessivas
torrentes de desorientadora paixão. Ele ia... e vinha... Ia... e vinha... mais rápido...
mais forte... mais fundo... Até conduzi-la à beirada de um despenhadeiro tomado por
estrelas cintilantes.
— Jason! — Seu corpo se enrijeceu, estremeceu e dilacerou-se em mais de mil
pedaços.
Uma emoção inominável apossou-se dela, uma mescla de alumbra-mento e
prazerosa frouxidão, que a envolvia como um abraço. Agarrou-se a Jason, chamou-o
num sopro de voz, e a emoção a engoliu, provocando-lhe uma sensação que era ao
mesmo tempo doce e visceral. O corpo dele se entesou em cima do seu, a virilidade
latejante que a preenchia se contraiu, e um gemido gutural se perdeu pela sala.
Pelo longo e terno tempo em que o sentiu a estreitá-la nos braços, Velvet
repetiu para si um sem-número de vezes que jamais experimentara algo tão intenso,
que jamais sonhara com aquela sensação de completude. Acontecesse o que
acontecesse, iria guardar na alma aquele momento, aquela sublime dádiva da paixão,

Projeto Revisoras 79
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

pelo resto dos seus dias.


E então Jason se afastou.
— Está ficando tarde. É melhor você se vestir.
Deus meu... O leve tom de brusquidão na voz dele pegou-a de surpresa.
Atarantada, pensou em afagar o rosto subitamente sério, porém se conteve.
— Você... você não gostou?
— Se gostei? Dizer que gostei seria muito pouco, duquesa. Eu lhe disse que
não iria me arrepender. — Apanhando as calças do chão, pôs-se a vesti-las.
— Não vou pedir desculpas pelo que aconteceu, sé é isso o que está
esperando. Você foi avisada.
— Eu não queria um pedido de desculpas. — De repente, sentiu-se
incomodada com a sua nudez. — Foi a primeira vez na vida que fiz... Eu não sabia
como... quer dizer, não sei se...
— Você foi perfeita, minha dama. — Colocou a camisa, depois friccionou o
dorso da mão como se a cicatriz ali gravada ardesse. — Foi a melhor cavalgada que
tive em anos.
Ao sentir os olhos marejar, Velvet deu-lhe as costas e, tomando a chemise de
cambraia branca, vestiu-a pela cabeça enquanto fazia de tudo para não chorar. O
esforço foi inútil, e um soluço escapou de seus lábios sem cor. Ainda mais
envergonhada, enfiou os braços na blusa e cuidou de abotoá-la.
— Velvet... Perdão, eu não queria...
— A culpa foi minha, Vossa Graça. Eu devia tê-lo detido e não o fiz. É natural
que um homem não tenha consideração por uma mulher como eu.
Segurando-a pelos ombros, Jason obrigou-a a levantar-se e encará-lo.
— Jamais repita isso. Nem se atreva a pensar uma coisa dessas. O único
culpado aqui sou eu, que tirei sua pureza sem me importar com o preço que você iria
pagar por isso, que estava louco de vontade de... Tentei avisá-la do tipo de homem
que sou, mas você não me deu ouvidos.
Tocada pela angustiante aflição que via nos olhos dele, Velvet retrucou:
— Você é o mais apaixonado e o mais terno dos amantes. E eu o desejava
tanto quanto você me queria. — Respirou fundo. — É você quem está arrependido
do que fez, não eu, que jamais irei me lamentar pelo que houve entre nós.
Após perscrutar o rosto dela por alguns instantes, Jason exalou um suspiro.
— Eu tinha de ter pensado nas conseqüências, devia ter sido mais cauteloso...
— Tentou sorrir. — Mas, no momento, não consegui pensar em mais nada.
Após fazer um aceno assertivo com a cabeça, ela continuou a se vestir e, tão

Projeto Revisoras 80
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

logo se viu pronta, ajeitou os cabelos num coque à altura da nuca.


— Se eu conseguir alguma informação importante, em Carlyle Hall ou
qualquer outro lugar, mandarei avisá-lo por intermédio de Litchfield.
— Torno a adverti-la, Velvet: pode ser muito perigoso. Fique longe do
caminho de Avery e, faça o que fizer, evite perguntas.
— Pois não, Vossa Graça.
— E não me trate dessa maneira. Alguém poderia ouvi-la.
Velvet apenas sorriu e, seguida de perto por ele, deixou o chalé.
— Pode me ajudar a montar?
— É claro. — Erguendo-a pela cintura à garupa do cavalo, Jason fitou-a por
alguns instantes. — Você é uma mulher notável.
Ao perceber que já estava com saudade, Velvet sentiu um aperto na garganta.
Mas não, não iria chorar. Não se arrependia de ter feito amor com ele. Só o que
lamentava, imensamente, era que Jason não estivesse apaixonado por ela...

No umbral da sala de refeições, onde os convidados remanescentes tomavam


o café da manhã, Avery retribuiu o sorriso que a graciosa Mary Stanton, sentada ao
lado do pai, sir Wallace, à longa mesa coberta com uma linha de linho drapejada,
havia lhe endereçado... e reprimiu o ímpeto de esfregar as mãos de satisfação. Em
cerca de trinta dias, estaria livre dos problemas que tanto o apoquentavam: iria se
casar com Mary, tomar posse do polpudo dote oferecido por Wallace e tornar-se
herdeiro da fortuna do velhote.
Só então reparou que ela se achava à frente de lady Brookhurst, entretida
numa animada troca de cochichos e risinhos com Velvet Moran. O que era de se
estranhar, afinal Celia, que estava longe de ser uma espirituosa, era conhecida pela
propensão ao humor obsceno, mais indicado ao espaço contido entre as quatro
paredes da alcova. Se bem que, nos últimos quatro anos, a condessa vinha lhe
negando até mesmo esse pequeno prazer, preferindo censurá-lo com críticas ácidas
sem depois oferecer o consolo do próprio corpo. Arrependida do acordo que haviam
assinado, ela vivia a atazaná-lo por causa de dinheiro e, para piorar, no mês anterior
tinha se inteirado de sua real situação financeira. Não fosse pelo seu noivado com
lady Velvet, Celia ainda estaria a lhe arreganhar os dentes.
Fosse como fosse, ela e a espertalhona de Haversham que se entendessem. No
momento, tinha assuntos mais importantes com que se preocupar... E, com isso em
mente, partiu em direção a Mary Stanton.
Velvet riu baixinho de mais uma observação fútil de lady Brookhurst. Havia
dado um jeito de se sentar ao lado da condessa, cuja atenção a princípio lhe parecera
concentrada em Christian Sutherland, o bem-apanhado conde de Balfour. Mas o

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

conde se achava a uma boa distância de ambas, o que acabara fazendo com que Celia
se cansasse de tentar atrair o interesse dele.
— Oh, mas os homens são mesmo dignos de pena... — Suspirando, lady
Brookhurst o indicou com um discreto movimento de cabeça. — Aquele ali pula
tanto de cama em cama que cairia de tonto se tivesse de lembrar o nome de todas as
amantes.
— Ele é bem bonito. — Velvet relanceou o olhar pelo outro extremo da mesa,
onde o loiríssimo conde de Balfour conversava com sir Wallace Stanton.
— Além de ser excelente partido. Riquíssimo. E está à procura de uma esposa,
embora eu duvide de que ele esteja verdadeiramente disposto a se acorrentar. —
Envolta em reluzente seda roxa, com enfeites de renda belga do cotovelo ao punho,
Célia Rollins tinha um ar sereno e elegante; ainda assim, o conde continuava a
ignorá-la. — Ah, mas mais cedo ou mais tarde todos acabam pulando a cerca... —
Olhou de relance para Avery. — Exceto Sua Graça, é claro. O duque está obviamente
enamorado de você. Tenho certeza de que ele será um marido zeloso dos seus
deveres.
A mentira levou um sorriso aos lábios de Velvet, que não perdeu a
oportunidade para afirmar:
— Não duvido. Agora, seja como for, sou da opinião de que a esposa deve ter
a mesma liberdade conferida ao cavalheiro com quem se casou.
Uma das sobrancelhas muito finas de Célia se arqueou.
— Você é bem mais inteligente do que eu supunha, lady Velvet. Avery é
mesmo um homem de sorte.
— Ouvi dizer que você conheceu o irmão dele. — Depois de empurrar o faisão
e os ovos para um canto do prato, largou o garfo sem provar da comida.
Apesar de surpresa com a menção ao escândalo que Avery tanto se
empenhara para enterrar, a condessa não se fez de rogada:
— Conheci, sim. Fomos apaixonados um pelo outro. Jason queria que nos
casássemos.
Por pouco Velvet não deixou cair a xícara de chá que acabara de erguer da
mesa.
— Eu não sabia que vocês foram noivos.
— Fazia poucos meses que eu estava viúva, e o compromisso ainda não era
oficial. Pretendíamos esperar que o período de luto passasse antes de anunciarmos
nossas intenções. Era por isso que nos encontrávamos em segredo.
— Entendo. — No intuito de se recompor, Velvet levou o guardanapo aos
lábios. — Avery raramente fala dele; decerto porque ainda se ressente muito da per-
da do irmão e do pai. De qualquer modo, imagino a dor que você deve ter sentido ao

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

testemunhar o crime... Ainda mais sabendo que o homem que amava seria enforcado
e que os planos que vocês dois haviam feito morreriam com ele.
— Foi terrível. Avery também ficou arrasado, pobrezinho. Nem eu nem ele
queríamos acreditar que um homem como Jason fosse capaz de um homicídio. —
Outro suspiro melodramático. — Creio que a culpa foi minha. O duque tinha
cismado, sei lá por que motivo, de se opor ao matrimônio, e Jason estava decidido a
casar-se comigo de qualquer maneira. Eles tiveram uma discussão violentíssima,
Jason perdeu a cabeça e, sacando do revólver, disparou contra o próprio pai. Avery
chegou pouco depois, mas já era tarde demais.
— Pensei que Avery tinha dito que ainda tentou demover Jason dessa loucura,
no entanto o irmão não lhe deu ouvidos...
Após um instante de hesitação, a condessa retrucou:
— Não me recordo se ele chegou antes ou depois do disparo. Aliás, após todos
esses anos, como poderia me lembrar com clareza de tudo o que aconteceu naquela
noite?
— É claro. — Por mais que a curiosidade a impelisse, Velvet decidiu não
pressioná-la além dos limites. — Trata-se de uma questão, muito penosa, e eu fiz mal
em trazê-la à baila.
— Bem... Sim, há assuntos mais agradáveis. — Virando-se, sorriu para o belo
conde de Balfour, porém foi outro o cavalheiro a retribuir o sorriso: o esguio
visconde Dearing. Após olhar feio para o conde, a condessa pôs-se a flertar
escancaradamente com Dearing.
— Como eu disse, há assuntos bem mais agradáveis, e acho que vou atrás de
um deles. Se me dá licença...
— Fique à vontade, — Pelo canto do olho, Velvet viu lady Brookhurst deixar o
recinto e, logo a seguir, o esbelto visconde seguir em seu rastro.

No dormitório da mansão de Litchfield na capital, onde ambos estavam


residindo no momento, Jason releu a bizarra nota no Morning Chronicle. Usando ape-
nas as iniciais das pessoas a quem se referia, o jornal anunciava que Sua Graça, o
duque de C, tinha sido dispensado pela volúvel lady "V", que parecia não conseguir
decidir com qual dos inúmeros pretendentes desejava se casar. A última linha dizia:
Ou talvez a disputa fosse meramente desfavorável a um mero duque do reino, sem
meios de fazer frente a figura romântica do salteador que a raptou.
Com um bufo, Jason amassou o jornal e atirou-o longe; o papel amarfanhado
bateu na parede e foi cair sobre o tapete turco. Diabos, por que os mexeriqueiros não
a deixavam em paz? Não queria o nome dela arrastado na lama ou... Mas o que
estava pensando, se ele próprio a levara para a cama? E ela era virgem, santo Deus!

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Ainda assim, não conseguia arrepender-se da insensatez que cometera. Fazer


amor com Velvet tinha sido um dos maiores contentamentos que já experimentara na
vida. Não se lembrava de ter sentido tanto prazer ao se deitar com uma mulher. E o
pior era que continuava a desejá-la como um insano. Continuava a... Uma batida à
porta o fez olhar naquela direção no instante em que seu camareiro, Holcomb, o
mesmo que o ajudara no Castelo Running, entrava no aposento.
— Um cavalheiro acabou de chegar, meu lorde. O marquês solicita sua
presença no gabinete dele.
— Obrigado, Holcomb. — Nos calcanhares do criado, Jason passou à frente
dele ao pé da escada e seguiu para o escritório repleto de livros de Litchfield.
Levantando-se de sua escrivaninha, Lucien o recebeu com um ar satisfeito.
— Lorde Hawkins, permita-me apresentá-lo ao sr. William Barnstable.
— Boa tarde, milorde — cumprimentou o gorducho policial da Bow Street.
— Sr. Barnstable. — Jason inclinou discretamente a cabeça.
— Lorde Hawkins é a pessoa de quem lhe falei e também está muito ansioso
por que a verdade seja revelada neste caso em questão. Queremos providenciar, com
sua ajuda, que o nome de nosso amigo Jason Sinclair seja limpo da nódoa que o tem
mantido na indignidade nesses últimos oito anos.
— Em que pé estão suas investigações? — Jason apanhou o estojo sobre uma
mesinha para oferecer um dos dispendiosos charutos de Litchfield ao roliço detetive.
— Conseguiu alguma informação que possa ser útil ao êxito da nossa empreitada?
— Passaram-se oito anos desde o assassinato. — O policial apanhou um
charuto, mas, em vez de acendê-lo, guardou-o no bolso do grosso casaco de lã. —
Não é uma investigação das mais fáceis.
— Sei que não — concordou Jason.
— Não estamos questionando o vigor do seu empenho. — Lucien dissera ao
investigador que os três haviam estudado juntos em Oxford e que uma noite, en-
quanto tomavam drinques no Almack's, ele e Hawkins tinham decidido unir forças
no intuito de descobrir quem fora o verdadeiro assassino do duque de Carlyle e,
assim, reabilitar o bom nome do finado amigo. — No seu bilhete, você deu a
entender que havia obtido informações que talvez fossem importantes.
— O que foi que descobriu? — quis saber Jason, impaciente, para então fingir
não ver o olhar de reprovação do amigo.
— Infelizmente, minhas sondagens na Pousada do Peregrino se mostraram
infrutíferas. A maioria dos criados que estavam lá naquela noite não trabalha mais na
hospedaria; os poucos que restaram lembram-se apenas do estampido do disparo e
do eco de um grito de mulher. — Assumindo um ar triunfante, o gorducho
anunciou: — No entanto, creio ter descoberto o responsável pela morte do seu amigo

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na Prisão de Newgate.
Com os músculos retesados, Jason o incitou:
— Prossiga.
— Foi um ladrão chamado Elias Foote.
— Esse Foote ainda é vivo? — perguntou Lucien.
— Sim... Ou pelo menos era quando me falaram sobre ele. Trata-se de um
vadio da pior espécie, que passa a maior parte do tempo na área de Southwark ou no
cais. Ainda não o procurei, pois achei melhor conversar com vocês antes de tentar
localizá-lo.
— Fez bem, sr. Barnstable — disse Lucien. — Lorde Hawkins e eu iremos falar
com Foote. Providencie uma lista com os lugares que ele costuma freqüentar; nós
cuidaremos do resto.
— Enquanto isso — Jason pôs-se em pé —, continue a fazer perguntas e
desencavar respostas. No momento, é só disso que precisamos.
Entendendo a indireta, o investigador também se levantou.
— Avisarei se descobrir mais alguma coisa. — Bateu de leve no bolso onde
enfiara o charuto. — Até mais ver, milordes.
Um pouco mais animado, Jason saboreou a perspectiva de colocar a mão na
massa. A não ser por uma ou outra escapadela até a região proletária do East End,
onde não havia como ser reconhecido, vivia enfurnado na mansão enquanto seu
amigo ocupava-se de circular pelas festas a que Avery ou lady Brookhurst pudessem
comparecer. Ao menos naquela noite, teria algo melhor para fazer que não se entesar
de desejo por Velvet Moran.
— Tenho impressão de que você está mais do que ansioso por ir atrás desse
pulha — comentou Lucien. — O que, espero, irá ajudá-lo a tirar os pensamentos de
uma certa jovem que conhecemos.
— Tomara. — Não contara ao amigo o que havia se passado entre os dois na
casa da viúva. Não queria ouvir Lucien lhe dizer que a única maneira de tirá-la da
cabeça seria levá-la para a cama até se fartar dela.

Com as mãos entrelaçadas junto às costas, Avery, diante da janela da sala de


estar, admirava o amplo jardim nos fundos de Carlyle Hall na capital, situada em
Grosvenor Square. Tudo ia perfeitamente bem. Havia se livrado de Velvet Moran e
Mary Stanton, agora ciente das suas intenções, parecia responder aos seus avanços...
decerto mais por obediência ao pai do que por causa dos seus atrativos, porém isso
não vinha ao caso. O que importava era que o casamento se realizasse.
Infelizmente, Mary fizera questão de noivar pelo menos um ano antes de

Projeto Revisoras 85
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marcar a data da celebração do enlace. O que também não o preocupava nem um


pouco, afinal já tinha pensado numa boa forma de obrigá-la a desposá-lo.
Ao ouvir bater à porta, como estava esperando, cruzou o aposento para ir
abri-la e dizer a Baccy Willard que entrasse.
— Então, fez o que lhe pedi?
— Sim, Vossa Graça. — Baccy tirou o chapéu tricorne, deixando uma grande
marca achatada sobre os cabelos castanhos.
— Muito bem. Sir Wallace ficará fora, numa viagem de negócios, pelas
próximas duas semanas. Ele deixou a filha hospedada na casa de uma amiga, Jennie
Barclay. Os Barclay e a srta. Stanton devem ir ao sarau de lorde Briarwood na quinta-
feira, o que certamente servirá aos nossos propósitos.
— Sim, Vossa Graça.
— Você se lembra do que tem de fazer?
— Tenho de fazer com que a moça seja avisada de que o pai dela ficou doente.
— E que ela não deve contar nada a ninguém, e sim procurar o duque de
Carlyle, pois ele a levará em segurança ao local para onde o pai dela foi levado. Você
entendeu isso direitinho, não entendeu?
— Sim, entendi.
— Ótimo. E a hospedaria na estrada para Windsor... Tem certeza de que pode
cuidar disso também?
— Sim, Vossa Graça.
Avery deu uma palmada no ombro do grandalhão.
— Nossos problemas estão para acabar, meu amigo.
Após fazer que sim, Baccy rumou para a porta, e Avery, voltando a se colocar
diante de uma janela, sorriu para si. E por que não sorrir? Na próxima sexta-feira,
seria um homem rico e influente novamente. A graciosa Mary Stanton estaria em sua
cama para esquentá-lo. O duque de Carlyle em breve seria um marido feliz.
Ao estranhar não ter ouvido o estalo da porta ao fechar-se, virou-se e viu que
Baccy continuava ali.
— Algum problema?
— Ia me esquecendo da outra moça, Vossa Graça... lady Velvet. Ela andou
fazendo perguntas acerca do seu irmão em Carlyle Hall. Escutei-a conversando com
Cummings. O senhor falou que era para eu avisar se alguém por acaso...
— É verdade. Nesse caso, porém, tenho certeza de que lady Velvet estava
apenas saciando a curiosidade que tinha com relação ao sujeito que iria ser seu
cunhado.

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— Mas tanta curiosidade assim não é natural. Depois que a vi com Cummings,
eu a segui... E ela foi falar com Sylvie Winters, a camareira. Então obriguei Sylvie a
me contar que conversa fora aquela, e ela me disse que lady Velvet quis saber do seu
irmão... e o que houve na noite do assassinato.
Avery ficou rijo.
— Não estou gostando nada disso, Baccy. Por que Velvet Moran estaria
interessada na morte de meu pai?
— Não sei, Vossa Graça.
— Nem eu, mas talvez fosse bom tentarmos descobrir, não? — Aproximou-se
dele. — Quero que um de seus homens fique de olho em lady Velvet. Mande me
avisar se ela continuar com isso. Ou de qualquer outra coisa digna de atenção.
— Pois não, Vossa Graça. — Dessa vez o grandão se foi, fechando a porta ao
sair do aposento.
Avery pôs-se a matutar a respeito da estranha novidade. Velvet Moran vinha
sendo uma pedra em seu sapato desde o dia em que decidira desposá-la. Não fazia a
menor idéia do porquê de ela estar interessada em assuntos que lhe diziam respeito,
mas tampouco estava muito preocupado com isso. No fim de semana, estaria casado
com uma moça riquíssima e tudo voltaria a ser como era.
Agora, se porventura Velvet viesse a se tornar um problema... Bem, nesse caso
trataria de eliminar o problema.

— Você está deslumbrante, lady Velvet.


— Obrigada, meu lorde. — Usando um vestido de seda esmeralda sobre um
saiote cor de âmbar enfeitado de dourado, ela sorriu para Christian Sutherland,
conde de Balfour.
— Você dançou a noite toda. — Alto e espadaúdo, o conde tinha cabelos loiro-
escuros, a pele trigueira e incisivos olhos castanhos. Suas feições absolutamente
másculas decerto teriam atraído a atenção de Velvet... caso ela não estivesse
encantada com Jason Sinclair.
— Quer que eu vá buscar uma taça de ponche?
— Não estou com sede, obrigada. No fundo, eu preferia me afastar alguns
instantes desta aglomeração de gente, se não se importa. Sei que estou sendo um
tanto antiquada, mas a verdade é que me cansei dessas incursões diárias pela alta
sociedade.
— Acho que acabo de descobrir o que mais admiro em você, minha dama: sua
honestidade. Que, aliás, parece ser um artigo bastante raro em meio à aristocracia.
Com um sorriso, Velvet deixou que ele a conduzisse em direção às portas-

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balcão que levavam à varanda.


— A bem da verdade, às vezes sou sincera demais. Muitos homens detestam
tamanha franqueza numa mulher e, se não for esse o seu caso, você é uma gratifi-
cante exceção à regra.
Ele sorriu.
— Vou tomar isso como um elogio, minha dama. — No terraço, debruçaram-
se sobre o jardim, iluminado por archotes que se erguiam acima dos canteiros de
flores recém-desabrochadas. — E já que somos ambos tão francos, vou lhe contar o
que tenho pensando... Como você já deve ter ouvido falar, estou à procura de uma
esposa e, infelizmente, encontrá-la não está sendo nada fácil.
— Pensei — deslizou a mão pela balaustrada de pedra — que estivesse
interessado em Mary Stanton.
O conde suspirou.
— Minha família foi contra; eles preferem uma aliança com alguém que
pertença à nobreza... Mas a verdade é que gosto de Mary. — Os olhos dele cintila-
ram, no entanto esse brilho não demorou a se apagar.
— E, seja lá por que motivo for, a srta. Stanton deixou claro que os interesses
dela vão em outra direção.
Velvet se admirou. Não era possível que ele estivesse falando de Avery. Não
havia termo de comparação entre os dois.
— Além de Mary Stanton — prosseguiu o conde —, há somente uma mulher
que me cativa... E essa mulher, minha dama, é você.
Por pouco ela não riu. Ainda bem que não estava apaixonada pelo gaiato,
afinal não era nada lisonjeiro saber-se a segunda opção de um homem.
— Está me contando, lorde Balfour, que preferiria casar-se com Mary Stanton,
mas, como isso não é possível, iria se contentar comigo?
— Não foi isso o que eu quis dizer. — Praguejou baixinho. — Minha intenção,
lady Velvet, era simplesmente afirmar que penso que nós dois iríamos nos dar bem.
Ainda que você tenha sido noiva do duque de Carlyle, nem por um instante acreditei
que se tratasse de compromisso baseado no amor. Posso não ser duque, mas sou
conde, além de muito abastado, e gostaria que você avaliasse minha proposta. Se
estiver interessada, podemos dar um fim a esta série de festas enfadonhas e seguir
com nossas vidas.
Ela inspirou uma boa golfada de ar. Mais do que um homem extremamente
sincero, o conde de Balfour era também a resposta a todas as suas preces. Apesar
disso, era a imagem de Jason Sinclair que lhe vinha à mente. Lembrou a última vez
em que o vira, o dia em que tinham feito amor, e sentiu uma fisgada no coração.
— Sua proposta me pegou de surpresa, meu lorde. Espero que me dê um

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pouco de tempo para pensar.


— Eu preferia que não fosse um noivado muito longo, Velvet. E, por favor,
não se preocupe; serei um bom marido. Você é linda, e eu a desejo. Depois, com o
passar do tempo, serei discreto com os casos que porventura tiver. Jamais irei
constrangê-la com qualquer tipo de embaraço, como Carlyle certamente o faria.
Pense com calma, pois acredito que possamos ter uma vida agradável juntos.
— Meu... meu dote seria importante para você?
— Não, eu pretendia me casar com Mary, que não tem ascendência
aristocrática. Quero uma esposa que combine comigo e seja boa mãe para meus
filhos, e acho que você preenche ambos os requisitos. E, se isto fizer com que se sinta
melhor, saiba que eu não falaria tão abertamente de meus anseios com outra pessoa;
é só por respeitá-la que me permito ser tão verdadeiro.
Velvet tentou sorrir.
— É provável que venhamos a nos dar muito bem, meu lorde. Prometo pensar
em tudo o que você me disse.
— Obrigado, minha dama. — Tomando a mão dela, colocou-a sobre seu braço.
— Acho melhor entrarmos antes que os maledicentes tenham com que se divertir... à
nossa custa.
— Sim... é claro... — Mas, ao retornar ao salão e deparar com os olhares que
recaíam sobre eles, receou que talvez fosse tarde demais.

Capítulo III

Jason tornou a ler a nota ao pé da página do Morning Chronicle. Teria o conde


de B, indagava-se o autor do registro, sucumbido aos encantos da simpática lady
"V"? Recentemente, os dois tinham sido visto justo em várias oportunidades. O conde
estava à procura de uma esposa e, segundo o artigo, a dama em questão também
parecia ansiosa por casar-se.
É possível vislumbrar-se um enlace no horizonte? Prezado leitor, só nos resta esperar
para ver.
Jason blasfemou em voz baixa. Só de imaginá-la flertando com Balfour, seu
sangue fervia... Santo Cristo, ela era feita de gelo? Não gostava nem um pouquinho

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que fosse dele?


Praga! Praga dos infernos! Fazia semanas que se esvaía em desejo pela
sirigaitazinha e nem por isso fora procurá-la. E enquanto fazia das tripas coração
para resguardá-la dos seus instintos libidinosos, o conde namorador se lambuzava
dos encantos dela.
Maldita fosse! Que o diabo a carregasse para as profundezas do inferno!
Cerrando os punhos, pôs-se a zanzar de um lado para outro quando bateram
de leve à porta que, logo a seguir, abriu-se de chofre.
— Está pronto? — Todo de preto, como costumava trajar-se quando saíam
para aquelas incursões noturnas, Litchfield manteve-se no umbral.
— Mais do que pronto. Um minuto mais, e era bem provável que eu
explodisse.
Lucien riu-se antes de afirmar:
— A carruagem está esperando. Hoje vamos encontrá-lo, tenho certeza. Já
vasculhamos boa parte das piores regiões desta cidade, não é possível que esse
sujeito tenha sumido no ar.
— Oxalá você esteja certo. Aonde iremos?
— A Bell Yard, numa taberna chamada Turnbull's. Uma das preferidas de
Foote, segundo Barnstable.
Jason suspirou. A área se situava no velho distrito de Westminster, com ruas
como Thieving Lane, Petty France, The Sanctuaries... Uma zona assolada pela
pobreza e pelo crime, que fazia lembrar ambientes igualmente sórdidos do seu
passado. O tipo de lugar que ele daria um braço para não ter de pisar novamente.
Com calças abaixo dos joelhos e uma camisa de tecido rústico, Jason trajava
também um manto de lã dos mais comuns e, apesar de não ter o hábito de usar cha-
péu, levava na mão um surrado tricorne. Mesmo assim, ele e o amigo pareciam seres
vindos de outro mundo ao entrarem na desoladora taberna, um autêntico antro de
ladrões ao lado de um beco imundo.
Assim que passou sob a carcomida placa de madeira com o nome da tasca e
cruzou a soleira da porta, Jason tentou ignorar a fedentina de corpos sujos
empapados de gim e perfume barato. Embora passasse da meia-noite, o lugar se
achava apinhado de bêbados e meretrizes.
— Olá, bonitão. — Uma ruiva de seios fartos correu ao encontro dele para
saudá-lo com uma piscadela cheia de malícia. — Não quer uma bebida? Prometo que
não irá se arrepender.
Ciente de que não tinha como tirá-la da frente, Jason sorriu. Ela cheirava a gim
e à fumaça rançosa que pairava sobre as mesas, impregnando o vigamento do teto.

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— Muito bem, senhorita; vou querer uma caneca de cerveja para o meu amigo
também.
— E para já, meus amores. Estarei de volta num estalar de dedos. — E se foi
tão subitamente quanto havia aparecido.
— Odeio esta espécie de lugar — comentou Jason, examinando o ambiente.
— Creio poder dizer que já estive em locais mais recomendáveis. — Litchfield
fez cara de desdém. — Seja como for, não é de se admirar que um homem como
Foote tenha predileção por um antro como este.
— Eu não disse que era rápida como um raio? — A ruiva colocou as canecas
na lanhada mesa de madeira diante deles. — Beba tudo, bonitão. Quando terminar,
vou levar você lá para cima... em troca de uma moedinha.
— Ainda que isso muito me agradasse, estamos aqui a negócios. — Mais uma
vez, Jason obrigou-se a sorrir. — Quem sabe você não pode nos ajudar?
— Estamos procurando um homem chamado Foote; temos um serviço bem
remunerado para ele — interpôs Lucien. — Por acaso você o conhece?
— Pode ser.
O marquês fez cair uma moeda entre a fenda formada pelos volumosos seios
dela. Às risadinhas, a ruiva enfiou os dedos no decote da blusa para resgatar o
dinheiro.
— Então é por causa de Foote que vocês estão aqui, hum? Bem, Elias não está
na cidade, mas, pelo que dizem, deve estar de volta no final desta semana. Quando
chegar, ele vem para cá, já que mora num quartinho lá em cima, Vou avisar que
vocês estiveram aqui.
Lucien regalou-a com outra moeda.
— Diga a ele que voltaremos na próxima segunda-feira, à meia-noite.
— E que ele não tem a nada a perder vindo falar conosco. — Jason também
colocou uma moeda no decote dela.
— Direi, sim, meus amores. Podem confiar em Gracie.
— Obrigado, Gracie. — Jason sorriu secamente.
— Até segunda-feira.
Tão logo deixaram a taverna, ele se deteve para inspirar um pouco de ar antes
de ir se acomodar ao lado de Lucien no interior do coche de aluguel. E, assim que o
veículo se pôs em movimento, bateu no teto para pedir ao cocheiro:
— Leve-me a Berkeley Square, sim?
— Lady Velvet? — deduziu o marquês.
— Sim. Ela e eu temos assuntos por concluir. — Com isso, só voltou a falar

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

dez minutos depois, quando o coche entrou na praça, para instruir o condutor:
— Deixe-me na viela atrás daquela casa, por favor.
Lucien esperou vê-lo saltar para a calçada perto da cocheira nos fundos da
mansão, então lhe desejou boa sorte. Mas, com os pensamentos ainda fixos na dama
com quem pretendia falar, ele nem respondeu ao amigo antes que o coche de aluguel
se afastasse.
Por azar, a carruagem Haversham não se achava na cavalariça anexa à
moradia, o que indicava que Velvet devia ter ido à fastuosa festa na residência do
conde de Whitmore. Trincando os dentes, Jason se misturou às sombras que
envolviam o quintal até chegar aos fundos da mansão. Uma hora ela teria de voltar
para casa. Embora paciência não fosse uma de suas virtudes, sabia perfeitamente
bem esperar quando tinha um bom motivo para fazê-lo.

Tratando de não pensar na friagem entranhada na casa, Velvet correu a subir a


escada com uma sonolenta Tabitha em seus calcanhares. Carvão era um artigo caro, e
não havia mais como se dar o luxo de manter os cômodos vazios aquecidos. De mais
a mais, seu avô tinha se recolhido já fazia um bom tempinho.
Assim que entraram no quarto, a aia foi cuidar de acender as lamparinas e a
lareira antes de ajudá-la a se despir.
— Divertiu-se, milady?
— O que era de se esperar numa festa na casa daquele libertino do conde de
Whitmore. Graças a Deus, a presença do conde de Balfour ajudou a mantê-lo a
distância, mesmo assim eu não via a hora de vir embora. — Tinha ido ao evento na
companhia do conde e da condessa de Briarwood, amigos de Balfour com quem
fizera amizade.
Após guardar o traje de baile, Tabitha, tentando disfarçar que caía de sono, foi
ajudá-la a vestir a roupa de dormir.
— Pronto, Tabby. Agora volte para sua cama antes que as cobertas esfriem.
— Obrigada, milady. Boa-noite.
Velvet esperou a aia fechar a porta ao sair, depois foi se sentar ao toucador
para retirar os grampos dos cabelos. Isso feito, esticou o braço na direção da escova
sobre o móvel... e um movimento junto à janela chamou sua atenção. Virando-se, ela
arfou ao ver a sombra de um homem tomar forma na sacada, mas, antes que pudesse
gritar por socorro, as portas se abriram e um vulto de ombros largos surgiu no
aposento.
Jason! Coração aos pulos, ela se levantou. À claridade das lamparinas, o
semblante dele parecia duro, hostil.
— O... o que faz aqui?

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Ora, vim visitá-la, minha dama. — Curvou a boca num arremedo de


sorriso. — Não me diga que não está contente por me ver.
— É claro que estou. Tenho andado muito preocupada, com receio de que
alguém descubra quem você é. — Mesmo estranhando vê-lo trajado como um ho-
mem comum das ruas, teve certeza de que jamais tinha visto um homem tão bonito.
Com alguns poucos passos, Jason foi se colocar diante dela.
— Está tarde — comentou, os olhos vagando pela diáfana camisa de dormir e
pelas longas meias brancas, que eram tudo o que Velvet usava. — Você deve ter se
divertido muito esta noite.
— A bem da verdade, eu preferia ter ficado em casa.
— É mesmo? — Ele ergueu uma sobrancelha. — Sim, é provável... desde que
pudesse ficar aqui com Balfour.
— Balfour? Está pensando que sinto atração por Balfour?
— Não sente?
— Não, eu... Somos amigos. Ele disse que estava interessado em mim, e eu...
eu...
— Você o quê, minha dama? Incentivou-o? Permitiu que ele tomasse
liberdades com você? Correu para a cama dele? Você não perde tempo, não? Aliás,
eu já tinha percebido essa sua "impetuosidade" naquela tarde na casa da viúva.
— Como se atreve?! — A bofetada que Velvet deu nele ecoou pelo aposento.
— Lorde Balfour tem sido um autêntico cavalheiro... O contrário do que posso dizer
a seu respeito!
— Tem razão, lady Velvet: não sou nenhum cavalheiro. E sempre lhe disse
isso. — Cego de raiva e ciúme, enlaçou-a pela cintura e a puxou de encontro ao peito.
— Eu tomo o que quero... e o que quero agora é você! — Com isso, aprisionou os
lábios dela nos seus.
A princípio, Velvet se surpreendeu tanto com as palavras rudes como com a
imperiosidade do beijo, porém o susto não demorou a dar lugar a uma forte onda de
calor, tão intensa que era como se sua pele emitisse fagulhas. Obrigando-a a
entreabrir os lábios, Jason mergulhou a língua em sua boca para entrelaçá-la à sua
numa carícia ardente, aliciante... De súbito, mãos firmes agarraram o decote de sua
chemise para rasgá-la de alto a baixo e, no instante seguinte, ela percebeu que vestia
apenas a delicada calçola cor-de-rosa e as meias de seda brancas.
— Quero você. — Jason deslizou a boca ao longo do pescoço dela para cobri-lo
de beijos. — Deus, não consigo parar de pensar em você...
Proferida numa voz rouca, quase tristonha, a confissão fez Velvet se arrepiar.
Céus, ela o magoara.

Projeto Revisoras 93
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Por que não lhe contara a verdade a respeito de Balfour assim que o vira ali,
em seu quarto?
— Jason... — Abraçou-o com força. Também pensava nele noite e dia. E sentira
tanta saudade, santo Deus!
Ele voltou a beijá-la, agora com delicadeza, buscando persuadi-la em vez de
subjugá-la, então sussurrou:
— Preciso muito de você. —, Massageou-lhe os seios, estimulando os mamilos
até enrijecê-los antes de baixar a cabeça para tomar um bico róseo na boca. E, depois
de agarrá-la pelas nádegas para pressioná-la de encontro ao seu membro emproado
pela paixão, penetrou-a profundamente com um dedo. — Você também me quer...
Tanto quanto eu a desejo.
Entre arquejos e suspiros, Velvet não o contradisse. Nem resistiu quando ele,
após fazê-la colar as costas à parede, desabotoou a calça e sustentou-a pelo quadril
para erguê-la do chão; apenas deixou escapar um gemido vindo do fundo da
garganta quando se sentiu invadida pela virilidade túmida que a preencheu de um
só golpe.
— Solte-se... — Enquanto a beijava com língua e lábios sequiosos, Jason
passou as pernas dela ao redor da sua cintura e começou a se mover, levantando-a
alguns centímetros para em seguida voltar a mergulhar sua masculinidade nas
entranhas ardentes que buscavam aprisioná-lo.
— Jason... — Cravando as unhas nos músculos dos ombros dele, entregou-se
às labaredas que devoravam sua pélvis e dali se irradiavam por todo o seu corpo.
Enérgico, contínuo, incansável, o movimento pulsante nas suas profundezas de
mulher roubava-lhe tanto o fôlego como a capacidade de raciocínio. Tudo era desejo,
intensidade, arrebatamento; tudo parecia se mesclar num torvelinho de... — Jason! —
Sugado por um espiralado vórtice que irrompia em seu âmago e parecia prestes a
lançá-la às alturas, seu corpo se constringiu inteirinho, contraindo-se ao redor da
virilidade latejante que a completava, e ele, com um gemido, arrancou-se de suas
entranhas a tempo de impedir que as sementes do clímax ali se lançassem.
As atordoantes vibrações do prazer ainda se esvaneciam lentamente quando
Jason, fazendo-a escorregar ao longo do quadril e das pernas, colocou-a novamente
no chão e, sem nada dizer, pôs-se a abotoar as calças. Igualmente calada, ela foi
apanhar uma camisola de algodão numa das gavetas da cômoda e, após vesti-la,
virou-se para encará-lo.
— Foi um prazer, minha dama... como sempre. — Com as feições duras como
se esculpidas em granito, partiu em direção às portas da sacada. — Dê lembranças
minhas a lorde Balfour.
— Tenho de me casar com ele. Não será uma atitude digna de minha parte...
sobretudo depois do que houve entre nós, mesmo assim terei de fazê-lo.

Projeto Revisoras 94
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Detendo-se, Jason franziu a testa.


— Por que você tem de desposá-lo? Está me dizendo que eu a engravidei? —
Tornou a ir se colocar diante dela. — Ou é dele o filho que você está esperando?
— Não estou grávida. Na verdade, creio ter cometido uma falta ainda mais
grave, Vossa Graça: estou desprovida de recursos para sustentar meu avô e a mim.
No meu mundo, esse é um pecado de proporções incalculáveis. — Deu um sorriso
tristonho. — Olhe à sua volta, veja que a mobília está gasta e as paredes,
praticamente nuas... Por mais que me doa admitir, seu irmão e eu tínhamos os
mesmos propósitos. Eu ia me casar com Avery porque pensei que ele fosse um
homem muito rico. Meu pai dissipou a fortuna Haversham no jogo; o único dinheiro
que me resta é o que ele havia separado para o meu dote.
— Então...
— Não, não tenho como me apossar desse dinheiro; só meu marido poderá
fazê-lo. O homem que se casar comigo irá receber uma pequena fortuna... mas tam-
bém, infelizmente, herdará as dívidas Haversham.
Passando os olhos pelo aposento, Jason atentou às paredes desprovidas de
ornamentos decorativos, aos móveis sólidos, porém modestos.
— E, depois de Avery, você escolheu Balfour para marido?
— Na verdade, foi o conde que me escolheu. E o que eu lhe disse é a mais
pura verdade: ele tem se portado como um autêntico cavalheiro comigo. O único
homem que me tocou foi você, Jason.
Após um instante de hesitação, ele a tomou nos braços.
— Ah, duquesa... Perdoe-me. — Afundou o rosto nos cabelos dela. — Perdoe-
me por dizer coisas que...
— Eu é que devia ter lhe contado a verdade há muito tempo. Mas você já tinha
problemas de sobra, não seria justo preocupá-lo com as minhas dificuldades.
Ele se afastou para poder fitá-la nos olhos.
— Velvet, enxovalhei sua reputação. Maculei sua pureza e, em se tratando de
casamento, esses são dois itens valiosíssimos. É claro que me preocupo com isso. —
Beijou-a na testa. — Fossem outras as circunstâncias, eu me casaria com você; no
entanto não posso ignorar a probabilidade de eu vir a pender de uma forca antes de
conseguir provar minha inocência. E, mesmo que tudo dê certo, não pretendo
permanecer na Inglaterra.
— Você pretende ir embora daqui? — Sentiu uma pontada no peito. — Para
onde... Aonde tenciona ir?
— Vou voltar ao lugar de onde vim: as Índias Ocidentais. É lá o meu lugar,
Velvet, não a Inglaterra. Não me sinto mais apto a viver aqui.

Projeto Revisoras 95
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Embora seu primeiro impulso fosse tentar demovê-lo da idéia, ela se manteve
calada. Não tinha esse direito.
— Ainda que não possa casar com você, tenho como ajudá-la. Possuo uma
fazenda de produtos tropicais numa pequena ilha nas cercanias de St. Kitts; tenho
mais do que o suficiente para saldar suas dívidas e cuidar para que você e seu avô
vivam com conforto pelo tempo que for preciso. Em vez de se casar contra a sua
vontade, você terá como esperar até encontrar um homem do seu agrado.
Velvet quase chegou a sorrir da ironia: já havia encontrado o homem da sua
vida, sim, só que nem passava pela cabeça dele desposá-la.
— Se dependesse de mim, meu lorde, o mais provável era que eu passasse ao
largo do matrimônio. Prezo a liberdade; ao me casar, terei de abrir mão da relativa
independência de que desfruto.
— Estou arrependido da minha rudeza, duquesa, mas não de ter vindo aqui
esta noite. Agora que estou a par do que está se passando, cuidarei para que tudo
fique bem. — Roçou os lábios nos dela numa carícia afetuosa; entretanto, suas bocas
não demoraram a se procurar num beijo tórrido, sedento. — Deus, meu desejo por
você já voltou a se abrasar... — Olhou de relance para a sacada. — Não deve demorar
a clarear, preciso ir embora antes que alguém venha procurá-la.
— Não quero seu dinheiro, Jason. Tenho a considerável quantia que meu pai
deixou como dote, basta que eu me case para desfrutar desses recursos.
Jason não respondeu, apenas tornou a fitá-la nos olhos e, após outro beijo
candente, rumou para a sacada.
Assim que ouviu o ruído que as botas dele fizeram ao atingir o passeio sob o
balcão, Velvet foi se sentar novamente na banqueta diante da penteadeira. Desde que
o conhecera, jamais havia se sentido tão sozinha.
A manhã já ia adiantada quando Velvet enfim se arrastou para fora da cama a
fim de ir abrir a janela e inspirar um pouco do ar fresco e enevoado que envolvia a
cidade. Não demorou a que Tabitha viesse auxiliá-la a se vestir e, num traje de
musselina sem atavios, ela desceu para o desjejum.
— Bom-dia, vovô.
— Para você também, minha querida. — Sentado à mesa de refeições, ele lhe
endereçou um sorriso. — Espero que tenha dormido bem. Não ouvi você chegar
ontem à noite.
Velvet não se admirou. Ele raramente ouvia seus movimentos pela casa e,
mesmo quando isso acontecia, o mais provável era que tal lembrança cedo ou tarde
acabasse lhe fugindo.
— Dormi bem, sim, vovô. — Imagens do encontro amoroso que tivera com
Jason em seu quarto lhe acorreram à mente, e ela sentiu o rosto corar. — Desculpe-

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

me se o fiz esperar, foi difícil sair de sob as cobertas esta manhã.


O conde tornou a sorrir, e foi como se só naquele instante se apercebesse do
cartão de visita que tinha na mão.
— Diabos, quase me esqueço... O marquês de Litchfield mandou avisar que
viria vê-la. Ele deve estar por chegar.
— Litchfield? — O coração dela disparou. Teria acontecido algo a Jason? — O
que... o que ele deseja?
— Não faço a menor idéia, querida.
O velho conde de Haversham estava certo: nem bem Velvet terminou a xícara
de chocolate com biscoitos, Snead surgiu no limiar da porta para anunciar:
— A senhorita tem visita, milady. Lorde Litchfield deseja vê-la. Vou levá-lo à
sala de estar.
— Obrigada, Snead.
Ao chegar toda trêmula à sala, ela conseguiu respirar mais aliviada ao ver o
marquês se aproximar com um sorriso.
— Bom dia, lady Velvet.
— Lorde Litchfield.
Após elogiar a aparência dela, Lucien lhe entregou um envelope selado com
cera, que ela correu a abrir. Dentro do envoltório de papel havia um bilhete e uma
ordem de pagamento bancário no valor de dez mil libras.
— Por Deus que está no céu... — Uma rápida passada de olhos pelo bilhete
reiterou o que ela já sabia: o dinheiro vinha da parte de Jason. — Você estava a par
disto, meu lorde?
— Sim, minha dama, e aproveito para dizer que você pode contar minha
pessoa no rol de amigos. Seus segredos, e os de Jason, estão a salvo comigo.
Velvet respirou fundo. Por mais que acreditasse no que ele afirmava, isso não
diminuía o constrangimento pelo fato de Jason ter lhe enviado á vultosa quantia.
— Diga ao nosso amigo que, independentemente das boas intenções, ele
cometeu um erro crasso ao supor que eu iria aceitar este dinheiro. — Rasgou a ordem
de pagamento em dois, depois juntou as metades para tornar a rasgá-las outras vezes
e, voltando a dobrar o bilhete, colocou os papeizinhos picados no envelope antes de
estendê-lo para o marquês. — Diga a ele também que enfie as boas intenções no
nariz.
Um sorriso travesso curvou o canto dos lábios de Lucien.
— Algo mais, minha dama?
— Sim, diga à Sua Graça que ele não me deve nada, pois o que houve entre

Projeto Revisoras 97
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

nós não teve nada a ver com dinheiro. Lembre a ele que também tenho recursos,
recursos esses que em breve serão usados para solucionar meus problemas. E que
não preciso do auxílio dele para nada.
— Eu direi, minha dama. — Lucien rumou para a porta.
— Oh... Litchfield? —Ao vê-lo deter-se, emendou: — Também pode dizer a ele
que sou muito grata. E que gostei muito do... do nosso último encontro.
— Certamente o farei, lady Velvet. — Cuidando de não demonstrar o quanto
aquilo tudo o divertia, o marquês despediu-se e se foi.
Furiosa, Velvet deixou-se cair sobre o sofá. Como ele se atrevia? Como se
atrevia a tentar limpar a consciência oferecendo-lhe dinheiro? Ah, mas se Jason
Sinclair tivesse a audácia de fazer aquilo novamente, iria mandá-lo para o quinto dos
infernos!

Assim que ouviu a porta da rua se abrir, Jason deixou seus aposentos na
residência de Litchfield na capital e disparou escada abaixo para seguir o amigo até o
gabinete.
— E então? — indagou, fechando a porta do escritório.
— Estenda a mão. — Ele o fez, e o marquês, com um sorriso, despejou o
conteúdo do envelope que Velvet lhe devolvera na palma do amigo. — O tamanho e
a quantidade dos pedacinhos são uma boa indicação do quanto a dama se alegrou
com a sua oferta, não?
— O que foi que ela disse?
— Lady Velvet mandou-o, textualmente, enfiar suas boas intenções no nariz.
Jason cerrou os dentes.
— Ela também me disse que agradecesse a você. E que gostou muito do
último... encontro que vocês tiveram.
— O quê?! Aquela atrevida... Juro que nunca conheci uma mulher como ela.
— Não duvido. E então, ainda quer ajudá-la?
— Claro. Você sabe o quanto devo a ela.
— E como pretende fazer isso?
— Como? — Pôs-se a andar de um lado para outro. — Fazendo a única coisa
que está ao meu alcance... Vou me casar com ela.
As sobrancelhas negras de Litchfield se arquearam.
— Pensei que você não quisesse...
— Não quero. Essa decisão não muda o modo como me sinto em relação ao

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

casamento, no entanto vai resolver o problema de Velvet. — Um músculo se contraiu


na mandíbula dele. — E isso não é tudo o que me preocupa.
— Do que está falando?
— De madrugada, ao deixar a casa dela, vi um homem se ocultando entre as
sombras. E como ele não estava lá quando entrei na mansão, só pode ter ido parar ali
depois de Velvet ter chegado em casa.
— Acha que ele pode tê-la seguido?
— Não sei, mas tenho certeza de que aquele sujeito estava espionando a casa,
tanto que tratei de fazer com que ele não me visse. Agora, meu sexto sentido me diz
que Velvet andou promovendo averiguações por conta própria, andou perguntando
por aí sobre Avery... E se meus palpites correspondem à verdade, é bem possível que
ela esteja correndo perigo.
— Vou mandar nosso homem dar uma olhada nisso e tentar descobrir o que
está acontecendo.
— Boa idéia. Enquanto isso, vou falar com Velvet. — Foi então que lhe ocorreu
que ela poderia recusar sua proposta, preferindo tornar-se esposa de Balfour. E a
hipótese, por mais que ele desconsiderasse a idéia de casar-se, caiu-lhe como uma
pedra no estômago.

Diante do espelho móvel, Velvet virou o cartão de visita do marquês de


Litchfield que tinha entre os dedos. O verso do cartão dizia apenas Lorde Hawkins,
palavras escritas em tinta azul numa caligrafia indiscutivelmente masculina. Por
algum motivo que ela nem imaginava, Jason viera procurá-la. E a esperava na sala de
visitas.
Só de pensar em revê-lo já se sentia meio zonza, com as pernas bambas, o
coração aos pulos, o rosto afogueado... Amaldiçoou-o em pensamentos por deixá-la
assim, com as emoções à flor da pele. Desejou ardentemente que pudesse provocar a
mesma reação nele.
Que homem difícil! Seria possível que não se desse conta do risco que corria
ao expor-se em público? E se alguém, mesmo após todos aqueles anos, porventura o
reconhecesse? Ah, meu Deus... Decidindo-se por não deixá-lo esperar, recolocou o
cartão na salva de prata que o criado fora levar até ela, deu uma última espiada no
espelho e, após alisar novamente a saia do vestido de seda amarelo-manteiga, deixou
seus aposentos. Absorto em admirar a fileira de quadros que retratavam os pais e os
avós dela, Jason se virou ao ouvi-la entrar na sala.
— Olá, Velvet.
— Eu não esperava vê-lo aqui.
— Não? O que pensou que fosse acontecer quando recusou minha oferta de

Projeto Revisoras 99
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auxílio?
Apesar de sentir-se intimidada por aqueles penetrantes olhos azuis, ela ergueu
o queixo.
— Que você fosse recuperar o bom-senso e esquecer esse assunto. Eu lhe disse
que tinha recursos para solucionar meus problemas. Assim que me casar...
— Você também me disse que não queria um marido, que prezava sua
independência e gostaria de preservá-la, caso isso fosse possível. Era mentira?
— Não. Fui absolutamente sincera.
— Muito bem. — Ele aprumou os ombros. — Vou me casar com você.
O susto fez da voz dela um sopro duvidoso:
— Como?
— Vamos nos casar, assim tomarei posse do seu dote para poder passá-lo às
suas mãos. Será um matrimônio temporário. Seus problemas financeiros vão se resol-
ver, e você não perderá sua independência.
— Acho que não entendi. —Apesar de sentir o coração alvoroçado como um
pássaro capturado numa arapuca, fazia o que podia para acompanhar o raciocínio
dele. — Casada com você, como serei independente? E o que você quis dizer com
matrimônio temporário?
Muito elegante num fraque azul-marinho e calças justas da mesma cor, Jason
respirou fundo.
— Posso ajudá-la a assumir o controle sobre seu dote, porém não tenho como
permanecer na Inglaterra. Não há mais lugar para mim neste país, se conseguir
escapar da forca, voltarei para St. Ives, meu latifúndio nas Índias Ocidentais. E, assim
que eu me for, você irá pedir que o casamento seja anulado.
— Você tenciona casar comigo, passar um tempinho na minha cama e depois
ir embora quando lhe der na veneta? Interessante, lorde Hawkins. Tanto que deve
haver um bom número de cavalheiros dispostos a se candidatar ao posto.
— Não pretendo me deitar com você... O que, aliás, jamais devia ter
acontecido. Eu já lhe disse que não quero uma esposa... ou filhos. Nem agora, nem
nunca. Se você concordar, faremos um matrimônio de conveniências: você terá seu
dinheiro e eu tirarei da consciência o peso de roubar sua pureza. Minha proposta é
de ordem puramente prática.
Velvet sentiu uma fisgada no peito. Jason era o terceiro cavalheiro que a
abordava com uma proposta de união conjugai que no fundo não passava de uma
troca de vantagens. Nenhum deles nutria ou nutrira qualquer sentimento por ela.
— Agradeço seu interesse, meu lorde, mas não precisa se preocupar comigo.
Lorde Balfour já me propôs um acordo que irá solucionar meus problemas e, embora

Projeto Revisoras 100


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

eu ainda não tenha dado minha resposta a ele, muito em breve irei fazê-lo.
Mesmo queimado de sol, o rosto de Jason perdeu a cor.
— Está me dizendo que prefere casar-se com Balfour?
— Não foi isso o que eu disse. Apenas me referi ao...
— Você está certa. Balfour a ama e, além de lhe dar filhos, certamente será o
marido e o pai que eu jamais poderia ser.
Ao vê-lo baixar os olhos a um ponto qualquer no assoalho, ela não se conteve:
— Lorde Balfour não me ama. Na verdade, acredito que ele esteja apaixonado
por Mary Stanton.
— Então por que ele...
— Como você mesmo disse, trata-se de um acordo de ordem puramente
prática.
Jason voltou a fitá-la nos olhos.
— Nesse caso, é melhor você se casar comigo. E depois, quando eu me for,
tentar encontrar um marido que valha a pena, alguém que a ame de verdade e cuide
do seu bem-estar como você merece.
O nó na garganta dela se adensou. Apesar de não amá-la, Jason se preocupava
com seu futuro e não queria vê-la sofrer.
— Eu queria saber o porquê de você ser tão avesso ao casamento.
— Um homem como eu não se casa, Velvet, não tem esposa e filhos. Alguém
como eu não sabe mais por onde começar para levar uma vida comum, como os
demais. — Com os olhos agora turvos por uma emoção vinda das profundezas da
alma, pôs-se a friccionar a cicatriz no dorso da mão. — Vivi mais de oito anos longe
da Inglaterra. Vi coisas que ninguém jamais deveria ver. Fiz coisas de que vou me
arrepender pelo resto dos meus dias.
— Mas...
— Este é um país civilizado, Velvet, e eu não sou mais um homem civilizado.
— Jason... — Tentou afagá-lo no rosto, porém ele se afastou.
— Então, qual é a sua escolha: eu ou Balfour?
Oh, Senhor misericordioso. O bom-senso lhe ordenava afastar-se de Jason
Sinclair a passos largos, o mais depressa que conseguisse. No entanto, o fato era que
o amava apaixonadamente. Um sentimento que só fazia crescer com o passar dos
dias.
— Escolho você, Jason.
Tão abruptamente como surgira, a emoção sombria que antes turvava os olhos

Projeto Revisoras 101


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

dele se foi.
— Litchfield sabe como obter uma licença especial. Daqui a três dias, você se
tornará lady Hawkins e, no final da semana, será uma mulher riquíssima novamente.
Apaixonada por um homem que não me ama, pensou Velvet. Esposa de um
marido que nunca pretendera desposá-la e que tencionava abandoná-la. Um homem
que talvez acabasse enforcado, acusado de assassinato.

Avery Sinclair apoiou-se à parede recoberta por papel dourado da elegante


sala de visitas de lorde Briarwood. Embora conversasse em voz baixa com uma
amiga a poucos metros dali, sua mina de ouro, Mary Stanton, tinha o olhar apontado
para o sujeito alto junto às portas que davam para a varanda, Christian Sutherland, o
bem-apanhado conde de Balfour.
Sem notar, Avery cerrou os punhos. Mary, que parecia atraída por Balfour
desde que pusera os olhos nele, havia desencorajado a corte do idiota só para
agradar ao pai, que não via muita vantagem em casar a filha com um indivíduo a
quem chamavam de Conde Namorador. Na verdade, sir Wallace estava mesmo era
obcecado com a idéia de transformar a herdeira na duquesa de Carlyle.
Avery cravou os olhos em Mary, que ao perceber que era observada, corou até
a raiz dos cabelos antes de desviar o olhar do local onde se achava Balfour. Muito
pálida a não ser pelo rubor do constrangimento, ela estava excepcionalmente bela
naquela noite num vestido de tafetá branco adornado com rosetas de cetim anil, um
traje que lhe destacava o azul dos olhos e o loiro-cinzento dos cabelos, além de
envolvê-la numa aura de virginal inocência.
Ao sentir uma ameaça de ereção, Avery ajeitou discretamente as calças
enquanto passava o peso do corpo de uma perna para a outra, sorrindo ao antever o
prazer que iria sentir ao se apoderar do tesouro que Balfour tanto desejava. Agora
mais relaxado, tirou o relógio do bolso do colete de brocado cor de mostarda,
conferiu as horas e tornou a sorrir quando viu o criado de libré irromper no limiar da
sala com uma salva de prata na mão; após sondar as pessoas reunidas no aposento
com um olhar expectante, o esbaforido serviçal partiu numa linha reta em direção à
filha de Wallace Stanton.
Vinte minutos depois, Mary estava no banco diante do dele no interior da
reluzente carruagem negra de Carlyle, encolhida sob uma manta para aquecer o colo
e as pernas, as feições de menina aviltadas pela preocupação ante o suposto mal-estar
que acometera seu pai. Até o momento, o plano se desenrolava exatamente como o
previsto.
O suntuoso coche deslizou ruidosamente pelas ruas pavimentadas de pedras
arredondadas antes de tomar a estrada poeirenta que deixava a cidade. Suave e ao
mesmo tempo tensa, a voz de Mary soou um tom acima do incessante tropeliar das

Projeto Revisoras 102


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

rodas e do zunido áspero dos arreios:


— Não entendo... Por que meu pai pediu que eu avisasse você de que ele
estava passando mal? Não é do feitio dele envolver estranhos nos problemas de
família.
— Estou longe de ser um estranho, minha querida, afinal, muito em breve
serei seu marido nos termos da lei. Assim, sinto-me muito honrado com que seu pai
já me considere um membro da família.
— Seja como for, qual o sentido de manter essa súbita indisposição em
segredo? No bilhete, ele insistiu para que eu não contasse nada a ninguém, só a você.
E por que meu pai iria querer que nós fôssemos até ele juntos... e sem a companhia
de mais ninguém? — Os olhos dela se umedeceram. — Estou muito preocupada,
Vossa Graça. Deve ter acontecido alguma coisa terrível; não há outra explicação para
um comportamento tão estranho.
— Não se aflija dessa maneira. — Pousando a mão sobre a dela, Avery
apertou-a de leve. — Mais um pouco e estaremos na hospedaria para onde seu pai
foi levado; lá, vamos descobrir o que realmente se passou e qual a razão de ser disto
tudo.
De fato, era o que iria acontecer. Só que não exatamente da forma como Mary
imaginava.
Angustiada como estava, ela mal esperou que seu acompanhante a ajudasse a
saltar da carruagem depois que o veículo se deteve diante da acanhada estalagem
com telhado de sapé à margem da estrada. E, com a mesma afobação, tratou de
galgar os degraus da escada para o quarto onde supunha encontrar o pai.
Mary só foi descobrir o que realmente estava se passando quando Avery, após
derrubá-la sobre a cama, arrancou-lhe as roupas e meteu-se nas profundezas de sua
feminilidade até então intocada. No momento em que isso aconteceu, ela já havia
desistido de resistir à covarde agressão ao seu corpo e à sua dignidade; tomada de
horror, sem forças e mal conseguindo respirar, simplesmente se largara sob ele como
uma boneca de pano, entregando-se às lágrimas de dor e vergonha enquanto o
canalha grunhia e resfolegava em seu pescoço.
Quando afinal se deu por satisfeito, Avery, deslizou o membro flácido por
entre as coxas sujas de sangue antes de recolhê-lo para dentro da braguilha das
calças, então anunciou que eles iriam se casar, por intermédio de uma licença
especial, na manhã seguinte. E, sem um pingo de sinceridade, tentou se explicar:
— Lamento, minha querida, mas você não me deixou outra opção. Meu desejo
por você é imenso; eu não teria como suportar um noivado longo.
Com a sensação de que não seria capaz de controlar o forte enjôo que lhe
revirava o estômago, Mary permaneceu imóvel enquanto ele terminava de ajeitar as
calças abaixo dos joelhos para em seguida caminhar até a porta e, após abri-la, sair

Projeto Revisoras 103


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

para o corredor como se nada tivesse acontecido. No entanto, bastou-lhe ver-se


sozinha para ela afundar o rosto no travesseiro e desatar a chorar convulsivamente.
Por que não tinha ouvido seu coração em vez de agir como a filha zelosa dos seus
deveres? Deus, se seu pai soubesse, quem de fato era Avery Sinclair, jamais o teria
escolhido para genro...
Lembrou-se de lorde Balfour. Desde que a conhecera, o conde a tratava com
respeito e delicadeza, decerto em resposta à ternura que sentia nela. Era como se
Christian Sutherland compreendesse a solidão que habitava seu peito, do mesmo
modo como ela entendia o vazio que ele parecia trazer no coração... No entanto, seu
pai fora contra um possível romance entre ambos, alegando que o conde era um
conquistador, a pior espécie de homem que poderia existir, um marido que
certamente faria a esposa padecer todo o tipo de sofrimento. Por conta disso,
renunciara à corte de lorde Balfour para aceitar a escolha de seu pai, o duque de
Carlyle...
Ignorando as machucaduras em sua pele clara e a dolorosa ardência entre as
pernas, Mary soluçou de encontro ao travesseiro até perder o fôlego.

Densas nuvens acinzentavam o céu enquanto um corvo crocitava num galho


do centenário olmo defronte à porta principal da acanhada capela nas imediações da
cidade onde Velvet se casava.
Finda a breve e pouco inspirada cerimônia celebrada pelo vigário de cabelos
ralos, ela e Jason desciam os degraus diante da ermida quando uma rajada de vento
veio fustigar as folhas secas dispersas junto à bainha do vestido de brocado prateado
da noiva. Apesar de tudo, Velvet não se sentia casada. Nem um pouco. Desde o
instante em que fora buscá-la na residência Haversham, Jason vinha se mostrando
cortês, porém distante, uma atitude que parecia deixar bem claro que aquela união
jamais seria um autêntico matrimônio.
Para piorar aquela sensação, o velho conde, que não vinha se sentindo muito
bem ultimamente, não fora testemunhar o enlace. No intuito de animá-lo, Velvet
havia dito que conhecera lorde Hawkins por intermédio do marquês de Litchfield,
que ambos tinham ficado amigos e que Jason se dispusera a se casar com ela somente
para ajudá-la. E ainda que não poupasse elogios e agradecimentos ao noivo por conta
de gesto tão humano, o conde de Haversham não levara mais do que instantes para
esquecer completamente sobre o que conversavam.
Lançando um olhar de rabo de olho para o cavalheiro com quem acabara de se
casar, Velvet pegou-se pensando que Jason era um homem formidável, que
transpirava força através da personalidade forte e da presença marcante.
— Você está com frio. — Ao senti-la apertar seu braço, ele se deteve no
jardinzinho em frente à capela para embrulhá-la melhor no manto com remates de
cetim. — Vai se sentir melhor no interior da carruagem.

Projeto Revisoras 104


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Não, não era frio que ela sentia. Na verdade, tremia ante o peso da realidade:
era agora a esposa de Jason Sinclair Hawkins, ou pelo menos era isso o que a certidão
dizia, abastado primo distante do ramo da família na Nortúmbria. Um casamento
que se afigurava como um desfecho natural para um casal que se conhecia desde a
infância.
Jason ajudou-a a transpor os degraus de ferro no estribo da carruagem, em
seguida ele e Litchfield subiram no veículo.
— Parece-me que este é um bom momento para eu expressar meus votos de
felicidades a vocês dois — afirmou o marquês com um sorriso.
Antes que ela pudesse agradecer, Jason retrucou com azedume:
— Este simulacro de casamento não é motivo para felicitações. Ainda mais
tendo em conta que o noivo vai passar a noite sozinho.
Lucien dissimulou uma risadinha para observar:
— Eu já imaginava que era esse o motivo do seu mau humor — observou
Lucien, dissimulando uma risadinha.
Um músculo se contraiu no rosto de Jason, porém ele nada disse. Já Velvet
preferiu ignorar que sentia o rosto em brasa e, tratando de imprimir um tom natural
à voz, não se furtou a provocá-lo:
— Você ainda não me disse se pretende voltar ao Castelo Running ou
continuar na residência de lorde Litchfield na capital.
Ele a fitou com um ar de garoto arteiro.
— Ora, duquesa, pensei que estivesse subentendido que eu iria me mudar
para sua casa. Afinal de contas, sou seu primo, um membro da família. Enquanto não
regressamos juntos para o interior, onde mais um marido amoroso haveria de morar
senão na companhia de sua esposa?
— Mas você falou que iria dormir sozinho. E que...
— Eu não disse que não desejava me deitar com você, e sim que não iria fazê-
lo, já que não quero um casamento de verdade. De mais a mais, não posso deixá-la
desprotegida depois de sua bisbilhotice ter chamado a atenção de Avery.
— Como assim?
— Alguém tem seguido você e anda espreitando a Mansão Haversham.
— Tem certeza? — E, antes que ele respondesse, assinalou: — Nesse caso,
você não pode ficar lá, pois esse espião iria contar a Avery que...
— Quem irá morar lá é Jason Hawkins; Jason Sinclair está morto. Avery não
tem motivos para suspeitar que estou vivo ou por que desconfiar que você esteja
sendo movido por algo além da mera curiosidade. Mas, infelizmente, até isso já é
perigoso, uma vez que meu querido irmãozinho não vai permitir que alguém se

Projeto Revisoras 105


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

interponha no caminho dele, seja lá de que forma for. Assim sendo, tenho de cuidar
da sua segurança.
Velvet não refutou a argumentação dele. Se Jason estivesse por perto, seria
mais fácil tentar dobrá-lo, ajudá-lo a provar que era inocente e, que Deus a ajudasse,
tratar de persuadi-lo a não ir embora da Inglaterra.
Antes de escorregar pelo coxim de couro do coche de aluguel para que Jason
pudesse entrar no veículo, Lucien Montaine admirou por um instante a Mansão
Haversham na Berkeley Square e viu que Velvet se achava junto ao pesado cortinado
numa das janelas.
— Que tempo horroroso — comentou Jason, ajeitando o manto sobre os
ombros depois de se acomodar diante do amigo. — Não deve haver vivalma pelas
ruas com uma garoa gelada como esta.
— Realmente. — O marquês tornou a olhar para a mansão enquanto o coche
se punha em movimento.
— Apesar do mau tempo, pensei que sua esposa fosse insistir em nos
acompanhar.
— E não? A endiabradazinha chegou a dar a idéia de vestir-se como um
rapazinho e ficar esperando por nós diante da taverna, assim teria como nos ajudar
ou nos alertar caso surgisse algum problema... Você acredita numa coisa dessas? —
Abanou a cabeça. — Ela é impossível.
— Impossível e encantadora. — Lucien recostou-se ao assento.
— Por misericórdia, não me faça lembrar os impulsos libidinosos que tenho de
reprimir sempre que estou junto daquela desmiolada. — Espiou pela janela.
— Tomara que Foote dê as caras.
— Fique tranqüilo. Alguém como ele não é capaz de resistir à oportunidade de
colocar as mãos em algumas moedas de ouro.
Com os nervos em ponto de bala e as expectativas se avolumando num
crescendo, Jason nada respondeu.
Um nevoeiro espesso começava a cair sobre a cidade, e nem mesmo os
mendigos pareciam dispostos a deixar o precário aconchego de seus abrigos. Assim
que chegaram à taberna em Bell Yard, pediram ao cocheiro que os esperasse ali e,
após atravessarem a rua enlameada, entraram no estabelecimento.
Apesar do número bem menor de fregueses, o que contribuía para que o ar
parecesse mais respirável, o lugar se achava enfumaçado e mal iluminado como na
primeira vez que haviam estado lá.
— Olá, bonitão. — Gracie, a empregada de seios fartos que servia às mesas,
correu a se juntar a Jason.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Fico contente por ver que você manteve sua palavra.


— Eu disse que viria, não disse? — Obrigou-se a sorrir para a moça. — Foote
já chegou?
— Ele está aqui, sim. Bem ali. — E indicou com a cabeça um canto no fundo
do bar.
Ao olhar na direção apontada, Jason admirou-se ao ver que se lembrava
daquele homenzarrão de aspecto rude e rosto picado de cicatrizes de varíola. Oito
anos atrás, na prisão, fizera questão de evitá-lo. Uma atitude absolutamente correta,
ao que tudo indicava.
— Boa-noite, amigos. — Foote levantou-se assim que eles se aproximaram. —
Ouvi dizer que estavam procurando por mim.
— É verdade — confirmou Lucien, enquanto os três se sentavam nos rústicos
tamboretes de madeira ao redor da mesa. — Você tem informações pelas quais
estamos dispostos a pagar.
O baitarra os olhou com um ar desconfiado.
— Pensei que quisessem me encomendar um servicinho.
— O serviço já foi feito. Há oito anos — retrucou Jason. — E o que queremos
saber é quem foi que lhe pagou para executá-lo.
— Agora você me deixou confuso, amigo.
— Newgate. Havia um aristocrata lá, acusado de assassinato. O nome dele era
Jason Sinclair.
— Carlyle... — Foote soprou o ar dos pulmões por entre os dentes incisivos. —
É do maldito duquezinho que você está falando.
— Exatamente — afirmou Lucien. — Queremos saber quem lhe pagou para
matá-lo.
O banco rangeu quando Foote fez menção de se erguer. De pronto, Jason
plantou a mão no ombro do homenzarrão, obrigando-o a permanecer sentado.
— Não é atrás de você que estamos. Diga-nos o que queremos saber, e
ninguém irá lhe fazer mal.
Após alguns instantes de tensa mudez, Foote deixou os ombros cair.
— Quem foi? — insistiu Jason. — Quem lhe deu dinheiro para acabar com
Jason Sinclair?
— Acredite ou não, foi o irmão do pobre-coitado. — Fez um muxoxo. — Ele
me deu uma boa quantia para eu tirar a vida do jovem duque.
— Está se referindo a Avery Sinclair, não é? — Lucien quis se certificar. — O
atual duque de Carlyle.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Esse mesmo. Um canalha, se quiserem saber. Mas, se acham que vou


repetir isso diante de um policial, estão muito enganados. Ficar dependurado no nó
da forca não foi parte do negócio. — Deu um sorriso malévolo. — Agora a minha
moeda... E eu sumirei daqui para sempre.
— Ainda não. — Jason encostou às costelas de Foote a pistola que até então
mantivera no interior do bolso do paletó; com a mesma presteza, Lucien colocou um
pedaço de papel sobre a mesa. — Por acaso você sabe ler?
— Sei que é difícil de acreditar, mas fui professor antes de me iniciar na vida
do crime.
Jason quase deixou escapar um sorriso. Se já seria bom se ele fizesse um sinal
qualquer no papel diante de uma testemunha, uma assinatura era muito melhor.
— Então você tem como verificar que esse documento não afirma nada além
do que aquilo que você já admitiu — explicou Lucien. — Ou seja, que Avery Sinclair
lhe pagou para dar cabo do irmão dele quando esse mesmo irmão se encontrava no
cárcere.
Após passar os olhos pelo que estava escrito na folha de papel almaço, Foote
fez um aceno afirmativo coma cabeça.
— Assine, pegue seu dinheiro e suma-se daqui... rumo ao exterior, se for um
homem esperto. Caso se recuse, iremos arrastá-lo até o gabinete do magistrado. —
Sem esperar pela resposta, Jason; fez um sinal a Gracie, solicitando-lhe que fosse até
a mesa. — Traga pena e um pouco de tinta, sim? — E, assim que ela retornou com o
pedido, recompensou-a com uma moeda.
Curvando-se sobre a mesa, Foote apôs uma desenhada assinatura ao pé do
documento. Jason esperou alguns instantes e, ao se certificar de que a tinta estava
seca, dobrou o papel e guardou-o no bolso. Por si só, a declaração, a palavra de um
criminoso, não seria suficiente para inocentá-lo; mas, anexada aos documentos que
havia encontrado no cofre de Avery, era bem mais do que tinha anteriormente.
Enquanto ele entregava uma bolsinha com moedas ao pulha, Lucien
aconselhou:
— Sugiro que você vá para bem longe de Londres. O mais longe possível.
— Nunca me dei bem nesta porcaria de cidade mesmo — resmungou Foote.
— E vai se dar ainda pior se nossos caminhos tornarem a se cruzar — Jason o
preveniu. — Não gosto nem um pouco de dar dinheiro a assassinos.
Elias Foote se foi de cara amarrada e ombros caídos e, pouco depois, Jason e
Lucien também deixaram a taverna para irem se acomodar no coche de aluguel que
os aguardava junto ao meio-fio. E só ao se recostarem ao rijo assento de couro do
veículo foi que os dois se deram conta de que não estavam sozinhos.
— Fico contente em ver que você e Litchfield estão bem, meu lorde —

Projeto Revisoras 108


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

anunciou a voz vinda do canto junto a uma janela. — Eu já começava a pensar que
tivessem se metido em alguma encrenca.
Ao olhar para ela, Jason não sabia se ria ou se enfurecia.
— Acho que foi você, lady Velvet, quem se meteu em confusão esta noite. —
Bateu no teto da carruagem. — Cocheiro, leve-nos de volta à minha maldita casa!
Afastando da cabeça o capuz do manto, Velvet seguiu à frente dele até a sala
de estar, então se virou ao ouvi-lo fechar as portas com um baque seco.
— Em nome de Deus, mocinha, o que você acha que está fazendo? Bell Yard é
a zona mais degradada da cidade. Como pôde ir sozinha até lá? Se algum daqueles
degenerados tivesse percebido que você é mulher...
— Fui extremamente cautelosa. E, se as coisas tivessem sido diferentes, você e
Litchfield iriam se surpreender ao ver o quão útil eu poderia ter sido.
— Você não tem um pingo de juízo, Velvet Moran.
— Velvet Moran Hawkins — ela o corrigiu enquanto largava o manto úmido
sobre uma poltrona.
Num só movimento, Jason agarrou-a pelos ombros para colocá-la bem à sua
frente.
— Sou homem, Velvet, e você é mulher. Tenho quase o dobro do seu tamanho
e mais do que o triplo da sua força. E, por mais que você não queira acreditar, sou
plenamente capaz de cuidar de mim sem que você ou qualquer outra pessoa me
ajudem. É o que tenho feito nos últimos oito anos. — Sacudiu-a. — Será que não
consegue entender... Não quero que algo de mal lhe aconteça!
Por alguns instantes, ela ficou a fitar os ardorosos olhos azuis que pareciam a
ponto de devorá-la. E, quando Jason a soltou, abraçou-o e, pondo-se na ponta dos
pés, encostou o rosto ao dele.
— Também não quero que algo de mau aconteça a você, Jason. Foi por isso
que o segui até Bell Yard.
Pego de surpresa, ele hesitou um instante antes de enlaçá-la pela cintura.
— Você é diferente de todas as mulheres que já conheci.
Ela não respondeu. Movida pelo estimulante aroma de chuva e fumaça que se
desprendia das roupas de Jason, aconchegou-se ao tórax largo e, pouco depois, sentia
o coração dele, forte e acelerado, pulsar junto do seu peito. Vivida e absorvente, a
onda de desejo que brotou em sua pélvis serpenteou pelo seu corpo inteirinho,
levando-a a mordiscar a ponta da orelha dele para em seguida beijá-lo com
suavidade no pomo de adão.
Jason gemeu e, apertando-a contra o corpo, aprisionou-lhe os lábios num beijo
abrasador, intenso e envolvente a ponto de roubar o ar dos pulmões dela. Velvet

Projeto Revisoras 109


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

estremeceu da cabeça aos pés: seus seios se inturgesceram, distendo seus mamilos, e
a torrente de desejo que a percorria foi se concentrar no espaço já úmido entre suas
pernas. Trêmula de paixão, desabotoou a camisa que ele usava para deslizar as mãos
pelo torso queimado de sol antes de enroscar os dedos nos pelos que o recobriam. No
instante seguinte, a mão voluntariosa enfiou-se pelo decote do seu vestido e foi lhe
abarcar um dos seios. O beijo se exacerbou, os dedos dele eletrizaram seu mamilo,
suas pernas bambearam.
— Jason... Oh, meu bom Deus!...
A mão em seu seio se imobilizou. O peito dele arfou no ritmo de uma
respiração áspera e entrecortada.
— Diabo dos infernos! — Segurando-a pelos braços, Jason afastou-a de si. —
Que raios você está fazendo?
— Eu... eu estava beijando você. Só um beijo, um...
— Só um beijo? Mais cinco segundos e eu iria possuí-la aqui mesmo, iria me
enterrar profunda e completamente em você... e aos diabos com as conseqüências.
— Até parece que seria pela primeira vez. Pelo menos agora estamos casados.
— Não somos casados! Desde o início eu lhe disse que se tratava de um
arranjo temporário. Não quero uma esposa, não fui talhado para ser marido... nem
agora, nem nunca.
Tratando de ignorar o ardor nos seios e na feminilidade, ela o encarou.
— Pois eu acho que você daria um marido excelente, Jason.
— Não adianta; você não entende. — Soltou-a e, afastando-se outro passo,
virou-se para a parede. — É tarde. Já passou da hora de você ir se deitar.
Por maior que fosse a vontade de voltar a beijá-lo, Velvet desejou-lhe boa-
noite e foi se recolher aos seus aposentos. Jason vinha ocupando o quarto ao lado do
seu e, só horas mais tarde, ao ouvi-lo entrar no quarto, foi que ela conseguiu pegar no
sono.
Ao descer para o café da manhã num vestido verde-musgo ornado com
metros de renda branca, Velvet não esperava encontrar o avô e o marido às risadas
na sala de refeições.
— Bom-dia, querida. — O velho conde sorriu e, assim como Jason, pôs-se em
pé enquanto ela tomava seu lugar à mesa. — Seu esposo e eu estávamos trocando
histórias dos nossos tempos em Oxford. Ah, aquela escola é uma dessas coisas que
nunca mudam...
Velvet e Jason trocaram um sorriso. Por mais estranho que parecesse, o conde
de Haversham não tinha a menor dificuldade em recordar fatos do passado; eram os
eventos recentes que pareciam não se fixar em sua memória e, tendo percebido isso,
Jason sempre tomava o cuidado de conduzir a conversa para assuntos que não

Projeto Revisoras 110


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

causassem transtornos ao velhinho.


Vestindo um traje todo preto, o mordomo surgiu no limiar da porta.
— Lorde Litchfield, que pede desculpas por não avisar que viria, deseja falar
com lorde Hawkins. Eu o conduzi à sala de visitas.
— Obrigado, Snead. — Jason então se voltou para Velvet e o idoso conde. —
Se me dão licença...
— Certamente — respondeu o ancião; sua neta, porém, levantou-se e foi atrás
do marido.
Alcançando-o junto à porta da sala de visitas, Velvet segurou-o pelo braço.
— Sou sua esposa, Jason... pelo menos até você ir embora. O que Litchfield
tem a dizer é do nosso interesse.
Embora desse a entender que fosse refutar os argumentos dela, Jason acabou
assentindo:
— Como quiser, minha dama.
Com a fisionomia um tanto sombria, o marquês se achava junto à lareira.
— O que houve? — Jason o interpelou enquanto fechava as portas.
— Trata-se de Avery. Tudo indica que ele se casou com Mary Stanton... e
assumiu um patrimônio imenso.
— Oh, pobre Mary — lamentou Velvet.
— Pensei que o noivado fosse ser longo o bastante para que ela acabasse
descobrindo a verdade — comentou Jason.
— Dizem que foi uma união por amor, que os dois estavam apaixonados um
pelo outro e que escapuliram para se casar quando o pai dela se encontrava viajando.
Mesmo assim pedi ao nosso homem, Barnstable, que investigasse a veracidade de
tais comentários, e ele veio me dizer que Mary Stanton foi obrigada a casar-se.
Segundo Barnstable, a moça deixou a festa em que se achava na mansão dos
Briarwood porque a fizeram crer que o pai estivesse passando mal.
— Soa como um ardil típico de Avery. — Jason franziu o cenho. — Não há
limite que ele não ultrapassaria para conseguir os recursos de que precisa.
Enquanto Velvet fazia um ar enojado, Litchfield lembrou:
— Se antes ele já era um inimigo a se temer, agora, com o respaldo e o
dinheiro do sogro influente, é pelo menos duas vezes mais perigoso.
— Vamos ter de acelerar nossos planos.
— Está se referindo a Célia?
— Também — confirmou Jason. — A notícia do casamento de Velvet se

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

espalhou, e temos recebido dezenas de convite. Parece que meia aristocracia está
querendo conhecer o felizardo que desposou a herdeira Haversham, e Avery
certamente se encontra entre os curiosos. Temos de encontrar uma maneira de re-
solver esse problema e continuar a procurar provas contra ele, mas, enquanto isso,
quero conversar com Barnstable. Quem sabe ele não conseguiu descobrir algo que
nos interesse?
Velvet desejou ardentemente que o investigador da Bow Street tivesse boas
notícias... e ignorou a dor de pensar que, assim que conseguisse provar sua inocência,
Jason iria embora da Inglaterra.

Christian Sutherland, conde de Balfour, encostou-se à porta que se abria para


a varanda. Uma hora atrás, Velvet Moran, agora casada com um primo distante da
Nortúmbria, chegara ao concorrido sarau na companhia de Lucien Montaine e lorde
e lady Briarwood, de quem havia ficado muito amiga.
Velvet tinha enviado uma carta a Christian para informá-lo do seu casamento
um dia após a cerimônia, explicando que, embora enamorada do primo havia muitos
anos, jamais alimentara esperanças de que ele fosse lhe propor matrimônio. Na
mensagem, além de pedir ao conde que compreendesse seus sentimentos, também
declarara seu desejo veemente de que pudessem continuar bons amigos.
Enquanto a via sorrir ao se deter para trocar algumas palavrinhas com a
condessa de Brookhurst, Christian pegou-se pensando na história de que o homem
com que ela se casara era tímido e estudioso, tanto assim que preferia a companhia
dos livros ao mundo fútil da alta sociedade. Apesar disso, segundo a própria Velvet,
ela e lorde Hawkins planejavam para breve uma festa para celebrar o casamento,
ocasião em que seus amigos poderiam conhecer seu acanhado marido.
De sua parte, Balfour estava feliz com a felicidade da amiga. Só o que lhe
causava certa amargura era a constatação de ter sido rejeitado ostensiva e catego-
ricamente pelas duas damas com que tivera intenções de casar-se.
Foi tal pensamento que fez o olhar dele se dirigir ao outro lado do apinhado
salão, onde Sua Graça, Mary Sinclair, duquesa de Carlyle, postava-se como um es-
pectral bichinho sem dono ao lado do esguio e sorridente marido, que mais parecia
um pavão em calças e paletó azul-real e jóias com diamantes e pérolas cultivadas...
Trajes que, além de certamente terem custado uma fortuna, eram também uma
afirmação da riqueza e do poder recém-adquirido por intermédio da união com a
filha de Wallace Stanton.
Christian, que se vira atraído por Mary assim que a conhecera, a ponto de
querê-la por esposa, sentiu uma pontada no peito ao vê-la tão pálida, com aquele ar
infeliz e desamparado. Seria possível que os comentários que andara ouvindo fossem
verdade? Que, em vez de um matrimônio por amor, ela fora obrigada a se casar com
o duque?

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Punhos cerrados, o conde virou-se e saiu para a varanda.


Depois de tanto sorrir e agradecer às intermináveis salvas de cumprimentos,
Velvet ainda se via forçada a rir da obscena observação da condessa de Brookhurst:
sem a menor cerimônia, a bela dama de cabelos negros acabava de afirmar, por trás
do leque, que o barão Densmore não só tinha "equipamentos" de um touro escocês
como também se comportava tal qual o vigoroso quadrúpede na cama. E,
emendando uma vulgaridade na outra, Celia Rollins aproveitou para comentar que a
anatomia masculina de lorde Whitmore podia ser comparada à de um sapo todo
enrugado.
— Você realmente não tem papas na língua, minha dama. — Apesar dos ares
liberais que se dava, Velvet sentia o rosto em brasa.
— Querida, já passou da hora de darmos fim às formalidades. De agora em
adiante você me trata por Celia, e eu a chamarei de Velvet.
— Será um prazer... Celia.
— Abomino a maioria das mulheres, sabe?, mas às vezes aparece uma que
sabe o que quer, e eu pressinto isso em você, Velvet. Não conheço seu marido, porém
tenho certeza de que uma mulher com seu temperamento não iria se contentar com
menos do que um amante ardente. — Celia Rollins bateu as pestanas de um modo
um tanto malicioso. — Isso é mais uma coisa que temos em comum.
Embora balançasse a cabeça num gesto afirmativo, Velvet sentiu um certo
mal-estar. Seria impressão ou a condessa começava a lhe dirigir olhares que geral-
mente reservava às desavisadas presas do sexo masculino? Não, decerto estava
imaginando que Celia a mirava com velada sensualidade... Ou não?
— Parece que meu acompanhante, o barão, está vindo para cá. Aposto que ele
tem planos para este finzinho de noite... — Após enviar um sorriso sedutor ao rapaz,
lady Brookhurst tornou a fitar Velvet. —Por que não vai tomar chá comigo na
próxima quinta-feira? Prometo que, até lá, já terei juntado todos os mexericos mais
suculentos a respeito do apressado casamento de seu ex-noivo com Mary Stanton.
Por isso, venha preparada para ouvir os detalhes mais indecentes, a começar pelos da
noite de núpcias.
Velvet sentiu o pulso se acelerar. Aquela era a oportunidade por que tanto
esperava, a ocasião perfeita para fazer perguntas. Pena que a perspectiva de passar
uma tarde na companhia da condessa fosse, tão perturbadora.
— Irei, sim... Célia.
Visivelmente satisfeita, lady Brookhurst sorriu e, um instante depois, arqueou
um das sobrancelhas negras à aproximação de lorde Densmore, o touro escocês.
— Lá vem ele. E, se me permite dizer, gosto daquela expressão que exala
intenções totalmente indecorosas. — Sem mais, a condessa partiu ao encontro do
amante.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Fatigados da rodada de festas a que vinham comparecendo desde o dia


anterior, Velvet e seus amigos deixaram a festa meia hora depois. E, no caminho de
volta para casa, ela decidiu que contar a Jason do encontro com Célia Rollins na
quinta-feira não seria a atitude mais sensata a tomar.
O luar a se filtrar pela copa das árvores junto às janelas do dormitório também
banhava as pedras do pavimento lá embaixo e as carruagens que vinham devolver
seus ocupantes às mansões na Berkeley Square. Diante de uma dessas janelas, Jason
caminhava de lá para cá, detendo-se de quando em quando para espiar pela vidraça
em painéis. Eram quase três da madrugada; onde Velvet, que ainda não retornara do
passeio com Litchfield e os Briarwood, teria se metido?
Vinte minutos se passaram antes que ele visse a carruagem do marquês entrar
na praça, e outros dez mais para que ouvisse Velvet subindo a escada. No entanto, a
onda de alívio que o percorreu não levou mais do que instantes a dar lugar a uma
irritação desarrazoada e, indo abrir de um só golpe a porta que separava os dois
aposentos, a porta que até então fizera das tripas coração para evitar, Jason entrou
pisando duro no quarto dela.
Um "oh!" de surpresa se ergueu de um canto iluminado por uma lamparina.
— Perdão, meu lorde — Tabitha correu a se desculpar —, mas ouvi milady
chegar e logo imaginei que ela iria precisar de mim para ajudá-la a tirar o traje de
noite.
Um suave estalar de passos desviou a atenção dele para a porta que dava para
o corredor um instante antes que Velvet surgisse à soleira.
— Está tudo bem, Tabitha. Já que meu marido estava me esperando, ele pode
me ajudar com minhas roupas. — Com isso, olhou-o com uma mescla de malícia e
provocação. Quem o mandara penetrar em seus domínios?
A aia se foi, e Jason permaneceu calado.
— Você queria falar comigo, meu lorde?
— Quero saber o que andou fazendo até as três horas da manhã. — Tentou
não prestar atenção ao modo como os seios fartos dela pareciam querer saltar do
vestido azul-turquesa, porém seu corpo já havia atentado ao fato, tanto que seu
sangue já começara a pulsar em suas veias. — Você é uma mulher casada; ninguém
lhe perguntou o que era feito do seu marido?
— Perguntaram, sim, meu lorde. E, como combinamos, eu lhes disse que você,
um homem tímido e apreciador da leitura, sentia-se bem mais à vontade no campo.
— Sentou-se na banqueta estofada do touca-dor, onde começou a tirar as presilhas
dos cabelos, — Mas também lhes disse que, apesar de tudo, havia persuadido você a
dar um baile no fim do mês, em celebração ao nosso casamento, para que todos
tivessem a oportunidade de conhecê-lo. Isso deve manter a curiosidade deles sob
controle por uns tempos.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Ao observar a imagem que via no espelho, Jason reparou na delicada pinta em


forma de coração que ela havia maquiado junto ao canto da boca e sentiu uma
vontade irresistível de beijá-la, de afagar os sedosos cabelos agora acarinhados pela
escova de prata, de deslizar as mãos pela pele sob o vistoso vestido de seda... Com
muito esforço, tentou ignorar a ereção que se avolumava no interior de suas calças
para afirmar:
— Sim, até lá é bem possível que eu já tenha conseguido as provas de que
necessito para confrontar Célia Rollins e fazê-la confessar a culpa de Avery... e
provar minha inocência. — Seu olhar foi pousar no seio sobre o qual ela escovava os
cabelos que jogara por cima de um dos ombros. E, ao sentir a boca subitamente seca,
tornou a mirar a figura refletida no espelho. — Quando meu nome estiver limpo e eu
me for, você poderá inventar uma história qualquer, alegando abandono, e assim,
dar início ao processo de anulação do casamento. Lucien irá ajudá-la no que for
preciso.
Velvet ficou calada por alguns instantes, então se ergueu e, indo até ele, virou-
se de costas para lhe pedir, sem palavras, que abrisse a fileira de colchetes na parte
traseira do seu vestido.
Ao acatar a solicitação silente, Jason enfim sentiu na ponta dos dedos a maciez
da pele que tanto ansiava por tocar. Sentiu também um suave perfume de jasmim... e
a implacável convicção de que tinha o membro viril mais rijo do que pedra.
— Quando você não estiver mais aqui, vou desfrutar de uma liberdade com
que nunca sonhei — comentou Velvet. Às suas costas, o último colchete soltou-se do
gancho, e os dedos dele se imobilizaram. — Uma mulher casada que age com
discrição pode fazer quase tudo o que quiser.
— Desfilar por aí como uma esposa largada pelo marido não é parte do
acordo. Você concordou com a anulação.
— É verdade. — Suspirando, virou-se para ele com o cuidado de segurar o
vestido aberto junto do peito. — Mas já que não pretendo tornar a me casar, eu
poderia...
— Poderia o quê, Velvet? Dormir com quem bem entendesse? Arrumar uma
dezena de amantes?
— Gostei do modo como fizemos amor. Foi assim que aprendi que uma
mulher tem as mesmas necessidades que um homem, que também deseja ser beijada,
acariciada...
— Pare com isso.
— Uma mulher precisa do prazer que o homem lhe dá, precisa saborear o...
— Eu disse para parar, maldição! — Segurou-a pelos ombros. — Pensei que,
com a anulação do nosso casamento, você iria viver com seu avô até encontrar um
marido correto e decente que a tratasse com respeito.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Eu tenho um marido correto e decente, Jason. E estou plenamente satisfeita


com o homem com quem me casei. O fato de ele não me desejar...
— Você sabe perfeitamente bem que isso não é verdade. Tanto que, neste
exato momento, estou rígido como uma rocha. Diabos, se dependesse da minha
vontade, eu arrancaria esse seu vestido, arrastaria você para aquela cama, afastaria
suas pernas e me afundaria no seu corpo. Eu a possuiria com todo o ardor do meu
desejo pelo resto da noite e por todas as outras noites que... Não, não quero mais
ouvi-la falar de amantes porque, se você trouxer alguém para sua cama, vou dar fim
nos dois!
Surpresa com a reação dele, Velvet ficou a fitá-lo por um bom tempo, então
umedeceu os lábios com a ponta da língua.
— Beije-me, Jason. Quero que você faça tudo o que acabou de dizer.
— Oh, Deus! Será que não consegue ver que estou lhe fazendo um favor? Se
fizermos amor, posso engravidá-la... Só que nunca saberei ser pai. Ou marido. Se eu
lhe contasse as coisas que fiz, se tivesse coragem para lhe mostrar o homem que
realmente sou...
— Conte-me. — Segurou o rosto dele entre as mãos. — Conte-me o que houve
para fazê-lo sentir-se dessa maneira.
Jason engoliu em seco às lembranças sombrias que lhe surgiam na memória:
gritos de agonia, uivos de dor, súplicas por socorro... Nauseado, sacudiu a cabeça.
— Não posso. — Afastou o rosto do carinho dela.
— Não me peça isso, Velvet. Nem agora, nem nunca.
— Jason...
— Por favor, entenda que, se nosso casamento fosse real, nada seria proibido
entre nós. Eu acolheria de bom grado seu desejo, sua paixão, que são qualidades
muito raras e muito apreciadas numa esposa. Qualquer marido sensato iria gostar
imensamente disso;
— Sou sua esposa. Você é meu marido.
— Não. Não sou, Velvet. Jamais serei. — E, antes que ela acabasse por
convencê-lo a se render à abrasadora atração que os envolvia e começava a deixá-lo
meio zonzo, rumou a passos largos para a porta que interligava os dois dormitórios.

Christian Sutherland deteve-se na escada de mármore de sua mansão no


bairro West End, defronte ao Hyde Park.
— Por favor... Preciso falar com o conde — insistiu, no vestíbulo, a esguia
figura envolta num manto. — Sei que vim sem avisar, mas, por favor, vá dizer a ele
que estou aqui.

Projeto Revisoras 116


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Lamento, senhora, mas lorde Balfour é muito exigente no que diz respeito à
privacidade. Agora, se quiser me dizer seu nome, talvez eu possa...
Após um suspiro que mais parecia um soluço, a visita baixou a voz para
afirmar:
— Diga que... que é Mary. Estou certa de que o conde irá me receber se você
disser a ele que Mary veio procurá-lo.
Com o coração acelerado, Christian terminou de descer os degraus e seguiu
para o hall.
— Pode deixar, George; Mary é minha amiga e será sempre bem-vinda a esta
casa. Eu a levarei até o salão Branco.
Como se alheia ao fato de que tivesse o rosto meio escondido pelo capuz,
Mary foi para perto dele.
— Christian, por favor, você tem de me ajudar. Estou com tanto medo... Não
sei o que fazer.
Ele respirou fundo; aquela era a primeira vez que Mary Stanton o tratava pelo
primeiro nome, um sinal de que algo realmente não devia estar bem. Levando a mão
à cintura dela, conduziu-a até a ampla sala toda decorada em branco e dourado. Ali,
tirou-lhe o manto dos ombros e ajudou-a a sentar-se num sofá com debruns cor de
ouro.
— Sei que não devia, mas tive de vir procurá-lo. — Com o rosto sem cor, Mary
pousou as mãos trêmulas no colo. — Eu não sabia a quem mais recorrer.
— Onde está seu pai? — indagou Christian com delicadeza, sabendo que
ambos eram muito chegados um ao outro.
— Meu pai — os olhos dela marejaram — morreu.
— Santo Deus... Sinto muito, sinceramente. — Apertou a mão dela e,
erguendo-se, foi até o aparador e ali serviu uma dose de xerez num cálice. Em segui-
da, retornou para junto do sofá. — Tome um pouquinho; vai ajudá-la a sentir-se
melhor.
O cálice tremia tanto nas mãos de Mary que, depois de tomar um gole da
bebida, ela o deixou sobre a mesa.
— Como isso foi acontecer, Mary?
— Um acidente... A carruagem capotou na estrada e foi parar num lago. Meu
pai se afogou. — Engoliu um soluço. — Foi ele. Sei que foi ele. Avery é o responsável
pela morte de meu pai.
Tratando de ignorar o arrepio que lhe percorrera a espinha, Christian
argumentou:
— A notícia da perda de seu pai foi um choque terrível para você, Mary, e é

Projeto Revisoras 117


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

natural que esteja confusa. É claro que o duque não...


— Você não o conhece como eu, não sabe o quanto ele é cruel. Por certo meu
pai começou a se dar conta da falta de caráter de Avery e, arrependido de tê-lo
escolhido para meu marido...
— Foi seu pai quem se decidiu pelo duque? Você não queria se casar com ele?
Mary fechou os olhos por um instante, e as lágrimas correram livremente por
suas faces.
— Fiz a vontade de meu pai. Ele já tinha idade, e eu queria vê-lo feliz. —
Apertou o braço de Christian. — Se dependesse de mim, eu teria me casado com
você, meu lorde. Era por você que eu estava apaixonada.
— Querida... — Tomando-a num abraço, tentou consolá-la com palavras doces
enquanto ela chorava com o rosto em seu ombro. Por Mary e também por si mesmo.
— Na noite da festa dos Briarwood, Avery tramou um ardil para me fazer ir
embora de lá. — Com muito custo, ergueu a cabeça e, sufocando a vergonha, contou
em poucas e medidas palavras o que havia acontecido. — Não posso continuar nem
mais um minuto naquela casa, meu lorde. Não consigo encará-lo, sabendo o que ele
fez.
— Mas você ainda não tem certeza de que o duque é o responsável pela morte
do seu pai.
— Tenho, sim. Aqui. — Levou a mão ao peito para indicar o coração. — Avery
queria o dinheiro da minha família. Na ausência do sogro, ele tem o direito de
administrar até o último xelim da fortuna Stanton por ser meu marido. Oh, como
você não vê? Ele deu um jeito de conseguir tudo o que queria desde o princípio.
Embora sem a plena convicção de que o duque iria tão longe a ponto de tirar a
vida de um idoso inocente, Christian concluiu que mais essa monstruosidade não
fazia muita diferença. Porque, mesmo sem isso, Avery Sinclair já tinha feito mais do
que o suficiente para lhe despertar um ódio incomensurável. E seu mais franco
desejo era matá-lo com as próprias mãos.
— Ele me bate... com o cuidado de não deixar marcas aparentes — confessou
Mary num sopro de voz. — Ajude-me, por favor, meu lorde. Não tenho para onde ir.
— É claro que irei ajudá-la, meu amor. Só que, mesmo que não fosse casada,
você não poderia ficar aqui. Sou solteiro; não demoraria para que os outros sou-
bessem que há uma mulher morando em minha casa.
— O que hei de fazer?
— Deixe-me pensar... — Precisavam do auxílio de alguém em que pudessem
confiar. Alguém que compreendesse a situação. — Conheço uma dama que, imagino,
possa estar a par da crueldade de Avery Sinclair. Aliás, vai ver que foi por isso que
ela rompeu o noivado com o duque.

Projeto Revisoras 118


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Está falando de Velvet Moran, não é?


— Ela agora é lady Hawkins, mas, sim, era em Velvet que eu estava pensando.
Você a conhece?
— Já conversamos em várias oportunidades, e ela sempre foi muito gentil
comigo.
— Muito bem. — Fez com que ela se erguesse para envolvê-la no manto que
havia deixado sobre o braço do sofá. — Avery não gosta de ser contrariado e, quando
der pela sua falta, sairá à sua procura.
— Deixei um bilhete dizendo que iria retornar à casa de campo de meu pai
porque estava me sentindo mal em Londres e que esperaria por ele lá. O sepulta-
mento será no final da semana.
— Se Avery vir em seus olhos que você está desconfiada, é impossível saber
que tipo de atitude ele irá tomar. Seja como for, ainda temos tempo. O importante é
que você fique longe das vistas dele até decidirmos o que fazer.
Mary levou a mão ao braço dele...
— Obrigada, meu lorde.
— Gostei mais quando você me tratou por, Christian.
Ela esboçou um sorriso, o primeiro desde que havia entrado na suntuosa
residência.
— Estarei em dívida com você pelo resto de meus dias... Christian.
O conde deslizou o dedo pelo contorno do rosto, em seguida a conduziu até a
porta e pediu ao mordomo que fosse buscar a carruagem, o tempo todo pensando em
como remediar todo o mal que o duque fizera a sua Mary.

Num modesto vestido de algodão, próprio para o dia a dia, Velvet deu-se
conta de que Mary Sinclair, que uma hora atrás viera procurá-la acompanhada de
Christian Sutherland e naquele instante,achava-se sentada à sua frente na sala de
visitas, era agora sua cunhada. Um detalhe que muito lhe agradava, mas que, por
enquanto, tinha de manter oculto tanto de Mary como do conde.
Jason, que não se encontrava em casa no momento em que os dois haviam
chegado, retornara do encontro com Litchfield e o investigador Barnstable quando a
conversa já ia avançada. E como ele tivesse lhe dito que estivera com Christian uma
única vez ligeira e circunstancialmente dez anos atrás e que não conhecia Mary
Stanton, Velvet, descartando a possibilidade de que os dois pudessem reconhecê-lo,
tomou para si a árdua tarefa de resumir os cruéis relatos que ouvira dos visitantes e
que envolviam Avery, a própria Mary e o pai dela.
— Lorde Balfour não vai gostar de me ouvir dizer isto — interpôs a pálida

Projeto Revisoras 119


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

loira — ,afinal ainda não temos provas, mas vocês precisam saber dos riscos que irão
correr já que estão dispostos a me ajudar.
— Prossiga — incentivou-a Jason, trajado como cultor dos livros e abastado
aristocrata da Nortúmbria, disfarce do qual faziam parte os pequenos óculos de aros
metálicos e a cabeleira postiça cinzenta que o fazia parecer bem mais velho.
— Tenho certeza de que meu marido foi de algum modo responsável pela
morte de meu pai.
O semblante de Jason se turvou e o estômago de Velvet contraiu-se. Mesmo
nervosa como estava, Mary lhes falou do controle que Avery passaria a exercer sobre
sua herança e de suas suspeitas de que seu pai começara a desconfiar dos maus-
tratos que o duque destinava a ela.
— Nunca contei a meu pai do ardil com que Avery me obrigou a desposá-lo
porque não queria que ele se culpasse, e agora estou profundamente arrependida.
Meu pai, que certamente iria usar da influência que tinha para destruir o duque,
acabou perdendo a vida pelas mãos daquele...
Após apertar de leve o ombro dela, Balfour achou que era hora de colocar as
cartas na mesa:
— Minha mãe e meu irmão estão residindo na minha propriedade rural em
Kent, e Mary não pode continuar aqui, na cidade. Sinceramente, não sei o que fazer.
Velvet não titubeou:
— Mesmo que não encontre lá o conforto a que está habituada, Mary vai para
Windmere.
— É uma boa idéia — ratificou Jason. — Há só uns poucos criados morando
lá, o que, dadas as circunstâncias, vem bem a calhar.
— E todos são muito discretos — assinalou Velvet. — Ela ficará a salvo em
Windmere, já que nunca ocorrerá ao duque ir procurá-la numa propriedade da
minha família.
Se achou estranho que a rica herdeira de Haversham levasse uma vida frugal
numa suntuosa residência no campo, Balfour nada comentou. Apenas declarou, com
um ar bem mais aliviado:
— Vocês não fazem idéia do quanto estão nos ajudando. — Erguendo-se,
ajudou Mary a fazer o mesmo. — Se houver algo que eu puder fazer para retribuir
este imenso favor, contem comigo.
— É provável que venhamos a precisar de seu auxílio, sim — afirmou Jason.
— Agora, independentemente disso, é bom saber que Velvet e eu podemos tê-los
como amigos.
O conde apertou a mão dele, em seguida cuidou de ajeitar o manto sobre os
ombros de Mary.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Se não se importam, eu gostaria de passar alguns dias com Mary em


Windmere, até vê-la completamente à vontade por lá. Ela tem passado por
momentos difíceis.
— É claro — concordou Jason.
Assim que as visitas se foram, Velvet observou:
— Aquele assassino matou outra pessoa.
— Ainda não estamos certos disso.
— Você tem certeza, sim... Está escrito em seu rosto. — Enlaçou-o pela cintura
e colou a face ao peito dele, Jason não se esquivou dó abraço.— E, mais uma vez, não
temos como provar.
— Mais cedo ou mais tarde, a ambição desmedida irá fazer com que ele se
descuide. Quando isso acontecer, estaremos a postos.
Aconchegando-se ao tórax largo, Velvet sentiu o ritmo açodado do coração
dele. E teve medo do que o futuro lhes reservava.
A quinta-feira chegou, mas, em vez do chá com Célia Rollins, Velvet achava-se
vestida como criada de quarto no elegante faetonte emprestado de Litchfield,
sacolejando ao lado de Jason pela estrada enlameada a caminho da Pousada do
Peregrino, após tanto lhe implorar que a levasse com ele.
A cerca de um quilômetro da hospedaria, Jason estacionou o veículo à
margem da estrada e ajudou-a a descer para em seguida colocá-la à garupa do velho
cavalo cinzento atrelado à carruagem sem cobertura. Como o combinado, ele faria o
papel desempenhado anteriormente, apresentando-se como Jason Hawkins, membro
da aristocracia rural de passagem por ali; já Velvet iria dizer que estava indo
trabalhar em Carlyle Hall, onde sua prima lhe arrumara um serviço remunerado, o
que justificaria sua curiosidade em relação ao duque.
— Vou segui-la a distância para ter certeza de que chegará bem. Daqui a uma
hora aparecerei por lá.
— Está bem — concordou ela, que usava saia marrom de lã rústica, uma
desbotada blusa de algodão e touca de rendinha.
— Fique longe da taberna. Não seria de admirar se os fregueses daquele lugar
se interessassem por uma moça que viaja desacompanhada.
— O senhor manda, patrão.
Embora relutante, ele sorriu.
— Mimosa como você está com essas roupas, o mais provável é que eu acabe
pensando como eles.
Ela também sorriu e, após lhe enviar um beijo, partiu no lombo ossudo do
velho cavalo. Jason a viu afastar-se com uma mescla de preocupação e orgulho;

Projeto Revisoras 121


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Velvet era bem mais corajosa, mais leal e mais decidida do que muitos homens que
ele conhecia... Meneando a cabeça, saltou de volta ao faetonte e se pôs em seu
encalço.
Depois de esperar por quase uma hora junto a um grupo de árvores de copas
emaranhadas, Jason deixou a carruagem leve no pátio diante da cocheira da Pousada
do Peregrino e seguiu a pé até a entrada do estabelecimento. Lá dentro, foi logo
procurando por Velvet, no entanto só conseguiu localizá-la ao passar pela porta da
cozinha, de onde a avistou atrás de uma nuvem de vapor que se erguia do fogão a
lenha.
Um pouco mais tranqüilo por saber onde ela estava e o que fazia, rumou para
a taberna, um salão em forma de cruz, de teto com vigas de madeira maciça; embora
se tratasse de um lugar antigo, gasto pelo tempo, tinha o piso de ladrilhos bem
varrido, e as paredes tinham sido caiadas desde a última vez em que ele estivera ali.
Sentando-se a uma mesa num canto de onde podia observar o movimento
pelo recinto, chamou a atendente e pediu uma caneca de cerveja. E, pelo restante do
dia e boa parte da noite, permaneceu ali ou zanzou pela pousada para conversar não
só com o camarada que servia bebidas no balcão e com a atendente na taberna como
também com vários dos fregueses de longa data da hospedaria.
Eram quase onze horas, horário do encontro que havia marcado com Velvet,
quando Jason, após se certificar de que ela havia trocado um dia de labuta por um
lugar onde pernoitar e de que o rapazinho da cocheira já tinha ido dormir, deixou a
pousada por uma porta nos fundos da tasca para ir até o celeiro. Depois de caminhar
por entre as sombras engendradas pelo resplendor suave da lua nova, foi enfim se
deter no umbral do galpão, onde se manteve por alguns instantes a fim de acostumar
os olhos à débil claridade da única lamparina que iluminava o ambiente.
— Jason... Estou aqui.
De fato. Ele já conseguia vê-la num compartimento protegido por tábuas, a
blusa umedecida pelo calor da cozinha, a saia colada aos quadris tentadoramente ar-
redondados, os cabelos sedosos teimando em escapar da touca. Aproximou-se,
porém com o cuidado de se colocar a certa distância dela, afinal não confiava em suas
reações.
— Teve sorte, Velvet?
— Não muita. Ou melhor, não tanto quanto eu gostaria, mas alguém aqui sabe
de algo que pode nos ajudar. Alguém viu alguma coisa naquela noite, Jason, tenho
certeza. Tanto que nenhum dos empregados acredita que o velho duque foi morto
pelo filho primogênito.
Uma onda de euforia fez o coração dele disparar.
— Acha que pode descobrir quem é essa pessoa?
— Vou descobrir, sim, mais cedo ou mais tarde. — Apesar do cansaço, Velvet

Projeto Revisoras 122


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

também parecia bastante animada. — Eu disse à cozinheira que ainda tinha um


período de folga antes de me apresentar no meu novo emprego, e ela admitiu estar
precisando de ajuda. Mais um par de dias e...
— E você estará em Londres novamente. Não tenho como ficar dias a fio na
pousada sem levantar suspeitas e não vou deixá-la aqui sozinha.
— Não diga tolices. Esta é a oportunidade por que tanto esperamos. Eu não
irei embora até encontrarmos a pessoa que pode ajudá-lo a provar sua inocência.
— Você irá comigo quando eu for. Velvet plantou as mãos nas ancas.
— Vou ficar até descobrir quem foi que viu seu pai ser assassinado.
Jason cerrou os dentes. Aquela mulher era um perigo... e também a diabinha
mais brejeira que ele já vira na vida.
— Você não me conhece, Velvet. Se conhecesse, não falaria assim.
— Não, Jason, é você que não se conhece. Eu estou farta de saber que você é
um homem de princípios, digno e generoso. Honesto e decente e...
— É isso o que você acha? Que tenho princípios? Que sou generoso e decente?
— É.
— Se é isso o que você pensa, então talvez seja hora de descobrir o quanto está
enganada. — Aproximou-se, os olhos quase bravios, açulados por uma emoção que
parecia vinda do imo do seu ser. — Deixe-me dizer o que me vai pela cabeça.
Mesmo curiosa, Velvet ficou tensa ao ver a silhueta dele se agigantar à sua
frente.
— Estou pensando que você nunca me pareceu tão sedutora como neste exato
momento. Estou pensando na vontade que sinto de lhe arrancar essa touca e enfiar
meus dedos por entre os seus cabelos. No ímpeto de invadir seus lábios com a língua
e devorar essa sua boca suculenta com um beijo sem começo nem fim. No quanto eu
gostaria de possuí-la... aqui mesmo, neste galpão, jogando-a sobre essa sela aí no
chão para então erguer suas saias e me enterrar em você. É nisso que estou pensando.
E exatamente isso o que eu queria fazer. — Respirou fundo, como se o ardor do
desejo que sentia lhe roubasse o ar. — É esse o homem de caráter que você
imaginou? Não é possível que seja tão cega a ponto de não ver que não há uma só
gota de bondade em mim.
Com a boca subitamente seca e o coração tão acelerado que mal a deixava
respirar direito, ela retrucou:
— Podíamos fazer desse modo... Sobre a sela de cavalo.
— Por Cristo, será que você não ouviu o que eu disse?
— Desde o início você fez questão de deixar bem claro que não sou sua esposa
de fato. — Tomando as mãos dele, colocou-as sobre seus seios; no mesmo instante,

Projeto Revisoras 123


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

sentiu os mamilos se enrijecer... e ouviu Jason gemer. — Mas quero ser sua amante.
— Sou só um homem... Deus sabe o quanto tentei ser melhor, no entanto
parece que, uma vez mais, fracassei. — Enlaçou-a pela cintura e, trazendo-a de en-
contro ao seu corpo, colou seus lábios aos dela. E, sem deixar de beijá-la, arrancou-
lhe a touca para entrelaçar os dedos às longas mechas de cabelos castanhos.
Estimulada pelo aroma dele, mesclado ao odor de feno úmido e couro, Velvet
abraçou-o com força, acolhendo os movimentos impetuosos da língua que devastava
sua boca, entregando-se à torrente de cupidez que a carícia lhe provocava e à
deliciosa sensação de ter os seios comprimidos contra aquele torso rijo como pedra.
No entanto, a energia com que Jason a segurava abrandou-se e, no instante seguinte,
ele desfazia o nó no decote de sua blusa para empurrá-la para baixo, desnudando-lhe
os seios antes de se pôr a acariciar um mamilo túrgido.
Oh, minha Virgem do céu... Ao sentir as pernas bambearem, segurou-se nos
ombros largos ao alcance de suas mãos. Seus seios pareciam inchar na boca e entre os
dedos dele; seus mamilos latejavam e se distendiam; como se incapaz de sustentar o
próprio peso, sua cabeça foi tombando para trás... E então Jason a fez virar-se.
— Deus, estou louco por você. — Após fazê-la deitar-se com o ventre de
encontro à sela que jazia no chão, ergueu-lhe a saia de grosseira lãzinha e abaixou a
calçola de cambraia, desnudando-a da cintura para baixo.
De olhos fechados, com os joelhos apoiados no feno que forrava aquela parte
do galpão e o coração aos saltos, Velvet ouviu os botões das calças dele se abrir um
após o outro, então sentiu o túrgido membro pressionar-se contra suas nádegas.
— Afaste uma perna da outra, Velvet. Para mim. Trêmula de tanto desejo, ela
não perdeu tempo a acatar o pedido... e não conteve um gemido ardente ao sentir
dedos diligentes e resolutos buscarem sua feminilidade para afagá-la sem pressa,
desveladamente.
— Você está tão úmida... — Penetrou-a com o dedo, tenteando, preparando-a
para recebê-lo, antes que outro dedo fosse se unir ao primeiro para juntos execu-
tarem os movimentos do amor carnal.
— Jason... — Como se tivessem vida própria, seus músculos se contraíram ao
redor dos dedos ágeis. De súbito, esqueceu quem era e onde estava; tudo o que sabia
era que uma língua de fogo a consumia por dentro e que essa labareda estava a
ponto de tragá-la numa espiral de sensações lancinantes. — Jason!
— Espere por mim, querida.
Velvet sentiu o púbis dele moldar-se às suas nádegas um instantes antes que o
avantajado membro a preenchesse por completo, atiçando ainda mais as labaredas
que incendiavam seu íntimo. Mãos largas tomaram-lhe os seios para apalpá-los e
acariciar os mamilos encrespados pelo desejo, então Jason a segurou pela cintura
para dar início ao cadenciado mover-se no aconchego de sua feminilidade. Oh, meu

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

bom Deus... O ritmo enérgico e os movimentos profundos instigaram-na a erguer os


quadris para melhor acomodá-lo em suas entranhas de mulher e, toda arrepiada, ela
fechou os olhos enquanto onda após onda de uma sensação inominável a percorriam.
Não demorou muito a que Velvet, ofegante, sentisse a pélvis se constringir ao
redor dele. Um instante depois, Jason deu um forte gemido e, arquejando, retirou-se
dela com um movimento brusco, a tempo de derramar suas sementes no piso
recoberto de ferragem. Com a impressão de ter o corpo todo meio dormente, ela
então sentiu um beijo terno em sua nuca, o suave roçar de uma orelha pelo seu
ombro e o sereno deslizar da mão em seus cabelos.
Largando-se sentado no chão, Jason levou-a com ele para aninhá-la de
encontro ao peito e tomar-lhe um dos seios na mão num carinho fagueiro, quase
inocente,
— Precisamos entrar, querida.
— Foi incrível, Jason. — Aconchegou-se ao torso robusto. — Mal posso crer
nas coisas que você me faz sentir.
— Fui um egoísta; isso sim. — Afastando-se, ergueu a blusa de camponesa aos
ombros dela, depois se pôs a abotoar as calças. — No entanto, não consigo me
arrepender do que fiz.
— Nem eu. A bem da verdade, já estou esperando pelo momento de você
fazê-lo novamente.
— Não! — Encarou-a com um olhar sombrio. — Se continuarmos com esse
desatino, mais cedo ou mais tarde... Que diabos você iria fazer se eu a engravidasse?
— Eu iria adorar ter um filho seu, Jason. Assim como iria amar você... se não
se opusesse.
— Será que não entende? — Branco como cera, segurou-a pelos ombros. —
Não quero que você me ame. Não quero que tenha um filho meu. O que sinto por
você é... luxúria, nada mais. Você é uma mulher linda, atraente, e eu a desejo. É só
isso o que há entre nós. É só isso o que sempre haverá!
A mágoa que calou fundo em seu peito impediu-a de responder. Após fitá-la
por um instante, Jason soltou-a e caminhou até a porta do galpão. Dali, indagou sem
se virar:
— Onde vai dormir?
— Eu... — Tentou engolir o nó que tinha na garganta. — A cozinheira me deu
um quartinho no sótão.
— Acha que ficará bem lá?
— Sim. O lugar é limpo, bem-arrumado.
— A porta tem tranca?

Projeto Revisoras 125


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Tem.
— Então trate de usá-la. — E com isso se foi.
Em meio às sombras à lateral do galpão, Jason esperou até vê-la entrar na
hospedaria pela porta dos fundos, em seguida retornou à taberna. Por Deus que
estava no céu, por que não conseguia resistir à atração que sentia por aquela mulher?
Por que continuava a se aproveitar dela?
Absorto em repreender-se, sentou-se a uma mesa à direita da fornalha. Um
grupo de militares, homens da infantaria do quarto regimento recém-vindos da
índia, havia chegado no início da noite. Parte deles já tinha ido embora, porém o
sargento e dois de seus subordinados, agora visivelmente embriagados, continuavam
por lá, lançando olhares interesseiros e convites nada educados à criada da cozinha.
Após dizer a um dos soldados que iria recebê-lo mais tarde em seu quarto, a
moça guardou a moeda de prata que ele lhe dera e foi buscar mais uma rodada de
cerveja. Assim que ela retornou com a bebida, Jason lhe pediu uma caneca de rum,
que bebeu em poucas e largas goladas na esperança de que o álcool o fizesse sentir-se
menos culpado por tirar proveito de uma jovem ingênua e inexperiente como Velvet.
Decerto chegara a dormitar, já que, ao pôr-se alerta alguns minutos depois, o
sargento não se achava mais ali e os dois soldados faziam uma aposta. Um deles
dizia que o sargento iria saciar a lascívia em menos de uma hora, enquanto o outro
afirmava que a moça iria colocá-lo para correr independentemente do dinheiro que
ele lhe oferecesse. Na mesa ao lado, um terceiro homem garantia que, quisesse ou
não, a "andorinha lá no sótão" acabaria debaixo do sargento de qualquer maneira.
Jason sentiu o coração disparar, e o efeito do rum se desfez num piscar de
olhos. Pondo-se em pé de um pulo, ele nem percebeu que a cadeira em que se sentara
caiu para trás; simplesmente disparou para a escada de serviço nos fundos da
taberna.
Um rilhar de metal à entrada do quarto arrancou Velvet do sono. Mas não,
não podia ser. Tinha passado a tranca na porta antes de se deitar. Decerto o ruído
viera do corredor.
Deitando-se de costas, tentou encontrar uma posição mais confortável no
colchão de palha de milho... e então sentiu um arrepio na nuca. Havia alguém por
perto, alguém que a espreitava em meio à penumbra. Já pronta para gritar por
socorro, sentou-se no pequeno catre, e uma mão roliça tapou-lhe a boca, obrigando-a
a engolir o grito antes que um corpo pesado de homem, recendendo a cerveja e suor,
a forçasse de encontro ao colchão.
— Olá, mocinha linda. O que acha de nos conhecermos... mais intimamente?
Ao ver que as calças do uniforme vermelho e branco que ele usava já se
achavam parcialmente abertas, Velvet sentiu-se tomada por um pavor tão intenso
que chegava a lhe dar náusea. Ele tinha duas vezes o seu tamanho.

Projeto Revisoras 126


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Ainda assim, tratou de ignorar o hálito azedo junto de seu rosto e desatou a se
debater sob o corpo extremamente pesado que buscava aprisioná-la. O miserável se
afastou o suficiente para rasgar o decote da camisola de algodão, e um grito ecoou
pelo ar. Em seguida, ela levou uma bofetada.
— É bom você se comportar; o sargento Dillon não gosta de mocinhas
insolentes, minha cara.
Apesar de voltar a espernear e contorcer-se, ela não conseguiu se soltar.
Desesperada, agarrou uma mecha dos cabelos do sargento na mão e mordeu com
toda a força a língua que o pulha tentava enfiar em sua boca. A dor o fez pular para
trás com uma praga, no entanto o murro que foi acertar o queixo de Velvet por pouco
não a deixou estirada sem sentidos na cama.
— Maldita vadia... Mas você vai pagar por isso. Ah, se vai!
— Quem vai pagar é você — anunciou uma voz soturna no limiar da porta. —
Vou matá-lo, sargento. Vou matá-lo com estas mãos.
Resistindo à sensação de que o quarto rodava, Velvet pestanejou para clarear a
visão turvada pelas lágrimas enquanto cobria o peito com a camisola rasgada. Graças
a Deus, Jason viera acudi-la.
O sargento voltou a atenção à nova presa.
— A moça é minha, fanfarrão. E se eu tiver de acabar com você antes de
possuí-la, que seja.
— Fique longe dela ou... — Jason desviou do punhal que viera em sua direção,
e um canto de sua boca curvou-se num sorriso cruel.
— Ela é uma gostosura, não? — Dillon riu-se. — Pode apostar que vou
cavalgá-la para valer.
— Vou matá-lo — repetiu Jason, as pupilas contraídas, os punhos cerrados. —
Vou cravar seu próprio punhal no seu peito e me regozijar com cada gota de sangue
que escapar dessa sua carcaça imunda.
Engolindo um arquejo, Velvet se encolheu contra a parede no instante em que
o atarracado oficial baixava a cabeça e investia contra Jason como um touro bravio.
Atracados, os dois foram aterrissar sobre a mesa raquítica nos fundos do
quartinho. Ocupado em afastar o punhal do alcance do sargento, Jason acabou
permitindo que o militar, grudando as mãos em seu pescoço, tentasse esganá-lo.
— Jason! — Mas nem bem o grito lhe escapara, Velvet se pôs a procurar
alguma coisa que servisse como arma a fim de ajudá-lo.
Antes disso, porém, o punho dele foi acertar um soco brutal no rosto de
Dillon. Com o nariz e o lábio sangrando, o sargento largou-o, e os dois puseram-se
em pé. Atingido por um sonoro murro à altura das costelas, Jason apenas rosnou
uma praga antes de agarrar seu oponente pelas lapelas do uniforme escarlate e,

Projeto Revisoras 127


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

colocando-o de joelhos, desatar a desferir golpe atrás de golpe no rosto


ensangüentado do militar.
No afã de salvar-se, Dillon tateou o chão até encontrar o punhal. No entanto,
nem chegou a brandi-lo: após torcer o punho dele, Jason tomou-lhe a lâmina.
— Vou rasgar seu pescoço de lado a lado. — Pressionou a ponta do punhal de
encontro ao pomo de adão do sargento. — Vou deixá-lo sangrar até a morte como
um porco abatido.
— Jason! — Correndo para junto dele, Velvet segurou a mão que comprimia a
lâmina contra a carne flácida do oficial. — Não faça isso!
— Tenha dó, homem de Deus... — A voz de Dillon vinha em golfadas
entrecortadas. — Ela é só uma criada de hospedaria.
— Ela é minha esposa! — O punhal cortou a carne; um filete de sangue
manchou a gola do uniforme militar.
— Jason, não... Eu lhe imploro... Não tire a vida desse infeliz. — Embora
oscilasse ligeiramente, a lâmina do punhal continuou junto ao pescoço de Dillon. —
Por favor.
Após um instante de exasperante silêncio, Jason sacudiu a cabeça e, lançando
a arma longe, deu um murro tão violento em Dillon, que um osso na face do militar
estalou. Ao ver seu algoz estatelado no chão, o rosto coberto de sangue, Velvet
anunciou num sopro de voz:
— Ele perdeu os sentidos.
— E vai ficar assim por um bom tempinho. — Erguendo-se, Jason examinou-a
com um olhar pesaroso. — Você está bem?
Não, não estava. Tinha o corpo todo dolorido, tremia dos pés à cabeça e mal
conseguia conter a vontade de chorar até mais não poder.
— Não quero mais ficar aqui. Vamos embora... por favor. Leve-me com você.
— Não é possível... — Como se duvidando de seus ouvidos, Jason meneou a
cabeça. — Não é possível que esteja dizendo isso depois do que acabou de
testemunhar.
Confusa, ela retrucou:
— Como assim?
— Eu ia matá-lo, Velvet. Estava prestes a cortar o pescoço desse bastardo de
ponta a ponta. E, se não fosse por você, eu o teria feito. — Desviou o olhar dos olhos
de Velvet. —Agora você vê o tipo de pessoa que sou?
— Sim, vejo que você se importa comigo o bastante para arriscar a própria
vida me defendendo. — Obrigou-o a encará-la. — Vejo que você é ainda mais íntegro
e mais destemido do que eu imaginava.

Projeto Revisoras 128


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Jason a segurou pelos ombros.


— Eu ia matá-lo!
— Ou iria morrer lutando para me proteger, caso o sargento tivesse levado a
melhor. Esse homem bateu em mim e estava prestes a me estuprar; o que você fez foi
me livrar da sanha indecorosa desse infeliz. — Ajeitou a camisola rasgada sobre o
peito. — Leve-me daqui, Jason. Sei que estou a salvo ao seu lado.
Depois de fitá-la por alguns segundos, Jason estreitou-a contra o peito e
afundou o rosto nos cabelos macios. E, com a mesma intempestividade, ergueu-a nos
braços, abriu a porta com um chute e saiu para o corredor.
— Ficaremos em paz no quarto que aluguei. — Seus passos ecoavam pela
escada. — Amanhã cedo apanharemos suas coisas.
Velvet não se opôs. Assustada como estava, tudo o que mais queria era ficar
junto de seu salvador, pois só assim se sentia realmente segura.
No cômodo alugado, Jason afastou as cobertas sobre o leito e, após ajudá-la a
deitar-se, cobriu-a com delicadeza antes de acender a vela na mesinha de cabeceira.
Então cuidou de fechar a porta e, retornando para junto da cama, sentou-se ao lado
dela para lhe examinar o rosto. Ao vê-lo fazer uma expressão desgostosa, Velvet
afirmou:
— Já passou. Você foi em meu socorro; isso é o que importa.
— Canalha dos infernos... — Meneou a cabeça. — Não, a culpa foi minha. Eu
não devia ter trazido você.
— Por que se acha responsável por tudo o que acontece?
— A verdade é que nem sei mais o que pensar. Velvet afagou-o no rosto.
— Estou tão cansada, mesmo assim estou com medo de não conseguir pegar
no sono. — E embora já contasse com uma resposta negativa, arriscou: — Você não
me abraçaria?
Para sua surpresa, de pronto Jason tirou as botas e a camisa e, só com a calça
justa de algodão, deitou-se e a acomodou de encontro ao peito. Aninhando-se entre
os braços robustos, Velvet fechou os olhos; como havia dito, sentia-se completamente
a salvo junto dele.

Ao despertar com o vaivém de Jason pelo aposento, Velvet entreabriu os olhos


e o viu juntando a bagagem; sua maleta de pano, que ela havia deixado no quartinho
do sótão, achava-se agora na cadeira ao lado da cama.
— O que está fazendo?
Ele lhe lançou um olhar por cima do ombro.

Projeto Revisoras 129


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Vou levá-la para casa.


— E o sargento? Ele...
— Os militares foram embora. Todos eles.
Enquanto Jason enfiava uma camisa de manga comprida numa mochila, ela se
sentou na beirada da cama, afastando os cabelos do rosto.
— Não precisamos sair correndo. Estou certa de que a sra. McCurdy, esse é o
nome da cozinheira, vai entender por que me atrasei ao se inteirar do que houve
ontem à noite.
— Ficou doida? — Fitou-a com olhos atônitos. — Como pode pensar em
trabalhar lá embaixo depois do que aconteceu? Você deve estar toda dolorida.
Ele tinha certa razão. Mas ainda que trabalhar fosse a última coisa que tinha
vontade de fazer naquela manhã, não podia desperdiçar a oportunidade de conse-
guir as respostas de que tanto precisavam.
— Serão só umas horinhas. É provável que os criados se apiedem ao me
verem com o rosto inchado e o lábio partido e acabem me contando o que queremos
saber.
— Não. De jeito nenhum. — Voltando a se ocupar da bagagem, guardou as
meias e as calças sujas de sangue que usara na véspera.
— Precisamos terminar o que viemos fazer. — A dor que sentia pelo corpo
levou-a a fazer uma careta ao se levantar. — Dê-me mais uma chance... por favor.
Jason terminou de fechar a mochila e só então olhou para ela.
— Já machuquei você o bastante.
— Quantas vezes terei de dizer que a culpa não foi sua? Olhe, estou lhe
pedindo... Dê-me três horas. Três horas, Jason, depois iremos embora.
— Você sabe muito bem o que penso disso.
— Deixe-me ajudá-lo, Jason.
Com o semblante fechado, ele se aproximou.
— Três horas, Velvet. Depois disso vou arrastá-la daqui nem que seja pelos
cabelos. — Curvando-se, quase chegou a tocar o nariz no dela. — Fui claro?
Ela sorriu.
— Claríssimo. — Sem mais, deu-lhe as costas para vestir o traje de criada,
ignorando as fisgadas que sentia nos braços e nas pernas.
— Vou esperá-la junto ao grupamento de árvores logo adiante da hospedaria.
Se você não estiver lá, dentro de três horas, virei buscá-la.
— Estarei, sim. Sem falta.

Projeto Revisoras 130


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

A sra. McCurdy lavava uma grande caçarola de ferro quando Velvet entrou na
cozinha.
— Meu Deus, querida, seu rosto está pior do que imaginei.
— Você soube do que aconteceu ontem?
— Não houve quem não ouvisse os comentários. Os soldados falaram do
moço que foi ajudar você, mas parece que ninguém sabe quem é ele. Ou melhor, a
gente imagina quem possa ser, não é? — A encorpada mulher riu-se. — Tiveram de
levá-lo daqui numa padiola, sabia? Só sinto que um cafajeste daqueles ainda esteja
respirando...
Tratando de mudar de assunto, Velvet indagou:
— No que posso ajudar? — E quando a sra. McCurdy fez um ar admirado, foi
logo explicando: — Preciso do dinheiro.
— Minha Betsy, que acabou de chegar do vilarejo, pode lavar as panelas e a
louça. Você fica sentadinha ali, e eu vou lhe dar um chá e toalhas para remendar.
Grata pela generosidade da cozinheira, ela se acomodou na cadeira que a
cozinheira havia indicado, e as duas conversaram por alguns instantes. Betsy, uma
jovem ruiva de sorriso cativante e idade próxima à de Velvet, não demorou a chegar
e de pronto demonstrou a mesma solidariedade da mãe com relação ao lamentável
episódio da noite anterior. Assim como os demais empregados da pousada que
calharam de passar por ali. Quase duas horas haviam se passado quando Velvet
enfim conseguiu dar à conversa o rumo que lhe convinha:
— O moço que me ajudou... Ele comentou que esteve aqui há alguns anos... na
noite em que o duque foi assassinado... E disse também que não gosta muito da
clientela da hospedaria.
— O proprietário de terras bonitão... Eu sabia que era ele ontem! — exultou a
cozinheira. — Ele já tinha estado aqui antes, procurando a minha Betsy.
Velvet franziu o cenho. Jason não tinha mencionado a simpática filha da sra.
McCurdy.
— Ele foi muito corajoso; arriscou a vida para me defender. — Com muito
tato, voltou a introduzir a morte do pai dele na conversa e, quando lhe pareceu o
momento oportuno, baixou a voz como se lhes confiasse um segredo: — Acho que
alguém aqui viu o que aconteceu naquela noite e sabe que o jovem duque era
inocente.
Depois de relancear o olhar pelo recinto, Betsy aproximou-se dela para
cochichar:
— Eu vi. Tinha só dez anos de idade, mas vi um homem subir a escada
externa do prédio com um revolver na mão... E vi quando ele disparou pelo vão da
janela. — Estremeceu, como se percorrida por um calafrio. — Eu era apenas uma

Projeto Revisoras 131


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

menina, mas nunca vou me esquecer.


— É você sabe quem era esse homem?
— Era ele, o sapo nojento. — Betsy tornou a olhar ao redor. — Sua Graça, o
duque de Carlyle... Se bem que, naquela época, ele não era duque coisa nenhuma.
Por pouco Velvet não deu um grito. De tão acelerado, seu coração parecia que
iria estourar. Por Nossa Senhora, tinha conseguido! Encontrara uma testemunha que
poderia...

— Você não apareceu no horário combinado. — Com um ar contrariado, Jason


se manteve à entrada da cozinha.
Velvet correu ao encontro dele.
— Desculpe-me. Nem vi as horas passar, mas tenho certeza de que você irá
concordar que foi um tempo muito bem empregado. — E, com um sorriso rasgado,
tomou-o pela mão para fazê-lo entrar no recinto. — Lorde Hawkins, eu gostaria de
lhe apresentar uma pessoa... Se é que vocês dois já não se conhecem.

Conduzindo o faetonte pelo caminho que os levaria de volta a Londres, Jason


olhou para a miúda jovem adormecida de encontro ao seu ombro e, com cuidado e
carinho, agasalhou-a com a manta largada sobre o coxim. Odiava-se pelos sinais da
violência do sargento no rosto dela, mas, se Velvet não tivesse vindo com ele, nunca
saberiam que Betsy McCurdy testemunhara o assassinato de seu pai e, portanto,
jamais teriam como convencê-la a testemunhar contra seu irmão.
— Tenho de fazê-lo, mãe; há anos me sinto culpada por não revelar o que sei
— a moça dissera à cozinheira da Pousada do Peregrino. — Lorde Hawkins está
decidido a limpar o nome do jovem duque, e eu faço questão de ajudá-lo. É a única
oportunidade que terei de fazer justiça.
Velvet murmurou alguma coisa, em seguida se ajeitou melhor junto dele e,
numa reação instintiva, Jason lhe afagou o rosto. Pouco maior do que uma criança,
ela era uma mulher fora do comum. E ele a desejava com uma veemência que beirava
a obsessão... Tentara manter-se longe, protegê-la da volúpia que sentia sempre que
ela estava por perto, mas, até o momento, aquela vinha se mostrando uma batalha
perdida.
Entretanto, Velvet não era somente a mulher por quem ardia de desejo.
Arguta e destemida, ela era também a pessoa mais leal que já conhecera. Uma amiga
sempre disposta e sempre pronta a correr quaisquer riscos por sua causa.
Deus, o que iria fazer com ela?
Era bem provável que, quando chegassem a Londres, a autorização judicial
que lhe possibilitaria tomar posse do dote da herdeira de Haversham tivesse sido

Projeto Revisoras 132


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

expedida. Velvet teria os recursos de que tanto necessitava, e ele teria uma prova
com que confrontar Célia Rollins. Assim sendo, o melhor a fazer seria deixar a casa
dela o mais depressa possível, antes que tornasse a ceder aos arroubos de sua
volúpia. Por outro lado, a vida como marido de Velvet Moran dava-lhe excelente
cobertura: quem iria se interessar de verdade por um estudioso vindo da
Nortúmbria, um primo distante e tímido que vivia para os livros? Por meio de Velvet
e Lucien, teria como seguir de perto as manobras de Avery. E, morando ria
residência dos Haversham, teria como ficar de olho nela, como era sua intenção
desde o início...
Sim, iria continuar lá. Mais algumas semanas e teria provado sua inocência,
limpado seu nome de uma vez por todas... caso não acabasse enforcado em Tyburn
Hill antes disso. O que, de um modo ou de outro, colocaria um fim definitivo ao seu
relacionamento com Velvet.
Uma conclusão que, precisava admitir, deixava-o um tanto deprimido.
A chama das velas nos candelabros tremeluzia, refletindo-se nas paredes de
acetinado lilás do dormitório da condessa. Com um cortinado de seda todo
drapejado no mesmo tom de lilás, imponente leito com baldaquino branco e dourado
ostentava as cobertas com a dobra típica de quem preparara a cama para dela
usufruir.
Avery quase chegou a sorrir; aquela mulher era mesmo transparente. A par de
que ele agora controlava vastas somas de dinheiro, quantias incalculáveis ao seu
inteiro dispor, Célia Rollins resolvera ir à luta e tirar algum proveito da situação.
— Há quanto tempo, Vossa Graça. — A voz baixa e sedutora viera do limiar
do luxuoso quarto de vestir no outro lado do aposento. — Avery, meu querido...
Senti saudade.
Tratando de não demonstrar o quanto estava excitado, ele reparou que a
diáfana camisola que a condessa usava era um tom mais escuro do que o lilás das
paredes e logo concluiu que o bom sexo precisava de duas pessoas. Estava farto
daquela esposazinha insípida e impassível que havia arrumado; ainda bem que a in-
feliz fora se esconder na casa de campo... que agora também lhe pertencia. De mais a
mais, Célia sempre fora um azougue na cama.
— O que houve, querida? Densmore bateu em retirada? Que pena... Pensei
que o rapazinho fosse agüentar um pouco mais. — Tirou o fraque de veludo púrpura
e o lançou sobre uma poltrona. Aqueles seios alvos e maduros faziam seu sexo
latejar. — Mas quem o mandou meter-se com uma mulher de apetites insaciáveis,
não é mesmo?
Fazendo biquinho, Célia retrucou:
— A verdade é que nem todos são como você.
Avery sorriu e, indo até ela, trouxe-a para o espaço entre seus braços. No

Projeto Revisoras 133


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

entanto, nem se preocupou em beijá-la: apenas tomou os seios fartos nas mãos para
pôr-se a brincar com os mamilos expostos pela camisola translúcida. Entusiasta das
brincadeiras menos sutis, Célia gemeu baixinho e, com um sorriso, ajudou-o a despir
o colete de brocado prateado enquanto ele lhe beijava o pescoço.
Levando as mãos aos ombros dela, Avery instou-a a se pôr de joelhos. Ciente
da intenção contida naquele gesto, a condessa não perdeu tempo a desabotoar as
calças de veludo, sorrindo ao vê-lo completamente túmido e ereto.
— Como quer que eu o acaricie, Vossa Graça? — Sem esperar pela resposta,
deslizou a ponta dos dedos pelo membro ereto. — Oh, acho que já sei o que fazer...
De olhos fechados, Avery gemeu ao senti-la abocanhá-lo, os lábios tenros e a
língua cálida massageando sua carne hirta. Ela queria dinheiro e certamente buscava
a maneira mais simples e mais rápida de obtê-lo. O que a ladina não sabia era que ele
não estava nem um pouco disposto a deixar que fosse tão fácil assim... Agarrando-a
pelos cabelos, afastou-a de sua virilidade tesa antes de começar a despir o restante
das roupas. E, ao ver um assomo de descontentamento lampejar nos olhos verdes da
condessa, perguntou-se com quantos outros mais ela pretendia se deitar naquela
noite.
— Temos a noite inteira, querida. Não há porque ter pressa... Ou há?
— É claro que não... Vossa Graça.
Irritado com o leve sarcasmo que Célia imprimia à voz sempre que
pronunciava seu título, ele ordenou:
— Deite-se na cama.
Animada com a idéia de ser possuída com certa truculência, ela obedeceu de
pronto.
— De bruços. — Pondo-se de joelhos sobre o colchão, Avery colocou um
travesseiro sob os quadris dela enquanto sorriu para si. Iria possuí-la à maneira
grega, já que Célia nunca gostara muito daquilo. A espertalhona queria seu dinheiro,
não? Pois que tratasse de se contentar com uma boa cavalgada, alguns momentos de
dor e um ferimento superficial. Só lamentava era o fato de que possivelmente aquela
seria a última vez que a condessa de Brookhurst iria recebê-lo na cama...

A prataria e a porcelana tiniam enquanto o criado cuidava de retirar a louça


do café da manhã da mesa diante deles. Lá fora, uma profusão de nuvens cinzentas
prenunciava tempestade e o nevoeiro distorcia a imagem das peônias vermelhas a
desabrochar no jardim.
— O sepultamento de sir Wallace será na sexta-feira — comentou Velvet com
Jason, sentado à cabeceira da mesa. Seu avô, que fizera o desjejum mais cedo,
entretinha-se em ler na biblioteca, um dos passatempos de que mais gostava. — Será

Projeto Revisoras 134


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

que Mary irá?


— Espero que não. — Jason dobrou o exemplar do Morning Chronicle. —
Balfour terá de fazer das tripas coração para mantê-la fora de perigo se Avery exigir
que ela regresse à cidade.
— Pobre Mary...
— De fato. Só nos resta esperar que ela tenha encontrado em Balfour alguém
que se importe verdadeiramente com ela.
— O que acha que eles farão?
— Qualquer suposição seria precipitada. Se está realmente decidida a romper
a união com o assassino do meu irmão, Mary pode tentar obter uma espécie de
dissolução do vínculo matrimonial; mas, se por algum milagre for bem-sucedida, ela
se verá sem um xelim e renegada pela aristocracia. Nem imagino se Balfour pretende
pedi-la em casamento, mas, caso o faça, será tão execrado pela alta sociedade quanto
ela. Seja como for, como poder e influência que Avery tem, como duque, é muito
difícil que esse casamento seja desfeito.
— Está dizendo que não há saída para os dois?
— Por incrível que pareça, o destino deles está atado ao meu. Se a Justiça
considerá-lo responsável pelo homicídio de meu pai, Avery perderá tudo, talvez até
mesmo a própria vida. Nessas circunstâncias, Mary conseguiria a anulação do
casamento sem maiores problemas... Isto é, caso não esteja viúva. Agora, caso eu seja
malsucedido e acabe no patíbulo, ela terá de fugir do país se quiser escapar à ira do
marido.
Recusando-se a pensar na hipótese de ele ter de prestar contas às autoridades
por um crime que não cometera, Velvet achou por bem mudar de assunto:
— Quando pretende ir falar com a condessa?
— Ainda não decidi. Tenho de estar absolutamente seguro de poder obrigá-la
a confessar a verdade, pois, se não conseguir o mais provável é que Célia vá contar a
Avery que estou vivo. E aí ele tratará de, direta ou indiretamente, dar fim à minha
vida.
— Entendo. — Deveria contar que naquela manhã enviara um bilhete a Célia
Rollins perguntando se não poderiam marcar uma outra data para o chá que haviam
combinado, e que a condessa respondera com um convite para que ela fosse lá às três
da tarde? Pelo sim, pelo não, resolveu arriscar. — Eu poderia ir vê-la, já que ficamos
amigas. Quem sabe assim...
— Não. Não quero você perto daquela mulher. Depois de ajudar Avery a
matar meu pai, só Deus sabe do que mais ela é capaz. Tenho horror a Célia Rollins;
ela é o tipo de pessoa que me dá asco. — Com isso, voltou a atenção ao jornal.
Ao perceber que ele ainda tinha o semblante carregado, Velvet levantou-se e

Projeto Revisoras 135


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

foi lhe dar um beijo no rosto.


— Não se preocupe, meu lorde; haveremos de encontrar uma maneira de
persuadi-la e, muito em breve, toda a Inglaterra saberá que você é inocente.
Apesar do carinho, ele se manteve rígido.
— Não se iluda, Velvet, pois ainda sou culpado de delitos que gostaria muito
de poder esquecer. Felizmente, a morte de meu pai não faz parte dessa lista. — Pôs-
se em pé. — Agora, se me der licença, vou ver Litchfield. E acredito que deva voltar
tarde, por isso não me espere para o jantar.
Velvet esperou vê-lo desaparecer porta afora, então exalou um suspiro. Jason
ainda estava firme no propósito de evitá-la, mas, naquele dia, essa distância vinha
bem a calhar. Afinal, precisava tentar arrancar alguma informação importante da
condessa.

Capítulo IV

De volta à carruagem que Litchfield providenciara para que ele usasse


enquanto estivesse na cidade, Jason recostou-se no espaldar do assento estofado.
Apesar de ele e o marquês terem acabado de revisar os indícios que haviam juntado,
não se sentia nem um pouco esperançoso. A palavra de uma moça que à época era
apenas uma impressionável menina de dez anos, a declaração por escrito de um
matador profissional e um acordo financeiro entre lady Brookhurst e seu irmão não
pareciam provas suficientes para condenar o atual duque de Carlyle pelo assassinato
do próprio pai. Para piorar, Barnstable não havia descoberto nada de novo.
Maldição. Precisavam de uma testemunha de peso, digna de crédito.
Precisavam da confissão de Célia Rollins, aquela dissimulada de alma imoral.
Ir procurá-la era arriscado, muito arriscado. Mas já que não havia outra opção,
e a residência de Litchfield não ficasse muito longe da casa dela nos arredores da
Hanover Square, pediu ao cocheiro que seguisse para lá.
O veículo tomou o caminho para a praça e, alheio ao vendedor que expunha
seus artigos sob um plátano no meio do quarteirão e ao mendigo que cantarolava na
esquina, Jason ficou a admirar sem ver as ruas pelas quais iam passando. Só quando
chegaram a St. George Street foi que ele se deu conta de que já se aproximavam do
destino; então, comunicando-se com o condutor através da abertura no piso da

Projeto Revisoras 136


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

boleia, instruiu o rapaz a entrar na viela nos fundos da casa e deixá-lo em frente à
cocheira.
— Espere-me aqui, sim? Se aparecer alguém, dê uma volta no quarteirão, e eu
irei encontrá-lo do outro lado da viela. — Sem mais, saltou para o chão. Pouco lhe
importava que o cocheiro estranhasse vê-lo penetrar na residência pela entrada dos
empregados.
Com passos firmes e silentes, margeou o jardim e rumou para a porta nos
fundos do casarão; abriu-a e, entrando com o cuidado de não fazer barulho, estacou a
fim de verificar se porventura haveria algum criado por ali. Ninguém. A casa parecia
mergulhada no mais profundo silêncio, o que o fez recordar que Célia tinha por
hábito dispensar assistência desnecessária quando estava por receber alguém mais
íntimo. Bem, só lhe restava torcer para que o amante já não se achasse em seu
dormitório.
Vozes se ergueram da cozinha um piso abaixo, porém a escada que levava ao
segundo pavimento se encontrava deserta. Jason respirou fundo. Era melhor não
deixar a oportunidade escapar.
Lembrava-se dos critérios extravagantes da condessa, mas não do gosto por
amontoados de tarecos. Por onde passava havia uma profusão de candelabros de
prata, artigos de cristal lapidado, todo o tipo de estojos trabalhados de rape,
mesinhas de marfim, relógios e carrilhões dourados, estatuetas, frisos pintados à mão
vasinhos japoneses... Isso sem falar das peças maiores, como o clavicórdio todo
enfeitado na sala de visitas. Ao que tudo indicava, o pendor da dama por bugigangas
caríssimas florescera na mesma proporção do apetite sexual, o qual, dizia-se, havia se
elevado a excessos lendários.
Jason deteve-se junto à porta do dormitório e, como não ouvisse vozes nem
ruídos de movimentos, abriu-a e entrou. Um leve arfar o fez olhar para a penteadeira
ao lado da entrada do quarto de vestir todo em mármore branco Siena, uma
excentricidade de Célia que custara uma pequena fortuna ao finado marido dela, o
senil conde de Brookhurst.
— O que está fazendo aqui? — Num vestido de tafetá verde-hortelã, com os
cabelos negros soltos e os seios a ponto de saltar do decote, a condessa não o tinha
reconhecido. — Quem lhe deu permissão para entrar no meu quarto?
— Olá, Célia.
— Jason! — Erguendo-se de um pulo, levou a mão ao colo. — Meu Deus... É
mesmo você?
Sem os óculos e a cabeleira postiça, mais alto e quase vinte quilos mais gordo
do que oito anos atrás, ele se aproximou devagarzinho. Intimidação era um jogo que
aprendera a jogar bastante bem.
— Há quanto tempo, condessa.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Santo Cristo... É realmente você!


— Infelizmente, sim, minha cara.
Apavorada, Célia encolheu-se por um instante, porém não demorou a tentar
passar por ele rumo à porta. Com a mesma presteza, Jason, segurando-a pelos
ombros, colocou-a de encontro à parede.
— Já ia embora, querida? E eu que pensei que você fosse ficar feliz da vida por
me ver respirando.
Dando a impressão de que fosse gritar, ela umedeceu os lábios carnudos.
— Nem tente. Se alguém ouvisse algum grito vindo do seu quarto, certamente
iria deduzir que se trata de uma das brincadeirinhas eróticas que costumam
acontecer por aqui amiúde.
— E o que você sabe? — Os indícios de que ele não se mostrava em vias de lhe
fazer algum mal a fizeram jogar a cabeça para trás na atitude confiante de que Jason
se lembrava perfeitamente bem. — Você me abandonou à própria sorte. Que direito
tem de me condenar?
— Eu abandonei você?
— Exatamente. Está claro que escapou daquela prisão sem a mínima
preocupação com o que estava se passando comigo. Largou-me sozinha para res-
ponder aos juizes, enfrentar Avery e o escândalo que vocês dois armaram. E decerto
não sentiu um pingo de remorso pelo sofrimento que passei ao imaginá-lo morto.
— Você testemunhou contra mim no julgamento, lembra? Você confirmou a
versão que Avery apresentou para a morte de meu pai... Ou será que se esqueceu
desses pequenos detalhes?
— Eu estava confusa. Tudo aconteceu tão depressa... Quando consegui
enxergar a situação com um pouco mais de clareza, vieram me dizer que você estava
morto.
Resistindo ao ímpeto de sacudi-la até deixá-la desacordada, Jason afirmou por
entre os dentes cerrados:
— Não sou mais um rapazola, Célia. Não pense que vai me convencer
novamente de suas mentiras batendo as pestanas ou fazendo biquinho. Você e Avery
tramaram o assassinato de meu pai por meses, e eu voltei para fazê-los pagar pelo
que fizeram. Tenho provas que confirmam o que estou dizendo.
Os olhos verdes dela tornaram a se encher de pânico.
— Que provas você poderia ter? Faz oito anos que seu pai morreu.
— Há uma testemunha do crime, Célia. E eu consegui encontrar o homem a
quem Avery pagou para me matar na prisão. — Curvou os lábios num arremedo de
sorriso. — Sem falar do documento que Avery assinou um dia após o assassinato,

Projeto Revisoras 138


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

comprometendo-se a lhe dar dinheiro pelo restante da sua vida-


— Não é verdade, Jason! — Lançando-se de encontro ao peito dele, pôs-se a
chorar. — Eu amava você. Sempre o amei... E ainda amo.
Jason afastou-a.
— É mesmo, Célia?
— Oh, sim! De verdade. Você tem de acreditar em mim: Eu não fazia idéia do
que seu irmão estava planejando... Na noite do crime, fiquei aterrorizada com a
possibilidade de ele me matar também. Avery ameaçou dar cabo da minha vida caso
eu contasse a verdade a alguém. O dinheiro que ele me dava era uma forma de
garantir o meu silêncio.
— Você teve medo de revelar a verdade... — Tinha ganas de estapeá-la. Como
podia ser cínica a ponto de sair-se com aquela conversa quando ambos sabiam
exatamente o que havia se passado naquela noite? — Mas agora você vai contar o
que de fato aconteceu, não vai, Célia? Porque sabe se, se não o fizer, acabará
dependurada no nó da forca ao lado de Avery.
Excitada pela ira dele, Célia percebeu que sentia um ardente desejo por aquela
versão mais imperiosa, mais rude, mais inacessível de Jason Sinclair. E queria
também controlá-lo, como havia feito antes.
— Avery é um cretino; não posso nem vê-lo. É você quem eu amo, Jason. —
Levando à mão à braguilha das calças com bainha abaixo do joelho que ele vestia,
tentou acariciá-lo.
— Isso é passado, Célia, no presente, tudo o que quero de você é a verdade. —
Segurou o braço dela com força. — Vou marcar uma reunião com os juizes na corte
criminal de Old Bailey. Mandarei avisá-la da data e do horário, então eu mesmo virei
buscá-la para que você diga a eles que foi Avery quem matou meu pai. Você fará
isso... Não é, Célia? — Ao vê-la hesitar, apertou-lhe o pulso.
— Farei.
— Se tentar evadir-se de Londres, os magistrados tomarão sua fuga como
presunção de culpa. Se tentar avisar Avery, seja lá como for, cuidarei para que você
tenha a mesma pena que ele pelo homicídio do meu pai. — Segurou-a pelos braços e,
obrigando-a a ficar na ponta dos pés, deu-lhe um chacoalhão. — Tem alguma dúvida
de que vou fazer tudo o que acabei de dizer?
— Não.
— Então vou contar com seu incomparável senso de autopreservação, lady
Brookhurst, como garantia de que irá honrar sua palavra. E antes que eu me esqueça:
caso se atreva a tentar a sorte com Avery outra vez, saiba que não será um jovem
duque ingênuo e inexperiente que irá enfrentar, e sim um homem-feito que vai
persegui-la até o fim do mundo para arrancar o último sopro de vida desse seu corpo

Projeto Revisoras 139


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

benfeito e traiçoeiro. — Largando-a, partiu em direção à porta e, sem olhar para trás,
deixou o aposento.
Ao ganhar a rua e ver que a carruagem cedida por Litchfield não se
encontrava junto à viela onde a deixara, caminhou até a esquina e foi ao encontro do
veículo no local combinado com o cocheiro. Pela primeira vez desde que regressara à
Inglaterra, experimentava uma sensação assemelhada ao alívio. Com o depoimento
de Célia, a confirmação de sua inocência estava assegurada.
Bastante satisfeito com o resultado da visita, acomodou-se no coche e quase
chegou a sorrir. No entanto, seus nervos voltaram a se retesar assim que o veículo,
após dobrar a esquina, passou diante da residência da condessa, quando então seu
olhar foi pousar sobre o brasão Haversham na portinhola da elegante carruagem de
Velvet, estacionada bem em frente à mansão.
Do lado de fora, a edificação estreita não se destacava muito das demais
moradias enfileiradas ao longo da alameda. Lá dentro, porém, a história era outra,
concluiu Velvet enquanto admirava a decoração de inspiração francesa espelhada na
exótica mobília dourada com o estofamento recoberto de seda, adornada com tapetes
e peças orientais que pouco se harmonizavam com os demais elementos da
composição.
O mordomo reapareceu para avisá-la:
— A condessa a espera lá em cima, lady Hawkins. O chá será servido na sala
íntima anexa aos aposentos dela. — E, nariz empinado, deixou o hall.
Enquanto seguia atrás dele escada acima, Velvet viu-se tomada pelo mesmo
desassossego que experimentara ao sair de casa meia hora atrás. Uma desagradável
sensação que só fez intensificar-se quando o mordomo, um segundo antes de abrir a
porta da sala íntima, olhou-a de cima a baixo com certo ar de reprovação. Tentando
ignorar o mal-estar, foi se sentar num canapé de adamascado cor de marfim e dali
ficou a examinar o aposento, cuja decoração era tão exagerada quanto a que
imperava no piso térreo do casarão.
Os minutos foram passando, e nada de a condessa aparecer. O mais estranho
era que, mesmo fechada, a porta que dava acesso ao dormitório dela deixava escapar
ruídos vindos de lá de dentro. Vozes. Barulho de deslocamento de um móvel... Um
chiado áspero... O baque de algo pesado no chão... Pela Virgem, o que estaria
acontecendo?
Pé ante pé, Velvet foi colar o ouvido à porta. Os ruídos, porém, eram agora
praticamente inaudíveis. A condessa teria levado um tombo? Estaria precisando de
ajuda? Por via das dúvidas, ela girou a maçaneta de prata e, entreabrindo a porta,
deslizou o olhar pelo interior do aposento.
— Meu bom Deus! — Ao deparar com Célia Rollins estirada na espaçosa cama
com dossel, branca como os lençóis e com a cabeça tombada de lado numa inclinação

Projeto Revisoras 140


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

incompatível com a natureza humana, correu para junto dela... a tempo de ver o
vulto de um homem de estatura superior à média escapulir pela fresta das portas-
balcão que davam para a sacada.
Apesar do físico avantajado, ele era extremamente ágil, tanto que não levou
mais do que um piscar de olhos para saltar sobre o balaústre e descer pela treliça que
enfeitava o balcão. Embora corresse até a sacada, Velvet só conseguiu vislumbrar o
suave meneio da sebe alta que delimitava o jardim a indicar que o fugitivo acabara
de passar por ali.
Toda trêmula, com a respiração entrecortada, ela foi se colocar junto a uma
das colunas do leito. Era evidente que Célia Rollins não estava respirando: bastava
atentar à total ausência de qualquer movimento no colo de seios fartos, no horror de
morte estampado nos olhos verdes, às marcas de mãos tão fortes quanto violentas no
pescoço que, sem sombra de dúvida, estava quebrado. A condessa fora assassinada,
obviamente pelo homem que acabava de fugir pela sacada. Por quê, santo Deus?
Desviando o olhar do corpo inerte sobre a cama, Velvet tentou raciocinar, no
entanto foi a imagem de Jason que tomou vulto em sua mente. Um homem de
estatura elevada, moreno e extremamente forte. Tenho horror a Célia Rollins; ela é o tipo
de pessoa que me dá asco.
Não, não era possível. Não podia ser. Ele não iria... Um ruído à entrada do
aposento a fez virar-se e deparar com Jason Sinclair no vão da porta, imóvel, os olhos
azuis estarrecidos, o rosto tão sem cor quanto o dela.
— Meu Deus! — Após se aproximar da cama e examinar por um instante o
corpo sem vida que ali jazia, ele se voltou para Velvet. — Pelo amor de Cristo, o que
aconteceu?
— Eu... — Sua vista se turvou, e ela teve a impressão de que iria desmaiar.
Correndo a ampará-la, Jason ergueu-a nos braços.
— Vou levá-la daqui. Depois que me contar o que houve com Célia, vamos
pensar no que fazer.
Meio zonza, Velvet reparou que, ao contrário do que imaginava, não deixaram
a residência pelo acesso principal, e sim pela porta dos criados, do outro lado do
casarão. A carruagem de Jason se encontrava numa viela nos fundos da cocheira e,
depois de acomodá-la no interior do veículo, ele ordenou ao condutor que fosse até a
entrada da mansão, onde cuidou de mandar seu coche de volta à Mansão
Haversham.
— Como... como sabia que eu tinha vindo ver a condessa?
Após fitá-la por um longo momento, Jason explicou por que resolvera ir falar
com Célia, então indagou:
— O que aconteceu, Velvet? O que você fazia naquele quarto?

Projeto Revisoras 141


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Lady Brookhurst tinha me convidado para um chá, pois imaginava que,


por ter sido noiva de Avery, eu estaria interessada no que andaram falando do ca-
samento dele com Mary. Quando cheguei, o mordomo disse que o chá seria servido
na sala íntima anexa aos aposentos da condessa e me levou até lá. — Contou da
demora de Célia em ir recebê-la e dos ruídos vindos do dormitório e, um pouco mais
calma, ajeitou-se melhor no coxim. — Ao abrir a porta, encontrei-a largada sobre a
cama. E vi quando o homem...
— Você o viu? Viu a pessoa que a matou?
— Sim, de relance.
— Então ele viu você também... Diabos, eu lhe disse que ficasse longe daquela
mulher, Velvet! Será possível que você nunca vai fazer o que lhe peço?
— Eu tinha de procurá-la, tinha de tentar conseguir informações que
pudessem ajudá-lo. Eu... — Amo você, quase deixou escapar, porém se conteve a
tempo. — Se Célia não tivesse sido morta, tenho certeza de que eu voltaria para casa
com boas notícias.
— Foi Avery, não foi?
— Não.
— Quem mais poderia ser se não meu irmão? — Jason, que olhara de relance
pela janela, tornou a encará-la,— Como ele era?
— Na verdade, ele é muito parecido com você.
— Comigo?! Por acaso está pensando que fui eu quem a matou? Célia era a
única esperança que tinha de limpar meu nome. Por que raios eu iria...
— O que eu disse foi que ele se parecia muito com você, não que foi você
quem tirou a vida dela. Apesar de parecer um tantinho mais gordo, aquele homem
tinha sua altura e seu tipo físico. Talvez tivesse os cabelos mais escuros do que os
seus, não sei... — Segurou na mão dele. — O que sei é que não foi você. Qualquer
dúvida que eu porventura tivesse haveria se dissipado no instante em que o vi à
entrada do quarto, tão horrorizado quanto eu. E, independentemente de qualquer
outra coisa, tenho certeza absoluta de que você não seria capaz de tirar a vida de uma
mulher indefesa.
— Você iria se surpreender com as atitudes que somos obrigados a tomar sob
certas circunstâncias, Velvet. — Meneou a cabeça, e o lampejo sombrio que lhe
nublava o olhar se foi. — Não, não fui eu quem matou Célia. Provavelmente meu
irmão encarregou alguém disso. Vai ver, Avery descobriu que estou vivo e quis se
assegurar de que ela não abrisse a boca. Ou então ele se cansou de pagar pelo silêncio
da condessa.
— Ou talvez lady Brookhurst tivesse outros inimigos.
— Não, meu sexto sentido diz que é Avery quem está por trás de mais essa

Projeto Revisoras 142


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

morte. Mas, seja como for, Célia Rollins está morta e, com ela, as chances que eu
tinha de provar minha inocência. — De súbito, deixou cair os ombros, como se
sustentassem um fardo muito, muito pesado. — Para piorar, o assassino a viu e sabe
que pode testemunhar contra ele. Assim sendo, é bem possível que esse miserável
venha no seu encalço.
— O que vamos fazer?
— Ninguém lhe fará mal, Velvet. Juro. Vou contratar pessoas para vigiarem a
Mansão Haversham e alguém que esteja a seu lado aonde quer que você vá.
Ela não se opôs. Não queria acabar como Célia Rollins.
— A estas horas o mordomo já deve ter encontrado o corpo da condessa,
Jason. Ele sabe que estive lá. Vou ter de comunicar a morte às autoridades, e é melhor
fazê-lo o quanto antes.
— Sim, é verdade. Assim que chegarmos em casa, vou enviar um mensageiro
ao gabinete de polícia. Você dirá a eles que se apavorou ao descobrir que Célia estava
morta e por isso voltou correndo para casa, mas depois cuidou de avisá-los o mais
depressa que pôde.
— E se eles quiserem falar com meu marido?
— Diga-lhes que estou fora, que fui tratar de negócios na Nortúmbria, assim
os manteremos afastados por alguns dias. Se o policial encarregado do caso não tiver
qualquer envolvimento com o homicídio de meu pai e quiser falar comigo, irei
procurá-lo, uma vez que ele não saberá quem sou. Caso contrário, pensaremos numa
outra saída quando não houver mais como postergar as interpelações.
Velvet enlaçou o braço ao dele.
— Daremos um jeito, Jason. Você não vai desistir. Não deixarei que faça isso.
Ardentes olhos azuis a fitaram.
— Sou um sujeito de sorte por ser seu marido, mesmo que seja por tão curto
espaço de tempo.
Ela sentiu um aperto no peito. Amava-o. E iria perdê-lo.
A carruagem estacou e, pouco depois, Velvet saltou do veículo apoiando-se no
braço de Jason, que então a conduziu em direção à entrada da casa. Desalentada, ela
soltou um profundo suspiro. Deus do céu, iria sentir tanto a falta dele...

À escrivaninha do seu gabinete na mansão na capital, Avery tirou os olhos dos


papéis que lia para fazer um sinal a Baccy Willard indicando-lhe que entrasse. O
brutamontes se aproximou apertando o surrado chapéu de três bicos nas mãos.
—E então?

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Ela está morta, como o senhor mandou.—— Olhou para um ponto acima
da cabeça do patrão. — O senhor não falou que ela era tão linda...
— Linda? Só se for como uma daquelas malditas serpentes indianas... —
Avery fez um muxoxo. — Correu tudo bem? Ninguém o viu entrar nem sair, não é?
— Passei quase três dias de tocaia, e hoje ela mandou os criados ir embora
mais cedo. Era uma boa oportunidade.
— Então por que está com essa cara de cão sem dono?
— Apareceu uma moça... — Baccy remexeu-se sem sair do lugar. — Ela entrou
no quarto quando eu estava indo embora.
— E viu você?
— Viu. Mas não o rosto.
— Maldição! Temos de descobrir de quem se trata e nos livrarmos dela antes
que a infeliz dê com a língua nos dentes.
— Sei quem é ela. — Engoliu em seco, e seu pomo de adão se moveu para
cima e para baixo. — A mocinha com quem o senhor ia se casar.
— Velvet? Velvet Moran?
— Ela mesma.
— Inferno! Que raios Velvet foi fazer na casa de uma mulher como Célia? —
Debruçou-se sobre a escrivaninha. — Tem certeza de que era ela?
— Era.
Ao perceber que estava suando, Avery praguejou em pensamentos contra as
gotículas que umedeciam sua camisa de linho.
— Você tem de calá-la, Baccy. Sua vida pode estar correndo perigo. — E a dele
também. — Mate Velvet Moran. Dê um fim nela ou essa espertinha irá nos colocar
em apuros.
— Não gosto de matar mulheres. Ainda mais se são bonitas.
— Escute aqui, seu palerma: livre-se dessa mulher antes que ela nos crie
problemas!
Com um ar sombrio, Baccy franziu a testa até quase unir as grossas
sobrancelhas numa só linha.
— Vá — Avery o instou. — Cuide disso o mais depressa possível.
O medo que o grandalhão tinha da forca levou-o a fazer que sim e, sem mais,
ele deixou o aposento fechando a porta cuidadosamente.
Em sua poltrona, Avery continuou com as idéias em alvoroço. O que Velvet
estaria querendo? Do que andaria atrás? Por que buscaria informações sobre um

Projeto Revisoras 144


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

homicídio ocorrido havia mais de oito anos? Se Baccy acabasse com ela, suas
perguntas ficariam sem resposta. Por outro lado, tais dúvidas não fariam a menor di-
ferença depois que a ardilosa dama estivesse morta.
A conclusão o animou, e Avery, tomando o último documento que precisava
da assinatura do duque de Carlyle, mergulhou a pena no tinteiro antes de apor seu
nome ao pé da folha de papel. A tinta respingou, no entanto ele deu de ombros. A
carruagem esperava lá fora com sua bagagem, pronta para levá-lo à sua mais recente
aquisição: a imensa propriedade rural em East Sussex, antigo lar de sir Wallace
Stanton, onde um funeral aguardava sua presença.
Satisfeito da vida, sorriu para si mesmo. O casamento com Mary Stanton e a
morte do pai dela tinham sido a empreitada mais lucrativa a que se dedicara nos
últimos anos.

Ao pé da escadaria no hall de entrada de Windmere, envolta pela garoa


enviada pelo céu tomado por nuvens espiraladas, Christian Sutherland ergueu o
olhar ao ouvir os passos suaves de Mary Stanton no topo dos degraus. E, como
costumava acontecer ultimamente, prendeu a respiração ao vê-la descendo a escada,
loira e esguia, quase uma criança, a imagem da ternura.
Nutrida pelas horas passadas nos jardins ou pelas refeições simples que
faziam juntos diante da lareira, a atração que sentia por ela se avivara desde que
haviam chegado à casa de campo da família de Velvet. Doce e sincera, Mary era boa
talvez até demais, e sua timidez lhe acrescentava uma aura simplesmente
encantadora.
— Estou pronta.
Tomando a mão dela, Christian ajudou a descer o último degrau.
— Não há nada que eu possa dizer para fazê-la mudar de idéia?
— Tenho de me despedir dele. Eu não me perdoaria se faltasse ao
sepultamento de meu pai.
— Mas se estiver lá, o duque poderá exigir que você volte com ele para
Londres. E eu não terei mais como protegê-la.
— Preciso ir... Por favor, não se zangue comigo.
Não era com ela que estava zangado, e sim com o fato de que Mary Stanton
devia estar casada com ele, não com Carlyle. A seu lado, seria tratada com todo o
carinho e o respeito que merecia.
— Se não fosse por você, Christian, pelos dias que passamos juntos aqui... Não
sei o que seria de mim. — Os olhos dela se umedeceram. — Jamais irei esquecê-lo.
— Mary... — Estreitou-a nos braços. — Querida, eu lhe imploro: fique aqui.
Uma hora vamos encontrar uma solução, um modo de emergir deste lodaçal em que

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Carlyle nos meteu. Sempre há uma saída quando se...


— Você me ama? — No entanto, não lhe deu tempo para responder. — Não
importa. Sou uma mulher desonrada, não o tipo de moça com quem um homem
como você iria querer se casar.
— Não é verdade. Nada do que Carlyle pudesse fazer iria diminuir suas
virtudes. Você continua sendo meiga, generosa, inocente.
— E você é o melhor homem que já conheci. É por isso que o amo do fundo do
meu coração. — Fitou-o com um olhar tristonho. — Se você me amasse da mesma
forma, nada iria me impedir de fazer o que fosse preciso para que ficássemos juntos.
— Mary, por favor... Tenho certa dificuldade para amar. O que sinto por você
é profundo, verdadeiro e não vai mudar. Mas, amor? Não sei. Tampouco irei mentir
para mantê-la junto de mim.
Ela engoliu as lágrimas para afirmar:
— É por isso que amo você. Sempre amarei.
Cerrando os dentes ante a opressão que sentia no peito, Christian conduziu-a
até a carruagem, ajudou-a a subir no veículo e foi se acomodar no coxim em frente ao
dela, onde esticou as pernas e se preparou para a longa viagem a East Sussex. Iria
acompanhá-la pela maior parte do percurso, depois deixaria que ela seguisse viagem
sozinha. Mary precisava estar por lá antes que o duque chegasse, para dar a
impressão de que vinha residindo na casa de campo desde que se ausentara de
Londres.
Amava-a? Jamais tinha amado alguém. Talvez nem soubesse como fazê-lo.
Ainda assim, não iria mentir para ela. Não seria justo para com uma pessoa tão
extraordinária. Em vez disso, preferia buscar um modo de ajudá-la.
O fiapo de lua no céu não dava conta de clarear as ruas nas imediações da
Mansão Haversham nem uma ou outra carruagem que transitasse por ali trazendo
seus ocupantes de volta para casa.

Acabou. Após todos esses anos, agora está tudo, realmente acabado.
E ele estava exausto, incrivelmente prostrado. A derrota pesava como uma
mortalha ao redor de seus ombros.
No silêncio de seus aposentos, escassamente iluminados pela única vela já um
tanto consumida pelo lento escoar das horas, Jason, largado sobre uma poltrona,
evitou pensar que as paredes pareciam encurralá-lo para levar a garrafa de conhaque
à boca e sorver longo trago da bebida. Desde que aquele inferno começara, oito anos
atrás, os demônios do ódio não o fustigavam tanto como naquela noite. O mesmo
ódio que o fizera jurar vingança, que o acompanhara por semanas a fio a bordo de
um brigue repleto de presidiários, que lhe dera forças para sobreviver aos dias

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

desumanos sob o sol escorchante da Geórgia com quase nada para comer,
intermináveis dias de trabalho extenuante em meio aos pantanais infestados de
insetos, calor e morte.
Quando pensara que não seria capaz de agüentar mais um só minuto daquele
inferno, que preferiria morrer a ver outro dia erguer-se no horizonte, as imagens de
Avery vivendo em Carlyle Hall, dilapidando a fortuna de sua família, destruindo o
bom nome de seu pai, fizeram-no seguir adiante. A força de vontade tinha sido sua
única aliada. Além, obviamente, do ímpeto de vingança. Tão intenso que, por vezes,
chegara a lhe embrulhar o estômago.
Sempre tivera como certo que fosse vencer. Sempre. Mas naquela noite, na
calada daquele aposento imerso na penumbra, via-se obrigado a encarar a dolorosa
admissão de que Avery havia triunfado. Não tinha provas suficientes para inocentá-
lo. Com a morte de Célia, teria de ir-se da Inglaterra sem a vingança, sem a justiça
por que desesperadamente almejara. Caso contrário, mais cedo ou mais tarde
acabaria no cadafalso. E Avery iria conquistar a vitória final.
Enquanto tomava mais um gole de conhaque, relanceou os olhos pela porta
do dormitório anexo ao dele, c seus pensamentos se voltaram à bela Velvet Moran...
Velvet Sinclair, corrigiu-se. Sua esposa, para todos os efeitos, exceto um, o que tanto
desejava, o que não podia se dar ao prazer de desfrutar. Os sonhos de constituir um
lar onde viver um casamento feliz, abençoado por filhos, tinham sido enterrados no
convés banhado de sangue de um bergantim britânico capturado, destroçados para
sempre por um infame ato de violência que o colocara entre os homens mais despre-
zíveis que já haviam pisado a face da Terra.
Enojado com as imagens de horror e morte que ameaçavam voltar à vida em
sua mente, largou a garrafa no chão e, pondo-se em pé, começou a despir-se. Ainda
não estava embriagado o bastante para adormecer, mas talvez conseguisse descansar
uma horinha que fosse. Precisava recobrar a capacidade de raciocinar se quisesse
sobreviver aos dias que aguardavam por ele.
Entorpecido pelo desânimo e pela bebida, praguejou baixinho ao resvalar a
mão numa mesinha junto à poltrona, derrubando o cálice de cristal que não chegara
a usar. E, ao ver os cacos espalhados pelo chão, amaldiçoou sua má sorte, um espelho
dos eventos daquele dia, antes de abaixar para recolher os pequeninos fragmentos de
cristal.
Ao ouvir o ruído de vidro estilhaçando-se no quarto contíguo ao seu, Velvet
viu confirmadas suas suspeitas de que ele ainda estivesse acordado, decerto deprimi-
do com a hipótese de que as chances de provar-se inocente tivessem morrido com
Célia.
Tentara animá-lo durante o jantar, relatando em detalhes suas declarações às
autoridades, assegurando-lhe de que o chefe de polícia se mostrara bastante satisfeito
com as explicações que dera para abandonar a cena do crime. Segundo as deduções

Projeto Revisoras 147


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

do policial, o assassino era um ladrão à toa que tentara roubar as jóias da condessa e
ela não tinha mais por que se preocupar com o assunto. Ainda assim, Jason se
limitara a acenar com a cabeça, pedir licença e recolher-se aos aposentos dele, de
onde, minutos mais tarde, pedira a um criado que lhe levasse uma garrafa de
conhaque.
Apesar de saber que não deveria fazê-lo, Velvet se levantou e, vestindo o
roupão largado ao pé da cama, foi até a porta que interligava os dois dormitórios. E,
com a respiração presa, girou a maçaneta lentamente até ouvir o dispositivo de metal
soltar-se do batente.
À exígua claridade de um toco de vela, Jason, de botas e calças e com o torso
nu, achava-se agachado junto à mesinha próxima à poltrona revestida de ada-
mascado, recolhendo cacos de vidro do chão.
— Minha Virgem! — Deixou escapar Velvet, estarrecida com as cicatrizes que
formavam uma assustadora colcha de retalhos sobre as costas dele.
Murmurando uma praga, Jason se aprumou antes de virar-se para ela.
— O que deseja, Velvet? — Largou os caquinhos de cristal sobre a mesinha. —
Por acaso não lhe ocorre bater antes de entrar?
— Suas costas, santo Deus... O que... Quem fez isso com você?
Ele se afastou em direção à cama.
— Fui chicoteado. Acontece com criminosos, sabia? Não sou o que se poderia
chamar de uma pessoa humilde; acatar ordens não é uma tarefa fácil para um
homem criado como herdeiro de um duque.
Com muito esforço para não chorar, Velvet aproximou-se de mansinho já
imaginando que ele fosse se esquivar ou lhe pedir que o deixasse em paz. No en-
tanto, Jason não fez nem uma coisa nem outra, e ela, depois de examinar as
eloqüentes cicatrizes por alguns instantes, correu o dedo por um dos vergões
esmaecidos antes de afagá-lo com um suave beijo. De pronto, os músculos sob seus
lábios se contraíram, então Jason se virou vagarosamente.
— Sou um criminoso. Tentei explicar, tentei fazê-la ver isso. — Os olhos dele
pareciam destituídos de qualquer outra emoção que não uma profunda amargura. —
Não matei meu pai, mas cometi outros delitos... Crimes piores do que assassinato.
— Não... Não é a mesma coisa. Você era inocente, estava se defendendo,
lutando pela própria vida. Não merecia o que lhe fizeram.
— Por que não consegue ver? Por que não quer entender? — Erguendo o
braço esquerdo, fechou a mão e aproximou-a da chama da vela. — Adquiri esta cica-
triz na Geórgia, quando roubei... uma capela, Velvet. Assaltei o vigário, um velho
indefeso que calhou de estar no meu caminho enquanto eu tentava fugir de uma
plantação de arroz onde era prisioneiro. Eu precisava de dinheiro... e pouco me

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

importava como consegui-lo. Ainda assim, fui capturado e, após inúmeras


chibatadas, eles me marcaram com ferro escaldante. Aqui, no dorso da minha mão.
Ela sentiu-se gelar.
— Só não fui enforcado porque, forte como era, tinha mais serventia vivo,
para o trabalho forçado, do que morto. E quando finalmente consegui escapar, três
anos depois, coloquei minha mão sobre a chama de uma vela para borrar o "L" que
estava gravado em minha carne. Porque todo mundo na Geórgia sabia que aquele
"L" tinha por fim indicar um ladrão.
Incapaz de se conter, Velvet abraçou-o e, colando o rosto ao peito dele,
desatou a soluçar. Após alguns instantes de silêncio, porém, a mão larga pôs-se a lhe
afagar os cabelos.
— Já passou, duquesa. Tudo aquilo ficou para trás. E as cicatrizes não doem.
Inconformada com tanto sofrimento, ela só fez chorar ainda mais.
— Não fique assim, por favor. Não mereço suas lágrimas, Velvet. Um homem
como eu não é digno do seu pranto.
— Essas não são as únicas cicatrizes que você carrega... As que estão gravadas
em sua alma são muito piores, não é mesmo? — Afastou-se o suficiente para poder
fitá-lo nos olhos. — Conte-me o que foi que fez de tão terrível que quase o aniquilou.
Seja o que for, sei que você teve motivos para agir como agiu. Conte, Jason... Deixe-
me ajudá-lo a carregar esse fardo e, em breve, toda essa dor irá passar.
— Não me peça isso, Velvet. Se gosta um pouco de mim, nunca mais torne a
pedir isso.
Por maior que fosse o ímpeto de confortá-lo, ela aquiesceu:
— Está bem. Você não tem de me dizer nada se não se sentir à vontade para
fazê-lo. — Afagou-o no rosto, depois desfez o nó do cinto do roupão e, despindo a
indumentária, deixou-a cair a seus pés.
Em silêncio, ele a viu caminhar até a cama e afastar as cobertas antes de se
acomodar sobre o leito, de encontro aos travesseiros.
— Faça amor comigo esta noite, Jason. Ajude-nos a esquecer tudo isto, nem
que seja por alguns instantes.
Ainda calado, e com impressão de que o coração lhe martelava as costelas, ele
ficou a contemplar a jovem que deixara de ser inocente por sua causa, a mulher com
quem se casara, mas não era sua esposa. Já rija, sua masculinidade pulsava de desejo,
projetando-se contra a parte dianteira das calças à altura dos joelhos que usava.
Vinha tentando reprimir a vontade de possuí-la desde que tinham regressado da
hospedaria, e houve vezes em que fora bem-sucedido. Aquela noite, entretanto, não
era uma dessas ocasiões.
— Não sabemos o que o futuro nos reserva. — Sem tirar os olhos dos dele,

Projeto Revisoras 149


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Velvet despiu a camisola. — Mesmo assim, eu queria muito que você me abraçasse,
me tocasse, me fizesse sentir segura.
Jason levou o olhar aos mamilos que se erguiam como dois botões rosados
sobre a pele tão alva... e sentiu a ereção se avolumar entre suas virilhas. Deus, como
gostaria de beijá-la ate perder o fôlego, de acariciá-la por inteiro, de meter-se entre
aquelas pernas benfeitas e preenchê-la com sua virilidade até que o querer que tanto
o atormentava fosse enfim saciado.
— Jason...
Por Cristo, era apenas um homem... Aproximou-se da cama e, depois de
desabotoar a braguilha, sentou-se no colchão para tirar as botas antes de despir as
calças. Talvez fosse pagar por sua luxúria, mas o que era uma penitência para
alguém destinado a arder no fogo do inferno?
Ao vê-lo completamente nu, Velvet não hesitou em admirar por alguns
instantes o teso membro dele enquanto lhe afagava o tórax.
— Você é tão forte, Jason, tão viril.
— E você é tão linda... — Beijou-a com uma calma em total desacordo com a
abrasadora paixão que o consumia e, com igual delicadeza, deslizou as mãos pelo
corpo dela, deleitando-se com a textura da pele clara, com os belos contornos e vales
que a faziam assombrosamente feminina. Então tomou na boca um mamilo todo
arrepiado e, pondo-se a acariciá-lo com a ponta da língua, levou a mão ao púbis
recoberto de pelos macios para afagar sem pressa nem reservas a feminilidade já
úmida e muito cálida, pronta para recebê-lo.
— Jason... — Ao sentir-se estremecer dos pés à cabeça, Velvet agarrou-o pelos
ombros. — Oh, Jason!
— Sim, querida, sim. —Ajeitando-se entre as coxas dela, penetrou-a num só
movimento para preenchê-la por completo e fazer de seus corpos um só.
Breve e ardoroso, o ato de amor expressou a paixão havia tanto negada. E,
sem deixar de abraçá-la, Jason voltou a possuí-la minutos depois, dessa vez mais va-
garosamente, saboreando cada segundo do momento de candente intimidade,
entregando-se tanto ao clímax da carne como à arrebatadora sensação de paz e bem-
estar que brotara em seu peito. No dia seguinte pensaria nos problemas que
restavam por solucionar, entre os quais as medidas que visavam à segurança de
Velvet, e nas penosas decisões que tinha por tomar. Naquela noite, só o que
importava era a paz que o invadia na companhia daquela jovem linda e miúda que o
fazia sentir-se vivo novamente.
Cansado como estava, ele não demorou a adormecer. E, antes de pegar no
sono, a última coisa em que pensou foi no prazer que sentia ao tê-la aninhada entre
seus braços.
Embora o dia ainda não tivesse raiado, largas faixas cinzentas começavam a

Projeto Revisoras 150


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

assomar no horizonte. O prenuncio da nova manhã vinha encontrar Velvet


completamente desperta, uma vez que, apesar de ter os sentidos saciados pela
veemência do ardor de Jason, sua mente não conseguia serenar.
Até a noite anterior, não tinha se dado conta do quanto o amava; tivera de ver
as cicatrizes nas costas dele e imaginar a dor, física e moral, provocada pelas
pavorosas chibatadas para que compreendesse a real intensidade dos seus
sentimentos. Como herdeira de uma família aristocrática, nunca idealizara uma
paixão devastadora como aquela, apenas se resignara a contentar-se com um
casamento arranjado e, caso tivesse sorte, um marido atencioso e indulgente ao lado
de quem viveria uma vida sem atropelos.
A bem da verdade, nem sabia que emoções como as que vinha
experimentando existiam: a sensualidade fremente, a dor lacerante ante a separação,
a solidariedade incondicional, o desejo incontinente por outro ser humano.
Meu bom Deus, vou amá-lo para sempre.
Mesmo sabendo que ele iria deixá-la.
Lembrou-se do enlevo com que haviam se amado... E também de que, nas
duas vezes em que atingiram o clímax, Jason afastara-se dela para não derramar as
sementes viris dentro de seu corpo, decerto porque não queria um filho a quem teria
de abandonar. A mensagem, que não poderia ser mais clara, era também
extremamente dolorosa: Jason gostava dela, porém não o bastante para permanecer a
seu lado. Mesmo que encontrasse uma maneira de atestar sua inocência e resgatar
seu título e suas propriedades, ele iria embora. Ao sentir um gosto amargo na boca,
Velvet tratou de engolir em seco para livrar-se da desagradável sensação. Quisera
poder sufocar o amor que sentia por ele, mas, como isso era impossível, iria buscar
uma forma de honrar sentimento tão nobre: ajudar Jason Sinclair a provar, fosse
como fosse, que não tirara a vida do próprio pai.
Farto do assunto, que se espalhara feito rastilho de pólvora por toda a alta
sociedade, Lucien Montaine largou o Morning Chronicle, com a notícia da morte de
Célia estampada em destaque, sobre o coxim da carruagem. O marquês também já
havia recebido o bilhete de Jason, profundamente desalentado com as conseqüências
do fato, e, como não fosse homem de admitir derrota tão facilmente, de pronto
respondera à mensagem com uma nota solicitando uma conversa particular com
lorde e lady Hawkins.
E não perdera tempo em lhes falar de seu plano.
— Muito bem, Lucien, vamos a ele. — Após fechar as portas da sala de visitas,
Jason olhou para o amigo por cima dos óculos que estava usando. — O que tem em
mente?
— Conte-nos, meu lorde — incentivou Velvet, bastante esperançosa. — Por
acaso descobriu algum dado novo que possa...

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Não, nada de novo, infelizmente. Vim lhes propor uma medida audaciosa,
reconheço, mas a esta altura dos acontecimentos, não há mais como evitar os riscos.
— Respirando fundo, Lucien olhou bem para os dois. — Já que não podemos contar
com o depoimento de Celia, só nos resta uma pessoa a quem abordar.
— Avery? — Jason tirou os óculos. — Então acha que posso obrigar meu
irmão a confessar a verdade?
— De livre e espontânea vontade, não. Mas acredito que possamos induzi-lo a
assumir a culpa pelo assassinato num espaço ao alcance dos ouvidos de um
magistrado. Isso, além das provas que amealhamos, será o bastante.
O rosto abatido de Jason se iluminou.
— Você é brilhante, Lucien. Como conseguiremos tal façanha? Onde e
quando?
— Calma, meu amigo impaciente. Vamos ter de planejar tudo
minuciosamente; um só passo em falso, e o castigo pelo deslize pode ser sua vida.
Velvet ficou branca.
— Começaremos a traçar nossa estratégia ainda hoje — afirmou Jason. —
Antes disso, porém, eu queria que você soubesse que a aristocracia em peso está
cobrando de Velvet uma oportunidade para me conhecer pessoalmente. Se não
agirmos logo, essas pessoas vão acabar batendo à nossa porta só para dar uma
olhadinha em mim.
— É perigoso deixar que eles o vejam Jason. — Quase sem notar, Velvet
pousou a mão no braço dele. —Alguém poderia reconhecê-lo.
— Você lhes prometeu um baile, no qual apresentaria seu tímido e recluso
marido... Isso está fora de cogitação, mesmo assim poderíamos enviar os convites.
Vejamos... — O marquês pensou por um instante. — Se marcarmos o tal baile para
daqui a... digamos, três semanas, teríamos como manter os curiosos a distância
enquanto cuidamos de nossos planos.
— Você realmente é brilhante, Lucien — retrucou Velvet, radiante.
— Oh, isso eu já sabia. Os três caíram na risada.
Indiferente à noite fria lá fora, o fogo alto crepitava atrás da grade que agora
protegia a lareira. A umidade que antes permeava a mansão se fora com a chegada
de Jason, pois desde então havia carvão suficiente para manter as fornalhas acesas
em toda a moradia.
Largando o bordado sobre o colo, Velvet fixou o olhar num dos elegantes
círios de cera virgem que substituíam as velas de sebo que por tanto tempo tivera de
usar. Não era mais uma remediada. Mas, apesar de ter restituído seu dote, Jason não
lhe permitia gastar um xelim com as despesas, encarregando-se ele próprio de arcar
com todas as obrigações inerentes ao bom andamento da casa. Em outras questões,

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

porém, continuava a se comportar com extremada reserva, o que significava, além de


manter certa distância, não voltar a deitar-se com ela.
Os passos hesitantes do velho conde de Haversham atraíram o olhar de Velvet
para o vão entre as portas da sala.
— Onde se meteu aquele simpático patife com quem você se casou? — O avô
dela aproximou-se com um livro de capa de couro na mão. — Pensei que fosse
convencê-lo a jogar uma partidinha de xadrez.
— Jason está com Litchfield — lembrou Velvet, já que ele havia feito a mesma
pergunta não fazia nem uma hora. — E deve demorar.
— Oh, é verdade... Devo ter esquecido. — Coçou a cabeça. — Estou com a
sensação de que... de que tinha outra coisa para lhe dizer.
— O que era, vovô? — Rezou para que ele se lembrasse. Poderia ser
importante.
Após um instante de silêncio, o velho conde estalou os dedos.
— Um bilhete! Era isso! Agora, deixe-me ver... Ah, sim, deixei-o na biblioteca.
Mas não se preocupe, vou buscá-lo para você.
Mas nem bem Velvet pousou o olhar sobre o delicado bordado em seu colo, o
ancião ressurgiu à entrada da sala para se lamentar:
— Por Jeová, esqueci o que eu ia fazer...
— O bilhete, vovô. — Levantou-se. — Não prefere que eu vá apanhá-lo?
— Ah, é claro! Sente-se, querida, sente-se. Estarei de volta num instante.
Tornando a se acomodar na poltrona, ela exalou um suspiro. Fiel ao
prometido, pouco depois seu avô retornava com o bilhete, uma mensagem lacrada
com cera endereçada a lorde Hawkins. Certa de que não deveria se ater a
formalidades num momento como aquele, Velvet achou melhor verificar do que se
tratava.
As palavras que se sucediam pelo pedaço de papel achavam-se muito bem
desenhadas, como se a pessoa que as formulara tivesse pedido a alguém que as es-
crevesse em seu nome. Fosse como fosse, o remetente afirmava ter ouvido dizer que
lorde Hawkins estava à procura de informações concernentes ao assassinato do
duque de Carlyle, ocorrido havia oito anos. E que, em troca de algum dinheiro,
poderia fornecer tais informações.
Se estiver interessado, venha à viela ao lado da taberna Swan and Crown, na Strand
Street, a um quarteirão da Bury Lane. As dez horas... em ponto.
Venha sozinho.
Velvet mordeu o lábio enquanto seu olhar escapulia até o carrilhão de ouropel
que por pouco não fora vendido junto com outros objetos de valor da família. Santo

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Deus! Eram quase nove e quinze, e Jason, como nas demais noites daquela semana,
não deveria chegar antes da meia-noite.
— O que foi, querida? Você parece preocupada.
Ela releu o bilhete. Era evidente que o remetente sabia de algo, e essa
informação talvez fosse de vital importância.
— Preciso falar com uma pessoa, vovô. — Erguendo-se de um pulo, colocou o
pedaço de papel entre os dedos frágeis e rugosos do avô. — Se Jason chegar antes de
mim, o senhor entrega esse bilhete para ele? Vai se lembrar de fazer isso, não vai?
— É claro que sim.
Com a certeza de que o mais provável era que ele fosse esquecer, Velvet
pensou em chamar o mordomo, porém logo descartou a ideia; quanto menos pessoas
se inteirassem daquilo, mais seguro Jason estaria. De mais a mais, levaria com ela o
homem que Barnstable havia contratado para vigiar a mansão. E possivelmente
estaria de volta antes que Jason chegasse.
A Swan and Crown não ficava no melhor endereço da cidade, muito pelo
contrário, mas o sr. Ludington, o policial com um chapéu bastante gasto no coxim em
frente ao de Velvet, tinha uma boa estatura, compleição robusta e parecia pronto
para defendê-los em caso de necessidade. Lá fora, uma neblina espessa começara a
nublar as enlameadas ruas tomadas pelo odor azedo de peixe morto que se erguia do
cais. Pretos de fuligem, os prédios ao longo da viela por onde passavam tinham a
maior parte das janelas tapadas por tábuas, e o lixo formava pilhas junto dos muros.
A desbotada placa de madeira que anunciava a Swan and Crow não demorou
a surgir em meio à névoa.
— É ali! — Embrulhando-se no manto, Velvet bateu no teto da carruagem e
pediu ao cocheiro que parasse em frente ao estabelecimento.
— Não estou gostando nada disto, milady. Seu marido vai querer minha
cabeça caso algo lhe aconteça.
— Nada irá me acontecer, sr. Ludington, se ficar junto à carruagem e correr a
me acudir no caso de eu gritar por socorro.
— Vou com a senhora e espero lá dentro. — Sem mais, abriu a portinhola do
veículo e saltou para o chão.
— Eu não estaria fazendo meu trabalho se não a acompanhasse. Seu marido
me contratou para protegê-la.
Muito a contragosto, ela aceitou a mão que o policial lhe oferecia e apeou da
carruagem.
— E verdade, sr. Ludington, é meu marido quem paga seu salário. Por isso
sugiro que, caso queira continuar a recebê-lo, obedeça às ordens da esposa de seu
patrão. — Cobriu a cabeça com o capuz. — Não me demoro.

Projeto Revisoras 154


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Mas...
Antes que ele se pusesse a argumentar, Velvet deu-lhe as costas e, a passos
ligeiros, dobrou a esquina até o beco ao lado da taberna, de onde escapava uma
cantoria malsonante de vozes roufenhas a entoar uma canção de marinheiros com
versos obscenos. A ruela, porém, achava-se deserta. A não ser por um mendigo cego
enrolado num cobertor comido por traças, não havia nem sinal da pessoa que enviara
o bilhete a Jason.
— A alguém aqui? — Duas ratazanas cinzentas passaram correndo por
algumas caixas de madeira encostadas na parede, e o susto fez Velvet pular. — Vim
em nome de lorde Hawkins. Se a pessoa que queria falar com ele est...
Um vulto alto e fornido surgiu como do nada em meio à neblina e, num átimo,
um braço massudo enlaçou-a pelo pescoço para puxá-la de encontro a um tórax duro
como pedra. Com igual presteza, ela gritou e tentou se soltar, porém a força com que
o sujeito a segurava era como uma implacável braçadeira de ferro a refreá-la. Foi
então que, num lampejo desesperado, deu-se conta de que se achava nas mãos do
homem que havia assassinado Célia Rollins... e estava prestes a morrer.
— Perdão, moça — desculpou-se ele com sincero pesar, antes de levar o
punhal ao pescoço de sua aterrorizada vítima.
Numa reação instintiva, Velvet cerrou as pálpebras e esperou pela dor
lancinante... porém não chegou a senti-la. Em vez disso, ouviu passos, percebeu que
a força no braço que a imobilizava se abrandara e, abrindo os olhos, viu o sr.
Ludington entrar no seu campo de visão. Com o ânimo redivivo pelo socorro que
vinha acudi-la, conseguiu soltar-se do brutamontes e, sem sentir as pernas, foi
apoiar-se na parede à busca de recuperar o fôlego.
— Corra daqui, milady! Corra! — gritou o policial antes de se atracar com o
malfeitor. — Salve-se!
Bem que ela queria, no entanto não podia deixá-lo ali sozinho, entregue à fúria
de um assassino. Assim, pôs-se a procurar freneticamente algo para usar como arma
e, ao avistar a enferrujada barra de ferro largada em meio ao lixo, correu para ir
pegá-la.
De volta ao ponto onde os dois homenzarrões haviam se engalfinhado, viu
que o policial, caído no chão, era impiedosamente esmurrado pelo brutamontes.
Então, temendo pela vida do pobre-coitado, juntou toda a coragem e as forças que
lhe restavam antes de aproximar-se dos dois para desferir violenta pancada contra o
flanco do malfeitor, à altura das costelas. Ao zunido que a barra de ferro deixara no
ar seguiu-se o estalo de um osso que se partia, e uma imprecação ecoou pelo beco.
Tornando a erguer o grande e pesado pedaço de metal, Velvet, embora certa
de que ela e seu guarda-costas iriam morrer naquela viela imunda infestada de ratos,
encarou o homem que os atacara. O grandalhão ainda chegou a avançar dois passos,

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

mas, de súbito, olhou para um ponto à entrada do beco e, praguejando em voz baixa,
deu meia-volta e disparou na direção contrária, rumo à outra extremidade da
ruazinha.
Demorou alguns instantes até que Velvet, toda trêmula, arfante, apavorada,
percebesse o avanço das passadas largas às suas costas. E quando o fez e se virou
brandindo a enferrujada arma que havia improvisado, não sabia se ria ou se chorava.
— Jason!
O cocheiro, que vinha correndo atrás dele com uma das lanternas da
carruagem na mão, foi se ajoelhar ao lado de Ludington, que continuava estirado no
chão, e Velvet ouviu o policial gemer.
— Ele está bem? — Embora interpelasse o condutor, Jason tinha os olhos
cravados no rosto dela.
— Vai ficar, meu lorde, quando o inchaço se for e as escoriações sararem —
respondeu o rapaz. — Vou ajudá-lo a chegar até a carruagem.
Após fazer um gesto afirmativo, Jason, ainda em silêncio, tirou a barra de
ferro das mãos de Velvet.
— Você está bem? — E, ao vê-la fazer que sim, emendou: — O que, em nome
de Deus, você pensou que estivesse fazendo? Podia estar morta a uma hora destas!
Como pôde sertão insensata?
Ela até quis responder, no entanto a voz não lhe saiu.
— Por Cristo, duquesa... — Afagou-lhe o rosto. — O que vou fazer com você?
Abrace-me. Estou tão assustada... Pensei que fosse morrer.
As palavras, porém, não foram necessárias: erguendo-a nos braços, Jason
apertou-a de encontro ao peito.
— Por que tem de ser tão estouvada? Como foi se arriscar dessa maneira?
Velvet teve de conter um soluço para conseguir explicar:
— Passava das nove, você não chegaria a tempo... Pensei que ele tivesse
informações valiosas... Eu não podia perder a oportunidade de...
— Desmiolada. — Colocou-a no chão, depois segurou na mão dela. — E se seu
avô tivesse se esquecido de me entregar o bilhete? E se demorasse mais alguns
minutos para chegar aqui?
— Era uma cilada, não era?
— Sem dúvida. Só não sei se para mim ou para você.
— Era o homem que matou Célia Rollins, Jason. Decerto ele queria acabar
comigo também.
— Só que o bilhete foi enviado a mim. E se seu avô tivesse me entregado a

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

correspondência a tempo, eu teria vindo ao encontro em seu lugar.


— Então quem...
— Esse bilhete deve ser obra de Avery. Provavelmente ele descobriu que estou
vivo e resolveu preparar uma cilada para mim.
— Mas era o homem que matou lady Brookhurst, tenho certeza.
— O homem de confiança do meu irmão. Ao que parece, ele quer nos ver
mortos.

O dia do sepultamento de sir Wallace amanheceu frio e ventoso, com extensas


nuvens cinzentas sobre o pequeno cemitério da família na colina debruçada sobre o
Solar Stanton. A cerimônia fúnebre fora simples, uma breve homenagem na capela
da paróquia da região, em vez da suntuosa solenidade repleta de flores numa
catedral de Londres, como o pai de Mary gostaria, mas ela tinha certeza de que o
bom homem iria perdoá-la.
Diante do túmulo, à espera de que o esquife ornamentado de prata baixasse à
sepultura, Mary olhou de relance para Avery, com a tarja de cetim negra no braço e
uma ensaiada expressão de consternação, e sentiu um gosto de fel na garganta. Ao
lado dele, quis muito ter nascido homem, não aquela mulher frágil e covarde, talvez
assim tivesse coragem para cravar um punhal no coração daquele canalha
desapiedado que tirara a vida de seu pai.
O funeral chegou ao fim, e ele bateu de leve no braço da esposa.
— Venha, querida. É hora de deixarmos toda esta tristeza para trás e
voltarmos para a capital.
O estômago de Mary se retorceu.
— Eu pretendia ficar aqui, Vossa Graça. Ao menos por mais alguns dias.
— Tolice, minha cara. De mais a mais, você tem suas responsabilidades, entre
as quais me dar um herdeiro.
— Mas... — Pensou que fosse desfalecer. — Não haveria como eu permanecer
por aqui até que a dor que estou sentindo pele perda de meu pai se abrandasse?
— Você vai para casa com seu marido. — Dando-lhe as costas, Avery foi para
junto de um dos amigos mais chegados de sir Wallace e se pôs a falar dos lucrativos
investimentos que o nobre ajudara seu finado sogro a fazer.
Não sem antes reparar no ar desgostoso do amigo de seu pai, Mary
dissimulou as lágrimas e rumou de volta ao casarão. Bem que Christian a avisara dos
riscos que ela correria ao comparecer ao sepultamento...

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Jason se debruçou sobre o croqui que Lucien fizera do armazém que possuía
nas docas, local que ele e o marquês haviam escolhido para o encontro com Avery.
— Há um pequeno cômodo aqui nos fundos. — Litchfield mostrou um ponto
no desenho. — O magistrado ficará lá, onde Avery não terá como vê-lo, de onde
poderá espiar por uma discreta vigia e também ouvir tudo o que será dito no galpão.
— Já conversou com ele? — Achavam-se no gabinete da Mansão Haversham,
onde vinham se encontrando desde a agressão a Velvet, já que Jason não queria dei-
xá-la sozinha. — E se ele não se dispuser a ajudar?
— Vou falar com Thomas amanhã à noite. Ele é sócio do clube que freqüento e
está em dívida comigo por conta de um investimento altamente proveitoso que lhe
recomendei alguns anos atrás.
— Tem certeza de que podemos confiar nesse homem?
— Parece-me uma pessoa honesta. Mas, por questões de segurança, só vamos
revelar sua verdadeira identidade a ele depois da confissão de Avery.
Evitando pensar no que aconteceria caso seu irmão não revelasse a verdade,
Jason comentou:
— A julgar pelo que aconteceu nas imediações da Swan and Crown, é de se
supor que Avery já esteja sabendo que não morri. Assim, ele não ficará nem um
pouco admirado quando receber um bilhete meu solicitando um encontro.
— O que é pena, uma vez que não poderemos contar com o fator surpresa.
— De fato. — Passando a mão pelo queixo, estranhou a aspereza dos pelos
que despontavam, afinal fizera a barba naquela manhã. — Eu só queria saber como o
bastardo descobriu que estou aqui.
— Algo me diz que ele não descobriu — retrucou Velvet à soleira da porta. —
Quanto mais penso no que aconteceu, mais me convenço de que seu irmão nem
imagina que você esteja vivo.
— No entanto, ele tentou matá-la.
— Vai ver que não foi pelos motivos que estamos cogitando. — Com os
cabelos presos num coque simples acima dá nuca, aproximou-se deles em meio ao
ruge-ruge do vestido de tafetá cor de abricó. — Vocês não estão levando em conta
que o bilhete podia não ser uma armadilha e que a pessoa que o enviou realmente
sabe de algo que possa nos ajudar. Talvez esse homem não tenha falado comigo
porque esperava que Jason fosse procurá-lo.
— E o fato de o assassino de Célia tentar matá-la? — lembrou Litchfield.
— Ele devia estar vigiando a mansão, como seria de se esperar, e, ao me ver
sair sozinha, foi atrás da oportunidade para acabar comigo. Ou melhor, da teste-
munha que o viu tirar a vida da condessa.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Pensativo, o marquês pôs-se a caminhar pelo tapete.


— Sua esposa pode estar certa, meu amigo. Não há por que seu irmão
desconfiar de que você tenha retornado dos mortos. Avery só estaria a par da
novidade se a tivesse ouvido dos lábios da condessa pouco antes de matá-la, no
entanto ele encarregou o serviço sujo a um homem de confiança. Ou muito me
engano ou Célia não teve tempo de contar a ninguém que você estava por aqui.
Após examinar brevemente aquela hipótese, Jason deu um sorriso.
— Está sempre me surpreendendo, duquesa. — E para Lucien emendou: —
Acho que Velvet tem razão. A menos que tenha tropeçado nesse dado por acaso,
meu irmão não tem motivos para suspeitar de que estou vivo.
O marquês também sorriu.
— O que coloca o fator surpresa de volta ao nosso plano.
— E também a possibilidade de existir alguém que tenha como nos ajudar —
lembrou Velvet. — Quem sabe essa pessoa não torna a nos procurar?
— Quem sabe? — ecoou Lucien. — Enquanto isso, vou finalizar os detalhes de
nosso plano e falar com Thomas Randall sobre o assunto.
— O que vai dizer a ele? — quis saber Velvet.
— Que desconfio que o duque de Carlyle não só anda envolvido numa
operação de contrabando como também esteja usando meu armazém para seus negó-
cios escusos, motivo pelo qual providenciei um encontro com ele a fim de tratar de
tais ilicitudes. Isso posto, pedirei a Randall que sirva de testemunha.
Mas Jason não estava tão seguro de que tudo fosse ser assim tão fácil. Muita
coisa poderia acontecer. Vários pormenores poderiam dar errado. Um lado seu
queria esquecer aquela maldita vingança engendrada havia tanto tempo e retornar à
sua propriedade agrícola nas Índias Ocidentais, onde prosseguiria com a vida que
levara nos últimos anos. Mas havia Velvet a considerar. Enquanto não encontrasse
uma forma de deter Avery, a vida dela corria perigo.
Por um instante, viu-a em pensamentos naquele beco escuro e malcheiroso, o
corpo miúdo e benfeito envolto por uma poça de sangue... A imagem terrível
provocou-lhe um mal-estar tão intenso que o levou a fechar os olhos. E então a
pavorosa visão começou a se alterar... A poça de sangue parecia correr em direção a
ele, levada pelo balanço do convés de navio de mastros altos, onde mulheres
gritavam sem parar pedindo socorro, implorando que alguém as ajudasse. Uma
extensa mancha carmim que varria o que encontrava pela frente... e que não
demorou a chegar a seus pés.
— Não... — Agarrando-se à mesa para não cair, sacudiu a cabeça com força.
— Jason? Jason, você está bem?
A mancha escarlate começou a esvaecer e os gritos se transformaram em

Projeto Revisoras 159


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

sussurros antes de tornarem a se abrigar em algum canto do cérebro dele.


— Jason? O que foi, querido?
A voz afetuosa e a mão em seu braço eram como um bálsamo.
—Perdão. — Percebeu enfim onde estava, e o constrangimento causou-lhe um
estremecimento. — Perdão, não sei como fui...
— Não foi nada; você anda muito tenso, nada mais. — Velvet beijou-o rio
rosto. — O marquês já estava de saída, não é, Litchfield?
Jason sentiu a mão do amigo em seu ombro.
— Descanse um pouco, rapaz, enquanto cuido do que está faltando. Assim
que todas as peças estiverem no devido lugar, mandaremos avisar seu irmão.
Meio zonzo, ele apenas fez que sim.

Oculto entre as sombras no jardim da mansão do duque de Carlyle na capital


à espera de ver Mary Stanton Sinclair nem que fosse de relance, Christian
Sutherland, sexto conde de Balfour, sentia-se um perfeito idiota. Era a segunda vez
que ia até lá para se esconder entre vasos de plantas e canteiros de gerânios na
esperança de chamar a atenção de Mary e conseguir alguns instantes a sós com ela.
— Se a infeliz não tem apreço pelos prazeres da cama, azar o dela, mas que
cumpra com a obrigação de esposa sem se queixar. Por Deus, um homem precisa de
um filho. Mais uns dias de choramingos pela morte do pai, depois ela vai ter de abrir
as pernas e se dar por muito da satisfeita — afirmara Carlyle à mesa de jogo no salão
do requintado clube Brook's.
Christian tivera de fazer um grande esforço para não esbofeteá-lo.
Reflexos da chama de uma vela na janela de um cômodo no piso térreo da
mansão atraíram a atenção dele para lá. A claridade desapareceu por um instante,
em seguida foi ressurgir na biblioteca. Certo de que ainda era cedo demais para o
duque estar em casa, Christian se aproximou da residência e, colando o corpo à pare-
de, espiou pela janela... Então sorriu de alívio ao ver Mary no interior do aposento.
Açulado pela saudade, bateu de leve à vidraça estruturada em painéis. A luz
da vela se ergueu em sua direção. Tornou a bater, em seguida foi se colocar diante da
janela, onde Mary pudesse vê-lo. Atônita, ela levou a mão ao colo e, após um instante
de hesitação, foi abrir a vidraça.
— Christian... O que faz aqui?
Em resposta, o conde segurou na mão dela, instando-a a passar por sobre o
peitoril e ir lá para fora. Embora voltasse a titubear, Mary acabou fazendo o que ele
pedia e, tão logo se viu no jardim, cuidou de conduzi-lo a passos rápidos até o
gazebo nos fundos do terreno.

Projeto Revisoras 160


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Eu precisava vê-la, querida. Precisava saber se você estava bem.


— Estou. — Baixou o olhar ao chão. — Como você já imaginava, o duque me
obrigou a voltar para cá com ele.
Christian tomou o rosto dela entre as mãos.
— Vamos embora da Inglaterra, Mary. Vamos começar tudo de novo noutro
lugar qualquer.
— Você abandonaria tudo? Seu lar, seus negócios, sua família? Por quê,
Christian? Por que você faria uma coisa dessas?
— Porque não consigo pensar em mais nada desde que a perdi. Porque amo
você. Fui um tolo por não ter percebido isso antes... Amo você e quero que fiquemos
juntos, custe o que custar.
— Também amo você, Christian. Mais do que tudo na vida. E é por isso que
não posso acompanhá-lo. — Os meigos olhos azuis dela se encheram de lágrimas. —
Tenho pensado muito desde que deixei Windmere... e compreendi que não tenho
como lutar contra a vida que Deus escolheu para mim.
— Mary...
— Sou casada, Christian, não há como mudar isso. Com o tempo, vou
aprender a suportar Avery e, quando tiver meus filhos... A existência deles haverá de
me consolar.
— Se vier comigo, seus filhos serão meus também.
— É tarde demais para nós, meu querido. Não posso permitir que você venha
a sofrer pelo que a ganância do duque e o erro de julgamento de meu pai fizeram. Sei
como devo agir. — Ao vê-lo fazer menção de contradizê-la, achou por bem confessar:
— De mais a mais, não quero que se desiluda comigo. Avery destruiu qualquer
paixão que pensei ser capaz de sentir por um homem. Odeio o ato de amor, e você
merece uma mulher que...
— É isso o que está pensando? Que não perdeu a capacidade de sentir desejo?
— E, antes que ela pudesse responder, beijou-a.
Embora o beijo fosse delicado, uma carícia plena de afeto e doçura, Mary o
sentiu como uma aragem cálida e provocante a estimular seus sentidos. Apesar de
não saber muito bem o que fazer, deixou que a língua dele afagasse a sua e,
largando-se ao encontro dos braços que a enlaçavam, colou-se ao físico forte e
másculo que parecia sustentar o peso subitamente lasso de seu corpo. A mão de
Christian buscou seu seio, mas, em vez de um apalpão rude, os dedos dele
produziram um carinho envolvente, magnético, tão prazeroso que ela teve de se
refrear para não deixar escapar um gemido.
— Não há nada de errado com você, Mary. Nada que a compreensão e a
ternura não possam curar. — Afagou os cabelos dela. — Venha comigo. Vamos cons-

Projeto Revisoras 161


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

truir uma vida juntos longe daqui.


Deus... Por mais que ela assim o desejasse, isso iria destruí-lo.
— Não posso, Christian. — Afastando-se dele, deixou o gazebo e, já no jardim,
virou-se para fitá-lo uma última vez. — Siga em frente com sua vida, meu amor.
Busque uma maneira de ser feliz.
Ele não respondeu, apenas se deixou ficar ali, no escuro, o peito ardendo, a
respiração presa na garganta. Seguiria adiante, era aquele tipo de pessoa. No entanto,
jamais voltaria a amar, nunca mais iria se arriscar a viver novamente a dor que sentia
ao perder sua Mary.

Depois de fechar a porta do dormitório do avô, Velvet desceu para o piso


térreo da mansão e, ao pé da escada, encontrou o magérrimo mordomo.
— Bom-dia, Snead. Estou procurando pelo conde; você o viu?
— Bom-dia, minha dama. Na verdade, não o vejo desde que ele terminou o
café da manhã.
— Hum... Será que ele saiu?
— Creio que não, senhora. A carruagem se encontra na cocheira, e nenhum
criado deixou a mansão. Talvez ele esteja no jardim.
— Pode ser. — Mas era estranho. Seu avô raramente saía de casa e nunca o
fazia sem a companhia de um criado; por conta do problema de memória, preferia ler
ou jogar xadrez a ficar ao ar livre.
Após ir ao jardim e constatar que o velho conde não se achava por lá, Velvet
foi dar uma espiadela na cocheira. O espaço destinado a o que o marquês emprestara
a Jason estava vazio, porém a carruagem com o brasão Haversham se encontrava no
lugar de costume.
Preocupada, ela retornou ao casarão e desceu ao piso da cozinha. Tanto a
cozinheira como os demais criados também não faziam idéia do paradeiro do conde.
— Ainda não o encontrou, milady? — Agora até o velho Snead parecia
atarantado.
Foi então que a camareira, no topo do lance de degraus, avisou:
— Eu o vi com seu marido, milady.
— Obrigada, Velma. — Nitidamente aliviada, Velvet comentou com Snead: —
Jason ia tratar de alguns assuntos para resolver e deve ter levado o conde junto.
Decerto ele se esqueceu de me avisar.
Passava das quatro horas quando Jason, ao entrar na biblioteca com suas
passadas largas de costume, brincou com ela.

Projeto Revisoras 162


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Vejo que conseguiu sobreviver sem mim.


— Creio poder dizer o mesmo de você, meu lorde — devolveu Velvet com um
sorriso. — E meu avô, ao que tudo indica, também está passando muito bem.
— Seu avô? E como eu haveria de saber como seu avô está passando?
Ela sentiu o sangue gelar.
— Pensei que ele estivesse com você.
— Ora, eu não o tiraria de casa sem avisá-la. — Franziu o cenho. — Está
dizendo que o conde...
— Desde cedo não o vejo. — Aproximou-se dele.
— Oh, Jason, onde ele pode estar?
— É melhor tratarmos de encontrá-lo antes que escureça. Vou falar com
Ludington e os dois homens que contratei para ajudá-lo; não é possível que nenhum
deles não tenha visto seu avô. — Tomou-a pela mão.
— Venha, querida. Vamos encontrá-lo, prometo.
Disfarçando a aflição, Velvet deixou que ele a levasse ao encontro dos vigias.
Como Jason havia previsto, um deles tinha visto o velho conde deixar a mansão.
— Ele saiu logo depois do senhor, meu lorde, e rumou na direção da praça.
Estava assobiando e parecia muito tranqüilo.
— Mesmo que soubesse para onde ia, ele já devia ter voltado. — Velvet
apertou o braço de Jason. — Temos de encontrá-lo!
— E encontraremos, querida. Já mandei chamar a carruagem.
— Você acha que... que alguém iria fazer mal a ele?
— Está se referindo a um dos capangas de Avery? Não. Não vejo motivos para
imaginar que ele esteja correndo esse tipo de risco. — O coche chegou, e os dois
subiram apressados no veículo. — Lapsos de memória são comuns em pessoas da
idade do conde e, com o tempo, tendem a piorar. Não há como saber o que levou o
conde a sair para passear.
A observação, porém, em nada mitigou a angústia' de Velvet e, nas três horas
que se seguiram, os dois procuraram incansavelmente pelo conde de Haversham por
todas as ruas e praças do bairro de Mayfair e cercanias, perguntando aqui e ali se
alguém vira o idoso nobre, seguindo qualquer pista que as pessoas porventura lhes
dessem. A busca prosseguiu até as onze horas, quando Jason, ao vê-la à beira de uma
síncope nervosa, determinou que voltassem para casa.
Por volta da meia-noite, Velvet estava inconsolável.
— Meu bom Deus, onde ele poderia, estar? — Sem tirar os olhos da noite
escura por trás da vidraça da janela, ela caminhava de lá para cá pela sala de visitas.

Projeto Revisoras 163


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— E se estiver ferido, caído em alguma sarjeta, perguntando-se por que ninguém foi
buscá-lo? E se o homem que me atacou...
— Pare com isso, sim? — Segurando-a pelos braços, Jason obrigou-a a fitá-lo.
— Pare, Velvet. Enquanto não soubermos o que aconteceu, não vou permitir que
você continue a se torturar.
— Estou com tanto medo... Ele é o único parente que me restou, Jason. Ele é
tudo o que tenho. — E, tombando a cabeça sobre o peito, pôs-se a soluçar.
— Vamos encontrá-lo, duquesa. Eu prometi, não prometi? — Abraçou-a com
força. — Por favor, não chore. Assim que o dia clarear, voltaremos a procurá-lo.
Lucien virá nos ajudar, e eu vou contratar alguns homens para percorrerem as ruas
da cidade.
Por mais que tentasse, ela não conseguiu conter as lágrimas.
— Ele sempre foi tão bom para mim... Minha mãe morreu quando eu era
menina, meu pai nunca estava em casa; se não fosse por ele, não sei o que teria sido
da minha vida. — Passou a mão pelas faces, então ergueu o rosto. — Você vai
embora, Jason. Se meu avô se for também, ficarei absolutamente sozinha. Ele a beijou
na testa.
— Você sempre terá a mim, Velvet. Sempre. Mesmo que eu não esteja por
perto, conte comigo para ajudá-la no que for preciso.
— Não preciso que me ajudem; preciso de alguém que me ame.
Os olhos dele cintilaram, um lampejo misterioso e fugidio, um espelho, talvez,
das emoções refletidas no semblante de traços benfeitos. No entanto, Jason não
respondeu.
Quando o silêncio começou a incomodá-la, Velvet afastou-se um passo para
afirmar:
— Amanhã será um dia longo. Acho que deveríamos tentar...
— Sim, deveríamos. — Enlaçando-a pela cintura, instou-a a deixar a sala e a
subir a escadaria. Ao chegarem aos aposentos de Velvet, entrou junto com ela e, após
fechar a porta, pôs-se a desabotoar o vestido de lãzinha azul.
— O que... o que está fazendo?
— Vou levá-la para a cama. Sou seu marido, ao menos por agora; posso amá-
la enquanto estiver por aqui. — Terminou com os botões e passou a desfazer os laços
do corpete. — Tentarei ser cuidadoso, mas, caso haja conseqüências, lidaremos com
isso no momento oportuno.
Tomada por uma onda de abrasado desejo, ela murmurou:
— Você também quer, não é?
— Sou homem, Velvet. — Fixou os olhos nos lábios trêmulos dela. — Quero

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

isso desde o instante em que a vi.


Ainda assim, seu avô talvez estivesse correndo perigo... Por outro lado, não
havia nada que pudessem fazer para esclarecer o sumiço do velho conde antes que o
dia clareasse.
Presumindo qual seria o motivo da hesitação que via no rosto dela, Jason
afirmou com brandura:
— O homem que você descreveu não iria querer que você se afligisse à toa por
ele. — E, sem lhe dar tempo para refutar seu modo de pensar, despiu-lhe o vestido e
a chemise de cambraia ao mesmo tempo. — Agora é a sua vez. Acho que já é hora de
você aprender a desnudar um homem.
Embora tivesse custado a adormecer, ela enfim ressonava serenamente. Ao
contrário de Jason, que, temendo que o conde pudesse ter sido mais uma vítima da
sanha sanguinária de Avery, não conseguia conciliar o sono.
Ajeitando-se sob as cobertas, acomodou-a de encontro ao seu corpo. Tudo
poderia ser tão diferente... Mas, o que estava pensando? Velvet o respeitava porque
não sabia a verdade; quando soubesse, todos os sentimentos afetuosos que
porventura nutrisse por ele iriam se desfazer como cinzas ao vento, deixando em seu
lugar uma amarga decepção.
De mais a mais, mais cedo ou mais tarde viriam seus filhos. E, depois do que
havia feito, dificilmente conseguia olhar para uma criança sem se sentir devastado
pela culpa. Como poderia ter um filho?
A verdade era que não tinha alternativa: precisava ir embora, pois só assim se
manteria longe dela. Pouco importava o que sentia, de nada adiantava o que Velvet
pensasse querer... Aquele romance jamais iria dar certo.
Ainda que tivesse cometido o desatino de apaixonar-se perdidamente por ela.
O sol já ia alto no céu quando Velvet despertou na manhã seguinte. Seu
primeiro pensamento foi para o avô e, quase sem notar que estava sozinha, ela correu
a pular da cama para vestir o roupão de seda azul-celeste, abrir a porta do quarto de
um só movimento e disparar rumo à escadaria. Apesar de tanta afobação, bastou-lhe
chegar ao topo dos degraus para constatar que as terríveis horas de aflição da
véspera tinham sido em vão: nos trajes amarrotados que certamente usava desde o
dia anterior, o idoso conde de Haversham se encontrava lá embaixo, no hall da
mansão.
— Vovô! — Disparando escada abaixo, Velvet se lançou nos débeis braços do
ancião. — Por Deus que está no céu, por onde o senhor andou? O que aconteceu? Oh,
quase morremos de tanta preocupação...
Sem dar tempo ao velhinho para abrir a boca, Jason se antecipou:
— O conde teve uma noite extenuante, Velvet, e decerto gostaria de tomar um

Projeto Revisoras 165


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

banho e trocar de roupas.


— Sim... claro. — Ela tentou dar um tom mais vivo à voz: — Ótima idéia.
Ombros caídos, o alquebrado senhor fez um gesto afirmativo com a cabeça e,
surgido como do nada, Snead se aproximou para levá-lo dali.
Contendo o ímpeto de ir atrás deles, Velvet olhou para Jason.
— O que houve? Onde ele estava?
— Na sapataria da St. James Street, com um homem chamado Elias Stone. Pelo
que entendi, Stone fazia serão quando seu avô apareceu por lá sem conseguir
lembrar onde morava. Penalizado, o sapateiro arrumou um lugar para ele dormir e,
esta manhã, depois de investigar onde ficava a residência do conde de Haversham,
fez o favor de trazê-lo até aqui.
Ela sentiu uma pontada no peito.
— E — Jason sorriu — como o sr. Stone recusou-se a aceitar uma recompensa
em troca da gentileza, encomendei-lhe seis pares de botas e botinas para mim e dez
pares de sapatos para você, minha dama.
Só então Velvet conseguiu dar um autêntico suspiro de alívio.
À tarde o conde já havia recuperado o bom humor e logo após o jantar,
quando decidiu recolher-se aos seus aposentos, não mais se lembrava da aventura.
De todo modo, os criados receberam ordem de redobrar a vigilância sobre o idoso
senhor a fim de evitar que tamanho susto não viesse a se repetir.
Já Velvet, encolhida numa poltrona na sala de estar, parecia um tanto
acabrunhada.
— Você devia estar saltitando por aí — observou Jason —, afinal seu avô está
em casa, são e salvo, e meu irmão não chegou a erguer um dedo para fazer mal a ele.
— Não é isso o que me preocupa, e sim Mary Sinclair. Ela voltou à capital e,
ao que tudo indica, fez as pazes com o duque.
— Ninguém se reconcilia com meu irmão. Avery exigiu que ela viesse para cá
e Mary obedeceu. — Recostou-se no sofá. — Pelo visto, Balfour não estava preparado
para atirar tudo ao vento e sumir com ela daqui.
— Ou então Mary não quis ir com ele... Acha que ela corre algum perigo?
— Provavelmente não. Meu irmão não é louco; sabe o que quer e faz o que for
preciso, inclusive matar, para alcançar seus objetivos. No momento ele quer um filho,
assim não seria de se esperar que vá dar fim à esposa.
— Eu gostaria de ir visitá-la. Para saber se ela está bem.
— Você sabe que isso é impossível.
— Avery não iria me matar na casa dele.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Avery é imprevisível. É impossível saber o que vai pela cabeça dele.


— Mas nem sabemos ao certo se ele está por trás da morte de Célia. E se o sr.
Ludington fosse comigo...
— Eu já disse que não. — Inclinando a cabeça, sorriu com suavidade e
estendeu a mão para ela. — Venha. Já passou da hora de irmos nos deitar.
— Está tudo pronto, então? — Jason foi ao encontro de Litchfield, que tinha o
braço apoiado à cornija da lareira.
— Sim. O juiz concordou; agora só falta atrairmos seu irmão para a armadilha.
— Como pretende fazer isso? — indagou Velvet do sofá, a xícara de chá um
pouco trêmula em sua mão.
— Mandamos um bilhete para Avery, afirmando que obtivemos informações
de que ele é o verdadeiro assassino do duque de Carlyle e que queremos dez mil
libras em troca do nosso silêncio.
— Acha que ele acreditará nisso?
— Chantagem é o tipo de expediente de que seu irmão lançaria mão em tais
circunstâncias, por isso não vejo por que ele não haveria de acreditar. Tanto é assim
que aposto que, sendo o covarde que é, Avery irá levar um dos homens de confiança
com ele. Mas só um, pois certamente não vai querer um grande número de teste-
munhas para mais outra de suas imoralidades.
Deixando sobre a mesa o chá que, de tão nervosa, não conseguira tomar mais
do que um gole, Velvet foi para junto de Jason.
— Estou com muito medo. Ele a beijou na testa.
— Tenho de ir até o fim, Velvet. Por meu pai. Por mim.
— Levaremos Barnstable e Ludington conosco; eles ficarão de vigia diante do
armazém — interpôs Lucien.
— Se perceberem algo de estranho, os dois darão um sinal, o plano será
abortado e nós iremos embora de lá.
— Queixo erguido, mocinha. — Jason afagou o rosto dela antes de se dirigir
ao marquês: — Amanhã à noite?
— O bilhete já foi enviado — confirmou Litchfield.
— Amanhã à noite, nas docas, vamos saber se nosso plano irá funcionar.

Após reler a mensagem que seu criado viera lhe trazer Avery esmurrou o
tampo da mesa. Tanto planejara, tanto se empenhara em garantir que jamais seria
desmascarado, e um infeliz qualquer havia descoberto a verdade sobre o assassinato
de seu pai. Com todos os demônios do inferno! Não precisava de um problema

Projeto Revisoras 167


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

daqueles àquela altura da vida.


Meia hora mais tarde, sentado à escrivaninha no conforto do seu gabinete,
com Baccy Willard do outro lado do móvel, ele brandia o bilhete como um lábaro da
infâmia.
— Oito anos, oito anos e ainda não me livrei disso. Esse canalha, seja lá quem
for, quer que eu lhe entregue o dinheiro num armazém abandonado nas docas. E
ainda exige que eu vá sozinho!
— O senhor não devia fazer isso.
— Eu sei. Acha que sou algum palerma?
Mesmo em pé, Baccy se encolheu.
— Quero saber quem é esse sujeito. Quero saber o que foi que ele descobriu.
— Tornou a agitar o pedaço de papel no ar. — Aquela espertinha está metida nisso.
Não pode ser mera coincidência que, semanas após Velvet Moran andar fazendo
perguntinhas por aí sobre a morte de meu pai, alguém me mande um bilhete como
este. E a amizade dela com Célia dava o que pensar... Aquela enxerida está
procurando alguma coisa, mas o quê?
— Vai ver, alguém a mandou fazer isso.
Avery olhou para Baccy. Às vezes o toleirão era bem mais esperto do que
parecia.
— Alguém quem?
— Não sei, senhor.
— Só poderia ser vingança... Talvez o sujeito com quem ela se casou tivesse
sido amigo do meu pai. Ou do meu irmão. Ou então é algum irmão ilegítimo que eu
nem sabia que tinha.— Levantou-se. — Você o viu. Como ele é?
— Quem?
— O marido de Velvet, por santo Cristo. De quem é que estamos falando?
— Ah. — O grandalhão cocou a. cabeça. — Alto. Bem forte, assim como eu.
Cabelo castanho... Ele estava de óculos, mesmo assim pude ver que tinha olhos azuis.
Bem azuis. Da cor do céu.
— Não. Não pode ser... É impossível. — Erguendo-se da escrivaninha, passou
por Baccy e se deteve diante da porta. — Venha comigo.
De corredor em corredor, com o faz-tudo em seus calcanhares, Avery foi até a
Grande Galeria, onde estacou diante da fileira de retratos da sua família. Ali,
apontou a tela meio destacada das demais.
— Olhe bem para esse rapazinho nessa pintura, Baccy. É ele?
— Quem?

Projeto Revisoras 168


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— O marido de Velvet, cretino. Foi esse o homem que você viu no beco? Hoje
em dia ele está mais velho, é um homem-feito. Imagine esse rapaz mais alto, mais
desenvolvido... É ele?
Baccy pegou o retrato e, após examiná-lo cuidadosamente por alguns
instantes, decretou:
— É ele, sim. O homem que apareceu no beco. Naquela noite a neblina estava
muito densa, mas havia luz nos postes. E eu já o tinha visto outras vezes, entrando e
saindo da mansão.
Avery respirou fundo. O parvo poderia estar enganado, evidentemente,
porém algo lhe dizia que não estava. Tornou a olhar para o retrato e, um instante
depois, teve certeza absoluta de que o sujeito que iria encontrar no armazém
abandonado era seu irmão. Que não havia morrido coisa nenhuma.
— Só pode ser ele — murmurou para si. — Tudo se encaixa: o seqüestro, o
casamento às pressas de Velvet... Meu irmão sempre teve jeito com as mulheres. —
Quase chegou a sorrir. — O desgraçado retornou dos mortos, mas não continuará
vivo por muito tempo.
— Quem?
— Meu irmão, imbecil! Ele pensa que me venceu, mas não perde por esperar.
— Dessa vez, sorriu abertamente. — Certas coisas nunca mudam.
Na noite sem luar que envolvia o cais, tudo o que se ouvia era o mar a fustigar
as tábuas encharcadas de água salobra. No interior da carruagem que seguia para o
armazém do marquês, junto de Ludington e Barnstable, Jason torceu o nariz ao odor
de fungos e peixe morto que penetrava no veículo. Lucien tomara o cuidado de ir
para as docas com Thomas Randall num outro coche, assim não correriam o risco de
o juiz, por um infeliz golpe do destino, vir a reconhecer o homem que, acusado de
matar o próprio pai, dias depois acabara assassinado na Prisão de Newgate.
Ao chegar ao galpão, Jason foi acender o toco de vela que estava sobre um
engradado, depois apanhou o relógio no bolso e conferiu o horário. Estava tudo
pronto. Agora só restava esperar.
— Eu devia ter ido. — Velvet tornou a olhar para o adornado relógio do avô
na sala de estar antes de fazer mais um ponto no bordado, então voltou a falar com
seus botões: — Eu devia tê-los obrigado a me levar.
— O que foi que disse, querida?— indagou o conde, olhando por cima do
livro que estava lendo.
—Nada, vovô. Estou um pouco... um pouco resmungona hoje.
— Por que não pede à cozinheira que lhe prepare um copo de leite quente e
vai se deitar? — Deixando o livro sobre a mesa, pôs-se em pé. — É o que vou fazer.
Velvet também se levantou.

Projeto Revisoras 169


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Então suba e se acomode entre as cobertas enquanto vou providenciar seu


leite. — Indo até ele, beijou-o na testa. — Bom descanso.
O conde de Haversham murmurou um sonolento "para você também",
bocejou e rumou para os aposentos em que dormia, deixando-a com seus irrequietos
pensamentos. Cumprindo sua promessa, ela partiu em direção a cozinha, porém
encontrou Snead ao pé da escada, e o mordomo fez questão de cuidar ele próprio de
levar o leite ao patrão.
Nervosa como estava, Velvet deu um pulo ao ouvir bater de leve à porta da
rua. E, depois avisar a Snead por meio de um sinal que receberia a inesperada visita,
foi espiar pelo orifício de vigia da porta antes de abri-la. À soleira, envolta num
espesso manto da cabeça aos pés, Mary Sinclair, atual duquesa de Carlyle,
murmurou:
— Desculpe-me por incomodá-la tão tarde, lady Hawkins, mas... Posso entrar?
— Claro, Vossa Graça. — Esperou Mary deixar o manto sobre a poltrona ao
lado do aparador com o candelabro. — Venha comigo.
A palidez e os lábios trêmulos da jovem esposa de Avery deixaram Velvet
ainda mais preocupada, afinal Jason tinha ido se encontrar com o salafrário. Assim,
tão logo fechou a porta da sala, ela correu a indagar:
— Por que não me conta o que aconteceu?
De sua parte, Mary também foi direito ao ponto:
— Seu marido está correndo perigo. Ouvi Avery conversando com um
homem que trabalha para ele ontem à tarde, na galeria onde ficam os retratos de
família... Na hora, não compreendi muito bem o que estava acontecendo, mas esta
noite, ao vê-los se preparando para ir ao encontro que teriam num...
— Oh, Senhor!
— Parece que o duque descobriu uma espécie de segredo sobre seu marido. E,
se entendi bem, lorde Hawkins está em perigo.
Velvet pensou que o coração fosse sair pela boca. Avery descobrira que Jason
estava vivo... E só Deus sabia o que ele pretendia fazer.
— Preciso avisá-lo. — Olhou para o carrilhão sobre a lareira. — Santa Virgem,
não vai dar tempo!
— Minha carruagem está lá fora; você ganharia preciosos minutos se fôssemos
jun...
— Avery iria matá-la!
— Agora não é o momento mais indicado para pensar nisso. Vamos andando.

Projeto Revisoras 170


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Abrindo a tampa do relógio de bolso de ouro, Jason o aproximou do toco de


vela que ardia em cima do caixote para ver as horas.
— Tenha paciência, meu amigo ansioso — pediu Lucien, oculto entre as
sombras junto dele. — Seu irmão quer brincar de gato e rato e acha que pode ser o
gato. Ele deve estar verificando se o lugar é mesmo seguro.
Jason lembrou-se de Barnstable e Ludington de atalaia do outro lado da rua;
se os visse ali, Avery não entraria no armazém e o jogo terminaria antes mesmo de
começar.
— E Randall?
— A postos, como todos nós.
Onde raios se meteu aquele infeliz? Jason reprimiu o ímpeto de pôr-se a andar de
um lado para outro. Por que Avery não aparecia? Teria desistido do encontro na
última hora? Por acaso havia...
Um ruído lá fora fez Lucien embrenhar-se na escuridão um instante antes que
a porta do galpão se abrisse e Avery Sinclair, com passos seguros, fosse se colocar no
frágil e hesitante círculo de claridade criado pela vela. Por alguns segundos, ele se
manteve ali, um vulto esguio protegido por uma capa negra, o rosto alvo coroado
pelos cabelos loiros penteados para trás. Então afirmou:
— Pois bem, seu canalha desprezível. Estou aqui, como você queria. Agora é
sua vez. Se está pensando em levar meu dinheiro, você vai ter de mostrar essa sua
cara.
Jason deixou as sombras, porém a expressão de assombro que esperava ver no
semblante do irmão jamais se revelou. Em vez disso, Avery deu um sorriso
presunçoso, satisfeito.
— Ah, então é mesmo você, caro irmão? Bem, eu já imaginava.
Embora se entesasse à idéia de que Avery sabia de tudo desde o início, Jason
retrucou:
— Você não me parece nem um pouco surpreso e isso, sim, é espantoso. Se
bem que a maior parte das suas táticas desumanas sempre me deixou profunda-
mente admirado.
— Táticas desumanas? Que táticas desumanas? Se bem me lembro, o assassino
nesta família é você. Você é quem foi condenado à morte.
— Mas é você o verdadeiro culpado pelo assassinato, e nós dois sabemos disso
muito bem. Só que agora eu tenho provas para comprovar o que estou dizendo.
— Tem? — A risada de Avery ficou pairando como uma ameaça pelo galpão
vazio. — Pois acho que não há a menor possibilidade de eu vir a ser responsabilizado
por um crime que você cometeu.

Projeto Revisoras 171


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Na esperança de conseguir arrancar do duque alguma afirmação que pudesse


comprometê-lo e salvá-los de um fiasco, Lucien saiu das sombras para declarar:
— Temos uma testemunha, Carlyle. Por mais que soubesse que Jason estava
vivo, você certamente não contava com isso, contava?
— Se há uma testemunha — a preocupação no semblante de Avery se fora tão
rapidamente quanto havia surgido —, é porque vocês subornaram alguém para
mentir a fim de proteger meu irmão. Se existisse alguma prova verídica contra mim,
vocês teriam procurado as autoridades em vez de combinar este ridículo encontro.
Jason teve vontade de esganá-lo. A não ser pela malversação do próprio
patrimônio, ninguém poderia acusar Avery de burrice.
— A bem da verdade, meus amigos — prosseguiu Carlyle —, quem tem
testemunhas a seu favor sou eu.
Um alvoroço de vozes foi se formando lá fora.
Jason olhou para Lucien. Onde estava o sinal de Barnstable e Ludington que
deveria alertá-los? Avery teria descoberto os dois diante do armazém e decidira
silenciá-los?
— Vamos embora — afirmou Litchfield.
Jason concordou com um aceno, e os dois rumaram para a portinhola oculta
entre as sombras, a rota de fuga previamente combinada.
— Já vão, cavalheiros? — Avery soltou uma gargalhada no instante em que
Jason enfiava a cabeça pelo vão da portinhola. — Tenho para mim que não.
— Jason! — No passeio de tábuas ao lado do galpão, Velvet e Mary Sinclair
tentavam se desvencilhar dos braços de dois brutamontes. — É uma cilada! Fuja,
Jason! Fuja!
No entanto, o alerta desesperado não tinha mais como salvá-lo do pequeno
pelotão que cercava o armazém, vigias e homens da lei, todos a soldo de Carlyle.
— Fique onde está! — gritou um policial às costas deles.
Lucien empurrou um dos guardas de lado, e Jason partiu naquela direção,
mas só para se dar conta de que tinha com outros seis ou sete pela frente. Ainda as-
sim, esmurrou um deles no queixo, deu um pontapé no abdômen de outro, usou de
um golpe com o ombro para tirar o terceiro do seu caminho... e recebeu uma forte
pancada de cassetete na cabeça. Sem se dar por vencido, continuou a distribuir
murros e chutes em tudo o que se movia diante dos seus olhos, porém uma saraivada
de bordoadas e golpes de todos os tipos acabou por derrubá-lo no chão. A última
coisa que ele viu foi o bico de uma bota preta acertá-lo com toda a força à altura do
estômago... Então se seguiu o doloroso estalar de suas costelas... e o choro convulsivo
de Velvet...
— Jason!— Livrando-se com um safanão do brutamontes que a segurava, ela

Projeto Revisoras 172


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

correu para junto do corpo inerte no chão e, após lhe afagar o rosto coberto de
sangue, ergueu os olhos ao juiz e ao chefe de polícia, que haviam se aproximado. —
Ele é inocente. O duque foi quem matou o próprio pai.
Thomas Randall olhou feio para Lucien.
— O que significa isto, Litchfield? Vim aqui para testemunhar o
esclarecimento de um crime, em vez disso fico sabendo que você está em conluio
com um indivíduo condenado à morte por homicídio. Por acaso se dá conta de que
andou acobertando um criminoso? E que isso também é crime?
— Sim, meu lorde. — O marquês aprumou os ombros largos. — Infelizmente,
esse era um risco que eu tinha de correr. Porque tanto eu como lady Velvet, lorde
Randall, temos provas que demonstram que Jason Sinclair não matou o próprio pai.
Incrédulos, os demais homens reunidos ali se puseram a resmungar.
— Então vocês deveriam ter levado essas provas ao meu gabinete. Aliás,
estejam lá amanhã, às dez horas, quando então poderão endereçar suas alegações às
cortes de justiça da Coroa. Enquanto essa questão não se resolve, o acusado
permanecerá encarcerado na Prisão de Newgate. — Sem mais, voltou o olhar a Jason
e ordenou a seus subordinados: —Levem-no.
Um soluço escapou dos lábios de Velvet, que, com o coração em pedaços, viu
o homem que amava ser arrastado dali por vários policiais, escoltados por outros
tantos. Então a mão de Lucien foi pousar no ombro dela.
— Não é o fim. Vamos contratar o melhor advogado de Londres.
— O que podemos contra um duque? — Desalentada, meneou a cabeça. — E
agora você também está em perigo, Lucien.
— Apesar de tudo, sou amigo de Thomas Randall; qualquer pessoa, inclusive
um assassino, pensaria duas vezes antes de atentar contra minha integridade física. É
com Jason que temos de nos preocupar.
— E Mary. — Voltou o olhar para a esposa de Avery a tempo de vê-lo
empurrando-a em direção à carruagem ducal. — Por Deus, o que será dela?
— Quem me dera saber... Creio que só nos resta torcer para que a duquesa
consiga convencer o marido de que era com a vida dele que estava preocupada.

Projeto Revisoras 173


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Capítulo V

Fora um blefe, puro e simples. Mas ainda que as provas que tivessem não
fossem suficientes para comprovar a inocência de Jason, ela e Lucien acompanharam
o advogado, o honorável Winston Parmenter, à sala onde ficariam frente a frente com
os seis juizes que representavam a Coroa em casos que envolviam sentença de morte.
Amplo e com paredes revestidas por painéis de carvalho, o recinto era bem
iluminado pelas janelas altas, com grandes vidraças atravessadas por barras de ferro.
Os juizes togados, com longas cabeleiras postiças brancas, alinhavam-se atrás de uma
bancada estreita. Sozinho a uma escrivaninha em frente à bancada, Jason tinha o
rosto todo ferido e arroxeado e um dos olhos tão inchados que mal se abria.
No intuito de conter as lágrimas e não gritar o nome dele, Velvet mordeu o
lábio. De qualquer modo, Jason não se mexeu ao ouvi-los entrar na sala; apenas man-
teve os olhos cravados em algum ponto na parede à sua frente. Foi Parmenter, um
homem alto e imponente com quase quarenta anos de idade, quem lhe endereçou um
fugaz sorriso após revisar brevemente as anotações que tinha em mãos.
Observadas as formalidades de praxe, Thomas Randall, que presidia o
tribunal, tomou a palavra:
— Começarei lembrando a todos que isto é apenas uma audiência, uma
exposição de provas até agora desconhecidas de um crime ocorrido há oito anos. As
acusações são graves e foram feitas contra um homem eminente, o duque de Carlyle,
por parte de um membro da aristocracia de reputação ilibada, o marquês de
Litchfield, o que significa que não podem ser ignoradas. — Remexeu nas folhas de
papel à sua frente, sobre a bancada. — Em contrapartida, o duque de Carlyle acusa o
irmão não somente de matar seu pai, delito pelo qual o prisioneiro já foi condenado,
como também do assassinato da condessa de Brookhurst.
Velvet estarreceu-se. Jason emitiu um ruído gutural. Ao lado dela, Litchfield
se retesou. O advogado pôs-se em pé.
— Imputar a meu cliente o assassinato de lady Brookhurst é absurdo,
Meritíssimo. Não há absolutamente nenhum motivo para se supor que Jason Sinclair
tenha tirado a vida de Célia Rollins.
— Segundo o duque, há. Ele afirma que uma testemunha viu o assassino
evadir-se da residência da condessa e pede que essa dama, sob juramento, descreva o
homem que viu deixar a cena do crime.
Santo Deus, essa dama era ela! Velvet pensou que fosse desmaiar.
Parmenter fez menção de falar, porém Avery, do banco em que ele e o

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

advogado que o representava haviam se sentado silenciosamente, antecipou-se:


— Na verdade, eu me referia à esposa de meu irmão... se é que ambos
realmente são casados.
Litchfield deu um murro na mesa, um burburinho tomou conta do recinto, e o
magistrado bateu o martelo na bancada.
— Silêncio! Silêncio!
Depois de Parmenter declarar seu protesto e pedir respeito à esposa de seu
cliente, tendo em vista que o matrimônio em questão estava devidamente inscrito
num dos cartórios de Registro Civil, lorde Randall, acatando a objeção, deu
seqüência ao rito:
— Passemos ao depoimento da testemunha. Enquanto Velvet sentia-se gelar,
Litchfield correu a se erguer.
— Milordes, a dama obviamente não se encontra em condições de conceder
quaisquer declarações, afinal é esposa do réu, sobre quem pesam acusações tão
graves quanto injustas. De mais a mais, ela já foi interrogada pelas autoridades e, na
ocasião, prestou os devidos esclarecimentos.
Randall anuiu coma cabeça, em seguida gesticulou na direção de um dos
escrivães.
— Você, que está com as anotações que o chefe de polícia Wills fez a gentileza
de nos entregar, leia a descrição que consta do depoimento da dama, por favor.
— Pois não, Meritíssimo. — O aparrado escrivão limpou a garganta enquanto
localizava o trecho em questão nas respostas que Velvet havia dado ao policial no
decorrer do interrogatório. — Aqui está... "Era um homem bem alto, de constituição
física bastante robusta. Tinha cabelos castanhos, longos, desempoados, presos à
altura da nuca por uma fita. Não vi o rosto dele."
— Não! — Ela se levantou. — Não era Jason! Eu o reconheceria! Eu o
reconheceria!
O martelo voltou a pedir ordem no recinto, e um outro interpôs:
— A senhora disse que não viu o rosto dele, milady. Afinal, viu ou não?
Certa de que mentir só iria piorar a situação, ela respondeu:
— Não.
— Obrigado. Sente-se, por favor.
Com a boca seca e as batidas do martelo ainda ecoando em seus ouvidos,
Velvet acatou a determinação do juiz.
— Quero lembrar a todos — Randall retomava a palavra — que esta é uma
instrução informal, uma vez que o réu já foi condenado. Só estamos aqui para

Projeto Revisoras 175


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

examinar as novas provas que serão juntadas ao processo e decidir se são suficientes
para reformar a sentença. Assim sendo, peço ao sr. Parmenter que apresente suas
alegações.
Após explicar que a testemunha Betsy McCurdy já fora avisada da audiência e
viria à capital o mais depressa possível, o advogado do réu entregou ao presidente
do conselho de magistrados a pasta com a declaração de Elias Foote, que tentara
matar Jason na prisão, e o contrato firmado entre Avery e a finada condessa de
Brookhurst.
Randall passou os olhos pelos papéis e olhou para Jason antes de anunciar:
— O réu continuará detido na Prisão de Newgate até que esta corte examine
os documentos e se pronuncie.
Velvet sentiu o chão sumir sob seus pés, e o sr. Parmenter tornou a se erguer.
— Gostaríamos de requisitar uma detenção especial, Meritíssimo, tendo em
vista que meu cliente quase perdeu a vida quando esteve encarcerado em Newgate.
— Lamento, mas o réu já tentou escapar anteriormente. — Randall suspirou.
— Assim que esta corte tomar uma decisão, o senhor será avisado.
Mais outra batida do martelo, e todos os presentes se levantaram. Pela
primeira vez desde o início da audiência, Jason olhou para Velvet. Ao vê-lo tão
abatido, com um ar quase resignado, ela fez que fosse se aproximar, porém foi
contida pelo advogado.
— Perdão, minha dama, mas é proibido falar com o réu nas dependências do
tribunal. A senhora poderá visitá-lo assim que ele estiver novamente instalado em
Newgate.
Velvet teve a sensação que um punhal lhe trans-passava o peito. O que seria
de Jason, e dela, se não encontrassem uma forma irrefutável de provar que Avery
Sinclair matara o velho duque de Carlyle?
A parede de pedras cinzentas arranhava suas costas, impregnando sua camisa
de umidade. O filete de sol que atravessava a cela ao lado passava bem longe da
imunda esteira de palha onde ele passava boa parte do tempo sentado. O ar fétido
que o envolvia era sufocante, uma mistura do cheiro acre de suor, roupas pútridas e
todo o tipo de excreções humanas.
Velvet e Lucien tinham pagado para que o colocassem na ala da prisão
reservada aos homens de posses, mas em Newgate o dinheiro só vergava as regras
quando isso convinha aos guardas e carcereiros. Em troca da quantia recebida, os
miseráveis haviam dito que, em poucas horas, iriam providenciar uma cela maior,
mais limpa, mais arejada. Só que, naquele inferno, horas podiam significar dias, dias
podiam virar semanas.
Enquanto isso...

Projeto Revisoras 176


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Enquanto isso ficaria ali, pensando em Velvet, a mulher cuja paixão invadira
sua vida, sua cama e seu coração. Lembrando o sorriso, a coragem dela para enfren-
tar o perigo. A lealdade e a confiança que ela sempre lhe empenhara. O modo como
aquele corpo miúdo e benfeito se enlaçava e se misturava ao seu.
Não queria, pois isso só fazia ainda mais penosos o tempo e a distância que os
separavam. Além, evidentemente, de obrigá-lo a reconhecer que seu passado lhe
negava o direito de ao menos pensar em constituir uma vida junto dela...
Fustigada pelo afã de revê-lo naquela mesma noite, e não pela manhã, quando
Lucien ficara de levá-la até a prisão, Velvet vestiu às pressas os trajes simples que
usara na Pousada do Peregrino e correu para a carruagem Haversham, onde o sr.
Ludington, ostentando as machucaduras do entrevero com os homens de Avery, já
esperava por ela. Era surpreendente, mas, mesmo se inteirando da verdadeira
identidade de Jason e da grave acusação que pesava sobre ele, tanto o policial quanto
o sr. Barnstable recusavam-se a acreditar que um homem que se empenhava com
tamanho afinco em provar sua inocência, e proteger as pessoas sob seus cuidados,
fosse de fato culpado pela morte do próprio pai.
— Meu marido precisa de mim — Velvet apressou-se em dizer ao se
acomodar no veículo e deparar com o olhar preocupado do policial. — Não sei
explicar, mas sinto isso. Sinto que ele precisa de mim.
Ludington não respondeu. Apenas desejou ardentemente que, de sua parte,
pudesse fazer alguma coisa para ajudar o patrão que, afinal de contas, achava-se em
vias de ser mandado para o cadafalso.
A carruagem pôs-se a deslizar pelas ruas sombrias e, minutos depois, a
balbúrdia típica da cidade foi ganhando corpo à medida que iam se aproximando da
prisão. Trapeiros e vendedores de carvão, limpadores de chaminés e mendigos
atropelavam-se nos becos e travessas ao longo do percurso, perpassado pelo mau
cheiro das sarjetas e valetas e pelos gritos dos vendedores, oferecendo suas
mercadorias.
Ajude-me, meu Deus. Ajude-me a ajudá-lo.
Ela só foi perceber que tremia quando se viu diante da cela. E não era por
causa da friagem que parecia desprender-se das paredes, dos ulos que ouvira ao
longo dos corredores, dos dedos em forma de garra que vira saltar do vão das grades
para agarrar sua roupa.
— Prontinho, moça. — O obeso carcereiro enfiou a longa chave mestra na
fechadura e girou-a com um rangido áspero, depois apanhou o toco de vela junto a
porta e, após acendê-lo, entregou-o para Velvet. — Você tem uma hora com o
prisioneiro, nem um minuto mais.
Enquanto ela agradecia com um meneio de cabeça, Ludington afirmou:
— Ficarei exatamente aqui, milady. Se precisar de mim, basta chamar.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Tornando a balançar a cabeça num gesto afirmativo, Velvet inspirou uma


rufada do ar rançoso que por pouco não fazia arder o nariz e entrou na cela às
escuras. A chave voltou a rilhar na grossa fechadura, anunciando que o carcereiro a
trancava,
— Jason? — Ergueu a vela.— Sou eu, Velvet. Onde está você?
Um guincho agudo se ergueu no ar, e um camundongo cruzou de ponta a
ponta o piso frio da cela. Sufocando um grito, Velvet então o viu, sentado no chão, a
algema larga ao redor do tornozelo enganchada à corrente que o prendia à parede, os
olhos que mesmo abertos pareciam não enxergá-la.
— Oh, Senhor. — Deixou a vela no chão e aproximou-se, enlaçando-o pelo
pescoço antes de colar o rosto ao dele. — Jason, meu amor... Tudo acabará bem, você
vai ver.
Depois de pestanejar repetidas vezes, ele sacudiu a cabeça como a se arrancar
de um sonho.
— Velvet?
— Sim, querido, estou aqui, — Refreando as lágrimas, beijou-o nos lábios. E
um ranger de correntes a fez se encolher.
— Você não devia ter vindo.
— Eu tinha de vir. Precisava vê-lo, precisava saber se você estava bem. —
Fitou-o nos olhos à débil claridade da vela. — E porque amo você. Tive receio de
confessar noutras oportunidades, mas agora... agora quero que você saiba. Faz
muito, muito tempo que amo você, Jason.
A cabeça dele tombou para a frente, e Velvet pôde ver o queixo cinzelado
coberto de escoriações sob os lábios inchados.
— Jason...
— Eu não queria que você me amasse. Tentei protegê-la de mim, tentei alertá-
la... — Ergueu a cabeça. — Perdoe-me por todo o sofrimento que lhe causei.
— Não diga isso. Eu...
— Você acha que me ama, Velvet, porque o homem que diz amar não existe.
— Ao vê-la fazer menção de: refutar aquela afirmação, deslizou o dedo pelos lábios
dela numa suave carícia. — Tenho sido um grande egoísta, duquesa. Não devia tê4a
tocado, não devia ter me casado com você, assim não a faria sofrer.
— Por favor, Jason, não...
— Agora você está aqui, neste lugar infecto, e a culpa é minha. — Por mais
que quisesse poupá-la, teria de magoá-la uma vez mais. Não havia como retroceder.
Ela merecia a verdade. — Quer saber no que eu estava pensando quando você entrou
neste pedaço do inferno? Pois bem, vou lhe dizer. E depois você irá embora daqui

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

para nunca mais voltar.


Quatro longos anos haviam se passado, mas a impressão que tinha era que
fora ontem. Fazia três anos que estava na Geórgia, trabalhando de sol a sol como um
mouro, disposto a fazer o que fosse preciso para reconquistar a liberdade. Tentara
fugir, certamente, porém os cães nunca deixavam de encontrá-lo. Então era
novamente chicoteado, surrado até quase morrer, mas nem assim iria desistir.
Na quarta tentativa de fuga, sua sorte finalmente mudara e, na mata cerrada
não muito longe do campo de trabalhos forçados, seu caminho havia cruzado o de
outro fugitivo, um negro de meia-idade chamado Samuel. Samuel precisava de um
homem forte o bastante para conduzir sua barcaça de fundo chato pelos pântanos da
Geórgia, e força era a única coisa que ele possuía.
— Eu tinha o vigor e Samuel conhecia o charco — Jason contou a Velvet. —
Quando calculamos estar fora de perigo, ele seguiu para o norte e eu rumei para as
Carolinas, ao sul, para um lugar de que ouvira falar, chamado Charles Town, de
onde zarpavam navios para quase todos os portos do mundo. A Inglaterra estava
fora de questão, claro, mas tinha de haver algum outro lugar para onde eu pudesse ir
sem correr o risco de voltar a ser preso. Que ilusão! Mal cheguei ao cais, inteirei-me
de que as embarcações que operavam dentro da lei tinham ordens para recapturar
detentos fugidos dos campos de trabalhos forçados. Se eu tentasse embarcar num
desses navios, o capitão me entregaria às autoridades.
Velvet segurou na mão dele, e Jason precisou fazer um esforço hercúleo para
prosseguir, para contar da embarcação que descobrira ancorada nos limites do porto,
um navio de piratas comandado pelo capitão Miles Drury. O Valiant era um
bergantim britânico, roubado do legítimo dono. E os homens a bordo do navio de
dois mastros, na verdade, não eram piratas, e sim ladrões dispostos a tudo e
qualquer coisa. Fossem outras as circunstâncias, ele jamais se meteria com um bando
de homens irrecuperáveis, mas, desesperançado como estava, isso pouco lhe
importara: tinha passado três anos na companhia de uma ralé igual àquela e
sobrevivera, iria sobreviver novamente.
Seis dias após deixarem o porto, atacaram uma escuna que seguia para as
Bermudas, a primeira de meia dezena de investidas como aquela, e a tripulação se
regalara com o produto das pilhagens. Ignorando os escrúpulos, ele dissera a si que
merecia sua parte, uma compensação para todas as iniquidades que havia sofrido.
Poderia usar o dinheiro para retornar à Inglaterra, provar sua inocência e a culpa de
Avery.
Fazer justiça ao pai.
De abordagem em abordagem, seus recursos foram se avolumando, e uma
espécie de amizade acabara por brotar entre ele e o capitão Drury, um galés que
tinha ido para as colônias como aprendiz de lacaio. Drury admirava sua cultura e
seus bons modos, "artigos raros de se encontrar num ambiente como aquele", como o

Projeto Revisoras 179


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

próprio capitão lhe dissera.


E assim continuaram a singrar os mares, até aquela fatídica manhã de maio,
àquele dia sereno e ensolarado dia em que o navio de passageiros Starfish apontara
no horizonte a caminho de Barbados. Ele ainda tentara demover os companheiros da
abordagem, argumentando que seria melhor esperar por um navio mercante,
carregado de mercadorias e artigos de luxo, em vez de investir contra uma
embarcação que transportava pessoas, No entanto, Black Dawson, o parrudo imedia-
to, não perdera tempo a contrariá-lo:
— Pessoas portam dinheiro e objetos de valor.
O restante da tripulação pensava da mesma forma, e ele não tivera outra
opção que não aquiescer.
O Starfish ainda tentara escapulir, mas, ao se ver alvo de contínuos disparos de
canhão, acabara por se render ao poder de fogo do Valiant. O bando de ladrões não
perdera tempo a baixar a vela do mastaréu da gávea a fim de abordar a outra
embarcação.
— Mande seus passageiros para meu convés — ordenara Drury ao
comandante do navio aprisionado. — Quero todos enfileirados diante da amurada a
estibordo.
— Olhe só aquilo, companheiro. — Black Dawson cutucara Jason com o
cotovelo. — Faz três meses que não sinto o gosto de um rabo de saia. Parece que meu
martírio finalmente chegou ao fim.
Ao se dar conta de que o imediato se referia à meia dúzia de moças mortas de
medo junto à amurada, ele partira a passos largos para a popa do navio à procura do
capitão Drury.
— Seus homens estão pensando em estuprar as passageiras do Starfish. Trate
de impedi-los.
— Você realmente não foi talhado para isto, Hawkins... — O capitão o
observara atentamente por alguns instantes. — Lamento, rapaz; embora seja o
comandante deste navio, não tenho como impedir que eles desfrutem do que
tomaram. Além do mais, a maioria daquelas mulheres é casada; não será a primeira
vez que terão um homem entre as pernas.
— Foi um horror... — Jason passou a mão pelo rosto. — Os animais
arrastaram as moças pelo convés, rasgaram as roupas delas... Os que tentaram
defendê-las tiveram o abdômen rasgado por cutelos e sabres, e suas vísceras foram
jogadas ao mar para servir de comida aos peixes.
Enojado, também ele tentara dar um fim à cena dantesca, no entanto uma
pancada na cabeça o deixou sem sentidos, estirado numa poça do próprio sangue.
Ao voltar a si, horas depois, deparara-se com o bando de perdidos às

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

gargalhadas, entoando canções, embriagando-se com os tonéis de rum encontrados


nos porões do Starfish. Com a visão borrada e a cabeça latejando, arrastara-se até a
amurada, de onde avistara os corpos boiando: os facínoras do Valiant tinham mas-
sacrado e lançado ao mar a tripulação e os passageiros da escuna, mesmo fim que
tinham dado às moças após se servirem delas até sangrá-las.
Ainda nauseado, ele Voltara o olhar ao convés lavado de sangue. E fora então
que a vira: uma garota com não mais de onze, doze anos de idade, uma fadinha de
cabelos castanhos e estarrecidos olhos verdes. Black Dawson a arrastava pelos
cabelos, ostentando como um troféu a pobre menina que conseguira se esconder em
algum canto do navio durante o suplício dos companheiros de viagem.
— Serge Baptiste, Patsy Cullins, um marinheiro português... Todos eles foram
se acercando de Black Dawson, reivindicando o direito de violentá-la, de estuprar...
uma criança, por Deus que está no céu! Ela era uma criança! — Antes áspera,
cortante, a voz de Jason de súbito perdeu toda a inflexão. — Quatro brutamontes a
seguraram, e Black Dawson se ajoelhou entre as pernas dela.
Uma bala. Era só do que precisava. E, ainda que viesse a se arrepender
daquele gesto pelo resto de seus dias, certamente o faria de novo.
— Saquei do revólver e tomei pontaria... O tiro acertou o alvo em cheio... Os
olhos dela se fecharam lentamente, o rostinho de criança assumiu uma expressão
quase serena... O sofrimento dela teve fim.
— Jason...
Mas ele não ouviu o apelo de Velvet. Recordava o momento em que largara a
pistola e olhara noutra direção, o ardor das lágrimas que lhe corriam pelas faces.
Pouco lhe importara que o matassem. Na verdade, sua vontade era morrer. Quisera
ser ele a jazer naquela poça de sangue, não aquela linda fadinha.
— Preciso tirá-lo deste navio na primeira oportunidade que tivermos, só assim
você terá alguma chance de continuar vivo — dissera Drury. — Até lá, mantenha a
boca fechada e trate de não sair da sua cabine.
Ele não respondera. Viver ou morrer não fazia a menor diferença. Naquela
tarde desgraçada de maio, tudo o que queria era ser capaz de fazer o relógio andar
para trás, pois só assim lhe seria possível jamais ter colocado os pés naquele maldito
navio.
— Jason... — Dissimulando um soluço, Velvet encostou o rosto no dele, e as
lágrimas de ambos se misturaram.
— Perdão... Perdão. — No entanto, sabia que ela não o perdoaria. Apenas
Deus poderia perdoá-lo, só que ele não tinha coragem de pedir uma bênção que não
merecia.
— Jason, meu amor, você não precisa do meu perdão. Nunca precisou. Você
fez o que tinha de fazer. Você a libertou.

Projeto Revisoras 181


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

— Eu a matei.
— Você a salvou da única maneira que era possível e, onde quer que esteja, ela
sabe disso. No lugar daquela menina, eu queria ter o mesmo fim que ela teve.
— Ela era só uma criança, meu Deus... Uma criança que teve negada a chance
de viver.
— E você, Jason? Você conseguiu viver depois daquele dia? — Afastou-se
para poder fitá-lo nos olhos. — Você é apenas um ser humano que, naquele dia, teve
de escolher entre duas opções inconcebíveis, implacáveis, desumanas... E escolheu
poupar aquela inocente, livrando-a de um bando de animais que, antes de matá-la,
iriam submetê-la a um sofrimento atroz. Deus sabe disso, Jason, e está do seu lado.
Faça as pazes com Ele.
— Eu... — Mas ele simplesmente não sabia o que dizer.
— Quanto a mim, amo você ainda mais do que antes. E agora tenho certeza de
que não me enganei: você não só é tudo o que imaginei; é ainda melhor.
— Ah, duquesa... — Abraçou-a com força, apertando-a de encontro ao peito.—
Amo você, Velvet, mais do que tudo no mundo. Eu queria muito que fosse apenas
desejo que...
O carcereiro deu três pancadas na porta da cela, em seguida a chave rilhou na
fechadura.
— Tente ignorar a escuridão, Jason. Você saiu das trevas para a luz, e o
passado não é mais do que a lembrança de algo que já não existe. — Segurou o rosto
dele entre as mãos. — Prometa-me que, quando a escuridão ameaçá-lo, você irá
pensar na luz. A luz é amor. Vai se lembrar disso, não vai?
Ele tentou engolir o nó que tinha na garganta.
— Lembrarei, sim. — Beijou-a. E ante a certeza de que nunca conhecera uma
mulher como Velvet, jurou para si que, enquanto fosse vivo, jamais se separaria dela.

Aturdido com as notícias do estratagema de Litchfield para obrigar Carlyle a


confessar o assassinato do pai, de que lorde Hawkins não era quem afirmara ser, mas
sim o irmão do duque, condenado por aquele crime havia oito anos, Christian
Sutherland não conseguia dormir. Não depois de ter conhecido Jason e das
surpreendentes mortes de sir Wallace Stanton e lady Brookhurst. Tantas
coincidências davam o que pensar. A repentina "sorte" de um embusteiro sem
escrúpulos como Carlyle dava o que pensar.
Pôs-se a andar pelo quarto com vista para o Hyde Park. Precisava ver Mary.
Precisava tirá-la da casa de Carlyle o quanto antes e levá-la para longe. Amava-a e
ela o amava. Não podiam continuar separados, não... Bateram à porta, que se abriu
para que George Marlin, o mordomo que trabalhava havia mais de vinte para a

Projeto Revisoras 182


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

família Sutherland, pudesse avisá-lo:


— Desculpe-me por incomodá-lo a estas horas, milorde, mas a dama que
esteve aqui há algum tempo... Parece-me que o nome dela é Mary...
Christian nem o deixou terminar:
— O que tem ela?
— Está lá embaixo, senhor, na sala de visitas.
Oh, graças a Deus. Dizendo ao sonolento mordomo que fosse se deitar,
Christian correu ao encontro dela.
— Mary, você não imagina o quanto, estou feliz em vê-la. — E mais contente
ainda ficou ao tomá-la entre os braços e ver que ela não buscava esquivar-se. — Você
está bem? Ele não a machucou, não é? Vou matá-lo se porventura...
— Avery por certo tinha intenções de bater, mas então aquele homem,
Willard, chegou, e ele resolveu que tinha assuntos mais prementes do que castigar a
esposa. Mas tenho certeza de que, assim que terminar esses assuntos, ele...
— Não permitirei que você volte para lá. — Afastou-a de si para encará-la. —
Nem que eu tenha de amarrá-la para conseguir levá-la daqui comigo.
Fitando-o com os olhos umedecidos, Mary retrucou:
— Nunca mais me afastarei de você, Christian. — Um arrepio a fez
estremecer. — Aquele homem é um assassino. Avery matou meu pai e, depois de
tudo o que aconteceu, estou convencida de que ele matou o próprio pai também.
— Estou a par do que houve nas docas e dos desdobramentos do incidente.
Não se fala de outra coisa nos círculos sociais.
— Eu já imaginava. Mas, seja como for, acho que sei como ajudar lady Velvet e
o marido dela. E fazer um pouco de justiça, mandando Avery para a prisão.
— Você?
— Sim. Ouvi dizer que as autoridades desistiram de procurar o homem que
matou lady Brookhurst, sobretudo porque a descrição que lady Velvet fez do as-
sassino levou-as a pensar que essa pessoa poderia ser Jason. Só que um dos homens
de confiança de Avery se encaixa perfeitamente nessa mesma descrição. O nome dele
é Willard... Aquele que foi procurar o duque depois do incidente nas docas.
— Entendo. — De fato, era possível. — Não será fácil, mas, se conseguirmos
descobrir o assassino de Célia, é bem provável que esse homem acabe nos levando a
Avery.
— Foi o que pensei. Não acha que vale a pena tentar?
— Certamente, meu amor. — Beijou-a nos lábios. — Certamente.

Projeto Revisoras 183


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Como o combinado, Litchfield chegou pontualmente às dez horas da manhã


para levá-la até a prisão. Mas a alegria que Velvet sentia por estar prestes a rever
Jason transformou-se num susto quando ela foi ao encontro do marquês na sala de
estar e encontrou-o com um ar aterrador.
— Por Deus, Lucien, o que aconteceu?
— Por que não se senta, milady?
— Você está me assustando...
— Perdoe-me, Velvet. — Respirou fundo. — Há cerca de uma hora, os juizes
mandaram avisar o sr. Parmenter da decisão que haviam tomado.
A notícia não deixava margem a dúvidas, e ela, refreando as lágrimas, largou-
se sobre o sofá antes de indagar num sopro de voz:
— A sentença... foi mantida?
— Sim.
— Quando?
— Na segunda-feira.
Segunda-feira. Mais quatro dias, e Jason seria enforcado.
—Não podemos desistir agora, Velvet. Barnstable e Ludington têm trabalhado
dia e noite em busca de informações. Uma hora eles hão de conseguir alguma coisa.
De tão seca, sua garganta chegava a doer. Seu peito parecia que iria explodir...
Incapaz de se conter, Velvet baixou a cabeça e pôs-se a chorar.
— Não fique assim. — Sentando-se ao lado dela, Lucien tomou-lhe uma das
mãos. — Temos de ser fortes. Por Jason.
Respirando fundo, Velvet passou a outra mão pelo rosto.
— Você tem razão. Jason precisa que sejamos fortes. — Aprumou os ombros.
— Ele... está sabendo da decisão dos magistrados?
— Parmenter foi vê-lo. A uma hora destas, ele já sabe.
— Então temos de ir para lá o mais depressa possível. Jason está precisando de
nós.
O dinheiro abria inúmeras portas, pensou Lucien, ao ser informado de que o
detento fora levado para a ala dos prisioneiros de posses. Mas nem todas.
Já Velvet se surpreendeu com o sorriso com que Jason os recebia e, sem nada
dizer, foi se aninhar de encontro ao peito dele. Após abraçá-la por demorados
instantes, ele afirmou num tom que, esperava, pudesse encorajá-los:
— Antes que vocês fiquem mórbidos demais, deixem-me avisá-los de que
estou bem. Parmenter esteve aqui, por isso vocês não precisam perder nosso precioso

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

tempo com notícias dolorosas.


— Coloquei mais dez homens para auxiliar Barnstable e Ludington —
anunciou o marquês —, que não têm poupado esforços no intuito de descobrir
alguma pista.
— Lucien também está tentando uma audiência com o rei e os ministros da
corte. Não é possível que eles não tenham como reformar uma sentença judicial,
mesmo que proferida pelo conselho de seis magistrados das velhas escolas de Direito
de Londres. — Ao ver Jason tornar a sorrir, teve certeza de que ele sabia que iria
morrer na segunda-feira, por isso tentava poupá-la até onde lhe fosse possível.
Conversaram mais alguns minutos sobre assuntos que, na verdade, não
interessavam a nenhum dos três no momento, então Lucien se foi, deixando-os a sós,
prometendo esperar Velvet no corredor. Assim que viu a porta da cela encostada, ela
foi se sentar ao lado de Jason no catre estreito e muito gasto, mas que pelo menos
tinha cobertas razoavelmente limpas.
— Amanhã, quando eu vier vê-lo, vou...
— Não, Velvet. — Tomou a mão dela para lhe beijar a palma. —Quero que me
prometa que vai ficar em casa. Não quero mais vê-la neste lugar.
— Você não pode me pedir uma coisa dessas! Quero vir, quero estar com
você. Eu...
— Não quero que você me veja encarcerado neste buraco e muito menos que
assista ao meu enforcamento. Dê-me sua palavra, Velvet. Prometa, que irá fazer isso
por mim, porque é o último pedido que lhe faço.
— Jason...
— Amo você, duquesa. Se pudesse voltar para casa, eu seria o marido com
que você sempre sonhou, não mediria esforços para fazê-la feliz, jamais a deixaria...
Jamais. — Roçou os lábios nos dela. — Só que não é isso o que irá acontecer. Assim
sendo, quero que me prometa que nunca colocará seus pés neste lugar. Faça isso por
mim, duquesa.
Após um instante de silêncio, ela anuiu:
— Farei como você preferir.
— E também não irá a Tyburn. Eu não suportaria imaginá-la lá. — Ao ver os
olhos dela se encher de lágrimas, estreitou-a junto do peito. — Você sempre foi tão
forte, Velvet... Mais forte do que qualquer outra mulher que já conheci. Seja forte por
mim agora.
Esforçando-se para conter as lágrimas, ela murmurou: — Não deixarei que
você morra. Não permitirei que o tirem de mim. Jason beijou-a na testa.
— Vá com Deus, meu amor.

Projeto Revisoras 185


Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

Incapaz de fitá-lo nos olhos, Velvet ergueu-se e, como uma sonâmbula, rumou
para o corredor.
— Ele me fez prometer que não voltaria aqui, Lucien. — Deixou que o
marquês a conduzisse em direção a escada. — Deus, temos de encontrar uma forma
de salvá-lo...
Lucien continuou calado. Não havia mais o que dizer.
— Até que enfim! Depois de todos os problemas que me causou, meu amado
irmão finalmente vai ter o que merece. — Largando o Morning Chronicle sobre a
escrivaninha, Avery sorriu para si antes de erguer os olhos a Baccy Willard, do outro
lado do móvel. — O maldito será enforcado amanhã.
Baccy não respondeu. Além de detestar enforcamentos, não conseguia
entender por que seu patrão sempre se regozijava com a desgraça dos outros. Até
mesmo com a morte do próprio irmão.
— E a moça? O senhor ainda quer que eu dê um fim nela?
— Por ora, não vamos importuná-la. Com meu irmão morto, Velvet não terá
motivos para xeretar onde não é chamada. De mais a mais, os juizes jamais iriam
admitir que mandaram um inocente para o patíbulo.
— E sua esposa?
— A vadia que teve o desplante de fugir? — Apesar do ódio que o assunto lhe
insuflava, tentou mostrar-se indiferente. — Sabemos para onde ela foi, e as pessoas
acreditam que a mandei de volta para o campo, então não vamos fazer alarde. Vou
cuidar de Balfour quando tiver um tempinho livre e, tão logo resolva isso, cuidarei
de trazer aquela desmilinguida para casa. — E surrá-la até tirar sangue. — Enquanto
isso, vamos cruzar os braços e nos divertir com o enforcamento.

Velvet não lembrava a última vez em que quebrara uma promessa. Talvez
tivesse sido quando era criança, na ocasião em que prometera ao avô nunca mais
brincar sozinha nas imediações do riacho... Sim, mas a verdade era que o fizera com
os dedos cruzados, pois já sabia que não iria manter a palavra empenhada.
Deixando as digressões de lado, terminou de se arrumar e, com o mesmo
vestido cinza com enfeites pretos que usara na audiência, deixou a mansão para ir se
acomodar no interior da carruagem emprestada de Litchfield. Embora decidida a não
deixar que Jason a visse, acreditava que ele iria sentir sua presença nas imediações do
cadafalso e que isso lhe daria força e coragem no momento final.
Apesar do autocontrole que se impunha, não estava preparada para a
atmosfera que mais lembrava uma feira a pairar por Tyburn Hill, com a quantidade
de carruagens suntuosas que haviam trazido a elite da sociedade, reunida ali para se
distrair com um espetáculo tão cruel como um enforcamento, com a longa fila de

Projeto Revisoras 186


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carroças que levavam os prisioneiros para a morte, todos eles em pé sobre o próprio
caixão.
— Jason... Oh, Senhor, valei-me.
Mesmo àquela distância, não era difícil reconhecê-lo, mais alto, mais forte,
mais espadaúdo do que os demais. Não havia uma gota sequer de medo ou pros-
tração no aprumo da espinha ou no modo resoluto como ele mantinha a cabeça
erguida.
A carroça em que Jason estava se aproximou, e os curiosos se aglomeraram à
volta do veículo, uma turba tão mórbida quanto variegada, mistura dos mais reles
batedores de carteira com membros dos mais altos estratos da sociedade. Cavalheiros
bem-nascidos com binóculos de teatro na mão, damas em seda de Mântua, fidalgos,
em veludo de Manchester, colocavam-se de ombro com comerciantes mal-
ajambrados, ferreiros e padeiros, mungidoras e prostitutas.
Nem em seus sonhos mais absurdos Velvet poderia imaginar que houvesse
pessoas que rissem e batessem palmas enquanto o verdugo levava o nó da forca ao
pescoço do condenado. Ou que uma vendedora de maçãs assadas fosse aproveitar a
ocasião para circular em meio à multidão oferecendo suas guloseimas.
Um vigário passava pela fila de carroças murmurando preces para aqueles
que as aceitavam. Aproveitando que ele ainda estava longe de Jason, Velvet olhou
pela multidão à procura de Lucien e, como não o visse, voltava o olhar a seu robusto
e bonito marido quando sentiu sua atenção atraída para a fileira de carruagens
estacionadas ao longo da estrada que subia a colina: o brasão Carlyle, envolto em
rebuscadas filigramas douradas, estampado na portinhola do coche do duque.
Um assomo de ódio apoderou-se dela, tão intenso que lhe dava um gosto
ácido na boca. Avery estava ali. Tinha ido assistir ao enforcamento do irmão e certa-
mente esperava divertir-se um bocado com aquela selvageria que ele próprio havia
engendrado. O maldito bastardo, o canalha que iria matar seu marido.
— Vá se preparando, rapaz. Você será o próximo.
Jason ignorou o peso das correntes e a dor que as algemas ao redor de seus
pulsos e tornozelos lhe causavam. Só queria ter um fim sereno, mas era difícil sentir-
se em paz sabendo que não conseguira vingar a morte de seu pai, que seu irmão
continuaria impune, gozando dos frutos do crime que cometera. E também havia
Velvet, sua doce e tão querida Velvet, que, mesmo forte como era, precisava de
alguém que amasse tanto quanto ele.
— Mexa-se, homem de Deus!
Diante do patíbulo, ele respirou fundo em busca de coragem e pôs-se a subir
os degraus.
Assolada pelo ódio que lhe corroía as entranhas, Velvet aproximava-se dos
belos cavalos cinzentos atrelados à imponente carruagem do duque de Carlyle

Projeto Revisoras 187


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quando uma mão ossuda agarrou-se a seu braço, obrigando-a a estacar.


— Uma moeda para um cego. — Envolto em trapos, com um olho
evidentemente inútil voltado para ela e o outro coberto pelos imundos cabelos
grisalhos, o mendigo estendeu a caneca de latão. — Ajude um velho que não tem o
que comer, senhora.
O ódio começou a se esvair. Velvet tentou instigá-lo, tentou recuperar a força
que aquele sentimento lhe dera, porém seu olhar buscou o cadafalso e as lágrimas
ameaçaram subjugá-la. Não, não iria chorar... Enfiando a mão no bolso da saia,
apanhou a bolsinha com moedas e colocou uma delas na caneca do pedinte.
— Obrigado, milady. — Endireitou as costas, o que tanto o deixou mais alto
do que aparentava como ressaltou os ossos proeminentes sob a camisa que vestia, era
seguida afastou os cabelos do rosto. — A senhora tem bom coração, milady, assim
como seu marido. Ele sempre me dava uma moeda quando ia à pousada, ao contrá-
rio do irmão, que nunca se dignou a olhar para mim.
De tão surpresa, ela não sabia o que dizer.
— Fui eu quem mandou o bilhete, milady. Porque vi quando o filho mais
novo do velho duque, e não o primogênito, matou o próprio pai naquela noite na
estalagem.
Por um instante, Velvet ficou simplesmente paralisada. Então sentiu que
tremia dos pés à cabeça e que seus joelhos ameaçavam dobrar-se.
— Você viu? Como, se é cego?
— De um olho só, senhora. Não dos dois.
— Oh, santo Deus... — De pronto, segurou no pulso dele e partiu em direção
ao patíbulo, abrindo caminho de qualquer maneira por entre a multidão aglomerada
ao redor da colina. — Saiam da frente! Preciso chegar ao cadafalso antes que seja
tarde demais!
A urgência na voz dela fez com que os curiosos se apartassem, abrindo uma
estranha e inesperada trilha que levava ao palanque onde os enforcamentos se su-
cediam. Correndo, aos tropeções, cega e surda a tudo o mais à sua volta, Velvet
avançava arrastando o velhote pela mão, sem deixar de rogar a Deus que lhe desse
forças e um pouco de sorte. Era a palavra de um mendigo contra a de um duque. Era
a última chance que tinha para tentar salvar a vida de Jason.
Ao se aproximar do patíbulo, ousou erguer os olhos... e o viu, o laço ao redor
do pescoço. Sem o capuz dos desgraçados, enfrentava a multidão de cabeça erguida,
com a serena dignidade de um verdadeiro duque de Carlyle.
— Parem! — bradou Velvet, porém seu grito se perdeu em meio à balbúrdia.
Ele é inocente, Senhor, é um homem bom. Por que vai deixá-lo morrer?
O algoz conferiu a posição e o nó do laço. Já pronta para dar um grito, ela

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

então viu, com olhos atônitos, Lucien Montame chegar desembestado ao palanque
para subir de dois em dois os degraus que levavam ao topo da plataforma... e
alcançar o patíbulo no instante em que o verdugo se preparava para tirar o apoio
sobre o qual Jason se equilibrava.
— Oh, meu Deus!
Outros três cavalheiros chegavam às carreiras ao cadafalso: o conde de Balfour
e dois juizes. Um desses magistrados era Thomas Randall, que foi logo gritando:
— Tirem esse homem daí! Cortem essa corda, estou mandando! E sejam
rápidos!
— Meritíssimo! — Ao alcançar enfim a plataforma, Velvet arfou, tentando
recuperar o fôlego e conseguir falar. — Este homem... aqui comigo testemunhou o
assassinato... do duque de Carlyle. — Inspirou uma boa golfada de ar. — Sei que a
palavra dele nada vale contra a palavra de um duque, mas, anexada às demais
provas que...
— Exatamente, milady — interrompeu Randall. — Graças à sua cunhada,
Mary Sinclair, o conde de Balfour conseguiu localizar um homem chamado Bacilius
Willard e... num esforço de persuasão, digamos assim, convencê-lo a deixar o
caminho do pecado para abraçar a verdadeira justiça e confessar o assassinato da
condessa de Brookhurst. E não apenas isso: o sr. Willard também declarou às
autoridades que o mandante do crime foi o duque de Carlyle. Assim, somadas às
provas que...
O disparo de uma arma de fogo ecoou pelo ar, e uma lufada de fumaça branca
se ergueu de um ponto entre a multidão. Em meio aos gritos de um grupo de
mulheres próximas dali, Jason, ao lado de Lucien, levou a mão à orelha; a bala
passara tão perto que seu ouvido zunia.
— Foi Avery! — O marquês apontou o homem que tentava se misturar à
multidão. — Peguem-no!
Nem bem o verdugo soltou a última algema de seu pé, Jason saltou do alto
patíbulo para ir aterrissar junto a Velvet e, após beijá-la nos lábios, sair correndo em
direção ao local indicado por Lucien, com o amigo e mais um punhado de homens da
lei em seus calcanhares. Tolo o bastante para imaginar que ninguém o vira atirar, ou
que seu dinheiro poderia lhe comprar novamente a impunidade no caso de alguém
ter visto, Avery continuou rumando de volta à sua carruagem. Mas sabia ele que
jamais chegaria ao veículo.
Jason o alcançou quando ele iria levar a mão à maçaneta da portinhola e,
derrubando-o no chão, saltou sobre o peito do irmão para esmurrá-lo até perder o
fôlego. Então o agarrou pelo jabô da camisa branca e colocou-o em pé novamente
para lhe dar um sonoro soco na boca.
— Vou matá-lo, amaldiçoado! — Cambaleando, com o colete de cetim

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

dourado todo sujo do sangue que lhe escorria dos lábios, Avery enfiou a mão por
dentro do fraque e dali tirou uma pistola. — É como digo: se quiser um serviço
benfeito, trate de fazê-lo você mesmo. — E engatilhou a arma.
As pessoas ao redor dos dois se encolherem, ele recuou alguns passos e Jason
rosnou uma praga. Àquela distância, era impossível que Avery errasse a pontaria.
Santo Cristo, não podia deixar que o canalha o vencesse novamente. Não era justo.
Não era... Num rompante, dobrou o corpo de lado e, assim que caiu no chão, rolou
de lá para cá. Então ouviu o estrondo de um tiro... e mais outro. Demorou alguns
instantes a se dar conta de que o primeiro projétil partira de um ponto às suas costas,
acertando Avery no peito. O segundo disparo, que se perdera no ar, tinha saído da
arma de seu irmão.
— Vá com Deus — declarou Silas Ludington sem um pingo de remorso
enquanto guardava o revólver descarregado no cós das calças.
Levantando-se, Jason voltou os olhos ao homem caído no chão a poucos
metros de distância. Os olhos vazios de Avery miravam o céu.
— Ele está morto? — indagou Lucien ao alcançá-los.
— Está.
— Então finalmente acabou.
Com a sensação de que um peso imenso fora erguido de seus ombros, Jason
fez um gesto assertivo com a cabeça antes de rumar para o alto da colina. Sim,
finalmente estava tudo acabado. Fizera-se justiça. As correntes que a ambição
desmedida de Avery manchara de lama estavam límpidas de novo. Até mesmo
Balfour e Mary Stanton iriam ter paz, e não havia quem a merecesse tanto quanto
eles.
Aos pés do patíbulo, Velvet tinha os olhos marejados. Mas foi Thomas Randall
quem tomou a iniciativa de fazer um comentário:
— Parece-me, Vossa Graça, que está na hora de você levar sua linda esposa
para casa.
Como se não acreditasse que aquilo seria possível, ela quis se certificar:
— Vamos mesmo para casa, Vossa Graça?
— Sim, duquesa. Vamos para Carlyle Hall. — Jason afagou o rosto dela. —
Não menti quando disse que a amava e jamais iria me separar de você. Enquanto eu
estiver vivo, você estará presa a mim, duquesa. E, graças ao seu empenho e aos
esforços de alguns grandes amigos, parece que minha vida será bem longa.
A multidão em Tyburn voltara a se regozijar. Pelo cavalheiro no topo da
colina, o duque de Carlyle de fato e de direito, que enfrentara a morte olhos nos
olhos e sobrevivera para contar a história, e pela bela duquesa de longos cabelos
levemente avermelhados, que o beijava apaixonadamente.

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Até mesmo a turba que se reunia na colina para se refestelar com espetáculos
abjetos deleitava-se com um final feliz.

Epílogo

Inglaterra, 1765
Os últimos raios de sol tingiam o horizonte de suaves tons de dourado. O
outono chegara, derrubando as primeiras folhas das árvores, trazendo frio às noites
agora mais longas.
Preparando-se para tomar um banho antes que as visitas, lorde e lady Balfour
e os filhos Michael e Sarah, chegassem para passar uma semana com eles, Velvet se
deteve diante da janela para admirar o marido.
No viçoso gramado sob o terraço, ele conduzia o pônei mosqueado montado
pelo filho deles de quatro anos de idade, Alexander Jason III, enquanto a irmãzinha
de dois anos de Alex, Mary, de quando em quando se aproximava do pai para lhe
agarrar as pernas e recusar-se a soltá-las. Na terceira vez em que isso aconteceu,
Jason, rindo como um tonto, tomou a pequenina nos braços e, para deleite de Mary,
acomodou-a sobre os ombros. Do outro lado do gramado, o conde de Haversham,
agora um felicíssimo bisavô, assistia à cena com um ar enlevado.
Velvet sorriu para si. Jason era um pai maravilhoso, muito melhor do que ela
jamais havia imaginado. Tendo enfim superado os segredos sombrios do passado, o
legítimo duque de Carlyle tornara-se o homem que estava predestinado a ser. Os
anos de sofrimento haviam lhe dado uma firmeza de caráter e uma capacidade de
discernimento que poucas pessoas possuíam.
Bateram de leve à porta do aposento e, antes que Velvet fosse ver quem era,
Tabitha se antecipou e correu a abri-la. Os criados que traziam água quente para a
banheira de cobre num canto do dormitório cuidaram de esvaziar seus recipientes,
em seguida rumaram de volta à cozinha.
Após ajudar sua ama a despir o roupão de seda cor-de-rosa e entrar na
banheira, a aia indagou:
— Ainda vai precisar de mim, Vossa Graça?
— Não, Tabby. Obrigada.

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

A roliça Tabitha se foi com uma mesura, e Velvet, com um suspiro, deitou a
cabeça sobre a borda da banheira. Em breve iriam retornar a Londres, uma vez que
Jason, que se tornara membro da Câmara dos Lordes, administrava aquela
responsabilidade com muito zelo. Com as atenções voltadas especialmente ao
sistema judiciário, ele, que conhecia os pontos frágeis da instituição, nunca deixava
de interceder em favor das pessoas mais simples. Tanto que, quando Baccy Willard
fora condenado à forca, tinha encaminhado uma petição ao tribunal e conseguido
que a sentença de morte fosse comutada por uma pena comum, a ser cumprida no
cárcere. Segundo Jason, o verdadeiro criminoso tinha sido Avery. Baccy, um pobre
ignorante, não fora mais do que um fantoche nos jogos mortais do seu irmão.
— Sonhando acordada, meu amor?
Velvet sentiu as mãos deles, grandes porém delicadas, em seus ombros. Virou-
se para fitá-lo... e deparou com os intensos olhos azuis cobiçando a curva dos seus
seios acima da superfície da água.
— Eu sonhava com você, meu marido.
— Fico contente em saber, assim, imagino, não terei muita dificuldade para
colocar em prática o que tenho em mente.
— E eu posso saber o que você tem mente?
— Seduzi-la, meu amor. Não era essa a minha intenção quando entrei aqui,
mas já que você está vestida para a ocasião... — Curvando-se, enfiou as mãos na água
para erguê-la nos braços.
Velvet deu um gritinho.
— Jason Sinclair, você perdeu o juízo? Não vê que está ficando todo
ensopado?
— Ah, isso é bem fácil de resolver. — Beijou-lhe os lábios e, ignorando a água
que pingava pelo quarto, foi colocá-la sobre a cama, então tratou de se despir com
invejável presteza.
— Ao menos você podia me enxugar...
— Oh, vou enxugá-la, sim. Cuidadosamente. — Tão logo se viu nu, ajeitou-se
entre as pernas dela e pôs-se a passar a língua pelas gotas mais volumosas que via
sobre a pele alva.
Meu bom Deus! Os lábios de Jason deslizaram por seus seios, sugando os
mamilos inchados de desejo, percorreram seu ventre, provocando o umbigo com
suaves mordidelas, e escorregaram por entre seus pelos até irem mergulhar entre as
dobras de sua feminilidade em brasa. Cálida, involuta, atrevida, a língua dele
encontrou o pequeno botão que concentrava toda a sua sensualidade e ali se perdeu
em carícias lancinantes.
O clímax a fez agarrar-se às cobertas antes de se entrelaçar aos cabelos macios

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Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)

de Jason enquanto seus músculos se contraíam aos espasmos do prazer.


Instantes depois, ele se acomodava sobre seu corpo, o físico robusto
pressionando-a de encontro ao colchão de penas.
— Amo você, duquesa. — Beijou-a repetidas vezes no pescoço. — Já lhe disse
isso hoje?
— Certa vez você comentou que admitir que me amava tinha sido a coisa mais
difícil que já havia feito. — Afagou os cabelos dele. — Mas, no fundo, não foi tão
difícil assim, foi?
Com um sorriso voluptuoso, Jason penetrou-a por completo num só
movimento.
— Bem lá no fundo, duquesa, foi, sim. — Tomou-lhe os lábios num beijo
ardente e, sem deixar de beijá-la, começou a mover os quadris. E pensar que, um dia,
estivera certo de não querer uma esposa ou filhos. Agora, se tivesse sorte, a família
iria crescer um pouco mais... E ele seria o homem mais feliz da face da Terra.

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