Cynthia Breeding - O Destino de Camelot (CHE 280)
Cynthia Breeding - O Destino de Camelot (CHE 280)
Cynthia Breeding - O Destino de Camelot (CHE 280)
Camelot´s Destiny
Cynthia Breeding
Jovem, bonita e determinada, Guinevere foi escolhida pelo rei Arthur para ser sua esposa e
futura rainha da Bretanha. A relutância inicial de Guinevere em aceitar a honraria logo deu
lugar ao desejo que lhe despertava o novo rei, amante hábil que a deleitava com carícias
sensuais... mas que ela em breve descobriria não serem um privilégio exclusivamente seu.
Guinevere não esperava que outro homem arrebatasse seu coração com um beijo furtivo, nem
que esse homem fosse justamente Lancelot, o guerreiro de maior confiança de Arthur. Numa
era de constantes conflitos entre o bem e o mal, e num reino regido pela magia e por rígidos
códigos de ética, o dilema de uma mulher dividida entre a lealdade ao marido infiel e a paixão
por um homem que ela não pode ter, ameaça tornar-se uma arma tão traiçoeira quanto a mais
mortal das espadas...
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
EDITORA
Leonice Pomponio
ASSISTENTE EDITORIAL
Patrícia Chaves
EDIÇÃO/TEXTO
Tradução: Elsa Joana Frezza
Revisão: Giacomo Leone
ARTE
MônicaMaldonado
ILUSTRAÇÃO
Hankins + Tegenborg, Ltd.
MARKETING/COMERCIAL
Silvia Campos
PRODUÇÃO GRÁFICA
Sônia Sassi
PAGINAÇÃO
Dany Editora Ltda.
Projeto Revisoras 2
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Prólogo
Glastonbury, AD 490
Farrapos de bruma formavam-se ainda na superfície do lago aquecido pelo sol, para
logo, envolvidos nas voragens do vento, desfazer-se em flocos ao longo da ladeira por onde a
menina Guinevere caminhava, descuidada.
O ar estava úmido e frio, coisa rara para um dia de primavera no País do Verão. Mas
ela não se importava. Erguia os braços, procurando apanhar as estranhas formas que a nebli-
na ia criando.
— De onde você veio? — ela balbuciou, os imensos olhos verdes refletindo ainda o
medo que sentira.
Ele hesitou.
— Não importa. Mas você, o que faz por aqui? Volte para sua casa. Este lugar é
perigoso.
Pondo-se de lado, ele puxou a espada de madeira que trazia na cintura e pôs-se a
duelar com um adversário invisível.
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Tolhido por sua ampla roupagem de monge, Merlin correu atrás das duas
crianças e alcançou-as. Seus olhos dourados dardejaram rapidamente sobre o
menino. Depois, seu olhar de águia pousou-se na menina.
— Crianças, não quero que brinquem tão perto dessas águas. São mais
profundas do que parecem à primeira vista. — Inclinou a cabeça na direção da
menina e continuou: — Vá para junto de seu pai, que está no mosteiro com seus
pares.
Ergueu a mão e percebeu que a menina sentiu o cutucão, embora não a tivesse
tocado. Os olhos arregalados de espanto, ela deixou cair a espada e correu ladeira
acima.
Capítulo I
— Eu não quero me casar com Arthur! — ela anunciou em alto e bom som.
Depois levantou-se da longa mesa de carvalho e encaminhou-se para a janela. Como
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
deveria agir para que seu pai a compreendesse, se ele nada sabia sobre o homem alto,
de cabelos escuros, que costumava visitá-la em sonhos?
— O senhor vai longe em suas suposições, meu pai. Quem lhe disse que
Arthur quer se casar comigo?
— Como você mesma disse, são meras suposições. O mensageiro veio apenas
anunciar a chegada iminente de Arthur e de Bedwyr. Desconfio que seja um gesto
político. Talvez venham discutir a conveniência de uma aliança permanente conosco.
Seria ótimo, porque temos que proteger a região norte de Eboracum. Na última vez
em que seu irmão aqui esteve disse-me que Arthur estava pensando em fixar-se
definitivamente em Camelot. Seu objetivo é unir todos os territórios bretões num
único Estado: a Bretanha. E isso toca o meu coração de patriota.
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— Um homem raro. Permita que ele se case com minha prima Elaine. Desde
que veio morar conosco, ela não faz outra coisa senão falar em casamento. As terras
de seu pai oferecerão mais proteção contra os bárbaros do que as nossas.
— E eu apenas dezesseis! Arthur tem trinta anos e já foi casado. Não me seduz
sua fama de Duque das Guerras. Para mim, isso significa apenas uma coisa: ele
estimula seus homens a guerrear.
Leodegrance interrompeu-a.
— Seja como for, não tenho a intenção de me casar. Nem agora nem nunca!
Fui criada para cuidar de nossas terras e de nossa gente. E é isso o que vou fazer.
Olhar pelos nossos dependentes para ter certeza de que sejam tratados justamente,
que suas despensas estejam sempre bem abastecidas, que haja sempre fogo em suas
lareiras. E depois, meu irmão vem prestando um bom serviço a Arthur. É o seu
trabalho e Bedwyr deverá realizá-lo até o fim de seus dias. Quem então cuidará do
senhor?
— Reflita, Guinevere. Você deve formar sua própria família. E esta é uma
oportunidade única.
— Você é muito teimosa, Guinevere. Mas sinto orgulho em tê-la por filha.
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Parece que você não mudou, irmãzinha. Sua língua continua afiada. Como
sempre. — Seus olhos brilharam, enquanto ele se inclinava para beijar-lhe o rosto. —
E também seu cheiro continua o mesmo.
Arthur clareou á garganta. Embaraçada, ela ergueu os olhos. Ele estava ainda
montado. Sob seu exterior atraente e vigoroso, revestido de todos os símbolos do
poder, havia algo que a assustava. E a idéia de casar-se com ele não lhe despertava
nenhum entusiasmo.
Sua voz era agradável, mas ela entreviu um lampejo de divertimento em seus
olhos.
Antes que ela pudesse agradecer-lhe, seu pai chegou apoiado à bengala e
cumprimentou-o efusivamente. Seguia-o Elaine que, como sempre, era o perfeito
retrato de uma dama. Suas trancas acobreadas contornavam-lhe a cabeça com
perfeição e o leve vestido azul que usava combinava com os olhos da cor de um céu
de primavera. Ao passar, deixou um leve perfume de rosas no ar.
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Bedwyr respondeu:
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— Ele deve ter nascido sob a proteção de algum rito pagão. As mulheres
caem, literalmente, a seus pés.
Palomides sorriu.
— Tem mais desses cavalos em sua estrebaria? Foi Arthur quem respondeu:
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— Acho que vou convidar sua irmã para participar de meu Conselho de
Guerra, Bedwyr!
Guinevere surpreendeu-se.
— Não tenho opinião formada a esse respeito. Jamais conheci uma mulher que
gostasse de falar de cavalos e guerras.
Lembrou-se do que Bedwyr dissera certa vez: Arthur saiu ao pai. Gosta de estar
em companhia de meretrizes jovens e bonitas.
Outro bom motivo para não me casar com um homem desses! Palomides
tomou um gole de vinho e comentou:
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— Acha que, por ser mulher, eu não seria capaz de administrar minhas
próprias terras?
— O que há com você, Guinevere? Já não sabe que um dia terá de se casar?
Papai não viverá para sempre e eu também não.
Um silêncio, pesado como uma rocha, desceu sobre todos. Arthur deu de
ombros e o sorriso retornou a seus lábios. Mas seus olhos permaneceram sérios.
— É o que veremos.
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seu íntimo com fúria descomunal. Não esqueceria tão cedo a vergonha daquele
instante.
Em seguida entrou Brisen, sua antiga ama e jogou as cobertas para o lado.
— Levante-se, menina. Rápido! Nunca vi Sua Senhoria tão fora de si. Não
queria estar em sua pele. A cólera de seu pai poderá ser terrível! Lembre-se disso e
vista-se com discrição. Hoje, nada de calções!
Leodegrance estava ainda tomando sua refeição matinal, quando ela parou à
entrada da sala. Ficou a olhá-lo por um momento, depois sua confiança ruiu por
terra, convertendo-se cm desculpas proferidas em voz baixa.
— Cale-se, Guinevere! — ele falou em tom moderado, mas sua voz era
cortante como uma lamina de aço. — Desta vez, você foi longe demais! Usou sua
língua afiada como uma arma para atingir o nosso futuro Grande Rei. Ninguém em
seu juízo perfeito teria coragem para tanto!
— Grande Rei? Do que está falando? Os reis menores, como o senhor, jamais
teriam permitido que... — Ela interrompeu-se e quase sentiu o coração despedaçar-
se, ao ver a dor que havia nos olhos do pai. — O que está acontecendo?
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— Arthur.
Horas depois, Leodegrance mandou chamá-la. Quando ela chegou, ele tomou-
lhe o rosto entre as mãos e contemplou-o longamente.
— Um rosto tão vivo... Poderei vê-lo corar de prazer? Sente-se, minha filha. —
Enquanto o fitava, ansiosa, ele continuou: — Arthur quer se casar com você.
Leodegrance interrompeu-a.
— E a mais pura verdade. E agora sente-se e ouça. Arthur tem pressa, Quer
apresentar logo um herdeiro a seus súditos, depois de proclamado rei. Um filho
legítimo, que perpetue seu nome e sua linhagem. É compreensível, não acha?
— Parece que você se constituiu num desafio para ele. Achou você a mulher
mais espirituosa que já conheceu.
— Ele acha que pode me domar como se doma um cavalo bravo, é isso?
— Não, não! Ele acredita que a seu lado, a vida se tornará amável, diferente,
colorida, nova.
— Por favor, papai! Não quero ser rainha não permita que me levem embora
daqui. — Seus olhos encheram-se de lágrimas e ela fez força para não chorar.
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— Pense bem, minha filha. Será uma grande honra para a nossa família. E
depois, estou convencido de que Arthur irá tratá-la realmente como sua rainha.
Perderia o apoio dos reis menores, caso traísse a confiança que depositamos nele.
— Se Arthur faz mesmo tanta questão de me levar embora daqui, por que não
vem me buscar pessoalmente?
— Ele está viajando para o norte, mais exatamente para Lothian. Vai visitar
sua irmã Morgause, que enviuvou recentemente. Quando voltar, ele quer vê-la
instalada em Camelot. — Leodegrance esboçou um sorriso satisfeito. — Enquanto o
espera, poderá se divertir treinando aqueles cavalos do deserto que você tanto
admirou. Uma centena deles! Serão o seu dote de casamento.
Ele aguardara um momento, até que ela se acalmasse e por fim confessara que
o poder da decisão cabia agora a Arthur.
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— Um Grande Rei tem o direito de tomar por esposa a mulher que mais o
agradar, sem que haja a necessidade de negociações de parte a parte. Tudo o que
tinha a ser dito já o foi. Agora, não há mais nada a fazer senão aceitar o inevitável.
Num gesto de revolta, atirou para longe as saias que Elaine estendera sobre a
cama e escolheu um par de calças e uma camisa de linho, seu traje habitual. Estava
ainda livre. Podia usar de sua liberdade como melhor entendesse.
— Nem pense em chegar assim à corte! O que não irão pensar? Que seu pai
não passa de um pobretão! Escolha um dos vestidos que sua mãe lhe deixou. São
todos muito finos.
— Como poderia cavalgar usando saias? — Aquele dia, não se sentia com
disposição para polemizar com sua ama.
— Você acha que Arthur irá permitir que a Grande Rainha NC vista como um
homem?
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Suas divagações foram interrompidas pela jovem que estava ainda ao seu
lado.
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— Por favor, Elaine. Vá à despensa e peça a Rufus que nos sirva um bom
vinho.
— Vou ajudá-lo a treinar esses cavalos — ela anunciou em voz alta, com ar de
bravata: — Quer Arthur concorde, quer não!
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— Achei que milady gostaria de viajar a cavalo — ele inclinou-se para a égua e
murmurou-lhe algo ao ouvido, enquanto balia de leve em seu joelho esquerdo.
Lentamente, o animal ajoelhou-se. Guinevere ficou encantada.
— Cali é uma égua inteligente, aprendeu depressa. Pode montá-la sem receio.
Sua voz era tão indistinta e vacilante, que ela ficou apreensiva. Alcançou-lhe a
mão pálida, coberta de veias azuladas, e apertou-a entre as suas. Tornou a olhá-lo,
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Quando o pai se afastou, ela olhou para a frente, não se atrevendo a lançar um
último olhar. Seus olhos se anuviaram e uma sensação de solidão e isolamento
apoderaram-se dela, prostrando-a.
Guinevere ficou grata pelo silêncio e também pela companhia. Algum tempo
depois, quando todas as lágrimas haviam sido jorradas, ela pediu:
— Arthur não é um homem vingativo. Não se casaria apenas para salvar seu
orgulho. Milady atraiu sua afeição.
— Por que acha que ele a fará infeliz? Arthur é um homem bom, encantador.
— Mas eu o desafiei. Disse-lhe coisas duras! Agora ele vai querer me dobrar
até fazer de mim uma criatura dócil e obediente. — Ela ergueu o queixo, orgulhosa.
— Pois bem. Ele não me dobrará!
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— Milady, já lhe preparamos uma tenda. Permita que eu a acompanhe até lá.
— Não é necessário, gosto de dormir a céu aberto. Até mesmo quando chove.
A partir daquele dia, não houve mais incidentes, a não ser causado pela
lentidão das liteiras, às queixas de Elaine, já que nos primeiros cinco dias a estrada
apresentou-se íngreme, desenrolando-se através de colinas ou florestas densas e
inóspitas.
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Ela gostaria de ouvi-lo falar sobre a vida no forte ou nos campos de batalha
onde Arthur primava, ganhando reputação de Senhor da Guerra. Certo dia,
enquanto seguiam através do fértil e luxuriante País do Verão, perguntou-lhe qual
era a sua origem.
— Sou filho do rei Ban. Tenho um irmão mais jovem: Ector. Minha mãe é a
Senhora do Lago Negro, no coração da Brocelândia. E minha irmã, Vivian, a Senhora
da Ilha.
— Você é pagão?
— Não. Eu sou cristã e os padres nos ensinaram que os pagãos são perigosos.
— Os padres dizem que vivemos uma só vez. É por isso que devemos nos
comportar bem nesta vida. Para na outra não sermos queimados nas chamas do
inferno.
— Desconheço esse conceito de inferno. Para mim, não faz sentido. Acho que
teremos outras chances de aprendermos as lições da vida. Ninguém pode aprender
tudo em algumas décadas.
— Não sei. Talvez. O pai dele era cristão, mas ele foi tutorado por Merlin, um
druida. Ele acredita em deusas e também em Cristo e em Woden.
Lancelot sorriu.
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— Eu serei sempre seu amigo. Arthur não poderá me negar esse privilégio.
— Ótimo!
— Arthur nos disse que o senhor lhe salvou.a vida. Quer me contar como foi?
Guinevere levou o cavalo para bem junto dele e colocou a mão em seu braço
nu, ainda quente do sol da tarde.
— O senhor quase morreu! Não é de admirar que Arthur tenha lhe jurado
eterna gratidão. É a recompensa de sua felicidade.
— Não se conseguiria ir até o fim desta jornada, se não fosse pelo senhor.
Gostei de sua companhia, Lance... Lancelot. — Ela sorriu — Lancelot. Importa-se se
eu o chamar assim?
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Capítulo II
Ao erguer o corpo, uniu sua voz à das outras sacerdotisas que entoavam
cantos saudando o final do dia. Cantos lentos, repassados de melancolia que,
quebrando o silêncio do lago sagrado, percorriam longos caminhos até chegarem
onde Vivian, A Senhora do Lago, conversava com Merlin, o druida-mor. Ele estava
ali, atendendo ao chamado da alta sacerdotisa, e Nimue perguntou-se por quê.
Nimue parou um instante sob uma jovem bétula e aguçou os ouvidos a ecos
sussurrantes. Sons da conversa que o druida mantinha com Vivian chegaram até ela.
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coroação, haverá uma missa cristã para agradar os romanos convertidos. E logo em
seguida o Grande Rito, orgulho de nosso país e de nosso povo. É sua missão.
— Sente-se, Nimue.
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filhas para serem educadas e a casa das noviças ficaria outra vez cheia de jovens
ansiosas...
A jovem sacerdotisa foi tomada de arrepios. Mas nada disse. Apenas assentiu.
— E preciso que Arthur estenda seus louvores também a nossa Deusa, que
escolherá o meio pelo qual ela agirá. O ritual em si, já é suficiente. Mas se um filho
resultar desse ato, a terra será duplamente abençoada.
— Senhora, quando vim para cá, eu era apenas uma noviça. Agora sou
sacerdotisa. Meu dom é a Visão. Não perderei meu poder, se me entregar a um
homem? Pensei que fosse permanecer virgem para sempre.
— Essa união será o sinal de que a Grande Mãe aceitará seu filho, se ele vier. A
soma das energias feminina e masculina será um perfeito exemplo de igualdade. O
símbolo do futuro da Bretanha. A Visão que você possui foi um presente da Deusa. E
ela não virá retirá-lo. A menos que haja um motivo muito forte para isso.
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— Nimue — tornou Vivian —, Arthur irá precisar de sua ajuda. Não só agora,
mas também no futuro.
Vivian replicou:
— Não sei quem é a segunda mulher, mas a morena é Morgana. Ela é ávida
pelo poder e permanecerá em constante vigilância. Quando souber que Arthur será o
próximo Grande Rei, tentará aproximar-se dele. Nimue, sua presença na corte será
necessária. Morgana é a encarnação do Mal!
— Quer que eu vá à corte? Mas minha vida é aqui! — ela voltou-se para
Vivian. — Não me prepararam para um dia tomar o seu lugar, Senhora?
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— Sim, filha.
— Então, terei que obedecer. Quando devo partir? Foi Merlin que respondeu:
Nimue prendeu a respiração e olhou para Vivian. Foi liberada com um quase
imperceptível aceno de cabeça. Saiu correndo antes que lágrimas mal contidas lhe
escorressem peio rosto, num jorro de desespero e de dor.
O leve e adocicado perfume de maçãs verdes espalhava-se pela noite sem lua,
quando Nimue, carregando consigo a caixa do ritual, seguiu lentamente o Caminho
Processional que levava ao Lago Sagrado. Sobre sua cabeça, milhares de estrelas
salpicavam um céu de veludo negro.
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— Quero apenas saber por que devo partir. Não posso cumprir minha tarefa
aqui mesmo?
Nimue voltou bruscamente à realidade. Permaneceu imóvel até que sua mente
clareasse e então pôs-se a galgar a colina. Sabia que tivera a mesma visão de Merlin e
sabia também que devia evitar que essa luta ocorresse. Se tivesse esse poder.
Por mais um momento ela permaneceu olhando para baixo. Então virou-se e
prosseguiu caminho encosta acima.
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Merlin emudeceu.
— Por Mithras! Onde está Arthur? Preciso falar com ele. Imediatamente!
— Deu-me ordens para que eu preparasse tudo o que fosse necessário para
um casamento perfeito e depois partiu.
— Foi visitar a irmã, que enviuvou recentemente. Quer ter certeza de que ela
não precisa de nada.
Tão depressa? Não temos tempo a perder. Talvez possamos controlar a questão e
impedir que esse casamento aconteça! Nimue apertou os lábios e abanou a cabeça. Já era
tarde demais.
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Nimue foi subitamente envolvida por um frio mortal. Teve uma rápida visão
de um menino de cabelos negros e de uma menina de cabelos acobreados
compartilhando a mesma espada de madeira e de um monge correndo para separá-
los. Já estava predestinado.
Gryflet não perdeu tempo. Afastou-se sem demora, com o grupo de fadas
esvoaçando atrás dele. Algo nesse casamento não ia bem. Mas o quê? E por quê?
— Machuque-me!
— Quê!...
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— Existe outra?
— Não.
— Encontrei Medraut, ao vir para cá. É muito cedo para um menino de sete
anos andar por aí.
— O que ele estava fazendo fora de casa? Parece que Uriens não se importa
muito com ele.
--- Acho que devíamos parar de nos ver por algum tempo.
— Está com medo de Uriens? Posso aumentar a dose de divas que costumo
misturar ao vinho dele.
— Não!— ele gritou, aterrorizado. — Não me agrada saber que você está
drogando seu marido. Uriens é um bom rei para seu povo. E um dos mais fiéis
aliados de Arthur.
— Não se preocupe. Não estou pensando em matá-lo. Sei o que estou fazendo.
— Morgana levantou-se e vestiu a túnica.
— Acho que deveríamos parar de nos ver. Apenas por algum tempo.
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Junto ao muro havia uma pérgola sobre a qual pendiam lânguidas e fartas
madressilvas. Sentou-se e ficou observando o menino que se exercitava com a espada
de madeira.
Uriens alegrou-se.
Morgana fitou-o.
— Ou sem sorte. Duvido que Arthur esquentará uma só cama por muito
tempo.
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— Você faz perguntas demais. Continue a praticar com essa espada, caso
contrário não poderá tornar-se rei. Agora vá.
Seu olhar vago deteve-se na pequena lagoa de águas esverdeadas. O que vira
ali eram os dias de infância, o castelo em que passara os longos verões, seus
desesperos juvenis, quando o despertar da imaginação a lançava numa prostração
cheia de desejos.
Aos catorze anos, seu pai a enviara para Amesbury Abbey porque fazia
perguntas demais em casa e era ainda muito jovem para se casar.
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
anos. Pouco antes de sair, durante os festejos de Beltane, conhecera Arthur. E sentira
a primeira e verdadeira tentação de sua vida.
Ao sair baixou o capuz da túnica preta e escondeu o rosto com uma máscara.
Ocultou-se a seguir nas sombras de um pequeno grupo de árvores, onde moitas de
samambaias e de espinheiros formavam uma cerca-viva, criando um refúgio
conveniente. Dali podia ver sem ser vista. E esperar.
Deixou passar alguns grupos de bêbados e mais duas ou três pessoas, até que
o viu. Estava sozinho, felizmente. Deu um passo para a frente e postou-se no meio da
estrada.
— Quem é você?
Morgana tirou o manto e estendeu-o no chão. Depois fez um sinal com a mão.
— Venha.
Levado pela torrente precipitada do desejo, ele tomou posição diante dela e
penetrou-a profundamente, sem se importar com os agrados nem com seus gemidos,
cada vez mais incontroláveis.
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— Meus homens! Fique aqui até que eles sigam seu caminho.
— Não pretendia fazer-lhe nenhum mal. Eu apenas pensei que você quisesse...
— Ele inclinou-se, beijou-a profundamente e se foi.
Ela nunca soube que desculpas ele deu a seus homens pelo atraso. Mas
lembrava-se ainda daquela mistura de dor e de prazer que sentira quando ele a
penetrara e da doçura daquele beijo. Ele fora seu primeiro homem, tornara-a mulher.
Tornaria a vê-lo um dia? Sentia que sim.
O fato de que seu filho tivesse sido concebido por intermédio de um incesto
não a incomodava nem a envergonhava. Fora o destino a empurrá-los um para o
outro, quando ainda não se conheciam.
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Ela o beijou carinhosamente, enquanto pensava que medidas tomar para que
Accolon a escoltasse até o forte. O mais difícil seria convencê-lo. Isto feito... Um
sorriso cismarento entreabriu-lhe os lábios. Ia ser muito divertido...
Capítulo III
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Guinevere deteve sua montaria a poucos metros atrás das liteiras. Uma
senhora, com ares de rainha, achava-se num dos degraus externos da enorme
escadaria, obviamente para dar-lhes as boas-vindas.
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— É aquela?
— Não posso...
Uma hora depois, banhada e reanimada, foi conduzida ao andar superior. Cai,
talvez num esforço para minimizar sua observação infeliz, destinara-lhe um aposento
grande e imponente. A ampla cama de cerimônia, as colgaduras de damasco, as
tapeçarias antigas representando virgens pálidas e o alto espelho no qual, pela
primeira vez, podia ver-se da cabeça aos pés, tudo isso a impressionou, parecendo-
Projeto Revisoras 39
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lhe excessivo. Pediu-lhe um aposento mais simples e ele colocou-a num anexo aos
aposentos de Arthur.
Elaine estava radiante com a atenção que recebia. Sua prima não teria
dificuldade em adaptar-se àquela família. Mas... e ela?
Projeto Revisoras 40
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— Obrigada. Não sabia que Arthur tinha duas irmãs. Conheci apenas
Morgause, a viúva de Lot.
— Morgause é minha irmã mais velha e mãe de alguns dos homens do círculo
de Arthur. Eu tenho apenas um filho, pequeno demais para isto aqui.
—Não, minha querida. Casei-me com Uriens, rei de Rheged e tenho uma
propriedade nesta região. A casa, as terras e tudo que há nelas. Foram-me dadas
como presente de núpcias por meu pai, Gorlois. — Morgana sorriu. — Gostaria de
passar algum tempo aqui. Não conheço bem Arthur. Soubemos que éramos irmãos
há pouco tempo. Agora sei que tenho também uma irmã. Somos uma família!
— Nada me daria mais prazer do que tê-la por perto, eu também não conheço
bem Arthur... — Ela interrompeu-se e corou profundamente. — O que eu quis dizer é
que...
— Quando Arthur está, escolhe os homens que irão sentar-se à sua mesa. Mas
hoje ele não está. Podemos conversar como mulheres comuns, sem termos que ouvir
histórias de batalhas, derrotas e vitórias.
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Virou-se para ocultá-la e seu olhar foi atraído para a porta um segundo antes
que Lancelot entrasse. Tudo nele revelava uma alegria sem cuidados, uma confiança
sem temor. Viu-o correr os olhos pelo salão e então adiantar-se para a mesa alta.
— Milady gostará de saber que instalei Cali num grande estábulo e Glena
num canil apropriado ao seu tamanho.
— Para mim, ele é Lancelot. — Havia um tremor em sua voz e uma ternura
que revelava mais do que ela teria desejado manifestar.
Mas a rainha mal a ouvira. Sua atenção fora atraída por algo que ela
demonstrou claramente desaprovar. Guinevere voltou-se para olhar.
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mesma cor dos cabelos. Mas foram os olhos que a atraíam, parecendo-lhe familiares.
Tinha certeza que já os vira.
Arthur e seus homens chegaram na tarde do dia seguinte. O forte, que estivera
movimentado no dia anterior, encontrava-se agora vivo e agitado, como se todo o
povo da vizinhança houvesse se reunido num dia de festa. Todos queriam ouvi-lo. E
ele atendia a todos com o bom humor de sempre.
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O que vira não a agradara. Por que Arthur se mostrara tão extasiado diante da
sacerdotisa?
— E um modo pagão de aceitar o novo rei. Ele se casará com a terra por meio
da união com a sacerdotisa da Deusa. Se ela o aceitar, a terra será fértil e haverá
prosperidade. O ritual é antigo, mas raramente usado, desde que os romanos trouxe-
ram seu Cristo para a Bretanha.
— Eu deveria ter perguntado antes — ele continuou, mas seus olhos eram
duros, quando perguntou: — Você quer se casar comigo, Guinevere?
Ela dominou o impulso de dizer "não". Queria voltar para Cameliard, onde
tudo lhe era familiar. Como poderia desempenhar uma função qualquer ali, além de
uma função decorativa? Então pensou na vergonha que cairia sobre seu pai e seu
irmão com sua possível recusa e disse com simplicidade:
— Não era bem isso que eu tinha em mente. — Arthur tocou-lhe o rosto.
Guinevere retraiu-se e ele deixou cair a mão. — Sei que terá que assumir grandes
responsabilidades aqui. Mas também terá toda a liberdade que lhe posso dar. O que
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Ele a olhou por um instante, indeciso sobre responder ou não. Por fim, disse:
— Há uma grande diferença de idade entre ambas, quase quinze anos. Além
disso, pouco conviveram. Morgana foi enviada ao convento quando tinha apenas
doze anos.
— Um motivo que deixou minha avó Ygraine consternada. Ela percebeu que
embora uma menina, Morgana se dedicava a encantamentos e à magia negra. E
temeu por sua alma. Falou com o marido sobre a necessidade de enviar a filha para
um lugar santo e ele apoiou imediatamente a decisão.
— Como você sabe de tudo isso? — quis saber Gaheris, seu irmão mais novo.
Projeto Revisoras 45
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Quando estacou, percebeu que fora longe demais. Estava quase à beira da
floresta. Perto, havia uma colina cujo cimo ostentava um círculo de pedras.
Desmontou, deixou cair as rédeas de Cali e pôs-se a galgar a encosta para vê-lo de
perto. Doze blocos de pedra, erguidos verticalmente, formavam um monumento
druídico. Colocou a mão sobre um deles e uma descarga de energia subiu-lhe pelo
braço.
— Não faça mais isso. A menos que esteja preparada. — A voz era suave, mas
autoritária. Guinevere voltou-se. Era Nimue.
— Este lugar tem muito poder — ela explicou. — As linhas do dragão, sobre
os quais o círculo foi construído, são muito antigas. Se você não estiver preparada, o
poder pode transformar-se em perigo. Não gostaria que nossa rainha se machucasse.
Projeto Revisoras 46
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Sorridente, foi ao seu encontro. Ele parou ao lado dela sem retribuir o sorriso.
Havia um misto de alívio e indignação estampado em seu rosto.
— Graças aos deuses, milady está bem! Arthur está feito um louco! Pôs todo
mundo à sua procura.
Arthur vestiu a túnica de lã branca orlada de prata com gestos bruscos, que
deixavam transparecer angústia e suspeitas negras. Bedwyr, Cai e Lancelot
observavam-no num silêncio que nenhum dos três ousava romper.
— Ela está prestes a chegar. Tinha saído para dar um passeio pelos arredores.
Talvez para acalmar o nervosismo natural que todas as noivas sentem.
Projeto Revisoras 47
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Quanto a ele, reprimia o sentimento que nutria por Nimue, a única mulher
que jamais poderia ter e decidira continuar sozinho.
O casamento fora um fardo em suas costas, algo que não queria mais para si.
Mas acontecera a votação para Grande Rei. Vencera. E, com a vitória, a obrigação de
ter uma esposa.
Merlin fizera uma lista das possíveis candidatas, levando em conta não só suas
qualidades, mas, também, conveniências políticas. Para desespero dele, rejeitara
todas. Guinevere não estava na lista de Merlin, mas seu pai era um aliado poderoso e
ela própria uma mulher incomparável. Julgara-a pelo que ela era e não por sua
beleza, no entanto tão rara: uma mulher forte, que saberia entender seus projetos de
unificação da Bretanha.
E foi assim, parecendo uma visão de sonhos, que ela atravessou a nave
iluminada com os reflexos oblíquos dos vitrais, para se unir a Arthur Pendragon
pelos sagrados laços do matrimônio.
Arthur a esperava aos pés do altar. Foi ao seu encontro pensando que nunca o
vira tão feliz. Parou de tremer e, confiante, ajoelhou-se diante do bispo para
pronunciar as palavras do cerimonial.
Projeto Revisoras 48
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Eu nunca tive filhos. Mas você foi como um filho para mim. E é como a um
filho que eu lhe dou a posse deste forte, e de tudo o que há nele, como presente de
núpcias.
— Minha querida, este forte foi sempre conhecido como Forte Cadwy's. Como
gostaria de chamá-lo, daqui por diante?
— Tome querida. Este vinho acalmará seus nervos. — Ela tomou um gole de
sua própria taça e passou a outra para as mãos de Guinevere. — Logo Arthur virá
buscá-la. Prepare-se.
Projeto Revisoras 49
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Beba, Guinevere. E verá que não é tão ruim assim. Cuidadosamente, como
se estivesse ainda em dúvida, ela tomou todo o conteúdo da taça.
Antes que Guinevere pudesse retrucar, ele a levou para o corredor deserto e
ergueu-a nos braços.
Imediatamente, ele ergueu-se, tomou-a nos braços e começou a girar com ela
pelo quarto.
— Nem eu. Mas tenho que manter você em movimento até que a droga que
ingeriu deixe o seu organismo. Você comeu ou tomou algo envenenado.
Projeto Revisoras 50
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Não posso acreditar que alguém tenha conspirado contra a minha vida —
suspirou Guinevere.
Guinevere estendeu-lhe a mão para consolá-lo e ele a puxou para perto de si.
Triunfante, ele apertou-a contra o peito. Depois deitou-a sobre o leito macio e
começou a dar-lhe uma série de lentos e ternos beijos. A princípio, Guinevere
manteve-se tensa. Depois, gradualmente pôs-se a corresponder às carícias que, aos
poucos, foram se tornando mais ousadas. Quando ele a abraçou, encontrava-se num
estado de total ansiedade.
Ela despiu-se impetuosamente e emergiu para ele branca e nua sob a luz do
luar. Uma deusa. Deslumbrado, Arthur abandonou todo o controle e tomou-a, macia
e dócil, sob aquela alvura. Deitou-se sobre ela e amou-a intensamente, contagiando-a
com a sua febre, acordando-a para a volúpia que ela ainda ; não conhecia.
Projeto Revisoras 51
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Capítulo IV
Estava ainda pensando nisso, quando chegou ao salão nobre. A única pessoa
que havia ali era Elaine.
— É o que ele deve estar fazendo nesse momento, não acha? Guinevere
lembrou-se: a missa religiosa e o rito pagão.
Projeto Revisoras 52
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
a bela sacerdotisa que tinha o poder de falar com Cali! Que outras mágicas ela sabia
fazer?
— Muito mais do que eu imaginava. Espero que você encontre logo o seu par.
Alguém entre os convidados, interessou-se por você?
— Lancelot.
Guinevere surpreendeu-se.
Guinevere fitou-a. A prima tinha razão. Estava casada com o Grande Rei.
Tinha que tomar cuidado para não se expor.
— Lancelot é meu amigo e não vejo por que não deva mais sê-lo. Só porque
estou casada?
Projeto Revisoras 53
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
eram feitas da mais fina pele de gamo, assim como suas botas. Um rei. Um
verdadeiro Grande Rei.
— Irão se realizar, Arthur! — ela disse com convicção, vendo nele não apenas
o homem com quem se casara, mas também o guerreiro valente, o único que poderia
conseguir a tão sonhada união da Bretanha:
Mais calmo, Arthur abarcou com um olhar a praça repleta. Seus címbrios
impressionavam, com os mantos vermelhos e as espadas completamente erguidas,
em posição de sentido, não só em atenção a ele, mas também aos convidados.
Estavam ali o rei Ban, pai de Lancelot e Ector, seu irmão. Ambos vindos de Benoic. E
os reis menores que tinham votado a seu favor: Cador de Kelliwic, Marc de Kernow,
Cato de Dumnonia, Agrícola de Glevum, Pellinore e Leodegrance. Outros viriam
para os festejos que se seguiriam à coroação.
— Juro pela cruz que trago ao peito, pela espada que me pende do cinto, pelo
antigo brasão dos meus antepassados, unificar esta terra e promover justiça para
todos. Essa é a minha promessa que submeto à apreciação de meu povo.
Projeto Revisoras 54
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Saúdo o Leste, no qual a liderança nasce com as asas. Possa o rei que vem para mim
esta noite ser um verdadeiro líder.
Saúdo o Sul pelos fogos do esclarecimento e da claridade. Que o rei possa receber
ambos. Saúdo o Oeste, para que o rei seja bem-sucedido. Saúdo o Norte. Que sua fertilidade
possa ser provada esta noite.
Vivian apenas sorriu. Um sorriso secreto que fez cintilar seus olhos azuis,
iguais aos de Nimue.
Nimue olhou. Havia lá uma longa caixa de madeira que nunca vira antes. Ao
aproximar-se, reconheceu os entalhes que a adornavam. Eram reproduções de deuses
e deusas há muito cultuados e também de símbolos sagrados usados nos rituais.
Projeto Revisoras 55
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Vivian tirou do bolso uma pequena chave de prata e abriu a caixa, retirando
dela um objeto enrolado em seda fina. Desembrulhou-o e o mostrou: uma espada
repousava no interior de uma bainha de couro cor de vinho, no qual estavam
gravados os mesmos símbolos da caixa.
Nimue tocou-a levemente e pôde sentir seus poderes. Muito ritual fora
empregado durante a sua feitura.
— A bainha é sagrada e seu poder ainda mais forte. A última pessoa a usá-la
foi Magnus Maximus, que a chamou de Excalibur — explicou Vivian.
Vivian revelou-lhe:
— Será de Arthur até sua batalha final. Então voltará para a Senhora. Pegue-a
Nimue e fique com ela durante todo o dia. Aprenda sua história e divida com ela os
seus pensamentos, a sua energia. Seu poder protegerá Arthur. — A senhora sorriu
bondosamente. — Agora vá e isole-se em seu quarto com a espada até o momento
em que formos buscá-la.
Projeto Revisoras 56
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Após colocar seu fardo ao lado de um dólmen, Nimue subiu até o altar de
pedra e ergueu os braços em saudação à lua, inalando profundamente o ar noturno.
Os efeitos do jejum prolongado ajudaram-na á entrar logo em êxtase. Entoou cânticos
sagrados invocando a energia do céu e da terra e então, deixando cair os braços, fez
um sinal a Vivian para que desse início à cerimônia.
Nimue viu a aura branco-dourada que o envolvia e enviou a sua própria aura
ao encontro da dele. Os olhos de Arthur pestanejaram, mas ele manteve-se imóvel.
Ela começou então, com suavidade:
Nimue recolocou o cálice no altar e apanhou uma pequena taça de ouro cheia
de vinho.
Ela entoou:
Projeto Revisoras 57
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Sou mulher, sou a terra. Você é o ser provido de cornos que plantará em
mim a semente da prosperidade. — Depois, removeu a testeira de gamo e a deixou
cair por terra. — Que a nossa união possa agradar a terra. Prosseguindo, puxou o
cordão da tanga e disse:
— Agora.
O que há comigo? Tenho certeza de que não era isso o que a Deusa queria. Sou
sacerdotisa, devia ter me controlado.
Arthur fitou-a.
— Eu também não.
Projeto Revisoras 58
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Nós dois sabemos que era melhor que não tivesse acontecido.
— Não.
— Agradeço à Deusa por ter permitido que eu tomasse parte no Rito. Jamais
esquecerei esta noite. Nem você, Nimue. — Tornou a beijá-la, vestiu a tanga e
levantou-se. Nimue lembrou-se da espada.
— Não é linda?
À fria luz do luar e do fogo dos archotes, Excalibur cintilava. O grande rubi
engastado no punho, lançava luzes de fogo.
— Pertence à Senhora. Ela me disse que a espada aceita apenas o homem que
saiba liderar seu povo com justiça. Magnus Maximus foi o último rei a usá-la. Foi ele
que lhe deu o nome de Excalibur.
Arthur acariciou o couro macio, sentiu os leves estímulos que ela enviava e
lançou uma exclamação de surpresa e prazer.
— O que você está sentindo é mágico, Arthur. Passei o dia com ela, recebendo
seus ensinamentos e retribuí enviando-lhe minha energia.
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Arthur ajoelhou-se e estendeu a espada com o punho virado para que ela o
segurasse.
— Juro por tudo o que é sagrado, que saberei honrar essa espada. Sua força
me ajudará a estabelecer a justiça nesse país.
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Eu fui concebido por meio desse mesmo ritual — ele revelou de repente,
chocando-a.
— Isso significa que uma criança pode ser concebida nesse ritual do qual
Arthur participa?
Foi então, de súbito, que ela compreendeu a verdade, uma verdade que
preferia não saber.
— A culpa foi minha, Lancelot. Não sei o que há comigo hoje. Só sei que não
posso deixar de pensar em Arthur e na bela sacerdotisa que está com ele.
Guinevere adivinhou o que ele queria dizer e revelou num jato, sem pensar,
sem refletir nas conseqüências:
— Ela disse que quer se casar com o senhor. Disse mais: que é apenas questão
de tempo para que a aceite. — E com um pouco de esforço acrescentou: — É verdade
o que ela diz? É então possível?
Projeto Revisoras 61
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Ele teve a vaga percepção do que se passava nela e fechou-lhe a boca com um
beijo profundo.
— Não devia confiar em mim, Lancelot. Não, não devia. Não lhe prometi coisa
alguma...
Guinevere acabava de fazer suas orações na capela cristã que fora outrora um
templo dedicado a Minerva, quando Arthur chegou.
Ele está diferente. Parece mais cheio de vida, mais feliz. Seguiu-o até o pátio. A
atenção de todos estava voltada para Arthur que, no meio de um grupo, brandia
uma espada. Não era uma espada. Essa brilhava como prata à luz da manhã.
— Não me diga que você sabe manejar a espada! — disse Arthur, divertido
com sua pretensão.
— Sei manejar a espada tão bem como qualquer um de seus homens. — Ela
objetou, com certa irritação.
Guinevere percebeu que fora longe demais. Agora, era tarde para recuar.
Apanhou a espada e admirou-se de sua leveza. Ergueu-a e, com perícia admirável,
investiu-a contra um inimigo imaginário, às vezes contra outro, distribuindo-lhe
golpes formidáveis. Então, tendo realizado essa dupla proeza, atirou a espada para o
ar, apanhou-a com facilidade e a entregou para Arthur.
Projeto Revisoras 62
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Projeto Revisoras 63
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Arthur riu.
— Posso mandar Guinevere com você. Tenho certeza de que ela saberá como
domá-los.
Lancelot fez que sim, mas tomou o caminho das estrebarias, do lado oposto ao
Jardim das Plantas.
— Oh, não Arthur! Deixe-a ficar mais alguns dias. Ela é como uma irmã para
mim.
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Estou surpreso de que Uriens não a tenha levado consigo, após os festejos.
— Ajudar? Em quê?
— Como ela poderia saber se ainda não conhecia Camelot? Morgana chegou
aqui apenas alguns dias antes do que você. Seis meses atrás, eu nem sabia que ela era
minha irmã! — Arthur olhou-a nos olhos. — Diga a verdade, Guinevere!
— Maltratei você?
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Não.
— Obrigada, Guinevere.
— Sobre o quê? Sobre o herdeiro de Arthur? Tenho certeza que ele lhe dará
todo o apoio de que você precisa.
— A criança que eu trago no ventre é uma menina. Será filha de Avalon. Ela
foi concebida durante o Grande Rito e pertencerá à Deusa.
— Nada sei sobre deusas e ritos. Arthur precisa de um herdeiro e você foi a
primeira a lhe dar um.
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Uma espécie de chá feito com ervas que ela própria cultiva.
Nimue assentiu e juntas dirigiram-se para o lado oposto do Jardim das Flores.
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Guinevere cedeu por fim aos argumentos de Nimue, mas era tarde demais.
Morgana fugira durante a noite. No dia seguinte, recusou-se a comer e permaneceu
reclusa em seu quarto. Estava ainda assim, imersa em desespero, quando Arthur
chegou de sua curta viagem.
Da janela, viu Nimue correr para ele e falar-lhe ao ouvido. Permaneceu onde
estava, debruçada ao peitoril e não se virou nem quando ouviu os passos dele no
corredor. Ele entrou, virou-a para si e disse-lhe sombriamente:
— Mas nem tudo está perdido. Você poderá engravidar, agora que não está
mais tomando o chá.
Arthur empalideceu.
— Onde?
— Em Avalon.
— Prometo.
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Ele disse que já era bastante tarde, quando deu pela falta de Morgana: Não
sabe para onde ela foi. Cai já saiu à sua procura. Talvez a encontre em suas próprias
terras.
— Uma das ervas tem esse poder. Mas, não sei quais Morgana usou.
Ele abaixou a cabeça, vencido. Ela tinha razão. Prometera justiça para todos.
Não podia permitir que suas emoções interferissem em seu julgamento.
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Acredito que sim. A Deusa aceita todos os que a procuram. Até mesmo os
seguidores de Cristo. E a Senhora saberá o que fazer.
Quando o barquinho alcançou uma zona ensolarada, de céu azul. Uma mulher
alta, de vestido escuro, os esperava na praia acompanhada por um grupo de jovens
noviças.
— Não se preocupe. Nada é tão assustador quanto parece. — Dito isto, Nimue
foi prostrar-se diante da Senhora. — Eu a trouxe para ser desintoxicada, lady Vivian.
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Podia ouvi-las agora, elevando suas vozes puras para louvar o dia que findava
e lembrou que aquela era a religião que a mãe de Lancelot também praticava.
Seus pensamentos voltaram-se para ele. Não sabia os motivos daquela viagem
que ele decidira de última hora, mas suspeitava que tinham algo a ver com ela. Fora
por causa daquele beijo que a enchera de alegria?
— Está pronta?
— Rei dos Ventos, Rei do Fogo, Rei da Água, Cernunnos, Rei da Floresta, eu
os invoco. Juntem-se à Deusa esta noite e tragam o perfeito equilíbrio a esta vida!
— Essas flores irão unir sua energia à nossa — ela revelou e apontou para as
águas. — Olhe.
Projeto Revisoras 71
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Guinevere deixou escapar um longo suspiro. Sabia agora, que chegara ao fim
de sua busca. Espiara o futuro e vira os traços típicos de seu filho, o herdeiro de
Arthur.
Capítulo V
Maelgwin irritou-se.
— Essa é a prova de lealdade que você me dá? O que há? Passou para o lado
de Arthur?
— Uther mandou matar nosso pai. Não gosto de Arthur, mas gostaria de
possuir sua esposa. Ela seria uma ótima refém!
Projeto Revisoras 72
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Bem-vindo, amigo.
Projeto Revisoras 73
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Não sabemos. Cai e seus homens saíram à sua procura, pusemos guardas
em seus domínios, mas, até agora, nada. Parece que Morgana dissolveu-se no ar.
— Ela merece morrer. Mas não a torturaria. Em minhas mãos, sua morte seria
rápida.
— Lembra-se da promessa que fiz a meu Deus e ao meu povo? Justiça para
todos. Também para ela.
— Obrigado, meu amigo. Mas você fez uma aliança com o seu rei. E como
aliado, jurou-lhe lealdade.
— Peço aos deuses que ela consiga e depressa. Sinto falta dela em minha
cama.
O ar estava luminoso com o esplendor do sol poente, mas, a leste, a luz difusa
de um céu de opala já desvanecia a linha do horizonte, quando Guinevere e sua
escolta chegaram a Camelot.
— Fico feliz, milady. Mas não irá encontrar seu marido. Ele partiu esta manhã
com seus homens para dominar uma revolta em Llongborth.
Projeto Revisoras 74
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Sim, claro... mas é que eu... nós não estávamos esperando... Pensávamos...
— Ela viu um brilho divertido animar os olhos dele e implorou: — Não brinque
comigo, Lancelot. Sabe que estou feliz em vê-lo.
— Eu sei — ele disse, sério. — Não quer saber como foi minha viagem?
— Uma pergunta de cada vez, por favor! — Lancelot tomou-a pela mão e
levou-a para junto da lareira. — Vamos nos sentar e conversar, com calma.
Projeto Revisoras 75
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Ela morreu?
Lancelot também a viu e ordenou aos homens que haviam permanecido ali:
— Quero todos eles sob guarda constante. Gaheris, dobre a guarda nas
muralhas e avise os arqueiros que, ao primeiro sinal de luz, ocupem suas posições
nas seteiras. Depois traga-me o capitão da guarda. Quero saber por que motivo esse
grupo de malfeitores burlou a vigilância.
Ela o olhou ainda longe dali. Quando encontrou um par de olhos verdes fixos
nela, experimentou uma grande felicidade, como se ele tivesse acabado de chegar.
Projeto Revisoras 76
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Por um instante permaneceu muda, sem saber o que fazer. Depois lembrou-se de
tudo e murmurou, agradecida:
— Não sei... talvez ele fique zangado. Em parte porque deixei que toda essa
confusão acontecesse e, por outra, porque quase matei Morgana, quando jurei que
não o faria.
Como um sonho, ela ergueu a cabeça. O beijo foi delicado, um mero encontro
de lábios que foi se aprofundando aos poucos, até tornar-se insuportavelmente
excitante. Fechou os olhos e flutuou num mundo sem idéias, onde tudo era prazer,
sedução...
Projeto Revisoras 77
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Lancelot começava a cansar-se daquela rotina que não era a sua, quando
Arthur chegou. Foi colocar-se ao lado de Guinevere e esperou que ele atravessasse o
portão, para então se adiantar. Viu-o desmontar e depois avançar, trazendo pelas
rédeas o cavalo de Garient sem seu cavaleiro. Enid gritou ao ver o marido numa
padiola e ajoelhou-se no chão, ao lado dele.
— Ele está ainda vivo. Mas não sei até quando — disse Arthur, pesaroso,
enquanto atraía Guinevere para si. — Uma escaramuça no último instante, o último
grupo de rebeldes. Garient achou que poderia contê-los e avançou para enfrentá-los.
Não devia ter permitido — ele concluiu, deixando-se dominar pela emoção.
— Tinham planejado apanhá-la e levá-la como refém. Com ela em mãos, seria
fácil para Morgana conseguir livre passagem a Rheged... É bom que o previna. O
rosto de Morgana não está em boas condições. Eu a fiz experimentara força de meus
punhos.
— A minha intenção não era essa, acredite. Todos eles usavam capuzes.
Tomei-a por um garoto.
Projeto Revisoras 78
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Diga, o que você pretendia de verdade?— perguntou Arthur com voz dura.
Maegwin gritou, quando Arthur deslocou seu braço, e caiu por terra,
inconsciente.
— Sente-se, Morgana.
— Você não tem do que se queixar, recebeu o tratamento que merecia. E agora
sente-se!
Arthur continuou:
Projeto Revisoras 79
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Você pode não acreditar, mas minha intenção não era matá-la.
— Por quê?
— Ela estava assustada, quando chegou aqui. Não queria casar-se com você.
Pensei que poderia ajudá-la, evitando que tivesse um filho.
— Você mentiu! Disse-lhe que o chá a ajudaria a ter uma gravidez tranqüila.
— Menti porque Guinevere é ainda muito jovem. Não haveria nenhum mal, se
ela esperasse um ano ou dois para ter um filho.
— Contra a minha vontade, vou mandá-la para Uriens. Ele sabe o que você fez
e pediu-me clemência. Aceitei seu pedido porque é um amigo leal. Quanto a
Accolon... Uriens já está a par de sua infidelidade. Você terá que lhe prestar conta de
ambos os crimes. — Ele inclinou-se para examinar-lhe o rosto. — Talvez a justiça já
tenha sido feita.
Ela apenas sorriu e ele compreendeu. Puxou-a para si, apertando-a contra o
peito e pôs-se a passear a boca sobre o rosto ' corado, cobrindo-o com beijos leves.
Projeto Revisoras 80
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— A senhora aconselhou-me a não ter um filho logo. O efeito das ervas ainda
não cessou de todo.
Arthur gemeu.
Guinevere fitou o rosto bonito que se inclinava para ela e, pelo espaço de
alguns segundos, não viu mais nada. Depois retraiu-se e o lembrou, sentindo-se um
pouco culpada:
Senhor, ajude-me!
— Ainda não decidi que castigo devo dar a Maelgwin. Ajude-me, Guinevere,
contando com detalhes o que aconteceu aqui, quando o bando invadiu a casa.
Arthur sorriu.
— Minha mulher está sempre me surpreendendo. Sei que ela é hábil com a
espada. Mas como poderia, sozinha, defender-se do ataque de três ou quatro
malfeitores? Guinevere, você precisa de alguém que a proteja enquanto eu estiver
fora.
Merlin sugeriu:
Projeto Revisoras 81
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Isso e mais alguém que possa ser seu paladino, quando for necessário —
acrescentou, Arthur.
— Você fez muito, não sabe quanto! Está disposto a lhe dar proteção para
sempre? Quer ser seu paladino?
— Possa a terra fender-se sob meus pés, o mar submergir-me e o céu cair
sobre minha cabeça, se algum dia eu retirar minha promessa. — Ele virou-se para
Arthur. — Eu a protegerei sempre.
Projeto Revisoras 82
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Arthur precisa ficar só — disse Lancelot. — É assim que ele lida com a
morte.
Uma vez em seu quarto, ele beijou-a com uma brutalidade que a gelou. Viu
seu rosto alterado pelo desejo e assustou-se.
— Eu o entendo, Arthur. Mas não podemos perder a cabeça. Você sabe o que a
Senhora disse. Nenhum contato carnal durante várias luas.
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Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Arthur ergueu-se num salto. Nimue! Ela estava sentada nas sombras, o rosto
perfeito em repouso, os olhos pensativos. Passou-lhe imediatamente a taça e ela
tomou um gole.
Arthur puxou uma cadeira para perto dela, sentou-se e tomou a pequena mão
entre as suas.
— Até agora, não. Ela é menina, uma filha da Deusa e será bem-vinda em
Avalon.
— Esta criança será do sexo feminino. Vi seu rosto refletido no cálice, no dia
da coroação.
— Farei tudo o que for possível para dar-lhe amor e conforto. Mas falaremos
disso depois. Hoje...
Nimue interrompeu-o.
Projeto Revisoras 84
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Desta vez sem medo, ele tornou a colocar a mão sobre o pequeno ventre
redondo sentindo o movimento.
Lancelot aproximou-se.
— Logo, estará pronto para a sela — ele tornou, correndo a meio dorso macio
do animal.
— Acha que Arthur vai deixá-la montar um potro novo, um animal que não
foi ainda domado?
Projeto Revisoras 85
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Por quê? O inverno já está às nossas portas. Será uma viagem dura e
cansativa. O bebê poderá ressentir-se.
Projeto Revisoras 86
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Não, Arthur. Não pode ser. Esta criança deve nascer no templo de Avalon,
onde os homens não podem entrar.
Tristão fez que sim, enquanto aceitava o copo de água que Elaine lhe trouxera.
— Marc viu apenas um navio. Ele acha que há outros de prontidão, além da
linha do horizonte. É preciso agir, antes que eles tomem a iniciativa.
Projeto Revisoras 87
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
cavalgada pelos campos dos arredores. Arthur, provavelmente não aprovaria, como
também não aprovaria os velhos calções de montaria que estava usando.
Mas tomaria cuidado e, com um pouco de sorte, ninguém notaria sua saída
furtiva.
Ele vinha à frente do pelotão com Lancelot ao seu lado. De repente, notou que
nem Bedwyr nem Gwalchmai estavam entre eles e assustou-se. Abordou Lancelot,
que acabava de desmontar.
Embaraçada, percebeu que estava sendo o alvo dos olhares dos homens e deu
um passo para trás.
Projeto Revisoras 88
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
A Guinevere não restou outra coisa senão guardar silêncio, embora sofresse
com isso. Elaine estava no seu direito de mulher livre. Deu o braço a Arthur e deixou
que ele a conduzisse pela longa escadaria que levava às muralhas.
Capítulo VI
— É uma linda vista — disse Arthur, com o braço ainda passado pela cintura
de Guinevere.
Arthur olhou-a e achou que tudo seria possível. Até mesmo se entenderem.
— Talvez por efeito dos bons ares da primavera? — ela observou, alegre.
Projeto Revisoras 89
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Ou talvez por influência da lua, que tem mais poderes nesta época do ano.
Beltane, como os druidas a chamavam — ele revelou, olhando para o céu que
mudava de cor. — Nimue diz que, nesta noite, todas as mulheres tornam-se deusas. .
— Nimue. Sempre Nimue! Ela está comandando os ritos esta noite? Você
esteve com ela de novo?
— Faz dias que não vejo Nimue. Ela está para dar à luz, a qualquer momento.
— Esqueça Nimue. Vamos fazer desta noite a nossa própria noite de magia.
Merlin chegou no dia seguinte envergando ainda a túnica branca dos rituais.
O capuz estava jogado para trás e seus longos cabelos escuros pareciam dar mais luz
a seus olhos perspicazes. Entrou e foi direto ao encontro de Arthur.
— Você tem uma filha. Nasceu ontem, na noite de Beltane. Nimue deu-lhe o
nome de Argante. As luzes brilharam para ela, ontem à noite.
Projeto Revisoras 90
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Guinevere, eu sei que quando você conhecer a criança... bem, Nimue quer
que você...
Mas ela se mantinha alheia a tudo, para não ouvi-lo. Ele tentou uma nova
abordagem.
— Você sabia que isso iria acontecer. Mas, ninguém ignorava que Nimue
esperava um filho meu. Não quer que eu seja feliz?
Ela ergueu a mão. Seus olhos de esmeralda pareciam duas chamas, quando o
esbofeteou duramente.
Arthur seguiu-a com os olhos, enquanto ela deixava a sala. Mas permaneceu
onde estava, com a mão no rosto.
— Não sei por que ela se comportou dessa maneira... Merlin colocou-lhe a
mão no ombro.
— Arthur, meu rapaz. Afinal o que foi que Uther lhe ensinou sobre as
mulheres?
Logo depois, Lancelot foi encontrá-la sentada no seu banco preferido, num
canto escondido do Jardim das Ervas. Como sempre, Guinevere pressentiu sua
presença, mas continuou a fitar o espaço. Sentou-se ao seu lado e esperou. Após
alguns minutos de silêncio, ela disse com voz inexpressiva:
— E difícil dizer. Arthur não está falando com ninguém. E Merlin, por algum
motivo que desconheço, parece achar que ele mereceu a lição.
Projeto Revisoras 91
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Merlin? Ele não gosta de mim. Por que, então? Ah, Lancelot, não sei o que
vou fazer! O filho de outra mulher... Não posso, não quero aceitar isso!
— Sabe o que podemos fazer? Dar uma boa cavalgada por aí. Gostaria de
montar Safere?
— Esqueça a mágoa. Sabemos que essa não é a solução. Vamos nos concentrar
no passeio.
Projeto Revisoras 92
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Não tenho vontade de tomar parte dessas cerimônias pagas e não pretendo
ir.
Projeto Revisoras 93
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Ela ergueu o braço, mas ele colheu sua mão e a colocou sobre a mesa com
força.
— Você está querendo me humilhar? Sou sua esposa, mas ainda não lhe dei
um filho. Talvez não possa dá-lo jamais. Mas uma única noite com sua sacerdotisa
pagã e seus estranhos meios...
— Contenha sua língua. Não vou permitir que você insulte Nimue. Nem
agora nem nunca!
— Acha justo que sua esposa legítima permaneça exposta aos olhares de
todos, aceitando o filho de outra mulher? Acha justo que "sua" rainha se humilhe a
esse ponto?
— Pois é exatamente isso o que uma verdadeira rainha faria — disse Merlin
aproximando-se e Guinevere sobressaltou-se. — Uma verdadeira rainha não iria
contrariar os desejos de seu povo. Ela saberia que o povo aceitará essa criança porque
ela trará fertilidade e prosperidade para a sua terra. E que isso nada tem a ver com o
desejo de um homem por uma mulher.
Ela gaguejou:
— Eu não...
Projeto Revisoras 94
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Você não tinha um vestido menos revelador. Aonde pensa que vai? —
disse-lhe severamente.
— Gosto muito de sua aparência, mas gostaria que você a tivesse reservado
apenas para mim e não para os outros,
Lancelot trouxe a antiga biga romana e parou diante deles. Ao ver Guinevere,
voltou sua atenção para as rédeas dos dois cavalos. Arthur aproximou-se e tomou-
lhe as rédeas, segurando-as com uma das mãos.
Projeto Revisoras 95
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Milady veio pronta para controlar seu destino? Espero que ele vá de
encontro às suas expectativas.
Arthur já fora ocupar o lugar que a Senhora lhe destinara, junto a uma das
colunas de pedra e, ao contrário de Guinevere, irradiava felicidade. Naquele instante,
uma fila de sacerdotisas, vestindo túnicas brancas, saía de um bosquete de oliveiras.
Nimue envergando uma leve túnica azul, seguia-as com a filha nos braços. Quando
parou diante de Arthur, a multidão fez silêncio.
— Eu a deixaria cair. Ela é tão pequena, tão frágil... Nimue tornou a sorrir.
— Não tenha receio. Ela não é tão frágil como parece. Tome-a em seus braços e
erga-a para que seu povo a conheça.
— Você é a rainha, Guinevere, mostre isso ao seu povo. Erga a cabeça e vá. Eu
ficarei esperando aqui.
Ela gelou, quando Nimue lhe ofereceu o bebê. Tentou virar-se, mas Arthur,
que se colocara atrás dela com as mãos colocadas sobre seus braços, obrigou-a a
aceitá-la. Depois, cuidadosamente, levou-a a fechar os braços em torno dele. O bebê
estava seguro e Nimue deu um passo para trás.
Projeto Revisoras 96
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Mas estava aborrecida. Todos estavam muito ocupados, ninguém lhe dava
atenção. Instintivamente, dirigiu-se ao padoque. Safere relinchou quando a viu, e
veio ao seu encontro. Acariciou-lhe o focinho e montou-o. Depois guiou-o na direção
das colinas.
— Esses lugares têm uma antiga magia. Vamos dar uma olhada aqui por
perto. Se for preciso, subiremos até o topo.
Guinevere sentiu o pânico crescer dentro dela. Tinha que alcançar os cavalos.
Eram seu único meio de salvação. Deslizou para fora do círculo e, sem fazer ruído,
foi se arrastando na direção de um deles. Estava a meio caminho de safar-se, quando
o cavalo sentiu a sua presença e relinchou.
Projeto Revisoras 97
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
Lancelot viu quando Safere chegou, galopando pela estrada sem seu cavaleiro.
Gritou para que Palomides o apanhasse, montou Pryderi e cruzou os portões a toda
velocidade.
Ouviu seus gritos quando estava perto do bosque. E então a viu. Ela jazia
encolhida sobre si mesma, com a camisa em tiras, os braços escondendo o rosto.
Arrancou sua própria camisa e correu para ela.
Ela abriu os olhos, piscando à luz do sol e jogou-se tremendo em seus braços.
Lancelot viu as marcas no rosto e pôs-se a acariciá-la. Sentiu então algo pegajoso nos
dedos e olhou-os. Sangue. Ela estava sangrando!
Lancelot ia cobri-la com sua camisa, quando ela se sentou. Seu seio esquerdo,
muito machucado, guardava ainda as marcas das mordidas. O direito tinha longos
arranhões e sangrava:
Ela quer que eu... pelos deuses, seus seios são lindos...
Projeto Revisoras 98
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
lágrimas. Quando o beijo aprofundou-se num encontro de línguas, ele percebeu que
devia parar. Caso contrário, tudo redundaria numa paixão desenfreada. Guinevere
não lhe pertencia.
— Devem ter combinado tudo com Maelgwin, tenho certeza. Vamos para
casa, você precisa de cuidados. — Ele a ajudou a vestir a camisa e a abotoá-la.
— Você chegou a tempo, antes que eles me tirassem o restante das roupas.
— Leve-a para casa. Estamos indo atrás deles. E Maelgwin que me aguarde! Se
ele teve parte nisso será um homem morto!
— Achou-os?
— Ótimo! — Arthur aceitou a taça de vinho que o criado lhe serviu e fez um
sinal para que Lancelot o seguisse. Entraram na sala dos mapas e acomodaram-se.
Projeto Revisoras 99
Cynthia Breeding – O Destino de Camelot
— Sim, mas ele jura que não sabia de nada. Estou inclinado a acreditar nele.
Parece que aqueles saxões trabalhavam para Cedric, antes de se colocarem a serviço
de Maelgwin. Para onde você iria, se fosse um deles?
— Aesc seria a melhor opção. Ele mora bem longe daqui e não é nosso amigo.
Arthur concordou.
— E é também nosso rei. Não é por esse motivo que ela tem um paladino?
— Foi uma sorte, você estar por perto. Como posso agradecer-lhe?
— Diga, então!
Arthur ergueu-se.
— Há um bom tempo.
— Tive uma idéia que poderá dar certo. Há uma fortaleza ao norte do muro
de Adriano que está vaga há muito tempo. Leve consigo Gaheris e uma subdivisão
de batalhão e prepare-a para a defesa. O nome da fortaleza é Din Guayrdi.
— Bela Vista? — Lancelot esboçou um leve sorriso. — Até lá, permita que eu
continue sendo o guardião de Guinevere e que faça as contas com aqueles saxões.
Arthur levantou-se.
— Você deu sua palavra, não foi? Ela espera que você a cumpra.
Ele saiu da sala e Lancelot ouviu-o subir lentamente as escadas que levavam
ao quarto de Guinevere.
Arthur retirou o lacre do pote, espiou seu conteúdo e pôs-se a rir. Depois
passou-o a Guinevere, dizendo:
— Para mim, o assunto está encerrado. Nunca mais quero ver esse pote na
minha frente!
— Acho que vou mandá-lo para Maelgwin. Espero que isso lhe sirva de lição.
Ele hesitou um instante, temendo uma explosão. Por fim lhe revelou que
estava enviando Lancelot para o forte Bela Vista. Mas ela nada disse. Olhou-o
apenas, demoradamente, e saiu da sala.
No auge do verão, Hueil deu o primeiro passo. Transpôs o mar do Oeste com
cento e cinqüenta escoceses e recrutou outros cem na ilhas Dormangart, dando início
ao assédio a Alclud.
— Você irá ver Lancelot? — ela perguntou, com uma certa hesitação.
— Vou me encontrar com ele, sim. Quer que eu lhe dê notícias suas?
— Diga-lhe que eu espero que ele esteja bem e que volte ileso da batalha.
— Claro que sim! Que pergunta mais estranha... — ela murmurou, corando.
— É uma pergunta justa. Este ano, foram poucos os momentos que passamos
juntos — ele retrucou, seus olhos sustentando os dela.
— Você estava muito ocupado, Arthur. Não tinha tempo para mim.
Ele a viu caminhar para a porta e hesitar. Preparava-se para o pior, quando ela
a fechou com determinação.
Arthur mandou para casa a maior parte de suas tropas, retendo consigo
apenas um grupo de trinta cavalarianos e seguiu com Owain para Rheged.
Encontrou Uriens pálido e fraco e pensou se Morgana tinha algo a ver com isso.
Resolveu questionar Owain, que foi encontrar na sala dos mapas.
— Um ano atrás, eu teria concordado com você. Mas, desde a sua volta de
Camelot, ela tem se comportado exemplarmente. Dedica as manhãs a meu pai e o
resto do dia a Medraut, a quem data mais como amigo do que como filho.
Ele ficou calado, sem saber o que dizer. Todos os seus sentidos de guerreiro
estavam alertas. Ela parecia sincera. Ele, porém, sentia-se com um rato na presença
do gato.
— Sem dúvida. Gostaria de apresentar Medraut a vocês dois. Vai falar com
ela?
Arthur voltou para Camelot no final de julho. Dias depois, recebeu a notícia
da morte de Uriens. No mesmo instante, montou Valiant e desapareceu por vários
dias. Ao voltar, cansado e desfeito cancelou todas as comemorações em honra ao
Solstício de Inverno. Quando Guinevere o interrogou, disse-lhe apenas que havia
perdido um grande amigo.
Nimue e Merlin chegaram um dia antes das festas. Na tarde do mesmo dia,
um criado entregou a Arthur uma carta que acabava de chegar. Quando ele a leu, seu
rosto tornou-se sombrio. Passou-a a Guinevere para que ela se inteirasse do con-
teúdo.
— Parece que ela não perdeu tempo. Está de novo com Accolon — observou
Guinevere. — Mas hoje é dia de petição. Você não pode ignorar seu pedido.
O dia do torneio amanheceu com um céu sem nuvens e uma brisa suave. O
campo dos jogos fora preparado com antecedência e os estandartes coloridos já
flutuavam ao longo das fileiras de bancos, um complemento às cores primaveris dos
vestidos das damas.
Guinevere concordou. Lancelot fora convidado, mas não viera. Dois anos
haviam se passado, desde que ela o vira pela última vez.
No primeiro embate nenhum dos dois caíra por terra. O segundo fora
silencioso, ouvia-se apenas as batidas dos cascos contra o solo duro. De novo dois
encontros violentos e os dois cavaleiros passaram incólumes. No terceiro, Arthur
errou o alvo. No quarto atingiu o cavaleiro desconhecido no ombro, quase
desalojando-o da sela. Mas ele conseguiu recuperar o equilíbrio e esporeou sua
montaria para o quinto assalto.
No último instante possível Arthur desviou seu cavalo para fora da liça e
jogou a lança no chão, concedendo a vitória ao seu desafiante.
— Que os deuses nos ajudem. Jamais teria imaginado que ele fosse armar
tamanho espetáculo. Arthur olhou-os interrogativamente.
— Por que estão tão surpresos? O garoto deve ser meu sobrinho. Morgana
pediu permissão para apresentá-lo, durante minha última visita a Uriens.
Morgana empurrou o filho para a frente e parou, ao seu lado, diante da mesa
de Arthur.
Aqueles olhos... na noite junto à Lagoa Sagrada... o herdeiro. Não era meu filho. Era o
filho de Morgana!
— Não, Arthur, não é brincadeira — ela disse calma e claramente, para que
todos ouvissem. — Ele é seu filho, concebido em Beltane há doze anos. Lembra-se?
— Veja, Arthur — disse Cai, de seu canto. — Veja aquela mulher parada junto
à porta. Parece que ela está querendo dormir com todos nós.
— Siga-me.
Seu rosto estava oculto pelas sombras. Quando retirou o manto, entreviu os
grandes seios sob o vestido transparente. Era um convite e ele aceitou. Ela parecia
ansiosa: Abria os braços para recebê-lo. Tomou-a rapidamente, quase em frenesi.
Não percebeu que ela era virgem até ouvi-la gritar de dor. Nesse mesmo instante
seus homens começavam a subir a ladeira, conversando. Impôs-lhe silêncio e vestiu-
se rapidamente. Saiu sem perguntar o seu nome...
— Ouvi seus homens chamá-lo pelo nome e percebi que você era o protegido
de Uther. Naquela época, nem eu nem você sabíamos que éramos parentes. Mas se
você tiver alguma dúvida sobre o menino, olhe-o. Arthur forçou-se a olhá-lo. Os
cabelos negros eram de Morgana, mas as feições eram dele: o queixo quadrado, o
nariz reto, o olhar direto dos olhos acinzentados... eram também os olhos de Uther.
— Quero que reconheça Medraut e o crie como seu filho. Ele é o legítimo
herdeiro ao trono. Tanto de sua parte quanto da minha. Meu pai era o rei de Tintagel.
E quanto a mim — ela olhou para Guinevere com ar triunfante —, quero ser a
consorte do rei.
Ao ouvir isso, Guinevere pôs-se a rir. Cada vez mais alto. Arthur via seu corpo
sacudir pelos soluços e percebeu que ela não conseguia controlar-se. Voltou-se para
Nimue.
Nimue colocou sua mão fria sobre a testa de Guinevere e o ataque histérico
diminuiu de intensidade. Arthur puxou-a para si e apertou-a contra o peito. Depois
ergueu-a nos braços e levou-a escadas acima, em direção ao quarto e Nimue, que os
seguira, preparou uma droga para que ela dormisse em paz, recomendando:
— Ela está mais descansada, mas terá uma noite difícil. Permaneça ao lado
dela, vigiando-a.
— Que decisões? Vou exilá-los, vou mandá-los para bem longe daqui!
— Ele é seu filho assim como Argante é sua filha — observou Nimue
gentilmente.
Ela não irá me aceitar mais, quando souber que cometi incesto.
Capítulo VII
— O dia está tão lindo! Estou com vontade de dar uma cavalgada com minhas
damas. Talvez até a lagoa dos lírios. Eram suas flores preferidas. Combinavam com a
alvura de sua pele, era o que todos lhe diziam.
Elen olhou-o ceticamente e jogou os longos cabelos para trás. Não precisava
de escolta. Tinha quinze anos, era quase mulher, mas seu pai continuava tratá-la
como menina. Havia implorado para que a levasse consigo a Camelot, seus irmãos
iriam participar dos jogos, mas ele se recusara. Jamais encontraria marido, se ficasse
em Astolat. Sabia, porém, que era inútil protestar e conformara-se.
Bernard suspirou. Oh, como era difícil cuidar de uma filha crescida.
Eric protestou:
— É longe demais!
Ela não fez caso e pôs-se à frente do grupo. Cavalgaram durante duas horas,
antes de alcançarem as sombras do bosque. Seguiram pela trilha estreita que
conduzia à clareira em fila indiana.
Seguiam uma velha picada, ora visível ora dissimulada pelas moitas espessas,
quando ouviram um relincho. Esperaram que o animal emergisse do bosque, mas
não houve nada. Quando ele tornou a relinchar, dessa vez mais alto, Elen preocupou-
se.
Chamou as moças, enquanto o olhava. Seu rosto estava coberto pela poeira da
estrada, a barba estava por fazer e ainda assim era bonito. Muito bonito. De que cor
seriam seus olhos?
— Quem é?
— Não sei. Mas temos de levá-lo para casa, antes que morra por falta de
atendimento — disse Elen, apanhando o corcel pelas rédeas.
— Rápido Eric! Vamos aproveitar o momento para deitar o ferido sobre a sela.
Amarre-o com as rédeas para que ele não caia.
Eric puxou-o para cima, lançando mão de toda a sua força e jogou-o de braços
sobre o dorso do garanhão, que aguardava nervosamente seu cavaleiro. Amarrou-o
solidamente conduzindo-o com sua carga até a estrada.
Lancelot sentia-se flutuar num lago de águas escuras. Devia ser noite, tudo
estava escuro ao seu redor. Fez força para coordenar seus pensamentos e só
conseguiu sentir que alguém empurrava seu ombro para baixo. Tentou erguer o
braço para se defender, mas...
— Virgem Santíssima...
A voz veio da distância, fresca, gentil e doce como água pura... Subitamente,
sentiu que perdia a consciência.
Certa manhã, Elen encontrou-o acordado. Fitou-o confusa, sem saber o que
dizer. Por fim apresentou-se.
Isso era tudo o que ela precisava saber. Avançou timidamente e lhe
desenfaixou o ombro. Ao terminar avisou:
— Vou mandar o criado lhe trazer algum alimento. Você deve estar com fome.
Ela ficou parada um instante, sem saber o que dizer. Depois virou-se
bruscamente e deixou o quarto.
Bernard chegou quando eleja havia acabado de comer. Sentou-se ao seu lado e
disse-lhe onde estava e em que estado chegara em sua casa.
— Dou suporte ao rei junto à fronteira norte. Estou tão próximo do território
saxão quanto o senhor.
— Compreendo.
Bernard assentiu.
— Você tem uma mão suave de fada. Seu toque é delicado. Ela sorriu,
agradecida.
Lancelot ficou olhando para a porta, quando ela saiu. Elen era uma jovem
vulnerável e sonhadora. Devia ter cuidado para não encorajá-la.
— Não de verdade. — Ele pensou um instante. — Tudo bem. Ficarei aqui até o
torneio.
Ele deu um passo para trás. No passado, havia sempre recusado esse tipo de
troféu.
— Por favor, Galahad. Deixe-me ser rainha por um dia. Você será meu
paladino.
— Bem... então serei uma rainha solteira. Você aceita meu presente?
Como dizer não a alguém que salvara sua vida? Embora relutante, colocou a
roseta num lado do elmo. Só muito mais tarde foi compreender a loucura desse
gesto.
Elen tomou o braço que ele lhe ofereceu e desceu a longa escadaria parecendo
de verdade uma rainha.
— Essa taça pertence à nossa família há muitos anos. E esta rainha concede-a
ao vencedor com um beijo.
Elen passou-lhe o braço pelo pescoço, os olhos azuis fixos nele. Os homens
bateram palmas e também os pés. O chão troou. Lancelot viu-se preso numa
armadilha, mas inclinou-se e beijou-a gentilmente. Havia esquecido como podiam ser
doces os lábios de uma mulher. Ela tombou sobre ele, pedindo mais. Tornou a beijá-
la e depois olhou-a. Estava de olhos fechados e, por um instante, pensou que ela
fosse desmaiar. Ao abri-los, perguntou, em tom de brincadeira:
— E então? Foi como você esperava? — Depois, mais séria, finalizou: — Amo
você, Galahad. — E saiu correndo.
Aquela noite era Beltane. Lancelot subiu às muralhas, exatamente como fizera
certa vez com Guinevere. As baixas colinas que rodeavam Astolat surgiram à sua
frente, pontilhada de luzes.
— Seu pai sabe que você está aqui? É Beltane. Uma noite proibida para as
jovens inocentes.
— Algumas mulheres fazem isso — ele disse com severidade. — Mas não
damas como você.
— As damas esperam que alguém se case com elas. E agora permita que eu a
leve de volta para casa.
— Não diga mais nada. Você ainda não sabe o que é o amor.
— Eu sei o que sinto. Quando você me beijou, pensei que fosse desmaiar de
tanta felicidade.
— Ah, Elen... O que você sentiu foi desejo, não amor. São duas coisas
diferentes.
— Eu a amaria, se pudesse. Você é linda, bondosa, gentil. Mas não posso. Amo
outra mulher.
— Já que não pode tê-la, por que não fica comigo? — ela implorou, abraçando-
o com força.
— Não Elen, não posso... Não quero tomar de você algo que um dia seu
marido irá exigir.
— Chega! Vá para seu quarto e durma. Sozinha. Depois dessas palavras, ela
não disse mais nada.
Depois que o leu, Elen amassou-o e jogou nas chamas da lareira. Depois
lembrou da conversa que haviam tido. Ele amava alguém que não podia ter. Seria a
rainha? Então os boatos eram verdadeiros!
Uma hora depois, desceu para o jardim, a fim de tomar um pouco de sol.
Medraut já estava à sua espera com o livro de latim. Ele estava com quase treze anos
e sua voz começava a adquirir um timbre profundo.
Fazia mais de um ano que chegara a Camelot e, para sua própria surpresa,
uma vez terminada a revolta que sentira ao vê-lo, descobrira que gostava dele.
Talvez porque se parecesse tanto com o pai. A não ser pela cor dos cabelos, dava
para ver como havia sido Arthur quando adolescente.
Arthur. Ele mudara muito naquele ano. Tornara-se mais duro, mais inflexível,
quase intratável. A princípio atribuíra isso a Medraut, de quem demonstrava
claramente não gostar. Tanto que atribuíra a Bedwyr a tarefa de educá-lo
militarmente. Mas bastara-lhe um momento de reflexão para convencê-la de que não
podia tratar-se disso. O motivo devia ser outro, muito mais sério.
Ele não respondeu, mas ergueu as cobertas para que ela se acomodasse.
— Os antigos são mais tolerantes. Nimue disse que Medraut veio ao mundo
com um único propósito. Mais não disse qual.
— Não sei. Quando olho para ele vejo Morgana e me lembro o que ela fez.
Sinto a mesma desconfiança em relação ao filho dela.
— Você fala como Nimue. Ela e Merlin acham que poderíamos transformar
Medraut. Você o aceitaria realmente como seu filho?
— Eu ainda não lhe dei um filho. Gostaria de tentar — disse e colou-se a ele
sem reservas, deixando-o sentir a maciez de seus seios sob a camisola entreaberta.
— Para quê? Seu desejo por mim morreu? Você não me quer mais?
— Não se trata disso. É que, depois daquela terrível noite da revelação, eu não
consigo... Agora você sabe por que não a procurei mais.
Ela gelou. Temia que aquele odioso incidente houvesse deixado marcas
profundas no coração dele.
— Senhora?
— Muito bem, Medraut. Você está se esmerando no latim. Sua pronúncia está
cada vez melhor.
Ele era um jovem arisco. Ao chegar, tivera problemas com os outros jovens de
sua idade. Matreiro, estudara-lhes as fraquezas e vingara-se de todos, sem exceção.
— A beleza desta rosa não pode competir com a sua — disse, oferecendo-a a
Guinevere.
— Não, não! Adoro flores — ela comentou, quando foi interrompida pelo
guarda do portão.
— Vamos, Medraut. Vamos ver quem é. Talvez seja Arthur voltando de seus
afazeres.
Ele não respondeu. Ficou mudo e num ímpeto, tomou-lhe a boca. Incapaz de
resistir, Guinevere correspondeu ao beijo com total abandono.
— Pensei que pudesse viver longe de você — ele conseguiu murmurar, entre
os beijos — Mas não consegui. Amo você. E espero que Arthur não se ofenda com a
minha volta.
Lancelot lançou-lhe um olhar interrogativo, mas não houve tempo para outras
perguntas. Seus companheiros já estavam chegando ao pátio, todos querendo
cumprimentá-la ao mesmo tempo.
Mais do que depressa, Elaine tomou-o pelo braço e o levou para a sua própria
mesa.
Depois que ele saiu, Lancelot tomou a mão de Guinevere entre as suas e
olhou-a nos olhos.
— Como você está suportando esta situação? Ela apenas encolheu os ombros.
— Pense que agora estou aqui para ajudá-la. Ela sorriu e acariciou-lhe o rosto.
— Eu também fui tomada de surpresa. Mas, por enquanto não tenho filhos. Se
eu criar esse à semelhança de Arthur, terei atingido minha finalidade. Medraut se
tornará, merecidamente, o herdeiro do trono.
— Não.
— Eu, de minha parte, não o acho tão criança assim. Ele olha para você do
jeito que eu gostaria de olhar.
— Tinha que ir — ele disse, com ar absorto. — Se não fosse, estaria traindo a
confiança que Arthur deposita em mim. E também porque achei que pudesse
esquecê-la.
— Tencionava ir para as terras de Aelle, mas a estocada que recebi na justa foi
profunda. — Desmaiei durante o caminho. Quando acordei estava em Astolat, um
pequeno forte a meio caminho entre as terras de Aelle e de Aesc.
gostou da idéia. Agora, a família dispõe de uma fortificação capaz de protegê-los das
investidas dos saxões.
— Disse que agora que Lancelot voltou, Arthur terá que vigiá-la.
— Sente-se e ouça. Lancelot é meu grande amigo e Arthur sabe disso. Os dois
são também os melhores amigos um do outro. Portanto, não há com que se
preocupar.
— Obrigada, mas não era o caso. Como já lhe disse, Lancelot é leal ao rei. Ele
próprio poderia ser rei, se voltasse para Benoic, mas prefere ficar aqui e lutar pelos
ideais de Arthur. Você teria muito que aprender com ele.
Medraut sorriu.
Mas havia algo em seu sorriso e no seu tom de voz que a levaram a acreditar
que ele mentia.
— Conte-me tudo — pediu ao filho, uma vez instalados no salão. — O que foi
que você aprendeu?
— Quero que você me fale sobre esse grande Lancelot — foi a resposta que ele
deu.
— Meu filho, isso é coisa antiga, ele sempre se comportou assim. Ainda não
avançou o sinal por uma espécie de código de honra. E sofre com isso. Mas não trairá
Arthur nem permitirá que outro homem tome seu lugar junto à rainha.
— Eu o odeio!
— O ódio é uma paixão que nos leva a cometer erros. Não se deixe levar por
ela, meu filho. Ou ela o destruirá. Compreendeu?
— É uma ótima idéia! Estarei pronto, quando a rainha perceber que não sou
mais criança, mas um homem.
Morgana levantou os olhos do bordado que tinha nas mãos e fitou-o frente a
frente. Havia desafio no olhar do filho.
— Nem pense nisso! Seu objetivo deve ser o trono e não irritar Arthur. —
Mostrou-lhe o que estava fazendo. — Teci esta lã e com ela farei um manto especial,
dotado de encantamentos e forças mágicas.
Morgana sorriu.
Ela reteve Medraut em sua casa por mais algum tempo. Ensinou-lhe tudo o
que ele precisava saber.
Capítulo VIII
— Ele podia ter vivido, se tivesse seguido os conselhos de seu pai, aceitando
as terras que ele lhe oferecia. Podia ter se tornado o líder de seu próprio povo.
— O que eu me pergunto é por que ele voltou tão tarde — observou Lancelot.
— Talvez, pensando que nos enganaria e que não ficaríamos para esperá-lo.
— Você tem razão. Temos que ir atrás de Fergus e acabar com isso de uma vez
por todas. Mas não já. Começou a nevar cedo este ano. Encontraríamos neve em
Luguvalium. Além disso é tarde demais para planejar uma campanha e colocá-la em
prática imediatamente. — Arthur sorriu de repente. — Tive uma idéia. Como o forte
está em perfeitas condições de uso, gostaria de ter Guinevere a meu lado. Bedwyr
prepare uma escolta e vá buscá-la. Ah, diga-lhe que traga Medraut. Talvez, assim, ele
comece a interessar-se pelos assuntos de guerra.
Guinevere chegou com as primeiras nevascas. Ao entrar no hall, ela riu feliz,
enquanto sacudia a neve que se acumulara sobre o seu manto de viagem.
— Sinta como estão geladas. Não consigo mover os dedos. Ele as reteve por
um instante e depois aconselhou-a:
— Não, não. Comigo ele é invariavelmente gentil. E também não o ouvi usar
esse tom sarcástico com Bedwyr. Parece que ele reserva suas ironias unicamente para
Lancelot.
— Como ele se saiu nos esportes? Cai está satisfeito com sua atuação?
Havia chegado o momento que ela temia. Como explicar tudo a Arthur?
— E então? — ele insistiu, impaciente. — Ele foi rude também com Cai?
— Cai estava lá! Por que ele não impediu a entrada de Morgana?
— Não é possível!...
— Soube depois, que Elaine costuma visitá-la. Parece que ela apóia Morgana
em seu direto de ver o filho.
— Sabe que eu não confio! E foi por isso que trouxe Elaine comigo. Acho que
seria mais prudente distanciá-la dessa nova amiga.
— Uma sábia decisão — ele concordou. — Ainda assim, quero falar com ela.
Ele puxou-a para si, retirou-lhe o manto e beijou-a na boca. Passaram algum
tempo em beijos profundos que a fizeram despertar para a volúpia e então, com o
cuidado de um homem experiente, curvou-se para beijar-lhe o sexo. E foi assim,
somente com carícias, que ele a fez mergulhar num mundo de puro prazer.
Angus respondeu:
— Vamos mandar uma mensagem para que ele entre em contato conosco.
Sua idéia era formar uma nova unidade de soldados jovens e colocá-los sob o
comando de Lancelot. Duro e exigente consigo mesmo, Lancelot empenhou-se a
— Sim, senhor.
— Em guarda!
Medraut enfureceu-se.
— Golpe de covarde!
— Lancelot estava dando a Medraut sua aula diária de esgrima com espada,
quando o protetor da arma de Medraut caiu. Mas isso não o fez deter-se, ao
contrário. Arremessou-se com redobrada fúria sobre seu adversário.
— Sim e eu não sei por quê. Lancelot já havia deposto sua espada...
Guinevere protestou.
— Isso não, Arthur! Ele pode não gostar de Lancelot, mas chegar a ponto de
matá-lo...
— Não posso mandá-lo de volta para Morgana. Mas posso retirar seus
privilégios. Antes de mais nada, ele está proibido de passear com você.
— Mas...
— Não, Guinevere. Ele está encantado demais por você. Uma semana de
segregação também não lhe fará nenhum mal. Pelo contrário, ele terá tempo de
— Não quero que meu filho tenha privilégios que os outros não têm. Vou
castigá-lo com as minhas próprias mãos!
— Agravaine não gosta de você, Arthur. Não confio nele. Arthur suspirou.
— E eu não confio em Medraut. Mas que posso fazer? Na falta de outro, será
ele o meu herdeiro.
— Espero que assim seja. Um incesto traz em si a sua própria punição. Sinto-
me igualmente estranho tanto diante de Morgana quanto diante de Guinevere.
— Não posso dar a minha mulher o que ela deseja. Mas também não quero
que ela se afaste de mim. Não sei se por egoísmo ou por obra de Morgana.
Guinevere olhou-o. O jovem era belo até demais. Seus cabelos claros eram
cacheados e os brilhantes olhos azuis destacavam-se na pele de alabastro.
— Não acho que Medraut deva ir ver Morgana — tornou Arthur, retomando o
assunto.
— Mas Morgana é a mãe dele. E não o vê há quase três anos! Que mal há
numa visita breve? — retrucou Guinevere.
— Que exagero!
— Está bem, Guinevere. Não quero que se zangue. Se acha que Medraut deve
ir, então que vá!
A única pessoa a alegrar-se, aos ver os dois juntos, foi Morgana. Aos dezesseis
anos, Medraut tornara-se um jovem alto, musculoso, capaz de encantar as mulheres.
Olhou-o com agrado.
Mas quando ele lhe contou sobre as chibatadas que levara, ela revoltou-se e
pediu-lhe que tirasse a camisa.
— Não está exagerando, Medraut? Não acredito que Lancelot tenha passado
por cima de seu código de honra!
Elaine corou.
— Estou começando a ficar cansada de vê-lo correr atrás da rainha. Ele bem
que podia demonstrar algum interesse por mim!
— Posso preparar uma poção que o faça desejar... desejar, não, necessitar de
uma mulher. Dê um jeito para que ele a tome em sua presença. O efeito será mais
rápido.
— E depois, Elaine?
— Mas Lancelot terá que se casar comigo. Sua honra estará em jogo!
— A poção apenas acenderá o desejo dele por você. Não o fará amá-la.
— Posso fazer com que ele se apaixone por mim. Sei que posso!
— Uma vez.
Elaine o repeliu.
— Gareth! O que você faz aqui?... E por que está servindo à mesa?
— É verdade, Beaumains?
— Por que não nos disse nada? Cai, venha cá! — chamou. — Por que você pôs
na cozinha, como criado um irmão de Gwalchmai? — inquiriu em voz baixa.
— Eu não sabia! Ele apareceu aqui há um ano e me disse que queria seguir o
seu próprio Caminho. Achei-o delicado demais para ser soldado e enviei-o à cozinha.
Guinevere interferiu.
Quando Gwalchmai chegou, foi um feliz momento para os dois, que não se
viam havia muito. Terminadas as efusões, Arthur pronunciou-se:
— Dei-lhe ordens taxativas para que não saísse da cozinha. Arthur voltou-se
para Beaumains.
— Você terá que conquistar esse posto, Gareth. Tenho uma unidade e jovens
que estão sendo treinados por Lancelot. Você não poderia ter um mestre melhor. Vá
procurá-lo, quando ele voltar.
Guinevere sentiu uma ponta de ciúme, ao pensar que ele viajara ao lado
daquela beldade de cabelos negros e olhos incrivelmente azuis, que esvoaçava como
uma borboleta por entre os homens. Viu o olhar de adoração estampado no rosto de
Tristão e reconheceu o sofrimento do amor, enquanto ele a ajudava a subir as
escadas.
Custennin o filho de Marc também viera. E embora muito jovem, seus homens
acatavam de bom grado as suas ordens. Não ficou surpresa, quando Arthur levou-o
consigo para conversarem. Seu marido gostava de jovens arrojados. Se tivesse uma
impressão positiva, iria aproveitá-lo para dar-lhe o comando de divisão de seu
exército.
— Mas já faz mais de quatro anos que ele comprometeu-se a criá-lo! — objetou
Nimue, olhando-a com atenção. — Argante disse que você se sente infeliz. E, apesar
da pouca idade, ela raramente se engana.
— Infeliz, insatisfeita, frustrada! Que é que faço, então? Diga-me! Pelo amor
de Deus, diga-me!
— E verdade, amo os dois. Amo Arthur por sua força, por seu compromisso
com a paz e a justiça. Ele tem todas as qualidades de um homem de valor. Mas sinto
que há nele uma porta fechada para mim. É talvez por isso que discutimos tanto. Já
com Lancelot não há essa restrição. Quando estou ao lado dele, tudo me parece fácil e
correto. Amo e quero os dois, Nimue. Mas não posso ter nenhum.
— Mas vai chegar o dia em que você terá que escolher. Ou um, ou outro. A
vida de Arthur vai depender disso.
— Onde está Medraut? — perguntou Lancelot. — Ele não devia estar aqui?
Lancelot mal escondeu um bocejo. Era uma cerimônia tediosa, mas necessária.
O Grande Rei tinha que agradecer a homenagem que lhe era prestada. Voltou-se
para segui-la. A criada acabava de pôr sobre a mesa um manto ainda em seu
invólucro, uma fina pele de couro curtido ostentando o sinete de seu doador, que lhe
pareceu conhecido.
Guinevere ficou encantada à vista de uma peça tão bonita e quis experimentá-
la. Lancelot virou-se ansiosamente para Nimue.
— Impeça-a! Há alguma coisa maligna nesse manto! Não sei o que é... mas...
Guinevere olhou-a e depois para Lancelot, que lhe fez um aceno negativo com
a cabeça.
Feito isso, pediu luvas aos criados e retirou-lhe o manto, conservando o forro
que envolveu no couro em que viera embrulhado.
— Cal viva — disse Arthur. — Queima a pele. Teremos que banhá-la antes de
levá-la à enfermaria.
— Ela não está aqui. Nem Accolon — objetou Guinevere com voz fraca.
— Você não me deve nada. Foi uma reação instintiva, diante de um perigo
iminente. Apenas isso.
— Foi um dia conturbado. Tive emoções demais. Vou me retirar mais cedo —
anunciou, desconsolada.
— Milady quer vê-lo. Não consegue dormir, depois de um dia tão atribulado
quanto o de hoje.
Lancelot ficou parado à porta do quarto. O que fazer? Ter nos braços a mulher
que amava e desonrar o amigo?
Fechou a porta e tomou o caminho da capela, agora banhado pela luz do luar.
Percorreu-o rapidamente e bateu na porta apenas com dois dedos.
Abriu-a e entrou. Uma única vela ardia num canto. Quando seus olhos se
ajustaram à sua fraca claridade, entreviu uma massa de cabelos acobreados
espalhados sobre o travesseiro.
— Há vinho para você sobre a cômoda. Tome-o — ela pediu em voz baixa.
Lancelot achou que fosse uma espécie de jogo e resolveu atender ao pedido.
Ergueu a taça e engoliu de um gole toda a bebida. Era acre, amarga e não continha
calor algum.
Sabendo que já fora longe demais para que agora recuasse. Penetrou-a com
todo o seu peso e sentiu-a quase tímida às suas arremetidas. Estranhou, porque
julgara que Guinevere se mostraria mais ativa, uma verdadeira parceira no ato do
amor. Iria ensiná-la aos poucos, até transformá-la na mulher ardente e fogosa que
queria estreitar nos braços.
Quando o foco de luz, uma lanterna, foi abaixado, com um fraco suspiro pôde
ver quem o segurava: Nimue, que obviamente, acabara de chegar da enfermaria.
Arthur e Guinevere chegaram enquanto ele se vestia. E outros também, uma ver-
dadeira multidão de formas vagas, de ferros e lanças, de lâminas retas de espadas.
Olhos chocados focalizaram-no. Os de Guinevere particularmente.
Mais uma vez, foi Nimue quem tomou conta da situação. Empurrou Arthur e
Guinevere para dentro do quarto e fechou II porta, deixando os demais do lado de
fora.
Guinevere pensou como ela podia manter-se tão calma diante de um quadro
tão patético. Depois, olhou para Elaine, que sorria triunfante. Ia precipitar-se contra
ela, mas o braço forte de Arthur a impediu.
Nimue abriu a porta e pôs-se a falar com os que estavam fora. Uma pergunta
incisiva cortou bruscamente sua declaração lealmente Nimue respondeu: Sim, é
verdade. Guinevere sentiu seu mundo desabar. Não havia mais esperança.
— Arthur iria anunciar o casamento esta tarde — ouviu Nimue dizer —, mas
houve essa antecipação e Lancelot resolveu anunciar ele próprio que vai tomar Elaine
por esposa. — Houve algumas risadinhas e outras perguntas, e Nimue continuou,
calma: — Assustei Elaine, quando eu vim em busca de minha bolsa de ungüentos.
Ela gritou. Foi apenas isso que aconteceu. Podem ir, eles irão precisar de um pouco
de privacidade.
Arthur largou a mão dela apenas quando ouviu o ruído dos passos morrer aos
poucos. Quando Lancelot e Elaine saíram, ele enfrentou-a.
— Se houver ainda alguma coisa que você possa fazer para reparar esse
absurdo, faça-o, Guinevere. Não quero ver esse reino desabar por força da luxúria!
Antes que ela pudesse responder, a porta foi aberta. Elaine apareceu no limiar,
sorridente, ao lado de um humilhado Lancelot.
Foi demais para Guinevere. Num assomo de ódio, ela partiu para cima de
Elaine. Mas Lancelot interpôs-se entre as duas.
— Nimue, por favor leve Elaine para bem longe daqui. Não vou me casar com
ela. Arthur irá encontrar um modo de ajeitar as coisas.
— Não. Não tenho culpa alguma do que aconteceu. Fui enganado. Mas fui
também ingênuo. Devia saber que você jamais...
— E o que disse a ele? — Não consegui dizer que não iria. Lancelot acariciou-
lhe o rosto.
— Tem razão, Guinevere. Você não pode. Nem agora nem nunca.
Capítulo IX
— Nem sei mesmo por onde começar. Tudo aconteceu tão de repente... O fato
é que caí numa armadilha... Eu, um homem experiente, curtido pela vida... deixei-me
levar por aquela impostora. Foi ela que tramou todo o mal!
— Com efeito, Arthur! Foi você mesmo que me contou o que estava
acontecendo!
— Sim, fui eu. E confesso que fiquei surpreso, ao perceber que você não se
aproveitava disso. Ou aproveitou?
Arthur fitou-o por um momento. Não podia zangar-se com aquele amigo fiel e
dedicado, que lhe dera tantas provas de lealdade.
— Mas é o futuro do país que está em jogo! Se o povo não acreditar em mim,
não acreditará também em minhas juras de paz e justiça para todos! Você errou e irá
pagar pelo seu erro, mas não com a vida. Casando-se com Elaine. Os boatos cessarão
e a honra de Guinevere será restaurada.
— Nimue teve uma boa idéia — continuou Arthur, mais calmo. — Leve Elaine
para Bela Vista. Eu a dotarei e manterei você no comando de minhas forças.
— Quando?
— Você vai permitir que ele se case com aquela... aquela mulher? —
Guinevere entrou como um furacão na sala de mapas.
Ela jogou a cabeça para trás. Parecendo uma leoa, no ardor tia argumentação.
— Faz anos que Elaine o persegue, mas Lancelot jamais demonstrou interesse
por ela. Então, para que insistir?
— Sou o Grande Rei, devo explicações ao povo. Que outra decisão eu poderia
tomar, a não ser essa?
— Nada tenho a discutir com você, Guinevere — murmurou Arthur por entre
os dentes. — Isso é problema meu!
— E meu também.
— Pois bem! Que resposta você daria aos que dizem que era você o alvo de
Lancelot?
Guinevere empalideceu.
— Eu a lembraria de que nós estamos lutando juntos para que,a paz e a justiça
imperem na Bretanha. O que aconteceria ao nosso país, a nós todos, se minha política
fracassasse? Acabaríamos massacrados pelos saxões. — Ele fez uma longa pausa. —
Agora você compreende por que temos de acabar com, isso de uma vez?
— Lembrei-me agora que preciso falar com Merlin. Voltarei para buscá-la no
final da tarde.
— Amo você, Guinevere e não quero perdê-la. Mas farei isso uma única vez!
— Um ar aflito cruzou seu rosto, antes de dizer: — Prossiga.
Ela não o acompanhou com os olhos, antes de subir, ou não teria tido a
coragem para atirar-se em seguida nos braços de Lancelot. Quando se separaram,
perguntou, ainda abalada:
— Foi um presente que ele me deu, em troca da sentença que serei obrigado a
cumprir: casar-me com Elaine — disse Lancelot com ar sombrio. Mas logo se refez. —
Venha depressa, vou levá-la a um lugar que ainda não conhece.
— Você está tentadora. Parece uma sereia. Impulsionada por um súbito desejo
de apagar aquele sorriso, ela pôs-lhe a mão no peito e empurrou-o para baixo. Mas
Lancelot agarrou-a pelos pulsos e a fez submergir. Quando vieram à tona, puxou-a
de encontro ao peito e beijou-a, um beijo longo, rude que a fez perder o fôlego.
— Lance...
Em seus olhos havia uma expressão que ela reconheceu: desejo. Excitada ela
própria pelo desejo que havia provocado, deixou que ele a erguesse de um só golpe e
a depositasse, triunfante, sobre uma cama de musgo. E o que aconteceu então foi um
ato de louca paixão. Quando ele a penetrou, deu-se por inteira.
— Meu pequeno cisne... você veio para mim roubada das estrelas.
— Isso a incomoda?
— Talvez.
— Acho que sim. Ele quer um herdeiro, mas que não seja Medraut.
— Você já pode estar com a sua semente, Guinevere. Fomos muito ativos,
enquanto estivemos nos braços um do outro.
— Peço a bênção da Deusa pelo que aconteceu hoje, neste lugar, — Depois levantou-
se comentando: — Essa é uma das poucas coisas que eu me lembro do tempo que
passei com Merlin.
— Não, mas fui à abadia com meu pai. Naquela ocasião falava-se muito sobre
o ressurgimento da teoria de Pelagium, — Ela ficou pensativa um instante. — Eu
tinha seis anos naquela época.
— Sim era eu. E o monge era Merlin disfarçado. Ele nos mandou embora,
lembra-se? Depois minha mãe me explicou o porquê.
— Por quê?
— Ele queria nos ver separados. Dizia que, juntos, acabaríamos por destruir os
sonhos de Arthur.
Era uma dor que a despedaçava, que não poderia suportar. Que seria dela
agora, sem Lancelot?
Sabia que Lancelot não queria aquele casamento e que o aceitara apenas para
salvar sua honra. No entanto, não podia deixar de pensar que seria agora Elaine a
usufruir daquelas mesmas carícias que ela recebera, dos mesmos beijos, da mesma
potente virilidade...
— É sua noite de núpcias, homem! Todos esperam que você a leve para a
cama.
— Hum...
Lancelot fez o que lhe mandavam sem olhar para Elaine que já estava deitada
na cama.
— Beije-me, meu marido e me tome nos braços — ela murmurou com os olhos
semicerrados.
Ele pousou os lábios sobre os dela com toda a rudeza de que foi capaz e
depois encostou-se ao espaldar da cama. Imediatamente, Arthur levou todos para
fora do quarto.
— Minha nobre esposa, esse foi o último beijo que roubou de mim. Nem eu
mesmo imaginava a tortura que foi ter você em meus braços. Quero esquecer esse
momento, amarfanhá-lo, queimá-lo, para que sua lembrança se extinga rapidamente!
— Mas eu te amo!
— Que quer ainda de mim? Já me fez todo o mal que podia fazer. Você me
enganou, ao armar aquela cilada infame!
Ele interrompeu-a:
— Vamos esclarecer esse ponto! Você não era virgem, quando se entregou a
mim. Quem foi o primeiro? Quem, Elaine?
— Foi apenas uma vez. Para que não houvesse dor quando Você me tomasse.
Fiz mal, devia ter esperado.
Por um momento, ele não soube o que dizer. Depois pôs-se a rir
descontroladamente.
— Mas eu sim! Medraut venceu desta vez. Mas eu lhe darei o troco...
— Compreenda bem: já lhe concedi uma noite e, para mim, foi o suficiente!
— Com uma vida sem amor e sem sexo? — ele completou. — Pois isso é tudo
o que você terá de mim! — Jogou a coberta para o lado e levantou-se. — Sugiro que
vá ao padre e peça a anulação deste casamento, porque tudo não passou de uma
farsa!
— Espero que voltem logo para Camelot — ela disse em voz alta, para que
todos a ouvissem. E depois mentalmente: você para mim, Lancelot.
— Por enquanto nada, mas estou preocupada, ele fez amizade com um grupo
de recrutas indisciplinados. Bedwyr não tem mãos a medir, agora que Lancelot
partiu. Desdobra-se para impor-lhes disciplina. Inutilmente.
— Tenho certeza de que ele está ressentido porque eu ainda não o proclamei
meu herdeiro. — Os lábios de Arthur comprimiram-se por um momento, e depois
afrouxaram-se num suspiro. — O homem inicia o seu paraíso ou seu inferno aqui na
Terra. Assim comecei o meu.
— Sei que você está sendo coagido, Arthur. O que pretende fazer?
— Em relação a Medraut? Nada. Ele ainda não é o meu herdeiro e não será
enquanto não o designar oficialmente. E isso é algo que não pretendo fazer.
— Jamais gostei. Você sabe disso. Mas tenho uma solução. Custennin.
— O filho de Marc?
— Ele mesmo. Se você não puder ter filhos, Custennin será oficialmente
investido como príncipe e herdeiro do trono. Os menores reconhecerão essa
possibilidade.
— E se eu puder tê-los?
— Mas são necessários dois para que... — ele interrompeu-se — Você está
grávida?
— Lancelot.
— Por favor, Arthur. Não fique zangado. Isso significa tanto para mim... para
nós...
— Pedi a ajuda da Deusa, embora seja cristã. Foi outro pecado mortal que
cometi.
— Orar para a Deusa não é pecado. Afinal, Lancelot é filho de uma grande
sacerdotisa. O problema não é esse.
Guinevere inquietou-se.
— Ele não faria tamanha desfeita a você! Foi compreensivo, no caso de Elaine,
aceitou casar-se com ela pelo bem de todos nós.
— Está bem, Guinevere — suspirou Arthur. — Não direi mais nada. Aceitarei
a criança e a criarei como se fosse minha. Se for menino, será meu herdeiro.
— Seria muito arriscado. Mais cedo ou mais tarde, ele poderia voltar-se contra
nós.
— Permissão concedida. Peço-lhe apenas que traga Cerdic vivo. Quero saber o
que ele pretende.
Gryflet chegou seis semanas depois, sob o vento frio de um outono chuvoso.
Arthur e Guinevere correram para recebê-lo.
— Cerdic retirou-se com suas tropas para a região pantanosa. Sem refletir,
Natanlaod deu ordens para que a cavalaria avançasse, praticamente levando cavalos
e cavaleiros a afundarem no lodo. Quando os remanescentes chegaram à beira do
bosque, depararam-se com os homens de Cerdic, que caíram sobre eles como moscas.
Depois houve o caos. Ao saber que o Senhor da Guerra estava morto, a infantaria
bateu em retirada.
— Parece que sim. Pelo menos eram essas as vozes que corriam em
Clausentum.
Depois que ele se foi, Arthur voltou-se para Guinevere, que estava no sétimo
mês de gravidez.
— Odeio ter que deixá-la, meu amor. Mas essa rebelião te que ser reprimida a
qualquer custo!
Haviam se passado quinze dias, desde que Arthur partira. Era uma fria tarde
de dezembro e Guinevere estava sentada junto ao fogo, aquecendo-se ao seu calor.
Fora havia neve e o vento ululava, mas ela estava feliz. Acabava de sentir seu bebê
mover-se.
— Mas por pouco tempo. Vou esperar a volta de Arthur. A propósito, como
ele reagiu ao saber que você estava grávida?
— Com alegria, mas também com preocupação. Temia que você viesse
reclamar o bebê. Prometeu-me que, ser for menino, o fará seu herdeiro.
— E seu filho com Elaine? Você poderá tê-lo em seus braços quando ele
nascer.
— Vou esperar até que nasça. Então verei o que posso fazer. Não a toco desde
aquela infeliz noite, quando eu pensei que fosse me encontrar com você.
— Mas ela proclama que você quer abusar sexualmente dela para matar o
bebê que está em gestão!
— Quanto a isso, você pode ficar tranqüila. Não faria mal a bebê nenhum nem
mesmo ao dela.
— Vamos ver o que acontece. Até quando você vai ficar aqui?
— Um dia ou dois. Espero que Arthur chegue antes que a neve feche os
caminhos. Preciso voltar a Bela Vista antes disso.
Quando recobrou a consciência, viu Nimue inclinada sobre ela. Seu rosto
demonstrava preocupação.
— O que... o que você está fazendo aqui? Estou com tantas dores... meu ventre
queima como fogo, O bebê... — murmurou e tentou sentar-se.
— Não há nada que você possa fazer? O bebê é um presente da Deusa, E você
é sua sacerdotisa.
Guinevere compreendeu.
— O que é?
— Não se entregue. Você perdeu muito sangue, terá que se alimentar bem
para recuperar-se.
— Não! Ele não pode sair do lado de Elaine. Se não estiver em casa quando a
criança nascer, ela tomará medidas para que ele nunca mais a veja.
— Seja como for, não o chame. Eu pequei e essa será minha punição. Não vê-
lo mais. Nunca mais!
— Mas fui eu que lhe dei permissão para que você fosse a seu encontro,
lembra-se?
Com essas palavras, Arthur sentiu como se um grande peso lhe fosse tirado
das costas. Então, ao olhar para sua mulher, sentiu uma onda de desejo sobrepujá-lo.
Pela primeira vez nos últimos anos. Seu coração encheu-se de felicidade. Ela estava
ainda fraca e abatida, mas saberia esperar.
— Para onde você gostaria de ir? Tudo está calmo agora que poderíamos...
— Você é um homem muito ocupado, Arthur. Não devia ter vindo aqui.
Guinevere ficou pensativa. Ainda não estava pronta para voltar. Tinha que
trabalhar muito para receber a absolvição de seus pecados. Assim, na próxima vez
que Arthur foi visitá-la, deu uma desculpa e não o recebeu.
Ao sair, deparou-se com Lancelot. Sua emoção foi tamanha, que cambaleou e
teria caído, se ele não a amparasse.
— Você não está concentrada no jogo — ele observou. — O que há com você?
— Estava pensando em Elaine. Ela mudou de opinião sobre sua vinda para
Camelot? Ele ficou sério.
— Então por que você veio para cá? Não pensou que ela poderia concretizar a
ameaça?
— Arthur não pensou nas conseqüências? Ele já sabia das ameaças de Elaine!
— Duvido que Arthur tenha pensado nisso. Quanto a Galahad... verei o que
posso fazer para recuperá-lo. — Lancelot tornou a sorrir. — Venha sentar-se ao meu
lado.
— Pecado é o que você está fazendo comigo. É mais que pecado, é uma tortura
— ele murmurou, beijando-lhe a palma da mão.
— Ele não precisa de sua espada, por enquanto. Está em tratativas com Cerdic.
Por que não espera que ele volte? Até lá posso aproveitar sua companhia.
— Tem razão. Quero que você venha para mim livremente e que sinta prazer
em meus braços.
Ele montou Pryderi e partiu a galope, quase deitado sobre sua montaria.
Capítulo X
Amava profundamente aquela terra para onde viera quase menina e sempre
esperara que ela fosse suficiente para os filhos que viriam, e que eles soubessem
extrair dela a força e o desejo de permanência, como havia feito. Mas agora...
— É suficiente que você tenha voltado para mim — ele murmurou, tomando-a
nos braços e dando-lhe um grande beijo.
Guinevere nunca tinha visto tanta suavidade, tanta ternura, tanto amor nos
olhos dele. Encostou a cabeça em seu ombro: e pôs-se a chorar de felicidade.
— Houve problemas?
— Senti muito a sua falta. Um ano! É muito tempo. E por que se recusou a me
ver?
— Sinto muito, Arthur. Não o recebi porque você queria me tirar de lá.a. E
Arthur não pensou duas vezes. Agarrou-a pelo braço e rasgou-lhe o vestido
de alto a baixo. Depois jogou-a sobre a cama.
Ele tomou-a assim mesmo e apertou-a nos braços com a raiva silenciosa do
desejo, cobrindo-a depois de beijos e m deduras.
Quando tudo terminou, Guinevere rolou para o lado e encolheu-se toda, com
a impressão de que um abismo se abrir entre ambos.
— Guinevere... eu a magoei?
— Não sei o que aconteceu, mas alguma coisa não vai bem entre Arthur e
Guinevere.
— Tem certeza?
— Não tem a menor idéia do que possa ter sido? Ele deu os ombros.
— Brigas de amor, talvez. Lancelot está nervoso e Arthur também. Que é que
vai acontecer agora com a campanha contra os Scotti?
— Não se preocupe meu filho. Estão ambos ligados por um estranho elo.
Podem lutar pelo amor de Guinevere até a velhice, mas cada um deles daria a
própria vida para defender a do outro.
— Estive pensando... Se Arthur morrer num campo de batalha serei o seu rei.
E poderei ter Guinevere.
— Esqueça Guinevere! Você poderá ter a mulher que quiser, se for investido
oficialmente rei. E é isso que importa. E essa será a sua meta: a realeza. Quanto a
Arthur morrer em campo de batalha... É impossível, enquanto ele estiver usando sua
espada mágica em sua bainha encantada.
— Excalibur e sua bainha... Elas evitarão que o rei perca muito sangue.
— Aproxime-se mais.
— Excelente plano, mãe. Não tem outro em mente? Raptar Guinevere por
exemplo? Nesse caso eu ajudaria.
— Espere e verá. E agora me fale desse novo hóspede que vocês acabam de
receber.
— Cynrie? Arthur o trouxe como refém. Ele é filho de Cerdic, Foi graças a isso
que as negociações entre ambos avançaram.
— Como ele é?
— Talvez um dia ele se torne nosso aliado — cogitou Morgana. — Você tem
que pensar no futuro e formar uma sólida base de aliados. Pessoas em quem possa
confiar. Os saxões, por exemplo. Que vantagem eles têm em tornar-se aliados de
Arthur? Nenhuma! Chame-os para o seu lado, ofereça-lhes terras e o direito de
deslocar-se livremente de um lugar para o outro. E verá que eles corresponderão.
— Acham que não sei dirigir um pelotão? — Ele virou-se para Lancelot. —
Você, que costumava exercitá-los diariamente, não teria feito mais do que eu fiz!
— Pela primeira vez, desde que nos conhecemos, você está permitindo que
seus sentimentos pessoais interfiram em seu comando.
— Não sei o que aconteceu entre você e Arthur. Mas, seja o que for, está
prejudicando nossas tropas. Você percebe o que isso significa, irmã?
— Perdoe-me, Arthur. Fui rude demais com você, nos últimos tempos.
Ele surpreendeu-se.
— Você é uma mulher difícil, Guinevere. Mas ainda prefiro ter você ao meu
lado.
Fazia semanas que as tropas haviam partido. Cai estava servindo o jantar a
Guinevere, quando Cynric apareceu no corredor, acompanhado de sua guarda.
— Ele pede permissão para falar com milady — disse-lhe Cai, depois de ouvi-
lo.
Ela hesitou.
— Traga-o, então.
— Não tentarei fugir, se é isso que teme. Não poderia, mesmo se pudesse. O
guarda tornou-se a minha sombra. — Antes que Guinevere tivesse tempo de
qualquer comentário, ele prosseguiu, ansioso: — Faria qualquer coisa... mesmo a
mais humilde.
— Vou ver o que posso fazer. Mas não lhe prometo nada. Os olhos dele
brilharam.
— Conhece Medraut?
— Não tão bom quanto seu paladino. Mas quem é melhor do que ele?
Guinevere sorriu.
Guinevere confiava nele. Tinha certeza de que Arthur seria gentil e cuidadoso.
Estava escrito em seus olhos, enquanto a tocavam com ternura e em suas mãos,
enquanto se punham a acariciá-la, transmitindo calor e um desvelo infinito.
Lancelot fitou-o e empalideceu. Eric... a escolta de Elen! Por que viera de tão
longe?
— Este homem trouxe algo em sua barcaça que o senhor precisa ver.
Estacou quando viu a barcaça, incapaz de dar mais um passo. Elen, agora a
sombra do que fora, jazia vestida de branco, num ataúde aberto.
Elen, tão gentil, tão inocente... E quando Eric entregou-lhe um bilhete para que o
lesse, Lancelot passou-o para Guinevere. Não poderia... não se atreveria...
Ela sentiu a dor que o despedaçava e leu baixinho, somente para os seus
ouvidos:
Querido Galahad, quero que saiba que só amei a você, mesmo consciente de que você
jamais corresponderia ao meu amor. Amei-o demais e é disso que estou me punindo, dizendo-
lhe adeus para sempre. Tenho um pedido a lhe fazer. Se puder, e espero que possa, enterre-me
em Camelot, o lugar que eu esperava um dia conhecer. Da sua Elen
Arthur mordeu o lábio inferior e olhou para o outro lado. Nesse instante
Bedwyr e Gwalchmai chegaram com a padiola e depuseram nela a jovem morta.
— Para onde?
Morgana falou com Medraut, quando soube que Lancelot partira, pedindo-lhe
que a mantivesse informada sobre o destino do paladino. Já estava pronta para
executar seu plano. Assim, não ficou surpresa, quando viu o filho surgir galopando
em certa manhã de junho.
Ele foi para lá na esperança de uma absolvição que de nada lhe servirá. — Ela
tornou a sorrir, um sorriso irônico, desta vez. — Considere cumprida a nossa missão.
— Você não vê, mas há um pequeno buraco na ponta da agulha. Vou enchê-lo
de acônito. Quando eu o picar, ele perderá imediatamente a consciência. Accolon
poderá amarrá-lo sem susto. Ele não se debaterá.
— Não, quero apenas fazê-lo meu refém. E como sei que Arthur virá procurá-
lo aqui, quando souber do ocorrido, vou levar Lancelot para um lugar onde ninguém
possa encontrá-lo. A masmorra de Maelgwin.
— Tenho uma idéia melhor. Meu amigo Cynric tem um lugar secreto para o
seu próprio uso. Está bem estocado de alimentos e bebidas porque pretendia usá-lo
como bordel.
— No interior da floresta.
— Perfeito! Você me leva até lá? Quero ter certeza de que serve para a nossa
finalidade.
Lancelot acordou com uma grande dor de cabeça. Tentou erguer-se, mas não
pôde. Estava com os pés e as mãos amarrados às quatro colunas de uma cama
confortável. A mente ainda enevoada pelos efeitos do narcótico, pensou se não fora
envolvido num jogo especial por alguma mulher apaixonada.
— Você não me quer, Morgana. Então diga logo o que pretende de mim.
— Não vim aqui para isso — disse enquanto tirava do bolso uma garrafinha
cheia de um líquido onde mergulhou uma agulha muito fina.
— Bons sonhos!
Depois disso, Lancelot vivia como num sonho. Tinha consciência de que, de
vez em quando, Accolon entrava, desamarrava-o para que se cuidasse sozinho e
depois tornava a amarrá-lo.
Voltava então para seu estranho mundo, onde se sentia muito confortável. Às
vezes, as damas das tapeçarias vinham lhe fazer companhia. Outras, uma sombra se
recortava diante do retângulo da janela, depois outra e mais outra, a um impreciso
desfile de sombras que se pintavam à luz do luar. Em seu jardim, Elen ia e vinha em
meio aos sussurros dos lírios e das estrelas. Parecia feliz.
Ele também sentia-se feliz. Guinevere estava sempre a seu lado, naquele
quarto encantado, de jogos infinitos, e sua presença transmitia à noite um pouquinho
de seu mágico calor.
— Não importa, Accolon. O que você tem que fazer é bem simples: desafiá-lo,
propor duelo, de modo que ele se veja obrigado a desembainhar a espada. Farei a
troca enquanto todos os olhos estiverem postos em você.
Ela riu enquanto se despia e caía sobre a cama, com Accolon por cima dela.
Graças aos deuses por isso. Preciso segui-los, quando partirem. Arthur corre perigo,
pensou Lancelot, enquanto fingia estar ainda inconsciente.
— Não pode ser verdade, Arthur. Lancelot jamais... Arthur ergueu a espada
que o mensageiro trouxera.
— É dele, não é?
— Confinado em meus domínios. Tenho esse direito. Não sou sua consorte?
Accolon aproximou-se.
— Os punhos.
— Aqui?
— Aqui e agora!
Arthur passou Excalibur para Bedwyr e fez um gesto a seus homens para que
ficassem afastados.
— Passe-me o cinto e a bainha, Arthur. Livre você poderá lutar mais à vontade
— sugeriu Morgana docemente.
Lancelot irrompeu do meio das árvores e viu Arthur caído ao solo. Sua mente
ainda confusa não conseguiu distinguir quem eram os assistentes. Num gesto
instintivo, ergueu a espada e foi ao encontro de Accolon, a lâmina penetrou em seu
peito. Enquanto Accolon caía, Arthur rolou para um lado e ergueu-se.
Lancelot assentiu.
Arthur ergueu-o e o colocou de novo sobre a sela. Ele estava pálido e tremia
muito.
Então viu Arthur chegar atrás de seus familiares, conduzindo um cavalo pelas
rédeas. Sobre a sela havia um homem deitado de braços. Lancelot?
À tarde, Lancelot foi removido para seus próprios aposentos, já que o médico
não sabia como controlar os tremores. Desolada, Guinevere via-o lançar olhares
inquietos, como um animal acuado, a boca murmurante proferindo palavras e frases
sem nexo.
— Tudo ficou... confuso. Eu... eu apenas flutuei num mundo sem idéias.
Ele voltou-se para Nimue. Sentia o coração confranger-se de ciúme por deixá-
la a sós com Lancelot.
— Arthur, você está usando a mesma bainha? Arthur olhou-o com alguma
surpresa.
Enquanto Lancelot repetia a conversa que ouvira até onde podia lembrar,
Nimue levantou-se e foi tirar do gancho o cinto com sua bainha. Colocou-a sobre a
mesa e examinou-a detalhadamente, correndo os dedos pelas ornamentações
gravadas no couro macio.
Arthur empalideceu.
— Então foi por isso que Morgana planejou seu seqüestro, Lancelot. Um refém
era um artifício para que ela pudesse trocar a bainha por outra que não me desse
proteção durante as batalhas.
— Mas ela não levou a bainha consigo. Estava inconsciente, lembra-se? Talvez
o menino que eu vi a tenha deixado no lugar onde Morgana a escondeu.
Capítulo XI
Medraut olhou para a mãe com ar de desalento. Seus olhos estavam tão cheios
de desânimo, que o coração de Morgana transbordou de preocupação e pena.
— Lancelot voltou. Não sei como faz, mas ele sempre acha uma maneira de
ficar perto da rainha!
— Tive uma idéia... algo que talvez o ajude. — Dito isso e sem esperar
resposta, continuou:—Então o rei está começando a fraquejar.
Medraut riu.
— Ele, perder o vigor? É tão capaz quanto o mais jovem de seus homens!
— Concordo com você nesse ponto. Mas um rei, um Grande Rei, jamais se
permitiria a passar por marido traído!
— Nesse caso, ele estaria perdido. Teria que renunciar. Em seus estatutos, os
reis menores admitem essa possibilidade.
— Antes disso, você precisa encontrar pessoas confiáveis, talvez até mesmo
amigas de Arthur, dispostas a surpreender os dois pombinhos e a testemunhar
contra eles. Esse é um ponto vital.
O homem era de fato um perigo e, para evitar problemas futuros, o rei decidira en-
frentá-lo.
A idéia era usar os jogos de primavera como disfarce. Quintas não imaginaria
que as tropas bretãs já estivessem prontas e aguardaria. Daquela vez, o elemento
surpresa funcionaria a favor de Arthur.
Quando Arthur chegou, Medraut já estava sendo levado para fora da liça.
— Não sei. Acho que Medraut me odeia — disse Lancelot, ainda sem fôlego.
— Pode ser, Nos últimos tempos, ele mudou sua maneira de duelar. Sabe
guardar-se, mas seu estilo é agressivo demais.
— Impossível! O que ele sente por mim é apenas afeição. Como um filho por
sua mãe.
— Vai sobreviver. Mas não poderá usar o braço por alguns meses. A lâmina
atingiu alguns músculos.
— Sei disso e vou pensar num modo de mantê-lo em atividade. Mas não
agora. Os jogos vão continuar.
— Compreendo.
— Sem dúvida. Mas não posso dispensá-lo. Bedwyr irá comandar o flanco
direito de meus cavalarianos, uma posição vital e ele sabe o que representa em
estratégia durante a batalha. Gwalchmai comandará o esquerdo e Gryflet ficará à
frente de sua antiga companhia, Lancelot.
Guinevere alarmou-se.
— Não sei, pode ser. Suspeito até de meu filho. E também de Agravaine, um
homem brutal e insensível.
— Sei que a protegerá porque você a ama tanto quanto eu — disse Arthur com
ironia.
— Vá tranqüilo, Arthur. Não tivemos outras relações além daquela que você
permitiu.
As notícias iniciais eram boas. As tropas de Arthur haviam sido bem recebidas
pela população e, naquele momento, aprontavam-se para abrir caminho através das
montanhas Pennine.
— Qualquer homem treinado por Arthur sabe que seu dever é lutar. Mas... —
ele interrompeu-se. Estou ficando louco! Faz seis semanas que resisto à vontade de torná-la
nos braços...
— Quem?
— Sim, eu sei — ele murmurou enquanto pousava seus lábios sobre os dela.
— Eu... Não resistiria, se você me beijasse de novo. Ele apertou-a com força
contra seu peito.
— Então, meu amor, acho que está na hora de fazer algo mais prazeroso do
que conversar.
Mas não foram mais adiante. Um estrondo inesperado, como se algo tivesse
acabado de se quebrar, levou-os correndo para a porta.
— Fiz isso por Guinevere — disse e depois retirou-se. Lancelot olhou para
Guinevere, confiante como sempre.
— Acharei um modo de ficarmos a sós num lugar onde ninguém venha nos
perturbar. — Ele sorriu. — Não sou desses que desistem facilmente.
Tudo lhe parecia espetacular naquele dia. Nunca se sentira tão vivo, tão cheio
de esperança.
— Uma neblina mágica, minha preciosa — ele sussurrou, puxando-a para si.
— Minha filha, reze para que eu me vá logo. Estou cansada. Quero ir em busca
de meu repouso.
— Por favor, não vá. Não estou pronta para ocupar o seu lugar.
— Preciso lhe revelar um segredo, minha filha. Não posso esperar mais. Já não
estarei aqui amanhã.
— Não apenas por isso. Você e Argante são um presente do Grande Rito.
— Não compreendo... Sou filha de Uther e ele nunca tomou parte do Grande
Rito.
— Com quem? Quem era a Senhora naquela época? — Nimue pôs-se a olhá-la
com súbita compreensão. — Milady?
— Sim, era eu. — Vivian esboçou um leve sorriso. — Você é minha filha.
Minha e de Ambrosios.
— Fiquei na incerteza durante tanto tempo! Agora parece tudo tão fácil...
— Sim, ele vem vê-la com freqüência. E a mim também — disse Nimue,
lembrando momentos de suas vidas, infinitamente delicados e preciosos.
— Estou a par dessa amizade. Não permita que a rainha interfira na soberania
do rei e que o derrube.
— Ninguém, a não ser a Deusa, poderia permitir que ela se apaixonasse por
Lancelot e que esse amor fosse tão forte a ponto de abalar o trono. — A Senhora fez
uma pequena pausa. Guinevere não queria casar-se com Arthur, lembra-se?
Nimue lembrou-se então da resposta que dera a Guinevere: Você tem os dois.
Um dia, entretanto, terá que escolher. A vida de Arthur depende disso. Sua Visão antevira o
que iria acontecer.
— Você acha que eu já não sabia que a hora da Senhora havia chegado?
— Nimue, você é sacerdotisa. Sabe muito bem que não há ninguém que possa
impedir que a Senhora parta para o seu repouso eterno.
— Oh, Merlin sinto sempre tanto prazer com o toque de sua mão! É tão leve,
tão delicado...
— Que a sua jornada possa ser em paz e que encontre seu repouso.
Naquela noite, a terra e os céus iriam se conjugar para que "Ela" fizesse sem
problemas a transição em paz. E assim poderia um dia voltar a um novo mundo. As
tochas enterradas no solo responderam ao seu apelo, emitindo uma chama alta e
bela. Imediatamente as estrelas tremeluziram.
Nimue sabia o que ele continha. A pequena foice da Senhora, afiada dos dois
lados, com o punho em marfim esculpido com as imagens de uma jovem mulher
intercalada à de outra em linhas espiraladas, sugerindo a respiração do dragão: A
lâmina era tão polida que refletia a luz do fogo.
Nimue assentiu.
— Venha — ela lhe disse, tomando-a pela mão. — Não tenha medo. Foi a
Deusa que a escolheu.
Nimue não tinha idéia do que aquilo representava, mas queria desesperada-
mente saber se era verdade. Seguiram em procissão até o alto da colina. As
sacerdotisas formaram um círculo e a Senhora colocou-a no meio e tirou seu manto,
deixando-a nua.
O rei foi ferido. Viu seus olhos voltarem na sua direção, antes de desabar ao
chão.
— Seu nome é Arthur. Ele será a nossa esperança, irá impedir que a escuridão
tome conta destas terras.
E foi assim que o treinamento teve início. Os dez anos que se seguiram
constituíram-se num árduo aprendizado de rituais, conhecimento de ervas,
encantamentos.
— Será bem vindo, Merlin, se quiser ficar — convidou, ao ver a bagagem que
ele trazia consigo.
— Então foi por isso que o senhor a tolerou durante todos esses anos? A
intromissão, os comentários, os pareceres...
— Para Cernunnos?
— Amava Vivian tanto assim? Durante muito tempo eu pensei que o senhor
fosse... meu pai.
— Mas foi o senhor que me escolheu para o Grande Rito! Por quê? Porque
tinha o dom da Visão?
— Ah, a elevação espiritual! Uma vez conhecida a Verdade não podemos mais
valer-nos de desculpas para justificar nossos erros. No entanto, o Grande Rito, que
faz a terra prosperar e crescer é o encontro dessas duas forças: a masculina e a femi -
nina. Nesse caso, elas não se anulam.
— Mas Merlin, é por isso que o senhor deve ficar. Para ajudar Arthur a
alcançar sua meta!
— Agora, Arthur tem você. Meu trabalho já foi feito: abrir o caminho para
ambos.
— Não sei se terei forças suficientes para ajudá-lo. Ao mesmo tempo, não
gosto de ficar longe dele. Arthur é uma alma solitária.
— Você é uma pessoa diferente, Nimue. Poderá manter-se longe dos prazeres
primitivos. O treinamento que recebeu aqui será suficiente para sustentá-la.
Nimue perguntou-se até quando Arthur, poderia ainda suportar tal situação.
— Eu avisei Arthur — continuou Merlin. — Pedi que não se casasse com ela.
Mas ele não me ouviu, preferiu tomá-la para si. E deu no que deu. Se ao menos fosse
possível amar sem causar dano...
— Arthur está num dilema. Ama Guinevere e gosta de Lancelot. E ela ama os
dois. Os três estão unidos por uma força indestrutível. Só espero que isso não leve
Arthur à ruína, contrariando as suas mais profundas convicções.
— Eu te amo, princesinha.
Capítulo XII
—Ele vai sobreviver, milady, mas seu braço esquerdo está... inutilizado.
Depois que ele se foi, Lancelot levantou-se e começou a andar de um lado para
o outro acariciando o punho da espada.
— Bedwyr foi ferido — ela disse, as lágrimas voltando-lhe aos olhos. — Muito
ferido, segundo o mensageiro.
Um mês depois, Arthur pediu reforços. Mas, restavam apenas alguns, cerca de
vinte, contando Cai e Gareth.
— Há ainda muita gente por aqui. O forte está sendo bem guardado —
Guinevere retrucou.
— Nesse ponto estou de acordo. Há muita gente, mas de que tipo? Confiáveis,
leais ao rei? Muitos ainda não lutaram ao lado de Arthur!
— Medraut? O que tem Medraut a ver com isso? — ela perguntou, surpresa.
— Parece que ele se decidiu a lutar. Anda dizendo por aí que o faz porque é o
herdeiro do rei.
—Se isso viesse mesmo a acontecer, quem o seguiria? Lancelot tomou-a pela
mão.
— Há quanto tempo isso vem acontecendo? Por que não soubemos há mais
tempo?
Guinevere tornou a olhá-los. Alguns deles eram bem jovens. Ela poderia ver a
esperança espelhada em seus rostos, pelo modo como riam e aplaudiam aquele
príncipe que se parecia tanto com eles.
— Fiz uma tentativa. Ele alegou que os está treinando para que defendam o
forte.
— Vamos voltar. Já vimos o suficiente para saber que Medraut colocou uma
nova cruz às nossas costas.
— O que torna as coisas ainda piores é que Arthur não está. Pelas notícias que
enviou, ainda está preso no desfiladeiro.
— Não sei o que fazer. A traição de Medraut abalou-me os nervos. Por que
não manda uma carta para Arthur e não lhe conta o que está acontecendo?
— Está aborrecido?
Quando soube, Gareth caiu sem sentidos aos pés da rainha, o rosto moreno de
Agravaine tornou-se mais escuro e Medraut afastou-se, acabrunhado.
— Eu sei, mas há Medraut e Agravaine. Sinto com todas as fibras de meu ser,
que eles estão tramando alguma coisa!
Olhou para a cama que estava feita com lençóis de linho, a doce fragrância das
lâmpadas a óleo pairava no ar, assim como a sua luz discreta. Banhara-se em água
aromatizada e deixara seus cabelos secarem naturalmente. Estava pronta para ani-
nhar-se nos braços de Lancelot.
Então ouviu um leve ruído de passos no corredor e soube que era ele. Sorriu,
ao pensar que iriam passar a noite juntos. Seria delicioso.
— Por que tanta roupa? — perguntou, tirando seu manto e depois a camisola
de fina seda entremeada de rendas.
Jamais conseguiu lembrar o que aconteceu a seguir. Foi tudo tão absurdo e tão
rápido! Alguém a amarrava à coluna da cama, enquanto Lancelot era arrastado para
o corredor... Fizera uma tentativa de soltar-se, mas Agravaine batera-lhe no rosto,
primeiro de um lado e depois do outro, brutalmente.
— Não lhe faça mal! — Medraut gritara. — Quero-a inteira para mim!
Ao recobrar os sentidos, viu Cynric diante de si. Ele a fitava com expressão de
pena e horror.
— E Lancelot?
— Salve-o, Cynric. Ele precisa viver para contar a Arthur o que aconteceu.
— Espero um dia encontrar uma mulher que saiba amar como milady ama
Lancelot. Verei o que posso fazer por ele. — Ele olhou para o guarda que Medraut
postara à porta do quarto e sussurrou: — Terei que agir como um homem dominado
pelo desejo. — E então beijou-a com ardor.
— Chega! — gritou o guarda da porta que entrou e puxou Cynric pela manga.
— Primeiro Medraut depois os outros. Essa foi a ordem que recebi.
— Suficiente apenas para não prejudicar a circulação. Você não quer que ela
morra, quer? Medraut o mataria.
Manassen afrouxou uma das cordas e Cynric a outra, mas de modo a que
rainha pudesse libertar-se. Depois ao sair, recolheu as roupas de Lancelot.
— Ele não irá precisar delas, no lugar para onde vai. — Observou Manassen,
mal-humorado.
— Até breve, milady. Foi um grande prazer conhecê-la. Vou partir para as
terras de meu pai.
Nesse instante, a chave girou duas vezes na fechadura e a porta da cela abriu-
se. Cynric entrou com suas roupas e jogou-as no canto escuro da cela.
— Não foi fácil, mas o convenci a esperar até que Arthur chegasse, antes de
tomar qualquer atitude. Ele acha que o rei irá expulsar a esposa adúltera e que, então,
ele irá casar-se com ela.
— Acho... acho que posso esperar a volta de Arthur — ele tornou a dizer, sem
olhar para Lancelot.
— Encarreguei Agravaine.
— Vá lhe dizer que decidiu proteger Guinevere dos outros, porque resolveu
torná-la sua esposa. Eu ficarei aqui, de guarda. Você sabe que não morro de amores
por Lancelot.
— Não esquecerei.
— E Guinevere?
— Não pude dizer não à nossa rainha. — Cynric olhou para Lancelot quase
com simpatia. — Você é um homem de sorte. Ela é uma mulher sem igual.
Camelot corre perigo. Alguém já está a caminho de Avalon! Sonhara com isto certa
vez na clareira. Agora, seu sonho se transformava em realidade.
— Vamos; não temos tempo a perder — ela o incitou. — Onde os dois estão?
Você sabe?
— Sejam bem-vindos, amigos do Senhor Deus — disse em voz alta, para que o
guarda pudesse ouvi-los. Temos dois prisioneiros que precisam de ajuda espiritual.
Por ali, senhores — completou, apontando a porta da masmorra.
Aquele instante de desatenção foi o sinal que Nimue aguardava para acionar o
seu plano. Adiantou-se rápida para a cela que julgou ser a cela de Lancelot. Era, e o
monge, que a seguia com a cabeça baixa e as mãos escondidas nas amplas mangas do
manto, passou-lhe ocultamente uma adaga, que ela, por sua vez, deslizou para as
mãos de Lancelot. Só então o abençoou.
— Obrigada, Irmã.
Ela se pôs a entoar uma litânia: Jubilate deo... Salvi nosfac, Domine...
Uma pequena mão macia pousou sobre a dele. Ergueu os olhos e viu os olhos
verdes, fixos nos dele.
— Ela virá em seguida. Suas ordens são para que saiamos daqui caminhando
lentamente e demonstrando grande piedade.
Assustada, Nimue correu para a janela. Havia uma grande agitação no pátio.
Soldados iam e vinham, ditando ordens e Medraut corria de um lado para o outro,
feito um louco. A cela aberta sem o prisioneiro e os dois guardas mortos que já
haviam sido descobertos, e ninguém tinha a menor idéia do que fazer.
— Onde está Guinevere? — foi logo perguntando. Cai respondeu com calma:
— Como posso saber? Não sou seu guarda. Você próprio impediu que eu me
aproximasse dela. Lembra-se?
— Queria saber quem urdiu essa trama odiosa — ele rugiu, fechando os
punhos. — Irá pagar com a vida!
— Para quê?
— Não sei. Quando cheguei, não a encontrei. Medraut fitou-os com olhos
respeitosos.
— Vocês dois têm muito que nos explicar. E, por Deus, é o que farão, antes
que o dia termine!
Nimue olhou para Cai que parecia indiferente, embora sua mão estivesse
pousada sobre o punho da espada.
— Quando Arthur voltar, tudo ficará bem — ela ousou dizer. Um pouco da
loucura escapou dos olhos de Medraut, enquanto a olhava fixamente.
— Guardas, prendam-na!
Em vão. Nimue procurou expandir sua aura protetora. Tudo o que conseguiu
foi um leve resplendor, suficiente apenas para que os dois guardas hesitassem.
— Nunca tive o prazer de desfrutar uma sacerdotisa. Espero que milady faça
disso, um momento encantador e inesquecível.
Nimue tornou a aparecer tal qual era com suas noviças: serena e
autoconfiante.
O sol brilhava com todo o seu esplendor no céu de um azul profundo, quando
Lancelot e Guinevere chegaram à margem do lago. Desmontaram rapidamente e
correram para os braços um do outro. E naquele instante de intimidade real e
profunda, ele procurou acalmar-lhe os receios.
— Foi você mesma que me disse para surpreendê-los juntos... — ele lembrou-a
com voz chorosa, como uma criança.
— Sim, disse. Mas quando Arthur estivesse por perto. Ele não poderia negar o
fato. — Ela parou de andar e fitou-o. — O que você pretendia fazer, portando-se
dessa maneira?
— Você a teve?
— Ainda não tive tempo. Não compreendo por que isso a perturba tanto.
— Porque Arthur o mataria, se soubesse que você tomou sua esposa à força!
— Não seja idiota, Medraut! Duvido que Lancelot se comporte com ela como
se comportaria com uma rameira. Ele a adora! E Arthur sabe disso.
— Não sei. Tenho a impressão de que, nesse caso, ambos violaram seus
próprios códigos de honra. Por outro lado...
Medraut olhou-a e notou que ela parecia ausente, como se uma visão lhe
estivesse passando diante dos olhos. Mas logo voltou a si.
— Por outro lado, abriu-se uma porta para que você consiga a liderança. E,
com um pouco de sorte, talvez o trono. Arthur terá que lutar muito para permanecer
nele, agora que Lancelot partiu. — Morgana riu. — E para onde você acha que ele
foi?
— Talvez para Benoic. Quem mais a não ser seu pai, lhe daria abrigo? Ele não
se atreveria a encarar Arthur, depois do que fez!
— Pois é exatamente isso o que ele fará. Esse é seu charme. Ele nunca
escondeu de Arthur seu amor por Guinevere.
— Ele não poderá jamais voltar para Camelot — teimou Medraut. — Agora
são os meus homens que comandam tudo.
— Nem tudo está perdido. Nimue está em meu poder. Morgana empalideceu.
— Retive-a por precaução. Quero que ela venha aquecer minha cama.
— E ela aceitou?
— Seria a última vez que você teria uma mulher em seus braços!
— Poderá tornar-se, caso você a tratar bem e não exigir dela o que não pode
exigir. Liberte-a, se Arthur garantir a você e a seus homens uma pena branda.
Implore seu perdão e lembre-o de que é seu filho, seu único herdeiro. E sobretudo,
que não pretendia humilhar a rainha, mas sim livrá-la das garras de um sedutor.
— O que pretextarei?
Dito isso, Arthur obrigou Valient a dar meia-volta. Antes - de mais nada, tinha
que falar com Guinevere.
Fui um louco em não perceber até que ponto o orgulho afetou Medraut e como é
profundo o ódio que ele sente por Lancelot.
— A humildade não combina com você — ele disse com voz áspera. — Olhe
para mim!
Ela ergueu os olhos e, por uma fração de segundo, entreviu em seu olhar o
antigo brilho do desafio.
— Não, sofro porque magoei você, sofro por ter frustrado os seus sonhos. E
sofro porque ainda amo você.
— Você tem uma estranha maneira de demonstrar seu amor por mim! Como
pode ser tão leviana, tão louca de dividir seu leito com Lancelot?
— Você me fez todo o mal que poderia fazer. Mas tem razão. O que aconteceu
entre vocês dois já era esperado. O erro foi meu. Lancelot tentou me avisar, eu é que
fui um louco em acreditar que você honraria o meu nome e seu título.
— Pare, Arthur! Sei que o erro foi meu. Não sou tão forte como gostaria de ser.
Amo você, mas amo também Lancelot — ela confessou com um ar tão sincero e tão
franco que o impressionou.
— E Nimue?
Merlin, Merlin... que falta você me faz... Se você estivesse aqui... Ao abri-la, ouviu
algo que se assemelhava a um riso reprimido no vento que assobiava.
Era a rainha das fadas que, recolhendo seu pensamento, cavalgara uma
nuvem para levá-lo bem depressa à caverna e ao ouvido de Merlin.
— Espero que não lhe tenham feito nenhum mal. Caso contrário, destruirei
Camelot com as minhas próprias mãos. Deixarei para Medraut apenas os destroços!
— Darei, assim que souber que Cai, Gareth e o restante de meus homens estão
bem.
— Dou a minha palavra que terão passagem livre em troca dos reféns.
Agravaine, o último a sair, trouxe Nimue pelo braço. Ela correu para Arthur e
o beijou. Ele ficou surpreso, mas não hesitou em retribuir o beijo.
— E nossos cavalos?
Capítulo XIII
— Mas que diferença isso faz? No fundo, é a mim que estão julgando! E eu
errei.
Guinevere forçou-se a sorrir e consciente dos olhares que todos lhe dirigiam,
seguiu-o submissa, os olhos baixos. Mas livrou-se de seu braço, quando chegaram ao
quarto. Ele indicou-lhe uma cadeira e deixou-se cair na outra.
— Embora contra a minha vontade, quero saber tudo o que aconteceu entre
você e Lancelot.
Guinevere fitou-o com profunda tristeza, sentindo que tudo o que dissesse o
ofenderia, mas contou fielmente o que se passara naquela noite. Ele, porém, parecia
contemplar as imagens que o torturavam. Disse, com uma dureza que a gelou:
O olhar dele perdeu-se na distância. Quando falou, sua voz estava embargada.
— A única saída que eu vejo à minha frente é convencer meus címbrios de que
você é ainda uma dama que merece respeito. Uma dama que, num momento de
fraqueza, cedeu aos encantos de nosso heróico Lancelot! Algo que será difícil fazer
porque eu sei a verdade.
— Foi você que o converteu em meu paladino! Foi você que lhe pediu que me
desse proteção. Eu bem que tentei ser fiel a você, mas de que modo se estava sempre
ausente? Se para mim tinha apenas carícias... — Horrorizada, ela pôs a mão sobre a
boca. Por que fora levantar aquela questão? Reabrir a chaga sangrenta?
Ela não ousou dizer mais nada. Ele já estava nu. Despiu-se rapidamente e
esperou. Sentiu o calor dele fluindo para seu corpo. Depois não sentiu mais nada. Era
apenas um joguete na mão de um homem desvairado, que fez dela o que quis. Era o
castigo que merecia.
— Gostaria de ver minha mulher respeitada aqui, em seu próprio lar. O que
aconteceu durante a minha ausência não diz respeito a ninguém, só a mim.
Guinevere é sua rainha. Espero que a lealdade com a qual vocês me honram se
estenda também a ela.
— Lancelot permanecerá em Bela Vista. Não haverá mais lugar para ele em
Camelot.
— Apenas que meu marido é o meu rei — ela disse em voz alta e clara. —
Demonstrou compaixão e mercê, ao perdoar o erro que cometi. Peço que o
dignifiquem e o honrem por isso.
— Mas procedendo desta maneira, com tanta clemência meu rei não estará se
expondo a uma nova traição? — A voz de Morgana elevou-se em meio a um silêncio
total. — Milady desonrou o Grande Rei, não apenas seu marido, ao manter relações
com outro homem. Traição é o nome que eu dou para isso!
— Não sou eu, é seu próprio código de justiça que exige que medidas sejam
tomadas! Ou há uma justiça diferente para o rei?
— A verdade é algo que você não saberia reconhecer — replicou Arthur com
desprezo. — Mas, em nome da justiça, eu permitirei que faça o seu pequeno discurso.
viam sempre juntos. Ele não abandonou a esposa por ela? Pois isso vem acontecendo
há anos! E com pleno conhecimento do nosso soberano!
— Eu, sir — proclamou Gareth, abrindo caminho por entre seus pares. Em seu
rosto brilhava a devoção. — Pelo capitão Lancelot e pela rainha.
— Sou melhor do que pensa — objetou Gareth. — O meu mestre foi Lancelot.
Não dormira bem naquela noite e achava que o mesmo acontecera com
Guinevere, embora ela tivesse ficado imóvel em seus braços a noite inteira. Ao descer
para o salão, encontrara um guarda postado à porta. Embaraçado, o homem lhe
dissera que, por ordem do conselho, o comando fora retirado de suas mãos. E que a
partir daquele dia, a rainha ficaria confinada em seus próprios aposentos.
— Quero me desculpar por não ter defendido a rainha. Mas as minhas chances
seriam poucas. A rainha precisa de um paladino hábil na espada. Vou buscar
Lancelot.
— Você não tem deveres para cumprir aqui? Abandoná-los seria uma ofensa
grave.
Arthur ficou esperançoso, à lua iria tornar-se cheia dentro de duas semanas.
Talvez houvesse tempo... Caso isso acontecesse, encontraria um modo de convencer
o conselho.
Arthur vestira sua mais fina túnica. O manto vermelho com o dragão dourado
pendia de seu ombro e o colar de ouro brilhava em seu pescoço.
A multidão compacta que apinhava o pátio abriu alas, quando eles passaram,
garbosos. Mas, em vez de ovacionar, todos guardaram silêncio. Até mesmo as
crianças emudeceram, algo que nunca ocorrera antes e que os deixou perplexos.
— Então, tome conta de Arthur. Não sei o que vai ser de mim.
— Sei que você fará o impossível, Gareth. Portanto, perca o medo. Bertilak
pode ser um espadachim melhor, mas é mais velho e mais pesado do que você.
Anime-se!
Não notou o alto monge de hábito marrom e capuz, que emergiu da antiga
capela, e montou um corcel. Mas ouvia sua voz incitá-lo. Atraia-o, Gareth. Rebata a
estocada e depois o faça recuar! Porém, Bertilak foi mais rápido. Sua lâmina cortou baixo
e atingiu-o levemente na coxa. O sangue borbulhou.
— Não sinto... não sinto as minhas pernas — ele balbuciou. Arthur chegou no
instante em que o punham na padiola.
— Não, você não falhou, meu amigo. Duelou bem e ajudou Guinevere a
escapar. Agora descanse.
— Chegamos?
aqui que se recuse a dar-lhe apoio, tem a liberdade de deixar Bela Vista imedia-
tamente.
— Bem-vinda à Bela Vista, milady — ela disse, com uma reverência. Olhou
para Lancelot: — Em qual dos quartos devo acomodá-la?
Lancelot sorriu.
— Tem razão, minha prenda. Não quero que o nome da rainha caia na boca do
povo. Escolha você o quarto que mais convenha a uma dama tão ilustre.
— Estou feliz de ter acordado ao seu lado. Foi o que sempre quis e por isso...
Ela sorriu.
— Se você quiser, eu também quero, não fui um pai de verdade para Galahad.
— Não se esqueça que estamos exilados. Não estou em posição de pedir esse
favor ao rei.
— Não seria um favor. Você está no seu direito de conhecer Galahad. Diga a
Arthur que irá treiná-lo por uns dois ou três anos e que depois o enviará a Camelot
para que ele aprenda a educação fina da corte.
— Seria muito bom treinar meu próprio filho... — Os olhos de Lancelot eram
sonhadores. — Tê-lo à mesa conosco, cavalgarmos juntos... Oh! Guinevere, que bela
idéia você me deu!
Naquele ano, os jogos de Arthur não teve o mesmo bom êxito dos anos
anteriores. Alguns dos reis menores haviam declinado o convite alegando os mais
variados motivos. As visitas não se apinhavam mais no salão nobre. Não se
murmuravam mais felicitações nem se empurravam uns aos outros para reverenciá-
lo.
— Correm boatos de que não consegui controlar nem meu próprio filho nem
minha mulher. Julgam-me um fraco. E se meus címbrios me negarem lealdade, os
saxões se aproveitarão disso para me declarar guerra.
— Você fez com eles um pacto de não agressão. Vai rompê-lo? — perguntou
Nimue.
— Quebrei meus próprios códigos de honra para salvar Guinevere. Por que
não os quebraria de novo para eliminar aqueles dois?
Ninguém replicou. Todos sabiam que, o que realmente o incomodava, era ver
Guinevere longe de Camelot. Mas para isso não havia solução. Se a trouxesse de
volta, o frágil elo que o unia à sua gente, se romperia de vez. Era esse o seu dilema.
— E o que diz?
— Lancelot gostaria que Galahad voltasse para Bela Vista. Quer treiná-lo para
fazer dele um bom soldado.
O jovem cavalo quase mordera os freios e ela achava estranho não poder
obrigá-lo a abaixar a cabeça. Mas Lancelot já estava pronto para laçá-lo, caso o animal
levasse a melhor.
A vibração do solo com a batida dos cascos assustou o potro que se pôs a
corcovear jogando a distraída Guinevere para fora da sela.
— Você se machucou?
— Você não devia arriscar-se tanto — ele disse e, de pronto, ergueu-a nos
braços e a depositou junto à cerca do padoque.
— Parece que as coisas não mudaram muito, meu marido — disse uma voz
irônica atrás deles.
Espantado, Lancelot virou a cabeça. Elaine e Galahad! Teve certeza de que era
seu filho pelas feições e pela mecha de cabelos escuros que lhe caía pela testa. Porém,
ao aproximar-se, ele se retraiu e foi esconder-se atrás da mãe.
Sentiu um início de revolta. O menino tinha medo dele e o evitava. Por quê?
— Elaine, tenho a impressão de que você não educou bem Galahad. O que
você lhe contou a meu respeito? Que eu sou um ogro?
— Galahad teve que enfrentar a realidade muito cedo. Ele sabe que não tem
pai.
Lancelot enfureceu-se.
— Parece que você não lhe contou tudo: as tentativas de sedução, o ardil, o
narcótico até eu cair na armadilha como um camundongo acuado num canto, diante
de um gato pronto para saltar. — Ele a olhou com desdém.
— Fale mais baixo, Elaine. Não quero assustar Galahad ainda mais. — Ele a
olhou interrogativamente. — Afinal, porque você veio? Eu não a obriguei a isso!
Podia ter mandado outra pessoa em seu lugar.
— Pensei que fosse minha obrigação. Não quero enfrentar a ira de Arthur.
— Vamos entrar? Faz muito frio aqui fora. Vocês podem continuar a conversa
ao pé do fogo.
— É de Arthur para você. Não sabia que Guinevere estava aqui. Pensei que eu
tivesse de retomar meus deveres de esposa.
— Por que Arthur foi armar essa confusão? Agora não podemos...
Fazia um ano que ele estava em Bela Vista. Sentia ainda medo dele, mas
melhorara em outras questões. Em parte por que Elaine não estava ali. Fora-se como
chegara: de mãos vazias, sem obter o que mais desejava: ser sua esposa.
— Muito bem, Galahad. Você me apanhou de surpresa, não é fácil fazer isso!
— disse, diante de uma manobra mais ousada do garoto. — Você melhorou muito!
— Como assim?
—Já lhe disse uma vez: tocar harpa. A harpa acalma e me faz sonhar. Fecho os
olhos e vejo. Sempre o mesmo sonho: uma taça de prata segura por mãos muito
brancas. Quando a vejo, sinto-me em paz.
Capítulo XIV
— Vieram buscar Galahad? Ele já está pronto para ir. Está animado, vai
conhecer Arthur.
— Lance...
— Ouvimos falar sobre isso — disse Guinevere. — Mas o que posso fazer?
— Já se esqueceu, irmã, de que foi você a origem de todos esses males? E que,
apesar disso, Arthur ignorou seu próprio código de honra para evitar que a
queimassem viva? Agora, que ele precisa de seu apoio, do calor de sua presença,
você vacila? Você conseguiu as maiores satisfações, em sua vida, do que a maioria
das mulheres e no entanto se recusa a ir ao seu encontro senão com alegria, pelo
menos com confiança?
— Não vejo nenhuma diferença entre ontem e hoje. Se eu for, serei novamente
rejeitada.
— A divisão já foi feita. Os que não eram leais a Arthur já se foram. Os outros
aceitarão sua volta — disse Nimue calmamente. — O desejo de Arthur é que sua
rainha volte para casa.
— O desejo dele... A sua vontade... A minha não conta? Não voltarei para
Camelot. Podem dizer isso ao rei!
— Ah, você vai! Nem que seja à força! — gritou Bedwyr. Lancelot levantou-se.
Lancelot e a beijou. — Arthur venceu, meu amor. Irei. A rainha deve cumprir o seu
dever.
Cavalgaram até o pátio e Arthur desceu para recebê-los. Seu olhar penetrante
deteve-se em Guinevere. Ela o estudou. Havia neles agora uma dureza que a fez
arrepiar-se.
A chuva caía entre lufadas ameaçadoras. Mas Lancelot não notava essa
espécie de vontade furiosa da natureza, reforçada pelo ulular do vento. Sentado
diante da lareira, ele esvaziava uma taça de vinho após a outra. Percebia que Elaine o
observava do outro lado da sala, mas não se importava.
O que o deixava fora de si era ver-se tolhido, não poder ir buscar Guinevere,
não tornar a vê-la.
— Há alguma coisa que eu possa fazer por você? Ele olhou-a com surpresa.
— Que casamento? Não amo você, Elaine. Parece que deixei isso bem claro! —
ele afirmou, revoltado, e continuou a beber. Não viu o sorriso que ela esboçou.
A despeito de si mesmo ele sentiu-se reagir ao seu toque. E mesmo através dos
vapores de vinho, compreendeu. Elaine voltara a usar a droga. Segurou-a pelo braço,
mas ela foi mais rápida. Caiu de joelhos à sua frente e abriu-lhe a calça. Lancelot
empurrou-a, mas ela já o tinha nas mãos.
Nove meses depois, Guinevere recebeu uma nota sucinta de Pelles. Elaine
tinha morrido ao dar à luz uma bela menina.
— Sim, era. A jovem que tinha uma idéia romântica de Camelot. Achava que
aqui tudo era perfeito.
— Você tem que contar a Galahad que ele tem uma irmã.
— Já mandei chamá-lo.
— Sente-se, Galahad. Você tem uma irmã. Chama-se Elen — disse Guinevere
docemente. E contou sobre a morte da mãe. Ele chorou.
— Era o que Lancelot desejaria. Mas ele aceita bem o fato de Galahad tornar-se
um bardo.
— Galahad me disse que quer entrar para o mosteiro. Parece que isso está
ligado a uma visão do Santo Graal que tanto ele como o bispo Dubricius tiveram. Já
Nimue o chama de mágico.
— Mágico, bardo, sacerdote... Alguém pode me dizer o que ele vai ser?
— Um cavaleiro?
— Milady...
Viram logo que era um rapaz educado e Arthur convidou-o para ficar.
— Não tenho muita coisa, sir. Mas sou forte e meu coração anseia por servi-lo.
— Estão.
— É meu irmão.
— Como? Então você é filho de Pellinore! Sente-se, porque acho que temos
muito que conversar. Gostaria que seu pai estivesse ainda vivo. Ele ficaria feliz de vê-
lo em minha corte.
A alegria era tamanha que Arthur decidiu, pela primeira vez em cinco anos,
retomar os jogos de primavera.
— Vamos ver quem virá nos honrar com a sua presença — disse a Guinevere
com um certo ceticismo.
— Vamos conhecer seu irmão. E você também, Lancelot. Não quer me fazer
companhia? — Quando ele se aproximou, abraçou-o diante de todos, sem se
importar com que os outros pudessem pensar. — E agora vamos ver Galahad.
O rapaz, alto e forte, usava uma estola curta de acólito. Do colar de ouro
pendia uma cruz.
— Galahad quer ser sacerdote. Mas não pode tomar as Ordens Sagradas até
completar vinte e cinco anos. Talvez, até lá, mude de idéia.
— Esta é sua irmã Elen — disse Lancelot, sem expressar seu desagrado em
relação à decisão que o filho havia tomado. Falariam sobre isso depois.
Um mês após os jogos, Clóvis, o franco, marchava para o oeste. Suas terras em
Armorica estavam ameaçadas. A metade da alegria de Guinevere se dissipou.
Conhecia Arthur. Sabia que ele estava disposto a enfrentar os piores perigos para
salvar um aliado. Mas o que a preocupava era que nada fora definitivamente
provado. Para que, então, precipitar-se?
— O que há, Guinevere? Guerra é guerra! Por que está tão preocupada dessa
vez?
— Sim, recebi.
— Não sei... algo em meu íntimo me diz que estou dizendo adeus a você.
Arthur riu.
— Iremos apenas reforçar as tropas de Hoel. Não vamos liderar a batalha. Mas
se os saxões se aproximarem muito de Camelot, quero que vá para Bela Vista. Não
espere por mim.
Morgana sorriu.
Medraut acrescentou:
Medraut apoiou-a.
Tavola Redonda. Cerdic está apenas ganhando tempo para ver qual é o lado
mais vantajoso.
— Cynric irá apenas defender suas terras. Não tomará parte da ofensiva geral
— comentou Agrícola, olhando para Gwalchmai. — Você, que o conhece bem, o que
acha?
— Guinevere tem razão. Ele acabará por nos dar suporte. Mas agora temos de
pensar em Camelot e nos preparar para uma possível investida dos saxões.
Agrícola assentiu.
— Acho que Arthur voltará antes que comece a nevar. Parece que Clovis bateu
em retirada.
— Por qual motivo? Para incitá-los à revolta? Teríamos então duas frentes de
combate! É melhor chamarmos Lancelot.
— Talvez seja mais prudente mandarmos você para Bela Vista — disse
Gwalchmai com relutância. — Se houver uma investida dos saxões...
— Arthur não está aqui. Sou eu que tomo as minhas próprias decisões.
— Podemos chamar Nimue. Ela tem a Visão. Talvez possa nos ajudar —
sugeriu Agrícola.
— Essa foi a única idéia boa que o senhor teve até agora! Nimue chegou duas
horas depois e Gwalchmai foi recebê-la.
— Trouxe água da Lagoa Sagrada e uma vasilha da Ilha. Irei até a antiga
capela imediatamente!
—Os saxões estão em marcha! — A voz de Nimue era alta e forte. — Alguns
irão manter Camelot sob assédio, outros ficarão à espera de Arthur. Precisamos agir
agora ou seremos rendidos.
— Ele está acampado numa vala junto à antiga estrada romana perto de um
rio.
— Não sei por que Agrícola não permitiu que ficássemos. Eu gostaria de lutai*
ombro a ombro com os címbrios — disse Peredur com petulância.
— Arthur foi taxativo. Quer vocês dois na Ilha. Lá, vocês estarão em
segurança.
— Não é isso que a Santa Madre Igreja nos ensina. Para sermos salvos, temos
que acreditar apenas em Cristo, que deu sua vida por nós.
— Talvez. Mas a Senhora do Lago deu Excalibur e sua bainha para proteger
Arthur durante as batalhas.
— Não entendo...
— Quê!?
— Foi o dia que o rei lutou por Lancelot, com um homem forte e uma senhora.
Quando tudo terminou, encontrei a bainha debaixo de uma camada de folhas. Levei-
a para casa e a entreguei a Diomas, a mulher que me criou.
— Tenho dezesseis anos e logo estarei livre da tutela de meu pai. Ele me
treinou e eu sei me defender.
— Parece que você se esqueceu das ordens do rei. Não conheço ninguém que
se atreveu a desafiá-lo. Ou a Lancelot.
— Não tinha reparado. Neblina num dia tão claro? — Galahad admirou-se.
— Alguns dizem que é a respiração do dragão, expelida por suas ventas para
proteger os que ainda acreditam nele.
Bedwyr explicou;
— Não sei o que é, mas há algo no ar que não me convence. Esse silêncio...
essa solidão...
— Não vejo nada, além de mato, samambaias e umas poucas moitas que não
podem esconder mais do que uma ou duas pessoas. Você precisa descansar Arthur.
Faz tempo que está fora de casa, acaba vendo o que não existe.
Lancelot fez um sinal para que seus homens estacassem. O batedor acabava de
chegar com notícias terríveis. Os saxões estavam reunidos ao norte e a leste de
Glenus, bloqueando a passagem para a antiga Via Romana.
— Quantos são?
Rompida, por fim a linha, viram-se livre de repente. O espaço estava limpo
diante deles. Era um momento único e que não se repetiria se o deixassem escapar.
Ergueu o braço e seus homens começaram a retirar-se quase deitados sobre as selas,
para que os saxões não os atingissem por trás. Uma vez fora de vista, diminuíam a
marcha para dar algum repouso a seus cavalos. Mas Lancelot continuou, não
parando senão muito além. Em sua mente havia um único pensamento: alcançar
Arthur e lutar mais uma vez ao lado dele.
— Vamos! — incitou-os Bedwyr, levando seu cavalo para o rio. — Não será
pior do que ficarmos aqui, ao alcance das flechas dos Scotti!
Uma pequena parte dos homens havia conseguido alcançar a outra margem,
quando os cavaleiros de Medraut apareceram soltando selvagens gritos de guerra.
Foi o sinal para que os homens de ambos os partidos se lançassem uns contra os ou-
tros, num choque tão formidável, que se ouviu a uma milha de distância. Excalibur
brilhou e as espadas de dois gumes também brilharam ao sol. Os corvos crocitaram e,
atraídos pelo cheiro de sangue, puseram-se a voar cada vez mais baixo.
— Não sei quantos de meus homens estão fora de combate, Lance. Não quero
arriscar nenhum dos seus, quando a maior parte dos meus já morreu.
— Terá antes que atravessar o Cam. Espero que não haja surpresas.
Arthur ergueu a bandeira branca para parlamentar e esporeou seu cavalo para
a frente.
— Não tenho motivos para lutar contra seus homens nem com você — disse
Arthur calmamente, ignorando a ironia. — Voltem para o Leste e vivam em paz.
— Isso será fácil demais, meu pai. Mas farei o que minha mãe pediu, não o
matarei.
— Quero que faça de Medraut o seu co-regente e de mim sua consorte — ela
afirmou, sustentando o olhar de Arthur.
Duas hora depois, quando não esperavam mais nada, o descampado ganhou
vida. Tropas surgiam de todos os lados. As de Cissa, de Agrícola e, de Camelot, a
companhia de Gwalchmai... À vista dos quinhentos cavalarianos descansados, os
aliados de Medraut retiraram-se e infiltraram-se rapidamente na floresta densa, onde
os cavalarianos não poderiam caçá-los como animais selvagens.
— Não sei. Estou à sua procura há algum tempo. Encontrei Valiant morto.
Três dias após sua partida, Peredur voltou com a bainha encantada e
Guinevere fez uma silenciosa prece de agradecimento.
— E eu também.
— Não são superstições. Fazem parte da realidade de quem sabe ver além das
estrelas. Mas vamos deixar essas considerações de lado. Nosso objetivo é encontrar
logo Arthur.
— Pode ser alguém tingindo suas roupas. Mas vamos ficar atentos.
— Lance!
— Guinevere... Guinevere...
Juntos correram para a figura que jazia no solo, imóvel. Arthur tinha os olhos
fechados e as faces pálidas. A vida estava se esvaindo dele, junto com o sangue que
escapava das ataduras apertadas que lhe cingiam o peito. Guinevere ajoelhou-se ao
seu lado, no instante em que Nimue iniciava um novo canto.
— Meu querido...
— A bainha vai apenas impedir que ele perca mais sangue. Teremos que levá-
lo para Avalon.
Nimue pôs-se então a murmurar uma antiga oração para os espíritos que
partem e entrou no barco. Ajeitou a cabeça de Arthur sobre seu colo e sorriram um
para o outro. Ele procurou-lhe a mão, beijou-a, e uma expressão de paz desceu sobre
seu rosto.
entendeu que se Nimue não fosse sacerdotisa, Arthur teria se casado com ela. E se ela
própria fosse livre para amar livremente Lancelot, Medraut não teria motivo para
armar a sua odiosa trama. A Távola Redonda ainda abrigaria seus cavaleiros, o
desembarque a Cam não teria acontecido e eles não estariam agora vendo Arthur
morrer aos poucos.
E no breve segundo daquele último olhar de agonia, recordou por que Merlin
se zangara tanto ao vê-la junto a Lancelot na primeira vez: porque era tarde demais.
A Roda da Vida já começara a girar.