Kat Martin - O Rapto de Velvet
Kat Martin - O Rapto de Velvet
Kat Martin - O Rapto de Velvet
Kat Martin
Inglaterra, 1760
Refém ou amante?...
Para salvar a família da ruína, Velvet Moran está disposta a renunciar a seus
sonhos românticos e casar-se com o implacável duque de Carlyle. Mas em vez de
esposa de um aristocrata, ela se vê refém de um notório salteador de estradas... e sua
resolução de fugir do covil de seu raptor na floresta enfraquece diante da forte
atração que ele lhe desperta.
Injustamente acusado de assassinato, Jason Sinclair volta em segredo à
Inglaterra para provar sua inocência e impedir que se realize o matrimônio que o
impossibilitaria de recuperar o ducado que lhe foi roubado. Fazendo-se passar por
um fora da lei, Jason decide raptar a linda noiva e mantê-la em seu poder pelo tempo
que for necessário. Mas será ele capaz de refrear a paixão que tomou conta de seu
coração, e que poderá pôr a vida de ambos em perigo?
Copyright © 2009
Editora Nova Cultural Ltda.
Rua Paes Leme, 524 — 10° andar — CEP 05424-010 — São Paulo — SP
Projeto Revisoras
www.novacultural.com.br
Impressão e acabamento: RR Donnelley
Projeto Revisoras
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Prólogo
Inglaterra, 1752
— Eu o proíbo! Proíbo, entendeu? — Com o rubor do rosto ressaltado pela
cabeleira toda branca, o duque de Carlyle confrontou o olhar desafiante do filho. —
Por Deus, Você é um Sinclair, um conde, fidalgo do reino, herdeiro do duque de
Carlyle... Como eu haveria de permitir esse seu relacionamento indecente com aquela
meretriz?
No elegante gabinete com paredes revestidas de painéis de nogueira em
Carlyle Hall, a opulenta propriedade rural do duque, Jason cerrou os dentes de tanta
raiva. Aos vinte e um anos, alto e encorpado, era um homem-feito e, no entanto, seu
pai insistia em tratá-lo como um moleque.
— Pelo amor de Cristo, pai, é da condessa de Brookhurst que estamos falando,
não de uma raparigazinha à toa de taverna!
— Essa viúva oito anos mais velha do que você, que já se deitou com meia alta
sociedade, não vai sossegar enquanto não puser as mãos na fortuna e no título
Carlyle.
— Não admito que o senhor se refira a Célia nesses termos. E, com ou sem
suas proibições, vou me relacionar com quem bem entender. — Indiferente ao murro
que o duque dava no tampo da escrivaninha, virou-se e deixou o gabinete como um
furacão, seus passos duros fazendo eco pelo piso de mármore negro.
Do lado de fora do casarão, onde seu luzidio baio pateava o chão, Jason
agradeceu ao cavalariço que cuidava do animal com um aceno antes de saltar à sela
do cavalo. E, ao ouvir o estrondo do bater de uma porta ressoar pela imponente
mansão de pedra, franziu o cenho. Não era possível que seu pai fosse segui-lo até a
pousada. Nem mesmo um homem prepotente e obstinado como o duque de Carlyle
seria capaz de tamanho despautério.
Após esperar alguns instantes a fim de se certificar de que o pai não vinha ao
seu encontro no propósito de dar seguimento ao desagradável bate-boca, instou o
cavalo a um trote largo. Agora mais calmo, atentou ao luminoso luar que envolvia a
copa das árvores e à agradável aragem a afagar seus cabelos castanhos presos junto à
nuca num rabicho. Um começo de noite como aquele mitigava os resquícios do
arroubo colérico que tensionara todos os músculos de seu corpo.
A medida que o cavalo avançava por entre as sombras noturnas, seus
pensamentos foram se desgarrando das afirmações tão rudes que ouvira do pai para
ir se concentrar na mulher de corpo macio e benfeito que esperava por ele. Célia
Projeto Revisoras 4
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 5
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
quarto.
— Vim ter uma conversinha com você. Ou melhor, com vocês dois. — Frio e
duro como aço, o olhar do duque foi pousar sobre os cabelos desguedelhados e o
vestido desabotoado da condessa. — E não arredarei os pés daqui enquanto não
disser o que tenho para dizer.
Sem saber se sentia-se apenas constrangido ou profundamente humilhado,
Jason retrucou:
— Muito bem, mas depois faça o favor de nos deixar em paz. — Deu um passo
para o lado, esperou que o pai entrasse e tornou a fechar a porta.
O duque de Carlyle fez que fosse falar... e de súbito franziu o cenho, voltando
o olhar à janela do outro lado do aposento. Mas, antes que seu filho ou a condessa
pudessem entender o que estava se passando, o disparo de uma arma de fogo, que
ecoou pela aconchegante alcova e foi acertá-lo em cheio no peito, calou para sempre
o que o velho nobre teria a dizer.
Célia deu um grito, e Jason, tomado de horror, ofegou ao ver a mancha
escarlate espraiar-se pelo colete prateado do pai. Agarrando a nódoa como se com
isso pudesse deter o jorro de sangue que brotava de seu peito, o duque caiu de
joelhos antes de tombar morto no chão.
— Pai! — Ao se virar na direção de onde partira o tiro, Jason se estarreceu ao
ver o meio-irmão, Avery, que galgara a escada na face externa do edifício para atirar
da janela contra o próprio pai, e então sentiu a pancada na cabeça. O quarto começou
a girar, suas pernas pareciam se recusar a sustentá-lo. Cambaleou. — Pai... — Mas
tudo se turvou e, com um gemido, ele desabou desacordado a um metro de distância
do corpo sem vida do duque.
Com o cuidado de evitar os cacos da jarra que arrebentara na cabeça do
amante, a condessa de Brookhurst foi abrir a porta e, pouco depois, um cavalheiro
trajado nos requintes da moda em voga entrava no aposento.
— Muito bem, minha querida. Muito bem. — Avery Sinclair alisou um cacho
da cabeleira postiça que usava e, alheio ao alvoroço que ia se avolumando no piso
térreo da hospedaria, apoiou-se num joelho para colocar a pistola ainda fumegante
entre os dedos lassos de Jason.
— Quando a oportunidade se apresenta, não se pode deixá-la passar, não é
verdade? — A condessa deu um sorriso matreiro.
— Realmente. Além do quê, você sempre soube que o velho não iria permitir
que Jason a desposasse. — Visivelmente satisfeito, passou os olhos pelos corpos
estirados no chão. — Nunca imaginei que fosse ser tão fácil, tão...
—Abram! — No corredor, o dono da hospedaria pôs-se a esmurrar a porta. —
Abram imediatamente!
Projeto Revisoras 6
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
— Deixe que eu cuide disso — afirmou Avery num sussurro. — Ah, e não
esqueça: um escândalo não é nada em troca da sua parte numa fortuna considerável.
— Vou me lembrar, sim... Vossa Graça.
Capítulo I
Inglaterra, 1760
Duquesa! Iria tornar-se duquesa! O plano desesperado tinha dado certo. Em
frente à janela, Velvet Moran esperou a ornamentada carruagem dourada do duque
de Carlyle desaparecer no fim da alameda margeada de alamos. Com os
pensamentos voltados aos momentos passados na companhia do distinto loiro que
em breve seria seu marido, ela nem percebeu os passos do avô pelo piso de mármore
preto e branco do vestíbulo.
— Ora, minha menina, e não é que você conseguiu? — O conde de Haversham
parecia bastante bem naquele dia, sem lapsos de memória, em que ainda não
esquecera uma só vez onde estava ou o que ia dizendo. Algo cada vez mais raro na
vida do pobrezinho.
— Você salvou Windmere, como havia prometido e nos livrou da ruína.
— Mais duas semanas, e estarei casada. — Apesar da agitação que tinha no
peito, Velvet sorriu. — Gostaria muito de que não tivesse de enganar o duque, mas o
fato é que seria arriscado demais contar a verdade a ele.
Com fios brancos como neve nas áreas da cabeça onde não estava calvo, tão
magro que um pé de vento talvez o carregasse, o velhinho deu uma risadinha
marota.
— Ele vai se aborrecer quando souber das dívidas que terá de assumir como
seu marido, mas, por outro lado, não podemos nos esquecer de que seu dote é bas-
tante bom. De mais a mais, Carlyle terá a você, a melhor esposa que um homem
poderia desejar.
— Vou fazê-lo feliz, vovô. Ele não vai se arrepender de ter casado comigo.
O conde tomou o rosto dela entre as mãos engelhadas para admirá-la por um
instante. Miúda e graciosa, com aquele nariz arrebitado, olhos castanhos ligeiramente
amendoados e longos cabelos suavemente ondulados da cor do mogno polido,
Projeto Revisoras 7
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 8
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
de modo que o dote se traduzia numa quantia vultosa, suficiente para mantê-los em
condições confortáveis por anos a fio. O problema era que, para colocar as mãos
nesse dinheiro, que se achava depositado num banco, ela teria de se casar.
— Aonde estamos indo? — quis saber o conde.
— Ao salão Carvalho. Snead já deve ter acendido a lareira. — Velvet se referia
a um dos seis criados de confiança, únicos empregados que podiam se dar ao luxo de
se manter em Windmere. — Aposto que está bem quentinho lá.
— Mas, o duque... Ele não ficou de vir nos visitar?
Ela sentiu um aperto no peito. As falhas de memória estavam de volta.
— O duque já veio e já foi embora, vovô.
— E o casamento?
— Vamos para Carlyle Hall no final de semana. Sua Graça faz questão de que
estejamos lá com alguns dias de antecedência, para o caso de qualquer imprevisto.
— Você será uma noiva muito bonita — afirmou o velho nobre com um
sorriso afetuoso.
E Avery Sinclair vai levar um susto daqueles, emendou Velvet em pensamento.
Não, iria cuidar desse problema no momento oportuno. Até lá, trataria de manter as
aparências que haveriam de transformá-la na esposa de um duque muito abastado.
Iria ignorar a friagem que se infiltrava pela casa, o cheiro de mofo nos cômodos
fechados havia tanto tempo, o odor desagradável das velas de sebo baratas.
Graças a Deus, seriam só mais duas semanas de fingimento.
Jason Sinclair, um homem, que sempre fora alto e espadaúdo, e, nos últimos
oito anos, vira seu físico, antes esguio, ganhar músculos exuberantes e duros como
aço por conta das intermináveis horas de estafante labuta, caminhava de um lado
para o outro diante das chamas mortiças na lareira.
— Estamos prestes a colocar aquele bastardo de joelhos. — Insensível ao roçar
dos rufos rendados dos punhos da camisa em suas mãos, Jason virou-se para o
amigo, recostado a uma poltrona estofada. — Não podemos vacilar justamente
agora.
— Reconheço que as notícias não são exatamente o que você gostaria de ouvir
— admitiu Lucien Montaine, marquês de Litchfield —, mas uma hora vamos
encontrar outra forma de chegar até ele. Mais cedo ou mais tarde, um canalha como
Avery acaba se tornando vítima da própria imoralidade.
Jason juntou-se ao amigo, a única pessoa que ficara do seu lado nos últimos
oito anos.
— Já esperei demais, Lucien. O crápula dilapidou quase toda a fortuna de que
Projeto Revisoras 9
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
se apoderou.
— É por isso que ele resolveu casar-se.
— Não estou interessado nas decisões de Avery. Quero o que é meu de
direito. Quero fazer justiça à memória de meu pai. Quero que meu irmão pague pelo
crime que cometeu, e vou fazer o que for preciso para que ele seja punido.
— Faltam só duas semanas para o casamento, Jason. A jovem é uma das mais
ricas herdeiras da Inglaterra e, assim que puser as mãos no dote da noiva, Avery terá
como quitar as dívidas que contraiu. Inclusive a hipoteca sobre Carlyle Hall, da qual
você é credor. Desse modo, como vai alegar o não pagamento do débito para tomar
posse da propriedade? — Lucien esfregou o queixo. — A menos que houvesse uma
forma de impedir esse casamento, não vejo como...
— Pois é exatamente esse, meu caro Litchfield, o meu plano.
Sobrancelhas cerradas se ergueram sobre os olhos negros como piche do
marquês, quase tão alto quanto o amigo, porém bem mais magro. Vizinhos nas pro-
priedades rurais de suas famílias, os dois se conheciam desde que eram meninos.
— Será que posso perguntar como pretende fazer isso? — Lucien o interpelou
antes de afastar da testa uma mecha de seus cabelos negros.
— Você disse que a moça vai para Carlyle Hall com o avô, não foi? Pois bem,
vou raptar a encantadora noivinha e mantê-la sob meus cuidados até fazê-la perder o
casamento. O período de tolerância da nota promissória está prestes a se esgotar; tão
logo Avery reconheça não ter como quitar a dívida, executaremos a hipoteca e eu
tomarei posse da propriedade.
— Você realmente está pensando em seqüestro?
— E vou precisar da sua ajuda, evidentemente. Preciso de um lugar onde
esconder a moça até resolver a pendência sobre Carlyle Hall.
— Ela tem só dezenove anos, Jason. É uma inocente, que certamente ficará
apavorada quando...
— Não vou machucá-la. Pelo contrário, farei tudo o que for preciso pelo seu
bem-estar. — Ajeitou os rufos nos punhos da camisa, depois esfregou a cicatriz no
dorso da mão esquerda. — Direi a essa jovem que a raptei em troca de um resgate;
quando ela descobrir que não é em dinheiro que estou interessado, o dia do
casamento terá passado e a nota promissória estará vencida. Carlyle Hall será minha.
E meu irmão vai ter o que merece.
Pensativo, o marquês de Litchfield se ajeitou melhor na poltrona antes de
afirmar:
— Fosse outra a situação, eu me oporia a uma medida tão drástica, mas, desta
vez, acho que deixarei passar. Essa moça será poupada, pelo menos por algum
tempo, de casar-se com um assassino; só isso já compensa a tolice que você pretende
Projeto Revisoras 10
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
fazer.
— Eu sabia que poderia contar com sua compreensão. — Jason encarou o
amigo com um ar mais sério.
— Você, que ficou do meu lado nos piores momentos por que passei na vida,
agora está colocando sua reputação em risco para me ajudar outra vez. Não me
esquecerei disso, Lucien.
— E você, meu amigo, merece a chance de reconquistar o que o seu irmão
parricida lhe tomou.
— Erguendo-se, foi até o aparador e destampou uma botelha de cristal com
conhaque. — A noiva de Avery terá de tomar a estrada que passa entre Winchester e
Midhurst. Tenho um chalé onde fico, quando vou caçar na floresta, nas cercanias de
Ewhurst; não é grande, mas está sempre limpo e bem cuidado. Vou providenciar
alimentos e tudo o mais de que você e a dama possam precisar.
Jason anuiu com um meneio de cabeça. Após servir outra dose de conhaque
em seu cálice, Lucien fez o mesmo com o do amigo, em seguida tornou a se sentar.
— Há um rapaz que mora ali perto. Ele é leal e poderá ajudá-lo no que for
preciso. Além desse moço, não há mais ninguém com quem contar. — O marquês
tomou um gole da aromática bebida. — Conheço superficialmente lady Velvet, uma
jovem encantadora, e quero crer que você irá dedicar à inocência dessa dama o
mesmo respeito que pretende ter para com a integridade física dela.
— A experiência que tive com Célia foi uma lição que me custou duríssimas
penas. O preço de levar uma dama para a cama é alto demais.
Lucien não respondeu. Jason Sinclair havia mudado um bocado nos últimos
anos. O jovem loquaz e espirituoso que ele conhecera havia sido destruído pouco a
pouco pelo ódio e sofrimento vividos nas colônias. Por quatro daqueles oito anos,
Jason labutara como um escravo nos pantanosos campos de trabalhos forçados na
Geórgia, para onde fora levado numa incrível guinada do destino, já que antes tinha
sido condenado à morte. Aqueles longos e dolorosos anos o transformaram num
homem que o marquês mal reconhecia como o garoto com quem fizera amizade na
infância. Os olhos azuis de seu amigo haviam perdido o deslumbramento e a
curiosidade da meninice e juventude; eram agora olhos de um predador, frios, duros
como os músculos que lhe recobriam o físico robusto.
Quatro anos na colônia penal, depois a fuga. Nos últimos trinta meses, Jason
encontrara a prosperidade trabalhando num latifúndio, que hoje lhe pertencia, numa
pequena ilha nas proximidades de St. Kitts. Mas faltava um ano em toda aquela triste
saga, um ano do qual ele jamais havia falado.
Lucian indagou-se se estaria ali a origem da profunda melancolia que via no
semblante do amigo sempre que Jason se imaginava sozinho.
Projeto Revisoras 11
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 12
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
garupa de um cavalo negro, tinha uma pistola ainda fumegante numa das mãos e
outra arma já engatilhada apontada para o cocheiro.
— Que os santos nos ajudem! — exclamou Tabitha da boleia. — É o
salteador... Jack Kincaid, o Zarolho!
Toda trêmula, Velvet correu a se encolher num canto da carruagem. Pelo bom
Deus, era ele! Já tinha ouvido falar daquele homem. O patife havia roubado inú-
meros viajantes, de Marlborough até Hounslow Heath. E agora estava bem ali, em
carne e osso... de tapa-olho negro e tudo!
— Não tenham medo. — Apeando da montaria, o fora da lei foi abrir a
portinhola do coche. — Entreguem o que tiverem de valor, e vocês poderão seguir
caminho sãos e salvos.
Bem alto e de compleição robusta, ele tinha o olho descoberto da mais vivida
tonalidade de azul que Velvet já vira. Depois de olhar de relance para o avô, que
aparentava total perplexidade ela tornou a mirar o salteador que, em calças pretas
justas enfiadas nas botas de cano alto da mesma cor, usava uma camisa de linho
branco sobre o peito largo e musculoso.
— Acredite ou não — Velvet tentou imprimir alguma firmeza à voz—, temos
pouquíssimo dinheiro conosco e uma ou outra jóia. Vai se sair melhor se roubar
outra pessoa.
Ele a examinou por um momento antes de contemplar o brasão dourado na
portinhola da carruagem: uma pomba voando acima de duas espadas entrecruzadas.
Força e Paz. O lema de Haversham.
— Talvez sim. Ou talvez não. Seja como for, entregue o que vocês têm aí.
Velvet não perdeu tempo a obedecer, passando às mãos dele sua bolsa e a
carteira de seu avô. Após enfiá-las no cós da calça, o malfeitor ordenou:
— Agora as jóias.
Foram-se o pesado relógio de ouro e o anel de rubi com a insígnia gravada na
portinhola, que Velvet passou às mãos dele com o coração contrito. Ao abrir o fecho
do broche que trazia no corpete, porém, ela não pôde evitar um sorriso fugaz. O
diamante incrustado no alfinete era falso. A jóia que dera origem àquela cópia e que
pertencera à sua mãe fora vendida para quitar contas em atraso.
— Isso é tudo — afirmou em voz baixa. — Eu disse que não tínhamos quase
nada.
Os lábios do larápio se curvaram num arremedo de sorriso. Lábios benfeitos,
reparou Velvet, encimados por um nariz reto e sobrancelhas elegantemente
arqueadas. Uma cicatriz discreta percorria a lateral de um maxilar que parecia rígido,
implacável.
— De fato, o que me entregou é bem pouco. Então, tratarei de tirar algum
Projeto Revisoras 13
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 14
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 15
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 16
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
tentadora que ele já vira, impetuosa sem deixar de ser feminina, doce e ao mesmo
tempo sensual... Ao ver-se obrigado se acomodar melhor à sela por conta da turgidez
no interior de suas calças, praguejou em pensamentos. Jamais lhe passara pela cabeça
que iria achar a noiva de Avery atraente. Jamais. E, no entanto, agora se pegava
pensando como seria deitar-se com ela.
Não iria fazer isso, claro. Havia cometido uma série de despautérios desde
que deixara a Inglaterra, atitudes desprezíveis cujo único propósito era a sobrevi-
vência. Mas nunca fizera mal a uma inocente, jamais possuíra uma mulher à força, e
não começaria a fazê-lo com Velvet Moran. De mais a mais, conter a volúpia era
questão de somenos importância. O que realmente interessava era recuperar sua
herança, e aquele era o primeiro passo para que a justiça fosse feita.
O início da longa caminhada com que esperava limpar seu nome.
Sentiu lady Velvet estremecer, então se deteve o tempo suficiente para
apanhar o manto que deixara preso à sela e colocá-lo sobre os ombros dela, em
seguida voltou a incitar o cavalo. Ao cabo de mais alguns minutos, o chalé de
Litchfield finalmente se descortinou atrás de um arvoredo, e ele deu graças a Deus
com seus botões, ansioso que estava por tirar a jovem adormecida de seus braços.
Parando o cavalo diante da pequena moradia de pedras amareladas e dois
pavimentes nas franjas de uma campina, com um só dormitório no segundo andar e
um amplo salão também usado como cozinha no piso térreo, Jason acenou com a
cabeça para o cavalariço, Bennie Taylor, que o esperava lá fora. Como Litchfield
havia dito, o rapazinho era hábil e leal até demais e parecia disposto a fazer tudo o
que ele lhe pedisse.
— Boa-noite, milorde — cumprimentou o jovenzinho bastante forte, de
cabelos claros e poucos sorrisos, que devia ter uns treze anos de idade.
— Boa-noite. — Jason cuidou de ter em mente que o marquês o apresentara
como o conde de Hawkins, já que Hawkins era o nome que ele vinha usando desde
que deixara a Inglaterra. — Cuide do cavalo, sim? Eu me encarrego da dama.
— Sim, milorde.
Velvet acordou quando ele a tirou do cavalo.
— Onde... Onde estamos?
— Num ponto qualquer da floresta. — Jason colocou-a no chão. — Tentei
deixar a casa confortável.
Ela olhou ao redor antes de acusá-lo:
— Você tinha tudo planejado. Seu intento não era assaltar, e sim me raptar.
— Espero que se sinta à vontade. — Indicou o chalé com um movimento de
cabeça. — Por aqui, minha dama.
Com evidente relutância, ela o acompanhou até a moradia e, surpresa por se
Projeto Revisoras 17
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 18
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 19
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
começado a chover.
Depois de rezar para que a cama e a corda feita às pressas suportassem seu
peso, contorceu-se toda até conseguir passar pelo espaço aberto na moldura da vi-
draça e, soltando uma mão depois da outra, foi descendo pelas tiras de pano. Com os
olhos fixos na janela, sentiu um dos pés afundar numa poça de lama... e precisou
fazer um esforço sobre-humano para não gritar enquanto a água gelada lhe ensopava
o sapato e a meia de seda.
Sufocando um impropério nada digno de uma dama, sondou rapidamente os
arredores no intuito de escolher um caminho por onde seguir. Ao constatar que nada
lhe parecia familiar, amaldiçoou-se por não ter prestado a devida atenção às
imediações do chalé quando chegara ali, então ergueu as saias e partiu em desa-
balada carreira em direção à floresta.
Pasmo, Jason pestanejou um par de vezes. Não, não estava vendo coisas: o
pequeno vulto que descera bamboleando junto à parede do chalé realmente acabava
de disparar rumo à mata.
— Com mil demônios! — Terminou de abotoar as calças, calçou as botas e
jogou o manto sobre os ombros antes de correr para a porta. Aquela mulher era
mesmo um espinho na garganta; precisava ter escolhido uma noite de chuva para
criar confusão? Enquanto ele cruzava a campina na direção que lady Velvet havia
tomado, a chuva rala se transmudou num pesado e inclemente aguaceiro, reforçado
pelo vento que continuava a fustigar a copa das árvores. Em meio aos relâmpagos
que agora rasgavam o céu, o estrondo de um trovão ecoou não muito longe dali.
Jason imprimiu mais velocidade às suas passadas e, sem deixar de amaldiçoar a
endiabrada um só instante, embrenhou-se na mata alheio à chuva que lhe açoitava o
rosto e cabelos. Assim, não demorou muito a vislumbrar, por entre a cortina d'água,
um lampejo cor de abricó à frente de alguns troncos de árvore... E, um segundo
depois, cerrou os dentes ante o cintilante ziguezaguear do raio que, ao atingir em
cheio um galho pendente, decepou-o de um só golpe com a precisão de um machado
de desapiedado gume. Com o coração pulsando na garganta, tratou de buscar forças
no mais íntimo de seu ser para acelerar a já desembestada marcha que imprimia às
pernas. E se o pior tivesse acontecido? E se ela estivesse ferida? Ou... morta? Santo
Deus, era o único responsável pelo que porventura acontecesse a Velvet Moran.
Levara-a para lá. Tomara para si a obrigação de zelar pela integridade física dela.
Tinha de manter sua palavra.
Valei-me, Senhor! O ar que engolia às golfadas parecia queimar seu peito, as
pontadas que sentia na altura das costelas mal lhe permitiam continuar a correr.
Tinha os cabelos ensopados grudados nos ombros; seu vestido, um trapo encharcado
colado às suas pernas, parecia pesar mil quilos. Santo Deus, de onde viera aquela
tempestade? Uma chuva leve que apagasse seu rastro até iria ajudá-la, mas aquele
temporal...
Projeto Revisoras 20
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 21
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Ela mordeu o lábio. Tinha as mãos dormentes; como iria fazer para desabotoar
as costas do vestido?
— Talvez minha roupa não demore tanto assim a secar...
— Não seja boba. Pensei em lhe sugerir que fosse para o quarto, mas, com o
vento que está entrando por aquela vidraça quebrada, é melhor você ficar aqui
embaixo, no calor da lareira.
— Você tem razão, só que... Minhas mãos estão tão geladas que mal consigo
senti-las. Acho que não conseguirei desabotoar o corpete do meu vestido.
Jason praguejou baixinho.
— Muito bem, vire-se.
Com as pernas ainda meio bambas, Velvet fez o que ele pedia e, constrangida,
cuidou de não prestar atenção aos movimentos dos dedos ágeis sobre sua pele
enquanto segurava o traje de encontro aos seios. Quando tornou a se virar, deparou
com as costas anchas do seu captor, que havia se virado para a porta. Um fora da lei
bem-educado... Quem haveria de dizer?
— Pronto?
A fim de não colocar a paciência do malfeitor à prova, ela largou o vestido no
chão e, só de roupa branca, correu a se enrolar no cobertor enquanto indagava:
— E você? — Aproximou-se um pouco mais da lareira, exalando um suspiro
diante do calor do fogo.
— Estou habituado à falta de conforto. — Apesar do que afirmara, Jason
também se aproximou da fornalha antes de tirar a ensopada camisa de linho pela
cabeça.
Velvet voltou a ficar gelada. Não só nunca tinha visto o peito nu de um
homem como jamais imaginara um torso parecido ao dele: bem fornido, a
musculatura perfeitamente delineada... Os pelos castanho-escuros a se embrenhar no
cós da calça preta tinham um aspecto tão sedoso que dava vontade de afagar. Não
pela primeira vez, reparou também na cicatriz no dorso da mão esquerda dele.
— Vou consertar a janela do quarto. — Sentando-se, Jason tirou as botas. —
Depois, acho melhor tratarmos de dormir um pouco.
Olhos fixos nas chamas da lareira, Velvet ouviu de novo o murmurejo de
tecido que indicava que ele trocava o traje encharcado por roupas secas, em seguida
ouviu passos ao longo da escada e, por fim, ouviu o bate-bate de marteladas na
madeira.
Quem era aquele homem?
Por que o cavalariço o tratava como fidalgo?
E, o mais importante: agora que sua tentativa de fuga não tinha dado em
Projeto Revisoras 22
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 23
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
— Espero que esteja vestida, duquesa, pois vou entrar, quer você queira, quer
não.
A porta se abriu.
— Você não disse que eu teria de me apressar. — Jogando os cabelos por cima
de um ombro, Velvet ficou olhando para ele.
Em silêncio, Jason fechou a porta e deu um passo adiante.
— Desculpe-me, lady Velvet. Cheguei a pensar que você tivesse dado um jeito
de escapulir e... — Pigarreou. — Vejo que me enganei.
— É verdade, você se enganou.
— Seus cabelos... são lindos. Se precisar, há escova e pente lá em cima.
— Obrigada. — Percebeu que sua voz soara um mero balbucio. Não era para
menos: Jack Kincaid a olhava de um modo estranho, o que lhe dava uma inquietação
no peito. — Eu já ia buscá-los.
Jason não se moveu. Após um instante de hesitação, Velvet largou a caneca no
chão e, erguendo-se, passou por ele a caminho da escada. Um aroma de fumaça de
lenha e couro o envolvia, mas certamente não era isso o que fazia as mãos dela
tremer. Ou seu coração se acelerar. Por que ficara tão nervosa?
Quando retornou ao piso térreo do chalé com os cabelos presos num coque,
Velvet encontrou seu raptor ajoelhado diante da lareira, picando legumes recém-
lavados e pedaços de carne de carneiro antes de jogá-los num caldeirão de ferro
sobre as chamas. E, ao perceber que o observava com um olhar enlevado, obrigou-se
a ter em mente não apenas que ele era um temido fora da lei, mas também o perigo
que corria naquele lugar e o problema de proporções incalculáveis que impingiria ao
seu avô e ao seu futuro, caso não conseguisse se casar com o duque.
O tempo estava lindo: não havia nuvens no céu muito azul, e pela janela
entrava uma aragem fresca e perfumada. Excelente dia para uma fuga... Nas longas
horas antes de conseguir conciliar o sono, ela tinha elaborado outro plano para
escapar; agora precisava do momento oportuno para começar a colocá-lo em ação.
— Por acaso já recebeu uma resposta do duque? Jason se virou para ela.
— O duque? Está falando do seu querido futuro marido?
— Eu me referia à Sua Graça, o duque de Carlyle.
— Não. — Voltou a atenção aos temperos que colocava no caldo.
— Mas você já enviou o pedido de resgate, não enviou?
— Por que não enviaria? — Ao tornar a encará-la, Jason não notou que tinha
um meio sorriso nos lábios.
— Foi por isso que eu a trouxe para cá, não foi?
Projeto Revisoras 24
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
— Sim, foi o que você disse. — Velvet franziu a testa. Por que, todas as vezes
em que mencionava o resgate, tinha a sensação de não ser esse o motivo pelo qual
estava ali?
A manhã dera lugar à tarde, e o salteador, que escolhia passar a maior parte
do tempo lá fora enquanto ela continuava confinada entre as paredes do chalé, ao
menos a municiara com uma pilha de livros, entre os quais Robinson Crusoé, de
Defoe, e um volume com os sonetos de Shakespeare. Mas por mais que tentasse se
distrair um pouco com as obras, Velvet não conseguia se fixar no que lia, uma vez
que tinha coisas mais importantes com que se preocupar.
Quando Jason finalmente retornou ao chalé, ela andava de lá para cá, decidida
a colocar seu plano de fuga em prática.
— O jantar vai demorar?
— Vá com calma, duquesa. Não sou um dos seus inúmeros criados, por isso
sugiro que pergunte com bons modos ou terá de fazer você mesma a sua comida.
Ela ergueu o queixo.
— Nunca cozinhei.
— Por que será que não estou surpreso?
— Você é mesmo um aristocrata? Tive a impressão de que está acostumado
com o título.
— Talvez... em outros tempos. Por quê? Faz alguma diferença? — Arqueou
uma sobrancelha. — Bem, é claro que deve fazer, sobretudo para uma mulher que
pretendia se casar com um duque.
— Como assim, "pretendia" se casar? Vou me casar com ele. E nem você nem
ninguém vão me impedir.
— Está assim tão decidida, é? Reconheço que se trata de um homem bem-
apanhado que, quando quer, sabe ser agradável. Mas não pensei que você gostasse
tanto dele. — Largando a colher no caldeirão, Jason esfregou a cicatriz na mão
esquerda. — Então se trata de um casamento por amor?
Velvet umedeceu os lábios. Apaixonada por Avery Sinclair? Enamorado de si
próprio, ele não era um homem fácil de amar.
— Não, não amo Avery. Foi meu avô quem arranjou essa união. — Mais ou
menos. — É um matrimônio que interessa a nós dois e às nossas famílias.
Sem perceber, Jason exalou um suspiro de alívio antes de anunciar:
— O guisado está pronto. — Colocou um pouco do ensopado numa tigela de
estanho e passou-a às mãos dela, em seguida se serviu.
Alimentaram-se em silêncio e, finda a refeição, ele recolheu as tigelas e levou-
as para fora a fim de lavá-las.
Projeto Revisoras 25
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
A hora tinha chegado: com o coração na garganta, Velvet correu até a lareira,
apanhou o atiçador de ferro com que ele havia remexido as brasas e disparou escada
acima. Não podia perder nem mais um segundo.
Assim que entrou no quarto, olhou fixamente para a janela, agora vedada com
tábuas; nesgas de sol se filtravam por entre as frestas das placas de madeira, o que
indicava que aquela região continuaria banhada em claridade antes do anoitecer.
Muito bem. Dessa vez iria levar o cavalo todo negro, e Jack Kincaid não teria como
segui-la.
Sem perda de tempo, tirou os narcisos do vaso e despejou a água na bacia de
porcelana, depois foi colar o ouvido à porta. E, ao ouvir ruídos no piso térreo do
chalé, usou do atiçador para jogar o vaso no chão antes de dar um grito.
— Duquesa?
Fingindo que soluçava, ela subiu na cadeira ao lado da porta. Tinha as mãos
geladas e a boca seca como algodão, mas não iria desistir.
— Duquesa, você está bem?
O barulho pela escada era um indício de que ele subia os degraus de dois em
dois. Ótimo. Respirando fundo, ergueu o atiçador no ar. Deus, não queria machucá-
lo, mas que outra opção lhe...
A porta se escancarou, e Velvet, com toda a força de que era capaz, tentou
golpear seu raptor, só que, ao perceber o movimento estranho, Jason teve a reação
instintiva de saltar para o lado. Ainda assim o atiçador chegou a atingi-lo na
têmpora, uma pancada que jamais iria desacordá-lo, porém forte o bastante para
derrubá-lo no chão.
— Valha-me, Deus! — Saltando da cadeira, Velvet largou o bastão de ferro e
se ajoelhou para examinar o rosto dele. Ao ouvi-lo gemer, respirou aliviada por
constatar que não o matara. — Perdoe-me, mas não tive escolha. Preciso ir embora.
Apesar de estar tremendo, correu para o piso térreo do chalé, onde só se
deteve para pegar o pesado manto dele e o pão e o queijo que havia escondido, e
rumou com a mesma presteza para a estrebaria. O enorme cavalo negro achava-se lá,
mas, graças aos céus, não havia sinal do rapazinho.
— Venha, Blackie. — Usando o nome com que Jack Kincaid chamava o
garanhão, tirou-o da baia pelo cabresto, em seguida o levou para fora e, usando uma
cerca como apoio, colocou-se à garupa do belo animal. — Bom menino... Vá com
calma, viu?
Após dizer a si que montava razoavelmente bem, bateu com os calcanhares
nos flancos da montaria e inclinou o torso para a frente. Mas Blackie nem chegou a
mover uma das patas, pois mãos firmes e graúdas agarraram-na pela cintura para
arrancá-la de cima do dorso do animal.
Projeto Revisoras 26
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Mal o grito escapou de sua garganta, Velvet se viu no chão, frente a frente com
o zarolho Jack Kincaid, cujo semblante era uma máscara de profunda ira. Ela bem
que tentou fugir, porém os dedos longos que se cravaram em seus ombros a
impediram de dar um passo sequer.
— Vai a algum lugar, minha dama?
Trêmula de medo, Velvet fez o que pôde para fingir que não via o filete de
sangue junto à têmpora do seu raptor. Santo Deus, era bem provável que ele agora
resolvesse matá-la.
— Desculpe... Eu tinha de...
— Lamento frustrar suas expectativas.
De tão apavorada, ela custou a se dar conta de que não era um olho azul como
o céu que a fitava com aguda frieza, e sim dois.
— Por Jesus, quem é você? Qualquer um, menos Jack Kincaid, é evidente.
— Um homem que subestimou sua determinação... pela última vez, minha
dama. — Com isso, Jason arrancou de volta ao chalé, arrastando-a junto dele.
Por mais que fizesse das tripas coração para não chorar, Velvet tinha os olhos
marejados quando chegaram à porta da moradia.
— Por todos os demônios do inferno, será que você não entende, garota?
Quantas vezes eu lhe disse que vou deixá-la voltar para casa no momento oportuno?
Até lá, tente não fazer das nossas vidas um inferno! — Tornou a praguejar, dessa vez
em voz baixa. — Agora faça o favor de entrar, sim?
Com um soluço, ela soltou o braço que Jason apertava e secou o rosto com o
dorso da mão antes de rumar para a sala.
— Maldição! — Sem mais, Jason se afastou da soleira e bateu a porta com toda
a força.
O estrondo se ergueu até as vigas do teto. Diante da janela, Velvet o viu
caminhar até o cocho, enfiar a cabeça na água e depois sacudi-la com força, tal qual
um cão recém-saído de um riacho. O filete de sangue se fora da têmpora ferida,
mesmo assim ela sentiu o remorso lhe aguilhoar o peito. Por Deus, nunca havia
machucado outra pessoa, muito menos de propósito...
Quando Jason entrou no chalé, ela se afastou vários passos em direção à
parede. Como se não a visse, ele foi se largar sobre o sofá e, fechando os olhos,
apoiou a cabeça no encosto do móvel. De onde estava, Velvet notou o hematoma que
se formava na região da pancada, junto à raiz dos cabelos dele, e, pé ante pé, apro-
ximou-se de mansinho.
— Eu não queria machucá-lo.
— Você é mulher, não? — O par de olhos de vivido azul que se abrira de
Projeto Revisoras 27
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
estalo foi pousar sobre ela. — Logo, eu devia saber que não podia confiar em você.
Velvet suspirou.
— Por que não me diz a verdade, não me conta o que está acontecendo? Quem
sabe não posso ajudá-lo? Você não é o zarolho Jack Kincaid, e começo a duvidar de
que esteja interessado no dinheiro do resgate. Se me disser o que...
— E se você ficar quieta alguns instantes, talvez minha cabeça pare de latejar.
Após um instante de hesitação, ela foi até o balde de água ao lado da lareira,
umedeceu o pano preso à alça do recipiente e, retornando para junto do sofá, colocou
a compressa sobre o ferimento na têmpora de Jason. Os penetrantes olhos azuis
tornaram a se abrir, descortinando uma emoção sombria e turbulenta em suas
profundezas. Uma emoção que levou Velvet a se arrepender amargamente do que
fizera.
— Queria que você entendesse que eu tinha de tentar fugir.
— Não só entendo como acho até que admiro sua coragem. Ainda assim, não
posso deixá-la ir embora daqui.
Ela ficou calada. Jamais havia conhecido um homem como aquele. E mais:
sentia-se atraída por ele. Fascinada pelo perigo que parecia rondá-lo. Tocada pela
delicadeza que vislumbrara nele em mais de uma oportunidade.
Apesar disso tudo, continuaria a enfrentá-lo. Não tinha outra opção.
Com suas janelas iluminadas pela claridade das velas de cera virgem
despejando suaves acordes de clavicórdio na penumbra que a circundava, Carlyle
Hall resplandecia como uma jóia em meio à noite de março. Erguida no primeiro do
século, a residência em estilo clássico romano feita de pedra calcária de Portland,
com suas belas balaustradas venezianas e vistosas janelas nos frontões, era quase
uma atração turística na região rural de West Sussex.
Sob as pinturas no teto do salão rei Jaime, Avery Sinclair andava de lá para cá
diante do sofá de brocado dourado junto ao qual Baccy, ou Bacilius Willard, um
troncudo ex-investigador da força policial de Bow Street, apertava o chapéu de três
bicos entre as mãos.
— Onde diabos ela foi parar? — Os reflexos do fogo na lareira tingiam de
dourado a peruca toda branca que o duque usava sobre os cabelos loiros. — Por
Deus, temos só três dias até o casamento! Os convidados estão começando a chegar.
Até agora ninguém percebeu que a sirigaita está desaparecida, e o velho parece que
de quando em quando se esquece disso, mas uma hora alguém vai se dar conta de
que algo está errado.
— Logo, logo, iremos encontrá-la — retrucou o grandalhão. — Há doze
homens vasculhando as estradas que ligam esta região ao local onde a moça foi
Projeto Revisoras 28
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 29
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Convencido de que um assassino frio e calculista como seu irmão não estava à
altura de uma mulher tão íntegra, nas últimas horas tinha decidido que o canalha
não a teria para si. Lady Velvet merecia um casamento digno e, livre de Avery,
poderia procurar um noivo honrado, um homem de boa índole; um cavalheiro que
fizesse jus à mulher leal e destemida que era.
Ao olhar de relance para a porta do chalé, Jason não conteve um sorriso. Só
queria saber o que ela estaria planejando dessa vez... Afinal, não acreditava nem por
um só instante que Velvet Moran desistira de desafiá-lo.
Velvet espiou pelas frestas entre as tábuas que tapulhavam a janela. O
salteador continuava na estrebaria. Salteador... Fosse quem fosse, aquele homem
misterioso não deixara de ser seu inimigo. Não seria fácil, disso já sabia, porém tinha
de encontrar uma forma de vencê-lo.
Decepcionada por não encontrar nada de útil na cômoda, cuidou de fechar a
última gaveta do móvel antes de ir ajoelhar-se diante do velho baú de madeira
encostado a uma das paredes. Assim que abriu a tampa, a pesada arca lhe revelou o
tabuleiro com itens de costura: um novelo de lã que ainda não fora transformado em
fios, agulhas feitas de esgalhos de cervos, uma meada de fios coloridos para bordar,
pedaços de lã sem tingimento de diversos tamanhos... Nada que pudesse ajudá-la.
Sob essa bandeja havia artigos medicinais: faixas de algodão para curativos, sais de
amônia para desmaio, vários potes de unguento.
Destampando um dos potes, torceu o nariz ante o odor da mistura de banha
de porco rançosa com rábano silvestre e outras plantas desconhecidas, depois voltou
a atenção às inúmeras trouxinhas de ervas espalhadas no fundo do baú. Um dos
embrulhinhos exalava o característico aroma de urtiga seca, mas, quando cheirou
outra trouxinha, Velvet franziu a testa ao reconhecer o odor de uma espécie de fungo
encontrada nos bosques, um vegetal narcótico que, triturado e misturado a vinho
temperado com especiarias, produzia poderosa poção indutora de sono. Ou um bom
remédio para dormir, cujo preparo ela aprendera com a cozinheira, tanto que
costumava ministrá-lo em pequenas doses a seu avô sempre que necessário.
Por mais que tentasse, ela não conseguia refrear a temerária idéia que ia
tomando corpo entre seus pensamentos. Tinha prometido a si não machucá-lo nova-
mente, mas que mal haveria em fazê-lo cair num sono profundo e relaxante? Mais
cedo ou mais tarde, ele iria despertar, não iria? E, quando isso acontecesse, ela estaria
bem longe dali.
Com um sorriso, apertou a trouxinha de encontro ao peito.
Costumavam fazer a principal refeição do dia no meio da tarde. E, já fazia
algum tempinho, o jovem cavalariço viera trazer uma torta fria de pombo, um
pastelão de carne de carneiro, um bom pedaço de queijo amarelo e um garrafão de
vinho. Embrulhados numa toalha de linho, os alimentos estavam sobre a mesa, junto
da bebida, ao lado da lareira.
Projeto Revisoras 30
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Foi espiar outra vez pelas frestas da janela. Nem sinal do fora da lei.
Colocando o pacotinho com a erva no chão, triturou-a com a sola do sapato, depois
se utilizou da pesada caneca de estanho que ficava junto à bacia de água para reduzi-
la a pó. Finda a tarefa, rumou para o piso térreo do chalé.
O garrafão de vinho se achava no mesmo lugar em que o rapazote o deixara.
Assim que conseguiu tirar a rolha do recipiente, Velvet começou a despejar o pó que
havia preparado sobre a bebida... Quanto deveria colocar? Além da estatura elevada,
ele tinha um físico bastante robusto, o que significava que a porção tinha de ser
generosa. Bem, até onde sabia, o fungo não era letal... Mordendo o lábio, derramou
todo o conteúdo da trouxinha no garrafão, depois tornou a fechá-lo com a rolha e
sacudiu-o até ter certeza de que o pó havia se incorporado à bebida.
Nem bem recolocara o garrafão sobre a mesa, ouviu passos do lado de fora do
chalé, então correu para o sofá, onde se sentou enquanto abria o livro que supos-
tamente estaria lendo. Dali, viu com o rabo do olho seu raptor entrar e fechar a porta
e, fingindo-se absorta na leitura, tentou não prestar atenção aos passos que se
aproximavam do sofá.
—"Sonetos de Shakespeare". — Jason franziu o cenho. — Pensei que estivesse
lendo Defoe.
— A bem da verdade, não logrei me concentrar nem em um nem no outro. —
Simulou um suspiro de enfado. — Só consigo pensar em quanto tempo mais terei de
ficar trancada aqui dentro.
— Lamento, duquesa. Veja tudo isto como um bem-vindo adiamento das
responsabilidades que terá de enfrentar como esposa de um duque.
Ela fez um muxoxo.
— Já que você não é Jack Kincaid, ao menos podia me dizer como se chama. —
E, como não obtivesse resposta, concluiu que ficaria sem saber o nome dele. Mas
então o viu aproximar-se da mesa com o almoço para retirar a toalha que cobria os
alimentos e sentiu o coração na garganta.
— Jason. — Olhou-a de relance por cima do ombro. — Meu nome é Jason.
Velvet sorriu.
— Jason — repetiu o nome que, aos seus ouvidos, trazia um quê de suavidade
e civilidade. — É nobre demais para um fora da lei, mesmo assim combina com você.
— Sei. — Sem mais, serviu o almoço em dois pratos de estanho e o vinho em
duas taças.
Tomando a comida e a bebida nas mãos, Velvet foi se sentar novamente no
sofá, porém o nervosismo que a acometia não lhe permitiu nem ao menos mordiscar
um pedaço da torta de pombo; assim, deixou o prato sobre o colo e fingiu tomar um
golinho do vinho com o cuidado de não engolir uma só gota. Jason, ao contrário,
Projeto Revisoras 31
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
devorou o alimento em poucas bocadas e, tão logo esvaziou sua taça, tornou a se
servir de mais vinho.
Cada vez mais tensa, Velvet não se conteve quando o viu pronto para despejar
outra generosa dose da bebida na taça de estanho.
— Que sede é essa que lhe deu hoje?
— Está com medo de que eu me embriague e abuse de você? Não se aflija; eu
jamais faria isso. Um pouco de vinho não iria me transformar num animal. — Jason a
fitou por um instante e, irritado com que suas afirmações não fossem o bastante para
fazê-la parar de morder o lábio, emborcou o conteúdo da taça antes de largá-la sobre
a mesa.
Através de olhares furtivos, Velvet atentou ao modo como o físico avantajado
dele imergia na poltrona ao lado da fornalha. Com os olhos fixos nas chamas
mortiças, Jason dava a impressão de estar distante, alheio à presença dela e a tudo o
mais ao seu redor. Que Deus a ajudasse, tudo indicava que a poção iria fazer efeito.
Os minutos se sucediam num silêncio de dar agonia, porém finalmente os
olhos azuis, agora sem o viço exuberante de sempre, davam sinais de não ter forças
para se manter abertos. A cabeça protegida pelos luzidios cabelos castanhos foi se
inclinando... inclinando... e tombou sobre o peito largo que se expandia e se retraía
mansamente. Afundando-se ainda mais na poltrona, como se muito pesado e
completamente lasso, ele cerrou as pálpebras. Eufórica, Velvet fez um esforço sobre-
humano para resistir ao ímpeto de sair correndo dali. Mais alguns instantes... Só mais
alguns instantes...
Já pronta para se erguer, de súbito ela viu Jason fazer um movimento brusco
para o lado, como se fosse cair da poltrona, para então se pôr em pé de um salto. Ele
pestanejou... pestanejou... e passou a mão pelo rosto antes de encará-la com um ar
meio grogue.
— O que foi que você fez? Por Deus, você me envenenou? — E, alcançando-a
com dois passos largos, agarrou-a pela cintura.
— É claro que não! Eu não seria capaz de tamanha atrocidade! Você não vai
morrer. É só uma... — tentou se soltar, mas não conseguiu — uma beberagem para
dormir. Não vai lhe fazer mal. Você vai apenas... cair no sono.
Embora cambaleasse e quase caísse, Jason não a largou.
— Megera! Fingida! — Arrastou-a até a lareira e, ali, apanhou a tira de couro
que Bennie havia usado para amarrar a trouxa em que trouxera o almoço.
— O que está fazendo? O que... — Velvet não conteve um grito ao vê-lo passar
a correia ao redor do seu pulso e, logo a seguir, do pulso dele.
— Posso estar prestes a cair no sono, duquesa, mas esteja certa de que,
enquanto durmo como uma pedra, você não arredará os pés daqui. — Depois de atar
Projeto Revisoras 32
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
a tira com dois nós bem seguros, deu um passo trôpego em direção ao sofá na
intenção de se deitar. No entanto não conseguiu chegar até lá: sentindo as pernas a
ponto de se dobrar, enlaçou Velvet pela cintura um instante antes que desabasse no
chão, caindo sobre ela.
— Oh, Virgem Santa. — Com muita dificuldade, conseguiu empurrá-lo para o
lado, ao menos o tantinho de que necessitava para encher os pulmões de ar. E
quando percebeu que respirava normalmente, sentiu-se corar: ele tinha uma coxa
enfiada entre as suas e a mão larga e calosa sobre seu seio.
A ponta de um dedo afagou seu mamilo por cima do tecido fino da blusa de
camponesa. No mesmo instante, a rosada aréola se intumesceu e um espantoso e
instigante calor se formou em seu baixo-ventre. Que Deus a ajudasse! Tentou se
afastar, no entanto tudo o que conseguiu foi pressionar ainda mais suas partes
íntimas de encontro à coxa dele. De pronto, o calor que sentia entre as pernas se
transformou numa abrasadora ardência, cujo foco ia se alojar no seu âmago de
mulher.
Embora seu coração disparasse a pulsar num ritmo insano, uma estranha
curiosidade apossou-se dela. Uma de suas mãos estava firmemente presa, porém a
outra... Ergueu-a. Um pouco mais. Sentiu a camisa de algodão dele sob seus dedos,
que então deslizaram pelas costas largas e vigorosas que terminavam numa cintura
estreita, igualmente recoberta por feixes de músculos rijos. Como se detivesse
vontade própria, sua mão seguiu adiante até encontrar uma nádega levemente
arredondada, examinando-lhe o contorno e a firmeza antes de, arrependida da
ousadia, ir pousar sobre a cintura dele.
Velvet comprimiu os lábios. Não contara com aquela tortura. Horas e horas
estirada sob seu captor com aquele hálito tíbio e adocicado em seu rosto e aquele
corpo robusto aprisionando o seu. Horas e horas daquelas estranhas e latejantes
sensações que se emaranhavam em sua pélvis. Sensações que a incitavam a pres-
sionar seu seio ao encontro da mão dele e também lhe provocavam uma queimação
em regiões mais... Pelos anjos do céu, o que tinha na cabeça? Aquele homem era um
salteador, um larápio ou coisa ainda pior. No entanto, a inquietação persistia e
Velvet, sem mais o que fazer, pôs-se a amaldiçoá-lo em pensamentos. E imprecar
contra ela própria também. Como fora deixar que aquilo acontecesse?
Quando a penumbra começou a tomar todos os cantos do chalé, ela, cansada
de se encolher sob o peso do físico de Jason, cansada dos esforços para soltar,
rendeu-se a exaustão e se deixou dominar pelo sono. Apesar de o fogo ter se
apagado, não sentia frio, mas uma acolhedora sensação de estar muito bem
protegida.
Com a cabeça latejando como se uma dúzia de sinos dobrassem bem no centro
dos seus miolos, Jason tentou mudar de posição. Seu corpo inteirinho parecia
tomado por uma inexplicável letargia. Inteirinho, não; tinha o membro viril rígido
como uma tábua, pulsando no mesmo ritmo latejante que lhe martelava o cérebro.
Projeto Revisoras 33
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 34
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 35
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 36
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
tempos era que seu pai era o duque de Carlyle. Até lá, não tinha outra opção senão
persistir.
Com isso em mente, tratou de fixar um sorriso nos lábios e retornou para
junto dos seus convidados.
O dia de seu casamento chegara, e ela queria muito saber o que Avery teria
dito aos convidados. Fracassara ao tentar fugir, fracassara era chegar a Carlyle Hall a
tempo de desposar o duque... E, por toda a manhã, o peso desse malogro vinha
pesando mais de uma tonelada sobre seus ombros.
O salteador continuava lá fora, já o cavalariço, que viera trazer a comida e
arrumar um pouco o chalé, despontou no alto da escada. Marcando a página do livro
que lia com o dedo, Velvet indagou ao rapazola:
— Seu nome é Bennie, não?
— Sim.
— Você é amigo de Jason?
— Está falando de Sua Senhoria?
— Sim.
— Ele paga o meu trabalho. — Sem mais, Bennie rumou para a porta.
— Este lugar é muito bonito... Você não acha?
— Faz um frio de doer no inverno, mas a floresta e os arredores são bonitos,
sim.
— Esqueci o nome daquela cidadezinha que fica junto à estrada, não muito
longe daqui. Como é mesmo?
Bennie enfim a encarou.
— Meu patrão me falou que a senhora é muito esperta. E que eu devia tomar
cuidado com seus truques.
— E o que mais ele lhe disse? — Velvet ergueu o queixo. — Que me raptou?
Que estou aqui, neste chalé, contra a minha vontade?
— Isso não é da minha conta. — O rapazote levou a mão à maçaneta. — E ele
não machucou a senhora.
— Também posso pagar pelos seus serviços. Se me ajudar a ir embora daqui,
vou lhe dar o dobro do que ele está lhe pagando.
Como se nem sequer tivesse ouvido a proposta, Bennie abriu a porta, saiu e
tornou a fechá-la com firmeza. Velvet suspirou. Desalentada, deu uma espiadela no
relógio sobre a cornija da lareira. Duas da tarde. A essas horas, era para estar casada.
E certamente apavorada só de pensar na sua noite de núpcias junto de Avery
Projeto Revisoras 37
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Sinclair...
Remexendo-se no sofá, tornou a abrir o exemplar de Robinson Crusoé que
vinha tentando ler e, quando as letras impressas voltaram a se tornar um borrão,
fechou-o com toda a força antes de atirá-lo no chão. Maldito fosse o tal Jason, se era
que fosse esse o verdadeiro nome dele! Se não se casasse com o duque, como ela e
seu avô haveriam de se manter? Estavam quase sem recursos, com o salário dos
criados atrasado. E sem muito mais o que vender, como faria para manter as
aparências e procurar outro marido rico?
Ao relancear os olhos pela janela, viu o salteador ao longe, exercitando o
grande cavalo negro. Por que ele queria impedir seu casamento? O que sua união
com o duque poderia ter a ver com aquele homem?
Cansada das indagações às quais não conseguia formular respostas que a
satisfizessem, curvou-se para apanhar o livro caído próximo a seus pés... e reparou
que, sob o tomo, uma das lajotas se achava solta do restante do piso. Examinou-a
com atenção, concluindo que a peça de cerâmica, que não estava cimentada como as
demais, fora deixada daquela maneira de propósito. Ora, mas por que alguém?...
Dominada pela curiosidade, pôs-se de joelhos, tentando remover a peça do chão. E
quando afinal conseguiu fazê-lo, encontrou o pequeno bornal de couro oculto sob o
revestimento do piso.
A julgar pelo tilintar, a bolsa continha moedas, no entanto o que mais chamou
a atenção de Velvet foi a arma guardada naquele esconderijo tão original. Eufórica
com a descoberta, tomou nas mãos o velho bacamarte meio envolvido por um
pedaço de pano. A arma parecia estar em ótimo estado: o cabo de madeira encerado,
o cano reluzente, os componentes de metal ainda recendendo a graxa. Mais do que
isso, a arma se encontrava carregada e pronta para disparar, o que deixava claro que
a pessoa que a ocultara ali havia se preparado para qualquer eventualidade.
Voltando o olhar à janela, Velvet constatou que o fora da lei já havia levado o
belo corcel negro de volta à estrebaria. Já, já, ele virá para cá. Muito bem, mas como
aproveitar a oportunidade caída dos céus sem machucá-lo? Como fazer para...
A porta do chalé se abriu de chofre, e Jason entrou com uma braçada de lenha.
Ela nem piscou, uma vez que já não havia como esconder a arma nem como
dissimular o que tinha em mente; apenas engoliu o medo usando de ambas as mãos
para engatilhar o bacamarte, ergueu a pesada arma para o peito de seu captor.
— Não quero feri-lo.
Jason largou a lenha, e as achas rolaram pelo chão.
— Mas que diabos...
— Tudo o que quero é ir embora deste lugar. Mas, se for preciso, vou usar isto
aqui, sim. Por isso, peço que se afaste da porta e me deixe passar.
— Largue essa arma, duquesa, antes que alguém se machuque.
Projeto Revisoras 38
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
— É você quem vai acabar se ferindo. Vou repetir: afaste-se dessa porta e me
deixe passar. — Por mais que estivesse decidida a não puxar aquele gatilho,
precisava soar convincente.
— Estou farto das suas brincadeiras, duquesa. Abaixe esse maldito bacamarte.
— Não posso. — Esquivando-se dele, começou a se mover em direção à porta.
— Por favor, Jason... Saia do meu caminho.
— Eu já lhe disse, inúmeras vezes, que não vou lhe fazer mal, que irei libertá-
la dentro de poucos dias. Nem assim você não me dá ouvidos. Estou avisando,
duquesa: largue essa maldita arma, agora mesmo, ou não irá gostar nem um pouco
do preço que terá de pagar pela sua teimosia.
Instigada pela ameaça, ela ergueu uma sobrancelha.
— Preço, meu lorde? Caso tenha esquecido, sou eu quem está com uma arma
na mão.
— Mas sou eu quem irá deitá-la sobre meu colo e lhe aplicar umas boas
palmadas se você não fizer o que estou mandando.
Velvet mordeu o lábio. Ele realmente arriscaria a própria vida para tentar
detê-la?
— A arma, duquesa.
Ela mirou a porta e, incapaz de resistir à tentação, partiu rumo à liberdade
com o bacamarte apontado para seu algoz. Então ouviu um rosnado e, no instante
seguinte, uma mão enorme foi pousar sobre o corpo da velha arma... Velvet gritou ao
ouvir o disparo. E gritou ainda mais alto quando sentiu grandes lascas de madeira e
gesso desabar sobre suas cabeças.
— Eu avisei. — Arrastando-a até o sofá, Jason a deitou sobre suas pernas e,
alheio aos gritos que ela dava, desferiu-lhe três sonoras palmadas nas nádegas. Em
seguida, segurando-a pelos ombros, colocou-a sentada em seu colo e obrigou-a a
encará-lo.
Embora fizesse menção de proferir o xingamento que tinha preso na garganta,
Velvet se manteve calada ante a severidade do olhar que a aprisionava.
— Pelo sangue de Cristo... — Jason segurou o rosto dela entre as mãos e a
beijou.
Assombro. Ultraje. E então a deliciosa sensação provocada pelos seus lábios
que, imperiosos, davam a entender que estavam prontos para devorar os dela. O
suave gemido que ela deixou escapar deu ensejo a que a língua de Jason invadisse
sua boca e a tomasse por inteiro.
Velvet ofegou. Parecia que a sala desandara a girar, e seu estômago se
contraiu como se ela se achasse à beirada de um despenhadeiro. As mãos dele
mergulharam por entre seus cabelos, desconjuntando a fita que aprendia as
Projeto Revisoras 39
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
encorpadas madeixas até fazê-las tombar sobre seus ombros. Uma envolvente onda
de calor se espalhou por seu corpo, inflamando ainda mais um coração que já batia
num ritmo alucinado. Sob o tecido leve da blusa que vestia, seus seios, agora bem
mais sensíveis e pesados, começaram a intumescer. O beijo tornou-se mais intenso, e
Velvet, sentindo-se trêmula, apoiou as mãos sobre os ombros do seu raptor,
cravando as unhas nos músculos sob seus dedos como se a compacta firmeza que
sentia ali fosse â única coisa no mundo capaz de sustentá-la.
— Jason... — sussurrou, quando sentiu os lábios dele se afastar dos seus para
deslizarem pelo contorno do seu queixo e ao longo do seu pescoço.
— Santo Deus, duquesa... — Voltou a beijá-la, e uma de suas mãos foi abarcar
um seio dela.
Com a impressão de que o ar lhe faltava, Velvet suspirou ao sentir o mamilo
se enrijecer sob a palma dele. Uma emoção misteriosa brotou em seu peito, algo que
fazia lembrar a sensação de incompletude, e, sem pensar no que fazia, projetou o
torso ao encontro dos dedos que a afagavam. Quase no mesmo instante, ouviu um
gemido rouco se desgarrar das profundezas da garganta dele.
Atordoada como estava, nem se deu conta de que Jason havia desfeito o laço
dos cordões que fechavam o decote da sua blusa; apenas ouviu um tênue ciciar de
algodão instantes antes que a peça de roupa escorregasse dos seus ombros. Pouco
depois, as labaredas do inferno irromperam por entre suas entranhas quando dedos
sequiosos se puseram a lhe acariciar o seio nu. Santa Mãe de Deus! Não estava
preparada para aquilo. Jamais havia se sentido tão... fora de si.
— Jason... — No afã de retomar os resquícios do controle que tão súbita e
documente se esvaíra, tentou se afastar. Sentia-se em brasa: seus seios latejavam, e o
desejo umedecia todo o espaço entre suas pernas.
Após lhe mordiscar os lábios, Jason baixou a cabeça para tomar um mamilo
túmido na boca. Tomada por uma torrente de paixão, Velvet viu o último vestígio de
bom-senso lhe escapar enquanto ele afagava o bico rijo com a ponta da língua e,
mesmo sabendo que tinha de detê-lo, simplesmente fechou os olhos para se entregar
ao prazer que a carícia lhe provocava. Incapaz de resistir a um impulso, levou a mão
aos cabelos dele e, desfazendo o nó da tira de couro que os prendia, ficou a alisar as
lustrosas madeixas levemente onduladas entre os dedos. Podia sentir a intensidade
do desejo daquele homem sob seu corpo, e isso a deixava ainda mais excitada.
Já pensando que não teria forças para colocar um ponto final à sandice a que
os dois se entregavam, ela rogou a Deus que a ajudasse a recobrar o juízo. E,
instantes depois, a intervenção divina tomava a forma de Bennie Taylor, que batia
com força à porta do chalé.
— Mas que raios?... — Jason abandonou o seio que acarinhava com a boca
para mirar a porta com um ar contrariado antes de recolocar a blusa dela no lugar.
Projeto Revisoras 40
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 41
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
seus novamente.
Ele sorriu, satisfeito, antes de indagar:
— E o casamento?
— Ah, foi muito engraçado. — Lucien riu baixinho. — Quando cheguei a
Carlyle Hall esta manhã, Avery estava a ponto de ter uma síncope. Ele não só ficou
aflito ao saber que a noiva tinha sido raptada por um salteador como não poupou
recursos para tentar descobrir o paradeiro da pobrezinha. E o casamento,
evidentemente, teve de ser adiado.
— Ele ainda tem planos de desposá-la?
— Se ela quiser, creio que sim. Ou melhor, desde que lady Velvet não
descubra a real situação financeira de Avery. Duvido de que a herdeira Haversham
vá querer se unir a um duque falido.
Ao sentir os ombros mais leves, só então Jason se deu conta do quanto ficara
tenso com a idéia de que Velvet fosse se casar com seu irmão.
— Farei com que ela chegue, sã e salva, a Carlyle Hall depois de amanhã. Não
quero que o avô se preocupe com o bem-estar da neta além do estritamente
necessário.
— Assim que ela estiver em casa, você poderia ir passar uns tempos comigo
na minha propriedade rural. De lá, prosseguiremos com os esforços para provar sua
inocência.
— Obrigado, Lucien. — Jason estendeu a mão, e o marquês a apertou. —
Jamais esquecerei tudo o que você tem feito por mim.
— Isso é só o começo, meu amigo. — Inclinou a cabeça para indicar o chalé. —
Eu não queria estar no seu lugar nos próximos dois dias.
Lucien riu e, com o cuidado de manter-se de costas para as janelas da casa,
ergueu-se à garupa do cavalo cinzento.
— Cuide-se, amigo. Até breve.
Jason esperou que ele se afastasse, então inspirou profundamente e partiu de
volta à moradia de pedras amareladas. Esperava encontrar Velvet Moran trancada no
quarto, remoendo-se de vergonha, culpando-o por tudo o que acabara de acontecer.
Em vez disso, achou-a placidamente acomodada no sofá, o olhar fixo nas páginas de
um livro e, após fechar a porta, foi se colocar diante dela.
— Sei que está zangada comigo.
Sem interromper a leitura, Velvet nada respondeu.
— Não estou dizendo que você não tenha esse direito, porém quero que saiba
que jamais tive a intenção de... Eu não queria fazer o que fiz, por isso lhe peço que
me desculpe, lady Velvet. E lhe dou minha palavra de que aquilo não tornará a
Projeto Revisoras 42
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
acontecer.
— Eu não esperava um pedido de desculpas. Ainda mais vindo de um
salteador. — Abaixou o livro, expondo as faces coradas. — Suas palavras são muito
gentis, meu lorde, mas, na verdade, a culpa foi também foi minha. Minha atitude foi
deplorável. Ainda não compreendo como fui... Talvez tenha sido por causa do
confinamento ou... Por favor, não pense que aquele é o meu padrão de
comportamento. Porque não é.
— Posso estar exausto, minha dama, mas sei reconhecer uma jovem inocente
quando me deparo com uma. — Por pouco ele não sorriu. — Eu não podia ter feito o
que fiz.
Ainda evitando encará-lo, Velvet voltou o olhar para a janela.
— Aquele cavalheiro... Ele veio trazer o resgate?
— Não houve pedido de resgate. Não foi por isso que você foi seqüestrada.
— Então ele veio avisar que já posso ir embora?
— Depois de amanhã cuidarei para que você chegue ilesa a Carlyle Hall.
Imagino que seu avô ainda se encontre por lá, ele deve estar ansioso por revê-la.
— Depois de amanhã?
— Dou-lhe minha palavra.
— Mas eu sei quem você é. Não tem medo de que eu vá denunciá-lo às
autoridades?
Dessa vez, Jason sorriu.
— E quem sou eu, minha dama?
— Ora, você é... é... — Jogou os cabelos para trás. — Você é um salteador alto,
espadaúdo, de cabelos castanho-escuros e olhos azuis, que...
— Velvet?
O tratamento informal levou-a a fitá-lo nos olhos.
— Sim?
— Há algo que você precisa saber sobre seu futuro marido. E antes que me
pergunte... Avery Sinclair não tem onde cair morto. Nem mesmo Carlyle Hall ele
possui mais.
— Como?! — Ela pôs-se em pé de um pulo, e o livro que deixara sobre o colo
foi cair no chão. — Isso é absurdo!
— Peça a seus procuradores que verifiquem se o que estou dizendo é verdade
ou não.
— É claro que não é verdade. O duque é riquíssimo.
Projeto Revisoras 43
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
— Ele foi rico, sim, mas lamento informá-la de que isso agora é passado.
Sinclair quer casar com você pelo seu dinheiro, porque precisa de recursos para
tentar recuperar tudo o que perdeu. Ele tem feito péssimos investimentos nos
últimos anos, um malogro atrás do outro. Não faz muito tempo, investiu uma
pequena fortuna num projeto para transformar água do mar em água potável que, é
claro, não deu certo; pouco depois, tornou a investir vultosa quantia numa empresa
que afirmava ser capaz de extrair prata de chumbo; noutra ocasião, tentou
transformar mercúrio num metal maleável de utilização caseira. Ele comercializou
cabelos humanos, importou asnos da Espanha e também deu apoio financeiro a um
inventor que alegava ter construído um aparelho de moto-perpétuo.
Branca como cera, Velvet não sabia o que dizer.
— Nenhuma dessas empreitadas deu qualquer retorno. Em se tratando de
negócios, aquele homem é um completo fracasso. Caso venha a se casar com ele, você
vai colocar seu patrimônio nas mãos de alguém que seguramente irá aniquilá-lo.
— Por que está me contando tudo isso? — Lívida, deixou-se cair sobre o sofá.
— Se queria acabar com meu noivado, por que não disse antes?
— Nunca afirmei que queria acabar com seu noivado. O que eu não queria era
que seus recursos caíssem nas mãos dele... Pelo menos até depois de amanhã.
Ao perceber que tinha as mãos trêmulas, Velvet apoiou-as no colo.
— Não... Não pode ser. — Largando-se de encontro ao espaldar do canapé,
pôs-se a rir da ironia do destino. E pensar que imaginara que aquele casamento iria
salvá-la da ruína... — Até parece uma anedota! Uma anedota de muito mau gosto!
Ao vê-la ficar de súbito muito séria, com sinais de lágrimas nos olhos, Jason
segurou-a pelos braços para fazê-la se levantar.
— Ah, duquesa... — Num gesto impulsivo, estreitou-a contra o peito. — Ele
não merece você.
Enlaçando-o pela cintura, ela desatou a chorar.
— Não fique assim. Você encontrará um cavalheiro de verdade com quem se
casar, alguém muito melhor do que Avery Sinclair.
Mais até do que as palavras encorajadoras, era a brandura do tom que ele
usava o que mitigava parte do desespero que Velvet sentia. Aos poucos, as lágrimas
se foram e o nó que lhe apertava a garganta começou a se desmanchar.
— Perdoe meu destempero. — Afastou-se dele com delicadeza. — Não foi só
por causa do duque ou do fiasco dos meus planos de casamento. É... é um pouco de
tudo o que tem acontecido, creio eu.
— Tente ficar calma. Em breve você estará em casa — Jason enxugou-lhe a
face com a polpa do polegar —, e tudo isto ficará para trás.
No intuito de mostrar-se recomposta, Velvet tentou sorrir. Não, não tinha
Projeto Revisoras 44
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
como ficar calma. A menos que encontrasse outro pretendente, alguém com recursos
suficientes para saldar as dívidas de Haversham, nada ficaria bem novamente.
Os dois dias que se seguiram transcorreram sem incidentes.
Com a frágil trégua que se estabelecera entre ambos, Jason resolveu dar um
pouco de liberdade à sua refém, permitindo-lhe deixar o chalé para desfrutar do
revigorante sol de março. E ela, caminhando ao longo do riacho nas imediações da
moradia, atenta ao cantar dos pássaros ou observando uma ou outra corça que
vagava pela campina, parecia não apenas resignada às circunstâncias como também
satisfeita com aquele breve interlúdio no campo antes de retornar à vida bem mais
regrada que levava em seu lar.
Até Bennie havia baixado a guarda. Nos últimos dias, o rapazinho ria das
brincadeiras de Velvet, ouvia com atenção as histórias que a "hóspede" lhe contava e
até aceitava sua ajuda com os afazeres matinais.
Mas, indagando-se se não teria ido longe demais, Jason largou o machado com
que cortava lenha para esquadrinhar o horizonte: o sol começava a se pôr, e fazia
mais de uma hora que ela havia sumido de sua vista. Dentes cerrados, e já cogitando
da possibilidade de uma nova tentativa de fuga, ele partiu à procura de Velvet... E
não pôde conter um suspiro de alívio ao encontrá-la na estrebaria.
— Então é aqui que você está. — Aproximando-se da baia em que ela se
encontrava, apoiou um dos pés numa tábua e os cotovelos no topo da portinhola. —
Pensei que tivesse resolvido ir embora por conta própria.
Sentada com uma perna cruzada sobre a outra num tapete de feno, Velvet
tinha o ar mais inocente do mundo e, no colo, três pequeninos cãezinhos de pelagem
preta e branca aconchegados uns aos outros. Ela sorriu e, sentindo os ombros ainda
mais leves, Jason retribuiu o sorriso.
— Parece que você arrumou três amiguinhos.
— Não são lindos? Bennie falou este é Marty e este é Nigel. Ele disse que
posso escolher o nome deste aqui. — Apontou o terceiro cãozinho. — Acho que vou
chamá-lo de Piscadela, já que é o menorzinho da ninhada. — Tomando o filhote na
mão, roçou o nariz no colar de pelos negros ao redor do pescoço do animalzinho. —
Tive uma spaniel cor de mel que era um doce, a quem dei o nome de Sammy. Mesmo
após todos esses anos, ainda sinto muito a falta dela.
Jason não respondeu. Era difícil se concentrar em algo além da encantadora
imagem diante dos seus olhos.
— Gosta de cães, meu lorde?
— Gosto.
Com muito cuidado, Velvet colocou os dois cãezinhos sobre a palha antes de
se levantar com o terceiro filhote junto do peito.
Projeto Revisoras 45
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 46
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
A julgar pelo silêncio que reinava no piso térreo, Velvet presumiu que ele
estivesse dormindo. Assim, trocou as roupas do dia a dia pelo traje de dormir que
Bennie havia providenciado e, acomodando-se sob as cobertas, aproximou-se da
mesinha de cabeceira para apagar a vela... Um ruído lá embaixo a fez deter-se. Vozes?
Que estranho.
Saltando da cama, foi encostar o ouvido à porta. A voz que tinha ouvido
continuava a dizer palavras ininteligíveis. A voz de Jason. Mas com quem ele estaria
conversando?
Apesar de saber que seria uma tentativa inútil, girou a maçaneta... e ficou
pasma ao ver que ele deixara a porta destrancada. Abrindo-a com o cuidado de não
fazer barulho, deixou o dormitório e, pé ante pé, foi se colocar no topo da escada.
Jason achava-se estirado no sofá, e não havia mais ninguém na sala. Num
sono profundo, coberto somente até a cintura, ele tinha o peito nu recoberto por uma
película de suor. Estaria passando mal?
Certa de que sua presença o levaria a despertar, Velvet desceu os degraus sem
se preocupar com o leve ranger da escada. Jason, porém, apenas se remexeu de um
lado para outro, voltando a murmurar palavras incompreensíveis; parecia que
sonhava, discutindo com alguém que só ele via.
— Jason. — Aproximou-se, tentando não rememorar a sensação de ter aquele
torso musculoso junto do peito enquanto ambos se beijavam. — Jason...?
Nada.
Por Deus, o que estava acontecendo? Tocou-o com suavidade no ombro e,
como não obtivesse resposta, sacudiu-o de leve.
— Acorde, meu lorde. Você está tendo um... — O susto de vê-lo pôr-se em pé
de um pulo e agarrar seu braço a fez dar um grito. — Sou eu, Velvet!
— Santo Cristo... — Largando o pulso dela, Jason enxugou o suor do rosto
com a palma da mão.
— Que diabo está fazendo aqui embaixo?
— Você estava se revirando no sofá, falando enquanto dormia... Pensei que
estivesse doente.
— Não machuquei você, machuquei?
— Não foi nada. — Quando o viu franzir o cenho, parou de esfregar o braço.
— Você deve ter tido um pesadelo daqueles.
— Já tive piores. — Sem atentar ao que fazia, friccionou a cicatriz no dorso da
mão. — Vá se deitar.
— Tem certeza de que está bem?
— Estou, sim. — Incapaz de reprimir-se, deslizou o olhar pelo corpo dela, que
Projeto Revisoras 47
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
a camisola de algodão mal protegia. — Volte para a cama. Você não devia ter vindo
aqui.
Só quando viu os olhos azuis se turvar foi que Velvet se deu conta de que, à
contraluz da claridade que vinha da lareira, os contornos do seu corpo eram perfei-
tamente visíveis sob o traje de dormir. Ruborizando, correu para a escada.
— Não esqueça que partiremos bem cedo — lembrou Jason. — Desça para o
café da manhã assim que clarear, caso contrário irei arrancá-la da cama. Ou melhor,
irei lhe mostrar que há maneiras bem prazerosas de se começar o dia...
Agora rubra como uma maçã madura, Velvet disparou degraus acima,
dizendo para si mesma que ele não se atreveria. No entanto, ao se enfiar entre as co-
bertas só conseguia pensar no belo e másculo salteador vindo acordá-la com uma
interminável sucessão de beijos.
Capítulo II
Projeto Revisoras 48
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 49
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
cabeça, uma pinta negra pintada sobre o lábio num dos cantos da boca e o busto, de
tão apertado pelo corpete, a ponto de saltar pelo decote do vestido. Não só estava
pronta para aquele tête-à-tête como sabia como fazer para que tudo terminasse da
melhor maneira possível. Para ela e seu avô. As altas portas duplas se abriram para
dar passagem ao duque de Carlyle. Um par de criados em libré vermelho de cetim
tornaram a fechá-las, e Avery Sinclair se acercou dela com um sorriso, a boca qual
um talhe fino ruborizada com um toque de ruge.
— Minha dama adorada. — Avery levou os dedos dela aos lábios.
— Vossa Graça. — Mesmo se curvando numa mesura, não pôde deixar de
reparar que o duque estava tão elegante quanto ela, no vistoso habit à la française em
voga: jaqueta e calças abaixo dos joelhos de seda verde-musgo com bainhas
douradas, o colete recoberto de bordados. Em vez da cabeleira postiça que sempre
usava, Sinclair tinha os cabelos empoados, dissimulando o loiro evidente nas
sobrancelhas e nos cílios. Pelos padrões da alta sociedade, não era um homem sem
atrativos, visto que possuía traços benfeitos e expressivos olhos castanhos.
— Vamos nos sentar?
— Como preferir. — Permitiu-lhe acomodá-la numa grande poltrona de tecido
adamascado próxima à lareira, então esperou que ele se sentasse à sua frente.
— Quer que eu peça um lanche?
— Não, obrigada.
— Esse assunto de que você gostaria de falar... Presumo que esteja relacionado
com o seu seqüestro, não? — Avery, que havia se recostado ao espaldar da poltrona e
cruzado uma perna sobre a outra, projetou o torso para a frente. — Prezada dama, se
o motivo desta conversa a portas fechadas é sua pureza, não pense mais nisso. Não
sou tão cruel a ponto de deixar que esse detalhe se interponha entre nós. A culpa não
foi sua se você foi tão barbaramente arrancada de seu noivo. De hoje em diante, o
que quer que tenha lhe acontecido será nosso segredo, e não tornaremos a falar disso.
O casamento será celebrado...
— O casamento, Vossa Graça, não vai se realizar.
— Não diga tolices. Eu já disse, não me importo com que...
— Minha pureza continua intacta. A questão não é essa.
O franzir de cenho de Avery se acentuou.
— Nesse caso, minha cara, posso indagar qual é a questão?
— Infelizmente, vim a me inteirar de algo muito grave, Vossa Graça. Numa
situação normal, quem discutiria esse assunto com você seria meu avô, mas no
momento, como se sabe, ele não se acha... muito bem. Seja como for, o fato é que, não
importa como, fiquei sabendo da real situação em que você se encontra. Quisera eu
que questões financeiras não fossem um obstáculo, mas, num casamento como o
Projeto Revisoras 50
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
nosso, nós dois sabemos que é. Entendo sua falta de recursos, Vossa Graça, e lhe
empenho minha solidariedade. No entanto, meu dote não será empregado para
resolver seus problemas.
Embora a expressão de Avery não se alterasse, seu rosto perdeu um pouco da
cor.
— Perdão, minha cara, mas não faço a menor idéia sobre o que esteja falando.
— Você sabe muito bem do que estou falando. — Velvet obrigou-se a adotar
um tom mais suave. — Não estou culpando você, Vossa Graça. Como membros da
nobreza, todos nós temos de assumir pesadas responsabilidades, e matrimônios com
vistas a solucionar problemas financeiros são corriqueiros. No entanto, neste caso,
isso não irá ocorrer. — Ajeitando-se na poltrona, alisou a saia do vestido. — Como já
disse, estou a par dos seus problemas; no entanto, esteja certo de que não pretendo
discuti-los fora das quatro paredes desta sala. Agora, há algo que eu gostaria de lhe
pedir em troca do meu silêncio.
Os olhos dele se aguçaram.
— Não estou confirmando nenhuma das suas ridículas acusações, prezada
dama, mas, se porventura estiver precisando do meu auxílio, talvez eu possa ajudá-
la.
Erguendo-se, Velvet foi se colocar junto à lareira,
— Estes últimos dias foram desgastantes para todos nós e, como você bem
sabe, esse seqüestro não trouxe nenhum benefício à minha reputação. — Fitou-o nos
olhos. — Um rompimento súbito entre nós provocaria comentários e, certamente,
especulações quanto a minha pureza. E ainda que a minha integridade física
continue preservada, isso não diminuiria as chances de eu deixar ser vista como uma
noiva apropriada a um cavalheiro decente.
— Prossiga.
— Em troca do meu silêncio, peço apenas que nosso noivado se mantenha,
como antes, por mais algumas semanas. Deixe que as pessoas pensem que você ainda
está disposto a me desposar. Espalhe por aí que você pagou um resgate. Diga que
seu dinheiro comprou minha liberdade. — Soava bem melhor do que ela própria
havia afirmado: que conseguira fugir do raptor.
— Não vejo nenhum problema nisso.
— Precisaríamos de tempo para remarcar o casamento e, antes que a nova
data seja anunciada, romperei o noivado. Continuaremos amigos, é claro, e, até lá, é
provável até que já tenhamos encontrado possíveis futuros cônjuges, pessoas que se
ajustem ao que de fato esperamos do matrimônio.
Após examiná-la como se a visse pela primeira vez na vida, Avery curvou os
lábios num arremedo de sorriso.
Projeto Revisoras 51
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 52
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Velvet Moran não é nenhuma tola. Mais cedo ou mais tarde, ela romperá o noivado
com seu irmão e estará descompromissada novamente. — Lucien olhou para o amigo
por sobre a borda do cálice de conhaque antes de tomar um gole. — Quando isso
acontecer, você estará em condições de demonstrar seu interesse por ela.
— Sou candidato ao cadafalso na colina de Tyburn, Lucien, não ao
matrimônio.
— Perdão se, por algum motivo, cheguei a pensar que a jovem tinha atraído
sua simpatia. Se bem me lembro, você não se mostrou capaz de resistir aos encantos
dela.
— Eu gostaria de me deitar com ela, sim. Desejei Velvet Moran praticamente
desde o instante em que a vi e, caso não se tratasse de uma jovem pura, eu não
hesitaria em possuí-la. Se tivesse saciado minha luxúria, decerto não haveria lugar
para Velvet entre meus pensamentos.
— Está me dizendo que continua a pensar nela?
— Estou dizendo que ainda gostaria de me deitar com ela. Mas já que essa
seria a atitude menos nobre a tomar, farei tudo o que estiver ao meu alcance para
esquecê-la.
— Pensei tê-lo ouvido dizer que não havia mais nenhum resquício de nobreza
em seu íntimo, que havia abandonado todos os seus traços aristocráticos há anos, nos
brejos barrentos da Geórgia.
— Em boa parte, sim. Mas pelo tempo que permanecer na Inglaterra, farei o
possível para ressuscitá-los. E lhe garanto que não é tarefa das mais fáceis.
— Você pretende ir embora, então? Mesmo depois de ter limpado seu nome?
—Meu lugar não é mais aqui, Lucien. Não faço mais parte dessa vida, que
também não é mais parte de mim. Ficarei na Inglaterra só o tempo que for preciso.
A ansiedade estampada no rosto de seu amigo levou o marquês a suspirar.
Havia pouco mais de um ano, Jason, assim como ele, contratara um agente do posto
policial da Bow Street para investigar o assassinato do pai, porém nada de
importante fora descoberto até o momento.
— Embora ainda não tenhamos tido notícias relevantes, Jason, posso lhe
assegurar que o homem que está trabalhando para nós é competente. Usei os serviços
dele em várias outras oportunidades, e o camarada nunca deixou uma tarefa pela
metade.
— Não duvido da perícia dele. Mas oito anos são um período de tempo muito
longo. As primeiras investigações não deram em nada e, mesmo que haja alguém
que tenha testemunhado o que houve naquele dia, será muito difícil encontrar essa
pessoa.
— Realmente, porém o dinheiro é excelente persuasor. Uma palavrinha aqui,
Projeto Revisoras 53
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 54
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 55
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 56
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 57
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 58
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 59
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
parede, um dos inúmeros que havia pelo recinto, Avery Sinclair deteve-se por alguns
instantes ao vislumbrar sua pretensa noiva em meio aos pares que dançavam no
espaço reservado ao baile propriamente dito. Maldita fosse! Tanto se empenhara
para preservar sua imagem de homem rico e poderoso, e a atrevida havia descoberto
a verdade. Mas, como? Onde ela poderia ter se metido naqueles dias às vésperas do
casamento quando, supostamente, estaria em mãos de um raptor?
Na verdade, isso agora pouco interessava. O que lhe doía era ter
menosprezado a inteligência daquela sirigaita. Ela era bem mais esperta do que havia
imaginado.
Com um suspiro, ajeitou a boina negra enfeitada com pele de arminho e uma
longa pluma branca, inclinando-a um pouco mais sobre a sobrancelha esquerda.
Com um casaco curto de mangas bufantes e recordadas, colete de brocado prateado,
calças curtas com bordados prateados e longas meias brancas, fazia-se passar por
Henrique VIII, e era uma pena que, a exemplo do monarca, não pudesse mandar
cortar a cabeça daquela vadiazinha que era Velvet Moran... Não, não: melhor ainda
seria fazer como Henry: levá-la para a cama mais algumas vezes, depois mandar
decapitá-la. A espertinha dançava um minueto com o conde de Whitmore, cujo olhar
cobiçoso de quando em quando ia pousar sobre o generoso busto diante dele. Que o
diabo os levasse, pensou Avery, voltando a atenção à esguia loira que vira
anteriormente algumas vezes, por ocasião da primeira temporada dela em Londres.
O pai da moça, sir Wallace Stanton, uma das poucas pessoas a quem o rei dava
ouvidos em questões de finanças, obtivera admirável êxito nos negócios, tendo feito
Montanhas de dinheiro antes do estouro da bolha dos Mares do Sul. Um patrimônio
que obviamente legaria à filha, Mary, de dezoito anos. Interessante: o velhote tinha
tudo o que a maioria das pessoas poderia desejar e, no entanto, o que mais aspirava
na vida era um título para a filhinha querida, a quem queria ver como um membro
da aristocracia, única regalia que não fora capaz de lhe proporcionar.
Quando ouvira dizer que a jovem e a fortuna que a acompanhava estavam à
disposição de um pretendente da nobreza, ele, com idéias de desposar a herdeira
Haversham, não havia se interessado. Afinal, unir-se em matrimônio a uma mulher
que não pertencesse à aristocracia estava fora de cogitação. Mas agora, após perder a
noiva e com a iminência da bancarrota, era preciso reconsiderar suas decisões.
Contemplando a jovem loira de pele alva num rústico traje de mungidora,
inalou uma pitada de rapé e tornou a guardar o estojo de prata no bolso. Mary
Stanton era graciosa, natural, não tão cheia de vida quanto Velvet Moran, mas
certamente bem mais fácil de manipular. Na semana anterior, tinha ido até Londres
para um encontro reservado com o pai dela, que por pouco não dera cambalhotas
ante a possibilidade de ver a filha casada com um duque. Um esboço de
compromisso fora acordado, do qual fazia parte um vultoso dote e a garantia de que,
ao desposar Mary, o duque de Carlyle seria feito herdeiro da colossal fortuna
Stanton.
Projeto Revisoras 60
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Avery sorriu para ela, do outro lado do salão. Mary dançava com o conde de
Balfour, um rico e bem-apanhado aristocrata que, dizia-se, finalmente havia decidido
se casar. Segundo tais boatos, Balfour queria um herdeiro e pretendia, até o final da
temporada, resolver esse problema.
Ao se lembrar dos rumores, Avery franziu o cenho; além de o conde ter
péssima reputação, Mary Stanton, apesar de ainda não sabê-lo, estava
comprometida. Bem, cabia a ele solucionar mais esse contratempo para que, tão logo
se livrasse de sua desnecessária noiva, pudesse voltar seu considerável dom para a
sedução de Mary Stanton. Sorriu para si. A moça concordaria com o casamento, sim,
e muito em breve, uma vez que ele iria cuidar para que a tonta não tivesse outra
opção. Falhara com Velvet Moran, mas não iria cometer o mesmo erro com Mary.
Enquanto alisava a barba falsa, ocorreu-lhe que, quando tivesse dinheiro de
sobra novamente, talvez até se desse o trabalho de acertar as contas com lady Velvet.
E por que não?
Velvet obrigou-se a sorrir. Estava farta até o último fio de cabelo do conde de
Whitmore, que não se dedicara a outra coisa a noite toda senão admirar seus seios de
um modo simplesmente repulsivo. Ainda bem que Avery fizera a parte dele, tirando-
a para dançar, deixando claro que ainda estavam noivos, e que não havia nenhum
problema entre ambos. Descontada a falsidade, tal adulação a poupara dos avanços
lascivos do conde durante certo tempo, só que, nos últimos vinte minutos, o duque
parecia ter sumido.
— Você me parece cansada, minha cara — observou Whitmore. — Não
gostaria de ir descansar uns minutinhos no terraço?
— Não! Digo, não posso, meu lorde. — Que Deus a livrasse de passar "uns
minutinhos" a sós com aquele insolente. — Prometi esta dança a um outro
cavalheiro, que decerto já está vindo cobrá-la. — Virou-se, pronta para escapulir dele,
porém um tórax largo bloqueou-lhe o caminho.
— Como você mesma disse, minha dama — afirmou a voz grave que ela
conhecia tão bem —, serei seu par nesta música.
Jason! O coração de Velvet disparou. Mesmo mascarado e com uma cabeleira
postiça, só podia ser o salteador que a tinha seqüestrado.
— Minha dama? — Após fazer uma mesura, ele indicou o espaço destinado à
dança.
Jason trajava uma túnica escarlate, calças justas brancas de oficial da Cavalaria
e botas pretas de cano longo. Tinha os cabelos cobertos por uma peruca platinada e a
parte superior do rosto oculta por uma máscara de seda negra; o disfarce, porém, não
escondia aqueles ardentes olhos azuis, tampouco mitigava o efeito atordoante que
exerciam sobre ela.
Projeto Revisoras 61
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Velvet aceitou a mão que ele lhe oferecia e, com as pernas bambas, permitiu-
lhe conduzi-la para junto dos demais dançarinos. Quando se colocaram frente a
frente, contemplou-o por um instante e, com a força de uma bofetada, deu-se conta
do quanto sentira a falta de seu raptor, do quanto relembrara os momentos que
passaram juntos, do quanto se preocupara com o bem-estar dele, Era loucura, mas
não havia como negá-lo.
A admiração que sentia por aquele homem só fez crescer enquanto o
observava executar os movimentos da dança, elegante como um cortesão apesar de
ser mais robusto e mais alto do que a maioria dos convidados. Mas... e se alguém o
reconhecesse? Alguém a quem ele abordara no intuito de roubar? Santa Virgem,
Jason poderia ser preso, atirado às profundezas de um cárcere!
Tão logo a música chegou ao fim, ele, segurando-a pela mão, apressou-se a
levá-la para o terraço que se debruçava sobre o jardim. Um toque de primavera
perfumava o ar, e Velvet deixou-o guiá-la até um canto tomado pelas sombras, onde
se virou para encará-lo. Desde que o vira naquela noite, aquela foi a primeira vez que
a voz não lhe faltou:
— Por Deus que está no céu, Jason, você perdeu o siso? A casa do duque é o
último lugar no mundo onde você devia aparecer!
— Vim ver você. — Sorriu para ela. — Achei que talvez estivesse com saudade
de mim.
— Saudade! Ora, seu arrogante, seu... — Calou-se ao sentir o braço enérgico
enlaçá-la pela cintura. — Mas o que está...
Apertando-a contra seu corpo, Jason a beijou com volúpia, amoldando os
lábios aos dela, obrigando-os a se abrir ao assalto da sua língua afoita. Com a im-
pressão de que o mundo se punha a girar, Velvet sentiu o coração disparar e as
pernas ainda mais frouxas e, quando ele a estreitou entre os braços, pressionando-a
de encontro à musculatura rija de seu físico avantajado, viu-se inflamada por uma
onda de intenso c sôfrego desejo.
— Jason... — Voltando a beijá-lo, passou os braços em torno do pescoço dele.
Céus, simplesmente não conseguia se conter.
Conferindo ainda mais ardor ao beijo, Jason saboreou os recônditos da boca
que o acolhia, devassando-lhe todos os segredos enquanto deslizava as mãos ao
longo das costas de Velvet antes de agarrá-la pelas nádegas e apertá-la contra si. Ela
não foi capaz de reprimir um suspiro de puro prazer. Candente, instigante,
arrebatador, o beijo a incitava a premer-se de encontro ao rígido membro viril do
envolvente fora da lei, a segurar o rosto dele entre as mãos e beijá-lo com a mesma
volúpia.
Foi Jason quem deu fim à carícia para afirmar num tom incisivo:
— Você ainda está noiva do duque. Duvido de que ele fosse aprovar esse
Projeto Revisoras 62
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
beijo.
Admirada com que ele repentinamente se mostrasse tão contido, Velvet
respirou fundo, recuperando o fôlego. Mas mais admirada ainda ficou ao ouvir a
própria voz, igualmente controlada:
— Sua Graça e eu já concordamos em romper o compromisso. Estou só
esperando o momento propício, para não dar margem a novas maledicências. — E,
ao ver os ombros dele relaxar, indagou: — Por que veio aqui, Jason?
— Para ver você, é claro. — Sorriu com suavidade. — Valeu a pena, duquesa.
Embora se sentisse corar, ela retrucou:
— Não vou mais me tornar duquesa.
— Isso a entristece?
— Nem um pouco. — E era verdade. — Na verdade, tenho uma dívida de
gratidão para com você. Casar com o duque iria transformar minha vida num
inferno. Não sei como eu ainda não tinha me dado conta do tipo de pessoa que ele é.
— Avery é um homem de muitas caras. Não me surpreende que uma jovem
inocente como você tenha se deixado enganar por ele.
— Você fala como se o conhecesse muito bem.
— Pensei conhecê-lo... e vi que havia me enganado. Um equívoco que me
custou muito caro. Um erro que jamais tornarei a cometer.
— Se sabia que eu ainda estava noiva dele, por que se arriscou a vir aqui esta
noite? Como estava tão certo de que eu não iria armar um escândalo e contar a Avery
que você é o homem que me raptou?
— Eu não tinha certeza de nada. Apenas me senti um pouco mais seguro
porque lhe revelei a verdade sobre a situação financeira do duque e contava com que
sua gratidão a impedisse de... armar um escândalo. — Embora não soubesse disso,
deu aquele seu sorriso que a deixava completamente desarmada. — E também
imaginei que tivesse pensado em mim vez ou outra, como tenho pensado em você.
O coração de Velvet voltou a bater descompassado. Pensara nele, sim, infinitas
vezes, porém isso não fazia a menor diferença. Tinha de se casar por dinheiro.
Precisava de um marido que a salvasse, e a seu avô, da ruína. Por ironia, e por mais
que lhe custasse admitir, ela e Avery Sinclair trilhavam o mesmo caminho; no fundo,
não deviam ser assim tão diferentes um do outro.
— Preciso retornar ao salão.
— Quisera tanto não ter de fazê-lo...
— Tornarei a ver você?
— É pouco provável, Velvet. Não seria a atitude mais sensata a tomar. Aliás,
Projeto Revisoras 63
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 64
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 65
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
— Um bom menino, o jovem Jason. O que diziam dele não era verdade. — A
emoção embargava a voz de Cummings.— Ninguém me fará acreditar naquilo.
Jamais.
— O que aconteceu? — indagou ela num balbucio. O velho criado meneou a
cabeça.
— Perdão, minha dama; eu não devia ter dito o que disse. Sua Graça não iria
gostar de saber, nem eu tenho gosto de falar desse assunto.
Numa reação instintiva, Velvet agarrou-o pelo braço. Mas, ao se dar conta do
que fazia, desculpou-se e, largando o braço dele com delicadeza, devolveu o castiçal
à mesinha.
— Desculpe-me, mas preciso saber o que houve com Jason. Prometo que
jamais comentarei com quem quer que seja ou... Por favor, Cummings.
Atento à palidez das faces e à tensão na voz dela, o velho criado aquiesceu.
— Apesar de já fazer oito anos, minha dama, tenho a sensação de que tudo
ocorreu na noite passada. — Respirou fundo. — Eles discutiram, o pai e o jovem
Jason... que tinha acabado de fazer vinte e um anos.
— Qual foi o motivo da briga?
— Lady Brookhurst, suponho.
— Lady Brookhurst? — Sentiu um frio no estômago ao pensar que conhecera
a bela condessa naquela mesma noite. Trajada como Cleópatra numa ousada fantasia
de seda vermelha e tule prateado, com os cabelos até as ancas soltos, a dama
concentrara a atenção de todos os homens presentes ao baile. Devia ter trinta e
poucos anos, idade que não se refletia nem na pele nem na silhueta.
— Sim, certamente os dois se desentenderam por causa da condessa. Foi o que
os criados disseram, e todos sabiam que o jovem Jason havia se envolvido com ela e
que o velho duque não aprovava esse relacionamento.
Velvet não sabia o que dizer.
— Seja como for, o rapaz deixou a mansão como um furacão e, pouco depois,
o pai foi atrás dele. — Cummings limpou a garganta. — Na verdade, o velho duque
seguiu o filho até a hospedaria onde o rapaz se encontrava com a condessa... E foi lá
que tudo aconteceu.
— Tudo o quê?
— Os dois voltaram a discutir. Sua Graça levou um tiro e veio a falecer. E
disseram que o jovem Jason foi o responsável por essa tragédia.
Sentindo o ar lhe faltar, ela inspirou e expirou profundamente. E, com as
pernas subitamente lassas, buscou apoio na mesinha ao seu lado.
— Não foi ele, minha dama. Não foi. Ele amava o pai, jamais iria fazer mal
Projeto Revisoras 66
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Tabitha a esperava nos aposentos que Avery havia lhe destinado, porém ela
pouco falou: apenas deixou que a aia a ajudasse a trocar a fantasia pela roupa de
dormir e murmurou um boa-noite antes de se acomodar na espaçosa cama de quatro
colunas com dossel e, tão logo a porta do quarto se fechou, afundou-se no colchão de
penas. Deus do céu, não apenas Jason, como o conhecia, mas Jason Sinclair... que
deveria ter vindo a ser o quarto duque de Carlyle. Não um salteador, e sim um
assassino.
Mordeu o lábio na tentativa de fazê-lo parar de tremer. Tinha os pensamentos
em tamanha agitação que mal conseguia ordená-los. Onde ele teria se escondido em
todos aqueles anos? E por que decidira reaparecer justamente agora? Bastaria um
deslize, uma pessoa que o reconhecesse como o filho mais velho do finado duque,
para que fosse mandado de volta à prisão. Por que estaria se arriscando tanto?
Ainda que tentasse fixar o olhar no cortinado cor de âmbar ao redor da cama
ou nas borlas anacaradas que pendiam da barra do tecido, só o, que via à sua frente
Projeto Revisoras 67
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
era o rosto dele. Jason Sinclair. O duque de Carlyle. O que ele teria ido fazer ali
naquela noite? Teria realmente tirado a vida do próprio pai?
Velvet fechou os olhos. Mas não conseguiu dormir.
Jason subia os degraus que o levariam aos seus aposentos na torre norte do
Castelo Running, isolados da estrutura principal da moradia, um espaço em que ele
podia ir e vir à vontade sem trombar com um enxame de criados. Gostava de lá,
daquelas dependências mais simples do velho castelo, onde pesadas tapeçarias
flamengas, com motivos que reproduziam cenas de caçadas medievais, pendiam das
espessas paredes de pedras, e um escudo normando, ao lado de uma lança e duas
espadas cruzadas, ornamentavam o corredor. De carvalho maciço, a cama em que
dormia era tão ampla quanto confortável e se destacava no ambiente com piso de
madeira coberto por tapetes de pele.
Ao entrar no aposento e ver as labaredas a crepitar na lareira, um cuidado
certamente providenciado pelo devotado camareiro que Lucien havia lhe cedido, ele
sorriu para si; era bom sentir o calor que vinha da fornalha e se espalhava pelo
recinto, afugentando o frio que parecia fazer parte daquela ala da torre. Suspirando
de satisfação, tirou o manto dos ombros para em seguida jogá-lo sobre o banco de
madeira ao pé da cama, e só ao se virar foi que se deu conta de que não estava
sozinho.
— Pensei em ficar um pouco mais na pavorosa festa de Avery, mas, quando o
vi retornar são e salvo do seu pequeno passeio pelo gabinete dele, resolvi vir embora.
— O marquês se pôs em pé. — Calculei que a fantasia iria lhe dar a cobertura de que
você necessitava e, pelo visto, não me enganei.
— Tive um só pequeno contratempo, que no entanto se mostrou mais
prazeroso do que inoportuno.
— Sei. Creio ter visto esse contratempozinho dançando com Whitmore. —
Lucien ergueu uma sobrancelha. — Espero que tenha livrado a jovem dama das
garras daquele velho devasso antes que o cretino perdesse de vez o bom-senso.
— Ela ficou bastante contente em me ver, sabia?
— Eu já contava com isso. — E, ao ver Jason tirar do bolso um punhado de
folhas de papel dobradas, indagou: — Do gabinete de Avery?
— Exatamente. Como eu lhe disse, sei onde fica o cofre e como abri-lo. Só não
sabia o que iria encontrar, mas a verdade é que me saí bastante bem. — Desdobrando
os papéis, alisou-os sobre a rústica mesa de carvalho. — Este documento tem a data
de três dias após o assassinato de meu pai. É um contrato entre o duque de Carlyle e
a condessa de Brookhurst, no qual Avery se compromete a entregar a ela a vultosa
quantia de duzentas mil libras e mais uma pensão anual vitalícia. Recursos
suficientes para garantir à condessa uma vida de luxo e fartura pelo resto da vida.
Projeto Revisoras 68
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 69
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 70
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 71
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 72
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
longe de sentir. — E, por favor, não se esqueça de dizer à sua... amiga, quando ela
regressar, que sou muito agradecida.
— Lembrarei. E você tenha em mente que Jason não irá lhe agradecer por
intervir em seus assuntos.
— Também não gosto que interfiram nos meus assuntos, no entanto hoje sou
muito grata a Jason pelo rompimento do meu compromisso com Avery Sinclair.
Quem sabe ele também não acaba me agradecendo?
Lucien levantou-se.
— Duas horas é um bom horário, minha dama?
— Excelente. — Ela também se ergueu. — Obrigada pelo auxílio, meu lorde.
Ela se foi, e o marquês deixou que o sorriso largo que vinha reprimindo lhe
aflorasse aos lábios. Jason havia encontrado o par perfeito. Fossem outras as
circunstâncias, até seria muito divertido assistir ao duelo de vontades dos dois; na
atual conjuntura, porém, a ingerência de Velvet só faria agravar o perigo que Jason
corria.
— Pelo sangue de Cristo! Está me dizendo que ela veio até sua casa, afirmou
que sabia que sou Jason Sinclair e exigiu falar comigo ou então iria me entregar às
autoridades? — Zanzando de lá para cá na antessala de seus aposentos na torre,
Jason fazia de tudo para não explodir.
— Mais ou menos isso — confirmou Litchfield com um sorriso.
— Pois ela que esqueça! Não vou fazer a vontade de uma atrevidazinha sem
um pingo de juízo! — Fez que fosse dar um murro na cornija da lareira, mas então se
deteve. — Como raios ela foi descobrir?
— Não faço a mínima idéia.
— Ela é esperta como uma raposa. Eu devia ter suspeitado, devia ter
percebido que Velvet não iria se dar por satisfeita sem uma boa explicação para o
que...
— Você vai ter de ir até lá. Não sabemos o que ela é capaz de fazer, caso você
não apareça.
— E eu não sei do que sou capaz de fazer a ela se for encontrá-la.
O marquês deu uma risadinha.
— Lady Velvet é uma pessoa difícil. Bonita e impetuosa. Qualquer homem
daria tudo para tê-la nas mãos.
— Qualquer homem daria tudo para tê-la na cama — rosnou Jason.
— Realmente. — E, ao ver o amigo trincar os dentes, emendou: — Calma, meu
Projeto Revisoras 73
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
amigo; ela é toda sua. Estou contente com minha atual amante e os encontros furtivos
com a viúva Carter quando estou por aqui.
Detendo-se ao lado de uma poltrona, Jason olhou pela janela.
— Esse encontro pode vir a ser proveitoso — prosseguiu Lucien. — O que será
que ela pretende?
— Só Deus para saber.
— Deus e você, Jason, após as duas horas da tarde de amanhã.
Ele não respondeu, apenas continuou a contemplar as colinas sinuosas entre o
castelo e o vilarejo. Estava zangado... furioso. Ainda assim, não tinha como negar que
um lado seu ansiava loucamente por aquele encontro.
Num traje de montaria em veludo cor de rubi, ela atiçou o fogo que acendera
na lareira da casa de pedras da viúva nas cercanias de Hammington Heath. Bem
maior do que ela havia imaginado, a habitação caiada de branco tinha telhado de
ardósia e toda a parte dianteira recoberta de hera. A chave do marquês lhe
possibilitara entrar numa sala muito limpa, com piso de pedras arredondas e teto
sustentado por grandes vigas de madeira, onde a alegre estampa floral do sofá e das
poltronas num canto próximo à lareira conferia um ar extremamente aconchegante
ao ambiente.
Esticando as mãos em direção às chamas na fornalha, Velvet apurou os
ouvidos na expectativa de ouvir os passos lá fora. Eram quase duas e meia. Jason te-
ria se dado conta de que ela havia blefado e resolvera não aparecer? Estaria assim tão
seguro de que ela não iria desmascará-lo?
Profundamente irritada, Velvet foi espiar pela vidraça da janela.
— Procurando por mim, duquesa?
Ela girou sobre os calcanhares como um pião. Com calças de couro de búfalo
próprias para montar, camisa de mangas longas de linho branco e um dos ombros
displicentemente apoiado numa das laterais da moldura da lareira, Jason a fitava
com um ar impenetrável.
— Por Deus, por pouco você não me mata de susto! Como foi que entrou
aqui?
— Não foi nada difícil. E você já devia saber que sou um homem de muitas
aptidões.
Velvet então o viu aproximar-se com os punhos cerrados e chispas nos olhos.
— Sei que está zangado... E acho que tem todo o direito de estar, mas eu tinha
de vê-lo.
— Por quê?
Projeto Revisoras 74
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 75
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
— O que houve é muito simples: Célia queria dinheiro, Avery queria o poder
sobre o ducado; assim, ambos resolveram se livrar do meu pai e de mim... Talvez não
ao mesmo tempo, mas então a oportunidade surgiu, as circunstâncias não podiam
ser melhores, e eles cuidaram de colocar o plano em ação. Naquela noite, quando
meu pai deixou Carlyle Hall para ir atrás de mim na hospedaria, Avery deu-se conta
de que estava com a faca e o queijo na mão. E eu facilitei tudo para aqueles dois... —
Riu com amargura. — Eu estava enamorado de Célia, não fui capaz de ver o perigo.
Ao sentir um aperto no peito, Velvet viu-se obrigada a admitir para si que lhe
doía imaginar Jason apaixonado pela bonita condessa.
— Eu soube que você foi levado para a prisão. Como conseguiu escapar?
— Na primeira noite que passei lá, um grupo de detentos me atacou; eles
queriam minhas roupas e meus sapatos, que, em Newgate, valem uma pequena
fortuna. Por conta disso, fui surrado até quase perder os sentidos e, praticamente nu,
acabei vestindo os trapos que eles deixaram na cela após me espancarem. Um deles,
o mais encorpado, que havia ficado com quase tudo o que eu tinha, foi morto
naquela mesma noite. O coitado teve o rosto todo retalhado a faca e, quando os
guardas o encontraram, deduziram que fosse eu, uma vez que ele tinha o mesmo
tipo físico, a mesma cor de cabelos... — Deixou os ombros cair. — Cheguei a pensar
que Avery estivesse por trás de tudo isso, já que Lucien estava tentando impedir o
enforcamento; por outro lado, esse tipo de coisa é muito comum em lugares como
aquele.
— Oh, Jason...
— Na manhã seguinte, quando vieram procurar Hawkins, o prisioneiro que
havia morrido, tomei o lugar dele. E fui levado para as colônias, para trabalhar como
um escravo sob o sol escaldante, em lugares infestados de mosquitos, por quatro
longos anos antes de conseguir fugir. Só o que me manteve vivo foi o juramento que
fiz a mim mesmo de voltar para cá. — Ao ver que ela tinha os olhos úmidos,
segurou-lhe o queixo. — Já passou; o que houve ficou lá atrás. Mas, como eu lhe
disse, não há nada que você possa fazer.
— Não esteja tão certo disso. Ainda vou ficar mais um dia em Carlyle Hall,
tempo suficiente para fazer algumas perguntas, algumas averiguações... Descobri
quem você realmente é, talvez consiga desentranhar algo que possa nos ser útil.
— O mais provável é que sua curiosidade acabe despertando suspeitas em
Avery.
— É claro que serei cuidadosa. — Segurou na mão dele. — Deixe-me tentar,
Jason. Quanto mais tempo você levar para encontrar provas de que é inocente,
maiores são as probabilidades de vir a ser descoberto.
— Não. Não quero que você se machuque.
— Você realmente acha — ergueu o queixo — que pode me deter?
Projeto Revisoras 76
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 77
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 78
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 79
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 80
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 81
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
conde se achava a uma boa distância de ambas, o que acabara fazendo com que Celia
se cansasse de tentar atrair o interesse dele.
— Oh, mas os homens são mesmo dignos de pena... — Suspirando, lady
Brookhurst o indicou com um discreto movimento de cabeça. — Aquele ali pula
tanto de cama em cama que cairia de tonto se tivesse de lembrar o nome de todas as
amantes.
— Ele é bem bonito. — Velvet relanceou o olhar pelo outro extremo da mesa,
onde o loiríssimo conde de Balfour conversava com sir Wallace Stanton.
— Além de ser excelente partido. Riquíssimo. E está à procura de uma esposa,
embora eu duvide de que ele esteja verdadeiramente disposto a se acorrentar. —
Envolta em reluzente seda roxa, com enfeites de renda belga do cotovelo ao punho,
Célia Rollins tinha um ar sereno e elegante; ainda assim, o conde continuava a
ignorá-la. — Ah, mas mais cedo ou mais tarde todos acabam pulando a cerca... —
Olhou de relance para Avery. — Exceto Sua Graça, é claro. O duque está obviamente
enamorado de você. Tenho certeza de que ele será um marido zeloso dos seus
deveres.
A mentira levou um sorriso aos lábios de Velvet, que não perdeu a
oportunidade para afirmar:
— Não duvido. Agora, seja como for, sou da opinião de que a esposa deve ter
a mesma liberdade conferida ao cavalheiro com quem se casou.
Uma das sobrancelhas muito finas de Célia se arqueou.
— Você é bem mais inteligente do que eu supunha, lady Velvet. Avery é
mesmo um homem de sorte.
— Ouvi dizer que você conheceu o irmão dele. — Depois de empurrar o faisão
e os ovos para um canto do prato, largou o garfo sem provar da comida.
Apesar de surpresa com a menção ao escândalo que Avery tanto se
empenhara para enterrar, a condessa não se fez de rogada:
— Conheci, sim. Fomos apaixonados um pelo outro. Jason queria que nos
casássemos.
Por pouco Velvet não deixou cair a xícara de chá que acabara de erguer da
mesa.
— Eu não sabia que vocês foram noivos.
— Fazia poucos meses que eu estava viúva, e o compromisso ainda não era
oficial. Pretendíamos esperar que o período de luto passasse antes de anunciarmos
nossas intenções. Era por isso que nos encontrávamos em segredo.
— Entendo. — No intuito de se recompor, Velvet levou o guardanapo aos
lábios. — Avery raramente fala dele; decerto porque ainda se ressente muito da per-
da do irmão e do pai. De qualquer modo, imagino a dor que você deve ter sentido ao
Projeto Revisoras 82
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
testemunhar o crime... Ainda mais sabendo que o homem que amava seria enforcado
e que os planos que vocês dois haviam feito morreriam com ele.
— Foi terrível. Avery também ficou arrasado, pobrezinho. Nem eu nem ele
queríamos acreditar que um homem como Jason fosse capaz de um homicídio. —
Outro suspiro melodramático. — Creio que a culpa foi minha. O duque tinha
cismado, sei lá por que motivo, de se opor ao matrimônio, e Jason estava decidido a
casar-se comigo de qualquer maneira. Eles tiveram uma discussão violentíssima,
Jason perdeu a cabeça e, sacando do revólver, disparou contra o próprio pai. Avery
chegou pouco depois, mas já era tarde demais.
— Pensei que Avery tinha dito que ainda tentou demover Jason dessa loucura,
no entanto o irmão não lhe deu ouvidos...
Após um instante de hesitação, a condessa retrucou:
— Não me recordo se ele chegou antes ou depois do disparo. Aliás, após todos
esses anos, como poderia me lembrar com clareza de tudo o que aconteceu naquela
noite?
— É claro. — Por mais que a curiosidade a impelisse, Velvet decidiu não
pressioná-la além dos limites. — Trata-se de uma questão, muito penosa, e eu fiz mal
em trazê-la à baila.
— Bem... Sim, há assuntos mais agradáveis. — Virando-se, sorriu para o belo
conde de Balfour, porém foi outro o cavalheiro a retribuir o sorriso: o esguio
visconde Dearing. Após olhar feio para o conde, a condessa pôs-se a flertar
escancaradamente com Dearing.
— Como eu disse, há assuntos bem mais agradáveis, e acho que vou atrás de
um deles. Se me dá licença...
— Fique à vontade, — Pelo canto do olho, Velvet viu lady Brookhurst deixar o
recinto e, logo a seguir, o esbelto visconde seguir em seu rastro.
Projeto Revisoras 83
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 84
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
na Prisão de Newgate.
Com os músculos retesados, Jason o incitou:
— Prossiga.
— Foi um ladrão chamado Elias Foote.
— Esse Foote ainda é vivo? — perguntou Lucien.
— Sim... Ou pelo menos era quando me falaram sobre ele. Trata-se de um
vadio da pior espécie, que passa a maior parte do tempo na área de Southwark ou no
cais. Ainda não o procurei, pois achei melhor conversar com vocês antes de tentar
localizá-lo.
— Fez bem, sr. Barnstable — disse Lucien. — Lorde Hawkins e eu iremos falar
com Foote. Providencie uma lista com os lugares que ele costuma freqüentar; nós
cuidaremos do resto.
— Enquanto isso — Jason pôs-se em pé —, continue a fazer perguntas e
desencavar respostas. No momento, é só disso que precisamos.
Entendendo a indireta, o investigador também se levantou.
— Avisarei se descobrir mais alguma coisa. — Bateu de leve no bolso onde
enfiara o charuto. — Até mais ver, milordes.
Um pouco mais animado, Jason saboreou a perspectiva de colocar a mão na
massa. A não ser por uma ou outra escapadela até a região proletária do East End,
onde não havia como ser reconhecido, vivia enfurnado na mansão enquanto seu
amigo ocupava-se de circular pelas festas a que Avery ou lady Brookhurst pudessem
comparecer. Ao menos naquela noite, teria algo melhor para fazer que não se entesar
de desejo por Velvet Moran.
— Tenho impressão de que você está mais do que ansioso por ir atrás desse
pulha — comentou Lucien. — O que, espero, irá ajudá-lo a tirar os pensamentos de
uma certa jovem que conhecemos.
— Tomara. — Não contara ao amigo o que havia se passado entre os dois na
casa da viúva. Não queria ouvir Lucien lhe dizer que a única maneira de tirá-la da
cabeça seria levá-la para a cama até se fartar dela.
Projeto Revisoras 85
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 86
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
— Mas tanta curiosidade assim não é natural. Depois que a vi com Cummings,
eu a segui... E ela foi falar com Sylvie Winters, a camareira. Então obriguei Sylvie a
me contar que conversa fora aquela, e ela me disse que lady Velvet quis saber do seu
irmão... e o que houve na noite do assassinato.
Avery ficou rijo.
— Não estou gostando nada disso, Baccy. Por que Velvet Moran estaria
interessada na morte de meu pai?
— Não sei, Vossa Graça.
— Nem eu, mas talvez fosse bom tentarmos descobrir, não? — Aproximou-se
dele. — Quero que um de seus homens fique de olho em lady Velvet. Mande me
avisar se ela continuar com isso. Ou de qualquer outra coisa digna de atenção.
— Pois não, Vossa Graça. — Dessa vez o grandão se foi, fechando a porta ao
sair do aposento.
Avery pôs-se a matutar a respeito da estranha novidade. Velvet Moran vinha
sendo uma pedra em seu sapato desde o dia em que decidira desposá-la. Não fazia a
menor idéia do porquê de ela estar interessada em assuntos que lhe diziam respeito,
mas tampouco estava muito preocupado com isso. No fim de semana, estaria casado
com uma moça riquíssima e tudo voltaria a ser como era.
Agora, se porventura Velvet viesse a se tornar um problema... Bem, nesse caso
trataria de eliminar o problema.
Projeto Revisoras 87
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 88
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Capítulo III
Projeto Revisoras 89
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 90
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
— Muito bem, senhorita; vou querer uma caneca de cerveja para o meu amigo
também.
— E para já, meus amores. Estarei de volta num estalar de dedos. — E se foi
tão subitamente quanto havia aparecido.
— Odeio esta espécie de lugar — comentou Jason, examinando o ambiente.
— Creio poder dizer que já estive em locais mais recomendáveis. — Litchfield
fez cara de desdém. — Seja como for, não é de se admirar que um homem como
Foote tenha predileção por um antro como este.
— Eu não disse que era rápida como um raio? — A ruiva colocou as canecas
na lanhada mesa de madeira diante deles. — Beba tudo, bonitão. Quando terminar,
vou levar você lá para cima... em troca de uma moedinha.
— Ainda que isso muito me agradasse, estamos aqui a negócios. — Mais uma
vez, Jason obrigou-se a sorrir. — Quem sabe você não pode nos ajudar?
— Estamos procurando um homem chamado Foote; temos um serviço bem
remunerado para ele — interpôs Lucien. — Por acaso você o conhece?
— Pode ser.
O marquês fez cair uma moeda entre a fenda formada pelos volumosos seios
dela. Às risadinhas, a ruiva enfiou os dedos no decote da blusa para resgatar o
dinheiro.
— Então é por causa de Foote que vocês estão aqui, hum? Bem, Elias não está
na cidade, mas, pelo que dizem, deve estar de volta no final desta semana. Quando
chegar, ele vem para cá, já que mora num quartinho lá em cima, Vou avisar que
vocês estiveram aqui.
Lucien regalou-a com outra moeda.
— Diga a ele que voltaremos na próxima segunda-feira, à meia-noite.
— E que ele não tem a nada a perder vindo falar conosco. — Jason também
colocou uma moeda no decote dela.
— Direi, sim, meus amores. Podem confiar em Gracie.
— Obrigado, Gracie. — Jason sorriu secamente.
— Até segunda-feira.
Tão logo deixaram a taverna, ele se deteve para inspirar um pouco de ar antes
de ir se acomodar ao lado de Lucien no interior do coche de aluguel. E, assim que o
veículo se pôs em movimento, bateu no teto para pedir ao cocheiro:
— Leve-me a Berkeley Square, sim?
— Lady Velvet? — deduziu o marquês.
— Sim. Ela e eu temos assuntos por concluir. — Com isso, só voltou a falar
Projeto Revisoras 91
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
dez minutos depois, quando o coche entrou na praça, para instruir o condutor:
— Deixe-me na viela atrás daquela casa, por favor.
Lucien esperou vê-lo saltar para a calçada perto da cocheira nos fundos da
mansão, então lhe desejou boa sorte. Mas, com os pensamentos ainda fixos na dama
com quem pretendia falar, ele nem respondeu ao amigo antes que o coche de aluguel
se afastasse.
Por azar, a carruagem Haversham não se achava na cavalariça anexa à
moradia, o que indicava que Velvet devia ter ido à fastuosa festa na residência do
conde de Whitmore. Trincando os dentes, Jason se misturou às sombras que
envolviam o quintal até chegar aos fundos da mansão. Uma hora ela teria de voltar
para casa. Embora paciência não fosse uma de suas virtudes, sabia perfeitamente
bem esperar quando tinha um bom motivo para fazê-lo.
Projeto Revisoras 92
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 93
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Por que não lhe contara a verdade a respeito de Balfour assim que o vira ali,
em seu quarto?
— Jason... — Abraçou-o com força. Também pensava nele noite e dia. E sentira
tanta saudade, santo Deus!
Ele voltou a beijá-la, agora com delicadeza, buscando persuadi-la em vez de
subjugá-la, então sussurrou:
— Preciso muito de você. —, Massageou-lhe os seios, estimulando os mamilos
até enrijecê-los antes de baixar a cabeça para tomar um bico róseo na boca. E, depois
de agarrá-la pelas nádegas para pressioná-la de encontro ao seu membro emproado
pela paixão, penetrou-a profundamente com um dedo. — Você também me quer...
Tanto quanto eu a desejo.
Entre arquejos e suspiros, Velvet não o contradisse. Nem resistiu quando ele,
após fazê-la colar as costas à parede, desabotoou a calça e sustentou-a pelo quadril
para erguê-la do chão; apenas deixou escapar um gemido vindo do fundo da
garganta quando se sentiu invadida pela virilidade túmida que a preencheu de um
só golpe.
— Solte-se... — Enquanto a beijava com língua e lábios sequiosos, Jason
passou as pernas dela ao redor da sua cintura e começou a se mover, levantando-a
alguns centímetros para em seguida voltar a mergulhar sua masculinidade nas
entranhas ardentes que buscavam aprisioná-lo.
— Jason... — Cravando as unhas nos músculos dos ombros dele, entregou-se
às labaredas que devoravam sua pélvis e dali se irradiavam por todo o seu corpo.
Enérgico, contínuo, incansável, o movimento pulsante nas suas profundezas de
mulher roubava-lhe tanto o fôlego como a capacidade de raciocínio. Tudo era desejo,
intensidade, arrebatamento; tudo parecia se mesclar num torvelinho de... — Jason! —
Sugado por um espiralado vórtice que irrompia em seu âmago e parecia prestes a
lançá-la às alturas, seu corpo se constringiu inteirinho, contraindo-se ao redor da
virilidade latejante que a completava, e ele, com um gemido, arrancou-se de suas
entranhas a tempo de impedir que as sementes do clímax ali se lançassem.
As atordoantes vibrações do prazer ainda se esvaneciam lentamente quando
Jason, fazendo-a escorregar ao longo do quadril e das pernas, colocou-a novamente
no chão e, sem nada dizer, pôs-se a abotoar as calças. Igualmente calada, ela foi
apanhar uma camisola de algodão numa das gavetas da cômoda e, após vesti-la,
virou-se para encará-lo.
— Foi um prazer, minha dama... como sempre. — Com as feições duras como
se esculpidas em granito, partiu em direção às portas da sacada. — Dê lembranças
minhas a lorde Balfour.
— Tenho de me casar com ele. Não será uma atitude digna de minha parte...
sobretudo depois do que houve entre nós, mesmo assim terei de fazê-lo.
Projeto Revisoras 94
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 95
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Embora seu primeiro impulso fosse tentar demovê-lo da idéia, ela se manteve
calada. Não tinha esse direito.
— Ainda que não possa casar com você, tenho como ajudá-la. Possuo uma
fazenda de produtos tropicais numa pequena ilha nas cercanias de St. Kitts; tenho
mais do que o suficiente para saldar suas dívidas e cuidar para que você e seu avô
vivam com conforto pelo tempo que for preciso. Em vez de se casar contra a sua
vontade, você terá como esperar até encontrar um homem do seu agrado.
Velvet quase chegou a sorrir da ironia: já havia encontrado o homem da sua
vida, sim, só que nem passava pela cabeça dele desposá-la.
— Se dependesse de mim, meu lorde, o mais provável era que eu passasse ao
largo do matrimônio. Prezo a liberdade; ao me casar, terei de abrir mão da relativa
independência de que desfruto.
— Estou arrependido da minha rudeza, duquesa, mas não de ter vindo aqui
esta noite. Agora que estou a par do que está se passando, cuidarei para que tudo
fique bem. — Roçou os lábios nos dela numa carícia afetuosa; entretanto, suas bocas
não demoraram a se procurar num beijo tórrido, sedento. — Deus, meu desejo por
você já voltou a se abrasar... — Olhou de relance para a sacada. — Não deve demorar
a clarear, preciso ir embora antes que alguém venha procurá-la.
— Não quero seu dinheiro, Jason. Tenho a considerável quantia que meu pai
deixou como dote, basta que eu me case para desfrutar desses recursos.
Jason não respondeu, apenas tornou a fitá-la nos olhos e, após outro beijo
candente, rumou para a sacada.
Assim que ouviu o ruído que as botas dele fizeram ao atingir o passeio sob o
balcão, Velvet foi se sentar novamente na banqueta diante da penteadeira. Desde que
o conhecera, jamais havia se sentido tão sozinha.
A manhã já ia adiantada quando Velvet enfim se arrastou para fora da cama a
fim de ir abrir a janela e inspirar um pouco do ar fresco e enevoado que envolvia a
cidade. Não demorou a que Tabitha viesse auxiliá-la a se vestir e, num traje de
musselina sem atavios, ela desceu para o desjejum.
— Bom-dia, vovô.
— Para você também, minha querida. — Sentado à mesa de refeições, ele lhe
endereçou um sorriso. — Espero que tenha dormido bem. Não ouvi você chegar
ontem à noite.
Velvet não se admirou. Ele raramente ouvia seus movimentos pela casa e,
mesmo quando isso acontecia, o mais provável era que tal lembrança cedo ou tarde
acabasse lhe fugindo.
— Dormi bem, sim, vovô. — Imagens do encontro amoroso que tivera com
Jason em seu quarto lhe acorreram à mente, e ela sentiu o rosto corar. — Desculpe-
Projeto Revisoras 96
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 97
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
nós não teve nada a ver com dinheiro. Lembre a ele que também tenho recursos,
recursos esses que em breve serão usados para solucionar meus problemas. E que
não preciso do auxílio dele para nada.
— Eu direi, minha dama. — Lucien rumou para a porta.
— Oh... Litchfield? —Ao vê-lo deter-se, emendou: — Também pode dizer a ele
que sou muito grata. E que gostei muito do... do nosso último encontro.
— Certamente o farei, lady Velvet. — Cuidando de não demonstrar o quanto
aquilo tudo o divertia, o marquês despediu-se e se foi.
Furiosa, Velvet deixou-se cair sobre o sofá. Como ele se atrevia? Como se
atrevia a tentar limpar a consciência oferecendo-lhe dinheiro? Ah, mas se Jason
Sinclair tivesse a audácia de fazer aquilo novamente, iria mandá-lo para o quinto dos
infernos!
Assim que ouviu a porta da rua se abrir, Jason deixou seus aposentos na
residência de Litchfield na capital e disparou escada abaixo para seguir o amigo até o
gabinete.
— E então? — indagou, fechando a porta do escritório.
— Estenda a mão. — Ele o fez, e o marquês, com um sorriso, despejou o
conteúdo do envelope que Velvet lhe devolvera na palma do amigo. — O tamanho e
a quantidade dos pedacinhos são uma boa indicação do quanto a dama se alegrou
com a sua oferta, não?
— O que foi que ela disse?
— Lady Velvet mandou-o, textualmente, enfiar suas boas intenções no nariz.
Jason cerrou os dentes.
— Ela também me disse que agradecesse a você. E que gostou muito do
último... encontro que vocês tiveram.
— O quê?! Aquela atrevida... Juro que nunca conheci uma mulher como ela.
— Não duvido. E então, ainda quer ajudá-la?
— Claro. Você sabe o quanto devo a ela.
— E como pretende fazer isso?
— Como? — Pôs-se a andar de um lado para outro. — Fazendo a única coisa
que está ao meu alcance... Vou me casar com ela.
As sobrancelhas negras de Litchfield se arquearam.
— Pensei que você não quisesse...
— Não quero. Essa decisão não muda o modo como me sinto em relação ao
Projeto Revisoras 98
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
Projeto Revisoras 99
Kat Martin - O Rapto de Velvet (CHE 337)
auxílio?
Apesar de sentir-se intimidada por aqueles penetrantes olhos azuis, ela ergueu
o queixo.
— Que você fosse recuperar o bom-senso e esquecer esse assunto. Eu lhe disse
que tinha recursos para solucionar meus problemas. Assim que me casar...
— Você também me disse que não queria um marido, que prezava sua
independência e gostaria de preservá-la, caso isso fosse possível. Era mentira?
— Não. Fui absolutamente sincera.
— Muito bem. — Ele aprumou os ombros. — Vou me casar com você.
O susto fez da voz dela um sopro duvidoso:
— Como?
— Vamos nos casar, assim tomarei posse do seu dote para poder passá-lo às
suas mãos. Será um matrimônio temporário. Seus problemas financeiros vão se resol-
ver, e você não perderá sua independência.
— Acho que não entendi. —Apesar de sentir o coração alvoroçado como um
pássaro capturado numa arapuca, fazia o que podia para acompanhar o raciocínio
dele. — Casada com você, como serei independente? E o que você quis dizer com
matrimônio temporário?
Muito elegante num fraque azul-marinho e calças justas da mesma cor, Jason
respirou fundo.
— Posso ajudá-la a assumir o controle sobre seu dote, porém não tenho como
permanecer na Inglaterra. Não há mais lugar para mim neste país, se conseguir
escapar da forca, voltarei para St. Ives, meu latifúndio nas Índias Ocidentais. E, assim
que eu me for, você irá pedir que o casamento seja anulado.
— Você tenciona casar comigo, passar um tempinho na minha cama e depois
ir embora quando lhe der na veneta? Interessante, lorde Hawkins. Tanto que deve
haver um bom número de cavalheiros dispostos a se candidatar ao posto.
— Não pretendo me deitar com você... O que, aliás, jamais devia ter
acontecido. Eu já lhe disse que não quero uma esposa... ou filhos. Nem agora, nem
nunca. Se você concordar, faremos um matrimônio de conveniências: você terá seu
dinheiro e eu tirarei da consciência o peso de roubar sua pureza. Minha proposta é
de ordem puramente prática.
Velvet sentiu uma fisgada no peito. Jason era o terceiro cavalheiro que a
abordava com uma proposta de união conjugai que no fundo não passava de uma
troca de vantagens. Nenhum deles nutria ou nutrira qualquer sentimento por ela.
— Agradeço seu interesse, meu lorde, mas não precisa se preocupar comigo.
Lorde Balfour já me propôs um acordo que irá solucionar meus problemas e, embora
eu ainda não tenha dado minha resposta a ele, muito em breve irei fazê-lo.
Mesmo queimado de sol, o rosto de Jason perdeu a cor.
— Está me dizendo que prefere casar-se com Balfour?
— Não foi isso o que eu disse. Apenas me referi ao...
— Você está certa. Balfour a ama e, além de lhe dar filhos, certamente será o
marido e o pai que eu jamais poderia ser.
Ao vê-lo baixar os olhos a um ponto qualquer no assoalho, ela não se conteve:
— Lorde Balfour não me ama. Na verdade, acredito que ele esteja apaixonado
por Mary Stanton.
— Então por que ele...
— Como você mesmo disse, trata-se de um acordo de ordem puramente
prática.
Jason voltou a fitá-la nos olhos.
— Nesse caso, é melhor você se casar comigo. E depois, quando eu me for,
tentar encontrar um marido que valha a pena, alguém que a ame de verdade e cuide
do seu bem-estar como você merece.
O nó na garganta dela se adensou. Apesar de não amá-la, Jason se preocupava
com seu futuro e não queria vê-la sofrer.
— Eu queria saber o porquê de você ser tão avesso ao casamento.
— Um homem como eu não se casa, Velvet, não tem esposa e filhos. Alguém
como eu não sabe mais por onde começar para levar uma vida comum, como os
demais. — Com os olhos agora turvos por uma emoção vinda das profundezas da
alma, pôs-se a friccionar a cicatriz no dorso da mão. — Vivi mais de oito anos longe
da Inglaterra. Vi coisas que ninguém jamais deveria ver. Fiz coisas de que vou me
arrepender pelo resto dos meus dias.
— Mas...
— Este é um país civilizado, Velvet, e eu não sou mais um homem civilizado.
— Jason... — Tentou afagá-lo no rosto, porém ele se afastou.
— Então, qual é a sua escolha: eu ou Balfour?
Oh, Senhor misericordioso. O bom-senso lhe ordenava afastar-se de Jason
Sinclair a passos largos, o mais depressa que conseguisse. No entanto, o fato era que
o amava apaixonadamente. Um sentimento que só fazia crescer com o passar dos
dias.
— Escolho você, Jason.
Tão abruptamente como surgira, a emoção sombria que antes turvava os olhos
dele se foi.
— Litchfield sabe como obter uma licença especial. Daqui a três dias, você se
tornará lady Hawkins e, no final da semana, será uma mulher riquíssima novamente.
Apaixonada por um homem que não me ama, pensou Velvet. Esposa de um
marido que nunca pretendera desposá-la e que tencionava abandoná-la. Um homem
que talvez acabasse enforcado, acusado de assassinato.
Não, não era frio que ela sentia. Na verdade, tremia ante o peso da realidade:
era agora a esposa de Jason Sinclair Hawkins, ou pelo menos era isso o que a certidão
dizia, abastado primo distante do ramo da família na Nortúmbria. Um casamento
que se afigurava como um desfecho natural para um casal que se conhecia desde a
infância.
Jason ajudou-a a transpor os degraus de ferro no estribo da carruagem, em
seguida ele e Litchfield subiram no veículo.
— Parece-me que este é um bom momento para eu expressar meus votos de
felicidades a vocês dois — afirmou o marquês com um sorriso.
Antes que ela pudesse agradecer, Jason retrucou com azedume:
— Este simulacro de casamento não é motivo para felicitações. Ainda mais
tendo em conta que o noivo vai passar a noite sozinho.
Lucien dissimulou uma risadinha para observar:
— Eu já imaginava que era esse o motivo do seu mau humor — observou
Lucien, dissimulando uma risadinha.
Um músculo se contraiu no rosto de Jason, porém ele nada disse. Já Velvet
preferiu ignorar que sentia o rosto em brasa e, tratando de imprimir um tom natural
à voz, não se furtou a provocá-lo:
— Você ainda não me disse se pretende voltar ao Castelo Running ou
continuar na residência de lorde Litchfield na capital.
Ele a fitou com um ar de garoto arteiro.
— Ora, duquesa, pensei que estivesse subentendido que eu iria me mudar
para sua casa. Afinal de contas, sou seu primo, um membro da família. Enquanto não
regressamos juntos para o interior, onde mais um marido amoroso haveria de morar
senão na companhia de sua esposa?
— Mas você falou que iria dormir sozinho. E que...
— Eu não disse que não desejava me deitar com você, e sim que não iria fazê-
lo, já que não quero um casamento de verdade. De mais a mais, não posso deixá-la
desprotegida depois de sua bisbilhotice ter chamado a atenção de Avery.
— Como assim?
— Alguém tem seguido você e anda espreitando a Mansão Haversham.
— Tem certeza? — E, antes que ele respondesse, assinalou: — Nesse caso,
você não pode ficar lá, pois esse espião iria contar a Avery que...
— Quem irá morar lá é Jason Hawkins; Jason Sinclair está morto. Avery não
tem motivos para suspeitar que estou vivo ou por que desconfiar que você esteja
sendo movido por algo além da mera curiosidade. Mas, infelizmente, até isso já é
perigoso, uma vez que meu querido irmãozinho não vai permitir que alguém se
interponha no caminho dele, seja lá de que forma for. Assim sendo, tenho de cuidar
da sua segurança.
Velvet não refutou a argumentação dele. Se Jason estivesse por perto, seria
mais fácil tentar dobrá-lo, ajudá-lo a provar que era inocente e, que Deus a ajudasse,
tratar de persuadi-lo a não ir embora da Inglaterra.
Antes de escorregar pelo coxim de couro do coche de aluguel para que Jason
pudesse entrar no veículo, Lucien Montaine admirou por um instante a Mansão
Haversham na Berkeley Square e viu que Velvet se achava junto ao pesado cortinado
numa das janelas.
— Que tempo horroroso — comentou Jason, ajeitando o manto sobre os
ombros depois de se acomodar diante do amigo. — Não deve haver vivalma pelas
ruas com uma garoa gelada como esta.
— Realmente. — O marquês tornou a olhar para a mansão enquanto o coche
se punha em movimento.
— Apesar do mau tempo, pensei que sua esposa fosse insistir em nos
acompanhar.
— E não? A endiabradazinha chegou a dar a idéia de vestir-se como um
rapazinho e ficar esperando por nós diante da taverna, assim teria como nos ajudar
ou nos alertar caso surgisse algum problema... Você acredita numa coisa dessas? —
Abanou a cabeça. — Ela é impossível.
— Impossível e encantadora. — Lucien recostou-se ao assento.
— Por misericórdia, não me faça lembrar os impulsos libidinosos que tenho de
reprimir sempre que estou junto daquela desmiolada. — Espiou pela janela.
— Tomara que Foote dê as caras.
— Fique tranqüilo. Alguém como ele não é capaz de resistir à oportunidade de
colocar as mãos em algumas moedas de ouro.
Com os nervos em ponto de bala e as expectativas se avolumando num
crescendo, Jason nada respondeu.
Um nevoeiro espesso começava a cair sobre a cidade, e nem mesmo os
mendigos pareciam dispostos a deixar o precário aconchego de seus abrigos. Assim
que chegaram à taberna em Bell Yard, pediram ao cocheiro que os esperasse ali e,
após atravessarem a rua enlameada, entraram no estabelecimento.
Apesar do número bem menor de fregueses, o que contribuía para que o ar
parecesse mais respirável, o lugar se achava enfumaçado e mal iluminado como na
primeira vez que haviam estado lá.
— Olá, bonitão. — Gracie, a empregada de seios fartos que servia às mesas,
correu a se juntar a Jason.
anunciou a voz vinda do canto junto a uma janela. — Eu já começava a pensar que
tivessem se metido em alguma encrenca.
Ao olhar para ela, Jason não sabia se ria ou se enfurecia.
— Acho que foi você, lady Velvet, quem se meteu em confusão esta noite. —
Bateu no teto da carruagem. — Cocheiro, leve-nos de volta à minha maldita casa!
Afastando da cabeça o capuz do manto, Velvet seguiu à frente dele até a sala
de estar, então se virou ao ouvi-lo fechar as portas com um baque seco.
— Em nome de Deus, mocinha, o que você acha que está fazendo? Bell Yard é
a zona mais degradada da cidade. Como pôde ir sozinha até lá? Se algum daqueles
degenerados tivesse percebido que você é mulher...
— Fui extremamente cautelosa. E, se as coisas tivessem sido diferentes, você e
Litchfield iriam se surpreender ao ver o quão útil eu poderia ter sido.
— Você não tem um pingo de juízo, Velvet Moran.
— Velvet Moran Hawkins — ela o corrigiu enquanto largava o manto úmido
sobre uma poltrona.
Num só movimento, Jason agarrou-a pelos ombros para colocá-la bem à sua
frente.
— Sou homem, Velvet, e você é mulher. Tenho quase o dobro do seu tamanho
e mais do que o triplo da sua força. E, por mais que você não queira acreditar, sou
plenamente capaz de cuidar de mim sem que você ou qualquer outra pessoa me
ajudem. É o que tenho feito nos últimos oito anos. — Sacudiu-a. — Será que não
consegue entender... Não quero que algo de mal lhe aconteça!
Por alguns instantes, ela ficou a fitar os ardorosos olhos azuis que pareciam a
ponto de devorá-la. E, quando Jason a soltou, abraçou-o e, pondo-se na ponta dos
pés, encostou o rosto ao dele.
— Também não quero que algo de mau aconteça a você, Jason. Foi por isso
que o segui até Bell Yard.
Pego de surpresa, ele hesitou um instante antes de enlaçá-la pela cintura.
— Você é diferente de todas as mulheres que já conheci.
Ela não respondeu. Movida pelo estimulante aroma de chuva e fumaça que se
desprendia das roupas de Jason, aconchegou-se ao tórax largo e, pouco depois, sentia
o coração dele, forte e acelerado, pulsar junto do seu peito. Vivida e absorvente, a
onda de desejo que brotou em sua pélvis serpenteou pelo seu corpo inteirinho,
levando-a a mordiscar a ponta da orelha dele para em seguida beijá-lo com
suavidade no pomo de adão.
Jason gemeu e, apertando-a contra o corpo, aprisionou-lhe os lábios num beijo
abrasador, intenso e envolvente a ponto de roubar o ar dos pulmões dela. Velvet
estremeceu da cabeça aos pés: seus seios se inturgesceram, distendo seus mamilos, e
a torrente de desejo que a percorria foi se concentrar no espaço já úmido entre suas
pernas. Trêmula de paixão, desabotoou a camisa que ele usava para deslizar as mãos
pelo torso queimado de sol antes de enroscar os dedos nos pelos que o recobriam. No
instante seguinte, a mão voluntariosa enfiou-se pelo decote do seu vestido e foi lhe
abarcar um dos seios. O beijo se exacerbou, os dedos dele eletrizaram seu mamilo,
suas pernas bambearam.
— Jason... Oh, meu bom Deus!...
A mão em seu seio se imobilizou. O peito dele arfou no ritmo de uma
respiração áspera e entrecortada.
— Diabo dos infernos! — Segurando-a pelos braços, Jason afastou-a de si. —
Que raios você está fazendo?
— Eu... eu estava beijando você. Só um beijo, um...
— Só um beijo? Mais cinco segundos e eu iria possuí-la aqui mesmo, iria me
enterrar profunda e completamente em você... e aos diabos com as conseqüências.
— Até parece que seria pela primeira vez. Pelo menos agora estamos casados.
— Não somos casados! Desde o início eu lhe disse que se tratava de um
arranjo temporário. Não quero uma esposa, não fui talhado para ser marido... nem
agora, nem nunca.
Tratando de ignorar o ardor nos seios e na feminilidade, ela o encarou.
— Pois eu acho que você daria um marido excelente, Jason.
— Não adianta; você não entende. — Soltou-a e, afastando-se outro passo,
virou-se para a parede. — É tarde. Já passou da hora de você ir se deitar.
Por maior que fosse a vontade de voltar a beijá-lo, Velvet desejou-lhe boa-
noite e foi se recolher aos seus aposentos. Jason vinha ocupando o quarto ao lado do
seu e, só horas mais tarde, ao ouvi-lo entrar no quarto, foi que ela conseguiu pegar no
sono.
Ao descer para o café da manhã num vestido verde-musgo ornado com
metros de renda branca, Velvet não esperava encontrar o avô e o marido às risadas
na sala de refeições.
— Bom-dia, querida. — O velho conde sorriu e, assim como Jason, pôs-se em
pé enquanto ela tomava seu lugar à mesa. — Seu esposo e eu estávamos trocando
histórias dos nossos tempos em Oxford. Ah, aquela escola é uma dessas coisas que
nunca mudam...
Velvet e Jason trocaram um sorriso. Por mais estranho que parecesse, o conde
de Haversham não tinha a menor dificuldade em recordar fatos do passado; eram os
eventos recentes que pareciam não se fixar em sua memória e, tendo percebido isso,
Jason sempre tomava o cuidado de conduzir a conversa para assuntos que não
espalhou, e temos recebido dezenas de convite. Parece que meia aristocracia está
querendo conhecer o felizardo que desposou a herdeira Haversham, e Avery
certamente se encontra entre os curiosos. Temos de encontrar uma maneira de re-
solver esse problema e continuar a procurar provas contra ele, mas, enquanto isso,
quero conversar com Barnstable. Quem sabe ele não conseguiu descobrir algo que
nos interesse?
Velvet desejou ardentemente que o investigador da Bow Street tivesse boas
notícias... e ignorou a dor de pensar que, assim que conseguisse provar sua inocência,
Jason iria embora da Inglaterra.
— Lamento, senhora, mas lorde Balfour é muito exigente no que diz respeito à
privacidade. Agora, se quiser me dizer seu nome, talvez eu possa...
Após um suspiro que mais parecia um soluço, a visita baixou a voz para
afirmar:
— Diga que... que é Mary. Estou certa de que o conde irá me receber se você
disser a ele que Mary veio procurá-lo.
Com o coração acelerado, Christian terminou de descer os degraus e seguiu
para o hall.
— Pode deixar, George; Mary é minha amiga e será sempre bem-vinda a esta
casa. Eu a levarei até o salão Branco.
Como se alheia ao fato de que tivesse o rosto meio escondido pelo capuz,
Mary foi para perto dele.
— Christian, por favor, você tem de me ajudar. Estou com tanto medo... Não
sei o que fazer.
Ele respirou fundo; aquela era a primeira vez que Mary Stanton o tratava pelo
primeiro nome, um sinal de que algo realmente não devia estar bem. Levando a mão
à cintura dela, conduziu-a até a ampla sala toda decorada em branco e dourado. Ali,
tirou-lhe o manto dos ombros e ajudou-a a sentar-se num sofá com debruns cor de
ouro.
— Sei que não devia, mas tive de vir procurá-lo. — Com o rosto sem cor, Mary
pousou as mãos trêmulas no colo. — Eu não sabia a quem mais recorrer.
— Onde está seu pai? — indagou Christian com delicadeza, sabendo que
ambos eram muito chegados um ao outro.
— Meu pai — os olhos dela marejaram — morreu.
— Santo Deus... Sinto muito, sinceramente. — Apertou a mão dela e,
erguendo-se, foi até o aparador e ali serviu uma dose de xerez num cálice. Em segui-
da, retornou para junto do sofá. — Tome um pouquinho; vai ajudá-la a sentir-se
melhor.
O cálice tremia tanto nas mãos de Mary que, depois de tomar um gole da
bebida, ela o deixou sobre a mesa.
— Como isso foi acontecer, Mary?
— Um acidente... A carruagem capotou na estrada e foi parar num lago. Meu
pai se afogou. — Engoliu um soluço. — Foi ele. Sei que foi ele. Avery é o responsável
pela morte de meu pai.
Tratando de ignorar o arrepio que lhe percorrera a espinha, Christian
argumentou:
— A notícia da perda de seu pai foi um choque terrível para você, Mary, e é
Num modesto vestido de algodão, próprio para o dia a dia, Velvet deu-se
conta de que Mary Sinclair, que uma hora atrás viera procurá-la acompanhada de
Christian Sutherland e naquele instante,achava-se sentada à sua frente na sala de
visitas, era agora sua cunhada. Um detalhe que muito lhe agradava, mas que, por
enquanto, tinha de manter oculto tanto de Mary como do conde.
Jason, que não se encontrava em casa no momento em que os dois haviam
chegado, retornara do encontro com Litchfield e o investigador Barnstable quando a
conversa já ia avançada. E como ele tivesse lhe dito que estivera com Christian uma
única vez ligeira e circunstancialmente dez anos atrás e que não conhecia Mary
Stanton, Velvet, descartando a possibilidade de que os dois pudessem reconhecê-lo,
tomou para si a árdua tarefa de resumir os cruéis relatos que ouvira dos visitantes e
que envolviam Avery, a própria Mary e o pai dela.
— Lorde Balfour não vai gostar de me ouvir dizer isto — interpôs a pálida
loira — ,afinal ainda não temos provas, mas vocês precisam saber dos riscos que irão
correr já que estão dispostos a me ajudar.
— Prossiga — incentivou-a Jason, trajado como cultor dos livros e abastado
aristocrata da Nortúmbria, disfarce do qual faziam parte os pequenos óculos de aros
metálicos e a cabeleira postiça cinzenta que o fazia parecer bem mais velho.
— Tenho certeza de que meu marido foi de algum modo responsável pela
morte de meu pai.
O semblante de Jason se turvou e o estômago de Velvet contraiu-se. Mesmo
nervosa como estava, Mary lhes falou do controle que Avery passaria a exercer sobre
sua herança e de suas suspeitas de que seu pai começara a desconfiar dos maus-
tratos que o duque destinava a ela.
— Nunca contei a meu pai do ardil com que Avery me obrigou a desposá-lo
porque não queria que ele se culpasse, e agora estou profundamente arrependida.
Meu pai, que certamente iria usar da influência que tinha para destruir o duque,
acabou perdendo a vida pelas mãos daquele...
Após apertar de leve o ombro dela, Balfour achou que era hora de colocar as
cartas na mesa:
— Minha mãe e meu irmão estão residindo na minha propriedade rural em
Kent, e Mary não pode continuar aqui, na cidade. Sinceramente, não sei o que fazer.
Velvet não titubeou:
— Mesmo que não encontre lá o conforto a que está habituada, Mary vai para
Windmere.
— É uma boa idéia — ratificou Jason. — Há só uns poucos criados morando
lá, o que, dadas as circunstâncias, vem bem a calhar.
— E todos são muito discretos — assinalou Velvet. — Ela ficará a salvo em
Windmere, já que nunca ocorrerá ao duque ir procurá-la numa propriedade da
minha família.
Se achou estranho que a rica herdeira de Haversham levasse uma vida frugal
numa suntuosa residência no campo, Balfour nada comentou. Apenas declarou, com
um ar bem mais aliviado:
— Vocês não fazem idéia do quanto estão nos ajudando. — Erguendo-se,
ajudou Mary a fazer o mesmo. — Se houver algo que eu puder fazer para retribuir
este imenso favor, contem comigo.
— É provável que venhamos a precisar de seu auxílio, sim — afirmou Jason.
— Agora, independentemente disso, é bom saber que Velvet e eu podemos tê-los
como amigos.
O conde apertou a mão dele, em seguida cuidou de ajeitar o manto sobre os
ombros de Mary.
Velvet era bem mais corajosa, mais leal e mais decidida do que muitos homens que
ele conhecia... Meneando a cabeça, saltou de volta ao faetonte e se pôs em seu
encalço.
Depois de esperar por quase uma hora junto a um grupo de árvores de copas
emaranhadas, Jason deixou a carruagem leve no pátio diante da cocheira da Pousada
do Peregrino e seguiu a pé até a entrada do estabelecimento. Lá dentro, foi logo
procurando por Velvet, no entanto só conseguiu localizá-la ao passar pela porta da
cozinha, de onde a avistou atrás de uma nuvem de vapor que se erguia do fogão a
lenha.
Um pouco mais tranqüilo por saber onde ela estava e o que fazia, rumou para
a taberna, um salão em forma de cruz, de teto com vigas de madeira maciça; embora
se tratasse de um lugar antigo, gasto pelo tempo, tinha o piso de ladrilhos bem
varrido, e as paredes tinham sido caiadas desde a última vez em que ele estivera ali.
Sentando-se a uma mesa num canto de onde podia observar o movimento
pelo recinto, chamou a atendente e pediu uma caneca de cerveja. E, pelo restante do
dia e boa parte da noite, permaneceu ali ou zanzou pela pousada para conversar não
só com o camarada que servia bebidas no balcão e com a atendente na taberna como
também com vários dos fregueses de longa data da hospedaria.
Eram quase onze horas, horário do encontro que havia marcado com Velvet,
quando Jason, após se certificar de que ela havia trocado um dia de labuta por um
lugar onde pernoitar e de que o rapazinho da cocheira já tinha ido dormir, deixou a
pousada por uma porta nos fundos da tasca para ir até o celeiro. Depois de caminhar
por entre as sombras engendradas pelo resplendor suave da lua nova, foi enfim se
deter no umbral do galpão, onde se manteve por alguns instantes a fim de acostumar
os olhos à débil claridade da única lamparina que iluminava o ambiente.
— Jason... Estou aqui.
De fato. Ele já conseguia vê-la num compartimento protegido por tábuas, a
blusa umedecida pelo calor da cozinha, a saia colada aos quadris tentadoramente ar-
redondados, os cabelos sedosos teimando em escapar da touca. Aproximou-se,
porém com o cuidado de se colocar a certa distância dela, afinal não confiava em suas
reações.
— Teve sorte, Velvet?
— Não muita. Ou melhor, não tanto quanto eu gostaria, mas alguém aqui sabe
de algo que pode nos ajudar. Alguém viu alguma coisa naquela noite, Jason, tenho
certeza. Tanto que nenhum dos empregados acredita que o velho duque foi morto
pelo filho primogênito.
Uma onda de euforia fez o coração dele disparar.
— Acha que pode descobrir quem é essa pessoa?
— Vou descobrir, sim, mais cedo ou mais tarde. — Apesar do cansaço, Velvet
sentiu os mamilos se enrijecer... e ouviu Jason gemer. — Mas quero ser sua amante.
— Sou só um homem... Deus sabe o quanto tentei ser melhor, no entanto
parece que, uma vez mais, fracassei. — Enlaçou-a pela cintura e, trazendo-a de en-
contro ao seu corpo, colou seus lábios aos dela. E, sem deixar de beijá-la, arrancou-
lhe a touca para entrelaçar os dedos às longas mechas de cabelos castanhos.
Estimulada pelo aroma dele, mesclado ao odor de feno úmido e couro, Velvet
abraçou-o com força, acolhendo os movimentos impetuosos da língua que devastava
sua boca, entregando-se à torrente de cupidez que a carícia lhe provocava e à
deliciosa sensação de ter os seios comprimidos contra aquele torso rijo como pedra.
No entanto, a energia com que Jason a segurava abrandou-se e, no instante seguinte,
ele desfazia o nó no decote de sua blusa para empurrá-la para baixo, desnudando-lhe
os seios antes de se pôr a acariciar um mamilo túrgido.
Oh, minha Virgem do céu... Ao sentir as pernas bambearem, segurou-se nos
ombros largos ao alcance de suas mãos. Seus seios pareciam inchar na boca e entre os
dedos dele; seus mamilos latejavam e se distendiam; como se incapaz de sustentar o
próprio peso, sua cabeça foi tombando para trás... E então Jason a fez virar-se.
— Deus, estou louco por você. — Após fazê-la deitar-se com o ventre de
encontro à sela que jazia no chão, ergueu-lhe a saia de grosseira lãzinha e abaixou a
calçola de cambraia, desnudando-a da cintura para baixo.
De olhos fechados, com os joelhos apoiados no feno que forrava aquela parte
do galpão e o coração aos saltos, Velvet ouviu os botões das calças dele se abrir um
após o outro, então sentiu o túrgido membro pressionar-se contra suas nádegas.
— Afaste uma perna da outra, Velvet. Para mim. Trêmula de tanto desejo, ela
não perdeu tempo a acatar o pedido... e não conteve um gemido ardente ao sentir
dedos diligentes e resolutos buscarem sua feminilidade para afagá-la sem pressa,
desveladamente.
— Você está tão úmida... — Penetrou-a com o dedo, tenteando, preparando-a
para recebê-lo, antes que outro dedo fosse se unir ao primeiro para juntos execu-
tarem os movimentos do amor carnal.
— Jason... — Como se tivessem vida própria, seus músculos se contraíram ao
redor dos dedos ágeis. De súbito, esqueceu quem era e onde estava; tudo o que sabia
era que uma língua de fogo a consumia por dentro e que essa labareda estava a
ponto de tragá-la numa espiral de sensações lancinantes. — Jason!
— Espere por mim, querida.
Velvet sentiu o púbis dele moldar-se às suas nádegas um instantes antes que o
avantajado membro a preenchesse por completo, atiçando ainda mais as labaredas
que incendiavam seu íntimo. Mãos largas tomaram-lhe os seios para apalpá-los e
acariciar os mamilos encrespados pelo desejo, então Jason a segurou pela cintura
para dar início ao cadenciado mover-se no aconchego de sua feminilidade. Oh, meu
— Tem.
— Então trate de usá-la. — E com isso se foi.
Em meio às sombras à lateral do galpão, Jason esperou até vê-la entrar na
hospedaria pela porta dos fundos, em seguida retornou à taberna. Por Deus que
estava no céu, por que não conseguia resistir à atração que sentia por aquela mulher?
Por que continuava a se aproveitar dela?
Absorto em repreender-se, sentou-se a uma mesa à direita da fornalha. Um
grupo de militares, homens da infantaria do quarto regimento recém-vindos da
índia, havia chegado no início da noite. Parte deles já tinha ido embora, porém o
sargento e dois de seus subordinados, agora visivelmente embriagados, continuavam
por lá, lançando olhares interesseiros e convites nada educados à criada da cozinha.
Após dizer a um dos soldados que iria recebê-lo mais tarde em seu quarto, a
moça guardou a moeda de prata que ele lhe dera e foi buscar mais uma rodada de
cerveja. Assim que ela retornou com a bebida, Jason lhe pediu uma caneca de rum,
que bebeu em poucas e largas goladas na esperança de que o álcool o fizesse sentir-se
menos culpado por tirar proveito de uma jovem ingênua e inexperiente como Velvet.
Decerto chegara a dormitar, já que, ao pôr-se alerta alguns minutos depois, o
sargento não se achava mais ali e os dois soldados faziam uma aposta. Um deles
dizia que o sargento iria saciar a lascívia em menos de uma hora, enquanto o outro
afirmava que a moça iria colocá-lo para correr independentemente do dinheiro que
ele lhe oferecesse. Na mesa ao lado, um terceiro homem garantia que, quisesse ou
não, a "andorinha lá no sótão" acabaria debaixo do sargento de qualquer maneira.
Jason sentiu o coração disparar, e o efeito do rum se desfez num piscar de
olhos. Pondo-se em pé de um pulo, ele nem percebeu que a cadeira em que se sentara
caiu para trás; simplesmente disparou para a escada de serviço nos fundos da
taberna.
Um rilhar de metal à entrada do quarto arrancou Velvet do sono. Mas não,
não podia ser. Tinha passado a tranca na porta antes de se deitar. Decerto o ruído
viera do corredor.
Deitando-se de costas, tentou encontrar uma posição mais confortável no
colchão de palha de milho... e então sentiu um arrepio na nuca. Havia alguém por
perto, alguém que a espreitava em meio à penumbra. Já pronta para gritar por
socorro, sentou-se no pequeno catre, e uma mão roliça tapou-lhe a boca, obrigando-a
a engolir o grito antes que um corpo pesado de homem, recendendo a cerveja e suor,
a forçasse de encontro ao colchão.
— Olá, mocinha linda. O que acha de nos conhecermos... mais intimamente?
Ao ver que as calças do uniforme vermelho e branco que ele usava já se
achavam parcialmente abertas, Velvet sentiu-se tomada por um pavor tão intenso
que chegava a lhe dar náusea. Ele tinha duas vezes o seu tamanho.
Ainda assim, tratou de ignorar o hálito azedo junto de seu rosto e desatou a se
debater sob o corpo extremamente pesado que buscava aprisioná-la. O miserável se
afastou o suficiente para rasgar o decote da camisola de algodão, e um grito ecoou
pelo ar. Em seguida, ela levou uma bofetada.
— É bom você se comportar; o sargento Dillon não gosta de mocinhas
insolentes, minha cara.
Apesar de voltar a espernear e contorcer-se, ela não conseguiu se soltar.
Desesperada, agarrou uma mecha dos cabelos do sargento na mão e mordeu com
toda a força a língua que o pulha tentava enfiar em sua boca. A dor o fez pular para
trás com uma praga, no entanto o murro que foi acertar o queixo de Velvet por pouco
não a deixou estirada sem sentidos na cama.
— Maldita vadia... Mas você vai pagar por isso. Ah, se vai!
— Quem vai pagar é você — anunciou uma voz soturna no limiar da porta. —
Vou matá-lo, sargento. Vou matá-lo com estas mãos.
Resistindo à sensação de que o quarto rodava, Velvet pestanejou para clarear a
visão turvada pelas lágrimas enquanto cobria o peito com a camisola rasgada. Graças
a Deus, Jason viera acudi-la.
O sargento voltou a atenção à nova presa.
— A moça é minha, fanfarrão. E se eu tiver de acabar com você antes de
possuí-la, que seja.
— Fique longe dela ou... — Jason desviou do punhal que viera em sua direção,
e um canto de sua boca curvou-se num sorriso cruel.
— Ela é uma gostosura, não? — Dillon riu-se. — Pode apostar que vou
cavalgá-la para valer.
— Vou matá-lo — repetiu Jason, as pupilas contraídas, os punhos cerrados. —
Vou cravar seu próprio punhal no seu peito e me regozijar com cada gota de sangue
que escapar dessa sua carcaça imunda.
Engolindo um arquejo, Velvet se encolheu contra a parede no instante em que
o atarracado oficial baixava a cabeça e investia contra Jason como um touro bravio.
Atracados, os dois foram aterrissar sobre a mesa raquítica nos fundos do
quartinho. Ocupado em afastar o punhal do alcance do sargento, Jason acabou
permitindo que o militar, grudando as mãos em seu pescoço, tentasse esganá-lo.
— Jason! — Mas nem bem o grito lhe escapara, Velvet se pôs a procurar
alguma coisa que servisse como arma a fim de ajudá-lo.
Antes disso, porém, o punho dele foi acertar um soco brutal no rosto de
Dillon. Com o nariz e o lábio sangrando, o sargento largou-o, e os dois puseram-se
em pé. Atingido por um sonoro murro à altura das costelas, Jason apenas rosnou
uma praga antes de agarrar seu oponente pelas lapelas do uniforme escarlate e,
A sra. McCurdy lavava uma grande caçarola de ferro quando Velvet entrou na
cozinha.
— Meu Deus, querida, seu rosto está pior do que imaginei.
— Você soube do que aconteceu ontem?
— Não houve quem não ouvisse os comentários. Os soldados falaram do
moço que foi ajudar você, mas parece que ninguém sabe quem é ele. Ou melhor, a
gente imagina quem possa ser, não é? — A encorpada mulher riu-se. — Tiveram de
levá-lo daqui numa padiola, sabia? Só sinto que um cafajeste daqueles ainda esteja
respirando...
Tratando de mudar de assunto, Velvet indagou:
— No que posso ajudar? — E quando a sra. McCurdy fez um ar admirado, foi
logo explicando: — Preciso do dinheiro.
— Minha Betsy, que acabou de chegar do vilarejo, pode lavar as panelas e a
louça. Você fica sentadinha ali, e eu vou lhe dar um chá e toalhas para remendar.
Grata pela generosidade da cozinheira, ela se acomodou na cadeira que a
cozinheira havia indicado, e as duas conversaram por alguns instantes. Betsy, uma
jovem ruiva de sorriso cativante e idade próxima à de Velvet, não demorou a chegar
e de pronto demonstrou a mesma solidariedade da mãe com relação ao lamentável
episódio da noite anterior. Assim como os demais empregados da pousada que
calharam de passar por ali. Quase duas horas haviam se passado quando Velvet
enfim conseguiu dar à conversa o rumo que lhe convinha:
— O moço que me ajudou... Ele comentou que esteve aqui há alguns anos... na
noite em que o duque foi assassinado... E disse também que não gosta muito da
clientela da hospedaria.
— O proprietário de terras bonitão... Eu sabia que era ele ontem! — exultou a
cozinheira. — Ele já tinha estado aqui antes, procurando a minha Betsy.
Velvet franziu o cenho. Jason não tinha mencionado a simpática filha da sra.
McCurdy.
— Ele foi muito corajoso; arriscou a vida para me defender. — Com muito
tato, voltou a introduzir a morte do pai dele na conversa e, quando lhe pareceu o
momento oportuno, baixou a voz como se lhes confiasse um segredo: — Acho que
alguém aqui viu o que aconteceu naquela noite e sabe que o jovem duque era
inocente.
Depois de relancear o olhar pelo recinto, Betsy aproximou-se dela para
cochichar:
— Eu vi. Tinha só dez anos de idade, mas vi um homem subir a escada
externa do prédio com um revolver na mão... E vi quando ele disparou pelo vão da
janela. — Estremeceu, como se percorrida por um calafrio. — Eu era apenas uma
expedida. Velvet teria os recursos de que tanto necessitava, e ele teria uma prova
com que confrontar Célia Rollins. Assim sendo, o melhor a fazer seria deixar a casa
dela o mais depressa possível, antes que tornasse a ceder aos arroubos de sua
volúpia. Por outro lado, a vida como marido de Velvet Moran dava-lhe excelente
cobertura: quem iria se interessar de verdade por um estudioso vindo da
Nortúmbria, um primo distante e tímido que vivia para os livros? Por meio de Velvet
e Lucien, teria como seguir de perto as manobras de Avery. E, morando ria
residência dos Haversham, teria como ficar de olho nela, como era sua intenção
desde o início...
Sim, iria continuar lá. Mais algumas semanas e teria provado sua inocência,
limpado seu nome de uma vez por todas... caso não acabasse enforcado em Tyburn
Hill antes disso. O que, de um modo ou de outro, colocaria um fim definitivo ao seu
relacionamento com Velvet.
Uma conclusão que, precisava admitir, deixava-o um tanto deprimido.
A chama das velas nos candelabros tremeluzia, refletindo-se nas paredes de
acetinado lilás do dormitório da condessa. Com um cortinado de seda todo
drapejado no mesmo tom de lilás, imponente leito com baldaquino branco e dourado
ostentava as cobertas com a dobra típica de quem preparara a cama para dela
usufruir.
Avery quase chegou a sorrir; aquela mulher era mesmo transparente. A par de
que ele agora controlava vastas somas de dinheiro, quantias incalculáveis ao seu
inteiro dispor, Célia Rollins resolvera ir à luta e tirar algum proveito da situação.
— Há quanto tempo, Vossa Graça. — A voz baixa e sedutora viera do limiar
do luxuoso quarto de vestir no outro lado do aposento. — Avery, meu querido...
Senti saudade.
Tratando de não demonstrar o quanto estava excitado, ele reparou que a
diáfana camisola que a condessa usava era um tom mais escuro do que o lilás das
paredes e logo concluiu que o bom sexo precisava de duas pessoas. Estava farto
daquela esposazinha insípida e impassível que havia arrumado; ainda bem que a in-
feliz fora se esconder na casa de campo... que agora também lhe pertencia. De mais a
mais, Célia sempre fora um azougue na cama.
— O que houve, querida? Densmore bateu em retirada? Que pena... Pensei
que o rapazinho fosse agüentar um pouco mais. — Tirou o fraque de veludo púrpura
e o lançou sobre uma poltrona. Aqueles seios alvos e maduros faziam seu sexo
latejar. — Mas quem o mandou meter-se com uma mulher de apetites insaciáveis,
não é mesmo?
Fazendo biquinho, Célia retrucou:
— A verdade é que nem todos são como você.
Avery sorriu e, indo até ela, trouxe-a para o espaço entre seus braços. No
entanto, nem se preocupou em beijá-la: apenas tomou os seios fartos nas mãos para
pôr-se a brincar com os mamilos expostos pela camisola translúcida. Entusiasta das
brincadeiras menos sutis, Célia gemeu baixinho e, com um sorriso, ajudou-o a despir
o colete de brocado prateado enquanto ele lhe beijava o pescoço.
Levando as mãos aos ombros dela, Avery instou-a a se pôr de joelhos. Ciente
da intenção contida naquele gesto, a condessa não perdeu tempo a desabotoar as
calças de veludo, sorrindo ao vê-lo completamente túmido e ereto.
— Como quer que eu o acaricie, Vossa Graça? — Sem esperar pela resposta,
deslizou a ponta dos dedos pelo membro ereto. — Oh, acho que já sei o que fazer...
De olhos fechados, Avery gemeu ao senti-la abocanhá-lo, os lábios tenros e a
língua cálida massageando sua carne hirta. Ela queria dinheiro e certamente buscava
a maneira mais simples e mais rápida de obtê-lo. O que a ladina não sabia era que ele
não estava nem um pouco disposto a deixar que fosse tão fácil assim... Agarrando-a
pelos cabelos, afastou-a de sua virilidade tesa antes de começar a despir o restante
das roupas. E, ao ver um assomo de descontentamento lampejar nos olhos verdes da
condessa, perguntou-se com quantos outros mais ela pretendia se deitar naquela
noite.
— Temos a noite inteira, querida. Não há porque ter pressa... Ou há?
— É claro que não... Vossa Graça.
Irritado com o leve sarcasmo que Célia imprimia à voz sempre que
pronunciava seu título, ele ordenou:
— Deite-se na cama.
Animada com a idéia de ser possuída com certa truculência, ela obedeceu de
pronto.
— De bruços. — Pondo-se de joelhos sobre o colchão, Avery colocou um
travesseiro sob os quadris dela enquanto sorriu para si. Iria possuí-la à maneira
grega, já que Célia nunca gostara muito daquilo. A espertalhona queria seu dinheiro,
não? Pois que tratasse de se contentar com uma boa cavalgada, alguns momentos de
dor e um ferimento superficial. Só lamentava era o fato de que possivelmente aquela
seria a última vez que a condessa de Brookhurst iria recebê-lo na cama...
Capítulo IV
boleia, instruiu o rapaz a entrar na viela nos fundos da casa e deixá-lo em frente à
cocheira.
— Espere-me aqui, sim? Se aparecer alguém, dê uma volta no quarteirão, e eu
irei encontrá-lo do outro lado da viela. — Sem mais, saltou para o chão. Pouco lhe
importava que o cocheiro estranhasse vê-lo penetrar na residência pela entrada dos
empregados.
Com passos firmes e silentes, margeou o jardim e rumou para a porta nos
fundos do casarão; abriu-a e, entrando com o cuidado de não fazer barulho, estacou a
fim de verificar se porventura haveria algum criado por ali. Ninguém. A casa parecia
mergulhada no mais profundo silêncio, o que o fez recordar que Célia tinha por
hábito dispensar assistência desnecessária quando estava por receber alguém mais
íntimo. Bem, só lhe restava torcer para que o amante já não se achasse em seu
dormitório.
Vozes se ergueram da cozinha um piso abaixo, porém a escada que levava ao
segundo pavimento se encontrava deserta. Jason respirou fundo. Era melhor não
deixar a oportunidade escapar.
Lembrava-se dos critérios extravagantes da condessa, mas não do gosto por
amontoados de tarecos. Por onde passava havia uma profusão de candelabros de
prata, artigos de cristal lapidado, todo o tipo de estojos trabalhados de rape,
mesinhas de marfim, relógios e carrilhões dourados, estatuetas, frisos pintados à mão
vasinhos japoneses... Isso sem falar das peças maiores, como o clavicórdio todo
enfeitado na sala de visitas. Ao que tudo indicava, o pendor da dama por bugigangas
caríssimas florescera na mesma proporção do apetite sexual, o qual, dizia-se, havia se
elevado a excessos lendários.
Jason deteve-se junto à porta do dormitório e, como não ouvisse vozes nem
ruídos de movimentos, abriu-a e entrou. Um leve arfar o fez olhar para a penteadeira
ao lado da entrada do quarto de vestir todo em mármore branco Siena, uma
excentricidade de Célia que custara uma pequena fortuna ao finado marido dela, o
senil conde de Brookhurst.
— O que está fazendo aqui? — Num vestido de tafetá verde-hortelã, com os
cabelos negros soltos e os seios a ponto de saltar do decote, a condessa não o tinha
reconhecido. — Quem lhe deu permissão para entrar no meu quarto?
— Olá, Célia.
— Jason! — Erguendo-se de um pulo, levou a mão ao colo. — Meu Deus... É
mesmo você?
Sem os óculos e a cabeleira postiça, mais alto e quase vinte quilos mais gordo
do que oito anos atrás, ele se aproximou devagarzinho. Intimidação era um jogo que
aprendera a jogar bastante bem.
— Há quanto tempo, condessa.
benfeito e traiçoeiro. — Largando-a, partiu em direção à porta e, sem olhar para trás,
deixou o aposento.
Ao ganhar a rua e ver que a carruagem cedida por Litchfield não se
encontrava junto à viela onde a deixara, caminhou até a esquina e foi ao encontro do
veículo no local combinado com o cocheiro. Pela primeira vez desde que regressara à
Inglaterra, experimentava uma sensação assemelhada ao alívio. Com o depoimento
de Célia, a confirmação de sua inocência estava assegurada.
Bastante satisfeito com o resultado da visita, acomodou-se no coche e quase
chegou a sorrir. No entanto, seus nervos voltaram a se retesar assim que o veículo,
após dobrar a esquina, passou diante da residência da condessa, quando então seu
olhar foi pousar sobre o brasão Haversham na portinhola da elegante carruagem de
Velvet, estacionada bem em frente à mansão.
Do lado de fora, a edificação estreita não se destacava muito das demais
moradias enfileiradas ao longo da alameda. Lá dentro, porém, a história era outra,
concluiu Velvet enquanto admirava a decoração de inspiração francesa espelhada na
exótica mobília dourada com o estofamento recoberto de seda, adornada com tapetes
e peças orientais que pouco se harmonizavam com os demais elementos da
composição.
O mordomo reapareceu para avisá-la:
— A condessa a espera lá em cima, lady Hawkins. O chá será servido na sala
íntima anexa aos aposentos dela. — E, nariz empinado, deixou o hall.
Enquanto seguia atrás dele escada acima, Velvet viu-se tomada pelo mesmo
desassossego que experimentara ao sair de casa meia hora atrás. Uma desagradável
sensação que só fez intensificar-se quando o mordomo, um segundo antes de abrir a
porta da sala íntima, olhou-a de cima a baixo com certo ar de reprovação. Tentando
ignorar o mal-estar, foi se sentar num canapé de adamascado cor de marfim e dali
ficou a examinar o aposento, cuja decoração era tão exagerada quanto a que
imperava no piso térreo do casarão.
Os minutos foram passando, e nada de a condessa aparecer. O mais estranho
era que, mesmo fechada, a porta que dava acesso ao dormitório dela deixava escapar
ruídos vindos de lá de dentro. Vozes. Barulho de deslocamento de um móvel... Um
chiado áspero... O baque de algo pesado no chão... Pela Virgem, o que estaria
acontecendo?
Pé ante pé, Velvet foi colar o ouvido à porta. Os ruídos, porém, eram agora
praticamente inaudíveis. A condessa teria levado um tombo? Estaria precisando de
ajuda? Por via das dúvidas, ela girou a maçaneta de prata e, entreabrindo a porta,
deslizou o olhar pelo interior do aposento.
— Meu bom Deus! — Ao deparar com Célia Rollins estirada na espaçosa cama
com dossel, branca como os lençóis e com a cabeça tombada de lado numa inclinação
incompatível com a natureza humana, correu para junto dela... a tempo de ver o
vulto de um homem de estatura superior à média escapulir pela fresta das portas-
balcão que davam para a sacada.
Apesar do físico avantajado, ele era extremamente ágil, tanto que não levou
mais do que um piscar de olhos para saltar sobre o balaústre e descer pela treliça que
enfeitava o balcão. Embora corresse até a sacada, Velvet só conseguiu vislumbrar o
suave meneio da sebe alta que delimitava o jardim a indicar que o fugitivo acabara
de passar por ali.
Toda trêmula, com a respiração entrecortada, ela foi se colocar junto a uma
das colunas do leito. Era evidente que Célia Rollins não estava respirando: bastava
atentar à total ausência de qualquer movimento no colo de seios fartos, no horror de
morte estampado nos olhos verdes, às marcas de mãos tão fortes quanto violentas no
pescoço que, sem sombra de dúvida, estava quebrado. A condessa fora assassinada,
obviamente pelo homem que acabava de fugir pela sacada. Por quê, santo Deus?
Desviando o olhar do corpo inerte sobre a cama, Velvet tentou raciocinar, no
entanto foi a imagem de Jason que tomou vulto em sua mente. Um homem de
estatura elevada, moreno e extremamente forte. Tenho horror a Célia Rollins; ela é o tipo
de pessoa que me dá asco.
Não, não era possível. Não podia ser. Ele não iria... Um ruído à entrada do
aposento a fez virar-se e deparar com Jason Sinclair no vão da porta, imóvel, os olhos
azuis estarrecidos, o rosto tão sem cor quanto o dela.
— Meu Deus! — Após se aproximar da cama e examinar por um instante o
corpo sem vida que ali jazia, ele se voltou para Velvet. — Pelo amor de Cristo, o que
aconteceu?
— Eu... — Sua vista se turvou, e ela teve a impressão de que iria desmaiar.
Correndo a ampará-la, Jason ergueu-a nos braços.
— Vou levá-la daqui. Depois que me contar o que houve com Célia, vamos
pensar no que fazer.
Meio zonza, Velvet reparou que, ao contrário do que imaginava, não deixaram
a residência pelo acesso principal, e sim pela porta dos criados, do outro lado do
casarão. A carruagem de Jason se encontrava numa viela nos fundos da cocheira e,
depois de acomodá-la no interior do veículo, ele ordenou ao condutor que fosse até a
entrada da mansão, onde cuidou de mandar seu coche de volta à Mansão
Haversham.
— Como... como sabia que eu tinha vindo ver a condessa?
Após fitá-la por um longo momento, Jason explicou por que resolvera ir falar
com Célia, então indagou:
— O que aconteceu, Velvet? O que você fazia naquele quarto?
morte. Mas, seja como for, Célia Rollins está morta e, com ela, as chances que eu
tinha de provar minha inocência. — De súbito, deixou cair os ombros, como se
sustentassem um fardo muito, muito pesado. — Para piorar, o assassino a viu e sabe
que pode testemunhar contra ele. Assim sendo, é bem possível que esse miserável
venha no seu encalço.
— O que vamos fazer?
— Ninguém lhe fará mal, Velvet. Juro. Vou contratar pessoas para vigiarem a
Mansão Haversham e alguém que esteja a seu lado aonde quer que você vá.
Ela não se opôs. Não queria acabar como Célia Rollins.
— A estas horas o mordomo já deve ter encontrado o corpo da condessa,
Jason. Ele sabe que estive lá. Vou ter de comunicar a morte às autoridades, e é melhor
fazê-lo o quanto antes.
— Sim, é verdade. Assim que chegarmos em casa, vou enviar um mensageiro
ao gabinete de polícia. Você dirá a eles que se apavorou ao descobrir que Célia estava
morta e por isso voltou correndo para casa, mas depois cuidou de avisá-los o mais
depressa que pôde.
— E se eles quiserem falar com meu marido?
— Diga-lhes que estou fora, que fui tratar de negócios na Nortúmbria, assim
os manteremos afastados por alguns dias. Se o policial encarregado do caso não tiver
qualquer envolvimento com o homicídio de meu pai e quiser falar comigo, irei
procurá-lo, uma vez que ele não saberá quem sou. Caso contrário, pensaremos numa
outra saída quando não houver mais como postergar as interpelações.
Velvet enlaçou o braço ao dele.
— Daremos um jeito, Jason. Você não vai desistir. Não deixarei que faça isso.
Ardentes olhos azuis a fitaram.
— Sou um sujeito de sorte por ser seu marido, mesmo que seja por tão curto
espaço de tempo.
Ela sentiu um aperto no peito. Amava-o. E iria perdê-lo.
A carruagem estacou e, pouco depois, Velvet saltou do veículo apoiando-se no
braço de Jason, que então a conduziu em direção à entrada da casa. Desalentada, ela
soltou um profundo suspiro. Deus do céu, iria sentir tanto a falta dele...
— Ela está morta, como o senhor mandou.—— Olhou para um ponto acima
da cabeça do patrão. — O senhor não falou que ela era tão linda...
— Linda? Só se for como uma daquelas malditas serpentes indianas... —
Avery fez um muxoxo. — Correu tudo bem? Ninguém o viu entrar nem sair, não é?
— Passei quase três dias de tocaia, e hoje ela mandou os criados ir embora
mais cedo. Era uma boa oportunidade.
— Então por que está com essa cara de cão sem dono?
— Apareceu uma moça... — Baccy remexeu-se sem sair do lugar. — Ela entrou
no quarto quando eu estava indo embora.
— E viu você?
— Viu. Mas não o rosto.
— Maldição! Temos de descobrir de quem se trata e nos livrarmos dela antes
que a infeliz dê com a língua nos dentes.
— Sei quem é ela. — Engoliu em seco, e seu pomo de adão se moveu para
cima e para baixo. — A mocinha com quem o senhor ia se casar.
— Velvet? Velvet Moran?
— Ela mesma.
— Inferno! Que raios Velvet foi fazer na casa de uma mulher como Célia? —
Debruçou-se sobre a escrivaninha. — Tem certeza de que era ela?
— Era.
Ao perceber que estava suando, Avery praguejou em pensamentos contra as
gotículas que umedeciam sua camisa de linho.
— Você tem de calá-la, Baccy. Sua vida pode estar correndo perigo. — E a dele
também. — Mate Velvet Moran. Dê um fim nela ou essa espertinha irá nos colocar
em apuros.
— Não gosto de matar mulheres. Ainda mais se são bonitas.
— Escute aqui, seu palerma: livre-se dessa mulher antes que ela nos crie
problemas!
Com um ar sombrio, Baccy franziu a testa até quase unir as grossas
sobrancelhas numa só linha.
— Vá — Avery o instou. — Cuide disso o mais depressa possível.
O medo que o grandalhão tinha da forca levou-o a fazer que sim e, sem mais,
ele deixou o aposento fechando a porta cuidadosamente.
Em sua poltrona, Avery continuou com as idéias em alvoroço. O que Velvet
estaria querendo? Do que andaria atrás? Por que buscaria informações sobre um
homicídio ocorrido havia mais de oito anos? Se Baccy acabasse com ela, suas
perguntas ficariam sem resposta. Por outro lado, tais dúvidas não fariam a menor di-
ferença depois que a ardilosa dama estivesse morta.
A conclusão o animou, e Avery, tomando o último documento que precisava
da assinatura do duque de Carlyle, mergulhou a pena no tinteiro antes de apor seu
nome ao pé da folha de papel. A tinta respingou, no entanto ele deu de ombros. A
carruagem esperava lá fora com sua bagagem, pronta para levá-lo à sua mais recente
aquisição: a imensa propriedade rural em East Sussex, antigo lar de sir Wallace
Stanton, onde um funeral aguardava sua presença.
Satisfeito da vida, sorriu para si mesmo. O casamento com Mary Stanton e a
morte do pai dela tinham sido a empreitada mais lucrativa a que se dedicara nos
últimos anos.
Acabou. Após todos esses anos, agora está tudo, realmente acabado.
E ele estava exausto, incrivelmente prostrado. A derrota pesava como uma
mortalha ao redor de seus ombros.
No silêncio de seus aposentos, escassamente iluminados pela única vela já um
tanto consumida pelo lento escoar das horas, Jason, largado sobre uma poltrona,
evitou pensar que as paredes pareciam encurralá-lo para levar a garrafa de conhaque
à boca e sorver longo trago da bebida. Desde que aquele inferno começara, oito anos
atrás, os demônios do ódio não o fustigavam tanto como naquela noite. O mesmo
ódio que o fizera jurar vingança, que o acompanhara por semanas a fio a bordo de
um brigue repleto de presidiários, que lhe dera forças para sobreviver aos dias
desumanos sob o sol escorchante da Geórgia com quase nada para comer,
intermináveis dias de trabalho extenuante em meio aos pantanais infestados de
insetos, calor e morte.
Quando pensara que não seria capaz de agüentar mais um só minuto daquele
inferno, que preferiria morrer a ver outro dia erguer-se no horizonte, as imagens de
Avery vivendo em Carlyle Hall, dilapidando a fortuna de sua família, destruindo o
bom nome de seu pai, fizeram-no seguir adiante. A força de vontade tinha sido sua
única aliada. Além, obviamente, do ímpeto de vingança. Tão intenso que, por vezes,
chegara a lhe embrulhar o estômago.
Sempre tivera como certo que fosse vencer. Sempre. Mas naquela noite, na
calada daquele aposento imerso na penumbra, via-se obrigado a encarar a dolorosa
admissão de que Avery havia triunfado. Não tinha provas suficientes para inocentá-
lo. Com a morte de Célia, teria de ir-se da Inglaterra sem a vingança, sem a justiça
por que desesperadamente almejara. Caso contrário, mais cedo ou mais tarde
acabaria no cadafalso. E Avery iria conquistar a vitória final.
Enquanto tomava mais um gole de conhaque, relanceou os olhos pela porta
do dormitório anexo ao dele, c seus pensamentos se voltaram à bela Velvet Moran...
Velvet Sinclair, corrigiu-se. Sua esposa, para todos os efeitos, exceto um, o que tanto
desejava, o que não podia se dar ao prazer de desfrutar. Os sonhos de constituir um
lar onde viver um casamento feliz, abençoado por filhos, tinham sido enterrados no
convés banhado de sangue de um bergantim britânico capturado, destroçados para
sempre por um infame ato de violência que o colocara entre os homens mais despre-
zíveis que já haviam pisado a face da Terra.
Enojado com as imagens de horror e morte que ameaçavam voltar à vida em
sua mente, largou a garrafa no chão e, pondo-se em pé, começou a despir-se. Ainda
não estava embriagado o bastante para adormecer, mas talvez conseguisse descansar
uma horinha que fosse. Precisava recobrar a capacidade de raciocinar se quisesse
sobreviver aos dias que aguardavam por ele.
Entorpecido pelo desânimo e pela bebida, praguejou baixinho ao resvalar a
mão numa mesinha junto à poltrona, derrubando o cálice de cristal que não chegara
a usar. E, ao ver os cacos espalhados pelo chão, amaldiçoou sua má sorte, um espelho
dos eventos daquele dia, antes de abaixar para recolher os pequeninos fragmentos de
cristal.
Ao ouvir o ruído de vidro estilhaçando-se no quarto contíguo ao seu, Velvet
viu confirmadas suas suspeitas de que ele ainda estivesse acordado, decerto deprimi-
do com a hipótese de que as chances de provar-se inocente tivessem morrido com
Célia.
Tentara animá-lo durante o jantar, relatando em detalhes suas declarações às
autoridades, assegurando-lhe de que o chefe de polícia se mostrara bastante satisfeito
com as explicações que dera para abandonar a cena do crime. Segundo as deduções
do policial, o assassino era um ladrão à toa que tentara roubar as jóias da condessa e
ela não tinha mais por que se preocupar com o assunto. Ainda assim, Jason se
limitara a acenar com a cabeça, pedir licença e recolher-se aos aposentos dele, de
onde, minutos mais tarde, pedira a um criado que lhe levasse uma garrafa de
conhaque.
Apesar de saber que não deveria fazê-lo, Velvet se levantou e, vestindo o
roupão largado ao pé da cama, foi até a porta que interligava os dois dormitórios. E,
com a respiração presa, girou a maçaneta lentamente até ouvir o dispositivo de metal
soltar-se do batente.
À exígua claridade de um toco de vela, Jason, de botas e calças e com o torso
nu, achava-se agachado junto à mesinha próxima à poltrona revestida de ada-
mascado, recolhendo cacos de vidro do chão.
— Minha Virgem! — Deixou escapar Velvet, estarrecida com as cicatrizes que
formavam uma assustadora colcha de retalhos sobre as costas dele.
Murmurando uma praga, Jason se aprumou antes de virar-se para ela.
— O que deseja, Velvet? — Largou os caquinhos de cristal sobre a mesinha. —
Por acaso não lhe ocorre bater antes de entrar?
— Suas costas, santo Deus... O que... Quem fez isso com você?
Ele se afastou em direção à cama.
— Fui chicoteado. Acontece com criminosos, sabia? Não sou o que se poderia
chamar de uma pessoa humilde; acatar ordens não é uma tarefa fácil para um
homem criado como herdeiro de um duque.
Com muito esforço para não chorar, Velvet aproximou-se de mansinho já
imaginando que ele fosse se esquivar ou lhe pedir que o deixasse em paz. No en-
tanto, Jason não fez nem uma coisa nem outra, e ela, depois de examinar as
eloqüentes cicatrizes por alguns instantes, correu o dedo por um dos vergões
esmaecidos antes de afagá-lo com um suave beijo. De pronto, os músculos sob seus
lábios se contraíram, então Jason se virou vagarosamente.
— Sou um criminoso. Tentei explicar, tentei fazê-la ver isso. — Os olhos dele
pareciam destituídos de qualquer outra emoção que não uma profunda amargura. —
Não matei meu pai, mas cometi outros delitos... Crimes piores do que assassinato.
— Não... Não é a mesma coisa. Você era inocente, estava se defendendo,
lutando pela própria vida. Não merecia o que lhe fizeram.
— Por que não consegue ver? Por que não quer entender? — Erguendo o
braço esquerdo, fechou a mão e aproximou-a da chama da vela. — Adquiri esta cica-
triz na Geórgia, quando roubei... uma capela, Velvet. Assaltei o vigário, um velho
indefeso que calhou de estar no meu caminho enquanto eu tentava fugir de uma
plantação de arroz onde era prisioneiro. Eu precisava de dinheiro... e pouco me
Velvet despiu a camisola. — Mesmo assim, eu queria muito que você me abraçasse,
me tocasse, me fizesse sentir segura.
Jason levou o olhar aos mamilos que se erguiam como dois botões rosados
sobre a pele tão alva... e sentiu a ereção se avolumar entre suas virilhas. Deus, como
gostaria de beijá-la ate perder o fôlego, de acariciá-la por inteiro, de meter-se entre
aquelas pernas benfeitas e preenchê-la com sua virilidade até que o querer que tanto
o atormentava fosse enfim saciado.
— Jason...
Por Cristo, era apenas um homem... Aproximou-se da cama e, depois de
desabotoar a braguilha, sentou-se no colchão para tirar as botas antes de despir as
calças. Talvez fosse pagar por sua luxúria, mas o que era uma penitência para
alguém destinado a arder no fogo do inferno?
Ao vê-lo completamente nu, Velvet não hesitou em admirar por alguns
instantes o teso membro dele enquanto lhe afagava o tórax.
— Você é tão forte, Jason, tão viril.
— E você é tão linda... — Beijou-a com uma calma em total desacordo com a
abrasadora paixão que o consumia e, com igual delicadeza, deslizou as mãos pelo
corpo dela, deleitando-se com a textura da pele clara, com os belos contornos e vales
que a faziam assombrosamente feminina. Então tomou na boca um mamilo todo
arrepiado e, pondo-se a acariciá-lo com a ponta da língua, levou a mão ao púbis
recoberto de pelos macios para afagar sem pressa nem reservas a feminilidade já
úmida e muito cálida, pronta para recebê-lo.
— Jason... — Ao sentir-se estremecer dos pés à cabeça, Velvet agarrou-o pelos
ombros. — Oh, Jason!
— Sim, querida, sim. —Ajeitando-se entre as coxas dela, penetrou-a num só
movimento para preenchê-la por completo e fazer de seus corpos um só.
Breve e ardoroso, o ato de amor expressou a paixão havia tanto negada. E,
sem deixar de abraçá-la, Jason voltou a possuí-la minutos depois, dessa vez mais va-
garosamente, saboreando cada segundo do momento de candente intimidade,
entregando-se tanto ao clímax da carne como à arrebatadora sensação de paz e bem-
estar que brotara em seu peito. No dia seguinte pensaria nos problemas que
restavam por solucionar, entre os quais as medidas que visavam à segurança de
Velvet, e nas penosas decisões que tinha por tomar. Naquela noite, só o que
importava era a paz que o invadia na companhia daquela jovem linda e miúda que o
fazia sentir-se vivo novamente.
Cansado como estava, ele não demorou a adormecer. E, antes de pegar no
sono, a última coisa em que pensou foi no prazer que sentia ao tê-la aninhada entre
seus braços.
Embora o dia ainda não tivesse raiado, largas faixas cinzentas começavam a
— Não, nada de novo, infelizmente. Vim lhes propor uma medida audaciosa,
reconheço, mas a esta altura dos acontecimentos, não há mais como evitar os riscos.
— Respirando fundo, Lucien olhou bem para os dois. — Já que não podemos contar
com o depoimento de Celia, só nos resta uma pessoa a quem abordar.
— Avery? — Jason tirou os óculos. — Então acha que posso obrigar meu
irmão a confessar a verdade?
— De livre e espontânea vontade, não. Mas acredito que possamos induzi-lo a
assumir a culpa pelo assassinato num espaço ao alcance dos ouvidos de um
magistrado. Isso, além das provas que amealhamos, será o bastante.
O rosto abatido de Jason se iluminou.
— Você é brilhante, Lucien. Como conseguiremos tal façanha? Onde e
quando?
— Calma, meu amigo impaciente. Vamos ter de planejar tudo
minuciosamente; um só passo em falso, e o castigo pelo deslize pode ser sua vida.
Velvet ficou branca.
— Começaremos a traçar nossa estratégia ainda hoje — afirmou Jason. —
Antes disso, porém, eu queria que você soubesse que a aristocracia em peso está
cobrando de Velvet uma oportunidade para me conhecer pessoalmente. Se não
agirmos logo, essas pessoas vão acabar batendo à nossa porta só para dar uma
olhadinha em mim.
— É perigoso deixar que eles o vejam Jason. — Quase sem notar, Velvet
pousou a mão no braço dele. —Alguém poderia reconhecê-lo.
— Você lhes prometeu um baile, no qual apresentaria seu tímido e recluso
marido... Isso está fora de cogitação, mesmo assim poderíamos enviar os convites.
Vejamos... — O marquês pensou por um instante. — Se marcarmos o tal baile para
daqui a... digamos, três semanas, teríamos como manter os curiosos a distância
enquanto cuidamos de nossos planos.
— Você realmente é brilhante, Lucien — retrucou Velvet, radiante.
— Oh, isso eu já sabia. Os três caíram na risada.
Indiferente à noite fria lá fora, o fogo alto crepitava atrás da grade que agora
protegia a lareira. A umidade que antes permeava a mansão se fora com a chegada
de Jason, pois desde então havia carvão suficiente para manter as fornalhas acesas
em toda a moradia.
Largando o bordado sobre o colo, Velvet fixou o olhar num dos elegantes
círios de cera virgem que substituíam as velas de sebo que por tanto tempo tivera de
usar. Não era mais uma remediada. Mas, apesar de ter restituído seu dote, Jason não
lhe permitia gastar um xelim com as despesas, encarregando-se ele próprio de arcar
com todas as obrigações inerentes ao bom andamento da casa. Em outras questões,
Deus! Eram quase nove e quinze, e Jason, como nas demais noites daquela semana,
não deveria chegar antes da meia-noite.
— O que foi, querida? Você parece preocupada.
Ela releu o bilhete. Era evidente que o remetente sabia de algo, e essa
informação talvez fosse de vital importância.
— Preciso falar com uma pessoa, vovô. — Erguendo-se de um pulo, colocou o
pedaço de papel entre os dedos frágeis e rugosos do avô. — Se Jason chegar antes de
mim, o senhor entrega esse bilhete para ele? Vai se lembrar de fazer isso, não vai?
— É claro que sim.
Com a certeza de que o mais provável era que ele fosse esquecer, Velvet
pensou em chamar o mordomo, porém logo descartou a ideia; quanto menos pessoas
se inteirassem daquilo, mais seguro Jason estaria. De mais a mais, levaria com ela o
homem que Barnstable havia contratado para vigiar a mansão. E possivelmente
estaria de volta antes que Jason chegasse.
A Swan and Crown não ficava no melhor endereço da cidade, muito pelo
contrário, mas o sr. Ludington, o policial com um chapéu bastante gasto no coxim em
frente ao de Velvet, tinha uma boa estatura, compleição robusta e parecia pronto
para defendê-los em caso de necessidade. Lá fora, uma neblina espessa começara a
nublar as enlameadas ruas tomadas pelo odor azedo de peixe morto que se erguia do
cais. Pretos de fuligem, os prédios ao longo da viela por onde passavam tinham a
maior parte das janelas tapadas por tábuas, e o lixo formava pilhas junto dos muros.
A desbotada placa de madeira que anunciava a Swan and Crow não demorou
a surgir em meio à névoa.
— É ali! — Embrulhando-se no manto, Velvet bateu no teto da carruagem e
pediu ao cocheiro que parasse em frente ao estabelecimento.
— Não estou gostando nada disto, milady. Seu marido vai querer minha
cabeça caso algo lhe aconteça.
— Nada irá me acontecer, sr. Ludington, se ficar junto à carruagem e correr a
me acudir no caso de eu gritar por socorro.
— Vou com a senhora e espero lá dentro. — Sem mais, abriu a portinhola do
veículo e saltou para o chão.
— Eu não estaria fazendo meu trabalho se não a acompanhasse. Seu marido
me contratou para protegê-la.
Muito a contragosto, ela aceitou a mão que o policial lhe oferecia e apeou da
carruagem.
— E verdade, sr. Ludington, é meu marido quem paga seu salário. Por isso
sugiro que, caso queira continuar a recebê-lo, obedeça às ordens da esposa de seu
patrão. — Cobriu a cabeça com o capuz. — Não me demoro.
— Mas...
Antes que ele se pusesse a argumentar, Velvet deu-lhe as costas e, a passos
ligeiros, dobrou a esquina até o beco ao lado da taberna, de onde escapava uma
cantoria malsonante de vozes roufenhas a entoar uma canção de marinheiros com
versos obscenos. A ruela, porém, achava-se deserta. A não ser por um mendigo cego
enrolado num cobertor comido por traças, não havia nem sinal da pessoa que enviara
o bilhete a Jason.
— A alguém aqui? — Duas ratazanas cinzentas passaram correndo por
algumas caixas de madeira encostadas na parede, e o susto fez Velvet pular. — Vim
em nome de lorde Hawkins. Se a pessoa que queria falar com ele est...
Um vulto alto e fornido surgiu como do nada em meio à neblina e, num átimo,
um braço massudo enlaçou-a pelo pescoço para puxá-la de encontro a um tórax duro
como pedra. Com igual presteza, ela gritou e tentou se soltar, porém a força com que
o sujeito a segurava era como uma implacável braçadeira de ferro a refreá-la. Foi
então que, num lampejo desesperado, deu-se conta de que se achava nas mãos do
homem que havia assassinado Célia Rollins... e estava prestes a morrer.
— Perdão, moça — desculpou-se ele com sincero pesar, antes de levar o
punhal ao pescoço de sua aterrorizada vítima.
Numa reação instintiva, Velvet cerrou as pálpebras e esperou pela dor
lancinante... porém não chegou a senti-la. Em vez disso, ouviu passos, percebeu que
a força no braço que a imobilizava se abrandara e, abrindo os olhos, viu o sr.
Ludington entrar no seu campo de visão. Com o ânimo redivivo pelo socorro que
vinha acudi-la, conseguiu soltar-se do brutamontes e, sem sentir as pernas, foi
apoiar-se na parede à busca de recuperar o fôlego.
— Corra daqui, milady! Corra! — gritou o policial antes de se atracar com o
malfeitor. — Salve-se!
Bem que ela queria, no entanto não podia deixá-lo ali sozinho, entregue à fúria
de um assassino. Assim, pôs-se a procurar freneticamente algo para usar como arma
e, ao avistar a enferrujada barra de ferro largada em meio ao lixo, correu para ir
pegá-la.
De volta ao ponto onde os dois homenzarrões haviam se engalfinhado, viu
que o policial, caído no chão, era impiedosamente esmurrado pelo brutamontes.
Então, temendo pela vida do pobre-coitado, juntou toda a coragem e as forças que
lhe restavam antes de aproximar-se dos dois para desferir violenta pancada contra o
flanco do malfeitor, à altura das costelas. Ao zunido que a barra de ferro deixara no
ar seguiu-se o estalo de um osso que se partia, e uma imprecação ecoou pelo beco.
Tornando a erguer o grande e pesado pedaço de metal, Velvet, embora certa
de que ela e seu guarda-costas iriam morrer naquela viela imunda infestada de ratos,
encarou o homem que os atacara. O grandalhão ainda chegou a avançar dois passos,
mas, de súbito, olhou para um ponto à entrada do beco e, praguejando em voz baixa,
deu meia-volta e disparou na direção contrária, rumo à outra extremidade da
ruazinha.
Demorou alguns instantes até que Velvet, toda trêmula, arfante, apavorada,
percebesse o avanço das passadas largas às suas costas. E quando o fez e se virou
brandindo a enferrujada arma que havia improvisado, não sabia se ria ou se chorava.
— Jason!
O cocheiro, que vinha correndo atrás dele com uma das lanternas da
carruagem na mão, foi se ajoelhar ao lado de Ludington, que continuava estirado no
chão, e Velvet ouviu o policial gemer.
— Ele está bem? — Embora interpelasse o condutor, Jason tinha os olhos
cravados no rosto dela.
— Vai ficar, meu lorde, quando o inchaço se for e as escoriações sararem —
respondeu o rapaz. — Vou ajudá-lo a chegar até a carruagem.
Após fazer um gesto afirmativo, Jason, ainda em silêncio, tirou a barra de
ferro das mãos de Velvet.
— Você está bem? — E, ao vê-la fazer que sim, emendou: — O que, em nome
de Deus, você pensou que estivesse fazendo? Podia estar morta a uma hora destas!
Como pôde sertão insensata?
Ela até quis responder, no entanto a voz não lhe saiu.
— Por Cristo, duquesa... — Afagou-lhe o rosto. — O que vou fazer com você?
Abrace-me. Estou tão assustada... Pensei que fosse morrer.
As palavras, porém, não foram necessárias: erguendo-a nos braços, Jason
apertou-a de encontro ao peito.
— Por que tem de ser tão estouvada? Como foi se arriscar dessa maneira?
Velvet teve de conter um soluço para conseguir explicar:
— Passava das nove, você não chegaria a tempo... Pensei que ele tivesse
informações valiosas... Eu não podia perder a oportunidade de...
— Desmiolada. — Colocou-a no chão, depois segurou na mão dela. — E se seu
avô tivesse se esquecido de me entregar o bilhete? E se demorasse mais alguns
minutos para chegar aqui?
— Era uma cilada, não era?
— Sem dúvida. Só não sei se para mim ou para você.
— Era o homem que matou Célia Rollins, Jason. Decerto ele queria acabar
comigo também.
— Só que o bilhete foi enviado a mim. E se seu avô tivesse me entregado a
Jason se debruçou sobre o croqui que Lucien fizera do armazém que possuía
nas docas, local que ele e o marquês haviam escolhido para o encontro com Avery.
— Há um pequeno cômodo aqui nos fundos. — Litchfield mostrou um ponto
no desenho. — O magistrado ficará lá, onde Avery não terá como vê-lo, de onde
poderá espiar por uma discreta vigia e também ouvir tudo o que será dito no galpão.
— Já conversou com ele? — Achavam-se no gabinete da Mansão Haversham,
onde vinham se encontrando desde a agressão a Velvet, já que Jason não queria dei-
xá-la sozinha. — E se ele não se dispuser a ajudar?
— Vou falar com Thomas amanhã à noite. Ele é sócio do clube que freqüento e
está em dívida comigo por conta de um investimento altamente proveitoso que lhe
recomendei alguns anos atrás.
— Tem certeza de que podemos confiar nesse homem?
— Parece-me uma pessoa honesta. Mas, por questões de segurança, só vamos
revelar sua verdadeira identidade a ele depois da confissão de Avery.
Evitando pensar no que aconteceria caso seu irmão não revelasse a verdade,
Jason comentou:
— A julgar pelo que aconteceu nas imediações da Swan and Crown, é de se
supor que Avery já esteja sabendo que não morri. Assim, ele não ficará nem um
pouco admirado quando receber um bilhete meu solicitando um encontro.
— O que é pena, uma vez que não poderemos contar com o fator surpresa.
— De fato. — Passando a mão pelo queixo, estranhou a aspereza dos pelos
que despontavam, afinal fizera a barba naquela manhã. — Eu só queria saber como o
bastardo descobriu que estou aqui.
— Algo me diz que ele não descobriu — retrucou Velvet à soleira da porta. —
Quanto mais penso no que aconteceu, mais me convenço de que seu irmão nem
imagina que você esteja vivo.
— No entanto, ele tentou matá-la.
— Vai ver que não foi pelos motivos que estamos cogitando. — Com os
cabelos presos num coque simples acima dá nuca, aproximou-se deles em meio ao
ruge-ruge do vestido de tafetá cor de abricó. — Vocês não estão levando em conta
que o bilhete podia não ser uma armadilha e que a pessoa que o enviou realmente
sabe de algo que possa nos ajudar. Talvez esse homem não tenha falado comigo
porque esperava que Jason fosse procurá-lo.
— E o fato de o assassino de Célia tentar matá-la? — lembrou Litchfield.
— Ele devia estar vigiando a mansão, como seria de se esperar, e, ao me ver
sair sozinha, foi atrás da oportunidade para acabar comigo. Ou melhor, da teste-
munha que o viu tirar a vida da condessa.
— E se estiver ferido, caído em alguma sarjeta, perguntando-se por que ninguém foi
buscá-lo? E se o homem que me atacou...
— Pare com isso, sim? — Segurando-a pelos braços, Jason obrigou-a a fitá-lo.
— Pare, Velvet. Enquanto não soubermos o que aconteceu, não vou permitir que
você continue a se torturar.
— Estou com tanto medo... Ele é o único parente que me restou, Jason. Ele é
tudo o que tenho. — E, tombando a cabeça sobre o peito, pôs-se a soluçar.
— Vamos encontrá-lo, duquesa. Eu prometi, não prometi? — Abraçou-a com
força. — Por favor, não chore. Assim que o dia clarear, voltaremos a procurá-lo.
Lucien virá nos ajudar, e eu vou contratar alguns homens para percorrerem as ruas
da cidade.
Por mais que tentasse, ela não conseguiu conter as lágrimas.
— Ele sempre foi tão bom para mim... Minha mãe morreu quando eu era
menina, meu pai nunca estava em casa; se não fosse por ele, não sei o que teria sido
da minha vida. — Passou a mão pelas faces, então ergueu o rosto. — Você vai
embora, Jason. Se meu avô se for também, ficarei absolutamente sozinha. Ele a beijou
na testa.
— Você sempre terá a mim, Velvet. Sempre. Mesmo que eu não esteja por
perto, conte comigo para ajudá-la no que for preciso.
— Não preciso que me ajudem; preciso de alguém que me ame.
Os olhos dele cintilaram, um lampejo misterioso e fugidio, um espelho, talvez,
das emoções refletidas no semblante de traços benfeitos. No entanto, Jason não
respondeu.
Quando o silêncio começou a incomodá-la, Velvet afastou-se um passo para
afirmar:
— Amanhã será um dia longo. Acho que deveríamos tentar...
— Sim, deveríamos. — Enlaçando-a pela cintura, instou-a a deixar a sala e a
subir a escadaria. Ao chegarem aos aposentos de Velvet, entrou junto com ela e, após
fechar a porta, pôs-se a desabotoar o vestido de lãzinha azul.
— O que... o que está fazendo?
— Vou levá-la para a cama. Sou seu marido, ao menos por agora; posso amá-
la enquanto estiver por aqui. — Terminou com os botões e passou a desfazer os laços
do corpete. — Tentarei ser cuidadoso, mas, caso haja conseqüências, lidaremos com
isso no momento oportuno.
Tomada por uma onda de abrasado desejo, ela murmurou:
— Você também quer, não é?
— Sou homem, Velvet. — Fixou os olhos nos lábios trêmulos dela. — Quero
Após reler a mensagem que seu criado viera lhe trazer Avery esmurrou o
tampo da mesa. Tanto planejara, tanto se empenhara em garantir que jamais seria
desmascarado, e um infeliz qualquer havia descoberto a verdade sobre o assassinato
de seu pai. Com todos os demônios do inferno! Não precisava de um problema
— O marido de Velvet, cretino. Foi esse o homem que você viu no beco? Hoje
em dia ele está mais velho, é um homem-feito. Imagine esse rapaz mais alto, mais
desenvolvido... É ele?
Baccy pegou o retrato e, após examiná-lo cuidadosamente por alguns
instantes, decretou:
— É ele, sim. O homem que apareceu no beco. Naquela noite a neblina estava
muito densa, mas havia luz nos postes. E eu já o tinha visto outras vezes, entrando e
saindo da mansão.
Avery respirou fundo. O parvo poderia estar enganado, evidentemente,
porém algo lhe dizia que não estava. Tornou a olhar para o retrato e, um instante
depois, teve certeza absoluta de que o sujeito que iria encontrar no armazém
abandonado era seu irmão. Que não havia morrido coisa nenhuma.
— Só pode ser ele — murmurou para si. — Tudo se encaixa: o seqüestro, o
casamento às pressas de Velvet... Meu irmão sempre teve jeito com as mulheres. —
Quase chegou a sorrir. — O desgraçado retornou dos mortos, mas não continuará
vivo por muito tempo.
— Quem?
— Meu irmão, imbecil! Ele pensa que me venceu, mas não perde por esperar.
— Dessa vez, sorriu abertamente. — Certas coisas nunca mudam.
Na noite sem luar que envolvia o cais, tudo o que se ouvia era o mar a fustigar
as tábuas encharcadas de água salobra. No interior da carruagem que seguia para o
armazém do marquês, junto de Ludington e Barnstable, Jason torceu o nariz ao odor
de fungos e peixe morto que penetrava no veículo. Lucien tomara o cuidado de ir
para as docas com Thomas Randall num outro coche, assim não correriam o risco de
o juiz, por um infeliz golpe do destino, vir a reconhecer o homem que, acusado de
matar o próprio pai, dias depois acabara assassinado na Prisão de Newgate.
Ao chegar ao galpão, Jason foi acender o toco de vela que estava sobre um
engradado, depois apanhou o relógio no bolso e conferiu o horário. Estava tudo
pronto. Agora só restava esperar.
— Eu devia ter ido. — Velvet tornou a olhar para o adornado relógio do avô
na sala de estar antes de fazer mais um ponto no bordado, então voltou a falar com
seus botões: — Eu devia tê-los obrigado a me levar.
— O que foi que disse, querida?— indagou o conde, olhando por cima do
livro que estava lendo.
—Nada, vovô. Estou um pouco... um pouco resmungona hoje.
— Por que não pede à cozinheira que lhe prepare um copo de leite quente e
vai se deitar? — Deixando o livro sobre a mesa, pôs-se em pé. — É o que vou fazer.
Velvet também se levantou.
correu para junto do corpo inerte no chão e, após lhe afagar o rosto coberto de
sangue, ergueu os olhos ao juiz e ao chefe de polícia, que haviam se aproximado. —
Ele é inocente. O duque foi quem matou o próprio pai.
Thomas Randall olhou feio para Lucien.
— O que significa isto, Litchfield? Vim aqui para testemunhar o
esclarecimento de um crime, em vez disso fico sabendo que você está em conluio
com um indivíduo condenado à morte por homicídio. Por acaso se dá conta de que
andou acobertando um criminoso? E que isso também é crime?
— Sim, meu lorde. — O marquês aprumou os ombros largos. — Infelizmente,
esse era um risco que eu tinha de correr. Porque tanto eu como lady Velvet, lorde
Randall, temos provas que demonstram que Jason Sinclair não matou o próprio pai.
Incrédulos, os demais homens reunidos ali se puseram a resmungar.
— Então vocês deveriam ter levado essas provas ao meu gabinete. Aliás,
estejam lá amanhã, às dez horas, quando então poderão endereçar suas alegações às
cortes de justiça da Coroa. Enquanto essa questão não se resolve, o acusado
permanecerá encarcerado na Prisão de Newgate. — Sem mais, voltou o olhar a Jason
e ordenou a seus subordinados: —Levem-no.
Um soluço escapou dos lábios de Velvet, que, com o coração em pedaços, viu
o homem que amava ser arrastado dali por vários policiais, escoltados por outros
tantos. Então a mão de Lucien foi pousar no ombro dela.
— Não é o fim. Vamos contratar o melhor advogado de Londres.
— O que podemos contra um duque? — Desalentada, meneou a cabeça. — E
agora você também está em perigo, Lucien.
— Apesar de tudo, sou amigo de Thomas Randall; qualquer pessoa, inclusive
um assassino, pensaria duas vezes antes de atentar contra minha integridade física. É
com Jason que temos de nos preocupar.
— E Mary. — Voltou o olhar para a esposa de Avery a tempo de vê-lo
empurrando-a em direção à carruagem ducal. — Por Deus, o que será dela?
— Quem me dera saber... Creio que só nos resta torcer para que a duquesa
consiga convencer o marido de que era com a vida dele que estava preocupada.
Capítulo V
Fora um blefe, puro e simples. Mas ainda que as provas que tivessem não
fossem suficientes para comprovar a inocência de Jason, ela e Lucien acompanharam
o advogado, o honorável Winston Parmenter, à sala onde ficariam frente a frente com
os seis juizes que representavam a Coroa em casos que envolviam sentença de morte.
Amplo e com paredes revestidas por painéis de carvalho, o recinto era bem
iluminado pelas janelas altas, com grandes vidraças atravessadas por barras de ferro.
Os juizes togados, com longas cabeleiras postiças brancas, alinhavam-se atrás de uma
bancada estreita. Sozinho a uma escrivaninha em frente à bancada, Jason tinha o
rosto todo ferido e arroxeado e um dos olhos tão inchados que mal se abria.
No intuito de conter as lágrimas e não gritar o nome dele, Velvet mordeu o
lábio. De qualquer modo, Jason não se mexeu ao ouvi-los entrar na sala; apenas man-
teve os olhos cravados em algum ponto na parede à sua frente. Foi Parmenter, um
homem alto e imponente com quase quarenta anos de idade, quem lhe endereçou um
fugaz sorriso após revisar brevemente as anotações que tinha em mãos.
Observadas as formalidades de praxe, Thomas Randall, que presidia o
tribunal, tomou a palavra:
— Começarei lembrando a todos que isto é apenas uma audiência, uma
exposição de provas até agora desconhecidas de um crime ocorrido há oito anos. As
acusações são graves e foram feitas contra um homem eminente, o duque de Carlyle,
por parte de um membro da aristocracia de reputação ilibada, o marquês de
Litchfield, o que significa que não podem ser ignoradas. — Remexeu nas folhas de
papel à sua frente, sobre a bancada. — Em contrapartida, o duque de Carlyle acusa o
irmão não somente de matar seu pai, delito pelo qual o prisioneiro já foi condenado,
como também do assassinato da condessa de Brookhurst.
Velvet estarreceu-se. Jason emitiu um ruído gutural. Ao lado dela, Litchfield
se retesou. O advogado pôs-se em pé.
— Imputar a meu cliente o assassinato de lady Brookhurst é absurdo,
Meritíssimo. Não há absolutamente nenhum motivo para se supor que Jason Sinclair
tenha tirado a vida de Célia Rollins.
— Segundo o duque, há. Ele afirma que uma testemunha viu o assassino
evadir-se da residência da condessa e pede que essa dama, sob juramento, descreva o
homem que viu deixar a cena do crime.
Santo Deus, essa dama era ela! Velvet pensou que fosse desmaiar.
Parmenter fez menção de falar, porém Avery, do banco em que ele e o
examinar as novas provas que serão juntadas ao processo e decidir se são suficientes
para reformar a sentença. Assim sendo, peço ao sr. Parmenter que apresente suas
alegações.
Após explicar que a testemunha Betsy McCurdy já fora avisada da audiência e
viria à capital o mais depressa possível, o advogado do réu entregou ao presidente
do conselho de magistrados a pasta com a declaração de Elias Foote, que tentara
matar Jason na prisão, e o contrato firmado entre Avery e a finada condessa de
Brookhurst.
Randall passou os olhos pelos papéis e olhou para Jason antes de anunciar:
— O réu continuará detido na Prisão de Newgate até que esta corte examine
os documentos e se pronuncie.
Velvet sentiu o chão sumir sob seus pés, e o sr. Parmenter tornou a se erguer.
— Gostaríamos de requisitar uma detenção especial, Meritíssimo, tendo em
vista que meu cliente quase perdeu a vida quando esteve encarcerado em Newgate.
— Lamento, mas o réu já tentou escapar anteriormente. — Randall suspirou.
— Assim que esta corte tomar uma decisão, o senhor será avisado.
Mais outra batida do martelo, e todos os presentes se levantaram. Pela
primeira vez desde o início da audiência, Jason olhou para Velvet. Ao vê-lo tão
abatido, com um ar quase resignado, ela fez que fosse se aproximar, porém foi
contida pelo advogado.
— Perdão, minha dama, mas é proibido falar com o réu nas dependências do
tribunal. A senhora poderá visitá-lo assim que ele estiver novamente instalado em
Newgate.
Velvet teve a sensação que um punhal lhe trans-passava o peito. O que seria
de Jason, e dela, se não encontrassem uma forma irrefutável de provar que Avery
Sinclair matara o velho duque de Carlyle?
A parede de pedras cinzentas arranhava suas costas, impregnando sua camisa
de umidade. O filete de sol que atravessava a cela ao lado passava bem longe da
imunda esteira de palha onde ele passava boa parte do tempo sentado. O ar fétido
que o envolvia era sufocante, uma mistura do cheiro acre de suor, roupas pútridas e
todo o tipo de excreções humanas.
Velvet e Lucien tinham pagado para que o colocassem na ala da prisão
reservada aos homens de posses, mas em Newgate o dinheiro só vergava as regras
quando isso convinha aos guardas e carcereiros. Em troca da quantia recebida, os
miseráveis haviam dito que, em poucas horas, iriam providenciar uma cela maior,
mais limpa, mais arejada. Só que, naquele inferno, horas podiam significar dias, dias
podiam virar semanas.
Enquanto isso...
Enquanto isso ficaria ali, pensando em Velvet, a mulher cuja paixão invadira
sua vida, sua cama e seu coração. Lembrando o sorriso, a coragem dela para enfren-
tar o perigo. A lealdade e a confiança que ela sempre lhe empenhara. O modo como
aquele corpo miúdo e benfeito se enlaçava e se misturava ao seu.
Não queria, pois isso só fazia ainda mais penosos o tempo e a distância que os
separavam. Além, evidentemente, de obrigá-lo a reconhecer que seu passado lhe
negava o direito de ao menos pensar em constituir uma vida junto dela...
Fustigada pelo afã de revê-lo naquela mesma noite, e não pela manhã, quando
Lucien ficara de levá-la até a prisão, Velvet vestiu às pressas os trajes simples que
usara na Pousada do Peregrino e correu para a carruagem Haversham, onde o sr.
Ludington, ostentando as machucaduras do entrevero com os homens de Avery, já
esperava por ela. Era surpreendente, mas, mesmo se inteirando da verdadeira
identidade de Jason e da grave acusação que pesava sobre ele, tanto o policial quanto
o sr. Barnstable recusavam-se a acreditar que um homem que se empenhava com
tamanho afinco em provar sua inocência, e proteger as pessoas sob seus cuidados,
fosse de fato culpado pela morte do próprio pai.
— Meu marido precisa de mim — Velvet apressou-se em dizer ao se
acomodar no veículo e deparar com o olhar preocupado do policial. — Não sei
explicar, mas sinto isso. Sinto que ele precisa de mim.
Ludington não respondeu. Apenas desejou ardentemente que, de sua parte,
pudesse fazer alguma coisa para ajudar o patrão que, afinal de contas, achava-se em
vias de ser mandado para o cadafalso.
A carruagem pôs-se a deslizar pelas ruas sombrias e, minutos depois, a
balbúrdia típica da cidade foi ganhando corpo à medida que iam se aproximando da
prisão. Trapeiros e vendedores de carvão, limpadores de chaminés e mendigos
atropelavam-se nos becos e travessas ao longo do percurso, perpassado pelo mau
cheiro das sarjetas e valetas e pelos gritos dos vendedores, oferecendo suas
mercadorias.
Ajude-me, meu Deus. Ajude-me a ajudá-lo.
Ela só foi perceber que tremia quando se viu diante da cela. E não era por
causa da friagem que parecia desprender-se das paredes, dos ulos que ouvira ao
longo dos corredores, dos dedos em forma de garra que vira saltar do vão das grades
para agarrar sua roupa.
— Prontinho, moça. — O obeso carcereiro enfiou a longa chave mestra na
fechadura e girou-a com um rangido áspero, depois apanhou o toco de vela junto a
porta e, após acendê-lo, entregou-o para Velvet. — Você tem uma hora com o
prisioneiro, nem um minuto mais.
Enquanto ela agradecia com um meneio de cabeça, Ludington afirmou:
— Ficarei exatamente aqui, milady. Se precisar de mim, basta chamar.
— Eu a matei.
— Você a salvou da única maneira que era possível e, onde quer que esteja, ela
sabe disso. No lugar daquela menina, eu queria ter o mesmo fim que ela teve.
— Ela era só uma criança, meu Deus... Uma criança que teve negada a chance
de viver.
— E você, Jason? Você conseguiu viver depois daquele dia? — Afastou-se
para poder fitá-lo nos olhos. — Você é apenas um ser humano que, naquele dia, teve
de escolher entre duas opções inconcebíveis, implacáveis, desumanas... E escolheu
poupar aquela inocente, livrando-a de um bando de animais que, antes de matá-la,
iriam submetê-la a um sofrimento atroz. Deus sabe disso, Jason, e está do seu lado.
Faça as pazes com Ele.
— Eu... — Mas ele simplesmente não sabia o que dizer.
— Quanto a mim, amo você ainda mais do que antes. E agora tenho certeza de
que não me enganei: você não só é tudo o que imaginei; é ainda melhor.
— Ah, duquesa... — Abraçou-a com força, apertando-a de encontro ao peito.—
Amo você, Velvet, mais do que tudo no mundo. Eu queria muito que fosse apenas
desejo que...
O carcereiro deu três pancadas na porta da cela, em seguida a chave rilhou na
fechadura.
— Tente ignorar a escuridão, Jason. Você saiu das trevas para a luz, e o
passado não é mais do que a lembrança de algo que já não existe. — Segurou o rosto
dele entre as mãos. — Prometa-me que, quando a escuridão ameaçá-lo, você irá
pensar na luz. A luz é amor. Vai se lembrar disso, não vai?
Ele tentou engolir o nó que tinha na garganta.
— Lembrarei, sim. — Beijou-a. E ante a certeza de que nunca conhecera uma
mulher como Velvet, jurou para si que, enquanto fosse vivo, jamais se separaria dela.
Incapaz de fitá-lo nos olhos, Velvet ergueu-se e, como uma sonâmbula, rumou
para o corredor.
— Ele me fez prometer que não voltaria aqui, Lucien. — Deixou que o
marquês a conduzisse em direção a escada. — Deus, temos de encontrar uma forma
de salvá-lo...
Lucien continuou calado. Não havia mais o que dizer.
— Até que enfim! Depois de todos os problemas que me causou, meu amado
irmão finalmente vai ter o que merece. — Largando o Morning Chronicle sobre a
escrivaninha, Avery sorriu para si antes de erguer os olhos a Baccy Willard, do outro
lado do móvel. — O maldito será enforcado amanhã.
Baccy não respondeu. Além de detestar enforcamentos, não conseguia
entender por que seu patrão sempre se regozijava com a desgraça dos outros. Até
mesmo com a morte do próprio irmão.
— E a moça? O senhor ainda quer que eu dê um fim nela?
— Por ora, não vamos importuná-la. Com meu irmão morto, Velvet não terá
motivos para xeretar onde não é chamada. De mais a mais, os juizes jamais iriam
admitir que mandaram um inocente para o patíbulo.
— E sua esposa?
— A vadia que teve o desplante de fugir? — Apesar do ódio que o assunto lhe
insuflava, tentou mostrar-se indiferente. — Sabemos para onde ela foi, e as pessoas
acreditam que a mandei de volta para o campo, então não vamos fazer alarde. Vou
cuidar de Balfour quando tiver um tempinho livre e, tão logo resolva isso, cuidarei
de trazer aquela desmilinguida para casa. — E surrá-la até tirar sangue. — Enquanto
isso, vamos cruzar os braços e nos divertir com o enforcamento.
Velvet não lembrava a última vez em que quebrara uma promessa. Talvez
tivesse sido quando era criança, na ocasião em que prometera ao avô nunca mais
brincar sozinha nas imediações do riacho... Sim, mas a verdade era que o fizera com
os dedos cruzados, pois já sabia que não iria manter a palavra empenhada.
Deixando as digressões de lado, terminou de se arrumar e, com o mesmo
vestido cinza com enfeites pretos que usara na audiência, deixou a mansão para ir se
acomodar no interior da carruagem emprestada de Litchfield. Embora decidida a não
deixar que Jason a visse, acreditava que ele iria sentir sua presença nas imediações do
cadafalso e que isso lhe daria força e coragem no momento final.
Apesar do autocontrole que se impunha, não estava preparada para a
atmosfera que mais lembrava uma feira a pairar por Tyburn Hill, com a quantidade
de carruagens suntuosas que haviam trazido a elite da sociedade, reunida ali para se
distrair com um espetáculo tão cruel como um enforcamento, com a longa fila de
carroças que levavam os prisioneiros para a morte, todos eles em pé sobre o próprio
caixão.
— Jason... Oh, Senhor, valei-me.
Mesmo àquela distância, não era difícil reconhecê-lo, mais alto, mais forte,
mais espadaúdo do que os demais. Não havia uma gota sequer de medo ou pros-
tração no aprumo da espinha ou no modo resoluto como ele mantinha a cabeça
erguida.
A carroça em que Jason estava se aproximou, e os curiosos se aglomeraram à
volta do veículo, uma turba tão mórbida quanto variegada, mistura dos mais reles
batedores de carteira com membros dos mais altos estratos da sociedade. Cavalheiros
bem-nascidos com binóculos de teatro na mão, damas em seda de Mântua, fidalgos,
em veludo de Manchester, colocavam-se de ombro com comerciantes mal-
ajambrados, ferreiros e padeiros, mungidoras e prostitutas.
Nem em seus sonhos mais absurdos Velvet poderia imaginar que houvesse
pessoas que rissem e batessem palmas enquanto o verdugo levava o nó da forca ao
pescoço do condenado. Ou que uma vendedora de maçãs assadas fosse aproveitar a
ocasião para circular em meio à multidão oferecendo suas guloseimas.
Um vigário passava pela fila de carroças murmurando preces para aqueles
que as aceitavam. Aproveitando que ele ainda estava longe de Jason, Velvet olhou
pela multidão à procura de Lucien e, como não o visse, voltava o olhar a seu robusto
e bonito marido quando sentiu sua atenção atraída para a fileira de carruagens
estacionadas ao longo da estrada que subia a colina: o brasão Carlyle, envolto em
rebuscadas filigramas douradas, estampado na portinhola do coche do duque.
Um assomo de ódio apoderou-se dela, tão intenso que lhe dava um gosto
ácido na boca. Avery estava ali. Tinha ido assistir ao enforcamento do irmão e certa-
mente esperava divertir-se um bocado com aquela selvageria que ele próprio havia
engendrado. O maldito bastardo, o canalha que iria matar seu marido.
— Vá se preparando, rapaz. Você será o próximo.
Jason ignorou o peso das correntes e a dor que as algemas ao redor de seus
pulsos e tornozelos lhe causavam. Só queria ter um fim sereno, mas era difícil sentir-
se em paz sabendo que não conseguira vingar a morte de seu pai, que seu irmão
continuaria impune, gozando dos frutos do crime que cometera. E também havia
Velvet, sua doce e tão querida Velvet, que, mesmo forte como era, precisava de
alguém que amasse tanto quanto ele.
— Mexa-se, homem de Deus!
Diante do patíbulo, ele respirou fundo em busca de coragem e pôs-se a subir
os degraus.
Assolada pelo ódio que lhe corroía as entranhas, Velvet aproximava-se dos
belos cavalos cinzentos atrelados à imponente carruagem do duque de Carlyle
então viu, com olhos atônitos, Lucien Montame chegar desembestado ao palanque
para subir de dois em dois os degraus que levavam ao topo da plataforma... e
alcançar o patíbulo no instante em que o verdugo se preparava para tirar o apoio
sobre o qual Jason se equilibrava.
— Oh, meu Deus!
Outros três cavalheiros chegavam às carreiras ao cadafalso: o conde de Balfour
e dois juizes. Um desses magistrados era Thomas Randall, que foi logo gritando:
— Tirem esse homem daí! Cortem essa corda, estou mandando! E sejam
rápidos!
— Meritíssimo! — Ao alcançar enfim a plataforma, Velvet arfou, tentando
recuperar o fôlego e conseguir falar. — Este homem... aqui comigo testemunhou o
assassinato... do duque de Carlyle. — Inspirou uma boa golfada de ar. — Sei que a
palavra dele nada vale contra a palavra de um duque, mas, anexada às demais
provas que...
— Exatamente, milady — interrompeu Randall. — Graças à sua cunhada,
Mary Sinclair, o conde de Balfour conseguiu localizar um homem chamado Bacilius
Willard e... num esforço de persuasão, digamos assim, convencê-lo a deixar o
caminho do pecado para abraçar a verdadeira justiça e confessar o assassinato da
condessa de Brookhurst. E não apenas isso: o sr. Willard também declarou às
autoridades que o mandante do crime foi o duque de Carlyle. Assim, somadas às
provas que...
O disparo de uma arma de fogo ecoou pelo ar, e uma lufada de fumaça branca
se ergueu de um ponto entre a multidão. Em meio aos gritos de um grupo de
mulheres próximas dali, Jason, ao lado de Lucien, levou a mão à orelha; a bala
passara tão perto que seu ouvido zunia.
— Foi Avery! — O marquês apontou o homem que tentava se misturar à
multidão. — Peguem-no!
Nem bem o verdugo soltou a última algema de seu pé, Jason saltou do alto
patíbulo para ir aterrissar junto a Velvet e, após beijá-la nos lábios, sair correndo em
direção ao local indicado por Lucien, com o amigo e mais um punhado de homens da
lei em seus calcanhares. Tolo o bastante para imaginar que ninguém o vira atirar, ou
que seu dinheiro poderia lhe comprar novamente a impunidade no caso de alguém
ter visto, Avery continuou rumando de volta à sua carruagem. Mas sabia ele que
jamais chegaria ao veículo.
Jason o alcançou quando ele iria levar a mão à maçaneta da portinhola e,
derrubando-o no chão, saltou sobre o peito do irmão para esmurrá-lo até perder o
fôlego. Então o agarrou pelo jabô da camisa branca e colocou-o em pé novamente
para lhe dar um sonoro soco na boca.
— Vou matá-lo, amaldiçoado! — Cambaleando, com o colete de cetim
dourado todo sujo do sangue que lhe escorria dos lábios, Avery enfiou a mão por
dentro do fraque e dali tirou uma pistola. — É como digo: se quiser um serviço
benfeito, trate de fazê-lo você mesmo. — E engatilhou a arma.
As pessoas ao redor dos dois se encolherem, ele recuou alguns passos e Jason
rosnou uma praga. Àquela distância, era impossível que Avery errasse a pontaria.
Santo Cristo, não podia deixar que o canalha o vencesse novamente. Não era justo.
Não era... Num rompante, dobrou o corpo de lado e, assim que caiu no chão, rolou
de lá para cá. Então ouviu o estrondo de um tiro... e mais outro. Demorou alguns
instantes a se dar conta de que o primeiro projétil partira de um ponto às suas costas,
acertando Avery no peito. O segundo disparo, que se perdera no ar, tinha saído da
arma de seu irmão.
— Vá com Deus — declarou Silas Ludington sem um pingo de remorso
enquanto guardava o revólver descarregado no cós das calças.
Levantando-se, Jason voltou os olhos ao homem caído no chão a poucos
metros de distância. Os olhos vazios de Avery miravam o céu.
— Ele está morto? — indagou Lucien ao alcançá-los.
— Está.
— Então finalmente acabou.
Com a sensação de que um peso imenso fora erguido de seus ombros, Jason
fez um gesto assertivo com a cabeça antes de rumar para o alto da colina. Sim,
finalmente estava tudo acabado. Fizera-se justiça. As correntes que a ambição
desmedida de Avery manchara de lama estavam límpidas de novo. Até mesmo
Balfour e Mary Stanton iriam ter paz, e não havia quem a merecesse tanto quanto
eles.
Aos pés do patíbulo, Velvet tinha os olhos marejados. Mas foi Thomas Randall
quem tomou a iniciativa de fazer um comentário:
— Parece-me, Vossa Graça, que está na hora de você levar sua linda esposa
para casa.
Como se não acreditasse que aquilo seria possível, ela quis se certificar:
— Vamos mesmo para casa, Vossa Graça?
— Sim, duquesa. Vamos para Carlyle Hall. — Jason afagou o rosto dela. —
Não menti quando disse que a amava e jamais iria me separar de você. Enquanto eu
estiver vivo, você estará presa a mim, duquesa. E, graças ao seu empenho e aos
esforços de alguns grandes amigos, parece que minha vida será bem longa.
A multidão em Tyburn voltara a se regozijar. Pelo cavalheiro no topo da
colina, o duque de Carlyle de fato e de direito, que enfrentara a morte olhos nos
olhos e sobrevivera para contar a história, e pela bela duquesa de longos cabelos
levemente avermelhados, que o beijava apaixonadamente.
Até mesmo a turba que se reunia na colina para se refestelar com espetáculos
abjetos deleitava-se com um final feliz.
Epílogo
Inglaterra, 1765
Os últimos raios de sol tingiam o horizonte de suaves tons de dourado. O
outono chegara, derrubando as primeiras folhas das árvores, trazendo frio às noites
agora mais longas.
Preparando-se para tomar um banho antes que as visitas, lorde e lady Balfour
e os filhos Michael e Sarah, chegassem para passar uma semana com eles, Velvet se
deteve diante da janela para admirar o marido.
No viçoso gramado sob o terraço, ele conduzia o pônei mosqueado montado
pelo filho deles de quatro anos de idade, Alexander Jason III, enquanto a irmãzinha
de dois anos de Alex, Mary, de quando em quando se aproximava do pai para lhe
agarrar as pernas e recusar-se a soltá-las. Na terceira vez em que isso aconteceu,
Jason, rindo como um tonto, tomou a pequenina nos braços e, para deleite de Mary,
acomodou-a sobre os ombros. Do outro lado do gramado, o conde de Haversham,
agora um felicíssimo bisavô, assistia à cena com um ar enlevado.
Velvet sorriu para si. Jason era um pai maravilhoso, muito melhor do que ela
jamais havia imaginado. Tendo enfim superado os segredos sombrios do passado, o
legítimo duque de Carlyle tornara-se o homem que estava predestinado a ser. Os
anos de sofrimento haviam lhe dado uma firmeza de caráter e uma capacidade de
discernimento que poucas pessoas possuíam.
Bateram de leve à porta do aposento e, antes que Velvet fosse ver quem era,
Tabitha se antecipou e correu a abri-la. Os criados que traziam água quente para a
banheira de cobre num canto do dormitório cuidaram de esvaziar seus recipientes,
em seguida rumaram de volta à cozinha.
Após ajudar sua ama a despir o roupão de seda cor-de-rosa e entrar na
banheira, a aia indagou:
— Ainda vai precisar de mim, Vossa Graça?
— Não, Tabby. Obrigada.
A roliça Tabitha se foi com uma mesura, e Velvet, com um suspiro, deitou a
cabeça sobre a borda da banheira. Em breve iriam retornar a Londres, uma vez que
Jason, que se tornara membro da Câmara dos Lordes, administrava aquela
responsabilidade com muito zelo. Com as atenções voltadas especialmente ao
sistema judiciário, ele, que conhecia os pontos frágeis da instituição, nunca deixava
de interceder em favor das pessoas mais simples. Tanto que, quando Baccy Willard
fora condenado à forca, tinha encaminhado uma petição ao tribunal e conseguido
que a sentença de morte fosse comutada por uma pena comum, a ser cumprida no
cárcere. Segundo Jason, o verdadeiro criminoso tinha sido Avery. Baccy, um pobre
ignorante, não fora mais do que um fantoche nos jogos mortais do seu irmão.
— Sonhando acordada, meu amor?
Velvet sentiu as mãos deles, grandes porém delicadas, em seus ombros. Virou-
se para fitá-lo... e deparou com os intensos olhos azuis cobiçando a curva dos seus
seios acima da superfície da água.
— Eu sonhava com você, meu marido.
— Fico contente em saber, assim, imagino, não terei muita dificuldade para
colocar em prática o que tenho em mente.
— E eu posso saber o que você tem mente?
— Seduzi-la, meu amor. Não era essa a minha intenção quando entrei aqui,
mas já que você está vestida para a ocasião... — Curvando-se, enfiou as mãos na água
para erguê-la nos braços.
Velvet deu um gritinho.
— Jason Sinclair, você perdeu o juízo? Não vê que está ficando todo
ensopado?
— Ah, isso é bem fácil de resolver. — Beijou-lhe os lábios e, ignorando a água
que pingava pelo quarto, foi colocá-la sobre a cama, então tratou de se despir com
invejável presteza.
— Ao menos você podia me enxugar...
— Oh, vou enxugá-la, sim. Cuidadosamente. — Tão logo se viu nu, ajeitou-se
entre as pernas dela e pôs-se a passar a língua pelas gotas mais volumosas que via
sobre a pele alva.
Meu bom Deus! Os lábios de Jason deslizaram por seus seios, sugando os
mamilos inchados de desejo, percorreram seu ventre, provocando o umbigo com
suaves mordidelas, e escorregaram por entre seus pelos até irem mergulhar entre as
dobras de sua feminilidade em brasa. Cálida, involuta, atrevida, a língua dele
encontrou o pequeno botão que concentrava toda a sua sensualidade e ali se perdeu
em carícias lancinantes.
O clímax a fez agarrar-se às cobertas antes de se entrelaçar aos cabelos macios