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Adorável Espiã

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Samantha Saxon – Adorável Espiã

(CH 355)

Adorável Espiã
The Lady Lies

Samantha Saxon

Espanha, Inglaterra, 1811.

Uma mulher confiável?

Celeste Rivenhall trabalha para o serviço secreto inglês fazendo-se passar por espiã
francesa. Forçada a viver entre mentiras, ela teve de endurecer o coração para
manter-se verdadeira consigo mesma. Mas quando lorde Aidan, o conde de Wessex,
é confiado à sua guarda como prisioneiro de guerra, Celeste sabe que fará qualquer
coisa para ajudar o corajoso oficial britânico... menos revelar sua verdadeira
identidade. Aidan Duhearst despreza Celeste por ser uma traidora, mas ao mesmo
tempo é incapaz de resistir aos encantos da bela espiã. Entretanto, seria um outro
segredo de Celeste, guardado a sete chaves, que poderia levar o conde à
perdição...

Projeto Revisoras 1
Samantha Saxon – Adorável Espiã
(CH 355)

Digitalização e Revisão: Crysty

Copyright © 2005 by Samantha Saxon

Originalmente publicado em 2005 pela Berkley Publishing Group.


PUBLICADO SOB ACORDO COM BERKLEY PUBLISHING GROUP.

NY, NY - USA Todos os direitos reservados.


Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança
com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

TÍTULO ORIGINAL: The Lady Lies

EDITORA
Leonice Pomponio

ASSISTENTE EDITORIAL
Patrícia Chaves

EDIÇÃO/TEXTO
Tradução: Ercilia Magalhães Costa
Revisão: Luiz Chamadoira

ARTE
Mônica Maldonado

ILUSTRAÇÃO
Hankins + Tegenborg, Ltd.

COMERCIAL/MARKETING
Silvia Campos

PRODUÇÃO GRÁFICA
Sônia Sassi

PAGINAÇÃO
Dany Editora Ltda.

© 2006 Editora Nova Cultural Ltda.


Rua Paes Leme, 524 - 10 andar - CEP 05424-010 - São Paulo – SP

www.novacultural.com.br
Impressão e acabamento: RR Donnelley Moore

Projeto Revisoras 2
Samantha Saxon – Adorável Espiã
(CH 355)

Prólogo

Londres,
24 de setembro de 1794
A primeira coisa que Daniel viu foram as plumas. Soube que o dono daquele chapéu
enfeitado era o duque de St. John, pai de Christian. O duque, comandante-chefe das
forças britânicas, voltava para casa, depois de conquistar extraordinária vitória na
batalha de Lincelles. Assim que ele apareceu no jardim, o sol brilhou em suas
numerosas medalhas, tornando o homem em seu uniforme muito mais
impressionante, muito mais heróico.
— Pague a aposta, Wessex — ordenou Daniel McCurren ao amigo Aidan. — Eu
disse que o pai de Christian chegaria a tempo para a festa de aniversário do filho
caçula.
Resignado, Aidan tirou do bolso uma moeda de cobre. Tinha feito uma aposta
segura, pois seu pai, o conde de Wessex, oficial de maior confiança do duque de St.
John, havia escrito uma carta dizendo que o regimento chegaria à Inglaterra em
outubro. Mas, eles ainda estavam em setembro e o duque acabara de chegar a sua
casa. Isso queria dizer que veria o pai, depois de tantos meses de ausência. O
pensamento trouxe-lhe um sorriso aos lábios.
— Aqui está — tornou Aidan, atirando a moeda para o amigo. Em seguida deu-lhe
um soco nas costas e acrescentou: — Sua moeda, escocês arrogante que usa saia.
— Isto não é saia, é um kilt, inglês convencido. — Daniel deu um murro no amigo,
derrubando-o da árvore na qual ambos tinham subido.
Aidan quase caiu sobre John Elkin.
— Desculpe — Aidan resmungou, ao ver-se estendido no gramado.
John Elkin não desviou a atenção do livro que estava lendo e chutou o traseiro de
Aidan.
— Não foi nada.
A dor fez com que Aidan rolasse para o lado. Pensou com azedume por que fizera
amizade com aquela turma.
John Elkin, filho de pais que viviam brigando, tornara-se sarcástico, cético, e
mergulhara no mundo de seus amados livros. Mas era amigo leal, espirituoso, dono
de um coração mole como geléia.

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Samantha Saxon – Adorável Espiã
(CH 355)

O musculoso rapaz que o derrubara da árvore era Daniel McCurren, escocês


carismático, engraçado e corajoso. A palavra medo não fazia parte de seu
vocabulário e, infelizmente, nem a palavra humildade.
Christian St. John, loiro, de olhos azuis, era o filho mais jovem do duque de St. John;
portanto, não herdaria absolutamente nada... Era alegre, despreocupado, ingênuo e
incrivelmente crédulo. Por vezes Aidan o via como um cãozinho de poucos meses.
— Bem feito, John! — Daniel exclamou do alto da árvore, rindo.
— Cuidado, Daniel, ou não permitirei que se case com minha irmã — Aidan advertiu-
o.
Erguera-se do chão e ajeitava os cabelos negros, ao mesmo tempo que olhava para
o forte amigo.
— Sarah? Daniel quer se casar com Sarah? — John indagou, surpreso.
— Na semana passada, ele falou-me sobre suas intenções — Aidan respondeu com
um sorriso afetado.
— Você não se acha muito jovem para pensar em casamento, Daniel? — John
perguntou, fechando o livro. — Bem, creio que devo dar os parabéns à noiva.
— Tome liberdades com ela, Elkin, e lhe torço o pescoço — ameaçou Daniel. Seus
olhos estreitaram-se ao virar-se para Aidan. — E você, Aidan, não devia falar sobre
o assunto confidencial de um homem!
— Homem! — John riu. — Você é uma criança de dez anos como nós!
— Vou fazer onze anos daqui a duas semanas. Sou um ano mais velho do que
Christian.
Aidan olhou na direção de Christian que no momento abraçava o pai. O duque
inclinou-se e disse algo ao ouvido do filho. O menino virou-se e indicou Aidan.
— Aidan Duhearst! — o duque chamou o garoto.
O coração de Aidan bateu de alegria. Passou as mãos pela roupa e foi até a irmã
que brincava com o caçula dos sete meninos McCurren. Estava certo de que o pai
viera buscá-los pessoalmente. Sarah beijou o garotinho de quatro anos, deixou-o no
gramado e levantou-se.
— Continue brincando, Sarah. Venha apenas Aidan — disse o duque.
O sorriso de Sarah desapareceu. Seus olhos verdes voltaram-se para os do irmão.
Ele encolheu os ombros discretamente e foi até o duque.
— Acompanhe-me, Aidan.
Sem ter alternativa, o garoto entrou com o duque no enorme hall, ouvindo as batidas
rítmicas das botas hessianas no piso de mármore. Um lacaio abriu a porta dupla do

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escritório e fechou-a assim que os dois entraram no cômodo. Aidan olhou ao redor
mais nervoso do que curioso.
Costumava visitar o amigo com freqüência, mas nunca tinha entrado no escritório.
Bem que ele e os amigos haviam tentado. Algumas vezes Christian planejara
surrupiar um ou dois charutos assim que não houvesse nenhum lacaio no hall, mas
nem mesmo o destemido Daniel McCurren tivera coragem de girar aquela maçaneta
reluzente.
— Sente-se, Aidan.
Obediente, o garoto sentou-se na enorme poltrona de couro, na frente da
escrivaninha, tendo de esticar as pernas magras para poder encostar os pés no
grosso tapete. E esperou. O duque ficou um instante olhando pelas altas janelas,
tendo as mãos cruzadas às costas.
— Você sabe que acabei de chegar de Lincelles, não?
— Sim, Alteza. — Aidan empertigou-se, determinado a parecer mais amadurecido.
— Toda a Inglaterra sabe de sua vitória.
O duque voltou-se paia o menino.
— Bem, a vitória não foi minha. Nossas tropas enfrentaram os franceses que tinham
muito mais canhões. A primeira linha de infantaria foi aniquilada. E quando a
segunda começava a vacilar, um dos oficiais dos dragões avançou para a linha de
frente com seu cavalo, com a espada em punho, e saltou sobre os franceses como
se o animal tivesse asas. Nunca vi nada mais glorioso. Os soldados criaram novo
ânimo. Foi a bravura desse oficial que subjugou o inimigo e nos levou à vitória, em
Lincelles. Esse oficial, Aidan, era seu pai.
O queixo de Aidan tremeu, ele não podia respirar. Baixou a cabeça e fixou os olhos
no tapete, mas em lugar do bonito desenho viu apenas um borrão. Um som metálico
fez com que olhasse sobre a escrivaninha e viu o anel de ouro do pai.
— O conde de Wessex foi o homem mais nobre e corajoso que conheci — o duque
prosseguiu. — Creio que nunca mais terei o privilégio de conhecer outro como ele.
Eu sei que é difícil, Aidan, mas a partir deste momento... você é o novo conde de
Wessex.
Aidan tinha consciência de que era o herdeiro do pai; estava sendo criado e
educado para receber o título de conde de Wessex. Mas não agora.
Não estava pronto.
Levantando-se, pegou o sinete de Wessex e colocou-o no dedo médio, mas o peso
do ouro fez com que o anel escorregasse. Ele empurrou-o com a mão trêmula e
cerrou o punho, com medo de nunca tornar-se o homem valoroso que o pai tinha
sido e para ser digno daquele anel.

Projeto Revisoras 5
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Capítulo I

Londres, 20 de abril de 1811


O velho lorde, chefe do serviço secreto, sentou-se à pequena escrivaninha do
modesto escritório, nos fundos de Whitehall, onde ficavam os prédios do governo, e
olhou para os três dossiês já bem manuseados.
Pegou o primeiro deles e, como num ritual, releu-o, analisou cada detalhe, tentando
encontrar algo que tivesse passado despercebido. Quando terminou, fechou os
olhos e deixou-se ficar mergulhado naquele silêncio que só acontecia nas horas que
antecediam o alvorecer... E rezou.
Pediu a Deus que o protegesse, o orientasse e, principalmente, que o perdoasse.
Repetiu o mesmo processo com os outros dossiês. Por fim, levantou-se, pegou os
papéis que tinha sobre a escrivaninha e foi devagar até a lareira. Fixou, hesitante, os
olhos nas chamas e, com um suspiro triste, deixou os papéis escaparem de seus
dedos. Papéis que representavam suas agentes. Era como se três mulheres de
Whitehall escapassem de seus dedos.
O fogo resplandeceu, os documentos retorceram-se e ficaram queimados nas
bordas. Ele empurrou-os com o atiçador, avivando as chamas, e esperou até que
não restasse nada dos papéis, além das cinzas... E de sua consciência torturada.

Albuera, Espanha, 16 de maio de 1811


Aidan não sabia onde estava, nem como tinha chegado àquele lugar.
Sentiu momentâneo alívio ao receber no rosto o vento frio que lhe abrandou o calor.
A luz forte sobre sua cabeça latejante fez com que fechasse os olhos. Aquela
sensação era dez vezes pior do que qualquer tipo de ressaca que já havia tido
depois de uma noite de excessos.
Tentou abrir os olhos, piscou algumas vezes e pôde ver o chão. Barro. Sujeira. O
chão começou a se mover. Não. Ele movia-se, mas não movimentava as pernas. Os
cabelos estavam úmidos e pegajosos, na testa havia placas escuras. Confuso,
baixou os olhos e notou o uniforme todo manchado de sangue.
Então a viu e a mente ficou mais clara.
Um anjo.

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Seu anjo.
A idéia que fazia de um anjo era a de um ser etéreo, com asas, vestes brancas,
leves e esvoaçantes. Mas seu anjo usava vestido de baile azul. Com toda certeza,
Deus sabia que ele era inglês e o havia criado para receber aquele emissário
perfeitamente de acordo com seu gosto.
Inundou-o uma agradável sensação de paz e ele sorriu. Havia morrido com seus
soldados. A cabeça oscilou para o lado e ele lutou para manter-se consciente. Olhou
novamente para o lindo anjo loiro e notou que ela dizia alguma coisa.
Estaria falando com ele? O que desejaria saber? Como poderia ele explicar ao lindo
anjo o que tinha acontecido em Albuera? Iria dizer que fracassara, que desapontara
seus homens?
Não podia fazer isso.
Ao aguilhão da culpa juntou-se a dor que sentiu ao ser jogado sem a menor
consideração numa cadeira dura. As cordas que tinha nos pulsos feriam-lhe a carne.
Aidan gemeu.
Ouviu o anjo de azul dizer, em francês:
— Idiotas! Desamarrem-no.
Ela parecia zangada, mas não com ele. Um soldado prontamente cortou as cordas,
liberando os pulsos de Aidan, trazendo-lhe algum alívio. Gotas de sangue desceram-
lhe pelo rosto, indo manchar ainda mais o uniforme. De onde vinha aquele sangue,
ele não sabia.
Confuso, tentou ouvir o que o anjo estava dizendo, mas as palavras pareciam não
fazer sentido. Ele desviou a atenção para o cômodo onde se encontrava. A claridade
era pouca, mas suficiente para ver dois soldados com uniforme da infantaria
francesa: um à sua direita, outro à esquerda. Um terceiro guardava a porta. Junto à
parede havia um aparador com uma jarra e vários copos.
Um coronel do exército francês estava sentado a uma escrivaninha velha e
conversava com o anjo. Aidan esforçou-se para acompanhar o que diziam.
— Onde o encontraram? — O tom de voz do anjo foi ríspido.
— Em Albuera. Tinha uma perna debaixo do seu cavalo. Sete dos nossos soldados
cercavam-no. Todos mortos.
— E o cavalo? — indagou o anjo.
— Morto. Atravessado por uma lança.
Aidan contraiu-se. Parecia ouvir Thor relinchando ao receber a lança que lhe
atravessara o peito, indo cair num lamaçal.

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— É claro que o cavalo estava morto, coronel. Por isso o cavaleiro ficou preso sob
ele. Quero saber como era o animal. Descreva-o.
— Era... um belo... cavalo — o coronel gaguejou.
— O que mais?
— Não sei de que raça era. Também não vi marcas.
Aidan observou o anjo de azul. Nunca tinha visto um anjo zangado. Bem, ele não
tinha nenhuma experiência com seres celestiais. Como poderia julgar o
comportamento de um anjo? E esse coronel? Não entendia nada de cavalos. Enfim,
ele não era inglês e, sim, francês.
— Hum... — O anjo bateu o delicado leque de renda na palma da mão e voltou-se
para Aidan. Inclinou a cabeça para o lado e observou-o por um momento.
Ele fitou-a, maravilhado.
Os olhos dela eram grandes, lindos, azuis com pontinhos verdes. Ou seriam verdes
com pontos azuis? Os cabelos loiros estavam presos no alto da cabeça, num
elegante penteado. Parecia que ela havia saído de um salão de baile.
A mulher etérea tinha nariz perfeito, levemente arrebitado. E a boca! Deus, que
lábios! Cheios, vermelhos, sensuais! O peito de Aidan doeu. Havia sete longos
meses que não tinha a companhia de uma mulher e essa criatura celestial à sua
frente seria capaz de tentar um santo, o que dizer de um pecador como ele!
— Qual é seu nome, sir? — perguntou a criatura celestial em inglês com leve
sotaque francês.
Seu nome?
Aidan franziu a testa. A mente começou a clarear. Olhou ao redor, notou as barras
nas janelas daquela sala suja. Ouviu o tinir de metais e de homens gritando ao
longe. Piscou. Lembrou-se de que havia lutado em Albuera com lorde Beresford.
Que falta de sorte! Tinha sido preso!
Instintivamente, empertigou-se, e logo pensou em lutar para sair dali. Mas ao sentir
uma pistola encostada na cabeça, manteve-se sentado.
Fora capturado e iria morrer nas mãos do inimigo. Por Deus, devia ter morrido com
seus homens, em combate. Invadiu-o uma horrível sensação de culpa.
A criatura seráfica chegou mais perto dele. Agora o examinava. Aidan baixou os
olhos com receio de revelar o que estava sentindo. Ao notar a curva dos seios dela,
encheu-se de desejo.
— Traga-me um lenço umedecido, coronel — ordenou a mulher. Continuou olhando
para Aidan e repetiu a pergunta: — Qual é seu nome, sir?

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Ele ergueu bem a cabeça, arqueou as sobrancelhas e respondeu com um ar


condescendente que só os ingleses possuem:
— Lamento, mas não me lembro.
Tendo recebido o lenço, a mulher segurou o queixo de Aidan e fez com que ele
inclinasse a cabeça para trás. Em seguida limpou o sangue e a sujeira do rosto dele.
O toque delicado deixou-o trêmulo. Porém, manteve o olhar atrevido fixo nela, sem
dar demonstração de que o cheiro agradável daquele encantador corpo feminino
aumentava o ritmo de sua pulsação, tampouco de que o contato das mãos macias
parecia queimar-lhe a pele.
O anjo inclinou-se para examiná-lo mais de perto, virou a cabeça dele para Um lado,
para o outro, sempre atenta. Depois soltou seu queixo como se ele fosse um ser
desprezível.
— Tirem o casaco dele e me entreguem tudo o que encontrarem nos bolsos — ela
ordenou aos soldados e voltou para a escrivaninha.
Aidan ficou de pé. Do alto dos seus um metro e oitenta e cinco, olhou para os dois
soldados que ficaram à sua frente. Rangeu os dentes e cerrou os punhos quando
lhe tiraram com brutalidade o casaco e abriram a camisa suja de sangue e lama.
Os soldados examinaram os bolsos do casaco na frente da mulher que,
evidentemente, era quem estava no comando naquela sala. Aidan teve certeza de
que eles não iriam encontrar nada que pudesse identificá-lo. Carregava consigo
apenas um retrato em miniatura da irmã com o casal de gêmeos, ainda bebês. Era
por causa dos três entes queridos que ele lutava nessa guerra esquecida por Deus.
Exausto, inspirou profundamente, expandindo o tórax dolorido.
O fascinante ser angelical, que, antes de mais nada, era seu inimigo, pegou a retrato
de Sarah e, aproximando-se novamente de Aidan, colocou a mão no peito dele, cuja
camisa continuava aberta, despertando nele prazeres que naqueles meses tinham fi-
cado adormecidos. Prazeres pelos quais ansiava; prazeres que, se os tivesse ainda
que por um momento, fariam com que esquecesse a brutal realidade da guerra.
Excitado, fechou os olhos e repreendeu-se severamente por seu corpo revelar a
reação que a proximidade daquela mulher provocava nele. Ciente de que era linda,
ela usava sua beleza como arma, e ele sentia-se fraco demais para defender-se.
O anjo continuou com seu ataque sensual.
— Está ferido, milorde? — perguntou.
Perfeitamente controlado, Aidan respondeu.
— Sinto desapontá-la, milady, mas os franceses têm péssima pontaria. Tenho
apenas uns arranhões.

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O riso cristalino ecoou pelas paredes daquele lugar sujo e escuro, evidentemente
uma prisão. A mulher pressionou o ombro de Aidan, uma ordem silenciosa para que
ele se sentasse. Sua vontade era permanecer de pé, simplesmente para desafiar
sua captora, mas sentia-se exausto. Além disso, aquele tipo de resistência não lhe
traria benefício nenhum. Assim, encarou a mulher e sentou-se.
— Ora, os ingleses são reconhecidamente arrogantes. E você, milorde, é o homem
mais arrogante que já encontrei.
O sorriso dela era fascinante. Parecia até que flertava com ele, como se ambos
estivessem num grande evento social, e não em uma imunda prisão francesa. Ela foi
até a escrivaninha e pegou uma folha de papel.
— Hum... Você lutou em Albuera sob o comando de lorde Beresford. — Ela olhou
para o coronel, fez um movimento com a cabeça e ele começou a tomar notas. —
Na última batalha comandou um pequeno regimento. E, pelo seu modo de falar,
acredito que pertença à Câmara dos Lordes.
Impressionado com a exatidão daqueles dados, Aidan manteve os olhos fixos na
traiçoeira criatura seráfica. Mais uma vez ela aproximou-se dele, ficando tão perto
que a barra de seu vestido roçou nas botas enlameadas. Durante alguns segundos,
eles apenas se fitaram em silêncio. Depois, ela observou:
— Quando eu era pequena, tinha um cavalo. Era um animal muito cabeçudo e,
quanto mais apanhava de meu pai, mas teimoso ficava. Com medo de que o animal
acabasse morrendo de tanto apanhar, passei a agradá-lo e a lhe dar cenouras para
torná-lo dócil e obediente. Sabe que, a partir daí, meu cavalo fazia tudo que eu
quisesse?
— Uma história interessante — Aidan observou com indiferença. — Mas não entendi
o porquê de sua pequena narrativa.
A mulher ergueu as sobrancelhas e sorriu.
— Ah, mas essa história tem um propósito, milorde. Vejo que estou diante de um
homem obstinado. — Introduzindo a perna, entre os joelhos de Aidan, a mulher
forçou-o a separá-los e ficou de pé entre eles. — Minha experiência diz que, com
pessoas como você, castigos não surtem efeito.
Um arrepio percorreu a espinha de Aidan. Ele cerrou os maxilares. Sabia que era
forte, corajoso e capaz de suportar todo tipo de sofrimento no calor de um combate.
Porém, considerava-se fraco demais para resistir a uma mulher tão sedutora. E ali
estava a sereia esfregando-se nas coxas dele, acariciando-o, certa do efeito que
aqueles movimentos provocariam nele ou em qualquer outro homem. Ela sorriu e
curvou-se do modo provocativo, oferecendo a Aidan a chance de admirar por um
longo momento a curva dos belos seios. Então os olhos dele se prenderam aos dela.

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O rosto da mulher estava a uns quinze centímetros de Aidan. As mãos dele


formigavam de desejo de tocar aqueles seios tão elegantemente expostos e ao seu
alcance. Quis lutar, mas viu-se perdido. O membro viril tornava-se cada vez mais
rijo. Como se ele estivesse hipnotizado, seu olhar fixou-se nos lábios sensuais.
— Uma cenoura proporciona grande prazer quando é saboreada — a mulher
prosseguiu e inclinou-se ainda mais, seu rosto quase tocando o de Aidan.
Ele podia sentir o perfume e o calor que irradiava da pele macia. Determinado a
ignorar a mulher, Aidan cerrou os punhos e olhou para a parede. Mas sentiu a
respiração dela, quente e acariciante atrás da orelha.
— Sei muito bem o que você deseja — a sereia falou num sussurro e prendeu a
ponta da orelha de Aidan entre os dentes.
— Hum... Pode ser que eu queira... a mesma... coisa.
Ele fechou os olhos ao sentir ondas traiçoeiras de desejo percorrendo-lhe todo o
corpo. Felizmente, a mulher afastou-se. Aliviado, Aidan deu o mais encantador de
seus sorrisos e falou:
— Seu cavalo era francês, milady. Montarias inglesas não se deixam seduzir por
coisas banais como cenouras.
Os lindos olhos lampejaram de raiva. Em seguida mostraram-se surpresos. Não.
Havia na expressão da mulher algo além da surpresa. Diferente da surpresa. Aidan
observou-a tentando identificar a emoção. No entanto, ela recobrou-se depressa.
Ergueu o queixo e voltou a assumir seu ar altivo.
— Bem, milorde, parece que não precisamos oferecer-lhe cenouras, tampouco
aplicar-lhe castigos. — Ela aproximou-se de Aidan e correu os dedos pelo rosto
escurecido por uma barba de vários dias. — Lorde Aidan Duhearst, conde de
Wessex! Acha que não ficamos sabendo de seus feitos?
Aidan ficou atônito. Segurou os pulsos da mulher, tirando do rosto dela a expressão
de triunfo. Os soldados avançaram para protegê-la, mas ela abanou a cabeça,
murmurou algo em francês e voltou-se para o conde.
— Ora, milorde. Deve saber que está se tornando uma lenda. Como soldado, matou
um grande número de franceses. — Os lábios dela curvaram-se demonstrando que
se divertia. Em seguida, inclinou-se e sussurrou-lhe ao ouvido: — E, na Inglaterra,
digamos que o belo conde de cabelos cor de ébano já conquistou inúmeras ladies
da sociedade. — Ela andou em volta de seu prisioneiro e parou diante dele. — Não
é mesmo, milorde?
Aidan sorriu, ergueu uma sobrancelha, não se preocupando em disfarçar sua raiva.
— É verdade. Entretanto, posso apostar que as mulheres que conquistei não foram
tantas quanto os homens a quem você dispensou seus favores.

Projeto Revisoras 11
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Furiosa, a mulher estreitou os olhos e deu um tapa no rosto de Aidan, onde havia um
corte. O sangue espirrou na blusa do luxuoso vestido azul. Nesse instante Aidan
percebeu que ali estava uma mulher extremamente perigosa.
— Cuidado, lorde Wessex. Posso mandar enforcá-lo amanhã mesmo. — Ela
advertiu-o, de olhos fixos nele. Certa de que ele entendera a precariedade de sua
situação, ordenou aos guardas:
— Levem este inglês imundo para sua cela.
Os dois soldados que estavam do lado de Aidan agarraram-no pelos braços e
afastaram-se com ele. A mulher voltou-se para o coronel.
— Coronel, o prisioneiro está ferido. Providencie para que seja tratado. Se ele
sangrar até a morte, a responsabilidade será sua. Tu comprends?
— Oui, mademoiselle. — Ele deu um sorriso nervoso.
— Esperem! — a mulher ordenou aos dois soldados que já estavam chegando à
porta com o prisioneiro. Ambos pararam imediatamente. — Coronel, por favor,
informe o general que não poderei jantar com ele esta noite. Como pode ver, meu
vestido ficou todo manchado.
O fato de ter sido o causador daquela inconveniência, para a mulher, alegrou Aidan.
Ela foi até ele e entregou-lhe o pequeno retrato com se fosse um lixo e falou com
voz melodiosa.
— Lorde Wessex, pode ficar com o retrato de sua irmã, a duquesa de Glenbroke. Ele
lhe proporcionará algum conforto quando caminhar para a forca.
Virando-se com um movimento, gracioso, ela deixou a sala úmida, seguida pelo
coronel.
Celeste parou à porta de seus aposentos e voltou-se para o oficial francês.
— Coronel Meillerie, o conde de Wessex deve estar pronto para viajar amanhã cedo.
— Ela acrescentou com um sorriso sádico: — O conde será um prêmio e tanto para
o imperador.
— Naturalmente, lady Rivenhall. Um prisioneiro assim deixará o imperador
Bonaparte empolgado. Mas o general não ficará nem um pouco satisfeito quando
souber que o levaram. — Os olhos cinzentos do jovem oficial refletiram sua
preocupação.
Celeste tocou-lhe o rosto bronzeado. Sorriu e encheu os pulmões de ar para chamar
a atenção dele para os lindos seios.
Ele notou.
— Mas você não contou ao general que o conde de Wessex tinha sido capturado,
não é mesmo, Philippe?

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O jovem coronel franziu a testa.


— Não, mademoiselle, entretanto...
— Ótimo. Então não diga nada a ele. — Presenteou o rapaz com um lindo sorriso.
— Você jamais descobriria a identidade dele, não fosse por mim. E você sabe que
eu tenho amizade com o imperador. A propósito, informarei Bonaparte sobre sua
participação neste caso e ele, com certeza, irá promovê-lo. — Ela passou o polegar
ao redor dos lábios do coronel e observou sua reação. O pobre homem não
conseguiu disfarçar seu desejo. — Isso quer dizer que você ficará mais perto de
mim.
O coronel segurou a mão dela e pressionou um beijo na palma macia.
— Farei o que deseja, ma cherie, mas quero ter uma lembrança sua.
O homem deu um passo à frente, pronto para beijar Celeste, mas ela ergueu a mão
impedindo seu avanço. Tirou um lencinho de renda que tinha no bolso, sob uma
prega do vestido e entregou-o ao coronel que o aceitou, obviamente frustrado.
— O conde de Wessex terá de partir ao amanhecer. Os soldados que o
acompanharão devem estar no pátio bem cedo. — Ela sorriu e passou a mão no
casaco do coronel para compensá-lo de seu desapontamento. Sentiu remorso ao
notar que o homem estava completamente perturbado. — Obrigada, Philippe.
Adejando os cílios, ela entrou em seus aposentos.
Madame Arnott saiu apressada do quarto e entrou na sala, assim que Celeste
fechou a pesada porta. Alarmou-se ao ver o lindo vestido azul manchado de sangue.
— O que foi isso?
Celeste segurou as mãos enrugadas e magras da velha governanta que a havia
criado desde pequena, como se fosse sua filha.
— Estou bem, Marie. Arrume nossa bagagem. Partiremos assim que o dia clarear.
— Por quê? Estamos na França há pouco tempo. E o imperador quer que você
avalie a atuação do general e suas tropas.
— O coronel prendeu o conde de Wessex.
O conde de Wessex era para Celeste o seu herói. À noite, nas horas de solidão, ele
era sua fantasia. Nunca havia imaginado que o haviam aprisionado e estava ali,
correndo sério perigo.
— Não! — Marie exclamou, mal podendo acreditar no que acabara de ouvir. — Não!
— Sim. — Celeste ficou de costas para a governanta desabotoar os pequenos
botões do vestido arruinado. — Pela manhã vou levá-lo comigo. Depois ele irá para
Inglaterra.

Projeto Revisoras
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Marie interrompeu o que estava fazendo.


— Você não pode estar falando sério, ma petite. Tem idéia do perigo que irá correr?
— É claro que sim — Celeste respondeu, irritada. — Mas cansei-me de assistir à
condenação de homens valorosos, enquanto permaneço como ornamento na corte
de Napoleão.
Marie segurou os ombros de Celeste e fixou nela os pálidos olhos azuis.
Celeste desviou o olhar. Preferiu não encarar a governanta.
— Você já ajudou tantos ingleses. Albuera não teria sido tomada caso você não
tivesse informado lorde Beresford onde estavam localizadas as tropas francesas.
Você salvou centenas, senão milhares de vidas inglesas. Isto, sem mencionar que
enviou inúmeras informações para a Inglaterra. Você não pode salvar todos os
nossos soldados, ma petite.
— Posso salvar o conde — Celeste falou com determinação. Tinha de salvar o herói
inglês. — levarei Wessex comigo, depois deixarei que ele fuja.
— Não! Não! — a velha governanta implorou. — Eles começarão a suspeitar de
você, pois é filha de um inglês.
— Minha mãe era francesa. Nasci e fui criada na França. Não desistirei de meu
propósito. Preciso desta vitória, Marie. Por favor.
Acabando de falar, Celeste deixou-se cair no colchão deformado onde havia dormido
durante as últimas noites.
— Por que este homem? Por que Wessex? — Marie indagou. Celeste virou-se,
confusa, o coração pulsando forte. Por pouco não desfalecera ao ver quem estava
diante dela, na sala de interrogatório. Como poderia explicar sua ligação com o
conde de Wessex? Como explicar que vibrava toda vez que os feitos dele eram
comentados nos salões de baile de Paris? Impossível. Dadas as circunstâncias, via-
se obrigada a esconder sua admiração pelo inglês que lutava bravamente contra o
inimigo.
— Não sei, Marie. O conde é tão forte, corajoso e cheio de vida. Não posso
contribuir para sua condenação. — Ela cobriu o rosto com as mãos, subitamente
exausta. Depois sussurrou: — O conde, não, Marie.
A governanta sentou-se na cama, segurou a mão de Celeste e passou o braço pelos
ombros dela, oferecendo-lhe conforto.
— Está bem, querida. Eu a ajudarei a libertar esse inglês, mas se formos
descobertas...
Celeste afastou-se da governanta. O ódio tornou seu olhar gélido e fechou-lhe a
garganta. Imagens de seu pai sendo arrastado por soldados franceses vieram-lhe
nítidas à mente endurecendo-lhe o coração e tomando-a mais determinada.
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— Sei muito bem o que os franceses fazem com seus inimigos.


— Será extremamente arriscado. Lorde Falcon não irá gostar disso — lembrou
madame Arnott.
O tremor que Celeste sentiu ao ouvir essas palavras durou apenas uns segundos.
Nesses quatro anos ela aprendera a sufocar o medo.
— O conde escapará desses estúpidos franceses sem que lorde Falcon saiba como
isso aconteceu. — Celeste tirou a adaga que mantinha na coxa, presa na liga, e
desceu com cuidado, das pernas bem torneadas, a meia de seda. — Nem mesmo o
conde saberá quem o libertou. Vamos arrumar as malas e nos deitar, Marie.
Precisamos de algumas horas de descanso.

Aidan não dormiu. A cabeça latejava por causa dos pontos dados às pressas no
ferimento do couro cabeludo. Ele massageou as têmporas, uma tentativa inútil de
abrandar a dor. Sentou-se no chão da cela úmida e fedorenta, aguardando seu
destino.
A forca.
Não tinha medo da morte. Mas as lembranças de tudo que iria perder o estavam
deixando com aquele aperto no coração. Não teria um filho a quem ensinar a
montar. Tampouco uma filha para levá-la ao altar e entregá-la ao futuro marido. Os
sobrinhos não teriam primos para brincar. Não tinha uma esposa... Uma esposa para
confortá-lo e amenizar o vazio que o consumia.
Pelo menos não iria deixar filhos chorando por ele. Filhos, órfãos de pai, que
sobreviveriam à sua incansável busca da glória.
Uma dolorida sensação de culpa afastou sua amargura. Seu pai tinha sido o melhor
dos homens. Era nobre, generoso, leal. Havia morrido no campo de batalha. Um
herói de guerra. Todas as pessoas que o conheceram reconheciam essas
qualidades. O falecido conde de Wessex amara os filhos, porém tinha amado a
Inglaterra ainda mais. E estava certo. Homens de sua posição tinham res-
ponsabilidades.
Ele, Aidan, também era responsável pela proteção das terras que o pai lhe confiara
e não iria permitir que francês nenhum pusesse os pés em Blackmore Hall. O pai
tinha morrido para impedir que isso acontecesse... Como seu filho e herdeiro, iria
fazer o mesmo.
Do bolso do casaco, Aidan tirou o pequeno retrato pintado a óleo. Sarah ficaria
inconsolável quando recebesse a notícia da morte do irmão, mas o marido, Gilbert, a
ajudaria a suportar o sofrimento. Ele sorriu ao passar delicadamente a mão pelas
imagens da irmã com os gêmeos. Eles viveriam numa Inglaterra livre. Os sobrinhos
herdariam a propriedade ancestral da família.
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Um nó formou-se em sua garganta quando ele fixou o olhar nos rostinhos cheios e
rosados dos bebês. Não os veria crescer. Iria morrer por seu país como tantos
outros morreram antes dele.
Aidan suspirou. Preferia a glória de haver morrido em combate a ficar pendurado
numa corda. Não se considerava um homem vaidoso, mas combatera o inimigo,
havia matado muitos franceses e gostaria de ser lembrado por seus feitos nos
campos de batalha e não por uma morte tão indigna.
A mulher de azul tinha dito que ele estava se tornando uma lenda. Bem, o legendário
conde de Wessex tinha um último dever a cumprir. Aidan levantou-se, foi até a bacia
com água e removeu cuidadosamente a bandagem que tinha ao redor da cabeça.
Tirou a roupa, lavou-se e limpou, da melhor maneira que pôde, o barro e o sangue
do uniforme. Se devia ser enforcado ao amanhecer, queria, pelo menos, ter a
aparência de um cavalheiro inglês.
Ao alvorecer a porta dos fundos do corredor abriu-se. Aidan ficou de pé, movimentou
as pernas e ajeitou a gravata molhada. Seu uniforme estava apresentável depois
das horas que ele havia empregado para limpá-lo com a água da bacia.
Dois soldados, ambos jovens e usando uniforme azul-escuro, estavam atrás do
carcereiro que abriu a cela.
— Acompanhe esses homens — o carcereiro ordenou ao prisioneiro. Em seguida
recomendou aos soldados: — Atenção! Vigiem-no o tempo todo.
A ausência de um oficial, para conduzi-lo ao patíbulo, irritou Aidan. Nesse instante,
os soldados empurraram-no para a frente. Ele parou no estreito corredor, virou-se e
lançou aos dois jovens um olhar indignado, como se dissesse que não iria tolerar
semelhante tratamento.
Endireitando os ombros, caminhou com dignidade até a porta, recebendo no rosto o
sol que iluminava o pátio barrento. Ergueu as sobrancelhas, muito surpreso, quando
viu, em lugar do carrasco, a linda loira que na véspera ele julgara ser um anjo, mas
que era, na verdade, um demônio das trevas.
Quem seria ela? Qual a sua função junto ao exército de Bonaparte? Nem mesmo os
franceses iriam entregar a uma mulher o comando de uma guarnição conduzindo um
prisioneiro ao cadafalso.
Do lado da loira estava uma senhora idosa toda vestida de preto. Ao vê-lo, a inimiga
loira sorriu para a velha e observou:
— Eu não lhe disse que o conde de Wessex seria um belo presente para eu oferecer
ao imperador? Será um divertimento e tanto ver este inglês, com toda sua altura,
cair aos pés da França.
O olhar desdenhoso da loira fixou-se em Aidan enquanto a tropa ria reunida no pátio.

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— Cair aos pés da França? Nunca! — Aidan retrucou em inglês.


A fascinante mulher aproximou-se dele. Os olhos de jade faiscavam.
— Quando você for um cadáver, o que poderá fazer? — O sorriso dela tornou-se
doce. Em seguida, ela voltou-se para a tropa. — Levem-no daqui e vigiem-no. Se
algo acontecer ao prisioneiro, vocês terão de prestar contas a mim.
Aidan notou o olhar apreensivo no rosto dos jovens soldados antes de a impiedosa
mulher subir para a luxuosa carruagem na companhia da velha.
Lady Celeste Rivenhall tremia ao acomodar-se no assento confortável da elegante
carruagem, presente de Napoleão.
— Puxe as cortinas — ela pediu a madame Arnott, sentada à sua frente.
Marie obedeceu-a. Depois reclamou em voz baixa:
— Não gosto disso. Você não me contou que o conde era tão... Além do tremor,
Celeste sentiu o coração bater descompassado o que aumentou sua irritação.
— Tão o quê? Bonito? Nem eu sabia. Ontem à noite, quando o interroguei, ele
estava coberto de barro e ensangüentado. Pude ver realmente que era muito alto.
Mas a aparência dele não irá mudar nosso plano.
— Não mudará, desde que seu interesse pelo conde de Wessex não seja pessoal.
De nada adianta você desejar uma coisa impossível de acontecer, minha querida.
— Desejar o quê? Com a vida que eu levo não posso esperar nem sequer
sobreviver a esta guerra. Como poderei pensar em ter um lar, marido e filhos?
— Não minta para mim, Celeste. Você tem lutado para pôr fim a esta guerra e quer
ter exatamente isso: um lar, marido e filhos. O belo conde pode representar a
realização de todos os sonhos e esperanças que você enterrou no coração. Se ele
viver, esses sonhos e esperanças também reviverão.
O queixo de Celeste tremeu e ela teve medo de chorar. Fechou os olhos e
murmurou:
— Vou dormir um pouco.
Mas não dormiu.
Tinha a mente repleta das imagens do conde Wessex. Ao vê-lo saindo da prisão,
quase ficara sem ar. O homem possuía uma beleza extraordinária. Os cabelos
negros e encaracolados estavam limpos e, mesmo em desalinho, aumentavam seu
encanto. Emprestavam ao conde um ar mais masculino, mais perigoso e sedutor. Os
olhos, de um verde profundo, fariam inveja a um gramado. Os lábios cheios, quando
se curvavam num sorriso, revelavam dentes brancos e causavam o aparecimento de
covinhas dos lados da boca.

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Celeste lembrou-se do que havia sentido ao tocar o tórax nu do conde. Uma pele
surpreendentemente macia cobria músculos rijos, bem desenvolvidos de um homem
preparado para a guerra. Ela estava acostumada a seduzir homens, a provocá-los e
tocá-los para fazê-los atender a todas as suas vontades e caprichos. Entre tanto,
nunca em sua vida tinha sentido aquele desejo de tocar um homem e de provocar
nele a mesma reação que ele provocava nela.
Marie estava certa. Ela queria salvar a vida do conde de Wessex porque tinha
interesse pessoal nele. O homem-lenda viveria. No momento era isso que
importava.
Com esse pensamento, Celeste adormeceu. E sonhou com o conde.
Era primavera e ainda anoitecia cedo.
Ao norte do acampamento, bandos de pássaros barulhentos recolhiam-se aos seus
abrigos nas árvores. Lady Rivenhall e Marie já tinham ido para a pequena casa onde
passariam a noite. Os guardas e o prisioneiro iriam dormir nas carroças ou em
tendas armadas a uns cem metros da casa.
Sentado no chão, o conde observou os soldados. Todos jovens, inexperientes e,
com certeza, devotados à linda mulher que parecia tê-los enfeitiçado.
— O que eu não daria para estar naquela casa — lamentou um dos guardas
entregando ao prisioneiro o seu jantar: carne cozida e um pão velho.
— Oui, companheiro, mas o nosso imperador não irá gostar nem um pouco se você
se engraçar com sua amante — disse o outro em tom de advertência.
Ouvindo isso, o conde ficou chocado. A linda loira era amante de Napoleão? Bem,
quem sabe essa informação lhe traria alguma vantagem, pensou.
Começou a comer com certa dificuldade, uma vez que tinha os pulsos acorrentados.
Quando partiu a baguete, surpreendeu-se ao ver uma coisa escura dentro do pão. O
que seria? Olhou para os guardas sentados ao redor do fogo, a uns dois metros de
distância dele. Vendo-os distraídos, comendo, conversando e rindo, pegou o objeto.
Uma chave! Guardou-a no bolso da calça, sentindo o coração bater mais forte, cheio
de esperança. Ele contou os soldados. Iria esperar que eles dormissem. Enquanto
isso, planejaria sua fuga.
Terminando de comer, Aidan aguardou algum tempo, depois enrolou seu cobertor
para servir-lhe de travesseiro e deitou-se. Ao movimentar-se, fez com as correntes
mais barulho do que o necessário. Como esperava, os guardas olharam na sua
direção e, vendo-o deitado, voltaram ao jogo de dados com o qual se dis traíam.
Aidan sorriu, certo de que sobreviveria. Estaria novamente em Blackmore Hall.
Porém uma coisa o intrigava. Quem lhe teria dado aquela chave? E por quê?

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Essas mesmas perguntas ficaram martelando em seu cérebro durante horas


enquanto ele ouvia os soldados. Por fim, todos dormiram. Apenas o cricrilar dos
grilos e o sussurrar da brisa perturbavam o silêncio da noite. Aidan tirou a chave do
bolso, abriu com ela as correntes dos pulsos, dos pés, e ergueu a cabeça para olhar
ao redor. Certificando-se de que seus guardas dormiam a sono solto, rolou para o
lado da carroça mais próxima e rastejou entre a vegetação.
Em seguida desapareceu, engolido pela escuridão da noite.
Celeste esperou ansiosa o som do alarme, porém nada ouviu. O que Wessex estava
esperando? O tolo não perceberá que o tempo era precioso e não podia perder nem
um instante sequer? Inquieta, virou-se na cama. Então ouviu um leve ruído. Teve
certeza de que o conde havia entrado no quarto. Quis pegar sua adaga, mas
Wessex foi muito rápido. Manteve-a presa sob suas coxas musculosas, cobriu-lhe a
boca com uma das mãos.
— O que procura, mademoiselle? — ele indagou entre dentes. Ignorando os murros
que recebia no peito, pegou a adaga que estava sobre o criado-mudo e encostou-a
na garganta da mulher. — É isto?
Ela ficou imóvel.
— Você é terrível e perigosa! Tenho certeza de que meus compatriotas descobriram
isso tarde demais. Quantos homens morreram nas suas graciosas mãos?
Apesar da pouca claridade, Celeste pôde notar o rosto do conde alterado pela raiva.
— Eu poderia matá-la agora — ele continuou, pressionando mais a adaga contra a
pele delicada, chegando a cortá-la.
Celeste encolheu-se ao sentir o sangue escorrendo do pescoço. Fechou os olhos e
aguardou, estranhamente calma, o golpe final. Morrer pelas mãos do conde de
Wessex seria um modo de penitenciar-se pelas vidas de todos os homens que não
conseguira salvar. Se pelo menos o conde, esse mito, pudesse fugir, ela morreria
feliz.
Mas o que o idiota fazia ali, em vez de desaparecer?
— Vocês, ingleses, são mais tolos do que eu imaginava. Por que ainda está no
acampamento, se conseguiu escapar? — Celeste perguntou baixinho. — Daqui um
pouco será capturado, milorde.
— Acho que não. Quando derem o alarme, você ordenará aos soldados que saiam à
procura do prisioneiro. Ordene-lhes que o procurem na mata e nos arredores. Eles
nunca irão imaginar que estou aqui no acampamento. Quando eles terminarem a
busca na mata, poderei fugir facilmente. Nenhum dos soldados terá a idéia de
explorar uma área que já tenha sido vasculhada.
— Eu posso dar o alarme — Celeste assinalou.

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Aidan deu um sorriso ameaçador. Inclinou-se, de modo que seu rosto ficou a poucos
centímetros do dela, deixando-a quase sem ar.
— Você não dará alarme nenhum.
— Por que não? Pretende me matar?
Ele riu e voltou a sentar-se sobre as coxas.
— Vou precisar da sua ajuda. Quero que você fale com seus homens agora e
quando eles voltarem da busca na mata. Se nós formos descobertos... — Os olhos
de Aidan ganharam um brilho singular. — ...a amante de Napoleão será uma
excelente refém.
Celeste ficou abismada ao ouvir aquele absurdo. Nesse instante ouviram tiros vindos
do acampamento. Aidan saiu depressa da cama, puxou Celeste para junto dele e
sussurrou-lhe ao ouvido:
— Ordene aos soldados que procurem o prisioneiro na mata e nos arredores. Dê-lhe
duas horas para essa tarefa. Nada mais do que isso. — Aidan manteve Celeste
colada ao corpo dele e a adaga encostada no seu pescoço. — Se disser uma só
palavra que denuncie a minha presença, cortarei sua linda garganta e você morrerá
antes de seu corpo alcançar o chão. Entendeu?
— Entendi. Mas preciso de um robe.
— Não. Fique assim mesmo. Acenda a vela.
— Como? O que está insinuando? Não posso aparecer diante de meus homens
assim... quase nua — Celeste protestou.
O conde acendeu a vela que estava sobre o criado-mudo, ergueu-a e por alguns
segundos admirou ostensivamente o lindo corpo da mulher sob a fina combinação
de musselina. Deu um sorriso maroto e voltou a ficar sério.
— Não se preocupe com esse detalhe, mademoiselle. O importante é que você aja
com naturalidade quando abrir a porta e receber a notícia da minha fuga. Cuidado!
Não faça nada que desperte as suspeitas do seu sargento. Não me obrigue a matar
vocês dois.
Acabando de falar, Aidan notou o sangue no pescoço da mulher e franziu a testa,
confuso. Tocou o pequeno corte e olhou para o sangue em seus dedos, incrédulo,
como se não tivesse sido ele próprio o causador daquele ferimento.
Celeste quase riu diante do absurdo da situação. Controlou-se e falou com
sarcasmo:
— Facas, adagas, punhais são feitos para cortar, milorde.

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Fortes batidas na porta interromperam-nos. Celeste estremeceu. O conde levou-a


para a sala, fez-lhe sinal para abrir a porta e ficou escondido, mantendo a adaga
firme em sua mão.
Celeste obedeceu-lhe. Suspirou alto, frustrada, ao notar os olhos do jovem sargento
fixos nos seus seios.
— O que houve? — perguntou, irritada.
— O prisioneiro fugiu, lady Rivenhall.
— Imbecis! — Ela gritou. — Como vocês deixaram fugir um homem preso com
correntes nos pulsos e nos pés?
— Não sabemos, mademoiselle. O fato é que ele desapareceu — tornou o homem,
nada à vontade.
Assumindo uma expressão severa, Celeste ordenou:
— Procurem-no na mata e nos campos. Dou-lhes duas horas! Encontrem-no!
Sabendo quais seriam as conseqüências se falhasse, o homem afastou-se correndo.
Celeste fechou a porta, ergueu bem a cabeça e olhou para o conde.
— Você é uma perfeita atriz... lady Rivenhall — ele observou aproximando-se dela.
— Pelo nome você deve ser inglesa.
Celeste comprimiu os lábios e ficou em obstinado silêncio.
— Também é uma traidora e uma cortesã — ele acrescentou.
— Hum, você é uma mulher ocupada!
Levou-a para o quarto, pegou a faixa do roupão que estava sobre uma cadeira è
amarrou os pulsos dela. Em seguida amordaçou-a com uma toalha e levou-a para a
cama, obrigando-a a deitar-se ao lado dele.
O coração de Celeste disparou. Suas pernas tremeram. O medo de tocar no seu
herói era maior do que o medo que havia sentido quando ele a ameaçara com a
adaga. Sentiu o corpo rijo encostado no dela e a grande mão com longos dedos
sobre seu estômago, os seios descansando pesadamente no polegar.
Com alguns movimentos o conde ajustou melhor o belo corpo feminino ao dele. De
seus lábios escapou um suspiro de satisfação.
Celeste sentiu o membro viril tornar-se cada vez mais intumescido contra seu
traseiro, inegável evidência do desejo do conde.
— O que acha? Você não prefere isto a dormir na mata? — ele sussurrou; seus
lábios quase tocavam o ouvido dela.
Um estremecimento percorreu-a da cabeça aos pés, forçando-a a fechar os olhos e
apreciar aquele incompreensível prazer de estar deitada, juntinho do conde de

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Wessex. Ao mesmo tempo, assustava-a a idéia do que poderia acontecer como


resultado dessa noite.
O conde não se mexeu mais. Celeste notou que a respiração dele estava regular e o
braço relaxado. Abriu os olhos, incrédula. O homem ia dormir! Quase cem soldados
lá fora, procurando-o e ele quase adormecido!
Lady Rivenhall permaneceu acordada durante duas horas, irritada. Como esperava,
bateram na porta. Ela acordou o conde que a desamarrou e tirou-lhe a mordaça para
que fosse atender o sargento. Como anteriormente, o homem, nervoso, fixou os
olhos nos seios dela, depois baixou a cabeça, submisso, e informou:
— Procuramos na mata, nos arredores, lady Rivenhall, e não encontramos o
prisioneiro.
— O homem deve estar longe daqui. Amanhã cedo quero interrogar os guardas
responsáveis pelo prisioneiro. Está dispensado, sargento. Pode ir. — Celeste
acenou com a mão, demonstrando seu descontentamento e bateu a porta.
— Muito bem, lady Rivenhall. Agora, calce as botas e vista o robe — o conde
ordenou e apagou a vela que iluminava o pequeno quarto.
Celeste obedeceu-lhe. Sem mais explicações, o conde tornou a amordaçá-la e
amarrou-lhe os pulsos. Depois ergueu-a, passou-a pela janela, colocando-a do lado
de fora da casa, em seguida pulou para junto dela. Ansiosa para ver o conde fora de
perigo, Celeste não questionou. Era de madrugada e eles tinham de aproveitar a
pouca claridade para ir até a mata. Felizmente, tomariam a direção oeste e o
acampamento dos soldados ficava do lado leste.
— Vamos. Temos de andar agachados, devagar e, sempre que possível, ocultos
pela vegetação — ele recomendou. — Qualquer barulho ou movimento brusco
chamará a atenção dos soldados.
Eles andaram pelo campo durante alguns minutos. A mata estava próxima e Celeste
alegrou-se. Ali o conde de Wessex estaria seguro. Ele seguiria seu caminho, livre, e
ela voltaria para a pequena casa. Mas Wessex continuou andando. Celeste estava
exausta, tinha a sensação de haver caminhado durante horas quando o conde, por
fim, parou. Desamarrou a mordaça e a faixa que lhe prendia os pulsos.
Aliviada, ela inspirou fundo. O conde advertiu-a:
— Não adianta gritar, pois os soldados não irão ouvi-la. Estamos longe do
acampamento. Apenas os lobos responderão aos seus gritos.
— Minha experiência me diz que os homens são mais perigosos do que os lobos,
milorde. — Celeste replicou com um sorriso.
— É verdade. — O conde jogou a adaga no chão. — A arma é sua, milady. Se você
não fosse mulher eu a mataria pelo que fez com meus homens.

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Sem que Celeste esperasse, o conde encostou-a numa árvore e seus lábios
cobriram os dela, impetuosos, possessivos, deixando-a sem ar. Sentindo-se
sufocada, tentou libertar-se, porém quanto mais lutava, maior era a pressão sobre
seus lábios, chegando a feri-los. Ela entendeu que a intenção do conde era castigá-
la e mostrar-lhe quem era superior.
Ela era a inimiga.
De repente, os lábios do conde se suavizaram. Seu beijo foi demorado, acariciante,
sensual. Vibrando de prazer, Celeste entregou-se nos braços dele, esquecida de
tudo, ciente apenas de que eles eram um homem e uma mulher e tinham só aquele
momento para viver seus desejos.
O conde ergueu a cabeça e olhou para Celeste por um instante.
— Au revoir, lady Rivenhall. Que você arda no fogo do inferno pelo que fez com
meus compatriotas.
O conde de Wessex afastou-se de Celeste e começou a andar na direção oposta à
do acampamento. Ela seguiu-o com o olhar, frustrada. Ele a considerava uma
inimiga sem saber que devia a ela sua liberdade. Sem ter idéia de que ela arriscara
a vida inúmeras vezes justamente para salvar os ingleses. Abaixando-se, pegou a
adaga e atirou-a na árvore à esquerda da cabeça do conde. O som da lâmina
enterrando na madeira fez com que Wessex parasse e olhasse para trás.
— Um golpe quase mortal, milady — ele observou com desdém e continuou a andar.
Lady Rivenhall viu seu herói embrenhar-se na mata e desaparecer. Ela sorriu.
Sentia-se aliviada e contente com sua vitória.
Conseguira libertar o conde de Wessex, a personificação da masculinidade,
integridade, coragem e honra. Em suma: um perfeito cavalheiro inglês.

Capítulo II

Londres, 23 de junho de 1811.


De pé, junto a uma das paredes recamadas de dourado, Aidan Duhearst, conde de
Wessex, entreteve-se observando os elegantes convidados que lotavam o amplo
salão de baile.

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Desde que voltara da península Ibérica, estivera nas suas propriedades, em


Wessex, recuperando-se dos ferimentos recebidos nos campos de batalha. A falta
de atividade e o tédio quase o mataram. Se fosse obedecer aos médicos, ainda
estaria no campo, em repouso. Mas Aidan chegara à conclusão de que não conse-
guiria ficar deitado e tranqüilo, enquanto os franceses avançavam por toda a Europa.
Sentindo-se sufocado, puxou as laterais do casaco preto, refletindo que seu
uniforme era bem mais confortável do que os trajes de noite. Na verdade, só viera
àquele baile oferecido por lorde Reynolds, para contentar Sarah. Na esperança de
levantar o ânimo do irmão, a duquesa valera-se de todo o seu poder de persuasão e
conseguira tirá-lo do campo, trazendo-o de volta ao convívio social. Mas, para ele,
os grandes eventos que no passado tinham sido tão importantes pareciam agora
aborrecidos e vazios.
Ele levou aos lábios a taça flüte, desejando tomar uma bebida forte em vez de
champanhe. Suspirou e continuou a observar aquelas pessoas frívolas. Lindas
mulheres passavam por ele trajadas com as mais finas sedas e com jóias cujo valor
pagaria o resgate de um rei. Aidan sorria cortesmente. Nenhuma dessas ladies fazia
idéia do que acontecia nos campos de batalha da Europa. Homens morriam para
que a privilegiada elite londrina pudesse continuar vivendo na opulência.
O conde reparou nos dândis fúteis, tão cuidadosos com a aparência, tão
preocupados em se vestir com apuro, sempre trajados de acordo com a última
moda. Por um momento, ele distraiu-se olhando para um almofadinha usando colete
cor-de-rosa. Como o cavalheiro reagiria ao ver suas preciosas sedas empapadas de
sangue quando uma bala lhe atingisse o peito? Bem, é claro que nenhum daqueles
janotas passaria por uma experiência dessas. Todos eles tinham como pagar para
que outros homens lutassem e defendessem suas propriedades.
Homens que ele tinha visto morrer.
Aborrecido, tomou outro gole de champanhe e pensou em fugir daquele ambiente
assim que surgisse a oportunidade. Tudo o que desejava era encontrar algum
consolo na cama de uma mulher, depois ir para a própria cama.
— Droga — murmurou ao ver o homem corpulento vindo na sua direção, com os
olhos cinzentos fixos nos dele. Seu cunhado.
A primeira coisa que lhe ocorreu foi alcançar a porta antes da chegada do duque,
mas esperou-o pacientemente.
— Wessex! Eu estava à sua procura.
— Olá, Glenbroke.
— Como vai, Aidan?

Projeto Revisoras
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Samantha Saxon – Adorável Espiã
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— Bem, Gilbert. Foi bom encontrá-lo. Quero lhe pedir um favor. Diga a minha irmã
que falou comigo. Explique-lhe que eu estava gostando muito do baile, mas tive de ir
embora.
— Lamento, mas não sei mentir para minha esposa. E aqui entre nós, tenho medo
da sua irmã.
Aidan riu e covinhas formaram-se em suas faces.
— Sarah é geniosa, não?
— Cruel. Insensível. Ainda há pouco ela ameaçou expulsar-me da nossa cama caso
eu não o procurasse. Oh, a pequena fera sabe onde atingir um homem — queixou-
se o duque, com humor.
Aidan riu novamente. Sabia que o cunhado adorava a esposa e tinha por ela
profunda afeição.
— Fale-me sobre você. Recuperou-se completamente?
— Sim, estou bem — Aidan respondeu, tentando mostrar-se sereno.
O duque não era pessoa de se deixar enganar. Percebeu que o cunhado havia
comprimido os maxilares. Compreendia o que ele estava sentindo. Estreitou os
olhos com evidente preocupação.
— Você tem lutado para que nós, ingleses, mantenhamos nosso estilo de vida. Tem
lutado pela nossa liberdade. Pela nossa soberania.
— Claro. Mas a que preço! Será que vale a pena? Sarah quis que eu me divertisse
esta noite. No entanto, como ter entusiasmo para dançar depois de haver
presenciado tantos horrores? Vi amigos morrendo, seus membros sendo arrancados
do corpo. — Aidan sacudiu a cabeça como se assim pudesse afastar as imagens
que o perseguiam. — Desculpe, Gilbert. Eu não devia ter tocado neste assunto.
— Tudo bem, rapaz. — Gilbert sorriu e apertou afetuosamente o ombro do cunhado.
— A propósito, sua irmã decidiu que está na hora de você se casar. Ela acha que se
tiver sua esposa e constituir família, acabará esquecendo as cenas de destruição e
morte que presenciou em Albuera.
— Que droga! — Aidan resmungou.
— Devo adverti-lo que sua irmã até já escolheu a noiva perfeita para você.
— Minha noiva?
— Isso mesmo. Se quer saber, aprovei plenamente a jovem lady que ela selecionou.
— Deus meu, até minha família voltou-se contra mim? Traidores! Vamos lá. Quem é
esse modelo do belo sexo?

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— Não posso dizer. É segredo. — O duque ergueu as duas mãos. — Longe de mim
frustrar os planos secretos de minha doce esposa de vê-lo muito bem casado. De
acordo com a agenda matrimonial de Sarah, você deverá ir a um jantar no próximo
sábado.
— Sábado?
— Às oito em ponto. E nem pense...
Aidan não ouviu o duque. Voltara sua atenção para a loira sentada do outro lado do
salão. Não podia ver o rosto dela claramente, mas havia nela algo familiar.
Ele ficou tenso quando a mulher virou-se para pegar um bilhete trazido por um
lacaio. Discretamente, ela guardou o pequeno papel no decote do vestido de baile
cor-de-lavanda.
— Aidan?
O conde ouviu seu nome e teve consciência de que o cunhado o havia chamado
outras vezes. Porém, continuou olhando para a mulher que naquele momento
estava se levantando. Ela olhou ao redor e caminhou para a porta que se abria para
um corredor de acesso aos cômodos privativos da casa de lorde Reynolds.
Não querendo perdê-la de vista, Aidan resolveu segui-la. Ouviu Gilbert chamá-lo,
mas continuou andando e abrindo caminho entre os convidados, sem olhar para
trás.
Chegando ao corredor esperou que a mulher subisse a escada. Só então foi atrás
dela, curioso e intrigado. Não podia ser ela, o cérebro lhe dizia, mas a intuição
contradizia a mente.
O corredor estava mergulhado na penumbra, uma vez que os convidados não
tinham acesso àquela parte da casa. Apesar da pouca claridade, Aidan viu o brilho
do vestido de seda da loira que acabara de entrar no último cômodo, do lado
esquerdo.
Caminhou até lá com cuidado, e seus passos eram abafados pelos luxuosos
tapetes. Parou perto da porta, abriu-a devagar e entrou numa sala de estar que se
comunicava com um quarto. Pela porta entreaberta espiou o interior do aposento
iluminado pelas velas de um candelabro de prata. A mulher loira estava de costas,
procurando alguma coisa numa escrivaninha. Aidan entrou no quarto, trancou a
porta em silêncio e ficou encostado na parede observando o cômodo, para descobrir
se havia algum modo de bloquear a saída da mulher.
Uma cama com quatro colunas trabalhadas dominava o grande quarto. À direita
estava um pesado armário. Na frente da lareira com frontão de mármore, sobre um
tapete Aubusson, oval, ficava um conjunto de sofá de couro e duas poltronas
revestidas de brocado azul. As altas janelas, do lado oposto ao da porta, tinham
cortinas de veludo azul-escuro.
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O único modo de sair do quarto era a porta dupla de comunicação com a sala de
estar que fazia parte da suíte. Os lábios de Aidan curvaram-se num sorriso malicioso
quando se aproximou sorrateiramente da mulher.
Era surpreendente, ele pensou, odiar aquela sereia que atraíra tantos homens para
a morte, seduzindo-os com sua beleza celestial.
— Vejo que a rã deixou o pântano e saltou para nossas bonitas praias — Aidan falou
em tom feroz.
Lady Rivenhall assustou-se e instintivamente correu para a porta de comunicação
com a sala de estar. Estava trancada. Ela virou-se, mas Aidan prendeu-a pelos
pulsos e encostou-a na parede. Numa das mãos ela segurava a adaga. Os olhos de
ambos se encontraram. Nos olhos verde-azulados, Aidan não viu sinal de medo.
Apertou o pulso da mulher com tanta força que ela acabou deixando cair a arma.
Devia haver uma razão para os franceses enviarem aquela mulher para a Inglaterra,
ele pensou.
— Por que está aqui, lady Rivenhall?
— Perdi-me nesta casa tão grande e vim parar nestes aposentos. — Celeste
respondeu calmamente. Aidan abanou a cabeça.
— Não se faça de desentendida. Por que está na Inglaterra, milady?
— Sou uma cidadã inglesa, milorde.
— Uma cidadã inglesa que luta contra a nossa liberdade. Que ajuda os franceses!
Quem lhe mandou o bilhete?
— Que bilhete? — Os olhos verde-azulados tinham um brilho desafiador.
Ela sufocou um grito quando Aidan enfiou a mão no decote do vestido de baile.
— Este! — Ele mostrou o pedaço de papel que havia encontrado entre os seios de
Celeste.
Abriu-o e leu:
Primeiro andar, ala leste, última porta à esquerda.
Desapontado porque não descobrira nada, ele decidiu examinar lady Rivenhall. O
melhor lugar para isso era a cama. Agarrou-a pelo pulso e deitou-a sobre a colcha
do grande leito. Olhou para a encantadora inimiga, consciente do desejo de ficar ali
deitado com ela. Fechou os olhos depressa para afastar a imagem que se formara
em sua mente. Aproveitando esse instante de distração, Celeste rolou para o lado da
cama e ia correr para a porta, mas com um salto Aidan agarrou-a pelo braço.
Prendeu-lhe os pulsos acima da cabeça e caiu sobre ela, pressionando-a contra o
colchão.

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Queria ver o medo impresso naqueles lindos olhos. O mesmo medo que os homens
que ela havia condenado à morte tinham sentido ao caminhar para a forca. O medo
que ele próprio tinha sentido. Só depois disso a entregaria às autoridades.
Estendendo o braço, Aidan levantou a saia de lady Rivenhall e começou a revistá-la.
Passou devagar a mão pela perna direita e subiu para a coxa, onde encontrou a
bainha da adaga mortal. Obstinada, ela manteve os olhos fixos nos dele.
— Você tem outras armas? — Aidan perguntou, querendo, por cavalheirismo, dar a
ela a oportunidade de encerrar a revista.
Lady Rivenhall permaneceu em silêncio. Ele maldisse aquela teimosia da inimiga e
moveu a mão um pouco mais para cima. Deteve-se.
— Você tem alguma outra arma, lady Rivenhall? — insistiu, de olhos fixos nos lábios
dela.
— Não — ela devolveu, também encarando os lábios do seu herói.
A tentação era demais. Aidan murmurou uma imprecação e baixou a cabeça para
sentir o gosto daquela boca. O sabor da traidora que durante noites e noites lhe
assombrara os sonhos e pesadelos. Mal tocou nos lábios sensuais, ergueu a
cabeça. Alguém havia entrado. Ele saltou da cama, empurrou lady Rivenhall para o
lado do armário. Com um braço manteve-a presa ao corpo dele, tapou-lhe a boca
com a outra mão e sussurrou:
— Se gritar...
A ameaça foi interrompida quando a porta se abriu e um casal entrou no aposento.
— Que lindo quarto, Jonathan! — uma mulher exclamou.
— Você gostou? Minha mulher cuidou da decoração — lorde Reynolds expôs.
— Um ambiente bem repousante.
— Repousante, sim, mas não por muito tempo. Venha cá, sua perversa.
A mulher riu. O ruge-ruge de sedas indicou que ela se movimentara.
— Ah, Fiona, você tem os seios mais lindos que já vi. Cabem perfeitamente nas
minhas mãos... e na minha boca. — Lorde Reynolds gemeu, obviamente beijando os
seios da mulher. Ela deu uns gritinhos, deliciada.
Aidan percebeu que a traidora ficara tensa, com a respiração opressiva. Ele puxou-a
para mais perto do corpo, sentindo as nádegas pressionadas contra sua virilha.
— Tire logo esse vestido — pediu lorde Reynolds impaciente e arfante. — Quero
sentir sua pele aquecendo a minha.

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O som abafado de corpos se tocando, se unindo, somado aos gemidos, arquejos e


gritinhos de prazer encheram o quarto. Aidan podia imaginar que tipo de carícias e
que movimentos seu anfitrião e a amante faziam naquela cama.
Excitado, ele tirou a mão que cobria a boca de lady Rivenhall e massageou-lhe os
seios sentindo os mamilos endurecerem. Ouviu-a prender a respiração.
— Está gostando, não? — indagou lorde Reynolds.
— Sim, Jonathan! Sim! Não pare! — Fiona gritou.
— Só mais um pouco. Hum... você é deliciosa! Mas preciso estar dentro de você.
Agora.
Aidan cerrou os dentes. O que estava ouvindo e as cenas que imaginava eram bem
mais estimulantes do que os shows eróticos aos quais havia assistido em bordéis.
Continuou a acariciar os seios de lady Rivenhall ao mesmo tempo que esfregava o
membro rijo no belo traseiro. Ele beijou o elegante pescoço e, quando sentiu as
nádegas de lady Rivenhall movimentando-se ritmicamente contra seu membro,
quase arriou.
Na cama, a poucos metros dali, os amantes se entregavam aos jogos amorosos
entre gemidos, sussurros de prazer e exclamações de gozo.
— Oh! — lorde Reynolds e Fiona gritaram juntos quando alcançaram o clímax.
Seguiu-se o silêncio. Depois lorde Reynolds declarou:
— Fiona, você é a mulher mais sensual e deliciosa que já encontrei.
— Obrigada, Jonathan. Agora devo ir. Meu marido ficou de encontrar-se comigo no
jardim, à meia-noite.
— Está bem. Vista-se. Eu a ajudo a abotoar o vestido. Quero estar com você a noite
toda, na quinta.
— Muito bem, milorde.
Pouco depois, Aidan e lady Rivenhall estavam sozinhos. Ele baixou os braços e
fechou os olhos, procurando recuperar o autocontrole. A respiração começara a
normalizar-se, mas certo órgão ainda estava rijo.
A mulher era extremamente desejável. Ele chegava a tremer, tal a vontade de
arrastá-la para aquela cama desarrumada e possuí-la, como Napoleão devia ter
feito.
Lady Rivenhall era amante do imperador Bonaparte.
Aidan segurou-a pelo ombro e virou-a para que o encarasse.
— Lamento, lady Rivenhall, mas deve me acompanhar ao Ministério do Exterior de
Sua Majestade.

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— Espere só um instante — Celeste pediu e, para surpresa do conde, deu-lhe um


beijo.
Ele viu-se dividido entre o dever e o desejo. Mas quando sentiu o lindo corpo
pressionado contra o dele, o desejo venceu. Também, não havia mal nenhum em
perder uns minutos com a adorável inimiga. E dali ela não poderia escapar. Com
isso em mente, saboreou aqueles lábios, explorou com a língua aquela boca,
sentindo uma espécie de triunfo só de pensar que tinha nos braços a amante de
Napoleão.
A mulher, sua etérea captora, que o perturbara durante os nove dias e nove noites
em que percorrera os campos da Espanha, depois de sua fuga, até encontrar um
regimento inglês.
Reconhecia que seu desejo por uma inimiga era repreensível, mas como resistir a
uma mulher tão linda e sensual?
Ela acariciou o peito e abdômen do conde. Depois, ficou na ponta dos pés, enlaçou-
o pelo pescoço e beijou-o possessivamente. Aidan encolheu-se e emitiu um
murmúrio de dor.
— O que foi? — lady Rivenhall indagou, interrompendo o beijo.
— Seu anel arranhou meu pescoço.
— Oh! Deixe-me ver.
Aidan olhou para os seios da mulher e esqueceu a dor.
— Não foi nada. Vamos continuar.
Dessa vez ele tomou a iniciativa. Apossou-se dos lábios carnudos, mordiscou-os,
invadiu com a língua a boca úmida e quente, arrancando gemidos dos lábios de lady
Rivenhall. Em troca, ela introduziu as mãos sob a camisa dele e acariciou-lhe o peito
e as costas.
Dois minutos depois, ela estava nua, sob o corpo do conde. Ele sentiu a cabeça
zonza e piscou algumas vezes, confuso. As velas tremeluziram.
— Sua vadia — ele murmurou.
Antes de mergulhar num estado de inconsciência, o conde de Wessex lembrou-se
de que lady Rivenhall era uma traidora... mulher perigosa... letal.

— E então? — madame Arnott perguntou.


— Não encontrei nada — Celeste respondeu, virando-se para a governanta ajudá-la
a despir-se. — Procurei no quarto e no quarto de vestir. Depois de conhecer lorde
Reynolds, posso afirmar que ele só pensa em cavalos e prostitutas. Não acredito
que ele seja o homem que procuramos.

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— Você não pode ter certeza disso.


— Só terei certeza quando o traidor estiver preso. — Celeste tirou as anáguas e
deixou-as na poltrona revestida de brocado. — Devemos estar preparadas, Marie.
Acho que temos um problema mais sério em nossas mãos.
— Que problema?
— O conde de Wessex.
— O quê? Segundo nos informaram, ele estava se recuperando em sua fazenda, em
Wessex!
— Bem, ele está em Londres e asseguro que está bem, completamente recuperado.
O conde me surpreendeu revistando os aposentos de lorde Reynolds e ia me
entregar às autoridades.
— Como você conseguiu escapar dele? — Marie indagou, preocupada.
Celeste enrubesceu.
—Droguei-o. Ele irá acordar dentro de duas ou três horas. Não me resta alternativa
senão entrar em contato com lorde Falcon.
— Você corre perigo, ma petite. Temos de armar um plano para neutralizar Wessex.
— Sei disso. Também sei que não será fácil descobrir um meio de tirar o conde do
nosso caminho — tornou Celeste, pensativa.
Entretanto, uma coisa era certa: iria encontrar-se com o conde de Wessex
novamente. Restava saber se resistiria ao fascínio daquele homem que
representava uma ameaça à sua missão e sua vida.
Eram três e meia da madrugada quando Aidan Duhearst acordou e alegrou-se por
estar vivo. A gravata, cujas dobras tinham sido feitas com precisão matemática,
transformara-se numa massa disforme, os cabelos negros, normalmente bem
penteados, estavam revoltos e as roupas amassadas.
Com algum esforço, conseguiu levantar-se, mas teve de se encostar ao armário,
pois o quarto começou a rodar. Ele aguardou um momento, depois saiu
cambaleando para o corredor e desceu a escada. No hall viu-se face a face com
lorde Reynolds que exclamou, surpreso.
— Olá, Wessex! Parece que a farra foi grande!
Aidan sorriu e passou os dedos entre os cabelos para ajeitá-los.
— Bela festa a sua, lorde Reynolds! Realmente esplêndida.
— Bem, diverti-me um bocado.
— Se me der licença, lorde Reynolds, vou para casa. — Aidan cobriu a boca com a
mão e forçou um bocejo.

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— Esteja à vontade. Também vou para a cama. Boa noite. Os dois se separaram e
Aidan viu-se na St. James Street. Agradeceu a Deus ao avistar seu landau a uns
vinte metros de distância.
— Para casa — resmungou, ignorando o espanto do cocheiro ao notar o desalinho
do patrão.
Recostando-se nas almofadas do assento macio, Aidan passou a mão pelo pequeno
corte do pescoço, onde o sangue estava coagulado. A droga usada por lady
Rivenhall era poderosa, reconheceu.
Mas por que lady Rivenhall não o havia matado? A amante de Napoleão não
hesitaria em matar um homem. Mesmo que não o envenenasse, ela poderia usar a
adaga assim que ele perdera a consciência. Afinal, ele representava uma ameaça
para ela, pois podia identificá-la e entregá-la às autoridades. Com certeza alguma
coisa a interrompera.
Sendo lady Rivenhall uma mulher tão perigosa, Aidan continuou com suas
divagações, era imperioso que a encontrasse antes que ela passasse aos franceses
mensagens e dados capazes de aniquilar as forças inglesas. Conhecia a habilidade
daquela mulher para conseguir o que queria. Ela usava sua beleza e poder de
sedução para extrair dos homens tudo o que desejasse: confissões, segredos e
informações.
Ele próprio tinha sido fraco. Perdera-se no momento em que pressionara o corpo
dela contra o seu, em que tocara aqueles seios e beijara aqueles lábios.
Maldição!
Aidan afastou a onda de desejo que o consumia. Lady Rivenhall era uma inimiga.
Era uma mulher que traía seu país e conduzia os jovens ao massacre. Uma raiva
surda fez seu sangue ferver. Prometeu a si mesmo que se lembraria de seus
homens quando estivesse com ela novamente. Homens que lutaram com bravura
pela Inglaterra e ficaram caídos nas ruas sujas de Albuera, enquanto os soldados
das tropas de Napoleão, que passavam por eles, varavam os feridos e agonizantes
com suas espadas.
Para Aidan era doloroso pensar que sobrevivera, que se tornara prisioneiro, ao
passo que os homens de seu regimento tinham sido roubados e depois mortos sem
clemência. Soldados, jovens em sua maioria, que deram a vida para defender o
conde de Wessex. Homens com título de nobreza inferior ao dele, homens de
linhagem menos ilustre, porém muito mais merecedores da graça divina.
Contudo, sabia por que tinha sobrevivido.
Deus lhe dera lady Rivenhall. Dera-lhe a oportunidade de vingar seus homens e
proteger a Coroa. Nesse momento, Aidan jurou que faria tudo para ela não passar
nenhuma informação aos franceses. Estava disposto até a matá-la se fosse preciso.

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Uma batida na porta despertou o duque de Glenbroke. Ele retirou com cuidado o
braço no qual a esposa apoiara a cabeça, esperando que ela não acordasse. Vestiu
o robe e abriu a porta do quarto.
— Quem é Simkins? — perguntou ao leal mordomo que conseguira aparecer com o
uniforme impecável, apesar de haver se levantado às pressas.
— O conde de Wessex espera por Vossa Alteza no escritório.
— Obrigado.
Evidentemente preocupado, o duque desceu a escada, descalço como estava. Eram
quatro horas da manhã e Aidan não. era do tipo que interrompia o sono de alguém
sem ter uma boa razão para isso.
— Aidan, o que há de tão importante? — A expressão de Gilbert mudou quando viu
o estado do cunhado. Depois do instante de surpresa, sorriu. — Que droga, Aidan!
Você desapareceu, c sua irmã passou metade da noite o procurando. Sarah não
gostará de saber que você andou rolando com alguma lady num dos quartos de
lorde...
— Gilbert, preciso falar com você. É importante e urgente. Você ouviu falar de lady
Rivenhall?
Gilbert sacudiu os largos ombros.
— Qual delas? Há várias.
— Loira, olhos verde-azulados, jovem, linda.
— Lamento. As ladies Rivenhall que eu conheço não correspondem à descrição. —
Gilbert ergueu as sobrancelhas e perguntou com um amplo sorriso: — Por que você
quer saber, Aidan? Por acaso essa lady é a mesma que deixou essa marca no seu
pescoço?
Os olhos de Aidan tornaram-se gélidos.
— Sim, mas não pelo motivo que você imagina. Lembra-se do que eu lhe contei
sobre minha fuga do acampamento francês?
— Lembro-me.
— Pois a amante de Napoleão, que me interrogou em Albuera, é lady Rivenhall. —
Aidan torceu os lábios, desdenhoso. — Ela é inglesa e quatro horas atrás eu a
surpreendi revistando os aposentos de lorde Reynolds.
O duque ficou chocado.
— Tem certeza disso?
— Absoluta.

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— Muito bem. Dê-me detalhes sobre lady Rivenhall. Amanhã conversarei com um
homem que poderá responder às perguntas que fizermos sobre ela. Enquanto isso,
fique alerta. No momento talvez você seja a única pessoa capaz de identificar essa
mulher como agente francesa.
A expressão dos dois cavalheiros revelava que ambos compreendiam a seriedade
da situação.
— Aguardarei uma resposta sua, Gilbert —disse Aidan, por fim.
Curvou-se e deixou a casa da irmã, decidido a não se deixar envolver por mulheres
ardilosas.
— Quando o almirante pretende partir? — indagou o homem moreno.
— Na terça-feira. — Sophie aproximou-se dele e prendeu-o nos círculos dos braços
roliços. — Mas não posso esperar tanto tempo para vê-lo, querido.
O homem olhou para ela como se estivesse nos braços da deusa Afrodite. Com
aquele nariz largo e arrebitado, os pequeninos olhos escuros, a mulher lembrava
uma porca. Os cabelos, mal-cuidados e sem brilho tinham a cor pardacenta do pêlo
de rato.
O que a mulher tinha de extraordinário era o corpo. Provavelmente o almirante se
casara com ela atraído por aquelas curvas voluptuosas. E, também, por causa do
enorme dote que acompanhara a noiva, claro.
— Onde seu marido está no momento?
— Em Whitehall, numa reunião. Não se preocupe, querido. Alfred me disse que
passará a maior parte do dia fora. — A mulher contornou com o dedo a cicatriz que o
homem tinha no queixo. — Temos a manhã inteira só para nós.
O homem fitou a mulher como se a adorasse e a puxou para junto dele. Sua
intenção era deixá-la exausta e adormecida para que ele tivesse a chance de
revistar o escritório do almirante.
— Preciso de você, Sophie — murmurou e beijou-a avidamente. — Eu a amo. Você
é tudo o que eu quero. Só penso em você.
Continuou a beijá-la, e com as mãos, começou a despi-la demonstrando
impaciência. Quando ela ficou nua, ele ficou atrás dela, uniu seu corpo ao dela e
passou a beijá-la na nuca, enquanto prendia, entre os dedos, os mamilos
endurecidos e os apertava, acariciava e massageava. Sophie gemia, suspirava e
movimentava sensualmente os quadris. Ao sentir a rigidez do membro viril contra
suas nádegas, virou-se, arrancou o casaco do amante, desabotoou o colete azul, de
cetim, abriu a camisa branca de linho e ficou por um instante olhando fascinada para
o tórax musculoso. Então baixou a cabeça e esfregou os dentes num dos mamilos
escuros, depois no outro. O homem sorriu. Ele havia ensinado muita coisa à vadia e

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ela demonstrava ser aluna aplicada. O que lhe faltava em beleza, sobrava em
entusiasmo e sensualidade.
Ambos continuaram a se acariciar. Ele não ficou surpreso quando Sophie baixou a
mão e apertou o membro dele sobre o tecido dos calções justos, fazendo-o
estremecer.
— Você sabe como me tocar — ele murmurou quando a mulher começou a esfregar
o membro com mais vigor, sem esconder seu desejo.
— É assim que você gosta?
— Sim. E você?
— Está delicioso. Preciso de você, meu amor.
Sob o olhar concupiscente de Sophie, ele tirou as botas, os calções e levou-a para a
cama. Amaram-se selvagemente. A cada arremetida dele Sophie gemia de prazer.
No momento do clímax ela gritou, arquejante, nem um pouco preocupada em ser
ouvida pelos criados.
Depois, ambos ficaram abraçados, ofegantes, por causa do exercício. Sophie estava
de costas para o amante, mas ele percebeu que ela não iria dormir. Ele a conhecia o
suficiente para saber que dali a uns minutos a insaciável mulher iria querer mais.
Portanto, decidiu voltar a excitá-la. Assim que ela dormisse, ele poderia fazer o que
o trouxera àquela casa: revistar o escritório do almirante para encontrar as
informações desejadas.
— Amo você — ele declarou.
Foi por cima de Sophie, acariciou os gloriosos seios, sugou um após o outro e
possuiu-a novamente.
Desta vez ela adormeceu.
O homem levantou-se, vestiu-se, calçou as botas e saiu do quarto em silêncio.
Desceu a escada, sempre atento para não ser visto por nenhum criado, e entrou no
escritório. Com largas passadas, alcançou a grande escrivaninha de carvalho.
A que tipo de reunião o almirante terá ido?, o homem se questionou. Não ouvira, em
Whitehall, nenhum comentário sobre alguma invasão.
Tudo estava na mais perfeita ordem sobre a escrivaninha. O homem não viu
nenhum calendário, nenhuma anotação ou carta que pudesse revelar o assunto da
reunião à qual o almirante comparecera. Chamou-lhe a atenção o lindo abridor de
cartas, de prata, e ele colocou-o no bolso. Merecia um pagamento por ter ensinado a
esposa do almirante a dar prazer a um homem.
Abriu as gavetas da escrivaninha e só encontrou referências a cargas do navio,
horários de chegada e partida.

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— Droga — murmurou entre dentes.


Precisava descobrir informações sobre envio de tropas, movimentos bélicos, lugares
estratégicos, coisas assim. Se obtivesse tais informações seria um homem rico.
Serviu-se de um uísque caríssimo e, enquanto o saboreava, distraiu-se tentando
encontrar um meio de terminar seu relacionamento com a esposa do almirante, sem
problemas ou grandes traumas.
Teria de pensar no assunto com calma. Com a experiência que tinha com mulheres,
não seria difícil inventar uma desculpa e sair da vida de Sophie. Caso a estúpida
vadia não aceitasse a separação... teria de matá-la.

— Você vai tomar outro sorvete de limão, Juliet? — indagou a duquesa de


Glenbroke, pasmada.
— Vou, sim. E daí? — lady Juliet Pervill respondeu, erguendo a mão para o garçom.
— Juliet, que modo de falar! — censurou lady Felicity Appleton. — Se você não
parar de comer desse jeito, ficará enorme e não receberá um pedido de casamento.
— Outro sorvete, por favor — Juliet pediu ao garçom. Quando o homem se afastou,
ela voltou-se para a prima. — Felicity, você sabe que posso comer o que quiser e
não engordo um grama. Quanto a arranjar um marido... Prefiro não pensar nisso. Os
homens nem olham para mim.
— Juliet, você é muito atraente — observou a duquesa.
— Obrigada, Sarah, mas eu sei que sofre, quando muito, passável. Comparada a
Felicity, sou absolutamente sem-graça. Tenho sardas, pouco busto... Considero-me
uma pessoa de sorte por ser rica e inteligente.
— Oh, Juliet — disse lady Appleton, desconsolada.
— Alguns homens gostam de sardas — apontou a duquesa.
— Alguns, Sarah. Mas a grande maioria prefere lindas loiras, de corpo espetacular e
ardentes olhos castanhos. — Juliet dirigiu-se a Felicity e perguntou: — Você recebeu
mais propostas de casamento esta semana, prima? Ou aquele deus grego foi o
último?
Lady Appleton enrubesceu.
— Juliet, você sabe muito bem que lorde Summers foi o último. Será que podemos
mudar de assunto?
— Claro! — Juliet dirigiu-se a Sarah. — Fiquei sabendo que o conde de Wessex
voltou a Londres. Você deve estar feliz e aliviada. Ele se recuperou completamente?
A expressão de Sarah tornou-se sombria, o que não passou despercebido à sensível
Felicity.

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— Vejo que você continua preocupada com Aidan. Por quê?


— Fisicamente Aidan está bem. Mas... — Sarah suspirou. — Meu irmão não é o
mesmo homem que deixou a Inglaterra meses atrás. Vocês sabem que Aidan
sempre foi muito elegante, cuidadoso, alegre, controlado... Pois bem, agora está
irascível, temperamental, magro e parece infeliz.
— Você conversou com ele para saber o que está acontecendo? — Juliet perguntou.
— Sim, mas ele diz que está bem.
— E Christian? Você falou com ele, Sarah? — indagou Felicity. —Quem sabe lorde
St. John poderá ajudá-la. Ele é um grande amigo de Aidan.
— Christian? Ele não leva nada a sério — Juliet assinalou. — É melhor você falar
com Daniel, Sarah. Ele deve chegar hoje da Escócia.
Sarah sorriu, ao lembrar-se do amigo de infância.
— Isso mesmo, Juliet. Daniel é a pessoa perfeita para tirar Aidan de sua melancolia.
O visconde é determinado, persistente e não desistirá enquanto o amigo não voltar
ao normal. A propósito, vou oferecer um jantar no próximo sábado e vocês estão
convidadas. Quero ver Aidan cercado de amigos que lhe darão apoio neste período
difícil. Posso contar com vocês?
— É claro que irei, Sarah — disse Felicity. — Será uma honra jantar com um herói
da Guerra Peninsular.
— Eu também estarei lá — completou Juliet. — Às oito?
— Às oito — Sarah confirmou sorrindo para as duas amigas leais.
Daniel McCurren, visconde de DunDonell, tinha chegado a Londres havia umas duas
horas quando recebeu a visita da grande amiga, a duquesa de Glenbroke. Sarah
colocou-o a par do que estava acontecendo com o irmão e pediu a Daniel para falar
com Aidan e tentar descobrir o que o afligia.
Alarmado, Daniel escreveu um bilhete para o conde dizendo que havia chegado da
Escócia e intimando-o a encontrá-lo no clube de ambos nessa noite.
Assim, ali estava Daniel, com o copo de brandy na mão, olhando apreensivo para a
porta dupla, de laça preta, refletindo sobre o que Sarah lhe dissera.
Dos três amigos: Christian St. John, John Elkin e Aidan Duhearst, este era, sem
dúvida, o mais forte. Também fora sempre o mais sensato, justo e racional. Mas
Sarah tinha dito que a guerra afetara o irmão, tornara-o melancólico, roubara-lhe o
entusiasmo.
Daniel estava absorto, mergulhado em seus pensamentos quando a porta se abriu.
Ele ergueu a cabeça e, ao ver o rosto familiar, aquele sorriso formando as covinhas
nas faces, pensou, por um momento, que nada havia mudado. Aidan Duhearst era o

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mesmo de sempre. Os amigos se abraçaram, apertaram as mãos e um bateu nas


costas do outro, num forte abraço masculino.
— Por onde andou, seu malandro? Quem tem a fama de chegar sempre atrasado
sou eu. — O tom descuidado de Daniel foi proposital ao notar os círculos escuros ao
redor dos olhos verdes de Aidan.
— Já era tempo de você saber como é desagradável ficar esperando por alguém —
disse Aidan, sentando-se na poltrona revestida de couro, na frente do amigo. —
Como estão seus pais?
— Muito bem. Mamãe, mais determinada do que nunca a me ver casado e, de
preferência, lhe dando um neto nove meses depois do casamento. Sendo assim,
creio que vou aproveitar para fazer umas pesquisas enquanto estou na cidade.
— Pensamento perigoso! — observou Aidan, sorrindo. Daniel também sorriu.
— E você, Aidan? Como vai? Há quanto tempo voltou para a Inglaterra? Seis
semanas?
— Sete — respondeu o conde e pediu um uísque ao jovem garçom.
— Esteve em Blackmore Hall?
— Recuperei-me lá.
— O que você me conta sobre a península? — Daniel perguntou, e Aidan ficou
tenso.
— O que posso contar? Homens morreram, Daniel. — Aidan engoliu metade do seu
uísque. — Meus homens morreram.
Daniel franziu a testa. Doía-lhe ver o sofrimento do amigo. Sabendo, porém, que
Aidan nunca falaria sobre o assunto se não fosse pressionado, insistiu.
— É claro que homens morrem numa guerra, Aidan. Mas o que aconteceu?
— Prefiro parar com isso, DunDonell.
— Não. Eu sei que você não está bem. Deve ter perdido uns sete quilos desde que
nos vimos pela última vez. E sua irmã está sofrendo por sua causa. — Daniel fez
uma pausa e pediu calmamente: — Conte-me o que aconteceu na península para
deixar você assim.
O amigo olhou para a parede, para a lareira, para o teto, menos para Daniel, antes
de tomar sua decisão. Por fim, inclinou-se para frente, de cabeça baixa, e os olhos
fixos no tapete.
— Beresford marchou para o sul com as tropas britânicas, portuguesas e
espanholas e chegou à cidadezinha de Albuera — Aidan começou. — As tropas
aliadas posicionaram-se nas colinas e meu regimento posicionou-se na estrada.
Tudo parecia simples, pois as tropas francesas estavam bem distantes, do outro

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lado do rio Albuera. Mas... em muitas partes do rio, era possível passar a vau até
mesmo canhões. E havia os lanceiros poloneses, aliados dos franceses, com suas
armas poderosas, das quais havia poucas chances de se escapar com vida. —
Aidan fechou os olhos. Depois inspirou fundo e continuou: — O inimigo nos cercou,
reduzindo meu regimento pela metade. Virei meu cavalo e fui ao encontro de meus
soldados que estavam perto do rio... O combate tinha sido feroz... Olhei para
aqueles homens caídos, seus corpos dilacerados... ouvi gritos. E eu sem poder fazer
nada.
— Era a guerra, Aidan. Homens morrem em combate.
— Não meus homens! Não sem mim!
Daniel ficou em silêncio. Só agora podia compreender como a morte do pai afetara o
amigo. Só agora entendia que Aidan carregava o fardo de seguir os passos de um
homem que tinha sido herói.
— Como você foi ferido?
— Não sei o que aconteceu depois que cheguei à margem do rio. Só me lembro de
estar numa sala sendo interrogado pela amante de Napoleão.
— Uma mulher?
— Isso mesmo. Uma inglesa! E está aqui no momento.
— Em Londres?!
— É. Em Londres. E pare de me olhar como se eu estivesse maluco. Vi essa mulher
no baile, na casa de lorde Reynolds.
— Será que não se enganou?
— Francamente! A mulher ia me mandar para a forca! — exclamou Aidan,
impaciente. — Você acha que eu iria me esquecer da cara dela? Daquele seu jeito
arrogante?
O visconde riu.
— Não. Acho que não. O que você pretende fazer? Tem algum plano?
— Ainda não sei. Mas ela é a razão de eu ter sobrevivido à carnificina de Albuera.
— Não entendo. Você disse que ela ia mandar enforcá-lo.
— E ia mesmo. O que eu quis dizer é que Deus permitiu que eu vivesse, permitiu
que eu me tornasse prisioneiro dos franceses, depois permitiu que eu fugisse para
poder impedir a ação dessa mulher.
— Continuo não entendendo.
— Pense bem. Eu sou a única pessoa que sabe como é essa inglesa que está
traindo nosso país.

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— É por causa dela que você está desse jeito? Sua aparência não é das melhores.
Você tem andado à procura dessa mulher?
— Tenho. Preciso encontrá-la de novo para entregá-la às autoridades. Eu sei que
ela continua em Londres. Glenbroke está me ajudando. Tem feito perguntas sobre
ela.
— Você parece exausto. Fraco e cansado como está, não irá prender essa espiã.
Precisa alimentar-se bem, amigo.
— Acho que você tem razão. Minhas roupas estão folgadas e deselegantes. Se eu
não recuperar meu peso, serei obrigado a renovar todo meu guarda-roupa. Isso
custará uma fortuna.
— Gastar uma fortuna em roupas! — Daniel fez uma careta de horror. — Você é um
perdulário, Aidan.
— Ora, meu velho, quem é você para me criticar?
Daniel olhou para a roupa amassada e suas favoritas botas hessianas, pretas.
— O que está insinuando, Aidan Duhearst? Aidan deu um sorriso perverso.
— Eu quis dizer, lorde DunDonell, que você é um relaxado. O queixo do visconde
caiu. Ele franziu a testa, indignado.
— Relaxado!? Ah, seu dândi miserável. Só não o estrangulo para não desmanchar o
laço da sua gravata.
— Dândi!?
Daniel deu uma boa risada.
— Não gostou? Eu o atingi no seu ponto fraco, não?
— Seu ataque verbal é quase tão preciso quanto a sua pontaria.
— Quer apostar?
Os olhos cor de esmeralda de Aidan brilharam.
— Mil libras?
Daniel mordeu o lábio inferior. Droga. Cometera uma tolice. Aidan era perito atirador.
E perder mil libras... Olhou para o amigo e ia desistir do desafio, mas acabou
dizendo:
— Ao clube Manton's.
— Feito! — Aidan concordou. Levantou-se com um sorriso nos lábios que o fez
parecer o menino que, juntamente com Daniel, lutou contra quatro valentões no
primeiro dia de aula, em Eton.

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Lorde Falcon apoiou-se pesadamente na bengala e sentou-se na poltrona revestida


de veludo. Os cabelos grisalhos tinham desaparecido com o passar dos anos e, na
calva brilhante, havia manchas marrons.
O duque de Glenbroke sorriu, amável, para o idoso cavalheiro, um homem que nada
tinha de extraordinário, que não chamava a atenção. Suas roupas simples, sem
enfeites, levava alguém a acreditar que ali estava um velho tolo e pobre.
Gilbert, entretanto, não se deixava enganar pela aparência. Via naqueles olhos uma
inteligência aguda. Tanto o velho como o duque eram sócios do clube no qual se
encontravam no momento.
— Boa noite, Glenbroke. Qual a razão deste encontro? — indagou o velho sem
rodeios. — Você sabe que não gosto de reuniões.
— Bem, eu precisava falar-lhe, sir. O primeiro-ministro quer saber se descobrimos
alguma pista que nos leve a identificar nosso traidor. Perceval está irritadíssimo com
a perda do Minerva; o navio ia carregado de suprimentos tão necessários na
Península.
— Realmente, temos de descobrir esse traidor com urgência. Tudo o que sabemos é
que ele usa o nome de Lion. As informações que ele passou para os franceses
custaram-nos caro em Corunha e Saragoça. Meu assistente, lorde Cunningham,
interceptou recentemente uma carta com o selo desse Lion. Tiveram acesso às
informações contidas nessa carta apenas cinco homens. Todos eles ocupam cargos
de responsabilidade em Whitehall: Reynolds, Cantor, Elkin, Ferrell e Hambury.
— Como o senhor pretende provar que um deles é o traidor?
— Pode assegurar ao primeiro-ministro que enviarei um relatório referente ao caso.
Gilbert sorriu. Sabia que não teria mais detalhes sobre a operação.
— Excelente. E agora, se não for abusar de seu tempo, eu gostaria de falar-lhe
sobre outro assunto.
— De que se trata?
— O conde de Wessex me informou que há uma agente da inteligência francesa
aqui em Londres.
O velho ergueu as sobrancelhas com ceticismo e um toque de presunção.
— É mesmo? Há uma espiã na Inglaterra sem que eu saiba disso?
— Seu nome é lady Rivenhall. Jovem, loira, olhos verde-azulados, mais ou menos
um metro e sessenta e cinco. Wessex a surpreendeu quando ela estava revistando o
quarto de lorde Reynolds.
— Como Wessex encontrou-a no quarto de lorde Reynolds?
— Ele a reconheceu no salão de baile e seguiu-a até o outro andar.

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— Reconheceu-a?
— O senhor sabe que meu cunhado foi preso em Albuera e conseguiu fugir
justamente das tropas de lady Rivenhall.
— Perdoe-me, Alteza, mas seu cunhado foi ferido em Albuera, não foi?
— Sim. Wessex teve vários ferimentos.
— Porém, o mais sério foi na cabeça, não? Muitas vezes a guerra afeta os
soldados...
— Está querendo dizer, sir, que Wessex está mentalmente perturbado?
— Não foi o que eu disse. Acredito que o conde esteja enganado. Meu gabinete
investigou lady Rivenhall, uma vez que a mãe dela era francesa.
— Qual foi o resultado da investigação?
— Lady Rivenhall é uma lady inglesa. A mãe, por ser nobre, foi executada durante a
Revolução. Sei que lady Rivenhall está morando em Londres há mais de um ano.
Não pode ter sido ela quem interrogou seu cunhado na península. Sinto muito.
Gilbert recostou-se na poltrona, abismado. Não sabia o que dizer ou pensar.
Surpreendeu-se quando a voz do homem à sua frente, tão grave momentos antes,
tornou-se alegre.
— E os gêmeos? Eles irão completar um ano, não é mesmo?
— Sim. Mamãe quer fazer uma grande festa, mas minha esposa insiste em reunir
apenas os parentes e amigos íntimos.
— Sua esposa é uma mulher sensata — opinou o velho. Gilbert mal o ouviu, tão
perplexo ainda estava com a informação que recebera.
Estaria Aidan mentalmente perturbado?

Capítulo III

Na noite de sábado, Aidan chegou, muito elegante, à casa do duque e da duquesa


de Glenbroke. Um autêntico cavalheiro inglês, como Sarah tinha exigido. Estava
ansioso, não para conhecer a jovem lady que a irmã considerava perfeita para
casar-se com ele, mas para conversar com o cunhado.

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Entrando na sala de visitas, cumprimentou com um aceno de cabeça Christian St.


John, que estava do outro lado da sala com lady Pervill e lady Appleton. Entregou à
irmã um enorme buquê de rosas e deu-lhe um beijo no rosto.
— Minha futura esposa já chegou? A propósito, quem é ela? — Aidan indagou em
tom provocativo.
A duquesa comprimiu os lábios, estreitou os olhos e voltou-se para o marido que,
ignorando a ira da esposa, afastou-se sorridente para servir-se do precioso xerez
que estava numa bandeja de prata, em finíssimo decânter de cristal.
— Vou estrangular Gilbert — Sarah murmurou.
— Glenbroke fez muito bem de me alertar sobre suas traiçoeiras intenções. — Aidan
sorriu, mostrando as covinhas do rosto.
— Seremos apenas seis à mesa, Aidan — Sarah acrescentou com um sorriso.
O conde franziu a testa ao olhar para as duas primas que conversavam com
Christian e o duque de Glenbroke.
— Seis? Você está falando sério?
— Seriíssimo.
— Qual delas foi eleita minha noiva? Sarah riu.
— Ora, Aidan, será mais difícil para você controlar Juliet do que pegar uma mosca
voando.
— Ah, então Felicity é mais controlável!
— Mais compatível, prefiro dizer. Já faz algum tempo que observo Felicity e decidi
que vocês foram feitos um para o outro. Ela é linda, agradável e inteligente. Será
ótima esposa.
Aidan olhou para a irmã, estonteado.
— Você falou com Felicity sobre essa possibilidade?
— É claro que não. Que tipo de irmã você pensa que eu sou? Felicity se ofenderia e,
provavelmente não conversaria comigo durante um mês. Juliet e eu achamos que é
melhor apenas você cuidar do assunto.
— Juliet! — Aidan exclamou entre os dentes.
— Foi Juliet quem teve a idéia, há várias semanas. Acho que ela está preocupada
porque a prima vai fazer vinte e dois anos e não está nem sequer noiva.
— Sarah, por favor! Até parece que lady Appleton está "encalhada". A moça já
recusou seis pedidos de casamento.
— Sete. Felicity diz que se casará por amor e não está apaixonada por nenhum dos
seus pretendentes. — Sarah suspirou. — Eu tinha certeza de que ela iria aceitar

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lorde Summers. O homem é absolutamente encantador. Um deus grego. Portanto,


caro irmão, se para Felicity a aparência não é o mais importante, você pode ter
alguma chance.
Não houve tempo para Aidan responder, pois o jantar foi anunciado.
O duque de Glenbroke acompanhou a esposa. Lady Pervill foi para junto de
Christian, deixando, propositadamente, Aidan para oferecer o braço à elegante lady
Appleton.
Ele odiou ter de admitir que a irmã tinha razão. Lady Appleton era belíssima e a
criatura mais meiga que eleja tivera o prazer de conhecer. Feliz do homem que a
escolhesse pôr esposa. Na verdade ele já admirava Felicity, antes de partir para a
península.
Durante o excelente jantar, Aidan apreciou demais a companhia de lady Appleton,
chegando quase a esquecer por que viera à casa da irmã e do cunhado. Quando as
ladies foram para outra sala, deixando os cavalheiros apreciando seu porto,
Glenbroke perguntou a Aidan:
— O que achou de sua noiva?
— Que noiva? — indagou Christian, franzindo a testa.
Os olhos cinzentos do duque fixaram-se nos do confuso lorde St. John.
— Parece que minha esposa decidiu que Aidan deve pedir a mão de lady Appleton.
— Lady Appleton? Você deve estar brincando, Glenbroke.
— O que há, Christian? Por que você acha que não posso cortejar lady Appleton?
O olhar de Christian passou de Aidan para o duque e voltou para Aidan.
— Bem... Eu nunca imaginei que... Ora, Aidan, você e lady Appleton?
O duque deu uma gargalhada e Aidan ficou carrancudo.
— Que droga! Aceitei a idéia de Sarah há uma hora apenas, mas estou convencido
de que lady Felicity será uma esposa excelente e fará qualquer homem feliz.
— Sim, mas não um homem como você!
— Um homem como eu?
— Admita, Wessex, você é um libertino.
— Libertino!
— Talvez não seja um libertino, mas um conquistador... um mulherengo.
— E você não é? Christian riu.
— É verdade, mas não sou eu quem está decidido a pedir lady Appleton em
casamento.

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— Quem disse que estou decidido a pedi-la em casamento?


— E não está? Espero que não esteja pensando em cortejar lady Appleton
simplesmente para seduzi-la.
— Seduzi-la!? —- A voz de Aidan alteou-se. — Está maluco, Christian, ou apenas
com febre?
— Então diga, quais são as suas intenções para com a moça?
Aidan olhou para o cunhado.
— Glenbroke, quer pedir para este intrometido sair da sala? Christian levantou-se,
sorridente.
— Não precisa me enxotar, Glenbroke. Acredito que nenhum de vocês fará objeção
se um belo tipo como eu passar algum tempo na companhia de suas mulheres.
— Felicity não é minha mulher — Aidan protestou.
— Felicity? Que familiaridade!
— Desapareça, Christian!
Lorde St. John saiu da sala e Aidan, realmente irritado, voltou-se para o cunhado
que ainda ria, demonstrando que tinha achado aquela discussão muito divertida.
— E então, Glenbroke? Localizou lady Rivenhall?
— Aidan, você tem certeza de que foi mesmo lady Rivenhall quem o interrogou
quando você foi preso?
— O que está querendo dizer? Tenho certeza absoluta. Uma coisa dessas um
homem não esquece.
— O Ministério do Exterior já investigou lady Rivenhall. Ela está morando em
Londres há mais de um ano. Ela não pode ser a mesma mulher que o interrogou.
— Ela me drogou na casa de lorde Reynolds!
— Quem sabe ela estava esperando por lorde Reynolds e você a assustou. Você a
acusou de ser uma espiã francesa?
Por um momento Aidan ficou em silêncio, pensativo. Lembrou-se do bilhete que lady
Rivenhall recebera na noite do baile. Teria sido enviado por um amante, e ela reagira
daquela forma com medo de ficar com a reputação arruinada?
Em seguida ele lembrou-se da adaga e do modo como usava a arma. Lembrou-se
de que ela também o reconhecera e da atração física que sentiram um pelo outro.
Naquele não estava enganado.
— E a mesma mulher, Gilbert. E cada dia que ela está livre é mais um dia em que
passa informações para os franceses. Isso não vou permitir.

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— Como? Você não pode fazer nada.


— Posso. Vou desmascarar essa traidora e levá-la a Whitehall.
— Aidan ficou de pé e curvou-se. — Boa noite, Glenbroke. Peça desculpas a minha
irmã por mim.
— Aonde você vai?
— Vou sair à caça.

Londres, 30 de junho de 1811


Lady Rivenhall sentou-se em um dos camarotes privativos em Vauxhall Gardens.
Torceu nervosamente as mãos, enquanto esperava por lorde Falcon, o chefe do
serviço de espionagem inglesa.
Gostaria de evitar esse encontro, mas não lhe restara alternativa. O problema com o
conde de Wessex tinha de ser resolvido, e depressa.
— Como vai, minha querida? — indagou o velho lorde entrando no camarote.
Sentou-se diante de Celeste e fechou a pesada cortina de veludo. O som da
orquestra tornou-se abafado.
— Muito bem, até agora, milorde.
— Você não gosta de fazer rodeios, Celeste. — O velho sorriu e colocou uma
bandeja com frutas e queijo sobre a toalha de seda preta da mesinha. — Vamos
comer alguma coisa antes de tratarmos de negócios.
— Não, obrigada.
— Muito bem. Sei que você se encontrou com o conde de Wessex na casa de lorde
Reynolds, na noite do baile.
— Como o senhor pôde...
— Isso não importa — lorde Falcon interrompeu-a. — O que eu tenho a lhe dizer é
que houve uma mudança de planos. Dentro de um mês lorde Wellesley mandará
reforços para nossas tropas. Os navios transportando soldados e suprimentos
chegarão à costa sudeste de Portugal com o propósito de surpreender as tropas de
Napoleão para mantê-las presas entre os Pireneus e as tropas de reforço de
Wellesley. Você sabe o que isso significa?
— Claro.
— Você sempre foi esperta, Celeste. Sua tarefa é descobrir o traidor antes da
partida de Wellesley. Se ele continuar passando informações, Napoleão estará à
espera dessas tropas de reforço. — Os olhos de Falcon fixaram-se nos de Celeste

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até perceber que ela entendera a seriedade da situação. — Você não encontrou
nada que pudesse comprometer lorde Reynolds?
— Não. Revistei a casa dele, observei-o e concluí que...
— Que o homem é um incapaz — Falcon completou. — Sempre achei que um bufão
como lorde Reynolds não poderia ser o traidor que procuramos. Lion é
extremamente astuto. Possivelmente você nunca encontrará um documento que o
incrimine.
— Nesse caso o que o senhor sugere?
— Encontre o sinete de Lion. Ele interceptou um comunicado oficial e imprimiu nele
seu selo. Veja que arrogância! O sinete é a prova de que precisamos para enforcá-
lo.
— Como um homem tão esperto pode cometer um descuido desses?
Falcon deu um largo sorriso.
— Não se trata de descuido e, sim, de um jogo. Homens como Lion querem sentir a
emoção do perigo; gostam de desafios, querem enganar os outros para provar sua
astúcia. Confiam no seu talento. Acham que jamais serão apanhados. É essa
arrogância que os acaba traindo. Encontre o sinete de Lion, Celeste. Você tem
quatro semanas para provar que um dos quatro homens do meu gabinete é um
traidor. Investigar quatro homens em quatro semanas é brincadeira de criança para
uma lady com o seu talento.
— É com Wessex que estou preocupada, milorde, não com os quatro homens. O
conde está determinado a me denunciar como espiã.
Falcon saboreou alguns morangos antes de dizer:
— Nesse caso, dê a ele um motivo para esperar até que você tenha terminado sua
tarefa.
A pulsação de Celeste tornou-se acelerada.
— Está sugerindo que eu devo...
— Seduzir Wessex.
Celeste sacudiu energicamente a cabeça.
— Não compreende, milorde, que o conde de Wessex não é do tipo que se satisfaz
roubando um beijo da namorada. Ele irá querer muito mais do que isso.
— Compreendo perfeitamente, minha querida e lamento por você. Mas não vejo
alternativa. Wellesley está contando conosco para impedir esse vazamento de
informações e você é a única pessoa capaz de fazer isso.

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Vendo Celeste tão perturbada, Falcon colocou-lhe na mão um copo com uísque. Ela
tomou a bebida de um só gole. Ele acrescentou:
— Sinto muito. O duque de Glenbroke me procurou para obter informações sobre
você. Eu lhe disse que você está em Londres há mais de um ano. Cheguei a
insinuar que os ferimentos de Wessex confundiram-lhe a memória. Tudo o que você
terá de fazer será usar seu charme para convencê-lo de que ele está enganado. Não
foi você quem o interrogou quando ele esteve prisioneiro. — Falcon fez uma pausa.
— Bem, quero deixar claro que você não é obrigada a aceitar essa tarefa.
Celeste refletiu sobre o assunto por um instante. Finalmente, decidiu.
— Aceito a missão, milorde. É um privilégio servir à Coroa.
A fumaça de cigarros e charutos que enchia a sala da popular casa de jogo Inferno
de Dante tornava o ambiente opressivo e parecia obscurecer a mente dos
jogadores.
Nos últimos cinco dias, Aidan estivera em todos os bailes, na ópera e nas festas da
cidade, na esperança de encontrar lady Rivenhall e precisava de um descanso.
Jogou uma carta no centro da mesa forrada de feltro verde e juntou todas as cartas
da rodada.
— Você tem visto lady Pervill, Wessex? — indagou lorde Robert Barksdale com um
sorriso decididamente malicioso.
— Juliet Pervill? Você não quis dizer lady Appleton, amigo velho? — interveio lorde
Fairfax.
— Lady Appleton é adorável, mas lady Pervill... Hum... — Barksdale abanou a
cabeça. — Há alguma coisa naquela moça que faz meu sangue ferver.
Lorde Fairfax deu de ombros.
— Por falar em beldades, na semana passada, fui ao baile na casa de lorde
Reynolds e vi uma linda mulher loira, de grandes olhos verdes. Fiquei tão encantado
que tive de me conter para não ir atrás dela, deixando lady Wagner plantada no
salão.
Aidan ficou tenso e seu coração bateu mais forte.
— Ah, você se refere a lady Rivenhall — disse Barksdale. — Lorde Elkin está
caidinho por ela e convidou-a para a festa que irá oferecer em sua casa de campo,
neste fim de semana. Não conheço essa lady Rivenhall, mas, pelo que Elkin diz, é
encantadora. Certamente irei conhecê-la na festa.
— Elkin está de volta? — inquiriu lorde Fairfax, juntando as sobrancelhas.
— Chegou a Londres na semana passada. Parece que o imperador não gosta muito
de ingleses se divertindo no continente. — Uma jovem prostituta aproximou-se de

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Barksdale e ele ficou de pé. — Com licença, cavalheiros, preciso dar atenção a esta
linda flor.
Lorde Fairfax também se afastou com duas gêmeas e Aidan sentou-se sozinho, de
péssimo humor, a uma mesa de canto. Lorde Elkin estava apaixonado por lady
Rivenhall! Bem, conseguiria facilmente ser convidado para passar o fim de semana
na casa de campo do amigo de infância.
Seus lábios curvaram-se num sorriso desdenhoso ao imaginar u expressão de
espanto de lady Rivenhall quando o visse na casa de lorde Elkin. Aidan terminou de
tomar o uísque e saiu da casa de jogos.
Chegando à rua, ordenou a seu cocheiro que o levasse à casa do duque de
Glenbroke. Pelo tom de voz do conde, o homem percebeu que ele estava
aborrecido. Murmurou apenas duas palavras de assentimento, estalou o chicote e
tocou os dois soberbos cavalos.
Nos poucos minutos em que Aidan esteve na carruagem, lady Rivenhall ocupou-lhe
o pensamento. Ocorreu-lhe que sua palavra apenas seria insuficiente para a traidora
ser enforcada. Ele precisava provar que ela era uma espiã; provar que ela era a
mesma mulher de Albuera.
Assim que o landau parou, Aidan saiu da carruagem antes mesmo de o cocheiro
descer do seu assento. O devotado e esnobe mordomo de sua Alteza abriu a porta
da casa, com o nariz para cima, até reconhecer o visitante.
— Glenbroke está em casa? — Aidan perguntou ao passar pelo homenzinho
deixando-lhe nas mãos o chapéu de pêlo de castor e o sobretudo.
— Sua Alteza está na biblioteca, entretanto...
Antes de o mordomo terminar a frase, Aidan já estava abrindo a pesada porta de
carvalho da biblioteca, ansioso para contar sobre a sua descoberta à única pessoa a
quem ele havia falado sobre lady Rivenhall, e parou, frustrado. Sarah estava
sentada no colo do marido, ambos abraçados e se beijando.
Aidan bateu na porta para revelar sua presença e falou com humor:
— Há catorze quartos no andar superior, Glenbroke. Não entendo por que vocês têm
predileção por este cômodo.
Com grande relutância, Gilbert interrompeu o beijo e olhou com desagrado para o
conde.
— A meu ver, posso namorar minha esposa onde eu quiser e você não tem nada
com isso.
Sarah virou-se para o irmão e protestou:
— Aidan! Só agora consegui fazer com que os gêmeos dormissem! O que você
quer?
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Gilbert riu e aconselhou a esposa:


— É melhor você subir e me esperar no quarto, querida. — E acrescentou,
malicioso: — Vista a camisola de renda preta. É mais excitante.
— Francamente, Gilbert, ela é minha irmã — Aidan declarou.
— Se você não quisesse ouvir conversas íntimas, não devia ter invadido nossa
privacidade. — Gilbert parou de falar ao ver Sarah lançar-lhe um olhar sedutor e
jogar-lhe um beijo antes de sair da biblioteca. — Afinal, o que há de tão importante,
Wessex?
— Tenho novidades sobre ela.
— Como? — Gilbert perguntou, sabendo a quem o cunhado se referia.
— Descobri que lady Rivenhall passará o fim de semana na casa de campo de John
Elkin. Só preciso encontrar uma prova de que ela é uma traidora.
— Você sabe que não terá o apoio de ninguém em Whitehall.
— Não tem importância. Vou provar que eles estão enganados.
— O Ministério do Exterior já investigou lady Rivenhall. Como você espera provar
que ela é uma espiã? Talvez seja melhor esquecer o assunto.
— Não! Ela é uma traidora!
— Suponhamos que você esteja certo. Se essa mulher for mesmo uma informante
dos franceses, será mais prudente vigiá-la para descobrir quem são os seus
contatos. Se você identificar a rede de colaboradores franceses, Whitehall agirá e os
culpados serão punidos.
— Não, Gilbert. Você não sabe do que essa mulher é capaz. Ela é lindíssima,
inteligente, encantadora, capaz de fazer com que um homem duvide do próprio
julgamento. Lady Rivenhall conseguiria extrair informações até de Wellesley.
— Aidan, se você quer, realmente, ajudar nossos soldados que lutam na península,
é muito mais importante identificar toda a rede de espionagem do que uma única
agente. Parece que você está levando este caso para o lado pessoal.
Aidan fixou os olhos no tapete. Sentia a cabeça rodando. O duque continuou:
— Lady Rivenhall não é tola e sabe que você pode identificá-la e denunciá-la. Muito
bem. Então, quem melhor do que você para segui-la? Siga-a a todos os eventos e
faça-a acreditar que você suspeita que ela seja uma espiã.
— Mas ela é uma espiã.
— Exato. É por isso que o plano que tenho em mente é brilhante.
— Que plano?
— Você é o único homem que pode identificar lady Rivenhall. Correto?

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— Sim.
— Como você não irá denunciá-la, ela ficará intrigada, querendo saber o que você
pretende. Ao mesmo tempo, ela se manterá alerta e longe de seus contatos. — O
duque sorriu. — É aí, caro Aidan, que você terá de entrar com seu jogo. Faça a
mulher entender por que você não a entregou ao Ministério do Exterior.
— Que motivo um homem, um veterano, teria para não denunciar um inimigo?
— Não lhe ocorre motivo nenhum para um homem querer evitar a prisão de uma
mulher? Principalmente sendo essa mulher lindíssima, inteligente, encantadora,
capaz de fazer com que um homem duvide do próprio julgamento, como você disse
há pouco?
Aidan riu.
— Homem nenhum conquista uma mulher como lady Rivenhall. Ela, simplesmente,
não se deixa seduzir por um homem. Ela é a sedutora. Foi treinada para isso.
— Pelo que estou vendo, você não confia no seu poder de sedução. Eu o
considerava um conquistador.
Os olhos de Aidan dardejaram.
— Não adianta me provocar, Gilbert.
— O que o faz hesitar? O plano tem tudo para dar certo. — De repente o duque
arregalou os olhos, surpreso. — Você não... sente desejo pela mulher?
Aidan ficou em silêncio por um instante, incapaz de encarar o cunhado.
— Não sei.
— Como não? Um homem sabe se deseja ou não uma mulher. —É difícil explicar.—
O conde apertou os maxilares, confuso.
Não encontrava palavras para expressar o que sentia. — Lady Rivenhall tem uma
beleza estonteante, sem dúvida. Mas quando a vi, tudo o que me veio à cabeça foi
que ela era a responsável pela morte de milhares de vidas. Ela é uma prostituta,
Gilbert! Uma traidora e assassina. O que eu sinto por ela é o desejo de vingança,
desejo de pegar essa amante de Napoleão e usá-la do modo mais degradante.
— Você quer aproveitar-se dessa mulher? Quer violentá-la? — indagou o duque,
preocupado.
— Não se espante. Gilbert. Lady Rivenhall abrirá as coxas de boa vontade se achar
que poderá arrancar de mim alguma informação.
— Se você tem certeza de que essa mulher é a mesma de Albuera...
— É a mesma.

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— Nesse caso, temos de vigiá-la. Se Whitehall não quer assumir a tarefa... — O


duque encolheu os ombros. — Cabe a você fazer isso.
Aidan esfregou a mão sobre a boca, num dos seus raros momentos de indecisão.
Lady Rivenhall era uma inimiga como qualquer outro francês que lutava na
península, contra a Inglaterra. E o inimigo devia ser combatido. Entretanto, ele
receava não ser capaz de controlar sua raiva e abusar de lady Rivenhall se tivesse a
chance.
Receava tornar-se brutal, continuar sendo o matador que tinha sido na guerra, que
via soldados franceses e não homens que ele deixava estendidos, cobertos de
sangue após receberem no peito o golpe de sua espada.
Ele tinha voltado da península, mas continuava atormentado, como se a guerra
estivesse dentro de seu peito. Será que essa angústia e essa raiva nunca iriam
desaparecer?
— Vou pensar no que você disse, Gilbert — disse Wessex, por fim, saindo da
biblioteca.
Durante toda a manhã, Celeste esteve seguindo lorde Ferrell e aprendera muito
sobre ele. Com aproximadamente um metro e oitenta de altura, cabelos escuros,
olhos castanhos, pele bronzeada, nariz bem feito e lindo sorriso, o homem atraía a
atenção das mulheres.
Sempre atenta, Celeste viu-o entrando numa tabacaria do Pall Mall e andou mais
depressa. Parou na calçada, como se estivesse olhando a vitrine, quando, na
verdade, espiava o interior da tabacaria. Chegava até ela o cheiro de tabaco. Ela
começou a tossir quando um cavalheiro gordo saiu do estabelecimento expelindo na
direção dela a fumaça do charuto que fumava. Ela tentou encher o pulmão de ar
puro, mas o espartilho apertado demais só lhe permitiu uma respiração pausada e
curta.
Vendo lorde Ferrell agradecer ao dono da tabacaria e virar-se para sair do
estabelecimento, Celeste ajeitou os pacotes que carregava e andou na direção da
porta, de cabeça baixa, e foi, propositadamente, de encontro ao belo cavalheiro.
Seus pacotes voaram e se espalharam na calçada.
— Oh! — Ela fixou os encantadores olhos no homem bronzeado à sua frente. —
Sinto muito. Desculpe-me.
Lorde Ferrell sorriu, observou cada curva do lindo corpo feminino, depois se deteve
no rosto da mulher que se tornara rubro. Percebendo a tempo sua concupiscência,
perguntou gentilmente:
— Você está bem?
— Acredito que sim. — Celeste olhou para os pacotes espalhados no chão e
suspirou.
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Abaixou-se para recolhê-los, mas lorde Ferrell interveio.


— Pode deixar.
Rapidamente ele pegou os embrulhos.
— Meu nome é Ferrell. Lorde Ferrell, às suas ordens. — Ele sorriu de modo sedutor.
— Receio que você seja uma ameaça à população de Londres, jovem lady. Permita-
me acompanhá-la até sua carruagem. Levarei os pacotes.
Celeste também sorriu e aceitou a companhia do cavalheiro. A todo instante lhe
dirigia olhares tímidos, como se fosse uma mocinha inocente olhando para um
homem que considerava encantador.
— Você costuma sair desacompanhada? — lorde Ferrell indagou.
Rindo como uma colegial, Celeste olhou dentro dos olhos que refletiam o interesse e
a luxúria do cavalheiro.
— Não. Minha criada veio comigo, mas torceu o pé ao descer da carruagem e eu
tive de fazer as compras sozinha.
— O infortúnio de sua criada foi sorte para mim.
Celeste baixou os olhos, recatada. Parou quando ambos chegaram à carruagem.
Lorde Ferrell continuou olhando para ela, tendo nos lábios seu sorriso mais sedutor.
O cavalariço saltou para a calçada e pegou os pacotes que o jovem lorde segurava.
—! Muitíssimo obrigada, lorde Ferrell — disse Celeste, estendendo ao cavalheiro a
mão enluvada.
Ele segurou-a e pressionou os lábios no pulso de Celeste. O beijo não provocou
nela reação nenhuma. Em seguida, lorde Ferrell abriu a porta da carruagem e
ofereceu a mão direita para ajudar Celeste a subir no veículo.
— Mais uma vez, obrigada, milorde — ela agradeceu novamente, esperando que ele
fechasse a porta.
Mas o conquistador observou.
— Creio que não ouvi seu nome, jovem lady.
Pela primeira vez Celeste sorriu de modo tentador, demonstrando ao cavalheiro a
força de sua sensualidade.
— Não ouviu porque eu não lhe disse meu nome, lorde Ferrell. Ele ficou surpreso e,
ao mesmo tempo, intrigado com aquela
mudança de comportamento da jovem lady. O desejo que havia em seus olhos
cedeu lugar ao humor. Ele fechou a porta da carruagem, curvou-se de modo
exagerado e deu ao cocheiro um sinal para tocar os animais.
Quando a carruagem ganhou velocidade, Celeste voltou-se para madame Arnott.

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— Parece que deu tudo certo — a governanta comentou.


— Foi mais fácil do que imaginei. Lorde Ferrell provavelmente contratará detetives
para descobrir quem sou eu.
— Restam três homens.
— Três, Marie.
Ainda não havia amanhecido. O homem alto e moreno com uma cicatriz no queixo
refreou o cavalo sob um dos frondosos carvalhos do Hyde Park e aguardou.
Ouvindo o animal relinchar, sacou a pistola. Um cavaleiro se aproximava.
— Quem vem lá?
A risada familiar do francês deixou o homem descontraído.
— Pensou que eu fosse um assaltante?
O homem alto tirou da bolsa da sela os documentos que havia roubado do escritório
do almirante e entregou-os ao francês.
— Está tudo aí. Navios, datas, carga. O francês resmungou, descontente.
— Que decepção, amigo. O imperador quer saber o número de tropas e você me
aparece com uma relação de caixas de chá?
— Tenho um informante no gabinete de Wellesley e...
— Pois então trabalhe depressa, mon ami. Fiquei sabendo que o imperador está
muito aborrecido com nosso desempenho. Por isso, mandou a amante para cá.
Segundo meu contato, essa mulher, lady Rivenhall, é tão linda que o próprio príncipe
regente trairia Wellesley para passar uma noite com ela.
— Lady Rivenhall?
— Sim. Você a conhece?
— Não, mas o nome me parece inglês.
— Ela é meio-inglesa. Disseram-me que se parece com o pai. É loira e tem os mais
encantadores olhos verdes. Napoleão está enamorado. Portanto, não perca tempo e
trate de conseguir as informações antes da mulher. Se ela nos passar para trás não
receberemos nada. — O francês entregou ao homem um pequeno embrulho de
papel pardo. — Mil libras.
O homem alto contraiu-se na sela.
— Isso é tudo que recebo por arriscar minha vida?
— Quando conseguir informações valiosas, receberá o suficiente para viver sem
trabalhar o resto da vida. Mas, isto aqui... — O francês ergueu os papéis. — Isto vale
mil libras. Entre em contato quando tiver as informações de que preciso.

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O francês virou o cavalo e partiu, deixando o homem alto olhando frustrado para o
embrulho que segurava. Então inspirou fundo e deixou o parque. Tinha pela frente
um novo desafio: conseguir antes de lady Rivenhall as informações exigidas por
Napoleão.

Capítulo IV

Sherborne, Inglaterra, 5 de julho de 1811.


Nuvens escuras e carregadas pairavam baixas no céu, ameaçando desabar a
qualquer momento. Lady Rivenhall desceu da carruagem seguida de madame Arnott
e subiram ambas os degraus de mármore do suntuoso solar em estilo georgiano.
Lorde Elkin estava à porta ricamente entalhada para recebê-las.
— Lady Rivenhall, sua presença enobrece minha casa — disse ele, levando a mão
enluvada aos lábios.
— Senti-me honrada com seu convite, milorde — tornou Celeste, fazendo uma
mesura, para que lorde Elkin tivesse uma visão melhor dos lindos seios.
Ele ofereceu-lhe o braço e conduziu-a ao hall.
— Adam a levará a seus aposentos. Às sete nos reuniremos na sala de visitas para
um aperitivo antes do jantar — informou lorde Elkin, curvando-se e beijando
novamente a mão de lady Rivenhall, com um movimento leve e sedutor — Até lá,
milady.
"Oh, o homem é muito bom", Celeste pensou ao ver lorde Elkin se afastar.
Mas ela era melhor. Com toda a certeza, ele pretendia levá-la para a cama, o que
vinha a ser mais do que conveniente, uma vez que ela precisava ter acesso ao
quarto do anfitrião.
— Por aqui, milady — disse Adam, e conduziu-a a um luxuoso aposento do primeiro
andar.
Entrando na pequena sala, Celeste foi até a sacada de mármore italiano para
apreciar a paisagem, enquanto madame Arnott orientava os lacaios para colocarem
os baús no quarto de vestir.
— Vou descansar um pouco antes do jantar — disse Celeste a Marie assim que
ambas ficaram a sós. — Por favor, providencie meu banho para as cinco.

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Marie murmurou uma palavra de assentimento e saiu, fechando a porta de


comunicação com o quarto de vestir.
Celeste deitou-se apenas de combinação e adormeceu mal encostou a cabeça no
travesseiro. Acordou com a voz suave da governanta.
— Seu banho está preparado, ma petite.
Ao mergulhar o corpo na água morna, perfumada com lavanda, emitiu um murmúrio
de prazer. Fechou os olhos e deliciou-se com a massagem que madame Arnott fez
em sua cabeça e nas costas. Quando saiu da água, deixou todo o seu cansaço e
sua tensão na banheira.
Marie passou a meia hora seguinte na frente da lareira escovando os longos cabelos
loiros de Celeste, até deixá-los brilhantes como ouro. Em seguida, prendeu-os no
alto da cabeça, formando um coque, evidenciando a linha elegante do pescoço. A
calcinha e a combinação, de fina seda e rendas, não podiam ser mais indecentes.
O vestido, uma criação deslumbrante, era confeccionado em seda, rendas e
brocado, tinha decote baixo arrematado com fita dourada. Marie adornou o elegante
coque com inúmeras safiras azuis, bem escuras, um contraste com o ouro dos
cabelos, e colocou ao redor do pescoço uma safira enorme, também azul-escura,
em forma de gota, presa a uma corrente simples, dourada.
Quando a velha amiga terminou, Celeste olhou-se ao espelho e aprovou o resultado.
Sem falsa modéstia, e sem vaidade, reconheceu que estava linda e sofisticada. Mas
para ela todo aquele cuidado com a aparência fazia parte de seu trabalho. Suas
roupas e o modo de se apresentar eram como um uniforme, um meio de ela extrair
informações. E ela estava segura de que seduziria lorde Elkin.
— Você está deslumbrante, ma petite.
— Obrigada, Marie — Celeste agradeceu sem entusiasmo. Madame Arnott soube
imediatamente o que se passava na cabeça da jovem que tinha criado como filha.
— Celeste, concentre-se na sua tarefa. Não se arrependa da decisão tomada.
— Não estou arrependida. Só lamento que Deus tenha me escolhido para carregar
este fardo. Sei que salvei muitas vidas, mas a que preço? Quando penso no que já
fiz, me questiono, na tentativa de descobrir que deficiência de caráter me leva a ser
tão habilidosa quando se trata de enganar, mentir e fingir.
Ao ouvir a risada de madame Arnott, Celeste virou-se para ela, confusa.
— Oh, ma cherie, uma pessoa sem caráter não tem esses dramas de consciência.
Você consegue informações com facilidade porque é inteligente, esperta, corajosa
e... linda. Sim, a beleza no seu caso é uma arma. — Marie fez uma pausa ao notar
os olhos de Celeste úmidos de lágrimas. — Querida, se você quiser desistir,

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podemos nos mudar para uma pequena casa na charneca inglesa até o término da
guerra.
A sugestão de Marie era tentadora, porém, imagens de homens que iriam morrer,
caso ela falhasse, passaram-lhe pela mente. Restava-lhe pouco tempo e não tinha
escolha. Ergueu a cabeça e beliscou as faces para deixá-las coradas. —Dê-me o
leque, Marie, por favor —- falou com determinação.
A conversa na grande sala de visitas cessou repentinamente e todas as pessoas
que ali se encontravam olharam na direção de Celeste quando ela apareceu à porta.
Ocorreu-lhe que devia estar atrasada para causar aquela reação dos convidados.
— Lady Rivenhall! — disse lorde Elkin que estava no fundo da sala com dois
cavalheiros.
A conversa reiniciou quando ela caminhou ao encontro do anfitrião. Ele fez as
apresentações.
— Lady Rivenhall, permita-me apresentar-lhe lorde Bower e o conde de Wessex.
Celeste voltou-se para o conde. Com aquele sorriso que evidenciava as covinhas e
um brilho de satisfação nos olhos, ele estava mais encantador do que nunca.
— Lady Rivenhall — disse o conde inclinando a cabeça.
— Lorde Wessex.
Lorde Bower, gordo e não tão jovem, saudou Celeste polidamente, sem disfarçar
sua admiração.
— Lady Rivenhall.
— Lorde Bower. — Celeste fez uma mesura. Lorde Elkin virou-se para o conde.
—Wessex, creio que você não conhece lorde e lady Paddington.
— Realmente, não os conheço — Aidan respondeu, não demonstrando interesse em
ser apresentado ao casal.
— Lady Rivenhall, com sua licença. Vou deixá-la com nosso caro lorde Bower.
O largo sorriso de Celeste revelou seu alívio.
— Por favor, não se preocupe comigo, lorde Elkin. Tenho certeza de que lorde Bower
e eu encontraremos uma infinidade de tópicos sobre os quais conversar.
Lorde Elkin levou Aidan para um canto discreto da sala onde havia um grande vaso
com uma palmeira, perfeito para protegê-los de olhares curiosos.
— Wessex, você conhece bem lady Rivenhall. — Era uma afirmação.
— O que está dizendo, John? É assim que você recebe o amigo de infância, depois
de dois longos anos? — Aidan perguntou, fingindo estar ofendido.

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— Ora vamos lá, Wessex. Você a conhece. Aidan deu de ombros.


— Nós nos encontramos uma ou duas vezes.
John apertou os maxilares, demonstrando seu descontentamento.
— Você a conhece até que ponto? Que tipo de relacionamento há entre você e lady
Rivenhall?
— Lamento, John, mas isso não é da sua conta.
— É da minha conta, sim, uma vez que você aproveitou-se da minha amizade para
que eu o convidasse para passar o fim de semana nesta casa. Portanto, vamos ser
francos um com o outro, Wessex.
— Claro.
— Tive muito trabalho para organizar esta reunião e não quero que você interfira.
— O que há, John? Você sempre foi um conquistador. Perdeu a confiança no seu
poder de sedução?
— Wessex, estou falando sério — tornou lorde Elkin por entre os dentes.
Aidan fitou o colega de escola e observou calmamente:
— Sei que você não está brincando, John. E lhe asseguro que meu interesse em
lady Rivenhall não é de natureza romântica. Está satisfeito, meu velho? — Aidan
bateu no ombro do amigo. — Tenho certeza de que a lady em questão estará na sua
cama mais cedo do que você imagina.
— Assim espero. Você viu a reação dos cavalheiros quando ela entrou na sala?
Todos ficaram boquiabertos. — John fixou em lady Rivenhall seu olhar de libertino
consumado. — Céus, olhe para ela, Wessex.
Foi o que Aidan fez; porém, ao fitar a sereia de cabelos dourados, não tinha nos
olhos o brilho licencioso que havia nos de lorde Elkin. Eles guardavam uma raiva,
fria que tivera origem na prisão do acampamento militar, nos arredores de Albuera.
Após o longo jantar em que foram servidos doze pratos, os trinta e dois convidados
foram para o salão de baile.
Celeste não olhou uma única vez na direção do conde de Wessex, mas podia sentir
os olhos cravados em suas costas. Ela voltou a atenção para seu belo par que
rodopiava com ela pelo salão.
— Está gostando de sua visita a Sherborne, lady Rivenhall? — lorde Elkin indagou.
Hora de trabalhar, ela pensou. Não podia perder a oportunidade de conhecer
determinados cômodos daquela casa.
— Estou adorando, lorde Elkin. Mas acredito que é a sua companhia, mais do que a
natureza, e a construção em si que torna Hartford Hall tão agradável.

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Lorde Elkin deu um largo sorriso.


— Suas palavras me envaidecem, lady Rivenhall. Mas devo mostrar-lhe pelo menos
uma parte da casa para que você possa ter uma idéia melhor de Hartford Hall.
— Quer mostrar-me algum cômodo em particular? — Celeste perguntou com um
olhar provocante.
Um estremecimento percorreu o corpo de lorde Elkin. Ele não conseguiu disfarçar
seu desejo.
—Tenho meu cômodo favorito. Entretanto, prefiro mostrar-lhe o que for do seu
interesse, milady.
Ela riu, apreciando aquela brincadeira.
— Que tal seu escritório... daqui a uma hora?
— Meu quarto é mais... privativo. Celeste deu um sorriso sedutor.
— Privativo? Com dezessete cavalheiros bêbedos andando pelos corredores do
primeiro andar? Dentro de uma hora, o andar térreo ficará deserto. E no escritório
ninguém irá nos perturbar.
Antes de sair do quarto para ir ao encontro de lorde Elkin, Celeste recomendou à
governanta:
— Lembre-se, Marie, daqui a quinze minutos, exatamente.
— Não me esquecerei.
Celeste abriu a porta com cuidado e espiou o corredor. Não viu ninguém. Os
hóspedes já se haviam recolhido. Ela desceu depressa para o andar térreo e entrou
no escritório.
Lorde Elkin já estava lá. Ela encostou-se na porta e sorriu para ele de modo
provocativo.
— Tive receio de que você não viesse.
— Por que eu não viria, lorde Elkin?
— John.
— Você se subestima, John. — Celeste caminhou até ele.
— Você tem idéia do quanto é desejável, lady Rivenhall?
— Os homens me acham atraente, mas, em geral, não sinto atração pelos que me
desejam.
John segurou na mão de Celeste e levou-a até o sofá, onde ambos se sentaram.
— Você me deseja, lady Rivenhall?
— Celeste. Não fiz esta viagem até Sherborne para apreciar o sol, milorde.
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— Nesse caso, Celeste, me empenharei para fazer com que esta viagem valha a
pena. — John olhou para os lábios entreabertos de Celeste e selou-os com um
beijo.
Ela não ofereceu resistência. O homem era experiente, sabia despertar o desejo de
uma mulher. Celeste abraçou-o e correspondeu ao beijo, deixando John cada vez
mais excitado.
— Você é deliciosa. Tem o sabor que imaginei que você teria. Ela inclinou-se sobre
ele, pressionando os seios sobre o tórax
musculoso. Ao fazer isso, olhou para o relógio sobre a cornija da lareira. Sete
minutos. Droga! Ele teria tempo de despi-la.
Ergueu-se, empurrou o ombro de John e pediu-lhe, imprimindo desejo na voz:
— Tire o casaco.
Ansioso para atender ao pedido, ele livrou-se do finíssimo casaco e começou a
desamarrar a elegante gravata.
— Não. — Celeste fitou John dentro dos olhos. — Deixe-me fazer isso.
Devagar ela desfez o laço intricado, puxou a gravata e encheu de beijos o pescoço
do rapaz. Sorriu e começou a desabotoar o colete de seda. A respiração de John
tornou-se entrecortada, seus olhos ficaram escurecidos de desejo. Quando Celeste
soltou o último botão de prata e ia alcançar o colarinho da camisa, lorde Elkin
segurou-lhe os pulsos.
— Minha vez — ele murmurou.
Os olhos mantiveram-se presos aos dela, enquanto a mão atrevida passeava
vagarosamente pela perna de Celeste, sobre o joelho e alcançava a liga.
Ele fechou os olhos e gemeu.
— Hum... ligas de renda.
— E calcinha de renda — ela completou.
— Oh! — Lorde Elkin apossou-se da boca de Celeste e beijou-a avidamente.
Nesse instante eles ouviram o som de tiros.
— O que foi isso? — Lorde Elkin soltou Celeste abruptamente. — Droga! Preciso ver
o que está acontecendo. Sinto muito.
— Por favor, não se desculpe. Nos veremos pela manhã — disse Celeste
suavemente. Quando lorde Elkin caminhava para a porta, vestindo o casaco às
pressas, ela acrescentou: — Tenha cuidado, John.
Ele virou-se, sorriu para ela e saiu para o corredor. Celeste correu para trancar a
porta e foi até a escrivaninha. Examinou os papéis bem arrumados em duas pilhas

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e, não encontrando nada do seu interesse, tirou um grampo da cabeça e abriu as


gavetas para procurar o sinete de Lion. Na segunda gaveta, de baixo para cima,
encontrou uma lista mencionando as chegadas e as partidas dos navios da marinha.
Mas isso não incriminava lorde Elkin. Ele trabalhava no Ministério do Exterior e devia
ter acesso a essas informações.
Celeste terminou a busca e não encontrou nada que indicasse uma ligação de lorde
Elkin com os franceses. Chegando a Londres iria falar com lorde Falcon sobre o que
havia descoberto. Ele iria decidir se o homem era ou não um traidor.
Rugas de preocupação formaram-se na testa de Celeste. Gostava do charmoso
lorde e desejava de todo coração que ele não fosse o homem que ela procurava.
Para qualquer pessoa menos atenta, o pequeno estabelecimento era o que parecia
ser: uma estalagem localizada numa ruazinha, perto das docas, que alugava quartos
para passageiros que aguardavam a partida de seus navios.
Mas o homem moreno, esperto e observador, tinha suas suspeitas. Ele havia
seguido o pequenino funcionário, Woodson, desde os edifícios públicos de Whitehall
até aquela estalagem e percebera que ele estava nervoso como uma raposa em um
cercado cheio de cães.
A princípio, atribuíra aquele nervosismo ao fato de o homenzinho estar indo para
uma região mal-afamada de Londres, onde não queria ser visto. Porém, depois de
ficar sentado a um canto escuro, tomando sua cerveja e observando freqüentadores
do lugar, o homem moreno entendeu tudo.
Um sorriso alterou-lhe o rosto, antes inexpressivo, ao notar um viajante subir a
escada de acesso aos quartos do andar superior, seguido por outro, logo depois.
Ambos homens, o que confirmou que não se enganara. A estalagem e pub era um
reduto gay.
Mas o funcionário que estava sendo observado não demonstrou interesse pelos
rapazes que limpavam as mesas. Continuou de pé, encostado no balcão do bar,
conversando com um homem alto e forte, como se fossem conhecidos. Pouco
depois, o funcionário subiu a escada. Nem cinco minutos se passaram e seu
companheiro de prosa seguiu-o.
O homem moreno, que observava, considerou que havia seduzido um grande
número de mulheres, desde sua criada até a esposa do irmão. Porém, nunca lhe
ocorrera que para atingir seu objetivo, seria obrigado a seduzir um homem.
"Talvez seja até divertido", pensou.
Restava saber se no jogo da conquista os homens se comportavam como as
mulheres. Não custava fazer um teste. Olhou com interesse para um rapaz bem
vestido sentado à sua direita, duas mesas depois da dele. O dândi sustentou o olhar
e esboçou um sorriso.
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"Não há diferença", o homem moreno concluiu.


Decidido a esperar que Woodson tivesse seus momentos de prazer, riu alto e pediu
outra cerveja a uma garçonete, contratada para trabalhar ali justamente para dar ao
estabelecimento a impressão de seriedade e decência.
Três quartos de hora depois, o homem moreno viu Woodson descer a escada e
voltar ao bar. Saiu então do seu canto escuro e foi ao encontro do funcionário,
imaginando o susto que iria dar no homenzinho.
— Woodson! — exclamou alegremente. — O que faz nesta parte da cidade, homem
de Deus?
O homem moreno controlou-se para não rir ao ver o funcionário engasgar com a
cerveja e ter um violento acesso de tosse. Quando conseguiu respirar, gaguejou:
— Eu... vim me despedir... de um amigo que vai embarcar. O homem moreno fixou o
olhar no rosto de Woodson e balançou a cabeça com ar de dúvida.
— É mesmo?
— Sim — Woodson disse depressa. — Para a América.
— Ah. — O homem moreno segurou com firmeza no ombro de Woodson e
convidou-o: — Já que estamos aqui, podemos nos sentar a uma mesa para tomar
uma cerveja.
Woodson franziu a testa, indeciso. O homem moreno pôde ver nos olhos do
funcionário muita cautela e desconfiança. Reconheceu que era ótimo ator e perdia
seu tempo com espionagem. Com certeza faria sucesso nos palcos de Covent
Garden. Bem, mas representar não seria tão divertido e excitante.
— Ótima idéia — Woodson respondeu por fim.
Os dois foram até uma mesa. O homem moreno esperou o funcionário sentar-se e,
em vez de ocupar a cadeira à frente dele, sentou-se do seu lado, mantendo a coxa
musculosa encostada no joelho do homenzinho. Em seguida observou:
— Imagino que você esteja muito ocupado, cuidando dos assuntos de Wellesley.
— Bem, não sou o único funcionário que trabalha para lorde Wellesley, milorde —
Woodson baixou os pálidos olhos, simulando humildade.
— Ora, vamos, Woodson! Todos sabem que lorde Wellesley não dá um passo sem
que você lhe diga onde pisar.
— Tento ajudar Sua Senhoria. — Woodson deu um breve sorriso. — Lorde Wellesley
é um santo, comparado ao seu chefe, milorde.
— Tem razão. Ah, que chefe o meu! É por isso que vou pedir outra cerveja. — O
homem moreno segurou a mão de Woodson.

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— Você não quer mais um caneco?


Woodson assentiu, todo alvoroçado, e o homem moreno fez sinal para a garçonete
trazer mais duas cervejas. Deu uma moeda para a moça, colocou o antebraço sobre
a mesa, virou-se para o funcionário e, dirigindo-lhe seu sorriso mais encantador,
perguntou:
— Sobre o que estávamos falando, mesmo?

Da sala de estar completamente às escuras, Aidan ouviu quando lorde Elkin saiu do
escritório. Teve de admitir que lady Rivenhall era excelente profissional. Ela soubera
lidar habilmente com o rapaz enamorado e estava no momento no cômodo vizinho,
dando uma metódica busca na escrivaninha.
Trabalho perdido, Aidan pensou com humor. Ele já havia estado naquele mesmo
escritório e substituíra todos os documentos importantes por outros falsos que ele
próprio tinha preparado em Londres. Esperou uns minutos e abriu devagar a porta
de comunicação com os dois cômodos. Lady Rivenhall estava de costas,
concentrada no material sobre a escrivaninha e não o ouviu entrando no escritório.
Aidan encostou um ombro na porta e cruzou os braços.
— Encontrou alguma coisa?
Lady Rivenhall virou-se, assustada, e apoiou-se na escrivaninha.
— Não trouxe a adaga, lady Rivenhall? É. Seria difícil explicar a presença da arma
na liga quando lorde Elkin levantasse sua roupa.
— Realmente. Mas eu daria tudo para ter agora a adaga comigo — ela falou com
altivez.
A compostura da mulher irritou Aidan. Tinha de confundi-la. Fazê-la perder aquela
pose.
— Você não respondeu à minha primeira pergunta. Encontrou alguma coisa do seu
interesse?
— Não.
Aidan decidiu convencer a espiã de que qualquer documento que ela tivesse
encontrado era vital para o sucesso das forças britânicas na guerra. Por isso, não
iria deixá-la sair dali sem antes revistá-la. Na verdade, estava louco para ver aquelas
calcinhas de renda.
— Perdoe-me, mas duvido que você não esteja escondendo alguma coisa. Tire o
vestido.
Lady Rivenhall encarou-o e não fez o menor movimento para despir-se.
Aidan chegou bem perto dela.

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— Se preferir, eu mesmo tiro sua roupa.


Ela olhou para a porta. Vendo que não tinha como escapar, levou a mão às rendas
do luxuoso traje.
— Belo ardil esse do disparo da pistola! — ele observou tentando distrair-se. Sentia
um desejo irracional por lady Rivenhall e não podia sucumbir aos seus encantos. —
Você fez o pobre John sair correndo e vem me dizer que não encontrou nada que
pudesse interessar aos franceses? Confesso que estou desapontado.
Silêncio. Lady Rivenhall tirou o vestido e jogou-o para o conde. Ele revistou os
bolsos da saia, ocultos por pregas. Nada. Ia deixar o vestido de lado quando sentiu
algo duro na parte da frente, sob o peitilho de brocado.
"Muito esperta", Aidan pensou.
Fingiu ignorância e jogou o vestido sobre a escrivaninha. Podia provar que ela era
uma traidora, mas ainda não era o momento de fazer isso. Devia esperar para
descobrir quem iria receber os documentos falsos. Então, pegaria os dois. Encarou
lady Rivenhall e ordenou:
— Agora, as anáguas.
Com o olhar carregado de ressentimento, ela desamarrou as saias de seda.
— A combinação.
Lady Rivenhall ficou lívida, mas obedeceu. Aidan admirou o mais lindo corpo
feminino que já tinha visto. Ela era perfeita e estava ali ao seu alcance, usando nada
mais do que a calcinha de renda fazendo conjunto com as ligas que prendiam as
meias de seda daquelas pernas bem longas e torneadas.
Não se contendo, aproximou-se da linda mulher, tocou os seios firmes e acariciou-
os. Puxou-a depois de encontro ao peito, passou as mãos pelas costas e pelas
curvas dos quadris.
— Presumo que sua calcinha seja francesa.
Lady Rivenhall continuou em obstinado silêncio. O conde inclinou-se sobre ela e
fitou-a dentro dos olhos. Viu neles uma vulnerabilidade que desmentia aquele ar de
desafio, aquela arrogância que ela fazia questão de ostentar.
Com receio de fraquejar, disse a si mesmo que não devia sentir nada por aquela
mulher. Ela não merecia compaixão, simpatia, muito menos clemência. Graças a seu
extraordinário autocontrole, resistiu ao desejo de beijá-la para afastar o temor de
seus olhos e fazer amor com ela ali mesmo sobre o tapete do escritório.
Devo estar ficando louco.
— Vista-se — ordenou com raiva de si mesmo.

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Deu as costas para a mulher e passou a mão pelos cabelos. Ocorreu-lhe que a
pequena traidora poderia partir-lhe o crânio ao meio. Se isso acontecesse, seria
mais do que merecido.
Pela manhã, o conde de Wessex sentia-se muito menos indulgente do que na
véspera.
Saiu para o jardim acompanhado, a contragosto, de duas jovens ladies. Infelizmente,
o fato de ele ter voltado de Albuera como herói de guerra, estimulara as mães
casamenteiras â empurrarem as filhas na direção dele. Aidan ofereceu um braço a
cada moça e passeou com elas pelo gramado, que se estendia até o rio.
Não muito longe deles estava lady Rivenhall com lorde Elkin.
— Os jardins do solar são lindos, não acha, milorde? — perguntou a moça mais
nova.
— Sem dúvida — Aidan aquiesceu polidamente.
— O meu preferido é o jardim de rosas — disse a outra, de cabelos castanhos. —
Como são os seus jardins, em Wessex milorde?
— Minha mãe também gostava muito de rosas — Aidan respondeu distraidamente.
Sua atenção estava voltada para lorde Elkin que conversava com seu mordomo.
Segundos depois, ele falou com lady Rivenhall. Ela sorriu, acompanhou-o com o
olhar, enquanto ele se afastava com o mordomo, e sentou-se no banco mais
próximo, com certeza para esperar que ele voltasse.
Aidan não perdeu tempo. Pediu licença às mocinhas e foi a passos largos até lady
Rivenhall; o cascalho rangia sob as finas botas hessianas, pretas.
— Lady Rivenhall, gostaria de dar um passeio? — perguntou em voz alta para que
os outros hóspedes ouvissem e ela não pudesse recusar o convite.
Ela levantou-se do banco de pedra.
— Com prazer, milorde—respondeu, e seu sorriso contradizia o brilho flamejante dos
olhos.
Aidan ofereceu-lhe o braço e eles caminharam devagar na direção de uma fonte.
— Parece que você gosta de jardins ingleses. Estranho, não? Lady Rivenhall ergueu
bem a cabeça.
— Gosto demais dos jardins ingleses. Amo os campos da Inglaterra, lorde Wessex.
Meu pai e eu costumávamos passar o verão na fazenda de meus tios, em Suffolk.
— E sua mãe?
— Morreu quando eu tinha três anos.
— Seu pai é um traidor como você, milady?

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— Meu pai... — ela começou com tal fúria que Aidan ficou atônito. Em seguida
controlou-se. — Isso diz respeito só a mim, milorde.
— Discordo. Diz respeito a todos nós, patriotas. Por sua causa e de outros traidores
milhares, de ingleses morrem. — O conde fez uma pausa e observou a enigmática
mulher que olhava para um ponto no horizonte. — Devo explicar o motivo que me
fez convidá-la para este agradável passeio. Lorde Elkin é um amigo íntimo e não vou
permitir que ele seja usado. Eu sei que ele vai convidá-la para deitar-se com ele,
mas você deve recusar o convite.
Lady Rivenhall parou de andar, furiosa.
— Vou para a cama de quem eu quiser e quando eu quiser, lorde Wessex.
— Lorde Elkin...
— Lorde Elkin não tem nenhuma informação que seja do meu interesse. Portanto,
se eu decidir dormir com ele, será unicamente porque ele me atrai.
— Pois eu imaginei que você sentia atração por homens baixos com ambição de
conquistar o mundo.
Eles chegaram à fonte e voltaram pelo mesmo caminho ao lugar de onde tinham
saído.
— Eu admiro um homem que tenha objetivos e luta para alcançá-los. Entretanto... —
ela acrescentou com um lindo sorriso: — ...ultimamente me sinto atraída por homens
altos, musculosos, com penetrantes olhos azuis.
Irritado, Aidan viu que lady Rivenhall estava olhando para lorde Elkin que caminhava
apressado ao encontro deles.
— Não brinque com John — ele advertiu-a.
— Prefiro que John decida se quer ou não ser meu brinquedo. E fique sabendo que
estou cansada de ouvi-lo me acusar de traidora. Se você tem alguma prova contra
mim, entregue-me às autoridades de Whitehall. Se não tem, deixe que eu me divirta
em paz.
— Tenho provas, lady Rivenhall. Você me interrogou em Albuera, lembra-se disso?
Lady Rivenhall agitou os longos cílios e disse com afetada inocência:
— Ouça o que vou dizer quando me interrogarem: "O conde de Wessex foi ferido em
Albuera e isso o deixou mentalmente confuso. Asseguro-lhe, milorde, que nunca saí
da Inglaterra. Não consigo imaginar por que ele fica dizendo essas coisas a meu
respeito. Talvez seja porque nunca aceitei seus avanços.” — Lady Rivenhall ficou
séria e acrescentou: — Meu discurso será muito convincente, lorde Wessex.
Principalmente se o interrogatório for conduzido por homens.

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Aidan ficou estonteado com a desfaçatez da traidora que no momento sorria e


jogava seu charme para lorde Elkin.
— Desculpe-me por deixá-la esperando, lady Rivenhall — disse ele.
— Não precisa se desculpar, milorde. Lorde Wessex fez-me companhia — ela falou
suavemente, olhando para o anfitrião como se o adorasse.
"Os penetrantes olhos azuis" fixaram-se em Aidan, cheios de hostilidade.
— Com sua licença, Wessex, vou levar lady Rivenhall até o rio.
— Fiquem à vontade — disse Aidan, aborrecido por não encontrar um meio de livrar
o amigo da perigosa e traiçoeira lady Rivenhall.
O coração de Celeste batia forte, parecendo querer sair de dentro do peito. Podia
sentir o olhar do conde de Wessex fixo nela, da mesma forma que sentia o sol lhe
aquecendo o rosto.
Olhou sobre o ombro esquerdo e viu que ele continuava no mesmo lugar, com os
punhos cerrados. Involuntariamente ela estremeceu, o que não passou
despercebido a lorde Elkin.
— Está com frio, minha querida? Quer que eu vá pegar seu casaco?
— Não, obrigada. Senti um calafrio. Já passou.
— Wessex disse alguma coisa que a aborreceu?
— E claro que não! — Ela riu alegremente.
— Parece que... — John hesitou. — Há uma história entre você e lorde Wessex?
Celeste entendeu perfeitamente a que tipo de história ele se referia. Não, eles não
eram nem tinham sido amantes.
—- Lorde Wessex e eu nos conhecemos há pouco tempo e nossos encontros, além
de breves, têm sido um tanto hostis. Certamente você já percebeu isso.
Eles chegaram ao rio e lorde Elkin encostou Celeste a uma árvore. Tinha a testa
franzida e manteve os olhos fixos nos dela.
— Wessex tomou liberdades com você?
Imagens da noite anterior passaram pela mente de Celeste: as mãos fortes do
conde tocando-lhe as costas, os seios, o cheiro masculino enchendo-lhe a mente
quando ele se inclinou sobre ela.
— Não — ela respondeu, mas John notou sua hesitação e apertou os maxilares com
evidente ciúme. Para desfazer as dúvidas dele, Celeste sorriu de modo sedutor. —
Lorde Wessex não representa nada para mim. Você é o único homem aqui por quem
tenho algum interesse.
Os olhos passaram dos seios para os lábios de Celeste.

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— Ainda bem. Ele puxou-a para o círculo de seus braços e beijou-a febrilmente.
Depois seus lábios pousaram perto do ouvido. — Passei metade da noite ardendo
de desejo por você. Quando, por fim, adormeci, sonhei que fazíamos amor.
Excitado, John deixou uma trilha úmida de beijos no pescoço de Celeste até
alcançar a curva dos seios, onde seus lábios se detiveram um longo momento. Ela
sentiu o membro rijo pressionando-lhe o quadril. Ele voltou a beijá-la na boca, sua
língua entrelaçou-se com a dela e a mão sôfrega fechou-se ao redor de um dos
seios.
— John, seus hóspedes.
A frustração dele foi evidente. Relutante, afastou-se e sorriu.
— Eu seria capaz de renunciar ao meu título para livrar-me de todos eles. Nós
poderíamos ficar horas sozinhos, fazendo amor aqui mesmo.
Celeste sorriu e enrubesceu.
— Mas seus hóspedes estão aqui.
— Estão. Que droga, não? — John sorriu.
Celeste disse a si mesma que se pudesse ter uma vida normal como qualquer
mulher, se apaixonaria por esse belo e simpático lorde Elkin.
— Você poderia usar aquela calcinha de renda esta noite, lady Rivenhall? — John
indagou, malicioso.
— Não. — Celeste passou os braços ao redor do pescoço de lorde Elkin e riu ao ver
o desapontamento em seu rosto. — Vou usar uma calcinha de renda diferente
daquela. Só tenho calcinhas de renda, milorde.
Os olhos cintilaram.
— Perdição! — John murmurou.
Tomando Celeste nos braços, beijou-a impetuosamente.

Capítulo V

Nessa noite, ao jantar, Celeste sentou-se à direita do anfitrião. Lorde Elkin teve o
cuidado de colocar lorde Wessex à outra extremidade da mesa, entre duas
mocinhas que disputavam entre si as atenções do belo conde. Sem ter quem a
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perturbasse, Celeste concentrou-se no plano que havia traçado para ficar


novamente a sós com lorde Elkin, desta vez na biblioteca.
Marie tinha descoberto que naquele cômodo havia um cofre, ao qual Celeste queria
ter acesso. A dificuldade não seria seduzir o homem, claro, mas ter a chave do cofre.
Na noite anterior, depois do encontro com o conde de Wessex no escritório, revistara
o quarto de John e nada encontrara que pudesse implicar o homem. Sua esperança
era conseguir a preciosa chave.
Ela mantinha-se sentada à mesa com toda compostura enquanto lorde Humphrey
falava com entusiasmo sobre pescaria. Chegara o momento de começar a agir. Tirou
o sapato e passou o pé na perna de lorde Elkin. Ele ficou tenso, mas não olhou para
ela. Celeste foi em frente. Colocou a ponta do pé sob a curva do joelho e mexeu os
dedos para fazer cócegas.
Lorde Elkin fez um comentário sobre trutas e seus olhos e os de Celeste se
encontraram. Ele ergueu o copo de vinho e continuou a conversa. Celeste subiu
mais o pé e notou que a respiração de John começou a ficar mais curta. Ele ergueu
o guardanapo e levou-o aos lábios. Ao devolvê-lo ao colo, segurou o pé de Celeste e
começou a fazer, embaixo dele, círculos sensuais.
Lorde Elkin soltou o pé dela de modo brusco e voltou ao seu clarete. Pela primeira
vez ocorreu a Celeste que tinha sido afoita. Agira depressa demais e escolhera a
hora errada. No seu jogo, a maior virtude era a paciência. Não podia assustar a
caça.
Celeste chegou à casa de barcos, à beira do rio, à meia-noite como tinha sido
combinado e não se surpreendeu ao encontrar lorde Elkin à sua espera. O
ambiente, iluminado por velas, era muito romântico. Sobre tapetes Aubusson, havia
luxuosas almofadas cuidadosamente dispostas e champanhe num balde de prata.
Celeste devia ficar sensibilizada com toda aquela atenção, mas ela raramente
respeitava os homens que seduzia. Com lorde Elkin estava sendo diferente. Sentia
culpa por estar envolvendo o rapaz ingênuo e enamorado. Mas, como sempre fazia,
disse a si mesma que tinha uma missão a cumprir.
Lorde Elkin era um homem de ação e beijou-a com ardor assim que a teve ao
alcance dos braços.
— Prometi a mim mesmo controlar meus impulsos, mas agora que você está aqui, o
desejo superou o bom-senso — ele confessou. — Como você é linda!
Ele voltou a beijá-la. Acomodando-se nos braços musculosos, ela deixou que o beijo
demorado e sensual seguisse o curso esperado. Lorde Elkin afastou-se dela,
aproximou-se da cama improvisada e estendeu-lhe a mão, num indisfarçável
convite.

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O coração de Celeste começou a pulsar forte. Ela inspirou fundo para ganhar
coragem. Segurou a mão dele, mas, ao dar um passo, caiu sobre o tapete.
— O que foi? Você está bem?
— Ai! — Celeste gemeu. — Acho que torci o tornozelo.
Lorde Elkin abaixou-se, apoiando um joelho no chão.
— Será que quebrou?
— Deve ser apenas um mau jeito. Mas está doendo. Acho melhor voltarmos para o
solar, pois tenho láudano em meu quarto. Sinto muito, John.
O desapontamento do pobre homem foi evidente.
— Vou levá-la para casa e a deixarei aos cuidados de madame Arnott. — Ele deu
um débil sorriso.
Lorde Elkin ia erguê-la, mas Celeste colocou a mão no peito dele.
— Não, John. É melhor que não nos vejam saindo juntos daqui, a esta hora da noite.
A distância até o solar não é tão grande. Conseguirei chegar lá.
— Mas você precisa de ajuda — disse John, preocupado. Celeste sentiu genuína
afeição por ele. Recompensou-o com um beijo.
— Sobreviverei, milorde. Terei o maior prazer de revê-lo em Londres.
— Então vá. Se continuar diante de mim serei capaz de carregá-la para a cama e
farei amor com você, machucada ou não.
Celeste mancou até a porta e, antes de sair, deu um adeusinho a lorde Elkin. Ele
sorriu, mas o desapontamento estava impresso no belo rosto.
Caminhando ao luar, ela tirou do bolso do vestido o molho de chaves que tinha
roubado de lorde Elkin. Uma, certamente, seria a do cofre. Agora era só entrar na
biblioteca...
Com o coração apertado, pensou nas crueldades e nas faltas que já cometera pelo
bem da Coroa.
John Elkin foi até a janela da casa de barcos. Tinha uma das mãos no bolso e
segurava na outra uma taça de champanhe. Não podia estar mais desiludido do que
estava. Ao conhecer lady Rivenhall encantara-se com ela e alimentara esperanças
de haver, por fim, encontrado a mulher capaz de curar as feridas de seu coração.
Tomou todo o vinho borbulhante, tentando afastar as lembranças de uma outra
mulher, igualmente linda. Uma lady que nunca seria sua.
Continuou a olhar para o reflexo da lua nas águas do rio, sentindo o peito oprimido.
O que mais lhe doía era saber que tinha sido usado. Lady Rivenhall o enganara
duplamente. Envolvera-o com sua sensualidade e, instantes atrás, lhe roubara as

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chaves. Ela nunca estivera interessada nele e, sim, em alguma coisa que ele
possuía.
Pois bem, ele iria ficar na casa de barcos o tempo suficiente para deixar que a
mulher o roubasse. Merecia esse castigo por sonhar em ser amado por si mesmo.
Celeste admirou a ordem e a elegância da enorme biblioteca. Muitos cavalheiros
não gostavam de ler e mantinham uma biblioteca por vaidade ou ostentação. Não
era esse o caso de lorde Elkin. O homem, sem dúvida, era um ávido leitor. Ele usava
pedaços de papel-pergaminho para marcar as páginas do seu interesse. E havia
desses pedaços de papel em quase todos os volumes. Ela sorriu ao olhar ao redor.
Sentia ali a presença de John Elkin.
Sentiu um peso no coração ao se aproximar da estante atrás da qual estava o cofre,
embutido na parede. Mais uma vez invadia a privacidade de lorde Elkin. Afastou
para o lado alguns volumes e viu, como esperava, a porta do cofre. Trêmula, pegou
a pequena chave prateada que havia tirado da argola do chaveiro. E se encontrasse
alguma coisa que incriminasse o jovem lorde? Sabia a resposta. Ele seria
interrogado no Ministério do Exterior e, depois, julgado por traição.
Celeste girou a chave rezando para não encontrar nada comprometedor.
A um canto estavam estojos de veludo com jóias. Uma grande quantidade delas.
Peças montadas em safira, esmeraldas, jade, diamantes e um enorme rubi. Concluiu
que o gosto de John era impecável.
No centro havia uma pilha de documentos: escrituras, contratos, ações, o
testamento de lorde Elkin. E uma carta.
Ela abriu o envelope e leu:

14 de julho de 1809
Querido John,
Dizer que fiquei surpresa com seu pedido de casamento seria mentira. Sempre
sentimos grande afeição um pelo outro, eu apreciava demais a sua companhia e
isso o levou a declarar-se.
Eu o admiro e prezo imensamente sua amizade, mas não o amo. Eu daria tudo para
mudar meu coração, mas isso é impossível. Sofro por causar-lhe tanta dor. E se
você puder perdoar meu egoísmo, peço-lhe para preservar nossa amizade. Durante
todos estes anos, sua voz, seu sorriso, seu humor alegraram meus dias mais
sombrios, e não sei o que teria feito sem eles.
Reservarei para você a primeira dança no baile do conde de Wessex. Se você me
der a honra de ser meu par, entenderei que fui perdoada e continuaremos amigos
pelo resto de nossos dias.

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Sua amiga devotada, Felicity

Celeste ficou atônita e sentiu pena de lorde Elkin. Certamente ele ainda amava essa
mulher para guardar sua carta durante dois anos. Gostaria de saber se ele tinha
dançado aquela primeira dança, ou se a amizade de ambos se desfizera por causa
da dor da rejeição.
Será que essa mulher rejeitara lorde Elkin porque amava outro homem?
Felicity... Já ouvira esse nome. Sim. Lady Felicity Appleton. E essa mulher tinha
alguma ligação com lorde Wessex. Era uma grande amiga da duquesa de
Glenbroke. Teria lady Appleton rejeitado lorde Elkin por amar o conde de Wessex?
Essa possibilidade desagradou Celeste. No mesmo instante ela censurou-se. Não
podia esperar que o herói de guerra permanecesse solteiro. E por que não escolher
para esposa a linda lady Appleton?
Droga!
Irritada, guardou a carta no cofre. Tinha de pensar em sobreviver e não em tecer
considerações românticas sobre o homem que estava fazendo o possível para vê-la
presa e condenada.
Fechou o cofre, colocou os livros no lugar, apagou a vela e saiu para o corredor
escuro e silencioso.
Sua inquietação desapareceu ao chegar à porta do quarto. Realizara sua
investigação com sucesso, e estava aliviada por poder riscar o nome de lorde Elkin
da lista dos suspeitos de traição. Agora tinha de planejar a tarefa seguinte.
Aidan sentou-se numa poltrona em um canto do quarto escuro e esperou
calmamente por lady Rivenhall. Assim que a porta se abriu, ele acendeu as velas do
candelabro que estava sobre a mesa à sua esquerda.
— Marie? — Celeste perguntou.
— Lamento, mas madame Arnott não poderá ouvi-la, lady Rivenhall.
Celeste virou-se em pânico.
— O que você fez a Marie?
— Acalme-se. Sua criada está dormindo profundamente, como eu dormi na casa de
lorde Reynolds na noite do baile, lembra-se? Receio que ela acorde pela manhã
cora tremenda dor de cabeça.
Aidan levantou-se e seguiu Celeste que foi apressada ao quarto vizinho para ver a
governanta. Tranqüila, ao ver que Marie estava bem, virou-se para o conde.
— Como se atreveu a entrar no meu quarto? Posso gritar.

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— Tente. Você sabe do que sou capaz. Celeste fuzilou-o com o olhar.
— Peço desculpas pelo inconveniente. Como eu sei que uma de suas armas é a
sedução e que você realiza suas tarefas na cama, pensei: por que não começar pelo
quarto? — Aidan sorriu. — Bem, por precaução, vou examinar sua bolsinha
enquanto você se despe.
Com um movimento rápido, Celeste ergueu a pequena bolsa de cetim e atirou-a em
Aidan para atingir-lhe a cabeça. Instintivamente ele pegou-a no ar.
— Que boa pontaria! Você deve ter usado estilingues quando criança — Aidan
observou com sarcasmo enquanto puxava os cadarços de seda cor-de-rosa para
abrir a bolsa.
Dentro dela encontrou um pente de ouro, um lencinho bordado e uma adaga mortal
que ele teve o cuidado de pegar. Olhou para lady Rivenhall e sentiu a boca seca. Ela
usava apenas as ligas que prendiam as meias e a calcinha; as três peças de renda
enfeitadas com fitas azuis. Mas ainda não era o momento de se deixar seduzir por
aquela sereia. Tirou do bolso do seu casaco uma folha de papel dobrada e ergueu-a.
— Veja só o que encontrei em sua bolsa! — Ele deu um largo sorriso de satisfação
ao notar o espanto da bela mulher. — Tenho a prova de que preciso para denunciá-
la como traidora. Será fácil explicar como você conseguiu este papel. Direi que
entrou no escritório de meu grande amigo e roubou de uma das pastas apenas a
folha de papel com os horários de chegada e partida dos navios de carga.
— Ninguém acreditará em você — Celeste falou com indiferença.
— Não? Você acha que ninguém pode ser convincente além de você? — Aidan
abaixou um pouco a voz ao acrescentar: — Ouça o que direi às autoridades: Esta
mulher me convidou para sua cama e começou a fazer perguntas sobre o tempo em
que estive na guerra. Quis saber qual tinha sido meu batalhão, meu comandante e
qual a localização atual dessas tropas. Então encontrei este papel em sua bolsa —
Aidan ergueu o falso documento — e me enchi de suspeitas.
Aidan tirou o casaco, empurrou lady Rivenhall para a cama e ficou sobre ela,
segurando-lhe os pulsos e prendendo-a com as coxas.
— Posso levá-la, pela manhã, ao magistrado local. Entretanto, acho que você tem
alguma coisa que eu quero. — Aidan curvou-se e beijou o pescoço de Celeste. —
Ocorreu-me que você deve ser extraordinária na cama para Napoleão e elegê-la sua
amante.
— Nunca fui amante de Napoleão! — Celeste negou, furiosa. Aidan ergueu a cabeça
e encarou-a, incrédulo.
— Você espera que eu acredite nisso? Então o imperador tem do seu lado uma
mulher como você e resiste à tentação de possuí-la?

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— Ele tentou...
— Tentou? E o que mais?
— Eu o esbofeteei. Aidan deu uma gargalhada.
— Você bateu na cara do homem mais poderoso do mundo?
— Isso mesmo.
— E continuou com vida?
— O imperador... gostou.
— Gostou? Como?
— O imperador... Ele achou que... — O rosto de Celeste ficou rubro. — Bem, o que
eu fiz o excitou. Ele pediu que eu batesse nele. No traseiro.
— Ele estava nu?
— Não! — Celeste gritou, ofendida. — Nós dois estávamos inteiramente vestidos.
— E ele sentiu prazer nisso?
— Ele ordenou que eu lhe dissesse coisas. Quis que eu o provocasse dizendo com
raiva que nunca lhe pertenceria. Que ele jamais me conquistaria, da mesma forma
que não conquistaria a Inglaterra. Creio que essas palavras soavam para ele como
um desafio e a idéia de conquistar algo difícil o excitava.
Aidan abanou a cabeça.
— Só mesmo os franceses para depreciarem o mais simples dos prazeres.
— Não há nada "simples" no prazer, lorde Wessex. Vocês, ingleses, têm conceitos
estranhos sobre sensualidade.
— Estranhos? — Aidan rolou para o lado da cama.
— Sim. — Celeste levantou-se. — Descobri que, quanto mais elevada for a posição
de um homem, mais ele aprecia ser dominado por uma mulher na cama. E, quanto
mais insignificante for a posição de um homem, mais ele quer dominar a mulher.
Compreender isso é muito importante quando se deseja obter uma informação.
A expressão de descrença de Aidan irritou lady Rivenhall. Ela estreitou os olhos e
ordenou:
— Beije-me.
Jamais uma mulher exigira que ele a beijasse, mas Aidan obedeceu-lhe com prazer.
Tocou os lábios dela com suavidade, introduziu a língua entre eles para sentir o
sabor da extraordinária mulher. Queria fazê-la desejá-lo, ansiar por ele, um inglês.
Ele sugou e saboreou cada canto daquela boca deliciosa e quando terminou,
esperou que Celeste abrisse os olhos e perguntou com arrogância:

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— E então?
— É esse o seu modo preferido de fazer amor, lorde Wessex? — Celeste
questionou, não parecendo impressionada.
O sorriso dele estava cheio de promessas sensuais quando ele murmurou, olhando
para os lábios dela.
— Até agora tem sido um modo mais do que satisfatório.
— Ah. E você diria que seu apetite é semelhante ao dos outros homens de sua
posição?
— Acredito que sim.
— Você não gostaria de deixar a mulher tomar a iniciativa? Controlar a situação?
Aidan considerou a pergunta. Nenhum cavalheiro inglês ficaria estimulado diante do
comportamento licencioso de uma mulher de classe.
— Não — respondeu com segurança.
Mal pronunciou o monossílabo, lady Rivenhall puxou-o pelo colete e encostou-o na
parede, levando-o a grunhir com o impacto. Apossou-se dos lábios dele com um
beijo selvagem, devorador. Cada arremetida de sua língua era um embate com a
dele, provocando nele uma sensação de calor e vertigem que ia do abdômen à
virilha.
Sem deixar de beijá-lo, Celeste arrancou-lhe o colete de seda e levou Aidan para a
cama. Ele bufou ao cair no colchão, tendo lady Rivenhall sobre ele. Ela beijou-o,
elevando as mãos à camisa, abriu-a com violência, fazendo voar os botões de rubi.
Passou a acariciá-lo por inteiro, arranhou-o fazendo-o gemer de dor e prazer. Seu
corpo respondeu imediatamente às carícias voluptuosas, o membro viril cresceu,
tornou-se rijo.
A tentação em forma de mulher começou a beijar o tórax musculoso, fazendo
pausas ocasionais para mordiscar os pequeninos mamilos, deixando a pele de Aidan
toda arrepiada. Ele puxou-a contra o membro retesado, mas a sereia prendeu os
braços dele à cama, sorriu e ordenou:
— Pare!
Traçou com a língua uma trilha úmida, indo do tórax até a cintura. Aidan prendeu a
respiração, desejando que ela avançasse, descesse ainda mais. Celeste entendeu a
mensagem tácita. Suas mãos ágeis desabotoaram a calça e, com a língua, ela
saboreou a parte do corpo que estava exposta. Com os olhos escurecidos pelo
desejo, ele observou a cabeça dourada descendo cada vez mais. Já não estava
agüentando e gemeu quando os lábios macios pressionaram a pele sensível, logo
acima do monte de pêlos escuros e crespos que apareciam pela abertura da calça.
Aidan entreabriu os lábios e fechou os olhos, antecipando a carícia seguinte. Não

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sentindo nada, abriu os olhos, frustrado. A sereia olhava para ele com expressão
desdenhosa.
— Vocês são todos iguais. Tão fáceis de controlar.
Inclinando-se, ela recolheu suas roupas caídas perto da cama. Demorou vários
segundos para lorde Wessex conseguir falar.
— Você nunca perdeu o controle, lady Rivenhall?
— Diante de um homem? Nunca pude me dar a esse luxo, milorde.
Aidan não entendeu o que ela quis dizer. Mais uma vez perguntou a si mesmo o que
teria levado essa mulher tão linda a trair seu país. Tomado de súbita raiva, decidiu
fazer com que ela tremesse de desejo por ele, um inglês, seu compatriota.
Estendeu o braço e agarrou-a, puxando-a para junto dele.
— Vejamos se conseguirei derreter o gelo que corre em suas veias.
Ele beijou-a, esfregou os seios dela contra seu tórax, enquanto lhe devorava os
lábios. Introduziu a língua entre eles, circulou-a pelos recantos da boca, não dando
descanso aos sentidos de Celeste.
Continuando a beijá-la, livrou-se da camisa e caíram ambos na cama. Beijou-a no
pescoço, no colo, e sugou um mamilo, depois o outro, arrancando gritinhos dos
lábios dela.
Descendo as mãos, ele rasgou a delicada calcinha de renda e atirou-a de lado. As
ligas da sereia prendiam as meias de seda e Aidan não tentou tirá-las. Não deixava
de ser excitante a idéia de pôr a cabeça entre aquelas coxas. Foi o que fez.
Começou beijando a pele acima das ligas e foi subindo até alcançar o vão entre as
pernas. Ao tocar os lábios no sexo úmido, latejante, pronto para ser saboreado,
Celeste deu um salto e quase caiu da cama.
Aidan não parou. Ela se contorcia e dava pequenos gemidos. Tinha a sensação de
que estava caindo, mas estava bem segura na cama. Instintivamente ela separou as
pernas. Aidan acabou de se despir e posicionou-se sobre ela, o desejo ardendo em
seu corpo. Quando o belo conde penetrou-a, Celeste mordeu o lábio e fechou os
olhos, sufocando um grito de dor. Quando os abriu, viu o conde encarando-a,
perplexo, a testa franzida.
— Como... é possível? Nunca imaginei que você fosse virgem! Eu... Eu... sinto
muito.
— O que está feito, está feito, milorde — disse Celeste. A dor não era nada em
comparação ao crescente desejo que sentia por aquele homem. — Podemos
continuar para que o sacrifício valha a pena.
Aidan ergueu-se um pouco e penetrou-a novamente, ainda temeroso, receando
machucá-la. Estimulado pelos gemidos de prazer de Celeste, aumentou seu ritmo.
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Ela correspondia a cada arremetida, erguendo os quadris e movimentando-os,


desejando uma penetração mais profunda. Notando que Aidan ainda estava
cuidadoso, sussurrou-lhe ao ouvido:
— Quero você.
A reserva de Aidan desapareceu-a. ele se soltou. Prensou-a na cama e mergulhou
dentro dela com ímpeto, com a força de sua masculinidade. Aidan fechou os olhos.
Celeste observou-o e percebeu que a respiração dele tornou-se cada vez mais curta
até que, com uma profunda arremetida, ele parou de respirar.
Cada músculo do seu elegante corpo retesou-se para ir mais fundo dentro dela e,
pela primeira vez na vida, Celeste compreendeu o poder que tinha sobre os homens.
Dois dos mais poderosos homens da Grã-Bretanha achavam-se sentados na
confortável e elegante sala de visitas do visconde de DunDonell. Os tons marrom-
escuro e cor-de-vinho do ambiente denunciavam a presença masculina que era
confirmada pelo cheiro de charuto. A luz do fogo iluminava a sala onde os amigos de
longa data tomavam seu brandy.
Daniel olhou para o homem que destruíra todos os seus sonhos. Ele procurava
evitar o duque de Glenbroke porque só de olhar o homem, sua alma se
desesperava. Seu coração ansiava pela esposa de Gilbert e seu cérebro lhe dizia
que ela jamais lhe pertenceria. Mesmo assim, ele a desejava e vivia atormentado
pelo ciúme e o sentimento de culpa.
Conhecia Sarah Duhearst desde bem pequeno e sempre havia pensado em se
casar com ela. Mas ela conhecera Gilbert e todos os sonhos da infância evaporaram
num piscar de olhos.
— Como vão as crianças? — Daniel perguntou para lembrar-se de que Sarah era
mãe e pertencia a outro homem.
— Sebastian nos explora, exige nossa atenção o tempo todo, e Constance é meiga
e tranqüila.
O visconde sorriu, em parte feliz pelo amigo, por outro lado, invejando-o. Ansioso
para terminar aquela reunião, perguntou:
— Está tudo arranjado?
— Sim. O barão garantiu que as munições estarão prontas para o embarque assim
que você chegar.
— O armazém também foi devidamente preparado?
— Foi. Dissemos ao gerente que o armazém será usado para guardar os barris de
trigo que serão enviados para as tropas. Wellesley poderá transferir os suprimentos
quando partir para a península.
— Já temos a data?
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— Dia vinte e nove.


Daniel ergueu as sobrancelhas, surpreso.
— Menos de um mês! Wellesley é um homem ambicioso e determinado.
A expressão de Glenbroke endureceu.
—Tem de ser ou Napoleão estará em Londres antes do inverno.
O visconde sorriu, sentindo-se desconfortável.
— Você deve estar brincando, Glenbroke.
O corpulento duque cruzou as longas pernas e sacudiu a cabeça.
— Infelizmente, não se trata de brincadeira. Fomos informados de que, se Napoleão
derrotar nossas tropas em Portugal, virá diretamente para a Inglaterra.
— Essa informação é confiável?
— Inteiramente. Recebemos detalhes da estratégia de Napoleão. O imperador
pretende invadir nosso país antes do inverno.
— Maldição!
O duque deixou o copo de cristal sobre a mesinha do seu lado e inclinou-se para a
frente.
— DunDonell, não é preciso lembrá-lo de que é imprescindível termos sucesso.
Apenas três pessoas sabem da sua intermediação: o barão, Wellesley e eu.
— Certo.
Inquieto, Daniel esticou as pernas e seus pés encostaram no dálmata deitado na
frente da lareira. O cão protestou com um rosnado, mas levantou-se e caminhou
para a porta que nesse instante se abriu. Daniel surpreendeu-se quando viu
Christian St. John entrar na sala como se fosse o dono da casa.
— Christian! O que o traz aqui?
Lorde St. John também pareceu surpreso, em seguida, deu o mais encantador dos
sorrisos. Entretanto, Daniel era imune ao charme do amigo.
— Imaginei que você estivesse de partida para a Escócia. Esta época do ano é
excelente para...
— Pare com isso, Christian! Já passa da meia-noite e estou cansado. O que está
fazendo em minha casa? — Daniel perguntou, irritado.
Christian pigarreou. Pela expressão do amigo, Daniel soube que ele, mais uma vez,
se envolvera em alguma confusão.
— Bem, pensei em morar aqui enquanto você estiver na Escócia.
— Pretendo partir só na quinta-feira. Mas o que houve? Problemas com seu pai?
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Os ombros largos de Christian caíram como sempre acontecia quando o assunto


envolvia o duque de St. John.
— Meu pai detesta minha última namorada.
Daniel riu. Sendo o mais velho de sete irmãos, acostumara-se a lidar com várias
faltas cometidas pelo clã McCurren. Porém, os deslizes dos rapazes não se
comparavam às proezas escandalosas de Christian St. John.
— Quem é a lady?
— Não sei por que meu pai implica tanto comigo. Eu nunca soube que o conde de
DunDonell algum dia o repreendeu por causa das mulheres que aquecem sua cama.
— Christian, não sou como você. Sempre fui discreto. Vamos, quem é ela?
— Lady Hamilton.
Daniel ergueu as sobrancelhas.
— Essa não, Christian! Você gosta mesmo de se meter em encrenca, hem? Seu pai
e seu irmão devem estar furiosos.
Christian deu de ombros. Foi até o decânter de cristal e serviu-se de brandy.
— Quem vai herdar o título de duque não serei eu. Não entendo por que eles se
importam tanto com minha vida.
Embora não aprovasse a atitude do amigo, Daniel cedeu.
— Muito bem, você pode ficar aqui até eu voltar da Escócia. Mas não traga essa
mulher para minha casa.
Christian sorriu de orelha a orelha. — Eu jamais faria uma coisa dessas. O duque riu
e Daniel indicou o sofá.
— Agora, sente-se e fique de boca fechada, senão posso me arrepender e mandá-lo
embora.
Christian sentou-se, tirou um charuto do bolso do paletó e perguntou:
— Sobre o que vocês conversavam? Mulheres?
Gilbert deu uma gargalhada. Daniel não se conteve e riu também.
— Isso mesmo, Christian. Só falamos sobre mulheres.
— Eu sempre desconfiei que você era um devasso, Daniel.
Aidan Duhearst acordou cansado. Não conseguira dormir, tentando conciliar na
mente as imagens da mulher sedutora, amante de Napoleão e da moça de quem
havia tirado a virgindade. A primeira seduzia os homens para conseguir o que
desejava. Tinha visto a habilidade da mulher na arte da sedução. No entanto, ela

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mantivera-se virgem até a noite anterior. Obviamente seus encontros com homens
tinham sido namoros sem conseqüência.
Mas o fato de a lady não ter ido para a cama com outros homens era irrelevante. O
importante era que ela usara esses homens para extrair deles informações que
entregara aos franceses. Portanto, havia traído seu país.
Lady Rivenhall não era quem aparentava ser. Era uma moça inocente,
representando um papel. Uma virgem que ele levara para a cama sob a ameaça de
prisão.
Aidan sentia-se um bastardo. Ter uma mulher sob coação era imperdoável. Porém, o
que o assustava era ter consciência de que havia sentido intenso prazer em fazer
amor com Celeste. Ela parecia desejá-lo, mas, se dissesse "não", será que ele
respeitaria sua vontade e a deixaria em paz?
Não tinha certeza disso.
Uma batida na porta tirou Aidan de suas divagações.
— Entre.
Lorde Elkin apareceu à porta e foi, com os olhos faiscando, ao encontro do amigo.
— Ela partiu ao amanhecer. — Lorde Elkin sentou-se na poltrona, na frente da
lareira.
— Por que está me dizendo isso, John?
— Em nome de Deus, eu quero saber o que está acontecendo.
— O que está insinuando?
— Vá para o inferno, Wessex, você sabe muito bem o que eu quero dizer. — Lorde
Elkin inclinou-se e disse em voz baixa. — Ontem à noite marquei um encontro com
lady Rivenhall na casa de barcos. Ela apareceu, estávamos namorando e, quando
ela se levantou, tropeçou em mim e disse que tinha torcido o tornozelo. Voltou para
o solar alegando que precisava tomar láudano. Quando fiquei sozinho, dei pela falta
de meu chaveiro. Uma das chaves era a de meu cofre.
Aidan pulou da cadeira.
— John! Você verificou se alguma coisa foi roubada?
Lorde Elkin riu.
— Sente-se, Aidan. É claro que verifiquei. O cofre foi aberto mas não dei por falta de
nada.
— O que havia no cofre?
— Não vou dizer enquanto você não me disser a verdade.
— Não posso, John. Não tenho autorização para isso.

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— Que droga, Wessex! Sou presidente da comissão que supervisiona o


desenvolvimento naval. Se a Coroa pode confiar em mim, acredito que, depois de
mais de vinte anos de amizade, você também pode.
Aidan hesitou. Como precisava saber se lady Rivenhall tinha encontrado alguma
coisa de importância no cofre, revelou:
— Além de ser uma espiã francesa, lady Rivenhall é amante de Napoleão.
Lorde Elkin ficou ereto, depois recostou-se na poltrona.
— Como você sabe disso?
— Lembra-se de que fui ferido em Albuera?
— Claro.
— Pois bem, caí nas mãos dos franceses, fui levado para uma prisão e submetido a
um interrogatório. Quem me interrogou foi a sua querida lady Rivenhall. A lady gosta
de colecionar nobres ingleses. Então os manda para serem enforcados na frente do
imperador. Escapei enquanto estava sendo levado para Paris.
Lorde Elkin franziu a testa.
— Por que ela não foi presa? Você não informou Whitehall?
— Sim. Infelizmente, o Ministério do Exterior já havia investigado lady Rivenhall e
nada foi descoberto que pudesse incriminá-la. Mas eles não estiveram em Albuera
como eu estive. É por isso que eu quero encontrar alguma prova contra essa espiã.
Diga-me, John, o que havia no seu cofre?
— Meu testamento, jóias, contratos, investimentos. Nada que pudesse interessar a
uma espiã. — Só isso?
Lorde Elkin hesitou.
— Uma carta. Assunto pessoal.
— Muito bem, John. Tenho de partir para Londres imediatamente. Mande alguém
levar minha carruagem, sim? E me empreste um cavalo.
— Peça para Alfred selar Samson. É meu cavalo mais veloz.
— Obrigado, John. Sinto muito. E teria lhe contado se... Lorde Elkin abanou a mão
dispensando a desculpa.
— Eu sei que você me contaria, Aidan.
John seguiu com o olhar o amigo que estava saindo do quarto. Ainda estava
perturbado por causa das informações que recebera. Lady Rivenhall, uma espiã!
Levou a mão ao bolso e tocou na carta de única mulher que havia amado.

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Capítulo VI

— O que aconteceu, ma petite?


Celeste virou-se para Marie, depois de olhar pela janela da carruagem durante as
duas últimas horas.
— Não sei o que você quer dizer.
— Alguma coisa aconteceu. Eu a conheço muito bem. — A governanta segurou a
mão de Celeste. — O que aconteceu?
As lágrimas que Celeste conseguira conter rolaram, por fim, pelo lindo rosto. Ela
encostou a cabeça no ombro de madame Arnott e murmurou:
— Fiz uma coisa muito errada, Marie.
— Você não prejudicou lorde Elkin. Tudo que você faz é pelo bem do país.
— Não é a isso que me refiro. — Celeste cobriu o rosto com as mãos,
envergonhada. — Deitei-me... com Wessex. Ele me ameaçou. Disse que me
entregaria ao Ministério do Exterior.
Comovida, Marie beijou a cabeça de Celeste e confortou-a.
— Ma petite, você sacrificou sua virtude para salvar soldados ingleses.
— Cometi um pecado, Marie. Eu queria que lorde Wessex me levasse para a cama.
Queria que ele me tocasse. Oh, Deus me ajude! Ele é tão atraente, tão nobre,
corajoso e sempre que estou perto dele quero tocá-lo, eu o desejo.
— Foi por esse o motivo que saímos tão apressadas de Hartford Hall?
— Sim. Vou terminar esta missão e voltaremos para a França.
— Não! Você corre muito perigo na França. Celeste enxugou as lágrimas.
— Não sabemos quanto tempo esta guerra irá durar, Marie. Serei muito mais útil na
França.
— Isto se você não estiver morta.
— Tenho de correr o risco. Espero não ser descoberta. Pensando bem, acho melhor
eu ir sozinha. Você continuará na Inglaterra.
— É claro que a acompanharei, lady Rivenhall — disse Marie, ofendida.
Da boléia, o cocheiro gritou:
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— Estamos chegando à estalagem The Dog and Duck, milady. Marie retocou o
penteado de Celeste e ajeitou-lhe a capa.
— Está linda, minha filha. Suas faces estão coradas, como se você tivesse passado
horas ao sol — elogiou Marie com um sorriso radioso.
— Obrigada, Marie — tornou Celeste beijando a governanta com afeição.
Desceram ambas do landau e entraram na estalagem. Celeste não percebeu que
Marie deixara de sorrir e a acompanhava com preocupação no olhar.
O velho dono da estalagem recebeu lady Rivenhall com um amplo sorriso, revelando
a falha de dentes.
— Deixei preparado os mesmos aposentos que usou anteriormente, milady.
Mandarei servi-la na sala de jantar privativa.
Celeste correu os olhos pelo movimentado salão de teto baixo, com vigas de
madeira.
— Obrigada, sr. Jones. Jantaremos aqui no salão — ela respondeu.
Preferia ficar naquele ambiente ruidoso, assim esqueceria por instantes seus
problemas.
— Está bem, milady. Chame-nos, se tiver algum problema.
— Obrigada. O salão é confortável e aconchegante. Quando o homem se afastou,
madame Arnott olhou ao redor e protestou, indignada:
— Não podemos comer aqui.
— Está sendo elitista, Marie. A revolução não lhe ensinou nada? — Celeste
provocou a querida governanta, sentando-se com ela a uma mesa, no fundo do
salão, junto à parede.
Desamarrava distraidamente a fita de cetim que prendia o chapéu quando notou que
a conversa havia cessado no salão cheio de fumaça. Um simples olhar bastou para
ver que os fregueses, homens em sua maioria, olhavam na sua direção.
— É por isso que não podemos comer aqui — Marie resmungou. — Esses homens
olham para você cheios de... de... cobiça.
— Luxúria, Marie. Não me importo. Estou com fome, cansada, e quero dormir.
— O que deseja, milady?
Celeste virou-se para a garçonete que já conhecia. Era a filha casada do
estalajadeiro.
— O que vocês têm, já preparado?

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— Temos apenas guisado de carneiro e pão — respondeu a garçonete,


evidentemente agitada. — Mas minha mãe terá o prazer de preparar o que for do
seu agrado, milady.
— Não, obrigada. Queremos o guisado de carneiro. Você poderia trazer-nos também
um jarro com cerveja?
Madame Arnott ficou boquiaberta. Celeste ignorou-a. Manteve-se de cabeça baixa,
sabendo que, se olhasse para qualquer um dos homens, este entenderia o olhar
como um convite.
A garçonete trouxe a cerveja. Ao tomar a bebida amarga, Celeste lembrou-se das
inúmeras vezes em que, sentada com os jovens soldados de suas tropas, tomava
cerveja com eles, quando não havia nada melhor para ser ingerido. Os rapazes
olhavam para ela à procura de força e inspiração antes da batalha, e ela os iludi ra,
os atraiçoara.
Durante aqueles anos todos havia tentado odiar os franceses, mas, com o passar do
tempo, a linha entre o bem e o mal tornara-se indistinta. Os jovens sob seu comando
juntaram-se ao exército para não morrer de fome nas ruas de Paris. Como poderia
culpá-los pela morte do pai?
No entanto, foram eles que sofreram por causa disso. Para vingar a morte do pai,
Celeste tornara-se uma espiã. Graças às informações que passara a Wellesley,
quantos franceses perderam a vida! Mas os ricos e poderosos, que tinham
condenado seu pai, continuavam vivos e sentavam-se confortavelmente do lado de
Napoleão.
Celeste encheu novamente o caneco de cerveja. Estava cansada da guerra, das
mortes e do enorme fardo que carregava. Se descobrisse quem traía os ingleses,
mais franceses morreriam; se o traidor continuasse a agir, mais soldados ingleses
morreriam.
Oh, o horror da guerra!
— Seu guisado, milady.
Celeste agradeceu à garçonete, serviu-se e comeu em silêncio, entregue a seus
pensamentos tumultuados. Imagens da noite anterior formaram-se tão nítidas em
sua mente.
Reconhecia que cometera um pecado, mas, ao recordar o que tinha sentido nos
braços do conde, desejou fazer tudo de novo.
Havia acreditado que, deitando-se com o conde, a forte atração que sentia por ele
iria desaparecer. Como tinha sido tola. Fazer amor com ele tornara ainda mais
intenso o desejo de ser tocada por aquelas mãos mágicas.

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Sentindo o peito oprimido, tomou um gole de cerveja e outro. A sensação continuou.


O conde a desprezava. Acreditava que ela era uma espiã e não mudaria de idéia.
E se ela revelasse a Wessex a verdade a seu respeito?
No mesmo instante soube que ele não acreditaria nela. E, enquanto estivesse
ocupada em provar sua inocência, o traidor escaparia. Vidas de tantos homens
estavam em suas mãos. Seria mais prudente não correr riscos. Além disso, uma voz
baixinha, que conhecia tão bem, lhe sussurrava que ela não merecia um homem
extraordinário, tão nobre e corajoso como o conde de Wessex.
— Quer um pouco de companhia, milady?
Celeste olhou para o homem alto, loiro e corpulento, parado à sua frente. Era jovem
e certamente considerado muito bonito para as moças daquela vila.
— Por favor, Marie, suba.
Madame Arnott obedeceu, conhecendo muito bem o tom de comando na voz de sua
lady.
— E isso aí. A lady e eu precisamos de um tempo só para nós — disse o homem,
mas olhava para Celeste de modo concupiscente, deixando-a ainda mais furiosa.
— Sir, não o convidei para vir a esta mesa. Portanto, desapareça da minha presença
com seu mau cheiro.
O homem colocou as duas mãos na mesa e inclinou-se para Celeste.
— Uma mulher tão fina não deve dormir sozinha. — Ele sorriu de modo sedutor. —
Será um prazer oferecer-lhe meus serviços, desde que você prometa não acordar
todo o estabelecimento ao gritar meu nome.
Um sorriso desdenhoso marcou os lábios de Celeste.
— Lamento, mas quem vai gritar é você.
Os olhos do atrevido brilharam, lascivos. Em seguida ele deu um grito de dor e olhou
para a adaga que fizera dois cortes entre seus dedos. Retirou a mão com cuidado e
examinou os ferimentos.
— Sua pu... — ele começou.
Olhou para a adaga e achou melhor voltar para junto dos amigos que davam
gargalhadas às custas dele.
Celeste arrancou a ponta da adaga que havia enterrado na mesa e guardou-a,
embainhada, na liga. Tomou o último gole de cerveja, levantou-se e caminhou até a
escada, ciente de que todos os olhares estavam fixos nela.
Usando a capa e o chapéu que Alfred lhe emprestara, o conde de Wessex partiu de
Hartford Hall montado em Samson. Antes do meio-dia alcançou o landau de lady

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Rivenhall e seguiu a carruagem a uma distância segura para não ser visto pelo
cocheiro.
No fim da tarde o landau estacionou no pátio da estalagem The Dog and Duck. O
conde deu a volta, deixou o cavalo nos fundos do estabelecimento e entrou no bar.
Assim que lady Rivenhall e a governanta sentaram-se a uma mesa para jantar, ele
foi para o salão. Enquanto comia pão, o guisado, e apreciava sua cerveja, observava
lady Rivenhall tomando um caneco de cerveja após o outro.
Esse comportamento encorajou o rapaz loiro a se aproximar de uma mulher muito
acima de sua classe social. Aidan preparou-se para intervir, caso fosse preciso. Mas
a lady, como sempre, demonstrou que podia ser fatal.
Como sempre? Bem a única exceção talvez tivesse sido na noite anterior, quando
ela se entregara, submissa, em seus braços.
As batidas na porta ecoaram na cabeça latejante de Aidan. Ele abriu os olhos e
levantou-se da cama.
— Um momento — ele gritou, irritado. Vestiu a calça e entreabriu a porta. — Sim?
— A carruagem da lady vai partir dentro de uns minutos, milorde.
— Ótimo. — Aidan jogou uma moeda para o rapazinho. — Arreie meu cavalo.
Descerei em seguida.
— Perfeitamente, sir.
Aidan terminou de vestir-se, calçou as botas e ao sair para o corredor jogou a capa
nas costas e pôs o chapéu. Desceu para o salão lembrando a si mesmo que não
podia perder lady Rivenhall de vista. Tinha de observá-la para saber com quem
conversava, quais eram os seus contatos, onde e com quem morava.
Ao vê-la sentada à mesa, tomando o desjejum, prendeu a respiração. Ela estava
deslumbrante.
Os cabelos loiros tinham sido penteados formando um coque elegante no alto da
cabeça. Em vez de chapéu, havia de um lado do coque um arranjo com um tufo de
penas de pavão. O vestido, de linhas sóbrias, evidenciava a curva dos seios e a
cintura minúscula.
— Que surpresa encontrá-la aqui — disse Aidan. — Imagino que esteja voltando
para Londres.
Celeste sobressaltou-se.
— S-sim. Madame Arnott está cuidando da bagagem. Aidan sentou-se diante de
Celeste.
— Nesse caso, é com prazer que me ofereço para acompanhá-las.
— Obrigada, milorde. Não é necessário.

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— Eu insisto.
A encantadora mulher inclinou-se para a frente, oferecendo a Aidan uma pequenina,
mas tentadora visão daqueles seios cujos mamilos ele havia sugado.
— Vejo que não entendeu. Vou expressar-me em outros termos, milorde — disse
Celeste, senhora de si, tendo se recuperado do choque. — Só permitirei que você
entre na minha carruagem quando o inferno congelar.
Aidan estendeu a mão para Celeste e forçou-a a levantar-se.
— Pois então, vista seu agasalho, milady. Você vai descer na boca do inferno.
Lady Rivenhall mal podia respirar ao ser levada para a carruagem pelo determinado
conde de Wessex. Ele a segurava com firmeza pelo antebraço e toda vez que ela
tentava escapar, sentia a mão grande apertando-a com tanta força que os dedos
ficavam adormecidos.
Ao ver os dois, Marie espantou-se e Celeste explicou, irônica:
— Parece que teremos um passageiro nesta nossa viagem de volta a Londres.
Lorde Wessex curvou-se com elegância e sorriu.
— Pense em mim como uma escolta armada. Eu jamais permitiria que uma hóspede
de lorde Elkin fosse assaltada ao voltar para Londres.
— É muita gentileza sua, milorde — tornou Marie secamente.
— Será um prazer acompanhá-las, madame — disse o conde, ajudando as duas a
subir na carruagem.
Esperou que elas se acomodassem e sentou-se no banco à frente delas. Celeste
virou-se para a janela com receio de seu olhar cruzar-se com o do conde. Já
bastava o calor que sentia sob a saia, dada a proximidade de suas pernas com as
dele. Lorde Wessex deu uma batida no teto do landau e os cavalos puseram em
marcha. Começava a viagem de seis horas até Londres.
Seis horas! Como sobreviveria? Celeste fechou os olhos. Quando os abriu, viu o
conde fitando-a com um sorriso nos lábios. O miserável divertia-se com seu
desconforto. Virou-se para a janela novamente. Por quanto tempo agüentaria ficar
olhando a paisagem?
Os três permaneceram em silêncio durante mais de quinze minutos. Por fim, o
conde indagou:
— Como conseguiu o emprego com lady Rivenhall, madame Arnott?
O olhar de Celeste voltou-se para Marie. Sabia que madame Arnott não gostava de
falar sobre o passado.
— Não é da sua conta — desferiu, agressiva.

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O conde franziu a testa, confuso. Ao fazer a pergunta, não tivera a intenção de ser
rude e daria o assunto por encerrado, mas madame Arnott respondeu:
— Meu marido era primo de lady Rivenhall. Ele, nosso filho de dez anos e nossa
filha de sete foram mortos pelos revolucionários franceses. Na ocasião, eu estava
cuidando de minha mãe doente. Cinco dias depois, quando voltei para casa,
encontrei os corpos em decomposição. Enterrei-os no jardim e fui para Paris cuidar
de Celeste que tinha perdido a mãe. Na época ela ia completar quatro anos. Foi
assim que consegui meu "emprego".
Celeste segurou a mão de Marie e apertou-a para dar-lhe força. As duas não
conseguiram evitar as lágrimas.
— Sinto muito, madame Arnott — disse o conde com sinceridade. — Perdi meus
pais há vários anos e sei o que é perder entes queridos. Porém, a dor que você teve
de suportar deve ter sido tão atroz que é difícil imaginar.
Marie assentiu com um movimento de cabeça. Foi a vez de o conde olhar pela
janela. Durante as duas horas seguintes ninguém conversou. Quando o cocheiro
parou para dar água aos cavalos, todos desceram do landau.
Celeste correu pela relva até um frondoso carvalho e sentou-se à sua sombra.
Passaram-lhe pela mente cenas que ela jamais conseguiria esquecer. Do alto da
escada, antes de os soldados franceses arrastarem lorde Rivenhall para baixo, ele
dissera à filha, em inglês:
— Por favor, minha querida, esconda-se em seu quarto.
Mas ela não se escondera. Correra até a janela e ficara olhando, horrorizada,
aqueles homens bêbados zombarem do lorde inglês e, em seguida, espancarem-no.
Finalmente, um capitão sacou a pistola e atirou covardemente na cabeça de um
homem indefeso.
Celeste cobriu o rosto com as mãos, lutando contra as lágrimas. Pouco depois ouviu
um suave murmúrio.
— Sinto muito, lady Rivenhall.
Ela olhou para cima e falou com os lábios trêmulos:
— Sente? Por quê? Afinal, somos francesas, milorde.
O conde agachou-se e, instintivamente, Celeste foi para trás como se tivesse medo
de ser agredida.
— Eu...
— Não quero ouvi-lo. Volte para a carruagem.

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Ele não saiu do lugar. Irritada, Celeste empurrou-o com força e ele caiu para trás.
Em seguida ergueu-se e olhou para ela, incrédulo, determinado a não sair dali.
Cheia de ódio, ela voou para cima dele e esmurrou-lhe o peito com os punhos.
— Pare com isso!
Ela ergueu a mão para esbofeteá-lo, mas o conde agarrou-a e ficaram ambos de pé.
Enlaçando-a pela cintura, ele curvou a cabeça e deu-lhe um beijo suave.
Desesperada para receber um pouco de conforto, Celeste passou os braços ao
redor do pescoço dele e beijou-o sofregamente, com toda a emoção que mantivera
represada e suas lembranças acabavam de liberar.
Sem que ela esperasse, o conde separou-se dela, deu um passo para trás e
começou a andar na relva, de um lado para outro, parecendo agitado.
— Precisamos conversar sobre ontem à noite e... o que aconteceu. — O conde
passou nervosamente os dedos entre os cabelos. — Temos de discutir o que
acontecerá assim que chegarmos a Londres.
— O que está querendo dizer?
— Não permitirei que você saia desacompanhada.
— Você não permitirá?
— Ouviu bem o que eu disse. Se precisar de um acompanhante, mande me chamar.
— Você me considera sua propriedade, milorde?
— Não, lady Rivenhall, só estou sendo pragmático — respondeu o conde, furioso. —
Lembre-se de que não a entreguei às autoridades porque...
— Porque você adorou fazer amor comigo e está louco para me levar para a cama
outra vez.
Eles se fitaram longamente antes de o conde responder:
— Digamos que sim. Celeste inspirou fundo.
— Lamento, mas sua oferta não me atrai.
— Está insinuando que prefere o laço do carrasco ao meu leito?
— Foi isso, exatamente, que eu quis dizer.
— Está fora de si, lady Rivenhall. Dou-lhe uma semana para reconsiderar sua
resposta insensata — acabando de falar, o conde caminhou para a carruagem.
— Não preciso de uma semana, lorde Wessex — Celeste gritou às costas dele. —
Minha resposta é definitiva.
Ouvindo isso, o elegante conde virou-se e sorriu.
— Sendo assim, que Deus tenha piedade de sua alma.

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Chegando à carruagem, Aidan sentou-se na boléia, do lado do cocheiro. Estava


furioso, precisava de tempo para refletir, o que lhe parecia impossível, estando tão
perto da fascinante lady Rivenhall.
— Farei o resto da viagem com você — disse ele ao cocheiro.
— Pois não, milorde — o homem concordou, preocupado, tendo percebido a
inquietação do conde.
O homem esperou que as ladies retornassem a seus assentos e tocou os animais.
Aidan cruzou os braços e fixou o olhar na estrada.
Não entendia aquela mulher. Mostrara-se autoritária e implacável quando
comandava suas tropas. No entanto, há pouco, mal contivera as lágrimas ao
relembrar a perda de pessoas da família da governanta. Era amante de Napoleão e
permanecera virgem. Ela o expulsara de perto dela, em seguida agarrara-se a ele
em busca de conforto.
Por Deus, como desejara confortá-la, deitar-se com ela à sombra do carvalho. O
beijo que ela lhe dera fora intenso, exigente, tocara-lhe a alma. Então, ele caíra em
si e se afastara. Lady Rivenhall era uma agente francesa, trabalhando para o
imperador.
Chegando a Londres, ele teria de falar com Glenbroke. Iria insistir com o duque para
dar a outro homem a tarefa de seguir a sedutora lady Rivenhall.
Aidan voltou-se para o cocheiro.
— Você tem alguma bebida à mão?
O homem olhou envergonhado para o conde.
— Tenho, mas, por favor...
— Não se preocupe, homem de Deus, não vai ser despedido por causa disso. Estou
louco por um drinque.
— Há uma garrafa de gim na cesta, se for do seu gosto...
— Perfeito. Obrigado.
Aidan tirou a garrafa da cesta sob seus pés, tomou um grande gole da bebida e
ofereceu um pouco ao cocheiro.
— Mulheres?
— Não. — Aidan virou a cabeça para trás. — Mulher.
— Lady Rivenhall?! — O homem exclamou, atônito, duvidando dessa possibilidade.
— Se for ela, o senhor deve estar enganado. Lady Rivenhall é a criatura mais doce
da face da terra.

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Que poder de sedução tinha a mulher! Até os empregados se iludiam com a traidora,
Aidan pensou e tomou outro bom trago de gim.
A entrada de Londres o landau teve de diminuir a velocidade por causa do grande
movimento nas ruas. Levou bem uma hora para os viajantes chegarem a Mayfair,
onde ficava a casa de lady Rivenhall.
Aidan saltou da boléia, ajudou madame Arnott a descer do veículo e voltou-se para
Celeste. Segurou-lhe a mão com firmeza e disse:
— Eu a verei novamente, lady Rivenhall.
— Creio que não, milorde.
Aidan soltou a mão dela, esperou que ela entrasse na casa e fechasse a porta. O
cocheiro tirou o chapéu para ele e tocou os animais. Aidan viu na calçada um
menino de uns dez anos e chamou-o.
— Garoto, vá à Bow Street e traga um detetive até aqui. — Deu uma moeda para o
menino e acrescentou: — Se você voltar dentro de meia hora, terá o dobro dessa
quantia.
O garoto sorriu, tocou no boné e saiu correndo. Aidan encostou-se no poste de
iluminação à espera do detetive que iria contratar para seguir a encantadora lady
Rivenhall.

O ginásio de Gentleman Jackson estava lotado de pugilistas amadores esperando


pela vez de entrar no ringue. Pairava no ar um cheiro de fumaça de charuto e de
suor.
O homem moreno esperou que Woodson se aproximasse e só então abriu a camisa
para exibir-lhe o tórax bem-definido, cheio de cicatrizes profundas.
— Estou contente por você poder vir, Woodson. Preciso do apoio de um colega e
amigo como você. E da sua companhia.
— Perfeitamente — Woodson concordou. Os pálidos olhos brilharam, antecipando o
prazer.
Não só as lembranças da guerra, mas também a repulsa que sentia pelo que se via
obrigado a fazer para ganhar a confiança do funcionário de Wellesley, levaram o
homem moreno a cerrar os punhos. Forçou uma risada ao notar o horror que se
seguiu à luxúria do homenzinho quando passou o dedo pela cicatriz maior, ainda
avermelhada.
—- Está achando horrível? Você precisa ver as minhas costas. — O homem moreno
sorriu. O funcionário, não. —- Está tudo bem, meu velho, elas não doem mais.
— Meu Deus, quantas batalhas?

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— Não foram muitas. — O homem moreno falou com ironia e tocou a cicatriz do
queixo. — Recebi a maioria dessas... condecorações depois que fui preso.
— Preso! — O funcionário exclamou, horrorizado.
— Ah, não tem importância. Por alguma inexplicável razão, as mulheres amam
cicatrizes resultantes de ferimentos em combates, gostam de passar as mãos nelas.
Woodson imaginou-se passando as mãos naquelas cicatrizes e ficou excitado.
— O ringue é ali — disse o homem moreno segurando no ombro do companheiro. —
Você fez alguma aposta?
— Fiz — Woodson respondeu.
— Espero que tenha apostado em mim. Woodson sorriu.
— Claro.
— Conversaremos depois da minha luta. Será rápida — disse o homem moreno com
arrogância, passando debaixo da corda de isolamento entre o ringue e os
espectadores.
Sabia que o funcionário iria admirar tanto seu físico quanto sua técnica ao dominar o
adversário. Enxugou o suor do rosto e encarou o oponente. O jovem era corpulento,
mas inexperiente. O homem moreno deu um sorriso afetado. Sua experiência em
combate dava-lhe grande vantagem sobre os dândis que treinavam no ginásio de
Gentleman Jackson.
A luta começou. O homem moreno não gostava de violência, mas era muito bom
nisso quando necessário. Esperou que o rapaz o acertasse primeiro e então lhe deu
um murro no queixo. O jovem reagiu, deu um forte golpe no ombro do homem
moreno. Errou vários, mas demonstrou que tinha determinação. Entretanto, a su-
perioridade do homem moreno era incontestável. Com um golpe certeiro atingiu o
jovem no nariz, quebrando-o. A luta foi encerrada. O vencedor sorriu e foi até
Woodson que observava, boquiaberto, o jovem caído na lona, o nariz sangrando,
sendo socorrido pelo médico.
— Examine meu ombro, amigo. Veja se não há nenhum osso quebrado — pediu o
homem moreno ao funcionário.
Woodson obedeceu-lhe. Tocou no ombro machucado, fez pressão com os dedos,
sentindo a musculatura e a clavícula. O homem moreno fechou os olhos como se
apreciasse aquele toque.
— Parece intacto, milorde — declarou o funcionário.
— Excelente. — O homem moreno abriu os olhos. — Vou tomar um banho. Quando
eu voltar iremos ao clube receber nosso dinheiro.
Ele afastou-se. Voltou meia hora depois, bem vestido e barbeado.

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— Vamos sair daqui e pegar nosso dinheiro.


— Sim, milorde.
Eles deixaram o ginásio e, enquanto caminhavam, o homem moreno perguntou:
— Você irá ao baile na casa de lorde Hambury, na sexta-feira?
— Não fui convidado, milorde.
— É uma pena. Mas eu, sendo um veterano condecorado, recebo convites para
todos esses eventos sociais que para mim são um tédio. Mas não posso deixar de
comparecer ao baile de lorde Hambury. Ele pode ficar ofendido. E o homem tem
uma filha solteira com belo dote. Bem, eu nunca tive estômago para agüentar essas
ladies da alta sociedade. E você?
O funcionário ficou rubro.
— Oh, eu nunca... Isto é...
— Não me diga que você tem um amor escondido em Cheapside. — O homem
moreno riu. — Não se preocupe, seu segredo está bem guardado comigo. Eu
sempre achei que amante só dá aborrecimento, mas cada um tem um gosto.
— Bem, eu...
— Chegamos.
Eles entraram no clube. O homem moreno recebeu quinhentas e trinta e duas libras
em apostas e Woodson apenas vinte e sete. Querendo livrar-se da companhia do
funcionário, o homem moreno fez um convite o qual Woodson, obviamente iria
recusar.
— Que tal comemorarmos nossa vitória com duas garotas alucinantes do bordel de
madame Florentine?
— Não, obrigado. Eu... tenho de terminar uns papéis para lorde Wellesley.
— Vai deixar seu amor no gelo, hem? Então, fica para outra ocasião.
— É, quem sabe, uma outra vez — disse Woodson, esperançoso. — Boa noite,
milorde.
— Boa noite.
O funcionário afastou-se e o homem moreno considerou que duas prostitutas seriam
perfeitas para ele celebrar sua vitória... E seu progresso com o pequenino Woodson.
Na quinta-feira o conde de Wessex acordou com uma batida na porta do quarto.
Olhou para o relógio sobre o criado-mudo. Nove horas.
— Droga! — resmungou, irritado.
O mordomo recebera ordens de não acordá-lo antes das onze.

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— O que foi? — perguntou, abrindo a porta.


— O senhor pediu-me para notificá-lo assim que chegasse alguma correspondência
do sr. Brown. — O mordomo apresentou ao patrão uma salva de prata com uma
folha de papel dobrada.
— Obrigado — Aidan agradeceu e dispensou o empregado. Rompeu o lacre e leu:

Milorde,
A lady em questão prepara-se para ir ao baile oferecido por lorde Hambury.
Atenciosamente, Sr. Brown
A informação deixou Aidan exultante. Iria recompensar o detetive por ser tão
eficiente. Indo à escrivaninha, escreveu uma carta para a irmã.
Terminando, puxou o cordão da campainha, acendeu uma vela, deixou cair uns
pingos na folha de papel dobrada e pressionou o sinete na cera. Quando terminou, o
mordomo já estava batendo na porta.
— Mande entregar isto à duquesa de Glenbroke o mais depressa possível. E traga
meu desjejum.
— Sim, milorde. O desjejum está sendo preparado. — O mordomo curvou-se e saiu
do quarto, deixando o conde com suas indagações.
Baile de lorde Hambury. Por que Hambury? O homem não tinha um cargo que
pudesse interessar a lady Rivenhall. Lorde Reynolds também não, e ela fora ao baile
na casa dele para espionar. Elkin, sim, como presidente da comissão de desenvolvi-
mento naval, representava uma valiosa fonte de informações. Porém, com ele, lady
Rivenhall nada conseguira.
Aidan suspirou. Nada parecia ter lógica ou ligação com os objetivos da espiã. No
entanto, estava inquieto.
Seu desjejum chegou. Aidan encheu uma xícara de café puro para raciocinar melhor.
Estava muito quente e queimou-lhe a língua, mas ele mal percebeu. Recostou-se na
cadeira, pensativo. Reynolds, Elkin, e, agora, Hambury... Certamente a mulher rece-
bera ordens de investigar esses homens. Mas, ordens de quem? Aidan comeu uma
torrada com manteiga e geléia de morango. De Napoleão não podia ser; o imperador
estava fora de alcance. Portanto, devia haver um outro agente instalado em
Londres.
A mesma pergunta martelava-lhe a mente: por que Reynolds, Elkin e Hambury?
Continuou comendo e considerando as possíveis respostas à sua pergunta. Uma
coisa era certa. Lady Rivenhall não estava agindo sozinha e, se ele quisesse impedi-
la de passar informações para os franceses, sua rede teria de tornar-se maior. Havia
agora dois peixes para ele pescar.
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Na tarde seguinte, Aidan reuniu-se no clube com Daniel McCurren e Christian St.
John, seus amigos íntimos. O visconde havia marcado aquele encontro como
despedida, antes de ir para a Escócia.
Daniel queixou-se das dificuldades de ser o herdeiro de um título importante, de
tantas propriedades e de uma grande fortuna.
— Vejam vocês, rapazes, em pleno baile, a anfitriã olha para mim e pergunta: "Você
é o herdeiro de DunDonell?". Eu digo que sim e a lady me convida para um jogo de
esconde-esconde no andar superior, deixando o velho marido no salão, entretendo
os convidados.
Aidan riu da mentira deslavada do amigo. Christian não se conteve.
— Que lorota! Conta outra porque essa não colou. Daniel ergueu as sobrancelhas
raivas.
— Você acha que é mentira?
— Acho.
— Então veja. — Daniel tirou do bolso do casaco azul um lencinho de renda com as
iniciais da lady. — "Em sinal da minha estima." Foram essas as palavras dela ao
entregar-me este lenço. Eu sempre lhe digo, Christian, não é fácil ser um par do
reino. Sorte sua ter o irmão para carregar o fardo e não você.
— Ah, como é bom um homem não ter nada para oferecer a uma mulher! Quando
eu estiver com meu ilustre irmão, vou agradecer-lhe pelo sacrifício que ele é
obrigado a fazer por ser o herdeiro do título de duque — lorde St. John falou com
sarcasmo.
DunDonell ignorou a observação cáustica do amigo, apreciou um longo trago de seu
charuto e voltou-se para Aidan.
— Como é, Aidan? Nosso caro lorde St. John me disse que você passou o fim de
semana divertindo-se no campo. Que falta de gentileza para com sua noiva, a linda
lady Appleton!
Aidan olhou irritado para Christian e falou em tom ameaçador:
— St. John, espero que você tenha contado essa história apenas a DunDonell.
O escocês deu uma gargalhada ao ver que St. John lhe dirigiu um olhar de
repreensão antes de se defender:
— Calma, Aidan. Eu apenas disse a Daniel que Sarah ficaria muito feliz se você se
casasse com lady Appleton. Acrescentei que você ficou aborrecido com sua irmã por
tentar interferir na sua vida pessoal. Mas isso o visconde DunDonell omitiu.
— É verdade. Não preciso da ajuda de minha irmã para garantir a afeição de uma
mulher. Confesso que cheguei a pensar em fazer a corte a lady Appleton e, quem

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sabe, torná-la a condessa de Wessex. Mas isso foi antes de minha partida para a
península. A propósito, esta noite vou acompanhá-la ao baile de lorde Hambury.
— Ótimo. Essa moça será uma esposa perfeita para você. Parabéns, Aidan — falou
Daniel.
— Eu disse que vou ao baile com ela. Não vou propor-lhe casamento.
— Começa com um baile e antes de você perceber...
— Será que lady Pervill já tem acompanhante? — lorde St. John interrompeu o
amigo.
Aidan estranhou o entusiasmo do rapaz.
— Acredito que não — respondeu.
— Hum, teremos dois casamentos dentro de um ano. Isto merece um brinde —
propôs Daniel, erguendo o copo de conhaque.
— Pare com isso, DunDonell! — disse Aidan, em tom cortante.
— Que droga, DunDonell! — St. John reclamou.
— Não costumo errar em minhas previsões. — O visconde levantou-se. — Com
licença, amigos. Há uma mulher esperando ansiosa por este cavalheiro encantador,
capaz de satisfazer-lhe todos os desejos. Tenham uma boa tarde.

Capítulo VII

Na opinião de Celeste, o lugar mais discreto para um encontro era no meio de uma
multidão.
Fazia semanas que não entrava em contato com o imperador e precisava enviar-lhe
informações para convencê-lo de que estava agindo. Celeste respirou fundo para
dissipar sua ansiedade e olhou para Henri Renault, o belo francês sentado no
landau, à sua frente.
Lorde Renault, grande conquistador, era o segundo filho de um duque que tinha sido
guilhotinado no início de revolução. A duquesa conseguira fugir com os filhos e
refugiara-se na Inglaterra, como tantos outros aristocratas franceses.
O que ninguém sabia era que Bonaparte garantia a segurança da família Renault em
troca dos serviços de Henri. Este, entretanto, não estava se mostrando um espião
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muito eficiente, uma vez que a sociedade inglesa via com desdém a maioria dos
refugiados franceses e jamais lhes confiava informações importantes. Estas o
sedutor francês conseguia com algumas esposas de nobres ingleses que, não
resistindo ao charme do jovem aristocrata do ancient regime, respondiam a tudo o
que ele desejava saber. Além disso, Henri Renault tinha grande habilidade para
enviar as mensagens que conseguia e isso o tornava valioso à França.
Celeste analisou o homem à sua frente. O nariz, apesar de grande, contribuía para
aumentar-lhe o charme. E, ao contrário da moda em voga, Henri mantinha os longos
cabelos loiros puxados para trás e presos na nuca, como uma cauda de cavalo. Mas
eram os olhos castanho-claros que mais chamavam a atenção. Ao captar a luz do
sol ou do fogo de uma lareira, tornavam-se dourados.
Naquele momento, Henri tinha nos lábios um sorriso indolente, malandro, cujo intuito
era seduzir, mas Celeste estava imune àquele tipo de homem e continuou a olhar
para ele com indiferença.
— Como é, lady Rivenhall, o que tem para me dar? — Henri perguntou, com os
olhos fixos nos seios de Celeste.
Ela preferiu ignorar a audácia do francês que parecia disposto a tomar liberdades
com a amante de Napoleão.
— Tudo o que eu tenho é para o imperador. Henri sorriu e sentou-se do lado de
Celeste.
— O imperador está muito longe, lady Rivenhall. Uma mulher experiente como você
não pode passar a guerra deitada num leito frio.
— Está se oferecendo para aquecer minha cama, Henri?
O libertino deu um beijo no pescoço de Celeste antes de responder:
— Oui.
— Cuidado, Henri. O imperador não é homem de dividir o que lhe pertence.
Lorde Renault deu uma risadinha.
— Lady Rivenhall, não sei o que é mais excitante em você: sua beleza estonteante
ou sua extraordinária presença de espírito. — Henri suspirou. — Cest Ia vie. O que
você tem para o imperador, hoje, mademoiselle?
Celeste tirou do bolso interno da capa os papéis que Falcon lhe entregara. Lorde
Renault ergueu as sobrancelhas ao ver o volume de informações que ela conseguira
em tão pouco tempo.
— Parece que você andou aquecendo a cama de alguém. Celeste ignorou a
observação grosseira e explicou:

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— Aí estão os desenhos e o cronograma do novo canhão que está sendo fabricado.


Trata-se de uma arma poderosíssima. Portanto, insista com o imperador para traçar
sua estratégia bélica de acordo com esse poder de fogo dos ingleses.
E claro que não havia nenhum canhão novo. A informação era falsa. Entretanto, a
outra era real, mas referia-se à defesa de postos avançados insignificantes.
— Muito bem. Você sabe como entrar em contato comigo, caso tenha alguma
informação. — Lorde Renault ia abrir a porta da carruagem, mas parou para
acrescentar com um sorriso: — Ou se você sentir frio.
Ele saiu do landau deixando Celeste feliz por livrar-se de um tipo tão atrevido.
Quinze minutos depois ela entrava na casa de lorde Hambury. Tirou a capa e
esperou, um tanto nervosa, sua vez de ser anunciada.
Celeste havia desenhado o modelo do vestido que estava usando justamente para
causar impacto quando a vissem. Era um traje de seda azul, simples, mas ousado,
com um corte perfeito que lhe modelava bem o corpo. O decote, na parte de trás,
era amplo e baixo, o que tornava impossível o uso de espartilho ou combinação e,
ao mesmo tempo, evidenciava a beleza das costas.
— Lady Rivenhall! — O nome ecoou pelo salão lotado.
Como já esperava, Celeste foi alvo de todos os olhares. Ouviram-se murmúrios de
admiração, depois reinou o silêncio. Ela estava ciente de que deixara muitas
mulheres escandalizadas, mas isso não a incomodava. Tinha apenas poucas
semanas para atrair três nobres ingleses. Portanto, o momento não era para
mostrar-se recatada.
Cabeças se voltaram para vê-la quando ela foi ao encontro do tio, o conde de
Rivenhall, que havia entrado no salão, vindo da sala de jogos.
Lorde Rivenhall era o único parente de Celeste que estava vivo. Ela mal se lembrava
dele, pois havia morado na França durante muitos anos. Sabendo por meio de
Falcon a verdade sobre o relacionamento da sobrinha com o imperador francês e da
importância de sua missão, o tio decidira protegê-la. Como passava a maior parte do
tempo no campo, cedera sua casa na cidade para Celeste e madame Arnott
morarem enquanto estavam na Inglaterra.
— Celeste, querida — disse ele, beijando-a no rosto e sussurrando em seguida: —
Este vestido é absolutamente obsceno.
— Eu sei.
— Está encantadora, minha querida. Gostaria de tomar uma taça de champanhe?
— Sim, tio Paul. Obrigada.
O conde virou-se para pegar uma taça da bandeja de um dos garçons e, ao entregá-
la à sobrinha, disse em voz baixa:

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— Hambury, Ferrell e Cantor, certo?


Celeste fez com a cabeça um sinal afirmativo. Tomou o champanhe, depois deu o
braço ao tio e andaram ambos pelo salão. Ele apresentou-a a algumas senhoras
antes de chegarem até lorde Hambury.
— Lorde Hambury, permita-me apresentar-lhe minha sobrinha, lady Celeste
Rivenhall.
O anfitrião, homem de quarenta anos, calvo, gordo, com vários centímetros a mais
ao redor da cintura, sorriu para ela e disse de modo galante:
— Encantado, lady Rivenhall. É de admirar que eu não a tenha visto em Londres
antes.
— Estive fora da Inglaterra, milorde. Preocupado com minha segurança, meu tio
insistiu para que eu voltasse a Londres. — Celeste sorriu afetuosamente para lorde
Rivenhall.
— Certo, lady Rivenhall. Quem pode saber qual será o próximo país a ser invadido
por aquele francês louco? Aqui você está bem melhor e mais segura.
— Concordo plenamente, lorde Hambury. — Celeste presenteou lorde Hambury com
um sorriso radioso. — E agora, se nos dá licença, milorde, acredito que tio Paul
queira apresentar-me a seus amigos.
— Pode reservar uma valsa para mim, lady Rivenhall?
A simples idéia de sentir aqueles dedos gordos ao redor de sua cintura, deixou
Celeste arrepiada. Mas respondeu sorridente, ao mesmo tempo que anotava o nome
do cavalheiro no seu cartão de danças.
— Perfeitamente, milorde.
Lorde Rivenhall segurou no braço da sobrinha e atravessaram ambos o salão.
Ofereceu-lhe outra taça de champanhe e observou, pesaroso:
— Creio que precisa de outro drinque, minha querida. Não consigo imaginar tudo
pelo qual você passou nestes últimos quatro anos.
Um nó formou-se na garganta de Celeste. Tomou o champanhe para poder falar:
— Não. Nem o senhor nem ninguém pode imaginar o que tem sido minha vida.
Assim que lady Rivenhall lhe foi apresentada o homem moreno soube que estava
diante da amante do imperador. A jovem era belíssima e, tanto ele, como todos os
homens naquele luxuoso salão, estavam imaginando como seria tê-la em sua cama,
inteiramente nua.
Mas o momento exigia cautela, ele pensou, os olhos fixos nas costas da beldade.
Portanto, ficaria muito feliz se ela lhe concedesse uma valsa que fosse.

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— O que eu não daria para pôr minhas mãos naquele tesouro — murmurou o
companheiro do homem moreno.
Ele sorriu e irritou-se ao ouvir uma voz familiar.
— Ah, por fim encontrei-o, milorde. Quero apresentá-lo a minha prima.
— Será um prazer, lady Davis — disse ele, esforçando-se para esconder sua raiva.
Sem ter alternativa, ofereceu o braço à esposa do almirante e ambos se afastaram
na direção da sala de jogos.
— Eu já lhe disse para nunca falar comigo em público, Sophie. Lady Davis esperava
essa reação e tentou acalmar o amante.
— O que posso fazer, querido? Você não me deixa escolha, uma vez que se recusa
a encontrar-me em um lugar privativo. — Ela acariciou o braço do homem moreno,
pouco se importando que alguém notasse aquele gesto de intimidade. — Eu o amo
e sei que você também me ama. Se está preocupado porque sou casada, posso
abandonar meu marido. Farei tudo o que você quiser. Tudo. O homem moreno sorriu
para a horrorosa Sophie.
— Muito bem, querida. Encontre-me no gazebo à meia-noite e discutiremos o que
deve ser feito. — Ele bateu de leve na mão dela e falou carinhosamente: — Agora
vá, querida.
Lady Davis afastou-se, absorta, enquanto, às suas costas, o homem moreno
comprimia os maxilares e tinha um brilho feroz nos olhos. Ele terminou seu
champanhe, colocou a taça de cristal sobre a mesa mais próxima e voltou ao salão
de baile. Era sua vez de dançar com a estonteante lady Rivenhall. Aproximou-se
dela, que estava cercada de admiradores e disse, curvando-se:
— Creio que esta é a nossa valsa.
Tomou-a nos braços e saíram ambos rodopiando, para desapontamento dos que os
observavam. Como estava sem luvas, ele teve o prazer de sentir na palma da mão o
contato com a pele macia exposta por aquele decote generoso e provocante. Ah,
essa mulher devia ser todinha deliciosa de se tocar, pensou, sentindo o membro
enrijecer-se entre as pernas. Mas ele teve o recato de manter-se sorridente e cortês.
— Fiquei sabendo que retornou há pouco do continente, lady Rivenhall.
— Sim, milorde. Estive na Áustria.
— Também regressei do continente há quase quatro meses.
— É mesmo?
— Sim, lutei na península Ibérica. A única lembrança da guerra que eu trouxe para
casa foi isto. — Ele inclinou a cabeça para que Celeste visse mais claramente a
cicatriz no queixo.

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— Oh, lamento, milorde — tornou Celeste, afetando pesar. Por um momento o


homem moreno acreditou que ela estava sendo sincera. Mas sua maior
preocupação era não perder o contato com lady Rivenhall. Por isso, antes de a valsa
terminar, perguntou-lhe:
— Você já teve a oportunidade de assistir à peça O Mercador de Veneza, que está
sendo apresentada no Royal Theatre, lady Rivenhall?
— Ainda não — ela respondeu, com um sorriso encorajador.
— Nesse caso, você me concederia a honra de acompanhá-la ao teatro no próximo
sábado à noite?
— Bem, preciso falar com meu tio. Receio que ele esteja planejando ir para sua
casa de campo no final da semana. — Ela sorriu para o cavalheiro de modo tão
fascinante que ele ficou imediatamente excitado. — Mandarei avisá-lo assim que
souber quais são os planos de meu tio.
A valsa terminou e ele manteve a mão esquerda nas costas de Celeste, ao levá-la
até o conde de Rivenhall.
— Aguardarei ansioso qualquer comunicação sua, lady Rivenhall — disse ele com
um sorriso sedutor.
Sentada a uma mesa com a prima, lady Appleton esperava pelo cavalheiro com
quem iria dançar a próxima valsa. Estava corada e sentia calor por causa da
quadrilha que havia dançado como par do duque de Glenbroke. Tomou um pouco de
limonada para refrescar-se, ajustou discretamente o vestido verde-claro e voltou a
atenção para a divertida prima Juliet.
— Veja! — Lady Pervill indicou a outra extremidade do salão.
— Lorde Summers não tira os olhos de cima de você! Coitado. Não sei como você
pode desprezar um homem tão lindo... e rico!
Felicity suspirou.
— Está sendo rude, Juliet!
— Rude, querida? Ah, um homem como aquele jamais me pediria em casamento.
Bem, se ele apaixonou-se por uma moça enjoada e esnobe como você, então
merece toda a minha admiração — Juliet falou em tom provocativo. — Vamos,
Felicity, diga-me o que há de errado com lorde Summers para você recusá-lo? Sabe
que no White's Club já fazem apostas para ver quem será o oitavo pretendente a
receber um não da encantadora lady Appleton?
Felicity estremeceu só de pensar que sua vida pessoal era motivo de especulação.
— Não sei por que as pessoas se interessam tanto por minha vida pessoal.

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— Acontece, querida prima, que você é certinha demais e tem uma vida monótona.
Nada de escândalos, não tem amantes e não é nem mesmo filha ilegítima.
— Juliet, francamente! — Felicity zangou-se, ficando ainda mais ruborizada do que
estava.
—Desculpe. Eu estava brincando. Mas não entendo como você pôde recusar o
pedido de Summers. Eu seria capaz de matar para receber uma oferta de
casamento daquele homem.
— Eu já lhe disse, Juliet. Não estou apaixonada por lorde Summers — explicou
Felicity suavemente. Na verdade sentia pena da prima que era apenas um ano mais
nova do que ela e não recebera nem uma proposta de casamento sequer.
— Você também não amava os outros seis?
— Não.
— Então você deve estar apaixonada por algum outro. Quem é ele?
Felicity virou os olhos para cima em sinal de impaciência e falou de modo um tanto
agressivo, o que não era do seu feitio:
— Por Deus Juliet, como você é insistente! Até parece um cão perseguindo uma
raposa. Fique tranqüila; quando eu sentir carinho por um cavalheiro, você será a
primeira a saber o nome dele. E trate de se preocupar com sua vida. Então, quem
sabe, em breve estaremos conversando sobre as suas propostas de casamento,
não sobre as minhas.
Ao notar os olhos da prima rasos d'água, Felicity arrependeu-se de sua explosão.
Estendeu o braço para tocar na mão de Juliet, mas esta afastou-se. Ergueu bem a
cabeça e, determinada, conteve as lágrimas. Era evidente sua mágoa ao levantar-se
para dizer:
— Você ganhou, Felicity. Com sua licença, vou ficar a um canto "tomando chá de
cadeira".
Felicity ia levantar-se para seguir a prima e amiga magoada, porém o conde de
Wessex aproximou-se da mesa.
— Lady Appleton, devo desculpar-me, pois não será possível dançarmos a nossa
valsa. — Ele parecia nervoso, até descontrolado, o que não era normal no elegante
lorde Wessex.
— Aconteceu alguma coisa, Aidan? — Felicity indagou, preocupada.
— Está tudo bem, lady Appleton. Sinceramente, odeio ter de deixá-la... — Aidan
correu os olhos pelo salão, depois voltou-se para Felicity com um sorriso. — Ah,
encontrei o cavalheiro que poderá me substituir na nossa valsa.

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A orquestra começou a tocar. Felicity gostava muito de dançar valsas e esperou com
certa ansiedade para ser apresentada ao cavalheiro que seria seu par.
— Aqui está ele — disse Aidan fazendo com que Felicity olhasse para trás. — Lorde
Elkin.
O coração dela quase parou. Ao olhar para lorde Elkin, percebeu que ele estava tão
perplexo quanto ela.
— Obrigado, amigo velho. — Aidan bateu nas costas de John e voltou-se para
Felicity. — Voltarei assim que for possível, lady Appleton.
Ela sorriu, mas o conde já se afastara, deixando-a sozinha com o homem que
julgara nunca mais reencontrar. John estendeu-lhe o braço, ela segurou na mão dele
e ficou o tempo todo olhando para o brilhante assoalho de mogno, com o coração
aos saltos. Mal ouvia a música; lorde Elkin, por sua vez, mantinha-se o mais distante
dela quanto possível enquanto ambos rodopiavam pelo salão. Não suportando
aquela situação desconfortável e aquele silêncio, Felicity perguntou:
— Presumo que, ao atender ao pedido do conde de Wessex para substituí-lo nesta
valsa, você não fazia idéia de que seu par seria eu.
Pela segunda vez em dois anos os olhos de John encontraram os de Felicity, mas
ele não disse nada. Continuou a dançar. Sua mão grande e forte parecia queimar na
cintura de Felicity. Ela recordou com extrema clareza que eles haviam dançado
muitas outras vezes, não constrangidos como no momento, mas de modo prazeroso
e confortável, quando havia entre eles afeição e amizade.
— Quando você partiu para o continente, pensei que nunca mais iria vê-lo — Felicity
prosseguiu, lamentando a perda do amigo e companheiro querido.
—Eu também imaginei que jamais nos encontraríamos — John disse, por fim.

A voz dele, profunda e rica, emocionou Felicity. Trouxeram-lhe tantas lembranças


que ela por pouco não chorou.
— Achei que dois anos seriam suficientes para...
— Não foi — ele interrompeu-a, tenso.
A valsa estava chegando ao fim e Felicity decidiu que não podia perder a
oportunidade de reconquistar a amizade que lamentava tanto ter perdido. Fitou os
olhos de John e falou com determinação:
— John, você teve dois anos para recuperar-se da mágoa e da raiva que lhe causei
ao recusar seu pedido. Imaginei que, com o tempo...
John fixou nela os olhos como se estivesse diante de uma louca. A música parou e
ele curvou-se.

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— Foi isso que você pensou, Felicity? Acha que me recusei a vê-la nestes dois anos
por que eu estava com raiva?
Ela fez uma mesura e respondeu, confusa:
— Bem... Sim, foi isso.
Lorde Elkin acompanhou-a até a mesa que ela estava ocupando.
— Eu não quis vê-la porque para mim seria doloroso demais — ele confessou.
Beijou a mão de Felicity, demorando mais do que o necessário, e afastou-se sem
olhar para trás, deixando-a desolada.
Em vez de sentar-se, ela foi até a sala de música. Sentou-se numa das poltronas,
junto de um grande vaso de plantas e deu vazão às lágrimas. Nunca havia
imaginado que tinha ferido um amigo tão profundamente. Algum tempo depois,
enxugou os olhos com um lencinho de renda e sentiu que eles estavam inchados.
John tinha sido o primeiro homem a pedi-la em casamento e, na verdade, sua
proposta a amedrontara. Para ela era impossível compreender que um homem
pudesse confundir amizade com sentimentos mais íntimos. Desde o pedido de lorde
Elkin, Felicity decidira ter o maior cuidado e manter certa distância dos pretendentes.
Esse sistema, entretanto, parecia surtir o efeito contrário. Quanto mais distante ela
se mostrava, mais interessados nela ficavam os cavalheiros. Depois de John, ela
recebera mais seis ofertas de casamento de homens tidos como solteiros convictos.
Lorde Summers, o último, era considerado o máximo, o melhor partido. O homem
era lindo, rico, amável e, de acordo com os comentários sigilosos, era um amante
extraordinário e seria um marido excelente. O que mais uma mulher poderia
desejar?
Amor.
Ela não amava Albright, nem Jones, nem Quincy... nem John Elkin. No entanto,
sentia-se péssima ao saber que havia ferido um homem tão admirável como John.
Quem sabe devia reconsiderar o pedido dele, Felicity pensou. O resultado foi nova
onda de lágrimas.
— Felicity! Enfim a encontrei. A orquestra vai começar a tocar e você me prometeu
a...
Envergonhada, Felicity virou a cabeça e deparou com lorde Christian St. John.
— Por favor, Christian, quero ficar sozinha.
— Alguém a...?
— Não! Por favor, Christian, me deixe só.
— Vou chamar Juliet — disse o jovem lorde e saiu apressado da sala de música.

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Felicity gemeu ao lembrar-se da conversa que tinha tido com a prima. Inspirou fundo
e procurou controlar-se. Ocorreu-lhe que, se andasse bem depressa e de cabeça
baixa, conseguiria sair daquela casa sem que ninguém notasse seu estado. Ficou de
pé e, mal deu dois passos, lorde St. John retornou.
— Juliet está dançando com lorde Barksdale... Ei, aonde você vai?
— Para casa, milorde.
— Bem... você não pode ir embora sozinha.
— É verdade, Christian, mas tenho um cocheiro e dois lacaios lá fora à minha
espera. Portanto, estarei na mais perfeita segurança.
Os dois entraram no salão de baile e, pelo murmúrio que ouviu, ao passar entre as
pessoas, Felicity soube que sua aparência era bem pior do que havia imaginado.
Com toda certeza seria objeto de comentários e especulações nas salas de muitas
ladies na manhã seguinte. Ela apertou o passo e sentiu Christian batendo
carinhosamente em sua mão e falando, alto o suficiente para ser ouvido pelos que
estavam mais perto deles:
— Tenho certeza de que sua avó estará perfeitamente bem em uma semana ou
duas.
A expressão das senhoras da sociedade mudou diante dos olhos de Felicity, de
desaprovação para simpatia. Ela ficou tão agradecida a Christian por sua gentileza e
ingenuidade que teve ímpetos de beijá-lo.
De pé, no gazebo, o homem moreno ouviu as doze batidas de um carrilhão. Tirou o
relógio do bolso e consultou-o. Estava cinco minutos adiantado. Acertou-o, guardou-
o e ficou ouvindo a música que vinha do salão de baile.
O som de passos fez com que olhasse para o lado. Viu, como esperava, lady Davis
se aproximando, A tola mulher correu para os braços dele e beijou-o. Como ainda se
sentia excitado depois de haver dançado com lady Rivenhall, pensou nela e
estreitou a amante nos braços.
— Oh, meu amor! — Sophie exclamou.
— Psiu! — o homem ordenou, não querendo que aquela voz perturbasse sua
fantasia.
Colocou a mão dentro do decote do vestido da mulher e apertou-lhe o bico dos
seios, deixando-a imediatamente excitada. Desabotoou rapidamente os calções e
sentou-se num dos bancos de pedra, mas antes de poder descer as ceroulas, lady
Davis já estava entre os joelhos dele, acariciando-o, como ele a havia ensinado a
fazer.
O homem gemeu de prazer. Em seguida ergueu a amante, arrancou-lhe as
calcinhas, separou-lhe as pernas, colocando-a sobre o membro rijo e pulsante. Cada

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vez mais excitado, segurou-a pela cintura e, puxando-a com força para baixo,
penetrou-a. Repetiu o movimento outras vezes até a mulher ajustar seu ritmo ao
dele.
— Assim! — ele a encorajava e, ao mesmo tempo, a erguia, tornava a puxá-la sobre
o membro, causando em ambos sensações de prazer delirante.
O homem alto e moreno fechou os olhos e imaginou-se fazendo sexo com lady
Rivenhall. Estendeu os braços, segurou os seios da mulher e, de modo quase brutal,
fez várias arremetidas até alcançar um clímax alucinante, inspirado na encantadora
espiã. Permaneceu de olhos fechados enquanto duraram os tremores de gozo. Só
então os abriu e lembrou-se do motivo que trouxera lady Davis até ali.
— Eu a avisei, Sophie, para nunca falar comigo em público.
— Senti saudade, querido. — Ela sorriu. — Não imaginei que você fosse ficar tão
zangado.
O homem moreno tirou-a do colo e abotoou a braguilha.
— Você foi imprudente. Isso não se repetirá — disse ele, ficando de pé.
Inclinando-se, beijou o pescoço da mulher, depois o torceu, ouvindo um estalo
familiar. Então se afastou, deixando o corpo de lady Davis caído no chão. Ajeitou o
colete, o casaco, e voltou para o salão de baile, com tempo mais do que suficiente
para dançar a quadrilha com lady Hillary.
A duquesa de Glenbroke parou de andar e voltou-se para o marido.
— Afinal, o que você quer, Gilbert? Por que me trouxe até o fim deste jardim? Quer
me dizer alguma coisa que os outros não podem ouvir?
— Não, minha querida. Eu queria ficar a sós com você.
— Aqui fora está frio. É melhor voltarmos para o salão. O belo duque riu.
— Mulher nenhuma me recusou por causa do tempo. Sarah lembrou-se das muitas
conquistas do marido antes de se casarem e falou, zangada:
— Nesse caso, procure uma companhia mais robusta.
Feliz com a demonstração de ciúme da esposa, o duque deu um largo sorriso.
— Oh, doçura, você sabe que me apaixonei assim que a vi. Desde então só tenho
olhos para você. Que tal nos sentarmos para namorar um pouco?
Sarah procurou não olhar para Gilbert. Se olhasse para aquele rosto perfeito, para
aqueles olhos cheios de desejo e aqueles lábios tão masculinos, acabaria cedendo
aos apelos do marido.
— Estou congelando — ela desculpou-se.
— Então me deixe aquecê-la — tornou o duque estreitando a esposa nos braços.

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Ela ficou na ponta dos pés para abraçá-lo quando ouviu um som abafado, a pouca
distância dali.
— Gilbert, ouvi um barulho. O que será?
— Não ouvi nada. Você se enganou.
— Estou falando sério, Gilbert. Aconteceu alguma coisa. Relutante, o duque
afrouxou os braços ao redor da cintura da esposa.
— Está bem. O que você quer que eu faça?
— Creio que o melhor a fazer é ir... Sarah foi interrompida por um grito agudo.
— Fique aqui — pediu o duque, virando-se na direção do onde tinha vindo o som.
Sarah segurou na mão dele.
— Espere! Não me deixe aqui, sozinha, Gilbert de Clare!
Os dois andaram, de mãos dadas, a passos largos, até o gazebo, onde encontraram
lorde Kerry abraçando a noiva de modo protetor.
— Estávamos andando pelo jardim e ouvimos um barulho. Então viemos até aqui
para ver o que era — ele explicou, indicando o corpo caído no piso do gazebo. —
Ela já estava morta. Acredito que tenha sido vítima de algum assaltante.
Instintivamente, Gilbert passou os braços ao redor dos ombros de Sarah.
— É difícil saber. Acho melhor você levar as ladies para dentro. Depois informe lorde
Hambury sobre este trágico acontecimento — sugeriu o duque.
— Claro, Alteza. — Lorde Kerry ofereceu o outro braço à duquesa.
— Não! — Sarah agarrou-se ao marido, como se estivesse em pânico.
— Está tudo bem, Sarah. Vá com lorde Kerry — insistiu o duque.
— Não! Por favor, não me deixe! Quero ficar com você — ela falou em tom patético.
— Fiquem aqui. Vou levar minha noiva ao salão e falarei com lorde Hambury —
propôs o jovem lorde. — Não me demoro.
Assim que o casal se afastou, o duque abaixou-se para examinar o corpo caído.
Pouco depois ficou de pé.
— Esta é lady Davis e está com o pescoço quebrado. Como não há sinal nenhum de
queda, acredito que tenha sido assassinada.
— Foi o que eu pensei. Por isso não quis sair de perto de você. Mas ela não foi
assassinada por um assaltante ou pessoa de fora — disse Sarah.
— Por que diz isso?
— Lembra-se de que estávamos abraçados quando ouvi o barulho?

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— Sim, claro.
— Eu estava de frente para o portão do jardim e não vi ninguém entrando ou saindo
por ali.
— Isso quer dizer que o assassino voltou para a casa. Portanto, lady Davis deve ter
sido morta por um dos convidados de lorde Hambury! — Gilbert concluiu.
— Exatamente!
— O que há com você? — lorde Christian St. John perguntou a Aidan que observava
os cavalheiros quase brigando para conseguirem uma dança com lady Rivenhall.
— Nada — Aidan respondeu distraidamente.
Estava absorto, perguntando a si mesmo o que teria lady Rivenhall na cabeça para
usar um vestido escandaloso como aquele. Afinal, as espiãs não deviam ser
discretas? E a deslumbrante beldade chamaria menos a atenção se aparecesse
usando como roupa a bandeira francesa. Bem, se a intenção dela tinha sido atrair
lorde Hambury para sua teia, certamente teria sucesso. Na verdade, ela não
precisaria empenhar-se tanto para chamar a atenção de um homem como o gordo e
envelhecido lorde.
Enfim, Aidan não estava interessado em Hambury, mas no colaborador francês da
linda espiã.
Aidan voltou-se para Christian St. John.
— Você não ia dançar com lady Pervill? , Christian deu de ombros.
— Sim, Juliet me havia prometido uma dança, mas desapareceu. Não sei onde ela
possa estar.
— Também não vi lady Appleton.
— Felicity voltou para casa.
— Tão cedo? Aconteceu alguma coisa?
— Ela estava apenas cansada. Eu a acompanhei até sua carruagem.
— Obrigado, amigo. — Aidan agradeceu sentindo um pouco de culpa por haver
negligenciado a jovem lady, de quem era o acompanhante. Olhou novamente para
lady Rivenhall e decidiu agir. — Com licença, Christian.
Ele foi até o grupo de cavalheiros que cercavam a estonteante beldade e ficou
diante dela.
— Acredito que esta seja a minha dança, lady Rivenhall. Não era.
— Mas... — protestou um jovem dândi.
Antes de ele pronunciar outra palavra, Aidan já estava levando Celeste para o meio
do salão.

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— Você está machucando meu braço — ela protestou por entre os dentes.
Nesse instante ouviu-se um grito de mulher. A orquestra parou de tocar. As pessoas
correram para a porta dupla de acesso ao jardim dos fundos da casa. Correu pelo
salão murmúrios de que alguém tinha sido atacado.
Lorde Hambury subiu no tablado onde estavam os músicos e pediu silêncio aos
convidados.
— Senhoras e cavalheiros, lamento informar-lhes que ocorreu um trágico acidente
no jardim. Uma senhora sofreu uma queda e acabou morrendo.
— Quem é ela? — alguém perguntou.
— Cavalheiros, antes de mais nada, devo localizar a família da vítima para informá-
la sobre o acidente. Eu lhes agradeceria se levassem as senhoras para casa.
Aidan surpreendeu-se ao ver a irmã e Gilbert chegarem discretamente do seu lado.
Sarah olhou ao redor antes de dizer em voz baixa:
— Lady Davis foi assassinada. Gilbert e eu encontramos o corpo dela no gazebo.
Nós estávamos perto do portão do jardim e ninguém entrou por ali. Isto quer dizer
que a esposa do almirante foi assassinada por alguém que está neste baile.
Os olhos de Aidan voltaram-se para os de Celeste. Ela balançou a cabeça negando
qualquer envolvimento com o crime.
— Eu a levo para casa, lady Rivenhall — disse Aidan.
— Obrigada, meu tio...
— Lorde Rivenhall está lá fora e em breve saberá a identidade da mulher do jardim
— tornou Aidan segurando no pulso de Celeste. — Vamos.
Em segundos os dois estavam fora da casa. Ele encontrou o landau de lady
Rivenhall e praticamente a empurrou para dentro do veículo, entrando em seguida.
Sentou-se do lado dela, bateu no teto da carruagem e os cavalos começaram a
andar.
Notando a raiva nos olhos do conde, lady Rivenhall defendeu-se:
— Não tenho nada a ver com o que aconteceu a lady Davis. Juro.
— A esposa de um almirante britânico foi assassinada na casa onde você estava
simplesmente para obter informações de seu colaborador francês. Então você jura
que nada tem a ver com esse assassinato e espera que eu acredite nisso?
— Se você acredita ou não, pouco me importa.
— Sei que lhe deram uma lista de homens para você investigar. — Aidan segurou o
braço de Celeste com força. — Quero saber a verdade, lady Rivenhall.
— Solte-me! — ela ordenou, apontando uma pistola para o conde.

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— Bem, você é perita no uso de adagas, mas se esquece de que sou melhor do que
você quando se trata de armas de fogo. — Enquanto falava o conde inclinou-se para
a frente e encostou o peito na pistola.
Os lindos lábios de Celeste curvaram-se num sorriso desdenhoso.
— Você não é melhor do que eu no uso de armas de fogo. — Celeste manteve os
olhos presos nos do conde e o dedo no gatilho. Ele não viu nela o menor sinal de
hesitação. Tinha diante de si a mulher inclemente que comandara suas tropas em
Albuera. — E, agora, saia de minha carruagem.
Sem ter alternativa, Aidan engoliu sua frustração e abriu a porta do landau.
— Certamente, lady Rivenhall. Até a próxima vez — disse ele, tirando o chapéu.
Saltou para a calçada, curvou-se, colocou o chapéu de volta à cabeça e esperou
que a carruagem seguisse adiante, até desaparecer de vista.
Assim que lorde Hambury anunciou que uma mulher tinha sofrido uma queda e
morrera no jardim, lorde Elkin começou a procurar por lady Appleton no salão. Não a
encontrando, ficou inquieto, sentindo o coração apertado. Foi até sua carruagem,
mas lembrando-se de que Felicity morava a apenas duas quadras dali, correu para a
casa dela.
Em poucos minutos estava batendo com força a aldrava de bronze na pesada porta
de carvalho. Um mordomo atendeu-o com evidente desprazer. Sem dar atenção ao
serviçal, lorde Elkin entrou no hall e dirigiu-se para a escada chamando por Felicity.
Lady Appleton saiu da sala de estar usando um robe azul, tendo um livro na mão.
Estava linda, tendo os longos cabelos loiros caídos sobre os ombros.
— John, o que aconteceu? Por que está tão nervoso? — ela perguntou.
Segurando na mão do amigo, levou-o para a sala, deixou-o sentado numa poltrona e
serviu-lhe uma dose de uísque. Ele pegou o copo com a bebida e surpreendeu-se
ao constatar que as mãos tremiam.
— Encontraram uma mulher morta no jardim de lorde Hambury. Não revelaram a
identidade dela e como você tinha desaparecido... decidi vir até sua casa. Eu
precisava ter certeza de que você estava bem.
Felicity segurou a mão dele e levou-a ao rosto. John colocou o drinque na mesinha
do seu lado e correu os dedos pelos sedosos cabelos loiros.
— Eu... não devia estar aqui a esta hora. Tenho de ir, lady Appleton — disse ele,
levantando-se.
— Espere. Fique mais um pouco — pediu Felicity.
— Para quê? Eu sei que não tenho chance de conquistar o seu amor. Não me
atormente, dando-me alguma esperança.

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—Eu... Eu estou confusa, John — Felicity murmurou, de olhos fixos nos lábios de
lorde Elkin.
Era todo o encorajamento que ele precisava. Inclinando a cabeça, ele tocou os
lábios dela. Sentindo-os tão doces quanto a dona, agradeceu a Deus por aquele
momento de ventura. Apertou Felicity nos braços e beijou-a com intensidade. Pouco
depois ela colocou as mãos no peito dele e ele soltou-a.
— John, não sei o que posso lhe oferecer. Só tenho certeza de uma coisa: não
quero perdê-lo novamente.
— Minha querida! — John apertou Felicity junto do peito e encostou o queixo na
cabeça dela.
Ficaram assim, abraçados por longo tempo. Ele estava certo do amor que sentia por
ela e não se contentaria apenas em ter sua amizade. Também não suportaria vê-la
casar-se com outro.
Finalmente, deixou-a e caminhou para a porta. Saiu da casa com renovadas
esperanças. Sentia que Felicity o amava, porém ela ainda não estava certa de seus
sentimentos. Essa certeza só viria com o tempo, e ele saberia esperar quanto fosse
preciso para ter a mulher dos seus sonhos.

Eram três horas da manhã e as ruas de Regents Hill estavam desertas. Encostada à
parede, numa esquina, Celeste viu quando a carruagem de lorde Henri Renault
parou na frente da casa que ela estava observando. Esperou que o cavalheiro
subisse os degraus de entrada e o cocheiro tocasse os animais, indo guardar o
veículo nas cavalariças. Só então ela atravessou a rua escura.
Usando as roupas que tinha roubado de seu cavalariço, pulou o muro externo e
depois, agarrando-se a plantas e saliências na parede da casa, subiu com
dificuldade até o segundo andar e entrou no quarto do cavalheiro pela janela que
estava aberta.
Nesse momento, o jovem lorde saía do cômodo vizinho e entrava no quarto usando
apenas uma toalha ao redor da cintura. Subitamente ele viu Celeste e parou.
— Ah, lady Rivenhall. Que prazer inesperado. — Ele puxou para trás das orelhas os
longos cabelos loiros. — Veio ajudar-me no banho?
Celeste jogou o boné sobre uma cadeira.
— Não, Henri, vim falar-lhe sobre o que aconteceu durante o baile de lorde
Hambury.
O belo homem aproximou-se de Celeste, andou ao redor dela olhando-a da cabeça
aos pés, e comentou com um sorriso malicioso:

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— Essa calça de couro lhe assenta muito bem, lady Rivenhall. Suas curvas ficam
perfeitamente modeladas.
Celeste empurrou-o e falou no mesmo tom autoritário que usava ao dirigir-se às
suas tropas:
— Henri, foi você?
— Quer saber se matei lady Davis? Não. Eu nem conhecia a infeliz mulher — ele
respondeu.
Celeste olhou-o de modo penetrante è soube que ele dissera a verdade. Afastou-se
um pouco e ordenou-lhe:
— Está encarregado de descobrir o assassino e se um de nossos agentes é o
responsável.
O francês tirou a toalha que o cobria e ficou nu diante de Celeste. O primeiro
impulso dela foi virar o rosto, mas isso seria um sinal de fraqueza. Manteve-se firme,
olhando o corpo musculoso, cujo membro estava rijo. Não era de admirar que as
mulheres disputavam a atenção do jovem lorde... E um lugar na sua cama.
— Está bem, conseguirei informações por meio da criada pessoal de lady Davis.
Isso a satisfará, lady Rivenhall?
— Talvez.
Lorde Renault foi para a cama, entrou sob as cobertas, ficando recostado nos
travesseiros.
— Vou descansar. Preciso de minhas forças para conseguir as informações. — Ele
riu. — Entrarei em contato assim que descobrir alguma coisa.
Lady Rivenhall assentiu com um movimento de cabeça e ia sair pela porta, mas
Henri interrompeu-a.
— Desça pela janela.
— Por quê?
— Quero admirar seu traseiro quando se inclinar, oui? Irritada, lady Rivenhall
escancarou a porta do quarto e deixou o aposento ouvindo a risada de barítono de
lorde Renault.

Felicity reuniu-se para o chá com as queridas amigas uma semana depois do baile
na casa de lorde Hambury.
— Gilbert quer tanto outro filho, mas acho cedo para engravidar. Os gêmeos vão
fazer um ano — disse Sarah. — Será que estou sendo egoísta?
— Não espere demais, se é esse o desejo de seu marido — aconselhou Felicity.

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— Concordo com Felicity — tornou Juliet. — Mas vocês não querem saber da
novidade? Aliás, duas novidades. A primeira é que lady Davis tinha arranjado um
amante recentemente.
— Você está brincando — volveu Sarah.
— Não estou. Fiquei sabendo disso por Elizabeth, sobrinha de lady Davis.
— Quem é esse amante? Será que foi ele quem matou a pobre Sophie? — indagou
Felicity.
— Ninguém sabe quem é esse homem. Elizabeth me disse que ele proibiu lady
Davis de revelar sua identidade a quem quer que fosse.
— Ah, que novidade sem graça. — Felicity reclamou. — Qual é a outra?
— Lorde Barksdale me beijou naquele baile.
— É mesmo? E daí? — Sarah quis saber.
— Gostei tanto do beijo que o beijei quando ele me trouxe para casa na sua
carruagem.
— Juliet, francamente! Lorde Barksdale pode pensar mal de você — Felicity advertiu
a prima.
Os olhos de Juliet brilharam.
— Pode pensar o que quiser. Mas acho que ele gosta de mim.
— E você? O que sente por ele? — Sarah perguntou.
— Gosto de Robert. Ele é atraente, espirituoso, alegre. Mas ele não me fez
nenhuma proposta.
— Nesse caso você não deve beijá-lo — Sarah aconselhou a amiga.
— Se eu não beijá-lo, como poderei adquirir prática?
— Ora, Juliet! — cortou Felicity. Sarah voltou-se para Felicity.
Christian me disse que viu lorde Elkin entrando em sua casa na noite do baile.
Lady Appleton enrubesceu e Juliet protestou:
— Felicity! Por que não me contou? Parece que você só gosta de falar comigo para
fazer críticas ao meu comportamento. Está novamente interessada em John Elkin?
— Não há nada para contar. John e eu somos apenas amigos.
— Amigos? Quantas vezes você e lorde Elkin saíram para cavalgar nesta semana?
— Sarah questionou.
Lady Appleton ajeitou o guardanapo sobre o colo, pôs mais creme no seu chá e
respondeu:

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Samantha Saxon – Adorável Espiã
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— Três.
Juliet ficou boquiaberta.
— Nos últimos dois anos, você e John não se encontraram. E agora, numa semana
apenas, passaram três tardes juntos? Se isso não é namoro, o que é, então?
— Se querem saber a verdade, acho que John ainda me ama. Sarah colocou a mão
no braço da amiga.
— E quanto a você? Seus sentimentos por lorde Elkin mudaram?
— Não sei. Ficamos separados durante muito tempo. Não quero perder a amizade
de John pela segunda vez, pois gosto dele. Sua companhia me faz bem.
— Se você gosta dele, mas não o ama, deve dizer-lhe a verdade.
— Talvez, com o tempo, eu chegue a amá-lo. Acredito que John será bom marido e
pai excelente.
Juliet não se conteve.
— Bom marido, pai excelente! Ouviu o que você disse, Felicity? Você não está
comprando um cavalo! O homem que você escolher deve deixá-la nas nuvens, deve
deixá-la extasiada assim que o vir entrando no quarto.
— Está sendo ridícula, Juliet — Felicity replicou.
— Felicity, quando você estiver com o homem com quem irá se casar, deve sentir
uma emoção... alguma coisa diferente.
—Eu sinto. Sinto amizade e respeito por John. Gosto de estar com ele. Faz mais de
três anos que debutei e decidi que já é hora de pensar em ter minha família.
— Se a questão é ter marido e filhos, aceite o pedido de um desses seus
pretendentes e poupe John de sofrer nova decepção, pois você não o ama.
Felicity bateu a xícara sobre o pires quase quebrando a fina porcelana.
— Basta, Juliet! Estou cansada de suas fantasias infantis. Nem toda a mulher tem a
sorte de amar e ser amada. A maioria faz, simplesmente, a melhor escolha
disponível. Com licença.
Lady Appleton levantou-se e saiu do salão, deixando as duas amigas olhando uma
para a outra, chocadas.

Capítulo VIII

Projeto Revisoras
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Samantha Saxon – Adorável Espiã
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Era bem cedo, a neblina ainda cobria a cidade quando Gilbert de Clare, duque de
Glenbroke, saiu para cavalgar com o cunhado, conde de Wessex.
— Com o assassinato de lady Davis, Whitehall será forçado a reconsiderar suas
suspeitas sobre lady Rivenhall —- o duque observou.
— Que se dane Whitehall — tornou Aidan, zangado. — Todos do Ministério do
Exterior acharam que eu estava louco quando afirmei que lady Rivenhall era uma
traidora.
— Aidan, muitas vidas estão em jogo. Essa mulher deve ser vigiada.
Aidan inspirou fundo. Seus olhos fixaram-se no horizonte.
— Então contrate um detetive ou convença Whitehall de que lady Rivenhall é
perigosa. Seja como for, faça tudo sozinho. Não quero me envolver.
O duque olhou para o cunhado de modo especulativo. Aidan Duhearst sempre
mantinha o autocontrole e no momento parecia perturbado. Gilbert quis saber por
quê„.Conduziu Apollo, seu cavalo, emparelhando-o com o do cunhado e ambos
pararam quando um grupo de cavaleiros passou por eles, na Rotten Row, no Hyde
Park.
Quando voltaram a cavalgar, o duque esperou que Aidan desabafasse. Aprendera
de longa data que, dando-se a uma pessoa tempo para falar, obtinha-se mais
respostas do que com uma pergunta direta.
— Lady Rivenhall é uma mulher... difícil.
A expressão do duque permaneceu serena, mas sua mente fervilhava.
— Você tentou seduzi-la, como lhe sugeri? — Gilbert indagou sem virar a cabeça,
apenas observando o cunhado com o canto dos olhos.
Notou que ele comprimira os maxilares e ficara tenso.
— Sim — Aidan respondeu, finalmente.
— Parece que isso o perturbou. Aidan, lembre-se de que a mulher é amante de
Napoleão.
— Ela era virgem.
— O quê? — O duque refreou Apollo bruscamente, fazendo com que o animal
relinchasse em protesto.
O conde também obrigou o cavalo a diminuir a marcha e parar.
— Você me ouviu muito bem, Gilbert.

Projeto Revisoras
115
Samantha Saxon – Adorável Espiã
(CH 355)

— Como é possível? Então essa mulher não é amante do imperador?


— Se eu contar o que ela me disse, você não acreditará. Mas isso não interessa. O
importante é deter lady Rivenhall. Não me perdoarei se ela passar ao inimigo
informações importantes. Insista para que Whitehall investigue essa mulher.
Os dois continuaram a cavalgar em silêncio, cada um perdido em seus
pensamentos. Gilbert analisou a situação.
Se lady Rivenhall, de fato, colaborava com os franceses, como tudo levava a crer,
ela devia ser vigiada. Porém, ela agiria como espiã mais livremente se não tivesse o
conde de Wessex constantemente nos seus calcanhares.
— Muito bem, Aidan. Falarei com meu contato o mais depressa possível — o duque
decidiu.
Os ombros de Aidan relaxaram visivelmente.
— Obrigado, Glenbroke — ele murmurou, continuando o passeio em silêncio.
O duque reclinou-se na sua cadeira e estreitou os olhos, cheio de suspeitas, ao ver
lorde Falcon mover a torre no tabuleiro de xadrez.
— Muito bem. Diga ao rapaz que faremos uma segunda investigação. Desta vez
mais completa — afirmou lorde Falcon.
— Quem vai ser designado para a tarefa?
— Fredericks.
— Ele está na França. — O duque inclinou-se para a frente e observou o velho. —
Está escondendo alguma informação, milorde?
— Eu?
—Não seja evasivo, lorde Falcon. Conheço bem suas manobras. O velho sorriu.
— Suponho que sim, Alteza.
— O primeiro ministro quer estar bem informado. —- Gilbert posicionou
distraidamente o cavalo e aguardou que lorde Falcon falasse.
— Wessex complicou demais a situação. — O velho suspirou.
— Que situação?
Lorde Falcon inclinou-se sobre a mesa e disse em voz baixa:
— Não lhe ocorreu que a fuga do conde de Wessex, quando foi aprisionado em
Albuera, tenha sido... facilitada? Caro duque, os franceses podem ser tolos, mas
jamais seriam tão incompetentes para deixar um prisioneiro inglês fugir.
O duque arregalou os olhos.
— Está dizendo que... lady Rivenhall é...

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— Sim, lady Rivenhall é uma agente dupla. Eu mesma a recrutei sete anos atrás,
quando o pai foi assassinado pelos franceses. Na época ela estava com dezesseis
anos. Se você a visse na ocasião, entenderia por que o imperador encantou-se com
ela. Lorde Rivenhall, pai de Celeste era oficial na embaixada britânica em Paris e
casou-se com uma aristocrata francesa. Infelizmente ela morreu deixando Celeste
com apenas três anos. Ela passou a ser criada por Marie. Na revolução, lorde
Rivenhall foi morto diante tia filha. — Pela primeira vez Gilbert viu emoção nos olhos
de lorde Falcon. — Então eu me ofereci para trazê-la com Marie pura a Inglaterra,
mas ela recusou-se a deixar a França.
— Se o pai foi morto pelos franceses, como pôde Napoleão confiar nela? Seria
natural que ele duvidasse de sua lealdade à França.
— Lady Rivenhall é inteligente, insinuante, além de belíssima. Uma mulher assim faz
com que um homem acredite em tudo que ela lhe disser. Ela foi apresentada à corte,
em Paris, e ofereceu-se para ajudar na guerra. Interrogaram-na e ela disse aos
oficiais que o pai era um tirano, que a espancava, por isso ela o odiava e odiava a
Inglaterra.
— Eles acreditaram nela?
— A princípio, não. Submeteram-na a provas e ela viu-se obrigada a sorrir ao
presenciar a execução de oficiais ingleses. Homens que ela não tinha como salvar
— revelou o velho com tristeza. — Não demorou muito para Celeste encantar o
próprio imperador. Ela estava com dezoito anos. Inúmeros oficiais atestaram a
lealdade de lady Rivenhall, e Napoleão passou a confiar nela inteiramente.
— Que história incrível.
— Mas verdadeira e sofrida. Nos últimos quatro anos, lady Rivenhall tem sido nossa
agente mais valiosa. Não fosse por ela, o conde de Wessex estaria morto há muito
tempo.
— Como?
— Lady Rivenhall não apenas planejou a fuga do conde, como deu-nos informações
importantíssimas. Graças a elas, lorde Beresford venceu a batalha de Albuera.
O duque sentiu o sangue gelar.
— O que podemos fazer para ajudar lady Rivenhall a descobrir esse traidor, o tal
Lion?
— Nada! Absolutamente nada! — lorde Falcon falou com veemência. — Apenas nós
dois sabemos que lady Rivenhall é uma agente dupla. Desde a fuga de Wessex, ela
está sendo observada bem de perto, por ordem do imperador. Suspeitamos que
Napoleão a enviou a Londres justamente para testar sua lealdade. Se suspeitarem
dela, a matarão e o traidor continuará a agir. É melhor que paire sobre ela suspeitas
de que é uma espiã francesa do que suspeitarem de que ela é uma agente dupla.
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— Está querendo dizer que não posso revelar a identidade dela nem mesmo ao
conde de Wessex?
— Principalmente a Wessex. Ele não deve saber a verdade sobre lady Rivenhall.
Seria muito perigoso. O traidor que usa o nome de Lion está entre nós e tem acesso
a documentos importantes dos ministérios de Whitehall. Eu mesmo tive o cuidado de
destruir o arquivo de lady Rivenhall para protegê-la. Lion acredita que ela seja a
amante de Napoleão e confia nela. Se houver a menor suspeita...
— Meu cunhado jamais revelaria a identidade dela — tornou o duque, ofendido.
— Claro. Eu sei que ele não faria isso intencionalmente. Mas lembre-se de que em
todo baile, em toda reunião social ou evento importante em Londres, há um
colaborador francês presente, observando. Alguns nós conhecemos, outros, não.
Bastaria um olhar amável do conde de Wessex, o homem sobre quem há suspeitas
de que ela ajudou a fugir, para pôr Celeste em perigo. Portanto, informe seu
cunhado que o ministério fez novas investigações sobre lady Rivenhall e não
descobriu nada que estivesse em desacordo com as informações contidas nos
arquivos anteriores.
— Eu sei que Wessex não esquecerá este assunto. Ele exige que lady Rivenhall
seja entregue às autoridades.
— Informe seu cunhado que a situação foi resolvida e que ele deve evitar lady
Rivenhall.
— Ele não ficará feliz com esta solução.
— Nenhum de nós está feliz com a guerra. Nos ministérios todos reclamam. Imagine
que até o pergaminho para mensagens especiais está racionado. — Lorde Falcon
riu e moveu um peão. — Xeque-mate! E agora, com sua licença, Alteza. Tenho um
compromisso.
— Aidan, deixe Sebastian na cadeirinha antes que ele suje sua roupa — disse Sarah
começando a dar a comida de Constance.
Aidan olhou para o sobrinho sentado no seu colo, muito feliz.
— Você nunca pensaria em sujar a roupa do titio, não é, Sebastian?
O garotinho resmungou, agitou os bracinhos, querendo mais sobremesa. Aidan deu-
lhe uma colher de pudim e sorriu satisfeito ao ver o apetite do sobrinho. Por fim,
Sebastian arrotou.
— Ora, ora, Sebastian, vejo que você é um glutão rústico como o pai — brincou
Aidan fazendo cócegas no pescoço do sobrinho e colocando-o no chão, sobre o
tapete.
— Aidan, você tem muito jeito com crianças — Sarah observou. — Talvez esteja na
hora de pensar em ter seus filhos.

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Samantha Saxon – Adorável Espiã
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— Obrigado por sua intromissão tão sutil na minha vida pessoal, Sarah — tornou o
irmão com ironia.
A duquesa suspirou, frustrada.
— Bem, Aidan, tenho de lhe dizer umas verdades. Lady Appleton seria uma esposa
perfeita e você deixou lorde Elkin roubá-la bem debaixo do seu nariz. O tempo
passa, querido. Os gêmeos vão crescer sem ter primos com quem brincar.
— Pensei que você estivesse preocupada com a minha felicidade. Como o caso não
é esse, talvez eu possa dar uma volta por aí e arranjar priminhos para brincar com
Sebastian e Constance.
— Pare com isso, Aidan! — Sarah limpou a boca da filhinha. — O que você acha de
Juliet? Ela tem ótimas qualidades e merece ser observada, mas você é um pedante!
— Pedante!
— Isso mesmo. Juliet precisa de um homem de pulso firme como você. E como
gosta de mexericos! Outro dia ela contou para mim e Felicity que lady Davis tinha
um amante.
— Amante? Quem era ele?
— Ninguém sabe. Os empregados da casa nunca viram o homem claramente.
Sabem que ele é alto, mas usava sempre um chapéu que lhe obscurecia o rosto.
— Então como podem afirmar que era amante dela? Sarah enrubesceu.
— Eles ouviam barulho no quarto quando o homem a visitava.
— Essas visitas eram freqüentes? Os olhos de Sarah estreitaram-se.
— Aidan, por que esse interesse todo?
— Estou apenas curioso.
— Você nunca foi curioso. Na verdade, você detesta mexericos.
— Isso não é mexerico, Sarah. Lady Davis foi assassinada por um homem da
sociedade.
Mas não era no misterioso amante de lady Davis que Aidan estava pensando, e sim
na mulher que provavelmente havia encarregado o assassino de obter informações
valiosas para a França, por meio da esposa do almirante.
Sua mente estava em lady Rivenhall.
Depois de assistirem a um concerto nos jardins de Vauxhall, John Elkin e lady
Appleton jantaram em um dos camarotes privativos. Terminaram de saborear uma
sobremesa de creme de morangos ao brandy, e John ficou olhando embevecido
para Felicity.

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Ela estava deslumbrante, usando vestido cor-de-vinho, elegantíssimo. Suas jóias,


um fabuloso conjunto de colar e brincos de rubis, montados em platina, refulgiam
sob o candelabro de prata e cristal, com mais de setenta velas.
Pouco depois, John mostrou-se inquieto e a todo instante tocava no bolso do
casaco.
— John, você está bem? — indagou Felicity.
— Não, Felicity. Desde o baile na casa de lorde Hambury não me sinto bem. — John
Elkin respondeu, franzindo as sobrancelhas. Sabia que tinha de se declarar naquele
momento, senão perderia a coragem. — Felicity, eu a amo. Você é para mim a
pessoa mais querida. É o desejo do meu coração.
— John... — Havia lágrimas em seus olhos.
— Por favor, ouça tudo o que tenho a dizer. Eu sei que dois anos atrás você não
estava apaixonada por mim e talvez ainda não esteja. Mas, doce Felicity, juro que
dedicarei todas as horas dos meus dias a fazê-la feliz. — John levantou-se, tirou do
bolso do casaco um estojo, foi para o lado de Felicity e abaixou-se, ficando apoiado
em um dos joelhos. Abriu o estojo revelando um anel de noivado com um diamante
de dez quilates. — Espero que agora você compreenda que a estimo profundamente
e me considere à altura de ser seu marido. Case comigo, querida Felicity.
Atônita, ela olhou para o precioso anel. Lágrimas desceram-lhe pelas faces. John
prendeu a respiração esperando pela resposta.
— Imaginei que se este momento chegasse, eu não hesitaria, querido John. — Ela
acariciou o rosto dele. — Achei que eu diria "sim" de imediato ao melhor homem que
já conheci. Mas... enganei-me. John, não mereço sua estima.
Cada palavra que Felicity pronunciava fazia o coração de John sangrar um pouco,
deixando-o arrasado. Ele fechou os olhos.
— Perdoe-me, John. — Felicity levantou-se e saiu correndo do camarote, deixando
para trás um homem destruído.
Como cavalheiro, ele devia ir atrás dela. Quis levantar-se, mas não teve forças.
Porém, ficou tranqüilo, sabendo que a carruagem dela estava a pouca distância dali,
onde havia muita gente e ela estava segura. Ele, no entanto...
Por fim, John voltou a sentar-se na sua cadeira, olhou para o anel refulgente e
fechou o estojo com força, esperando manter sua dor trancada dentro da caixa de
veludo negro.
Por quanto tempo ficou sozinho, não saberia dizer. Sentindo-se sufocado naquele
pequeno espaço, afastou a pesada cortina azul e saiu para o ar frio da noite.
Chegando à sua carruagem, ordenou ao cocheiro:
— Toque os cavalos.

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— Para onde, milorde?


— Meu clube.
Quando eles se aproximavam da St. James Street, John mudou de idéia. Não queria
que os amigos o vissem tão deprimido. Decidiu passar no seu gabinete, em
Whitehall.
— Pare — ordenou ao cocheiro ao avistar os prédios do governo.
Eram duas da madrugada, mas certamente haveria alguém no Ministério do Exterior.
Mesmo que não houvesse, ele poderia ler sua correspondência. O trabalho seria
ótima distração. Desceu do landau e logo viu o guarda-noturno.
— Boa noite, milorde.
— Boa noite.
O som de suas botas hessianas ecoou no corredor deserto. Ao se aproximar de sua
sala, viu uma claridade sob a porta e abriu-a, devagar. Perplexo, viu um homem
moreno mexendo na sua escrivaninha. Ele reconheceu o jovem lorde e soube
imediatamente que à sua frente estava o traidor cuja identidade eles tentavam
descobrir havia bastante tempo.
De repente um tiro ecoou, John caiu no assoalho e tudo ficou escuro.
A carruagem seguia rapidamente pelas ruas de Londres, na direção de Whitehall. O
conde de Wessex leu pela segunda vez a mensagem que tinha recebido.
Milorde,
A lady em questão saiu de casa vestida como criada, foi ao Whitehall, onde ainda
está. Aguardo suas instruções, perto da entrada do prédio do Ministério do Exterior.
Atenciosamente, Sr. Brown
Assim que a carruagem do conde estacionou junto da calçada, o detetive saiu das
sombras da noite.
— Onde está ela? — A voz do conde soou ríspida.
— Lá dentro. Só pude segui-la até aqui. O guarda não me deixaria entrar.
— Certo. — Aidan bateu no ombro do detetive. — Continue vigiando. Se ela sair
antes de mim, detenha-a.
— Perfeitamente, milorde. Aidan apresentou-se ao guarda.
— Sou o conde de Wessex. Já estive em alguns ministérios acompanhando meu
cunhado, o duque de Glenbroke, e preciso que me autorize a entrar em um dos
gabinetes.
— Desculpe, mas devo perguntar por que deseja entrar num dos prédios, milorde.

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— Bem, há uma lady envolvida. É tudo o que eu posso dizer. O homem deu um
sorriso malandro, mas voltou a ficar sério.
— Entendo. Pode entrar.
— Obrigado.
Uma vez no prédio, Aidan percorreu os corredores sem saber por onde começar a
procura. Ao passar por uma porta viu que estava entreaberta e empurrou-a. Ficou
atônito ao ver John Elkin caído, no meio de uma poça de sangue. Ele ajoelhou-se e
ergueu o corpo do amigo.
— John!
Os olhos do ferido abriram-se.
— John, quem atirou em você?
Lorde Elkin tentou falar, mas uma golfada de sangue saiu de seus pulmões. Aidan
apertou o amigo contra o peito e segurou a mão dele, tentando transmitir-lhe um
pouco de sua força. Mas logo soube que não podia salvá-lo.
— Não, John! Não! — Aidan falou, entre lágrimas.
John estava gelado e não respirava mais. O conde deitou-o carinhosamente no
assoalho. A dor por ter perdido o amigo foi substituída pela raiva.
Onde ela está?
Aidan correu pelo labirinto de corredores e, ao chegar à entrada do prédio, falou em
tom severo:
— Lorde Elkin foi assassinado em seu gabinete. Já que você não o protegeu em
vida, trate de proteger o corpo dele.
— Sim, sim, milorde — tornou o guarda, aterrorizado. Indo para a rua, Aidan
perguntou rispidamente ao sr. Brown:
— Onde ela está?
Notando a roupa do conde suja de sangue, e o ódio impresso nos olhos, o detetive
respondeu, cauteloso:
— Está... na sua carruagem, milorde. Ela saiu do prédio há poucos minutos.
Aidan entrou na carruagem e fechou a porta com violência.
— Sua vadia! — acusou-a e agarrou-a pelos cabelos. Alarmada ao ver o estado em
que o conde se encontrava,
Celeste gritou, mais de medo do que de dor.
Logo a mão de Aidan relaxou. Ele compreendeu que também era culpado da morte
de John Elkin. Devia ter vigiado lady Rivenhall bem de perto. Devia tê-la contido.

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Pegou a bolsa que ela segurava, tirou de seu interior a adaga e a pistola e gritou
para o cocheiro:
— Para casa!
A carruagem pôs-se em movimento. Lady Rivenhall ficou muda e encolhida em um
canto, certa de que um gesto seu, ou uma palavra pronunciada, desencadearia
sobre ela a ira do conde.
Assim que a carruagem parou, ele tirou lady Rivenhall do veículo sem a menor
delicadeza e entrou em casa.
— Mande preparar meu banho — ordenou ao mordomo, ignorando o espanto e a
preocupação nos olhos do velho.
Quando ia subindo a escada arrastando lady Rivenhall, ela tentou protestar.
— O que foi...?
— Cale-se! Estou me contendo para não espancá-la! — Aidan trovejou e continuou a
subir os degraus.
Entrou em seu quarto, soltou o pulso de lady Rivenhall, e ela caiu sentada no tapete.
Ele tirou a gravata, o casaco, o colete e a camisa de seda encharcados de sangue e
foi jogando as peças na direção de lady Rivenhall. Ela olhou para ele e perguntou,
além de confusa, indignada:
— O que aconteceu?
— Poupe-me! Não me venha com seu teatro. Chega de mentiras. Sua falsa!
Enquanto falava ele foi tirando as botas, os calções e, por fim as ceroulas. Notando
que a traidora tinha virado o rosto, a fúria dele aumentou. Queria que ela visse o
sangue de John, o homem que ela havia assassinado.
Indo até ela, que já estava de pé, puxou-a para o outro cômodo.
— Você vai dar banho em mim.
Achando mais prudente obedecer, lady Rivenhall ajoelhou-se do lado da banheira e
começou a esfregar o conde. Pouco depois, perguntou novamente:
— O que aconteceu? De onde veio todo o sangue de sua roupa? A mulher era
mesmo uma mentirosa, ele pensou. Odiava-a pelo que tinha feito, porém odiava-se
ainda mais por não ter evitado que ela fizesse mais uma vítima.
— Minhas roupas ficaram sujas porque segurei o homem em quem você atirou. Ele
morreu nos meus braços.
Lady Rivenhall empalideceu.
— Que homem? De quem está falando?
— John Elkin.

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Lady Rivenhall levantou-se num salto e cobriu a boca com as mãos para abafar um
grito de desespero.
— Não — ela murmurou com lágrimas nos olhos.
— Guarde sua representação para o tribunal, milady. — Aidan saiu da banheira e
ficou diante de lady Rivenhall. — Você pode enganar muita gente, mas nós dois
sabemos quem você é. Uma inimiga. Uma traidora.
— Não, eu... não fui responsável...
— Não? — Aidan puxou a blusa do vestido que ela usava. — E o que foi fazer no
gabinete de lorde Elkin, vestida desse jeito? Suponho que tenha usado esse traje de
criada para entrar no ministério alegando que ia fazer a limpeza.
As lágrimas rolaram pelo rosto lívido de lady Rivenhall.
— Eu não vi lorde Elkin.
— Que lágrimas fingidas são essas? — Aidan empurrou-a contra a parede. — Não
acredito que esteja chorando pelo homem que acabou de assassinar.
— Não! Eu não o matei!
Ela sentou-se no assoalho, passou os braços ao redor das pernas, apoiou a cabeça
nos joelhos e chorou convulsivamente. Cansado daquela encenação, Aidan
ordenou-lhe:
— Já chega. Vá para a cama.
Ele tirou um robe do guarda-roupa, vestiu-o e deitou-se do lado de lady Rivenhall.
Pela manhã iria entregá-la às autoridades. A traidora não poderia mais fazer mal a
ninguém.
Celeste fingiu que dormia, porém estava desperta, observando o conde por entre as
pálpebras semicerradas. Deitado de costas, ele tinha as mãos cruzadas sob a
cabeça e olhava fixamente o baldaquino de brocado que cobria o enorme leito.
Depois de muito tempo, não suportando mais aquele silêncio, ela tocou de leve no
peito dele. Imediatamente ele virou-se e agarrou-a pelo pulso. Sabendo quanto ele
sofria, Celeste acariciou o rosto dele com a mão que estava livre. Ele prendeu esse
pulso também. Não se importando, Celeste inclinou-se e deu-lhe um beijo suave na
boca.
Muito devagar, Aidan soltou-a. Sem interromper o beijo, ela massageou os largos
ombros do conde e correu as mãos ao longo do corpo musculoso. Levantando a
cabeça, pressionou os lábios no pescoço dele, depois no peito. Pretendia com essas
carícias ternas apenas confortá-lo, aliviar sua dor, mas ele abraçou-a e passou a
beijá-la e acariciá-la com igual suavidade.

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Quando deu por si, Celeste estava deitada novamente e o conde olhando para ela,
cheio de desejo. Ela ofereceu-se a ele que, tornando-se ousado, explorou seus
recantos mais íntimos antes de possuí-la. Seu ritmo lento tornou-se aos poucos mais
intenso, alucinado, provocando em Celeste espasmos, tremores, gemidos de prazer.
Ele apertou-a nos braços e a manteve bem junto dele até que sua respiração tornou-
se mais lenta. Ela queria reter, aquele momento para sempre.
Então, de modo tão inesperado que a assustou, o conde deixou-a como se ela o
estivesse queimando. Saiu da cama, pegou o robe, abriu uma porta e desapareceu,
deixando-a sozinha no quarto enorme, frio e escuro.
Uma hora depois, impecavelmente vestido, o conde de Wessex entrou no quarto,
deixou uma grande caixa sobre a cama e avisou Celeste:
— Suas roupas. Sairemos dentro de meia hora.
Ele afastou-se e Celeste seguiu-o com o olhar, preocupada. A expressão do conde
estava mais sombria do que nunca. E aonde ele iria levá-la?
A voz de uma criada interrompeu-lhe os pensamentos.
— Seu banho está pronto, milady.
Só então Celeste notou a jovem criada que acabara de colocar sobre uma mesa a
grande bandeja com o desjejum. Levantando-se, seguiu a moça até o banheiro e
entrou na água morna cheirando a lavanda. Quando terminou, voltou para o quarto
enrolada na toalha. Ficou atônita ao ver a criada tirando da grande caixa cor-de-rosa
as roupas que o conde lhe trouxera. A anágua era de seda branca, enfeitada com
renda chantili e o vestido, confeccionado em musselina de um lindo tom azul, tinha
rosinhas ao redor do decote.
Terminando de vestir-se, com a ajuda da criada, Celeste consultou o relógio e
alarmou-se.
— Devo descer em dez minutos. — Ela voltou-se para a moça. — Por favor, penteie
meus cabelos enquanto eu como alguma coisa.
Ela tomou chá, comeu uma torrada com geléia e ainda teve tempo de escrever um
bilhete para Marie. Dobrou o papel e entregou-o à criada que terminara de prender o
último grampo nos lindos cabelos loiros.
— Por favor, faça com que esta mensagem seja entregue nesse endereço.
Faltando um minuto para terminar o prazo estipulado pelo conde, Celeste estava no
hall de entrada.
—Você é pontual — o conde observou laconicamente ao vê-la.
Ela saiu da casa e subiu na carruagem sem a ajuda dele. Quando o viu sentado no
banco à sua frente, sentiu o coração bater mais forte. Aidan Duhearst estava
encantador usando casaco preto e colete dourado com grandes botões de
Projeto Revisoras
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Samantha Saxon – Adorável Espiã
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esmeralda combinando perfeitamente com aqueles extraordinários olhos verdes.


Entretanto, sua expressão era severa.
— Para onde está me levando?
— Vou entregá-la ao coronel Lancaster, do Ministério do Exterior, para ser
interrogada — ele respondeu, num tom glacial.
— Não! — Celeste protestou, em pânico.
Se ficasse presa, o traidor não seria apanhado. Seus anos de trabalho na França se
perderiam... homens morreriam... Não! Ela era muito valiosa para a Grã-Bretanha.
Não podia ser detida, muito menos condenada. Em sua mente havia um turbilhão.
Tinha de encontrar um meio de fazer com que o conde mudasse de idéia.
Pensou em seduzi-lo, mas rejeitou a idéia e decidiu apelar para a piedade.
Impulsivamente, ajoelhou-se diante dele.
— Por favor, eu imploro para não fazer isso. Se é apenas desejo o que sente por
mim, prometo ser sua. Mas, em nome de Deus, não quero morrer.
O conde ficou perplexo diante daquela falta de dignidade. Nunca imaginou que uma
mulher tão valente fosse capaz de se humilhar daquele jeito. Agarrando-a pelo
braço, falou com desprezo:
— Levante-se!
Com um movimento brusco, atirou-a no assento.
A carruagem parou logo depois. O conde saltou para a calçada e ajudou Celeste a
descer do veículo, simplesmente para não causar uma cena, não por delicadeza.
Segurou o braço dela com força e subiram juntos os largos degraus do prédio do
Ministério do Exterior.
Desesperada, Celeste tentou mais uma vez demover o conde do seu propósito.
— Por favor, escute-me. Você não tem idéia do erro que está cometendo.
Ele parou e olhou para ela com ar de regia autoridade.
— Sei exatamente o que estou fazendo. Se eu a tivesse detido há mais tempo, lorde
Elkin ainda estaria vivo.
— Não tenho nada a ver...
— Quieta!
Eles entraram num dos corredores do grande prédio e não tinham andado muito
quando ouviram uma voz familiar.
— Wessex! — Lorde Falcon estendeu a mão ao conde. — Há quanto tempo não o
vejo. Creio que desde o casamento do duque e da duquesa de Glenbroke. Certo?
— Acredito que sim — Wessex respondeu, ansioso para continuar caminhando.

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Samantha Saxon – Adorável Espiã
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Lorde Falcon olhou para Celeste hão dando a menor demonstração de conhecê-la.
— E quem é sua acompanhante?
— Esta é lady Rivenhall, milorde. Se nos der licença... Celeste fez uma graciosa
mesura.
— Milorde.
— Encantado — tornou o velho.
O conde começou a andar pelo corredor congestionado, sempre segurando no
braço de Celeste. Lorde Falcon acompanhou-os.
— Eu ia tomar o café-da-manhã com meu sobrinho. Vocês não gostariam de
conhecê-lo?
— Sinto muito, milorde...
— Ah, aqui estamos! Entrem — o velho falou alegremente, ignorando o protesto do
conde.
Esperou que os dois entrassem e fechou a porta. Celeste viu que aquele não era o
gabinete de lorde Falcon. Indo até a escrivaninha de carvalho, ele esmurrou-a.
Desde que conhecia o educadíssimo lorde, aquela era a primeira vez que Celeste
presenciava tal demonstração de raiva.
— Em nome de Deus, o que está fazendo aqui?
Confuso, o conde olhou para lorde Falcon e percebeu que ele dirigia-se a lady
Rivenhall.
— Lorde Wessex obrigou-me a acompanhá-lo. Ele pretende entregar-me às
autoridades.
— O que deu em você, Wessex? — Falcon vociferou. — Você foi informado que não
havia nada contra lady Rivenhall. Você não faz idéia do mal que cometeu. Sentem-
se.
Falcon indicou o sofá para Celeste e o conde, e sentou-se numa poltrona.
— Bem, Wessex, parece que não me resta alternativa senão explicar a situação.
— Ele não acreditará no senhor — Celeste advertiu lorde Falcon.
— Conheço lorde Wessex, minha querida, e sei que ele não é homem de deixar que
as emoções obscureçam seu julgamento. Ele entenderá tudo assim que a nossa
posição for esclarecida. — Lorde Falcon voltou-se para o conde. — Lady Rivenhall
trabalha para mim como agente. Ela obtém informações dos franceses e as manda
para nós.
A expressão do conde era de incredulidade.

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— Com todo respeito, milorde, mas lady Rivenhall tem o poder de iludir os homens.
Ela faz com que eles acreditem em tudo o que ela diz.
— Exatamente. Foi por isso que a recrutei. Lady Rivenhall tem passado informações
importantíssimas para nós nos últimos quatro anos.
Celeste sentiu que os olhos do conde estavam fixos nela, mas manteve a cabeça
baixa, refletindo com um misto de pesar, raiva e desgosto sobre o que tinha sido
obrigada a fazer.
—Lady Rivenhall é uma agente inglesa e amante de Napoleão?
— Sim. Ela é a nossa maior colaboradora. Só para dar dois exemplos, ela passou-
nos os planos de batalha dos generais franceses, o que nos garantiu as vitórias em
Fuentes de Onoro e Albuera.
Wessex olhou para Celeste, em seguida, levantou-se e foi até a janela. Apoiou a
mão no peitoril e curvou a cabeça. Falcon continuou.
— Sim, milorde, não fosse por lady Rivenhall você teria morrido na península. Isto
sem mencionar a sua fuga. Com os diabos, quem você acha que lhe deu aquela
chave?
— Isso não explica por que lady Rivenhall está na Inglaterra — volveu o conde,
continuando de costas para Falcon e lady Rivenhall.
— Descobrimos que há um traidor neste ministério. Há vários meses o homem vem
passando informações aos franceses. Havia cinco nomes na lista dos lordes
suspeitos e chamamos lady Rivenhall para vir para a Inglaterra investigá-los antes
de lorde Wellesley realizar um ataque definitivo na península, o que está previsto
para daqui a duas semanas;
— Como lady Rivenhall explicou ao imperador sua saída da França?
Lorde Falcon riu.
— Como você disse, ela faz um homem acreditar no que ela diz. Lady Rivenhall
convenceu Napoleão de que a idéia de ela vir para a Inglaterra a fim de obter
informações tinha sido dele.
— Entre esses cinco homens suspeitos de traição estava lorde Elkin?
— No início, sim. Mas logo descobrimos que não havia nada contra ele. O rapaz era
leal e incorruptível. — O velho suspirou. — Ele foi morto quando entrou em seu
gabinete e surpreendeu o traidor mexendo em sua escrivaninha. O melhor meio de
vingar sua morte é descobrir o bastardo que o assassinou. Lady Rivenhall tem
apenas duas semanas para investigar os suspeitos remanescentes e você vai ajudá-
la nessa tarefa.
— O quê? — O conde virou-se depressa.

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— Meu rapaz, o tempo está correndo e, francamente, é seu dever ajudá-la. Esse
traidor não pode continuar passando informações que causarão a morte de milhares
de soldados ingleses. Homens do lado de quem você lutou.
Wessex cerrou os punhos.
— Não fale de coisas sobre as quais o senhor nada sabe!
— Ah, sei muito bem quantos homens perdemos na península, milorde. Eu mesmo
perdi um neto em Vimeiro. Não vou permitir que outros homens morram porque
deixei de cumprir meu dever para com a Coroa.
— Eu já fiz o meu dever, milorde. Encontre outro para ajudar sua agente — declarou
o conde. Virando-se, saiu do gabinete.
— Wessex vai voltar atrás, minha querida — afirmou lorde Falcon carinhosamente,
tendo notado a frustração de Celeste. — Há quanto tempo você está apaixonada
pelo rapaz?
— Como? Apaixonada? Não gosto de lorde Wessex. Lorde Falcon presenteou
Celeste com um sorriso indulgente.
— Minha querida lady, não fui nomeado para o cargo que ocupo por acaso. — O
digno cavalheiro ficou de pé sobre as pernas trêmulas. — Você está apaixonada por
lorde Wessex, e isso já faz algum tempo.
— Asseguro-lhe que está enganado, milorde. E não se preocupe com a recusa de
lorde Wessex. Prefiro trabalhar sozinha.
— Sei disso, mas, depois do acontecimento desta noite, quero que alguém a ajude,
Celeste. Goste você ou não, seu destino e o de Wessex estão interligados.
— Como pretende convencer o conde a colaborar, lorde Falcon? O idoso cavalheiro
sorriu e ofereceu o braço a Celeste.
— Prometo, querida lady, que vencerei este intrigante jogo de xadrez.
O conde de Wessex passou o dia completamente inquieto e confuso. Cavalgou
durante horas, bebeu demais e, no fim da tarde, foi ao clube de tiro Manton's e pediu
ao criado suas pistolas de duelo. Quando as recebeu, tirou-as do estojo de veludo e
admirou-as. Eram obras-de-arte. O mecanismo de prata esterlina tinha sido
perfeitamente polido.
O criado carregou as armas e conduziu o conde ao salão. Aidan ocupou seu lugar
na fila. Ergueu o braço, mirou o alvo e atirou, mas, infelizmente, atingiu o alvo de
lorde Deaver, que treinava do seu lado. O cavalheiro olhou atônito para Wessex,
mas não fez nenhum comentário.
— Desculpe, amigo — disse Aidan, e pegou a segunda pistola. Desta vez apontou
para o próprio alvo. Apertou o gatilho e atingiu a parede a uma distância de uns
sessenta centímetros acima do seu alvo.
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— Francamente, milorde, você é o pior atirador que já conheci. Então não sabe que
deve apontar para a marca preta no centro do alvo?
Reconhecendo a voz sarcástica do duque de Glenbroke, Aidan olhou para trás.
— Sim, Alteza. Mas agora, quer fazer o favor de desaparecer para eu voltar a me
divertir?
— Não acho bom você continuar aqui, milorde.
— Por que não?
— Em primeiro lugar, porque você cheira a uísque a cinco metros de distância e não
tem chances de acertar num landau, quanto mais no seu alvo. Em segundo, porque
está sendo uma ameaça para todos os presentes. Lorde Deaver, por exemplo, pa-
rece muito assustado.
Lorde Deaver sorriu e concordou com o duque.
— É verdade. Pensei em me abaixar quando Wessex disparou o segundo tiro.
— Vamos, caro cunhado. Vim buscá-lo para jantar em casa.
— Longe de mim recusar seu gentil convite. — Aidan entregou as pistolas para o
criado. — Obrigado, Alfred. Terminei por hoje.
O duque apertou o ombro de Aidan e provocou-o:
— Você pode andar ou quer que eu o carregue?
Aidan olhou carrancudo para o cunhado grandalhão e desferiu:
— Não sei por que minha irmã decidiu casar com você. Gilbert de Clare riu.
— Também não sei.
Depois do jantar, a duquesa de Glenbroke deixou o irmão e Gilbert conversando e
saiu da sala. Aidan aceitou a terceira xícara de café e, quando os criados se
afastaram, perguntou enfurecido ao cunhado:
— Você sabia de tudo, não?
— Bem, lorde Falcon contou-me a verdade sobre lady Rivenhall há pouco tempo.
Ele tinha de manter a identidade dela em segredo para protegê-la.
— E você sugeriu que eu a seduzisse, seu miserável.
— O que você queria que eu dissesse? Como poderia imaginar que ela era uma
agente inglesa? Entenda, Aidan, lady Rivenhall precisa...
— Não! — Aidan protestou antes de o duque terminar a sentença.
Glenbroke perdeu a paciência.
— Você deve a vida a lady Rivenhall, Aidan. Agora, mais do que nunca, ela precisa
de proteção, uma vez que esse traidor demonstrou que é também um assassino.
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— Por que eu?


—- Você já sabe quem é ela e reconhece a importância de sua missão. Não entendo
a razão de sua resistência.
— Esqueça o assunto, Gilbert.
— Muito bem, lorde Wessex. Você está afastado do seu posto, mas continua sendo
um oficial a serviço de Sua Majestade, correto?
— Ah, seu desgraçado...
O duque levantou-se, tirou do bolso do casaco um documento lacrado e declarou
solenemente:
— Em nome de Sua Majestade Real, o Príncipe Regente, eu, duque de Glenbroke,
ordeno-lhe que dê assistência a lady Celeste Rivenhall na sua missão como agente
britânica, enquanto for necessário.
Aidan arrancou o documento da mão do cunhado e rasgou-o. Ficou em pé, curvou-
se diante do duque e saiu da sala batendo a porta. Gilbert de Clare sentou-se e
tomou calmamente seu conhaque.
Sarah veio ao encontro do marido e sentou-se no seu colo.
— Pelo modo como Aidan saiu, a conversa não foi agradável.
— Eu já esperava essa reação dele.
— A culpa não é sua. Aidan vai se recuperar.
— Creio que não.
— É claro que meu irmão voltará atrás. Afinal, lady Rivenhall salvou a vida dele. No
momento, ele está decepcionado porque todos o enganaram. Mas isso passará em
poucos dias.
— Engana-se.
— Por que diz isso?
— Porque seu irmão está apaixonado por lady Rivenhall.
Lady Appleton levantou-se e ia sair do quarto, mas parou ao ouvir vozes. Juliet e
Sarah conversavam.
— Como está Felicity? — Sarah perguntou, preocupada.
— Nada bem. — Lady Pervill suspirou. — Ela se culpa pela morte de lorde Elkin.
Repete o tempo todo que, se não tivesse recusado seu pedido de casamento, ele
não teria ido ao ministério e estaria vivo.
— Acredito que fazia parte dos planos dele ir a Whitehall, de qualquer jeito.
— É o que eu penso. John era muito dedicado ao trabalho.

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Felicity afastou-se da porta e, ao voltar para a cama, olhou para a mesinha onde
estava a bandeja com seu desjejum e sentiu náuseas.
Como não se culpar pela morte de John? Conhecia-o muito bem e tinha certeza de
que ele fora a Whitehall naquela noite fatídica porque ficara arrasado e tentara
distrair-se com o trabalho.
Ela deitou-se e cobriu o rosto com a colcha para afastar dos olhos o sol da manhã.
Infelizmente, não podia afastar da lembrança as últimas palavras de John Elkin. Ele
lhe oferecera o coração e, mais uma vez, ela o recusara.
Por que não aceitara seu pedido de casamento? Por que não tivera coragem de
dizer "sim"? John seria ótimo marido. O que fizera era imperdoável, pensou,
debulhando-se em lágrimas novamente.
Um leve ruído a fez sentar-se na cama, atenta. Ouviu então um barulho mais forte
vindo da sacada. Levantou-se, afastou a cortina e abriu a porta de correr. Viu a um
canto uma caixa amarela com um ramo de flores preso na tampa. Curiosa, pegou a
caixa, levou-a para a cama e abriu-a.
Em seu interior estava um gatinho alaranjado tendo um laço de fita azul-anil
amarrado ao redor do pescoço. O animalzinho abriu e fechou os lindos olhos azuis
por causa da claridade.
Felicity tirou o minúsculo gatinho da caixa e encostou-o no rosto, sentindo a maciez
do seu pêlo. Ouvindo um fraco miado, sorriu, apesar da tristeza.
Devolveu o filhote à caixa e notou que em um canto havia um bilhete. Pegou-o e leu
as poucas linhas.
Há poucas semanas este animalzinho não existia e, dentro de poucos anos, ele não
mais estará entre nós. Assim é a vida. Aproveite os momentos que vocês estiverem
juntos e lembre-se dele com carinho, quando tiver partido, porque não somos nós
quem escolhemos o tempo que ele irá viver.
Lágrimas brilharam nos olhos de Felicity. Apesar de o bilhete não estar assinado, ela
sabia que tinha sido escrito por lorde Christian St. John. Reconheceria aquela letra
em qualquer lugar.

Capítulo IX

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A viúva duquesa de Glenbroke ofereceu um jantar e foi arranjado para que lady
Rivenhall se sentasse à direita de lorde Ferrell. Ele reconheceu-a e deu o mais lindo
dos sorrisos.
— Como vai, lady Rivenhall? Espero que não tenha tido mais problemas por causa
de encontrões, tornozelos torcidos e pacotes amassados.
Celeste olhou cheia de admiração para o atraente cavalheiro. A pele bronzeada
contrastava com os dentes muito brancos, no queixo determinado havia uma
covinha e os olhos castanho-escuros eram orlados por cílios tão longos e espessos
que causariam inveja a qualquer mulher. O cavalheiro mostrou-se envaidecido com
aquele exame atento de suas belas feições.
— Não, lorde Ferrell, desde que nos encontramos no Pall Mall, de maneira tão
deselegante, não tive problemas como aqueles.
— Está incrivelmente linda, lady Rivenhall. Sua beleza é estonteante.
— Não deve fazer elogios tão exagerados, milorde.
— Eu disse a verdade.
Houve uma pausa para eles saborearem a deliciosa sopa-creme de lagosta e,
depois, ovos de codorna com caviar. Quando terminaram, lorde Ferrell perguntou:
— Gosta de teatro?
— Gosto muito. Entretanto, o que mais aprecio são as obras-de-arte. Tenho uma
coleção em minha casa, na França, mas é modesta.
— Você sabia que minha mãe era uma condessa italiana, de Veneza?
— Não — Celeste mentiu.
— Mamãe colecionava obras-de-arte de vários países da Europa e trouxe tudo para
a Inglaterra quando se casou com meu pai. Você gostaria de conhecer minha
coleção?
— Isso me daria um grande prazer.
— Quinta-feira estará bem para você? Jantaremos juntos, depois eu lhe mostrarei
minhas obras-de-arte.
— Infelizmente, tenho um compromisso na quinta-feira. Mas amanhã estarei livre.
— Ótimo. Amanhã, às sete.
— Ficarei contando as horas — Celeste falou com um brilho sensual no olhar.
Conseguira o convite para entrar na casa de lorde Ferrell. Não acreditava que ele
fosse Lion, o traidor, mas tinha quase certeza de que ele colaborava com o inimigo.
Bem, na noite seguinte teria suas respostas.

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Agora podia saborear aqueles pratos deliciosos e requintados com o fervor que eles
mereciam, pensou, voltando-se para o apetitoso filé de salmão ao molho de
alcaparras colocado à sua frente.
Ao entrar na catedral de braço com o marido, para o enterro de lorde Elkin, Sarah
sentiu o coração apertado. Era difícil conformar-se com a morte de um homem tão
jovem, honrado e bondoso como John Elkin.
O casal ocupou seu lugar na primeira fileira de bancos. Em seguida, um cavalheiro
todo vestido de preto sentou-se do lado de Sarah. Era o visconde DunDonell. Ela
sorriu para ele e apertou-lhe a mão discretamente, dando-lhe as boas-vindas. Sabia
que Daniel tinha ido à Escócia, não apenas para cuidar das propriedades da família,
mas também para conseguir no norte fundos tão necessários para a campanha
peninsular.
— Como vai, Daniel? — perguntou o duque ao ver o amigo.
— Bem, Alteza. — Abaixando mais a voz, Daniel acrescentou:
— Não sei o que deu em Christian St. John para trazer a esta cerimônia a viúva
mais falada de nossa sociedade.
— Segundo Christian, lady Hamilton conhecia bem lorde Elkin — Sarah comentou.
— Lady Hamilton "conhece" metade dos cavalheiros da cidade — falou o visconde.
— Inclusive você? — Sarah alfinetou.
— Não. Mas, sem dúvida, alguns dos meus irmãos.
— O duque de St. John percebeu que o filho só quer provocá-lo. Christian é um bom
rapaz, só precisa amadurecer um pouco — apontou o duque.
— É verdade. Ele tem sido ótima companhia para lady Appleton — completou Sarah.
— Você sabia que Felicity...
Reinou na catedral completo silêncio. Todos se levantaram quando o bispo ocupou
seu lugar atrás do altar ornamentado e deu início ao ofício fúnebre.
O conde de Wessex foi até a viela onde ficavam as cavalariças dos moradores do
quarteirão. Assim que o viu, o cocheiro, que o aguardava, abriu a porta do landau,
esperou que ele se acomodasse e tocou os animais. Deu a volta e parou na frente
da casa de lady Rivenhall. Ao olhar para a grande porta de madeira envernizada, o
nervosismo do conde aumentou. Não via Celeste desde aquela manhã, depois do
assassinato de lorde Elkin, e não sabia qual seria sua reação ao revê-la.
Devia sentir gratidão pela mulher que arriscara a vida para salvá-lo, não aquela raiva
incompreensível que rugia em seu peito toda vez que pensava nela. Lady Rivenhall
tinha mentido para ele, certo, mas fizera isso pelo bem do país. Portanto, merecia
dele toda admiração.

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Lady Rivenhall apareceu à porta e Aidan quase ficou sem ar. Ela era como uma jóia
de rubi na noite escura de Londres. Seu vestido vermelho era bordado com pedras
que brilhavam como diamantes.
Entrando na carruagem, Celeste sentou-se na frente do conde e observou:
— Está usando roupas pretas. Muito bem.
— Segui as ordens à risca.
Lady Rivenhall ergueu a cabeça altivamente.
— Lembre-se de que não pedi sua proteção, milorde. — Ela entregou uma folha de
papel ao conde. — Este é um esboço dos cômodos da casa. Jantarei com lorde
Ferrell às sete, depois ele irá me mostrar suas obras-de-arte. Reviste apenas o
andar térreo, começando pelo escritório. Deixe o quarto e os outros cômodos do
andar superior por minha conta.
— E os criados?
— Sei por experiência que todo homem dispensa os criados logo após o jantar, caso
tenha a intenção de levar uma mulher para a cama — declarou Celeste com
cinismo. — Estamos quase chegando. Não esqueça, milorde, deve cuidar apenas do
andar térreo. Quando eu terminar a minha parte, farei sinal para meu cocheiro.
— Não pense que vou ficar na carruagem esperando pela sua volta, sabendo que
você pode estar em perigo.
— Exijo que você vá para a carruagem assim que terminar sua busca. Lembre-se de
que eu o trouxe comigo porque lorde Falcon me obrigou a aceitar sua ajuda, milorde.
A carruagem parou. Celeste desceu do veículo e entrou na casa de um dos
aristocratas mais devassos da cidade.
Frustrado, Aidan aguardou um instante antes de sair para a escuridão. Andou rente
à parede da casa e, quando chegou à janela da sala de jantar, agarrou-se no
parapeito e viu lady Rivenhall sentada à mesa de mogno, à direita do anfitrião.
Cerrou os maxilares ao notar que lorde Ferrell não afastava os olhos concupis-
centes da sua linda presa. O homem conhecia as mulheres e sabia como manipulá-
las para conseguir o que desejava. A vontade de Aidan era entrar na casa, tirar
Celeste dali e levá-la para junto de madame Arnott.
Mas não podia fazer isso. Sua missão era revistar a casa, a começar pelo escritório.
Desceu para o chão, foi até uma das janelas dos fundos, levantou a vidraça e entrou
em uma pequena sala. Consultou o esboço que tinha na mão, agora todo
amassado, e viu que o escritório ficava naquele mesmo lado do corredor, duas
portas adiante.
Foi até lá e acendeu o lampião que havia sobre a escrivaninha. Lorde Ferrell tinha
pilhas de relatórios, documentos, contas, tudo bem organizado. Aidan passou cerca
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de meia hora examinando aqueles papéis. No final encontrou listas dos suprimentos
que seriam embarcados para a península, estimativa das tropas, datas de partida...
Do sinete de Lion, nem sinal.
Tudo indicava que lorde Ferrell colaborava com os franceses, mas seria o traidor
que eles procuravam?
Aidan guardou os documentos no bolso do casaco, arrumou o que havia tirado do
lugar, apagou o lampião e foi para o salão de baile. Tinha começado sua busca
quando ouviu vozes. Lorde Ferrell e lady Rivenhall apareceram na outra
extremidade do cômodo. Aidan escondeu-se junto de uma das janelas, podendo
contar com a proteção da cortina e de um grande vaso de planta.
Lady Rivenhall dava pequenos passos à medida que admirava os quadros da
parede. Um retrato em especial chamou-lhe a atenção, e ela parou.
— Seus quadros são belíssimos, Anthony. Este me faz lembrar Rembrandt.
Anthony?, Aidan pensou, cerrando os punhos. Lorde Ferrell riu, envaidecido.
— É um Rembrandt, lady Rivenhall. Mas quero lhe mostrar as peças mais raras da
minha coleção. — Lorde Ferrell levou a mão de Celeste aos lábios. — Estão no
andar superior,
— No andar superior?
— Sim, no meu quarto. — O libertino inclinou a cabeça e beijou os lábios de Celeste.
Aidan sentiu o sangue ferver. Agarrou umas folhas da planta do vaso e esmagou-as.
— Eu... — Celeste pôs a mão no peito de lorde Ferrell para afastá-lo dela. — Eu
acho que não devo, milorde... Não é correto.
— Vamos subir para ver as obras-de-arte. Asseguro-lhe que não a forçarei a nada.
Lady Rivenhall cedeu e o anfitrião levou-a para o outro andar.
— Maldição! — Aidan resmungou.
Terminou de revistar o andar térreo e consultou o esboço. Localizou o quarto do
salafrário e subiu a escada de dois em dois degraus. Chegando ao corredor, andou
devagar e parou na frente da porta dupla, sob a qual havia uma tênue claridade.
Aguardou um instante, atento, esperando ouvir uma conversa abafada. Tudo quieto.
Encostou o ouvido na porta. Silêncio absoluto. Pressionou mais o ouvido contra a
madeira. Então ouviu um leve ruído. Teve a impressão de que era um roçar de tecido
no assoalho. Estaria Celeste se despindo para aquele patife?
Bem, lady Rivenhall sabia se defender. De mais a mais, ela lhe ordenara para
esperá-la na carruagem. Era o que devia fazer. Mas... e se...
Oh, Deus!

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De repente Aidan tirou a pistola do bolso, deu um chute na porta e entrou no quarto.
Ficou gelado ao ver lady Rivenhall curvada sobre lorde Ferrell que estava seminu.
— Desculpe... Eu pensei que você estivesse precisando de ajuda, mas me enganei.
Aidan virou-se para sair do quarto e Celeste chamou-o.
— Volte. Enganou-se mesmo. Preciso muito da sua ajuda, embora eu não saiba o
que está fazendo aqui, uma vez que devia estar na carruagem. Vamos, mexa-se.
Tire as calças de lorde Ferrell enquanto eu dou uma busca no quarto.
Aidan aproximou-se da cama e, vendo lorde Ferrell inconsciente e despido da
cintura para cima, entendeu o que acontecera. Acabou de despi-lo, cobriu-o com a
colcha e foi para junto de Celeste..
— Vejo que esta noite, em vez da adaga, você usou como arma aquele seu anel
com sonífero.
Ela terminara de revistar a escrivaninha e estava com uma folha de papel na mão.
— Fique quieto. Reviste as gavetas enquanto escrevo um bilhete. Temos de ir
embora antes do amanhecer.
— Bilhete?
— Isso. Um bilhete dizendo a lorde Ferrell que ele é um amante extraordinário e
agradecendo a noite maravilhosa que passamos juntos. Isso evitará que nosso
jovem lorde suspeite do seu clarete. Só não sei como explicar o estrago que você
fez na porta.
Aidan deu de ombros e riu.
— Deixe que ele pense o que quiser. Vamos sair daqui imediatamente. Encontrei
vários documentos que incriminam lorde Ferrell.
Celeste traçou um grande "C" no final do bilhete e acompanhou o conde. Eles
desceram para o andar térreo e saíram da casa pela porta de acesso à estufa.
— Que documentos você encontrou? — Celeste quis saber quando se aproximavam
da carruagem.
— Estão no meu bolso. Você poderá dar uma olhada neles durante o trajeto até sua
casa. Quero entregá-los a lorde Falcon nesta manhã.
— Nada do sinete?
— Nada.
— Pode ser que lorde Ferrell colabore com os franceses, mas não é Lion. Ele não
tocou em mim como um homem que trai seu país.
Aidan franziu a testa.
— E como o nosso charmoso lorde tocou em você, lady Rivenhall?

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— Ora, não lhe devo explicações. E quem você pensa que é para falar comigo
dessa maneira?
— Eu sei quem eu sou e acho que você não deve permitir que nenhum outro homem
toque em você. Só eu tenho esse direito.
Sem dar a Celeste a chance de responder, Aidan beijou-a possessivamente, seus
braços cercaram-na, firmes, com o propósito de prendê-la, guardá-la, protegê-la. Ela
ficou sem ar. Quando sentiu a mão de Aidan sob suas saias, tocando-lhe as partes
íntimas, gemeu e contorceu-se de prazer.
Rapidamente ele abaixou os calções e as ceroulas expondo o membro intumescido.
Puxou Celeste para junto dele, arrancou as calcinhas de renda que ela usava e
colocou-a escarranchada sobre suas coxas, penetrando-a. Fazer amor numa
carruagem estava sendo tão excitante que ambos alcançaram o clímax mais de uma
vez.
As dez da manhã, o conde de Wessex estava andando nos corredores de Whitehall,
com a cabeça nas nuvens. A intimidade com lady Rivenhall o deixara extremamente
perturbado. Na mão, ele segurava um envelope com os papéis que havia
encontrado no escritório de lorde Ferrell. Ele entrou no gabinete de Falcon e foi
atendido pelo competente funcionário do velho lorde.
— Bom dia, Cunningham. Lorde Falcon está?
— Lamento, milorde, ele saiu há poucos minutos para ir ao clube. Disse que ficaria
lá para o almoço.
— Por favor, entregue-lhe estes papéis assim que ele voltar — pediu o conde
deixando o envelope sobre a escrivaninha.
— Perfeitamente, milorde.
Saindo para o corredor, Aidan passou pela sala onde John tinha sido assassinado e
abriu a porta. Notou que a parte do assoalho manchada de sangue estava coberta
por um fino tapete. Veio-lhe à lembrança a cena da morte do amigo, e ele jurou que
não descansaria enquanto o traidor e assassino não fosse entregue à justiça para
ser enforcado.
Saindo do prédio sombrio ele olhou para o céu azul e ficou por um momento
recebendo no rosto o agradável calor do sol.
Indo para a carruagem, perguntou a si mesmo quando tudo aquilo iria terminar.
Celeste passou a manhã censurando-se por ter deixado seu corpo controlar a
mente. Fazer amor com o conde de Wessex tinha sido um erro. Mas como resistir a
um homem tão sedutor?
Droga!

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Ela afastou esses pensamentos, colocou uma gotinha de perfume atrás de cada
orelha e olhou-se ao espelho. O vestido lilás de musselina estava perfeito para ir ao
chá musical oferecido por lady Cantor. Beliscou as bochechas e virou-se para
madame Arnott.
— O landau já está na frente da casa, Marie?
— Oui. Promete ter cuidado, ma petite?
— Não se preocupe. Estarei perfeitamente segura. — Celeste sorriu, confiante, para
tranqüilizar a querida mulher. Deu-lhe um beijo no rosto e desceu a escada.
Faltavam quinze minutos para a jovem lady Emily Cantor iniciar sua apresentação
ao piano quando Celeste chegou à casa da anfitriã. Pegou um prato com diversos
quitutes e sentou-se nos fundos do salão.
Os biscoitos estavam deliciosos. Celeste comia o terceiro quando Henri Renault
sentou-se ao lado dela.
— Está atrasado — ela repreendeu-o.
Henri encolheu os ombros e deu uma mordida no sanduíche de pepino.
— Perdoe-me, lady Rivenhall. Demorei-me um pouco mais do que devia com nossa
anfitriã. Ela adora as lições que lhe dou sobre a arte de beijar — disse Henri com
cinismo. — É claro que lady Cantor nem imagina que passei a noite anterior com
sua filha.
O francês deixou o sanduíche no prato de porcelana e fez uma careta.
— Horrível. A comida inglesa me deixa doente. O que eu não daria para saborear
um bom patê.
— Por favor, monsieur, vamos ao que interessa antes que o recital comece — pediu
Celeste, impaciente.
— Está bem. O homem que você procura é alto, jovem, tem cabelos escuros, olhos
castanhos e, de acordo com a criada, é muito bonito.
— Só isso? E o nome dele?
— Ela não sabe.
— Algum brasão na carruagem?
— O homem estava a cavalo.
— Se descobrir mais alguma coisa, me procure.
— Oui.
— Agora, vá. Não quero que as ladies aqui presentes pensem que você está
tentando me seduzir.

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— Será que tenho chance?


— Nenhuma.
— Melhor assim. Terei o prazer de continuar tentando.
Henri Renault ficou de pé. Tinha nos lábios aquele sorriso sensual que deixava a
maioria das mulheres sem ar. Mas, para Celeste, o único homem capaz de perturbá-
la era o conde de Wessex com seus encantadores olhos verdes, nos quais ela tinha
visto o fogo do desejo.
O homem moreno deu três fortes batidas na porta do gabinete de lorde Wellesley e
entrou sem esperar pela autorização. Woodson lia um documento e surpreendeu-se
ao ver o visitante.
— Boa noite. Em que posso servi-lo, milorde?
— Em nada. Eu estava passando por aqui, a caminho do clube, e decidi convidá-lo
para jantar comigo.
— Não posso, há muito serviço atrasado. Vou trabalhar até tarde.
O homem moreno foi até a escrivaninha e presenteou o funcionário com um sorriso
encorajador.
— Certamente esses papéis podem esperar algumas horas, amigo.
— Eu...
— Você precisa comer. — O homem moreno contornou a escrivaninha, ficou atrás
da cadeira de Woodson e começou a massagear-lhe os ombros, passando os
polegares para cima e para baixo do pescoço. — Voltaremos logo.
O funcionário olhou para a pilha de documentos.
— Muito bem, mas não posso me demorar.
— Como queira.
— Dê-me uns minutos para arrumar esta desordem.
— Está bem.
O homem moreno caminhou para a porta e Woodson esperou que ele saísse para o
corredor. Em vez disso, o homem encostou um ombro no batente da porta, e ficou
numa posição bem provocante, chamando a atenção para as pernas musculosas,
modeladas pelos calções justos. Perturbado, o funcionário desviou o olhar. Tirou os
documentos da escrivaninha e guardou-os em armários, tendo sempre o cuidado de
trancá-los a chave.
A expressão do homem moreno era de tédio, mas ele estava atento, observando
onde os papéis eram colocados.
— Pronto — Woodson declarou poucos minutos depois.

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— Então vamos.
Os dois saíram do prédio. Quando iam atravessar a rua, Woodson pisou num monte
de estéreo de cavalo e praguejou. Enquanto raspava a sola da bota no meio-fio para
limpá-la, comentou:
— Ontem, quando eu estava saindo do ministério, um francês me perguntou se eu
conhecia um homem moreno que trabalhava no Ministério do Exterior. Ele descreveu
o senhor com precisão. Acrescentou que o tinha conhecido no baile na casa de lorde
Hambury, mas não sabia seu nome.
— Como era esse francês?
— Alto, loiro, cabelos compridos e amarrados na nuca.
— Não falei com nenhum francês naquela noite. Com certeza ele se enganou.
— Acho que sim.
Eles continuaram a andar e Woodson manteve a cabeça baixa para ver onde pisava.
Por isso não notou que o homem moreno comprimira os lábios, tenso.
O duque de Glenbroke notou pesaroso a palidez no rosto enrugado de lorde Falcon,
conseqüência do estresse causado pelo cargo que o velho ocupava. O traidor
continuava agindo e, com a partida de lorde Wellesley prevista para dali a onze dias,
a situação começava a tornar-se desesperadora.
Os dois amigos tinham terminado, a partida de xadrez semanal e estavam sentados
no escritório do duque, conversando e tomando uísque.
— Em que pé estão as investigações? — Gilbert de Clare perguntou.
— Fizemos pouco progresso. Descobrimos na casa de lorde
Ferrell provas que o incriminam. E os outros suspeitos continuam sendo observados.
No domingo, lady Rivenhall e o conde de Wessex irão dar uma busca na casa de
lorde Cantor. A família passará o dia fora e os criados terão folga.
— E se nada for encontrado?
— Lady Rivenhall voltará para a França. Precisaremos dela junto do imperador para
passar a Wellesley informações valiosas.
— Ela está a par de seus planos?
— Está. Já escreveu uma carta ao imperador e enviou-a juntamente com
informações falsas que lhe fornecemos.
— É muito arriscado. Os franceses não são tolos. A fuga de Wessex e a vitória de
Beresford já deixaram lady Rivenhall sob suspeita. Eles fatalmente a apanharão se
mandar informações a Wellesley.

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— Eu sei. — Falcon suspirou. — Mas foi ela quem pediu para voltar à França. Pediu,
não, exigiu. Ela se culpa por não ter conseguido salvar mais homens.
— Você sabe que Aidan está apaixonado por ela?
— Sei. E ela por ele. Isso torna a situação mais trágica. Mas nada podemos fazer. A
jovem lady é corajosa e determinada. Sabe que é valiosa para a Coroa. Sabe que a
Inglaterra precisará dela na França. E, na minha opinião, Alteza, esta guerra está
longe de acabar.
Marie terminava de trançar os cabelos de Celeste para ela ir deitar-se quando a
criada apareceu à porta para avisar que o conde de Wessex desejava ver lady
Rivenhall.
— Diga-lhe que pode subir, Ruth.
— Sim, madame.
Madame Arnott ficou escandalizada.
— Ele não pode entrar nos seus aposentos, Celeste.
— Francamente, Marie. Já me deitei com ele, que importância tem que ele me veja
com roupa de dormir? — Celeste argumentou, vestindo um robe por cima da
camisola.
— Não é decente.
— Ora, já fiz muitas coisas indecentes. Pode ir, Marie.
— Mas isso foi...
O conde bateu na porta e a governanta saiu do quarto, relutante. Quando ele entrou,
Celeste respirou fundo ao vê-lo tão sedutor. Ele foi direto ao assunto.
— Vim conversar sobre o que aconteceu ontem à noite.
O coração de Celeste bateu mais forte. Ela entendeu a que ele se referia, mas
procurou preservar-se.
— Presumo que você tenha levado os documentos a lorde Falcon...
— Não é sobre isso que vim falar e, sim, sobre o que aconteceu entre nós, na
carruagem. Foi um erro, Celeste.
As pernas dela fraquejaram e ela sentou-se no banquinho da penteadeira. Apertou
os lábios para evitar que eles tremessem. Em seguida falou com orgulho:
— Certamente não espera que eu me case com você depois de uma simples
aventura, não, lorde Wessex? Com você conheci os prazeres dos sentidos. Você me
ensinou muitas coisas. Na próxima vez que tiver de me deitar com um homem,
saberei satisfazê-lo. — Celeste levantou-se, pegou um livro e foi para a cama,

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Samantha Saxon – Adorável Espiã
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entrando sob as cobertas. — E, agora, gostaria que saísse. Quero ler um pouco
antes de dormir.
Aidan ficou parado, olhando para ela, perplexo.
— Tem mais alguma coisa a me dizer, milorde?
— Na verdade eu queria apenas esclarecer a... situação.
— Não é necessário.
Celeste tentou sorrir, mas tinha os cílios úmidos de lágrimas. Baixou a cabeça e
abriu o livro para esconder seu sofrimento. O conde aproximou-se da cama.
— Sinto muito, Celeste. O que eu quis dizer é que não podíamos ter nos envolvido
desse jeito.
— Eu sei — ela murmurou. Lágrimas molharam as páginas do livro.
O conde sentou-se na beirada da cama, empurrou o livro, para o lado e ergueu o
queixo dela, forçando-a a encará-lo.
— Muita coisa aconteceu entre nós. Acabamos nos envolvendo... Bem, você
trabalha para a Coroa e... terá de partir. Não podemos ficar juntos.
— Eu sei.
— Você pode morrer. — O conde beijou suavemente os lábios de Celeste.
Ela fechou os olhos, deliciada. O beijo tornou-se ardente, possessivo. Um beijo de
amante. Ela correspondeu ao beijo com a mesma paixão. Num impulso tirou o
casaco do conde, não querendo pensar em mais nada além de gozar aquele
momento de felicidade. Ele acabou de despir-se, ergueu as cobertas, levantou a
diáfana camisola de Celeste e continuou a beijá-la e a acariciá-la. Pouco depois,
estava sobre ela, com uma expressão conflituosa.
Olhou o corpo nu com tanto desejo que Celeste estremeceu e fechou os olhos.
Então ele capturou-lhe os lábios, saboreou-lhe a boca, sugou-lhe os mamilos. Suas
mãos passaram pelas curvas dos quadris, tocaram onde ela era mais mulher,
deixando-a arque-jante e úmida, pronta para recebê-lo. Sem se fazer de rogado, ele
deslizou para dentro dela.
Amaram-se profunda e intensamente como se tivessem apenas aquela noite para
viver sua paixão.
Afinal, no mundo em que viviam, o passado era só uma lembrança e o futuro uma
promessa incerta.
O homem moreno pagou o cocheiro e entrou no bordel. As mulheres sorriram para
ele com interesse. Uma bonita loira o acompanhou até uma mesa de canto, sentou-
se no colo dele e movimentou atrevidamente o traseiro redondo sobre o membro do
cavalheiro.

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— O que deseja, milorde?


— Um drinque e alguma informação — ele respondeu com um sorriso. — Tenho um
encontro com um amigo francês. Alto, cabelos loiros, compridos.
— Ah, Violet está lá em cima com ele. — A loira sentiu o membro endurecido e
começou a massageá-lo sobre o tecido da calça. — Um cara bonito. Mas não tanto
quanto você.
— Obrigado. Vá buscar dois uísques, depois eu a levo para cima e você esquecerá
todos os homens com quem já esteve.
— Aposto que sim.
A loira foi até o bar, pouco depois voltou com os drinques.
— Antes de sentar-se, traga-me um charuto — o homem moreno pediu.
Assim que a prostituta se afastou, ele despejou algumas gotas de láudano na bebida
dela. O suficiente para deixá-la sonolenta.
— Beba seu uísque — disse ele, quando ela lhe entregou o charuto. — Em seguida,
iremos para cima.
A loira tomou o uísque como se fosse água e levou o cliente para o andar superior.
— Qual é o quarto onde está meu amigo?
— Aquele. — A loira indicou o quarto da frente e abriu uma porta. — Este é o meu.
Os dois entraram no quarto e a mulher sentou-se na cama, sonolenta.
— Tire a roupa — o homem moreno ordenou. — Preciso ir ao banheiro. Onde fica?
— Fim do corredor — a mulher informou, lutando para permanecer acordada.
O homem moreno saiu para o corredor e abriu com cuidado apenas uma fresta da
porta do quarto de Violet. A prostituta estava curvada sobre a cama e lorde Renault
de pé, atrás dela, ambos nus.
O francês gelou ao sentir o cano de uma pistola encostado em sua cabeça. Afastou-
se de Violet e ergueu as mãos. Assustada, a prostituta enrolou-se no lençol e correu
para a porta.
— Não — ordenou o homem moreno e apontou para ela uma pistola menor.
Violet ficou encolhida a um canto:
— O que você quer? Veio me roubar? — perguntou lorde Renault.
— Não, monsieur Renault. Você andou se intrometendo nos meus assuntos e quero
saber por quê.
— Ah, entendi. Você era o amante de lady Davis, non? Fui contratado para
investigar a causa da morte de lady Davis.

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— E o que você disse à encantadora lady Rivenhall?


— Nada. Não me interessa saber se você matou ou não aquela estúpida. Eu queria
chegar até você para fazermos um... acordo. Nós dois trabalhamos para a França,
non?
— Está enganado, monsieur Renault. Não trabalho para ninguém.
O homem moreno puxou o gatilho e o francês tombou sobre a cama. Violet deu um
grito de horror e recebeu um tiro na testa, caindo morta no assoalho. O homem
moreno curvou-se sobre o francês com uma faca. Quando saiu para o corredor
ouviu o barulho de pessoas subindo depressa a escada. Sabia que tinham ouvido os
tiros e estavam à procura dele. Já se despindo, correu para o quarto onde havia
deixado a loira. Encontrou-a nua, quase adormecida. Ele atirou as roupas no chão e
sussurrou para a mulher:
— Abra as pernas.
Nesse instante ouviu gritos. Haviam encontrado os corpos. Segundos depois, a
porta do quarto se abriu. A excitação de estar sendo caçado era tão estimulante que
o homem moreno aumentou o ritmo de suas arremetidas e prolongou o clímax para
sentir por mais tempo a emoção do perigo.
Assim que a porta se fechou, ele explodiu dentro da mulher e caiu sobre ela, com a
cabeça aninhada entre os seios fartos. Ele sorriu, satisfeito com o sucesso do seu
plano. Entretanto, lembrou-se de que não devia arriscar-se tanto. Ergueu-se e
beliscou os seios da prostituta para acordá-la. Ainda sentia desejo. Não eram nem
duas horas da manhã e ela recebera dinheiro para servi-lo até o amanhecer.
Lady Rivenhall sentiu o corpo do conde encostado no dela e abriu os olhos. Sorriu,
contente por ele tê-la acordado antes de sair. Virou-se e o coração quase parou. O
homem que estava na cama não era o conde de Wessex. Não podia ver suas
feições porque estava escuro e um lenço cobria metade de seu rosto. Ele curvou-se
sobre ela, prendendo-a sob seu corpo.
— Não grite, lady Rivenhall, ou serei obrigado a machucá-la.
— O que você quer? — ela perguntou, apavorada.
— Conversar. Você andou se intrometendo nos meus assuntos particulares e não
tolero nenhum tipo de interferência, nem mesmo em se tratando da amante do
imperador.
Celeste fechou os olhos e tentou raciocinar. Como aquele homem podia saber quem
era ela? Então se lembrou.
— Por que você matou lady Davis?
O homem riu.
— Você é inteligente e esperta. Mas o que eu ganho se lhe contar?
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— A gratidão do imperador.
— Prefiro ter a sua.
— Jamais terá.
O homem passou a mão pela perna de Celeste.
— Não esteja tão certa disso. Mas vou satisfazer sua curiosidade. Matei lady Davis
porque a estúpida ameaçou denunciar-me se eu a abandonasse. A lady apreciava a
minha habilidade.
— E lorde Elkin? Por que o matou? — Celeste perguntou com raiva e tentou
escapar.
— Cuidado, gatinha. O que posso dizer é que John Elkin estava no lugar errado e na
hora errada. Eu queria apenas conseguir informações para seu amante, o
imperador, e John Elkin apareceu no escritório.
— O que você quer de mim?
— Muitas coisas, lady Rivenhall. Podemos, por exemplo, fazer uma aliança.
Repartiremos os lucros que obtivermos com as informações.
— O imperador é generoso. Ganho muito bem.
— O amante que a manda para a cova do leão tem mesmo de ser generoso. Mas
quanto tempo isso irá durar? Ou você gosta do perigo?
— Solte-me, ou o imperador ficará sabendo deste incidente. Quanto à sua proposta,
não estou interessada. Trabalho sozinha.
— Trabalha mesmo? Pois eu acho que não deve rejeitar minha proposta. Tenho um
presente para você. — O homem colocou uma caixinha na mão de Celeste. — Na
próxima vez que quiser me investigar, escolha uma pessoa competente.
— O que está querendo dizer?
— Não faz duas horas, meti uma bala no cérebro de Henri Renault. — O homem
curvou-se sobre Celeste, deu-lhe um beijo no pescoço e saiu da cama. — Nos
veremos em breve, lady Rivenhall.
Trêmula, Celeste viu-o atravessar o quarto e sair pela sacada. Virando-se, pegou o
castiçal que estava sobre a mesa-de-cabeceira e acendeu a vela. Abriu a pequena
caixa e sentiu náuseas ao ver o que continha: uma mecha de cabelos loiros sujos de
sangue.

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Capítulo X

Aidan terminou o desjejum e abriu o The London Times. A leitura do jornal o ajudaria
a não pensar nas horas que tinha passado com Celeste. Ele abriu as páginas
financeiras.
O Bloqueio Continental decretado por Napoleão, em 1806, determinava que todos
os países europeus fechassem seus portos para o comércio coma Inglaterra, e isso
tinha gerado, uma crise na Grã-Bretanha.
O preço das mercadorias tornara-se exorbitante, havia falta de alimentos e as
classes mais pobres começavam a se rebelar.
Uma notícia dizia que dois dias antes os franceses tinham atacado um navio
carregado de suprimentos por ter tentado romper o bloqueio. Aidan fez uma pausa
para calcular se o trigo e a aveia que cultivava nas propriedades que tinha em
Wessex seriam suficientes para alimentar todas as famílias que trabalhavam para
ele. Pegou um papel e começou a fazer seus cálculos.
De repente, lembrou-se de um detalhe e voltou à notícia do jornal.
No dia vinte os franceses atacaram um navio com suprimentos..., ele releu.
Tudo ficou claro em sua mente. Em um dos documentos encontrados no escritório
de lorde Ferrell, havia uma tabela mencionando as datas das chegadas e partidas
dos navios. A partida desse navio com suprimentos estava programada para o dia
vinte, exatamente. Isso queria dizer que o traidor já havia passado a informação
quando os documentos foram tirados de seu escritório.
"Nós o encontramos, desgraçado", Aidan disse a si mesmo.
Levantou-se da cadeira, ansioso para falar com Gilbert de Clare.
O duque de Glenbroke admirou o cavalo branco, irlandês, que tinha comprado e
esperou que o preparador o levasse ao paddock. Só então saiu do mercado
Tattersall's com o conde.
— O que há de tão urgente para você andar à minha procura no meio da tarde,
Aidan?
— Nós o pegamos.
— Sério? Vocês encontraram o traidor? E o sinete de Lion?
— O sinete, não.
— Então como pode ter certeza de que o homem é o traidor?

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— Lorde Ferrell tinha em seu poder a lista dos navios que iam chegar e sair do país.
Sabemos que todos os navios daquela lista que transportavam suprimentos foram
interceptados. O último foi atacado no dia vinte. Ou seja, anteontem. O que me diz
disso?
— Você acha que lorde Ferrell já tinha vendido as informações quando vocês deram
a busca na casa dele?
— Não há outra explicação possível.
— Se for assim, temos o nosso homem.
— Temos o nosso homem.
O conde desmontou, entregou as rédeas do animal ao cavalariço e ia entrar em
casa, quando um mensageiro veio correndo ao encontro dele e perguntou:
— O senhor é o conde de Wessex?
— Sou.
— É para o senhor. — O menino entregou uma carta ao conde. Ele atirou uma
moeda de prata para o garoto que saiu pulando.
Aidan entrou em casa e rompeu o selo da carta. A letra era de Celeste.
Prezado lorde Wessex,
Eu lhe agradeceria se pudesse vir a minha casa o mais depressa possível. Nossa
investigação tomou um rumo imprevisto e não sei o que devo fazer.
Atenciosamente, C.

Alguma coisa séria devia ter acontecido, Aidan pensou, o coração batendo
acelerado. Não conseguia imaginar uma situação que lady Rivenhall não soubesse
resolver. Desceu depressa os degraus e foi atrás do cavalariço a quem entregara
seu cavalo.
Em dez minutos estava na casa de lady Rivenhall. Ao vê-la, ficou ainda mais
preocupado do que já estava. As fundas olheiras denunciavam que ela não havia
dormido.
— O que aconteceu? — ele perguntou, passando os braços ao redor dos ombros de
Celeste.
A mulher corajosa, comandante de tropas, patriota inglesa, encostou a cabeça no
peito dele, completamente arrasada. Aidan repetiu a pergunta:
— O que aconteceu, Celeste?
— Ele entrou no meu quarto esta madrugada, depois que você saiu.

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— Quem?
— O homem que matou lady Davis e John Elkin — Celeste falou com voz quase
inaudível.
O coração de Aidan quase parou.
— Ele tocou em você? Machucou-a?
— Tocou em mim, mas não me machucou. Propôs-me uma aliança. — Celeste
hesitou. — E me deu isto.
Ela entregou a caixinha a Aidan. Ao ver o que continha, ele ficou confuso.
— Uma mecha de cabelos com sangue... Não entendo. Os cabelos são seus?
— Não. Pertenciam a um colaborador francês, Henri Renault. O homem atirou nele.
A culpa foi minha. Pedi a Henri para descobrir quem tinha matado lady Davis.
— Não se culpe, Celeste. Renault era um espião francês.
— Era um homem, Aidan. Um ser humano. O que é a guerra, meu Deus! Henri
considerava-se um patriota. Eu gostava dele.
— Tem razão. Perdoe a minha insensibilidade. — Aidan beijou o rosto de Celeste. —
Agora, deite um pouco e relaxe. Preciso sair, mas espero não me demorar.
— Aonde você vai?
— Ao Ministério do Exterior. Vou falar com Falcon sobre a prisão de um certo lorde.
Quando eu voltar terei novidades.
Lorde Falcon sentou-se no banco dá carruagem de aluguel, na frente de Celeste.
Eram duas horas da manhã.
— Obrigado por atender, mais uma vez, ao meu chamado, em hora tão imprópria,
lady Rivenhall.
— Não se preocupe. Eu sei que todo cuidado é pouco, milorde.
— Bem, nós gostaríamos que você desse uma busca na casa de lorde Cantor como
foi planejado. Entretanto, talvez seja uma busca inútil, uma vez que prendemos lorde
Ferrell.
— Há provas de que ele seja mesmo o traidor?
— Quer prova maior do que os ataques dos franceses aos navios que levavam
suprimentos para a península? Nos documentos que vocês encontraram na casa
dele havia um com a lista de todos os navios que iam partir da Inglaterra.
— Tenho minhas dúvidas. Lorde Ferrell não me pareceu o tipo de homem... —
Celeste lembrou-se da noite em que havia jantado com lorde Ferrell. Não. O homem
não podia ser um assassino — Ele admitiu ter matado lady Davis e lorde Elkin?

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— Não. Lorde Ferrell negou todas as acusações apresentadas contra ele. — Lorde
Falcon inclinou-se e segurou a mão de Celeste. — Eu sei que é difícil acreditar. Mas
tenho visto inúmeras vezes homens tímidos se revelarem assassinos. E uma mulher
com beleza angelical pode ser... uma espiã para a Coroa.
— Sim, mas um homem honesto é quase sempre apenas um homem honesto.
Lorde Falcon recostou-se novamente no assento.
— Você acha que nós cometemos um erro prendendo lorde Ferrell?
— Não é isso. Estou insegura. Duvido que ele seja o Lion. Afinal, o sinete não foi
encontrado.
— Correto. É claro que vamos continuar com nossas investigações. O último
suspeito da lista é lorde Cantor. Mas, graças ao que vocês encontraram na casa de
lorde Ferrell, Wellesley poderá atacar o inimigo com a vantagem da surpresa.
— Saber disso é confortador. Partirei mais tranqüila.
— Está decidida a ir embora na próxima semana?
— Estou.
— Já contou a ele?
O coração de Celeste ficou apertado.
— Não.
— Você não precisa ir, se não quiser. Já fez muito pela Coroa, lady Rivenhall.
— A guerra continua. Serei útil na França.
— Temos outras mulheres trabalhando para nós.
— Alguma delas ocupa a alta posição que ocupo? Tem os mesmos privilégios?
— Você sabe que não. Você é especial. Mas desta vez será capturada. Já se expôs
demais — o velho lorde falou com tristeza.
— Eu sei que as chances de eu ser apanhada são agora bem maiores.
Lorde Falcon sentou-se ao lado dela e beijou-a na testa.
— Não vá embora sem me dizer adeus — disse ele e desceu da carruagem.
Celeste assentiu com um movimento de cabeça, mesmo sabendo que não teria
coragem de despedir-se de lorde Falcon.
Vestidos como criados, o conde de Wessex e lady Rivenhall entraram na casa de
lorde Cantor e foram diretamente ao escritório. Ela conseguiu abrir a gaveta da
escrivaninha e virou-se para Aidan.
— Enquanto você revista este cômodo, vou para o andar de cima.

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Aidan sentou-se na cadeira de couro e começou a examinar os papéis que ia tirando


das gavetas. A ordem e o cuidado com que o barão de meia-idade mantinha suas
contas, e aplicações, sua correspondência e seus documentos, impressionaram-no.
Meia hora depois, Celeste estava de volta.
— Encontrou alguma coisa? — ele perguntou.
— Nada. E você?
— O sinete, não. Mas veja isto. — Aidan entregou a Celeste uma folha de papel.
Ela franziu a testa ao dar uma olhada no que estava escrito.
— Carvão... enxofre... Parece o relatório sobre mineração. —- E isto? — Aidan
entregou-lhe outro papel.
—Datas do transporte do material das minas para um armazém, perto das docas.
Tudo legal, não?
O conde sorriu satisfeito consigo mesmo, grato pelos conhecimentos adquiridos em
Oxford.
— Esse material é usado na fabricação de pólvora. Nosso laborioso barão deve
estar negociando munição com os franceses.
— Será? Nesse caso, lorde Falcon deve ser informado imediatamente. Ele saberá
que providências tomar.
— Lamento, milady. Recuso-me a sair por aí usando a libré de lorde Cantor.
— Aposto que você deixaria os dândies morrendo de inveja. Poderia até lançar a
moda. — Celeste riu. — Vamos passar em casa, onde você deixou suas roupas.
Minutos depois Aidan reuniu-se a Celeste na sala de estar.
— Lorde Cantor foi o último da lista de suspeitos — ele começou. —Vamos entregar
os documentos a lorde Falcon e nossas investigações terminaram, certo?
— Certo. Portanto, não preciso mais de sua proteção. Nossa associação terminou.
— Nossa associação terminou? O que está querendo dizer?
— Você prefere que eu diga "nosso romance", ou "nosso affair”? Seja como for, esta
será a última vez...
Aidan interrompeu-a não querendo ouvir as palavras que se seguiriam.
— Se você está zangada porque ontem à noite eu falei sobre a minha preocupação
em oficializar o nosso envolvimento...
— Não estou zangada com você. É que... eu vou partir. Õ coração de Aidan parou.
— Partir? Para onde?

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Samantha Saxon – Adorável Espiã
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— Vou voltar para a França. Minha missão aqui era descobrir o traidor. Ele está
preso. Quando lorde Wellesley iniciar seu ataque, vai precisar de informações que
só eu poderei conseguir.
Aidan sentiu-se paralisado. Mal podia respirar.
— É suicídio, Celeste.
— Ir para o campo de batalha também é. Você esteve em Albuera. Sabe disso. Já
escrevi para o imperador.
— Quando pretende partir? — Aidan perguntou, sentindo a garganta apertada.
— Embarco na sexta-feira.
— Daqui a cinco dias?
— Sim.
— Por que está fazendo isto? — Aidan aproximou-se de Celeste, mas ela deu um
passo para trás.
— Por que você lutou por seu país?
— Eu não estava fugindo. E você está.
— Ah! Fugindo de quê?
— De mim. — Aidan abraçou Celeste e beijou-a com todas as emoções que estava
sentindo: raiva, confusão, desejo.
Ela entregou-se nos braços dele. Subitamente, empurrou-o.
— Você é mesmo arrogante. Lembre-se, temos de ir...
— Case comigo, Celeste.
— Não posso. — Ela virou-se e caminhou para a porta. Aidan adiantou-se e
impediu-a de sair.
— Não vá para Paris, Celeste. Você já fez sua parte. Já se arriscou demais pela
Coroa. Fique aqui. Fique comigo — ele sussurrou.
Celeste estava de costas e Aidan percebeu que ela estava chorando. Ele insistiu.
— Você me salvou uma vez. Case comigo e me salve de novo.
— Carinhosamente, ele fez com que ela se virasse. Fechou os olhos e puxou-a para
junto do peito. — Diga sim, Celeste.
— Sim... — ela murmurou soluçando.
— Que falta de eloqüência! — Aidan riu. — Mas já basta. Agora vá dizer a madame
Arnott que você não vai ser mais uma espiã e, sim, uma condessa. Conversaremos
pela manhã, quando você estiver descansada.

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Samantha Saxon – Adorável Espiã
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Celeste movimentou a cabeça, assentindo, e afastou-se, deixando Aidan sozinho e


feliz. Ela escolhera permanecer na Inglaterra... com ele, apesar de seu dever
chamá-la de volta à França. Ela salvara-lhe a vida, perseguira-o em seus sonhos e
agora iria dormir do lado dele todas as noites. Eles tinham sido feitos um para o
outro. Soubera disso na primeira vez que tocara nela.
Aidan pegou o chapéu, os documentos e saiu para a rua ensolarada.
— Para Whitehall — ordenou a seu cocheiro.
Era domingo, mas ele sabia que lorde Falcon estaria em seu gabinete. E sozinho,
sem lorde Cunningham. Durante o trajeto Aidan considerou que lorde Falcon não
receberia de bom grado a notícia de que iria perder sua melhor espiã.
Em poucos minutos estava sendo atendido pelo velho lorde. Entregou-lhe os
documentos encontrados na casa de lorde Cantor e falou sem rodeios:
— Lady Rivenhall e eu terminamos as investigações. Eu sei que estava planejado
para ela voltar à França, mas ela desistiu da viagem.
Os olhos de lorde Falcon estreitaram-se.
— Por que motivo, milorde?
— Ela aceitou meu pedido de casamento.
Lorde Falcon deu um lago sorriso, levantou-se, e apertou a mão de Aidan.
— Eu tinha certeza de que podia confiar em você, meu rapaz. Firme como uma
rocha. Achei que seria obrigado a forçar lady Rivenhall a permanecer na Inglaterra
contra sua vontade.
Aidan piscou, achou que não tinha entendido bem.
— Está feliz porque vamos nos casar?
— Se estou feliz? Ora, rapaz, por que você acha que o forcei a ser parceiro de lady
Rivenhall nas investigações? Eu sabia que, desde a noite em que você a descobriu
no baile, na casa de lorde Reynolds... Bem que a jovem lady ficou perturbada.
Percebi que ela sentia atração por você.
— Como? Eu não fui nem um pouco gentil, pois achei que ela fosse uma espiã
francesa.
— Lady Rivenhall o admirou por isso. Ela entendeu que sua atitude era orientada
por profundo sentimento de lealdade e patriotismo. Vocês formam um par perfeito.
— Um par perfeito. — Aidan riu. — Sim, acredito que formamos.
— Então, quando será o dia feliz?
— Ainda não falamos sobre isso.

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Samantha Saxon – Adorável Espiã
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— Ouça o conselho deste velho, rapaz. As mulheres arranjam motivos tolos para
adiar o casamento. Querem esperar pela estação perfeita para as flores, pela
confecção do vestido... Mas seja firme. Três meses no máximo. Sua irmã é uma que
vai lhe causar problemas.
— Como sempre.
— Posso imaginar. Agora volte para junto de sua noiva e a proteja dos perigos. E
não falo só dos perigos que fazem parte do dia-a-dia de uma agente. Uma mulher
bonita pode ser perseguida pelos conquistadores da sociedade até o dia do
casamento... e mesmo depois.
Um forte e repentino sentimento de posse tomou conta de Aidan. Ele levantou-se e
disse antes de deixar o gabinete:
— Asseguro-lhe, milorde, que não terei dificuldade em proteger a mulher que amo.
Lorde Falcon riu e sentou-se na sua poltrona, atrás da escrivaninha.
— Conde de Wessex. Firme como uma rocha...
Sarah atirou-se nos braços do irmão.
— Oh, Aidan, estou tão feliz por você! Um casamento no Natal! Será perfeito. Não
teremos nem seis meses para providenciar tudo. Mas daremos um jeito.
— Três meses, Sarah. — Aidan corrigiu a irmã.
— Três! — ela gritou.
— Dois, então.
— Aidan, não estou preocupada apenas com os preparativos para o casamento.
Celeste esteve na França durante anos e precisa ser apresentada novamente à
sociedade — Sarah argumentou.
— Querida, seu irmão tem pressa, o que é compreensível — Gilbert de Clare
interveio. — A ocasião exige um drinque.
O duque serviu ao cunhado seu melhor brandy.
— Parabéns, Aidan.
— Por favor, Aidan, Gilbert e eu queremos, pelo menos, ter o prazer de anunciar seu
noivado durante o nosso baile, na quarta-feira — Sarah insistiu.
Notando a ansiedade nos olhos da irmã, Aidan cedeu.
— Está bem, querida irmã. Vou falar com Celeste. Se ela aprovar a idéia, nosso
noivado será anunciado na quarta-feira à noite. Então você poderá cuidar dos
preparativos.
— Três meses! Francamente, Aidan, todos irão pensar que você foi obrigado a se
casar com lady Rivenhall.

Projeto Revisoras
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Samantha Saxon – Adorável Espiã
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— Talvez seja isso mesmo — disse Aidan para provocar a irmã.


A duquesa ficou boquiaberta e o marido riu.
— Vejo que minha esposa está querendo fazer-lhe perguntas embaraçosas.
Portanto, responda, Aidan: Você está sendo ou não, obrigado a se casar às
pressas?
— Três meses. É o que eu tenho a dizer — tornou Aidan, sorrindo, deixando a irmã
ardendo de curiosidade. Até quarta-feira, Sarah. — Ele curvou-se diante do duque.
— Alteza.
Durante duas tardes a duquesa de Glenbroke esteve ocupada discutindo com a
futura cunhada os detalhes sobre a festa de noivado. Queria saber quais eram as
flores preferidas da noiva, que jóias gostaria de usar, como seria o baile, qual o
compositor favorito. Mas para Celeste a parte mais agradável dessas reuniões era
ouvir Sarah falar sobre sua vida e a do irmão.
Desde garoto, Aidan fora muito amoroso, mas nem por isso deixava de fazer
travessuras e de inventar modos horríveis de torturar a irmã mais nova. Com a morte
do pai preparara-se com disciplina rígida para assumir as responsabilidades
inerentes à sua posição como herdeiro do título de conde de Wessex e das pro-
priedades deixadas pelo pai. Já adulto, desejando seguir os passos do pai, tornara-
se oficial da cavalaria de Sua Majestade.
— Aidan foi ferido inúmeras vezes. Esperávamos que ele voltasse para casa depois
da primeira batalha. — Sarah suspirou. — Albuera foi a pior delas, claro. Quando
retornou, ele teve dor de cabeça durante meses.
Só de pensar que a Inglaterra perderia um homem como o conde de Wessex,
Celeste sentiu um tremor. A duquesa percebeu essa emoção e voltou a falar sobre o
baile de noivado.
Nervosa, Celeste engoliu depressa a segunda dose de uísque, mastigou um
galhinho de menta e aguardou a entrada do noivo com um sorriso nos lábios. Talvez
um sorriso radiante demais. Ainda achava difícil acreditar que o legendário conde de
Wessex a havia pedido em casamento e que o noivado de ambos seria anunciado
naquela noite.
Será que merecia essa sorte? Devia aceitar esse casamento?
Além de admirar Aidan Duhearst, estava apaixonada por ele. Entretanto, não
ignorava que o conde fizera a proposta para impedir que ela retornasse à França.
Mais uma vez ele se julgara no dever de protegê-la. Oh, ele também a desejava;
sentia forte atração por ela. Mas desejo não era amor...
A porta abriu-se e Aidan entrou na saía. Usava casaco verde-escuro, calça justa e
botas pretas. Estava irresistível. Ele sorriu deixando Celeste toda trêmula.

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—- Boa noite, lady Rivenhall — ele cumprimentou-a, fazendo uma reverência


elegante.
— Boa noite, milorde — Celeste respondeu, sentindo-se pequena, frágil e
vulnerável.
E se Aidan estivesse infeliz? Ou arrependido por ter agido impulsivamente?
Mas o sorriso dele e seu olhar não revelavam arrependimento. Pelo contrário.
— Está linda, Celeste. — Ele abraçou-a e beijou-a. — Hum... Menta. E... brandy?
— Uísque — Celeste corrigiu-o.
— Preciso identificar melhor o seu sabor — disse ele, apertando-a bem junto do
peito e voltando a beijá-la sofregamente.
Ela sentiu o membro tocando-lhe o quadril e fechou os olhos, entregando-se ao
prazer daquele momento, sonhando com a vida que eles poderiam ter juntos. Queria
casar-se com Aidan Duhearst. Sempre sonhara com uma família grande e com uma
casa num lugar tranqüilo.
Pensou no pai e lágrimas nublaram-lhe os olhos. Seus filhos nunca iriam conhecer
os avós.
Aidan olhou para ela, preocupado.
— Você parece triste. O que aconteceu?
— Eu estava pensando em meu pai. Ele não estará presente ao nosso casamento.
— Nem o meu — Aidan falou, uma sombra toldava seus olhos.
— Sarah me disse que o pai de vocês morreu em combate.
— Sim. Depois da morte de minha mãe, meu pai juntou-se ao exército e lutou contra
os franceses. Ele comandou um dos batalhões que atacaram a vila de Lincelles,
onde morreu. Na época eu estava com dez anos e Sarah com seis.
— Eu sei como é difícil perder pessoas que amamos. Ah, se pudéssemos...
A emoção e as lembranças impediram Celeste de continuar. Tinha a voz embargada
e os olhos molhados de lágrimas. Aidan a manteve no círculo de seus braços.
— Não se culpe pela morte de seu pai. Você não podia salvá-lo. Em compensação,
salvou tantos outros ingleses — ele murmurou.
Celeste mal conseguia respirar. Aconchegou-se ao peito de Aidan e fechou os olhos,
agradecida. Pela primeira vez, em todos aqueles anos, sentiu que as palavras dele
tocaram a parte escura de sua alma, enchendo-a de luz.
— Obrigada, Aidan.
Ele enxugou-lhe as lágrimas e ofereceu-lhe o braço.

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— Alegre-se, querida. A noiva não pode aparecer no salão com o nariz vermelho
como uma framboesa.
Celeste esboçou um sorriso e seguiu com Aidan para a festa do noivado de ambos.
Em poucos minutos a carruagem parava na frente da mansão do duque e da
duquesa de Glenbroke, na Grosvenor Square.
Aidan deu a mão a Celeste e quando subiam os degraus de entrada, preveniu-a:
— Sarah gosta de fazer suspense, adora segredos e surpresas. Por isso, não
estranhe se ela ficar controlando Gilbert e só permitir que ele anuncie nosso noivado
quando perceber que todos os convidados estão na maior expectativa.
— Eu jamais pensaria em atrapalhar os planos da duquesa de Glenbroke —
respondeu Celeste, distraidamente.
O fato de saber que nessa noite, seria o alvo das atenções a estava deixando
agitada. Aidan apertou-lhe a mão para infundir-lhe confiança e recebeu um sorriso
agradecido.
Eles entraram no hall e Celeste ficou maravilhada, sentindo seu queixo tremer.
Rosas cor-de-rosa, de todos os tons, cobriam as colunas de mármore.
— O que foi? — Aidan perguntou, ao vê-la parada, boquiaberta.
— Rosas cor-de-rosa são as minhas flores prediletas — ela explicou, mal podendo
falar, pois sentia um nó na garganta.
— Então você gostou? Vamos ao salão de baile.
Nova emoção aguardava Celeste. Centenas de velas acesas nos enormes
candelabros de cristal austríaco iluminavam o imenso salão de baile, que podia
acomodar toda a sociedade londrina. Espalhados pelo salão havia magníficos
arranjos com rosas cor-de-rosa.
— Que maravilha! — ela murmurou.
— Nada disso se compara à sua beleza — tomou Aidan, galante.
A orquestra começou a tocar a valsa do compositor predileto de Celeste e ela viu-se
nos braços do noivo. Eles dançaram em silêncio, sempre se fitando, cada um vendo
o desejo impresso nos olhos do outro. A orquestra parou de tocar e, não se
contendo, Aidan sussurrou:
— Por Deus, Celeste, quero levá-la para a cama. Encontre-me na ala oeste, em
meia hora. Terceira porta à esquerda.
Ele deixou Celeste na companhia de lady Pervill e lady Appleton e saiu do salão.
Para Celeste os minutos pareciam se arrastar. Conversou com Juliet e Felicity,
dançou uma quadrilha com o duque, uma valsa com lorde Reynolds e, finalmente,
chegou o momento de ir ao encontro de Aidan. Subiu depressa para o segundo

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andar e entrou no quarto onde ele devia esperá-la. Não vendo ninguém, deduziu que
tinha sido a primeira a chegar. Estava distraída quando a porta se fechou às suas
costas e Aidan pressionou-a contra a parede.
Suas bocas se encontraram, suas línguas se entrelaçaram num embate
desesperado. Fazendo uma pausa para respirar, Aidan puxou Celeste até um sofá e
sentou-se, deixando-a em pé entre as pernas dele. Suas mãos inquietas
introduziram-se sob as saias dela, acariciaram-lhe as pernas e atrás dos joelhos.
— Tire a calça e arregace as saias — ele pediu, com a respiração entrecortada. Ao
mesmo tempo, abaixou as próprias calças e as ceroulas.
Rapidamente Celeste livrou-se da peça íntima.
— Venha — Aidan chamou-a, exibindo para ela o membro teso.
Puxando-a pelas nádegas, colocou-a sentada sobre suas coxas e foi puxando-a
para baixo, devagar, ambos se fitando, sentindo o prazer de cada centímetro da
penetração. Quando Celeste achou que a penetração tinha sido completa, ele
impeliu com força o quadril para cima deixando-a sem fôlego. Ele fechou os olhos,
gemeu e abriu-os de novo.
— Cavalgue-me, Celeste.
De início ela não soube ao certo o que fazer. Apoiou tentativamente os joelhos no
sofá e moveu os quadris para cima e para baixo, arrancando de Aidan gemidos e
suspiros de prazer. Confiante, passou a girar os quadris ao mesmo tempo que os
levantava e abaixava. O prazer de ambos tornou-se ainda maior. Ele segurou-a
pelos quadris para que suas arremetidas e as dela tivessem o mesmo ritmo. E nessa
sincronia, seus movimentos tornaram-se acelerados, febris. No momento do êxtase,
fecharam os olhos, ficaram abraçados experimentando sucessivas ondas de gozo.
Por fim, ela levantou-se.
— Creio que não poderei esperar três meses. Não consigo ficar longe de você, nem
deixar de acariciá-la — disse Aidan.
— Dois meses, então. Está bem?
— Um mês.
— Sua irmã terá um ataque.
— Pode ser que ela atire alguma coisa em mim. — Aidan deu um beijo em Celeste.
— Há um banheiro anexo ao quarto de vestir. Vou até lá e saio pela porta da sala
íntima. Assim que você se arrumar, encontre-me no salão de baile.
— Está bem.
Minutos depois, Celeste estava no banheiro, e alguém a agarrou por trás, puxou-a
para a sala íntima, e tapou-lhe a boca com a mão, impedindo-a de gritar.

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— Quietinha. Não vou lhe fazer mal. Precisamos conversar, lady Rivenhall. Eu lhe
disse que entraria em contato com você novamente.
Acabando de falar o homem vendou Celeste.
— Não temos nada a dizer um ao outro.
—Temos, sim. Mas, antes de tratarmos de negócio, quero dizer que admiro sua
técnica. Se você é capaz de satisfazer um conquistador como o conde de Wessex,
de fazê-lo gemer daquele jeito, deve ser muito habilidosa. E assim que consegue
suas informações?
Celeste sentiu náuseas só de pensar que o homem ouvira suas intimidades com
Aidan.
— O que você quer?
— Como eu disse quando estive no seu quarto, quero que se junte a mim. Com seu
poder de persuasão e os meus contatos, teremos nas mãos pessoas que nos
poderão ser muito úteis.
— Como eu disse na ocasião, trabalho sozinha.
— Sim, eu sei. Mas por que trabalhar dobrado? Podemos dividir os esforços e
multiplicar os lucros.
Celeste ficou um instante em silêncio só para causar suspense. Depois respondeu:
— Não!
— Acho que você deve saber que estou prestes a conseguir uma informação que
me tornará muito rico.
— Então, por que precisa de mim?
— Você é a espiã de Napoleão. Quero que o imperador fique sabendo que fui eu
quem descobriu toda a estratégia de combate de lorde Wellesley.
Celeste ficou gelada e sem ar.
— Está mentindo.
— No final da semana os planos de ataque do almirante estarão comigo.
O coração de Celeste disparou só de pensar que milhares de homens morreriam se
o traidor tivesse sucesso.
— O imperador o recompensará regiamente por tal informação, milorde.
— E de você, lady Rivenhall, que recompensa terei? — O homem inclinou-se e
roçou os lábios nos de Celeste.
Ela ergueu a cabeça altivamente e representou o papel que vinha representando
naqueles quatro últimos anos.

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— Sou a amante de Napoleão, não de um inglês.


— E quanto ao conde de Wessex?
— Ele me é útil.
— Pelo que ouvi, posso imaginar de que modo ele lhe útil. Muito bem. Encontre-me
amanhã à noite nas ruínas de Holborn. Oito em ponto.
O homem não era tolo. As ruínas ficavam em uma colina desabitada e, caso alguém
se aproximasse do lugar, seria fácil eles se esconderem atrás das velhas paredes.
O homem continuou:
— Quero cinco mil libras por ano e uma fazenda na França em troca das
informações sobre a estratégia de lorde Wellesley e as datas de partida dos navios.
— Preciso me certificar de que as informações são verdadeiras. -— Claro. E leve
consigo os documentos assegurando que terei a recompensa.
— Claro, lorde Lion.
Vendo que lady Rivenhall sabia quem era ele, Lion riu.
— Muito bem, lady Rivenhall, muito bem. Então você sabe com quem está lidando,
isso me alegra. — Ele segurou a mão de Celeste e deu um beijo no pulso, sobre a
luva. — Ate amanhã.
Ela ouviu o clique da fechadura e tirou a venda. Correu para a porta, abriu-a
esperando ver o traidor, mas ele havia desaparecido. Celeste andou pelo corredor,
apreensiva, franzindo a testa.
O que devia fazer?
Se contasse a Aidan o que acontecera e que iria encontrar-se com o Lion, ele
insistiria em acompanhá-la, o que poria em risco tanto a vida dele como o sucesso
da negociação. De repente uma idéia lhe ocorreu.
O pedido de casamento!
Se Lion soubesse que ela e o conde estavam noivos, tudo estaria perdido.
Sentindo a garganta apertada, desceu para o andar térreo como se tivesse asas nos
pés. Entrou no salão de baile e viu Aidan a pouca distância da irmã e do cunhado. O
duque de Glenbroke aguardava a atenção dos presentes. Ela correu para junto de
Aidan e sussurrou-lhe:
— O duque não pode anunciar nosso noivado. O conde riu.
— O quê? Está brincando?
— Por favor, impeça-o de anunciar o noivado... é importante.
— Mas...

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— Não há mais noivado... Fale com o duque... Por favor!


O desespero nos olhos de Celeste era tão evidente que o conde cedeu, embora a
contragosto.
— Está bem, lady Rivenhall. Mas o duque já se dirigia aos convidados.
— Senhoras e senhores, agradeço a presença de todos. Como vocês sabem, a
duquesa e eu estamos casados há mais de um ano... — O duque interrompeu o
discurso ao sentir o cunhado tocando-lhe o braço; curvou-se e Aidan segredou-lhe
algo ao ouvido. Gilbert de Clare franziu a testa, em seguida endireitou-se, deu um
largo sorriso e continuou: — ...Como eu estava dizendo, a duquesa e eu estamos
casados há mais de um ano e vocês têm testemunhado a nossa felicidade. Por isso,
queremos dizer-lhes que são bem-vindos a esta casa. Também queremos
agradecer-lhes por toda a demonstração de amizade e carinho que temos recebido.
E agora voltem à dança. Obrigado.
Todos aplaudiram e olharam com simpatia para o anfitrião que no momento beijava
o rosto da esposa. O que não sabiam era que Gilbert havia sussurrado a Sarah para
manter nos lábios seu mais radioso sorriso. Apesar de não entender o que estava
acontecendo, ela lhe obedeceu. Seus olhos, porém, acompanharam Celeste que
estava saindo do salão apressada e parecia nervosa.
Aidan foi atrás da noiva e alcançou-a quando ela entrou no guarda-casacos.
— Você vai embora? Por quê? Que história é essa de terminar nosso noivado? —
ele perguntou, furioso, sentindo-se traído.
Celeste colocou a mão no rosto dele.
— Aidan, eu...
— Não me toque! — Ele segurou o braço dela. — Tenho o direito de ouvir uma
explicação, lady Rivenhall. Ou devo adivinhar que motivo torpe a levou a aceitar meu
pedido?
Os olhos de Celeste ficaram inundados de lágrimas. Queria revelar o que
acontecera, queria confortar o homem que amava. Mas sabia que ele tentaria
protegê-la, pondo em risco a vida dele e a missão.
— Lamento, Aidan, mas acredito que estamos sendo precipitados. Preciso de mais
algum tempo para considerar seu pedido de casamento.
Ele deu um passo para trás como se tivesse recebido um soco.
— Como queira, milady. Mas não farei o pedido novamente.
Aidan saiu do pequeno cômodo batendo a porta. Celeste encostou-se nos casacos,
xales e echarpes que estavam pendurados.

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Você já fez sua parte. Já se arriscou demais pela Coroa, Aidan dissera; entretanto,
ela estava diante de nova missão.
E parecia que, desta vez, teria de sacrificar a única coisa que tinha realmente
importância para ela: o amor de Aidan.

Capítulo XI

Na quinta-feira, o conde de Wessex acordou às quatro da tarde com a cabeça


ameaçando estourar, resultado de haver ingerido várias doses de brandy e uísque.
Ele ordenou que lhe preparassem o banho e estava imerso na água quente quando
a porta se abriu e o duque de Glenbroke entrou no banheiro, sem a menor
cerimônia, e sentou-se numa pequena cadeira que pareceu ainda menor quando o
homem enorme equilibrou-se no assento sustentado por delicadas pernas douradas.
— O que está havendo, Aidan? Fui obrigado a ouvir as conjeturas de sua irmã a
noite toda. Quero saber o que aconteceu.
Gilbert recostou-se no espaldar da cadeira e cruzou os braços. Aidan conhecia o
cunhado o suficiente para saber que ele não se arredaria dali sem ouvir uma
explicação. A dificuldade era que Aidan também não sabia o que acontecera.
— Não tenho a menor idéia.
Gilbert estreitou os olhos e seus braços penderam dos lados do corpo.
— O que está dizendo? Como não sabe? Você está apaixonado por ela, não está?
Aidan encolheu os ombros.
— Estou. E daí? — Ele correu os dedos entre os cabelos molhados. — Foi lady
Rivenhall quem rompeu o noivado, não eu.
— Então vá atrás dela, homem!
— Vou atrás dela e faço o quê, Alteza? Arrasto-a até o altar? Ora, não vou implorar o
amor de alguém que não me quer.
— Se você a ama, Aidan, arraste-se. sobre brasas para tê-la como esposa ou se
arrependerá pelo resto de seus dias por deixá-la escapar.
Aidan saiu da água e ficou de costas para que o cunhado não visse seu desespero.

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— Obrigado pela visita, Gilbert. Quando sair, feche a porta.


O duque continuou sentado por mais algum tempo. Aidan entendeu que ele não
estava satisfeito, queria saber mais alguma coisa. Mas o que havia para ser dito?
Ele pedira uma mulher em casamento e ela o recusara. Ponto final. Isso acontecera
a tantos cavalheiros antes dele. Bem, poderia acrescentar que seu orgulho ficara
ferido, mas com o tempo ele se recuperaria.
Quanto ao coração, não podia afirmar se voltaria a ser o mesmo.
Woodson, funcionário de confiança de lorde Wellesley, já estava nos degraus de
Whitehall quando se lembrou de que não tinha pego um documento necessário para
a reunião na casa do almirante. Essas reuniões fora do gabinete eram sempre
inconvenientes para Woodson, uma vez que lhe atrasavam o serviço e
desorganizavam seu dia de trabalho, sempre rigorosamente planejado.
Resmungando uma praga, o homenzinho voltou ao escritório e, assim que abriu a
porta, parou, surpreso. Seu amigo moreno, alto e forte estava de costas, mexendo
no armário onde eram guardados os arquivos.
— O que está fazendo? — Woodson indagou, irritado. Não tolerava que
desarrumassem os documentos que ele mantinha na mais perfeita ordem.
O homem moreno virou-se, tendo nos lábios o sorriso devastador que deixava o
pequenino funcionário paralisado, embevecido com aquela beleza.
— Woodson! Ah, você chegou. Eu o procurei por toda parte. Imaginei que podíamos
jantar juntos.
Woodson franziu a testa e continuou com o olhar fixo no belo colega.
— Você me procurou? Mas eu lhe disse que teria uma reunião na casa de lorde
Wellesley na hora do almoço.
O homem moreno contornou a escrivaninha e, chegando perto do funcionário,
passou o braço ao redor dos ombros magros. O contato com aqueles músculos
vigorosos deixou Woodson meio zonzo.
— Eu não disse almoço. Eu disse jantar, amigo.
— Ah... — Woodson tentou refletir, mas a proximidade com aquele modelo de
perfeição masculina deixava-o confuso. — Por que estava mexendo nos meus
arquivos?
— Simples curiosidade. Afinal, somos colegas. — O homem moreno apertou o braço
de Woodson. — Estive pensando que poderíamos ir até aquele pub, perto das
docas.
O coração de Woodson acelerou.
— Por que você quer ir... àquele lugar?

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Inclinando-se, o belo homem sussurrou ao ouvido do funcionário, causando-lhe


arrepios.
— Você sabe por quê. O motivo é o mesmo que me levou até lá a primeira vez.
Posso estar enganado, mas acredito que nos daremos muito bem.
O pequenino Woodson mal conseguia pensar, não podia acreditar... Tentou
responder, não encontrou a voz.
— À meia-noite. Você irá?
Tudo o que Woodson conseguiu fazer foi movimentar a cabeça, assentindo. O
agradável calor e o peso do braço musculoso desapareceram de seus ombros. Ele
ouviu a porta se fechando. Vários minutos depois sua respiração tornou-se regular.
Quando saiu do escritório e a mente clareou, rugas formaram-se em sua testa. Ao
entrar na casa de lorde Wellesley, tinha o semblante carregado, o que não passou
despercebido ao astuto almirante.
— O que foi, homem de Deus? Parece que você comeu ovo choco.
— Não sei, milorde. Isto é, não tenho certeza.
— De que está falando? Quer ser mais claro?
Woodson inspirou fundo e tomou sua decisão.
— Lembra-se, milorde, daquela conversa sobre um espião que há algum tempo
vinha passando informações aos franceses?
Lorde Wellesley ficou carrancudo.
— Como eu poderia esquecer? Por causa desse traidor perdi diversas batalhas.
O leal funcionário ficou vermelho.
— Por favor, milorde, perdoe-me...
— Deixe de rodeios, Woodson, conte logo o que sabe.
— Bem, acredito que acabo de identificar o traidor. O almirante arregalou os olhos.
— Muito bem! Lorde Falcon está empenhado em descobrir esse homem e é meu
funcionário quem realiza essa proeza. Ótimo! Parabéns, Woodson! Quem é o
desgraçado?
Timidamente, Woodson disse o nome do belo colega moreno.
— Oh! Mas o homem é um herói de guerra! Matou inúmeros franceses na península
e foi até capturado! — Wellesley exclamou, incrédulo.
— Entretanto, milorde, tudo indica que é ele quem está vendendo informações...
— Bom trabalho, Woodson! Falcon tem de ser saber disso quanto antes. Se você
estiver certo, o velho lorde há de querer enforcar pessoalmente o miserável.

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— Você tomou a decisão certa, minha querida. Depois que o traidor estiver preso,
você explicará tudo a Wessex — disse lorde Falcon bondosamente.
— Tem razão — Celeste concordou por não ter outra coisa para dizer.
Não queria pensar em Aidan. Ele não a havia procurado, nem lhe escrevera exigindo
explicação. Com certeza, estava contente por livrar-se dela.
— Aqui estão os papéis que você pediu: a cessão da propriedade e ordens de
pagamento, tudo com o selo de Napoleão. — Lorde Falcon entregou um envelope a
Celeste. — Só os assine quando receber os documentos que ele quer vender. Você
já fez isso uma centena de vezes; portanto, não há necessidade de lembrá-la da
importância desta troca de documentos.
— Não o desapontarei, milorde.

— Eu sei que não. O que me preocupa é o fato de você não aceitar um


acompanhante armado.
— É perigoso. Se ele vir alguém comigo, desistirá da troca.
— Não gosto disto.
— Não tenho escolha, milorde. — Celeste levantou-se. — Tome cuidado, Celeste.
— Não se preocupe. Como o senhor disse, já fiz isto uma centena de vezes.
— Eu sei. E em todas essas vezes lamentei tê-la escolhido para missões tão
arriscadas — o velho falou com tristeza.
—Vai dar tudo certo. Voltarei assim que a troca de documentos tiver sido efetuada.
Celeste saiu do escritório mais determinada do que nunca. Identificaria esse traidor,
salvaria centenas de soldados ingleses e faria com que lorde Falcon sentisse
orgulho dela.
O conde de Wessex passou o resto da tarde daquela quinta-feira no Hyde Park,
decidido a não pensar em lady Rivenhall. Estava cavalgando na Rotten Row quando
viu Christian St. John, lorde Barksdale, lady Pervill e lady Appleton, todos a cavalo,
conversando e rindo à sombra de uma árvore. Tocou seu animal até eles e juntou-se
ao grupo de amigos.
Christian, que havia interrompido a história engraçada que estava contando, voltou a
falar, mas suas palavras foram abafadas por uma explosão a distância, seguida de
outra. Ele inclinou-se para segurar os cavalos de Juliet e Felicity quando uma
terceira explosão muito mais forte fez a terra tremer. Uma fumaça preta espalhou-se
no ar.
Os cavaleiros olharam na direção das docas, todos querendo saber o que teria
acontecido. Aidan observou a nuvem negra e, lembrando-se dos papéis encontrados

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na casa de lorde Cantor, imaginou o que acontecera. Sem pensar duas vezes, tocou
o animal na direção dos armazéns.
— Espere, Aidan, você não pode ajudar! — Christian gritou, chamando o amigo.
Aidan ignorou o chamado. Ele não ia às docas para oferecer ajuda. Algo terrível o
estava atraindo para aquele lugar. Aproximando-se dos armazéns, cobriu o rosto
com a gravata para proteger-se da fuligem. Homens e mulheres gritavam, o pânico
era geral. Marinheiros tiravam os corpos das vítimas de um dos armazéns e os
bombeiros tentavam controlar aquele inferno.
— O que aconteceu? — Aidan perguntou a um marinheiro.
— Não sei. De repente tudo foi pelos ares — o homem teve de gritar para ser
ouvido.
O fogo se alastrava rapidamente, vigas de madeira desmoronavam, vidros
estilhaçavam. Aidan parou o cavalo perto de uma carruagem com o brasão coberto
de fuligem.
— Quem é seu patrão? — ele perguntou ao cocheiro que estava pálido e
aterrorizado.
— Ele foi pra lá — o homem apontou para o armazém em chamas. — Ele me
mandou esperar.
— Quem o mandou esperar?
— Lorde Cantor. Ele... não voltou...
Houve outra pequena explosão e o cavalo de Aidan empinou, derrubando-o da sela.
Ele rolou para baixo da carruagem de lorde Cantor, evitando assim ser pisoteado
pelo animal que, assustado, saiu dali em disparada. Aidan levantou-se e começou a
andar na direção de sua casa, refletindo. Os navios mencionados na lista de lorde
Ferrell tinham sido atacados. Mas as explosões... Bem, lorde Ferrell estava preso e
não podia ter acesso às informações encontradas no escritório de lorde Cantor:
Somente três pessoas sabiam dos dois conjuntos de documentos: ele, Falcon e...
lady Rivenhall.
Preciso de tempo para considerar seu pedido de casamento.
A dor cortou-o mais aguda que a espada de um inimigo. Como Celeste pôde trair o
país e traí-lo?
Falcon. Será que lorde Falcon acreditaria nele? Claro, se ele apresentasse a prova o
velho inevitavelmente chegaria à mesma conclusão, ainda que isso lhe doesse.
Já escrevi para o imperador. Embarco na sexta-feira.

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Essas lembranças fizeram com que Aidan apressasse o passo e procurasse uma
carruagem, mas as explosões nas docas tinham deixado as ruas vazias. Todos
queriam ficar o mais longe possível daquele inferno.
Celeste o havia usado o tempo todo. Ela era ótima na sua profissão; sempre fora,
desde o primeiro instante em que seus olhos encontraram os dela, na sala de
interrogatório até agora. Quantos outros homens ela convencera de sua afeição por
eles? Quantos outros homens a haviam pedido em casamento? Quantos outros
quiseram passar o resto de seus dias dedicando-lhe amor?
Ele avistou uma carruagem de aluguel e acenou para o cocheiro.
— Hyde Park. — O homem olhou para ele com ar de suspeita. Aidan atirou-lhe uma
moeda e acrescentou: — O restante lhe darei quando chegarmos.
— Sim, milorde. — O cocheiro convenceu-se de que, apesar da aparência, o
passageiro era um aristocrata.
Chegando ao parque, Aidan deu ao cocheiro o endereço de lady Rivenhall. Minutos
depois, ele batia na porta com os punhos, em vez de usar a aldrava de bronze. O
mordomo assustou-se ao ver o sempre elegante naquele estado deplorável.
— Milorde !?
— Onde está lady Rivenhall?
— Saiu, milorde. Talvez...
Aidan empurrou o mordomo e entrou na casa chamando:
— Celeste! Celeste!
Madame Arnott desceu a escada apreensiva.
— Ela não está milorde, por favor, não grite.
— Onde ela está?
— Por que devo dizer-lhe, lorde Wessex? Vejo que está transtornado.
Aidan olhou-se ao espelho que havia no hall e assustou-se com a própria imagem.
Estava todo coberto de fuligem, tinha os cabelos desgrenhados e a roupa
amarfanhada. Com essa aparência certamente não convenceria madame Arnott a
revelar onde Celeste estava.
— Ela está em perigo, Marie.
Os olhos pálidos da governanta arregalaram-se.
— Eu tinha certeza de que Celeste corria perigo. Eu insisti para ela não ir.
— Não ir aonde, Marie?
— Às ruínas de Holborn. Ela disse apenas que tinha um encontro às oito horas.

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— Um encontro? Com quem?


— Não sei! Juro que não! Por favor, não deixe que nada lhe aconteça, milorde.
Aidan saiu correndo para a rua, acenou para a primeira carruagem que viu.
— Para o Ministério do Exterior — ele gritou.
Ele teria apenas o tempo suficiente para falar com lorde Falcon e conseguir uma
pistola antes de ir para as ruínas.
Chegando a Whitehall, ele andou pelos corredores vazios e entrou no escritório de
lorde Falcon. Encontrou lorde Cunningham debruçado sobre alguns documentos.
— Preciso falar com lorde Falcon.
— Ele não está. — Lorde Cunningham riu. — Lorde Falcon raramente aparece aqui.
— Droga!
— Será que eu posso ajudar?
Aidan olhou indeciso para o homem moreno, alto e forte com uma grande cicatriz no
queixo.
— Acredito que lady Rivenhall esteja trabalhando para os franceses.
O assistente de lorde Falcon olhou para Aidan, perplexo.
— Lady Rivenhall não pode ser considerada uma de nossas agentes — Aidan
continuou. — Neste momento ela está indo ao encontro de alguém para passar
informações sigilosas.
— Meu Deus!
— Preciso de um cavalo e uma pistola.
-— Eu o acompanho. — tornou lorde Cunningham, tirando duas pistolas da gaveta
da escrivaninha e entregando uma ao conde.
— Não é necessário que você me acompanhe.
— Eu insisto, milorde. Nunca me perdoarei se alguma coisa lhe acontecer.
Lorde Cunningham saiu da sala e voltou cinco minutos depois.
— Podemos ir.
Os dois cavalheiros montaram e partiram na direção das ruínas de Holborn.
Lorde Falcon entrou no escritório e ficou aborrecido por encontrá-lo vazio.
— Cunningham! Cunningham! Onde está o rapaz? — ele resmungou.
Sentou-se à escrivaninha e abriu sua gaveta. Não havia nela uma única folha de
pergaminho e ele precisava redigir um relatório oficial. Levantou-se e foi à sala de
seu assistente. Numa gaveta encontrou diversas folhas de pergaminho.

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Nesse momento bateram à porta.


— Entre.
A porta abriu-se devagar e Woodson, o pequenino funcionário de lorde Wellesley,
entrou no escritório.
— Woodson! Sente-se, rapaz, e espere só um instante. Lorde Falcon tirou da gaveta
as folhas de que precisava e a cera para o lacre. Pegou a chave para abrir o
compartimento onde ficavam os sinetes usados para selar os documentos oficiais e
Woodson interrompeu-o.
— Bem, milorde, o assunto que me traz aqui é urgente. Lorde Wellesley mandou-me
informá-lo que...
— Um momento, Woodson — Falcon murmurou, sua atenção voltada para o sinete
que havia encontrado no compartimento.
Nele estava a figura brilhante de um leão impressa no metal. No mesmo instante,
Woodson disse, afobado:
— Eu sei quem é o traidor...
— Cunningham! — exclamou lorde Falcon, o rosto enrugado e vermelho de ódio.
Lorde Cunningham era um dos que deviam identificar entre, os cinco suspeitos, qual
seria o traidor. Todos homens ocupando cargos de confiança, homens que Lion
sabia que tinham acesso a informações secretas. Homens cujas casas foram
revistadas e as informações trazidas justamente ao escritório de lorde Falcon, ou
seja, para as mãos de Cunningham.
De posse das informações, o bastardo as vendia para a França. Lion tinha o
atrevimento de imprimir o seu sinete de traidor, estando a poucos metros da sala do
chefe do serviço secreto inglês!
— Como o senhor sabe? — Woodson indagou, surpreso.
— Não vem ao caso. Onde ele está?
Mal acabou de falar, lembrou-se de que Celeste iria encontrar-se com o traidor às
oito horas.
— Rápido, Woodson, avise Wellesley para mandar dez soldados às ruínas de
Holborn imediatamente. Lady Rivenhall corre perigo. Se for preciso, mate
Cunningham.
Woodson deixou o escritório correndo. Falcon sentou-se na cadeira do traidor,
rezando para que a estupidez dele não custasse a vida de Celeste.
Ao chegar com lorde Cunningham às colinas na periferia da cidade, Aidan começou
a ter receio de estar cometendo um erro. Não podia acreditar que a afeição de

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Celeste por ele não tinha sido verdadeira. Ao mesmo tempo, as evidências contra
ela...
Seus pensamentos foram interrompidos pela voz de Cunningham.
— Lá estão as ruínas, milorde. Deixe que eu vou na frente — Cunningham
prontificou-se.
Desmontou e sacou a pistola.
Aidan olhou para a capela semidestruída que se destacava dos outros prédios
desmoronados. Também desmontou e seguiu lorde Cunningham,
Um cavalo pastava entre os escombros. O cavalo de Celeste. Aidan cerrou os
maxilares, deixando-se^dominar por um estranho torpor.
Quando eles entraram na parte mais alta das ruínas da capela, viram lady Rivenhall
junto de uma parede. Estava lindíssima. Seus cabelos, à luz das velas que ardiam
sobre colunas quebradas, brilhavam como ouro. Ela não escondeu seu espanto ao
ver o conde.
Ele parou e teve de se apoiar numa viga, tal sua perturbação. Lorde Cunningham,
entretanto, ergueu a pistola.
— Lady Rivenhall, viemos prendê-la por traição.
Os olhos de Celeste, que estavam fixos em Aidan, voltaram-se para lorde
Cunningham.
— O que está dizendo? Não sou traidora. Aidan não se conteve e ficou diante dela.
— Sabemos quem você é, lady Rivenhall. Seus colaboradores mataram lorde Cantor
esta tarde, quando o armazém dele foi pelos ares. E há outras evidências... Você
sabe do que estou falando.
— Aidan, eu...
— Poupe seu fôlego, lady Rivenhall. Você me fez de tolo, mas agora basta.
Grossas lágrimas rolaram pelas faces de Celeste.
— É doloroso ouvi-lo dizer isso depois do que aconteceu em Albuera... Depois do
que passamos juntos... Se você tivesse um pouco mais de confiança em mim...
Lorde Cunningham riu.
— Realmente, lady Rivenhall, você é muito boa no que faz. Eu mesmo me convenci
de que você era uma espiã francesa quando dançamos juntos no baile de lorde
Hambury.
— Ora, traidor é você! Você tinha acesso aos documentos que chegavam ao
gabinete de lorde Falcon e os negociava com os franceses. Por que fez isso? Por
que traiu seu país?

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Aidan ouviu aquilo, boquiaberto.


— Por quê? Eu lutei por este país. Matei por este país. Porém, quando fui capturado
pelos franceses, este país não quis pagar um resgate e deixou-me apodrecendo na
prisão.
— A Coroa não paga chantagistas para que libertem prisioneiros. Pagando resgates,
estaria meramente encorajando mais assaltos a cidadãos britânicos em todo o
mundo.
Os olhos de lorde Cunningham tornaram-se frios como gelo. Ele voltou-se para
Aidan como se o visse pela primeira vez.
— Que pena para esses prisioneiros, não, milorde? — Cunningham passou a mão
pela cicatriz que tinha no queixo. — Recebi isto durante um dos interrogatórios.
— Por que você matou lady Davis e lorde Elkin? — Aidan indagou.
— Lady Davis era uma informante e ameaçou denunciar-me se eu a abandonasse.
Quanto a lorde Elkin... — O homem deu de ombros. — Como eu já disse, John
estava no lugar errado e na hora errada.
Terminando de falar, lorde Cunningham apontou a pistola para Celeste e puxou o
gatilho.
— Não! — Aidan gritou.
Nesse instante Celeste caiu no chão. A blusa do vestido amarelo ficou vermelha de
sangue. Aidan avançou para o assassino, mas ele sacou uma segunda pistola e
disparou-a no conde, atingindo-o no ombro. A dor do ferimento não era nada em
comparação com o desespero que o consumia.
Cunningham tinha o mesmo peso e a mesma altura do conde e foi em cima dele,
machucando ainda mais o ombro ferido. Aidan gritou, quase cego de dor.
Aproveitando a oportunidade, o traidor apertou o pescoço do conde com força,
deixando-o sem ar. Aidan soube que ia morrer, mas não teve medo. Sua vida sem
Celeste não teria sentido. Fechou os olhos e sentiu suas forças abandonando-o. De
repente, as mãos de lorde Cunningham se afrouxaram e sua respiração tornou-se
ruidosa. O traidor tinha uma adaga atravessada em sua garganta.
Aidan levantou-se, foi cambaleando até Celeste e abraçou-a.
— Não me deixe, Celeste. Sinto muito. Os olhos dela abriram-se.
— A culpa não foi sua, Aidan. A guerra exige sacrifícios.
— Mas não o seu.
— Por que não?
— Porque a amo.

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— Também o amo.
Celeste fechou os olhos e Aidan abraçou-a.
— Não, Celeste! Fique comigo! Se você morrer, eu também morro.
Soldados entraram na capela, mas Aidan estava tão perdido na sua dor que não
ouviu o som áspero das botas em atrito com o chão de pedras, nem os viu tirando
dali o corpo de lorde Cunningham. Quando voltaram para levar Celeste, abraçou-a
com mais força. Não podia separar-se dela. Ficaria ali até que sua dor o matasse e
ele pudesse juntar-se a ela na eternidade.

Dr. Albright suspirou e voltou-se para o duque e a duquesa de Glenbroke que


aguardavam ansiosos seu diagnóstico.
— Removi a bala e fechei o ferimento. Parece que as áreas vitais não foram
comprometidas, mas lady Rivenhall perdeu muito sangue. Se não houver infecção,
saberemos pela manhã se ela sobreviverá.
— O que podemos fazer para ajudá-la? — indagou Sarah.
— Temos de aguardar. Voltarei amanhã cedo.
O médico ia sair do quarto, mas surpreendeu-se ao ver o conde de Wessex,
desgrenhado e com fúria no olhar, bloqueando-lhe a passagem.
— Vai ficar aqui, doutor! Nem pense em sair desta casa!
— Aidan! — Sarah exclamou, perplexa.
— Wessex! — o duque repreendeu o cunhado. Em seguida dirigiu-se ao médico. —
Por favor, dr. Albright, aceite minhas desculpas.
— Não peça desculpas por mim, Gilbert. Falei sério — disse Aidan.
Dr. Albright olhou cauteloso para o transtornado conde. Gilbert colocou a mão nas
costas do velho médico e conduziu-o para o corredor.
— Vou levá-lo a um dos quartos de hóspedes, dr. Albright. E não se preocupe.
Mandaremos avisar sua família que passará a noite aqui. Gostaria que o senhor
examinasse o ombro de lorde Wessex.
Os dois deixaram o quarto e Aidan foi até a cama. Sentando-se do lado de Celeste,
beijou-a na testa, segurou-lhe a mão e ficou repetindo, angustiado:
— Celeste, meu amor, perdoe-me. Por favor, perdoe-me, querida. Não me deixe.
Comovida e com lágrimas nos olhos, Sarah deixou os dois sozinhos. No corredor
encontrou-se com o marido que acabara de sair do quarto de hóspedes, onde havia
deixado o médico.
— Aonde vai? — ele perguntou, franzindo a testa.

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— Rezar.
Gilbert de Clare abraçou-a e deu-lhe um beijo na testa.
— Vou com você.
Aidan havia cochilado na poltrona onde passara a noite, e acordou com um raio de
sol batendo em seu rosto. Passou a mão pelo ombro enfaixado e dolorido; em
seguida, curvou-se sobre a cama para ver como Celeste estava.
— Abra esses olhos, querida. O que farei sem você? — ele murmurou.
— Não faço idéia — veio a resposta, dita com voz débil.
O coração de Aidan bateu mais forte, seus olhos encheram-se de lágrimas. Celeste
abriu os olhos e sorriu. Ele beijou-a suavemente.
— Quer casar comigo, Celeste?
— Imaginei que esse pedido não seria feito novamente.
— Não apenas faço o pedido novamente, como também reformulo a minha
declaração. Lady Rivenhall, você é a mulher mais corajosa, mais nobre que já
conheci. Eu serei um tolo se a deixar sair desta casa sem uma aliança no dedo. —
Aidan beijou-a e olhou-a dentro dos olhos. — Meu Deus, pensei que a havia perdido.
Eu a amo, Celeste!
— Oh, Aidan, acho que o amei desde o instante em que o vi — Celeste declarou
com lágrimas nos olhos.
Felicíssimo, Aidan abraçou-a, mas deixou-a depressa ao ouvir um gemido de dor.
Aterrorizado ele gritou, chamando o médico.
— Estou bem — Celeste acalmou-o e sorriu. — Mas o aconselho a não me abraçar
para que os pontos não abram.
O médico entrou no quarto e Aidan declarou:
— Muito bem, lady Rivenhall, tenho muita coisa para fazer.
— O quê, por exemplo?
— Vou comprar a aliança e chamar um sacerdote porque, minha querida, você vai
se casar hoje mesmo.
— Sua irmã terá um ataque — presumiu Celeste com um lindo sorriso.
— Concederemos à duquesa a honra de anunciar o nascimento de nosso primeiro
filho.
— Sem dúvida, foi muito desagradável descobrir que meu próprio assistente era o
traidor que procurávamos — admitiu lorde Falcon colocando o copo de brandy sobre
a mesinha do seu lado.

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— Bem, o importante é que acabamos apanhando o salafrário. -— Acredito que foi


minha esposa quem o apanhou, milorde. Os olhos cansados do velho lorde, chefe
do serviço secreto
inglês, fixaram-se no elegante conde de Wessex.
— Está certo. Devemos isso a ela. A propósito, como está a condessa?
— Muito ocupada — respondeu lorde Wessex com orgulho.
— Mal se recuperou, Celeste insistiu em trabalhar no hospital cuidando dos feridos.
Concordou em interromper seu trabalho somente quando começar a engordar.
— Como é? — O duque ergueu as sobrancelhas. — Você está nos participando que
há um herdeiro a caminho?
— Ainda não. Mas garanto que tenho me dedicado à tarefa. Glenbroke riu do
entusiasmo do cunhado.
— Disso eu não duvido, Wessex.
O conde terminou seu brandy e levantou-se.
— Com licença, milorde. Vou ao hospital buscar minha esposa antes que os
pacientes dela a impeçam de sair.
— Celeste é mais do que capaz de se defender, lorde Wessex
— observou lorde Falcon.
O duque também se levantou.
— Wessex é recém-casado e não conhece a realidade da vida conjugai. Deixe-o ter
a ilusão de que é ele quem mantém o controle.
Lorde Falcon riu. — Tem razão. Não devemos ser cruéis.
— Até outro dia, lorde Falcon. — Glenbroke curvou-se, pôs a mão no ombro do
cunhado e saíram ambos do escritório.
Assim que a porta se fechou, Falcon voltou para sua escrivaninha onde estavam três
novos dossiês. Dossiês de agentes femininas. Mulheres de Whitehall, como eram
chamadas. Mulheres cujo trabalho era indispensável na guerra, mas recrutá-las era
sempre uma tarefa dolorosa. Ele pegou a pasta de cima, passou a mão pelo grosso
pergaminho, fechou os olhos e rezou durante vários minutos antes de iniciar sua
tarefa.
Lorde Falcon suspirou. Era velho demais e muito experiente na arte da guerra para
não saber que o serviço de espionagem exigia dos agentes, homens e mulheres,
grandes sacrifícios. Quase sempre o sacrifício da própria vida. Lady Celeste
Rivenhall tinha sido uma das poucas exceções. Quando um agente era bem-
sucedido, lorde Falcon sentia-se vitorioso e absolvido do sentimento de culpa.

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Entretanto, ele tinha de acreditar que o sacrifício desses agentes não era inútil, pois
eles lutavam e morriam por um ideal.
Um ideal sublime pelo qual ele próprio seria capaz de matar e morrer: assegurar
uma Grã-Bretanha livre e pacífica.

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Em cada pagina uma nova emoção

Leia na próxima edição

Quando Você Voltar


Kimberly Logan

Oxfordshire, Inglaterra, 1827


Por um breve momento Emily conheceu o paraíso, ao compartilhar um beijo
arrebatador com Peter. Mas como um rapaz do povo, que vive nas ruas de Londres
sem um centavo no bolso, não pode amar uma herdeira aristocrata, ele
desapareceu, deixando Emily de coração partido...
Quatro anos depois, Peter está de volta, agora um respeitado homem da lei,
incumbido de capturar o astuto ladrão que tem assustado as famílias mais
abastadas do condado... Uma missão que o reaproxima da linda jovem de lábios
sensuais que até hoje povoa seus sonhos. A atração entre Emily e Peter renasce,
dando lugar a uma paixão incandescente... Mas a revelação da verdadeira
identidade do ladrão transformará o desejo em desconfiança e os dois amantes
apaixonados poderão se tornar inimigos para sempre.

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