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O Que e o Casamento - Sherif Girgis Outros

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O que é o casamento?

Homem e mulher, uma defesa


Sherif Girgis, Ryan T. Anderson, Robert P. George
1ª edição — maio de 2024 — CEDET
Título original: What is Marriage — Man and Woman: a Defense
Copyright © 2024 by Sherif Girgis, Ryan T. Anderson, Robert P. George.
Os direitos desta edição pertencem ao
CEDET — Centro de Desenvolvimento Pro ssional e Tecnológico
Rua Armando Strazzacappa, 490
CEP: 13087-605 — Campinas, SP
Telefone: (19) 3249-0580
E-mail: livros@cedet.com.br
CEDET LLC is licensee for publishing and sale of the electronic edition of this book
CEDET LLC
1808 REGAL RIVER CIR - OCOEE - FLORIDA - 34761
Phone Number: (407) 745-1558
e-mail: cedetusa@cedet.com.br
Editor:
omaz Perroni
Tradução:
Igor Barbosa
Revisão:
Bruno Schroeder dos Santos
Preparação de texto:
Danilo Carandina
Diagramação:
Virgínia Morais
Capa:
Nelson Provazi
Revisão de provas:
Paulo Bona na
Luiz Fernando Alves Rosa
Natalia Ruggiero
Conselho editorial:
Adelice Godoy
César Kyn d’Ávila
Silvio Grimaldo de Camargo
 
Girgis, Sherif; Anderson, Ryan T.; George, Robert P.
O que é o casamento / Sherif Girgis, Ryan T. Anderson, Robert P. George; tradução de Igor
Barbos a — Campinas, SP: Vide Editorial, 2024.
ISBN: 978-85-9507-238-1
1. Cultura e instituições: casamento e família 2. Política e direitos civis
I. Autor. II. Título.
CDD – 306.8 / 323
   
1. Cultura e instituições: casamento e família – 306.8
2. Política e direitos civis – 323

VIDE Editorial — www.videeditorial.com.br

Reservados todos os direitos desta obra.


Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela
eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução, sem
permissão expressa do editor.
Sumário
P

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T  E,  E S

I: D   

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C II: V 

C III: O E   

C IV: Q   

C V: J  

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N  R
Para nossos pais
P
E mcertidezembro de 2018, o Supremo Tribunal Federal () recebeu o
cado MoWBrasil 2018, oferecido pelo Comitê Nacional do
Brasil do Programa Memória do Mundo da Unesco, em razão da
decisão histórica pela qual reconheceu, em 2011, a união homoafetiva
e a garantia dos direitos fundamentais aos homossexuais.1

A aprovação do “direito de se casar” para a comunidade  (gays


lésbicas e simpatizantes) do país se deu, resumidamente, por este
caminho: primeiro, equiparou-se a união homossexual à união estável
heterossexual, prevista no art. 226 § 3º da nossa Constituição, por
meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade () 4277 e da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental () 132;
as ações foram então julgadas em conjunto em maio de 2011 e
acatadas com unanimidade, reconhecendo-se assim a união gay como
entidade familiar, sujeita às mesmas regras e consequências que regem
a união estável heterossexual.

Apesar da decisão do , a conversão dessa união em casamento


ainda dependia de uma sentença judicial. Assim, dois anos depois,
como o dispositivo constitucional previa que as uniões estáveis seriam
convertidas em casamento, o Conselho Nacional de Justiça ()
determinou a lavratura de certidões de casamento para parceiros do
mesmo sexo por meio da Resolução n. 175, de 14 de maio de 2013. Ou
seja, os cartórios brasileiros passaram a não mais poder recusar a
celebração de casamentos civis de pares do mesmo sexo ou deixar de
converter em casamento a união estável homoafetiva. Caso algum
cartório não cumprisse a resolução do , o par poderia então levar o
caso ao juiz corregedor, o que por sua vez poderia resultar num
processo administrativo contra o o cial que se negou a celebrar ou
reverter a união estável em casamento.

Para justi car tais decisões, os magistrados recorreram a argumentos


de combate ao preconceito e ao ódio. Argumentaram também que o
casamento se baseia no afeto e, portanto, não se pode negar a ninguém
o direito de ter seus afetos reconhecidos e protegidos.

Depois de estudar sobre esse assunto ao longo de alguns meses,


resolvi perguntar a familiares e amigos o seguinte: “Você considera que
o casamento é baseado no afeto e na vontade de estar junto, dividindo
uma casa e a rotina?”. Em todos os casos, recebi uma resposta
a rmativa. Ninguém questionou: a base do casamento parecia ser
mesmo o afeto.

Logo, se casamento é afeto, a Suprema Corte do Brasil procedera


corretamente. Os pares homossexuais sentem afeto entre si; eles têm
vontade de estar juntos, de dividir o mesmo teto, de juntar as escovas
de dente, de partilhar o plano de saúde, de construir patrimônio
juntos... Se casamento é afeto, o Ministro Fux tem razão: negar que os
homossexuais vivam seu afeto não é outra coisa senão preconceito e
intolerância. A nal, doze anos antes o Ministro Fachin já tinha
anunciado:

Vira o século e vêm novas décadas, outros valores, a exemplo da


affectio maritalis, valor socioafetivo que funda uma sociedade
conjugal, matrimonializada ou não. A vigência do divórcio pleno é
prova disso. [...] O casamento representava um compromisso formal
de vida. Com o divórcio unitário (em 1977, na lei) e o divórcio pleno
(1988, na Constituição), a liberdade de casar tem simetria com a
liberdade de não permanecer casado perante o Estado [...]. Véspera
do século , quadro plural e poroso das novas famílias.2

Mas e se o casamento não for simplesmente afeto? E se houver outras


concepções, outros direitos e obrigações envolvidos, outros
parâmetros segundo os quais as pessoas entendem e vivem seus
casamentos? E não só as pessoas de hoje, mas as culturas, as
civilizações ao longo da história — e se tiver havido outras concepções
e experiências matrimoniais que perduraram séculos e sustentaram
culturas inteiras? Se o casamento não se resumir ao que o Ministro
Fachin apreendeu, então este livro é urgente — talvez até esteja
atrasado...

Se o casamento não é baseado somente em afeto, então é possível


começar a entender, por exemplo, por que a Comissão de Previdência,
Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos
Deputados aprovou recentemente um projeto de lei que proíbe o
“casamento homoafetivo” e a “união estável entre pessoas do mesmo
sexo”, criando, em compensação, uma outra modalidade de união civil
especí ca para homossexuais.3 Esse projeto de lei impede a condição
de matrimônio para oferecer a condição de contrato aos pares gays. Na
prática, cria-se um dispositivo legal “a m de permitir que pessoas do
mesmo sexo possam, exclusivamente para ns patrimoniais, constituir
união homoafetiva por meio de contrato”. Se transformado em lei, as
partes de uma união gay passarão a ser consideradas “contratantes” e
os dispositivos “casamento” e “união estável” cam restritos às relações
heterossexuais. Uma outra perspectiva.

Em 2011, o Ministro Fux argumentava que qualquer tentativa de


debater esse assunto só poderia ser fundamentada no preconceito e na
intolerância, minando assim qualquer possibilidade de amplo debate.
Em dada ocasião, consignou em seu voto que

os únicos fundamentos para a distinção entre as uniões


heterossexuais e as uniões homossexuais, para ns de proteção
jurídica sob o signo constitucional da família, são o preconceito e a
intolerância, enfaticamente rechaçados pela Constituição já em seu
preâmbulo.4

Este é o ponto da questão, e é justamente o que este livro discute. Os


argumentos aqui expostos são capazes de esclarecer que existem sim
fundamentos para a distinção entre uniões heterossexuais e
homossexuais que antecedem qualquer debate político, ideológico ou
preconceituoso. O livro nos traz para o princípio da questão; não está
preocupado em discutir quem pode se casar e quem não pode, mas
apenas de ne o que é se casar. O resto cará por conta do leitor.

Este breve ensaio tem a potência de ajudar o leitor a tomar posse de


uma parte fundamental da sua consciência que ele desavisadamente
deixou ser invadida pelos ditames feministas, progressistas e
revolucionários. Eu me re ro àquele espaço dentro da sua cabeça
dedicado a pensar seriamente sobre casamento e família, àquele anco
onde você delibera se vale a pena ou não se casar, se vale a pena
permanecer casado, se você deveria ou não ter lhos, se os lhos são
mesmo a missão dos casados... Eu poderia apostar que nove a cada dez
leitores que abriram este volume têm respostas progressistas e
modernas para essas questões, mesmo que não se considerem
revolucionários.

Mesmo sendo uma das maiores antifeministas do país, admito que,


antes de ler este livro — nalmente traduzido para o português pela
primorosa Vide Editorial —, eu mesma cultivava ideias erradas sobre a
natureza do casamento. Evidentemente, não me re ro aos jargões
segundo os quais “a família tradicional é hipócrita e retrógrada e o
casamento é essencialmente opressor contra a mulher”. Contra eles
sempre me posicionei, a nal não é preciso ser muito esperto para
perceber que isso é apenas um slogan de uma campanha difamatória.

Campanha que, aliás — já abrindo um breve parêntese —, nunca foi


um primor de coerência. As feministas sempre disseram que se casar,
ainda mais numa cerimônia religiosa, é assumir um compromisso de
delidade e dedicação para com um homem, pelo qual se entende que
os lhos são responsabilidade do casal, e que esse é o princípio mesmo
da exploração e da opressão da mulher na sociedade, desde tempos
imemoriais. Você poderia então levantar uma questão nesse momento,
lembrando-se das tantas feministas casadas que você conhece, algumas
das quais até parecem ter famílias harmoniosas e crianças felizes.
Ouso apresentar uma explicação para o aparente paradoxo: ou elas
não sabem o que é casamento, ou não conhecem o feminismo que
dizem defender. Essa lacuna de conhecimento não é exclusividade de
ninguém. Todos nós, pelo menos uma vez na vida, já aderimos,
defendemos ou repetimos alguma pauta que não conhecíamos o
su ciente.

Mas voltando ao ponto especí co da nossa discussão, vale lembrar


que as mesmas feministas que dizem que o casamento é mau são as
que se aliam ao movimento  para defender que os gays tenham
direito ao casamento. Você poderia concluir que isso não passe de
hipocrisia ou contradição, porque de fato assim parece. Porém, as duas
condutas são parte de uma mesma estratégia.

A partir do momento em que os ativistas conseguem convencer a


todos nós que o casamento é um conceito elástico e uido que pode
ser ampliado para qualquer con guração, eles já alcançaram seu
intento de destruir o “casamento opressor”. O casamento e a família
que concebemos agora já não são os mesmos conceitos de outrora.
Mesmo nas igrejas, mesmo entre os casais heterossexuais cristãos,
mesmo entre muitos simpa tizantes do conservadorismo, o casamento
foi esquecido. Alguns de nós até conseguimos repetir o axioma
“casamento é entre homem e mulher”, mas o que mais damos conta de
explicar? Por que não conseguimos defender nosso ponto com a
clareza necessária, enquanto os progressistas avançam no legislativo e
no judiciário?

Mas, calma. Não quemos com uma impressão errada. Este livro não
trata do direito dos homossexuais de contraírem matrimônio. Lendo-o
você terá certeza de que a própria discussão política em torno do
termo “casamento gay” não é razoável. Há coisas mais importantes que
antecedem essa conversa — aliás, as coisas mais importantes do
mundo existem, e elas estão além da política ideológica.

Este livro demonstra “o que é um casamento” desde antes do


cristianismo, desde antes da dicotomia entre direita e esquerda, desde
antes do surgimento do pensamento revolucionário e sua antítese
conservadora. Descobrir o que de fato é um casamento lhe revelará as
terras devolutas da sua consciência que, infelizmente, foram ocupadas
por ideais revolucionários sem que você se desse conta.

Ao tomar conhecimento do que se diz nesta publicação, sua vida é


capaz de mudar. Não é um livro de religião, mas o seu efeito em muito
se assemelha ao que acontece em Mateus, 19: ao explicar para seus
seguidores o que em verdade é um casamento, Jesus recebe como
resposta de um de seus discípulos uma reclamação envolvida em
espanto: “Se é assim, não convém casar”. É possível que você que
igualmente espantado ao descobrir o que é e sempre foi um casamento
e, assim, nalmente possa avaliar se lhe convém ou não tomar essa
decisão. O fato é que você não está diante de um livro comum.

Ana Caroline Campagnolo Galvão


Deputada Estadual de Santa Catarina
U    
E ste livro foi um projeto colaborativo. Sherif Girgis é apresentado como autor principal, de
modo que isso re ita seu papel preponderante no avanço de nossos argumentos e na
redação tanto deste livro quanto do artigo do qual ele é um desenvolvimento. Ao longo de
vários anos, variantes de alguns dos argumentos do capítulo 2 foram aprimoradas por
Germain Grisez, John Finnis, Joseph M. Boyle Jr., Robert P. George, Patrick Lee, Christopher
Tollefsen, Gerard Bradley e Alex Pruss, entre outros. O segundo capítulo deste livro contém
re namentos e cada um de seus capítulos traz novos argumentos sobre temas relacionados,
feitos por Girgis e também por Ryan T. Anderson, que assumiu a liderança na de nição da
estrutura do livro.

Mais informações
Para resumos de nossos principais argumentos, para respostas a novas perguntas e críticas à
medida que surjam, visite www.whatismarriagebook.com.
A
E ste ensaio nasceu como um artigo antes de se tornar um livro e recebeu grande ajuda em
todas as fases do seu desenvolvimento. Agradecimentos especiais a Stefan McDaniel e John
Finnis pela leitura atenta do artigo e dos rascunhos do livro. Por seus comentários valiosos a
um ou outro, agradecemos também a Ron Belgau, Maggie Gallagher, Germain Grisez, Patrick
Lee, Colin Moran, David Oakley, Matthew O’Brien, Nathaniel Peters, Alex Pruss, Nathaniel
Schlueter e Christopher Tollefsen, cuja prontidão a nos auxiliar não constitui um endosso às
nossas alegações; somos nós os únicos responsáveis por quaisquer erros.

Agradecemos ao Harvard Journal of Law and Public Policy pela edição e publicação de O
que é o casamento? e por nos dar permissão para publicar esta versão ampliada. Algum
material também foi retirado de respostas a críticas que publicamos na revista online Public
Discourse. Finalmente, somos gratos a Roger Kimball, Heather Ohle e à equipe da Encounter
Books pela con ança depositada na promessa deste projeto e pela paciência durante seu
progresso.
T  E, 
E S
E tu, Juno potente! À cuja autoridade
a lei do matrimônio deve acatamento;
que ensinaste a dar um solene ornamento
ao mais antigo entre os atos de piedade:
e por maior conforto, inspirou a arte
da sábia mulher;
ata este nó dulcíssimo, e que não se solte;
e todas as tuas bênçãos sobre nós derrama;
E tu, gênio feliz! Por cuja mão gentil
o véu e o leito conjugal são protegidos
sem mácula ou deslustre,
que as doces alegrias dos amantes deleitas
sem que se note que tu as tornas me lhores,
até que delas nasça a prole esperada;
manda-nos, logo, o fruto desta mesma noite.
E tu, ó bela Hebe! E tu, livre himeneu!
Fazei que seja assim.
Até que isto se dê, calar-se-ão as preces:
nada se diz no bosque, e emudece o Eco.

E os altos céus, que abrigam o lar das divindades,


onde de um milhar de tochas a queimar
desce a querida luz em nós que somos seres
feitos de terra e presos à escuridão;
e toda potestade ainda poderosa,
mais que nós, homens fracos!
Dai-nos a vossa bênção copiosamente,
derramai sobre nós a sorte favorável
e que nos seja dada uma grande prole,
para subir da terra, após vidas longínquas
e sempre venturosas
aos vossos domicílios de alegria eterna
e merecendo a glória, a alcançar decerto.
Possam eles gozar a herança, os tabernáculos
celestes, aumentando o número dos santos.
Deitemos, pois, amada, tal coisa desejando:
encerremos por ora as orações alegres.
Nada se diz no bosque, e emudece o Eco.

Cântico feito de modo rico e ornamentado,


com o qual minha amada possa ser mostrada,
e para que fugindo aos riscos da jornada
não percais a manhã, os campos orvalhados
mas tenhais esperança de algo que compensa:
também para ser dela, agora, um ornamento,
e de uma breve vida perene monumento.
: D  

O que nos acostumamos a chamar de debate sobre o casamento gay
não tem, como sua questão principal, a homossexualidade, mas o
casamento. Não se trata de quem pode ou não se casar, mas sim de o
que é o casamento. É uma etapa crucial numa luta de décadas entre
duas visões sobre o signi cado do casamento.

Há muito que a visão matrimonial do casamento molda a legislação


— juntamente com a literatura, a arte, a loso a, a religião e a prática
social — da nossa civilização (ver capítulo 3). É uma visão do
casamento como um vínculo físico, bem como emocional e espiritual,
e neste sentido distinto pela sua abrangência, que é, como a de todo
amor, efusivo: algo que deságua na ampla partilha da vida familiar e
segue adiante, motivando uma delidade vitalícia. No casamento,
assim entendido, o mundo deposita a sua esperança e se renova
completamente.

Uma segunda visão, revisionista, moldou as reformas das políticas


conjugais das últimas décadas. É uma visão do casamento como, em
essência, um vínculo emocional amoroso, que se distingue pela sua
intensidade — um vínculo que não precisa referenciar nada além dos
parceiros e no qual a delidade está, em última análise, sujeita aos
desejos individuais. No casamento, assim entendido, os parceiros
buscam a realização emocional, e permanecem enquanto a
encontrarem.

Em 1595, Edmund Spenser publicou, por ocasião do seu casamento


com Elizabeth Brody, uma ode chamada Epitalâmio, título que denota
um “monumento eterno” à noiva e também confere um duradouro
efeito poético à beleza, audácia e alcance da primeira visão do
casamento mencionada acima.

No centro do poema de Spenser está a união de corpo e mente entre


os cônjuges — algo, portanto, central para o casamento. O noivo eu-
lírico dedica quatro estrofes centrais ao “corpo belo como um palácio”
de sua noiva, depois à sua “beleza interior”, à sua união espiritual por
meio dos votos e depois à sua união física através do ato de
consumação.

Eles completam seus votos fazendo amor, o que gera nova vida;
assim, os lhos dão “cumprimento” aos seus “votos desejosos”. Desta
forma, as “doces alegrias” fugazes da sua união pressagiam a
“felicidade duradoura” de uma “grande prole”. O seu compromisso, tal
como o seu “fruto” vivo, é, portanto, “in nito”. E para ter uma força
in nita que lhe corresponda, o noivo pede a Juno, que faz com que se
cumpram as “leis do matrimônio”, que “ate” o seu casamento —
atando, não coatando, pois o casamento é um vínculo natural ao qual a
sociedade ou a religião só podem dar um “solene ornamento”.

Como todos têm interesse no seu casamento, o noivo convoca o


mundo inteiro — pode-se dizer que até mesmo todo o cosmos —
como testemunha. Ele primeiro convida as musas, no verdadeiro estilo
renascentista, e depois as damas de companhia de sua noiva; e também
todos os meninos de aldeia, para que corram e aplaudam pelas ruas.
Ele convida os “jovens da cidade” a acender fogueiras e “dançar e
cantar ao redor delas”. Ele chama as ninfas dos rios irlandeses e os
peixes abundantes nessas águas. As orestas, a lua e o sol são suas
testemunhas, e até mesmo “os altos céus, que abrigam o lar das
divindades”.

***

Avancemos agora para o outono de 2006. John Partilla, um executivo


de publicidade de Upper West Side, conhece Carol Anne Riddell,
âncora de um telejornal local. Com ideias semelhantes e ambos cheios
de energia, eles se dão bem; dentro de cinco anos, estão trocando
votos. Mas quando o New York Times relata seu casamento, nasce uma
onda de controvérsia.

Partilla e Riddell eram casados com outras pessoas quando se


conheceram — na pré-escola de seus lhos. Na verdade, as famílias de
ambos haviam se tornado amigas e até passaram férias juntas. Mas em
vez de “negar os seus sentimentos e viver de modo insincero”,
escolheram abandonar os seus cônjuges e lhos: “Tudo o que tinham
eram os seus sentimentos, que a Sra. Riddell descreveu como
‘incondicionais e irrestritos […]. Era um presente […] mas eu tinha
que merecer. Seríamos corajosos o su ciente para dar as mãos e
pular?’”.

***

Assim como Epitalâmio, a reportagem matrimonial do Times


incorpora uma certa visão do casamento. Ambas as opiniões estão em
jogo no debate sobre o casamento nos Estados Unidos.

O poema de casamento de Spenser canta um ideal. Traduzindo a


poesia em prosa, poderíamos dizer que ela tem o casamento como
uma união integral: capaz de unir os cônjuges tanto pelo corpo como
pela mente, ela é iniciada pelo consentimento e concluída pela relação
sexual. Sendo, assim, completado nos atos de união física pelos quais
se cria nova vida, ele é especialmente adequado à e aprofundado pela
procriação, e exige aquela partilha completa da vida doméstica, único
modo adequado à vida familiar. Ao unir os cônjuges de modo assim
total, também exige objetivamente um compromisso total: permanente
e exclusivo. A união integral é inerentemente valiosa, mas a sua ligação
ao bem-estar das crianças torna o casamento um bem público, que o
Estado deve reconhecer e apoiar.5 A isso chamamos visão matrimonial
do casamento.
A história do casamento Partilla-Riddell pode não ser poesia, mas,
como artigo de destaque na disputadíssima coluna social do jornal
mais famoso do mundo, ela também expressa o extremo de um padrão
que se destaca. Este padrão enxerga o casamento como a união de
duas pessoas que se comprometem numa parceria romântica e de vida
doméstica: essencialmente um vínculo ou união emocional,
meramente reforçado por qualquer atividade sexual que os parceiros
considerem agradável. Essas uniões românticas comprometidas são
consideradas valiosas enquanto perdurar a emoção. O Estado as
reconhece porque tem interesse na sua estabilidade e nas necessidades
dos cônjuges e de quaisquer lhos que decidam criar.6 A isso
chamamos visão revisionista do casamento.

A promulgação do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo não


seria, portanto, uma expansão da instituição do casamento, mas uma
rede nição, uma conclusão do que havia sido iniciado por políticas
como o divórcio “sem causa”, e, portanto, uma consolidação destas
políticas, substituindo a visão conjugal matrimonial pela visão
revisionista, por m, e elevando esta última à dignidade de princípio
jurídico. Ao fazê-lo, multiplicaria os fragmentos morais e culturais da
revolução matrimonial e tornaria a sua recuperação mais difícil do que
nunca. Se não, vejamos.

Por que este livro importa neste


momento?
Em apenas alguns anos, esta batalha a respeito do casamento envolveu
todos os ramos e níveis do governo americano e toda a nossa
sociedade civil. Vimos ordens executivas, vetos e decisões de execução;
projetos de lei estaduais e federais por votar e aprovados; batalhas
judiciais sobre essas decisões e projetos de lei; referendos populares em
cerca de dois terços dos nossos estados; e debates (ou pelo menos
declarações de posição) no meio acadêmico, associações pro ssionais,
meios de comunicação social, comunidades religiosas e salas de estar
em todo o país. É difícil lembrar de algum con ito cultural mais
discutido.

O casamento civil entre pessoas do mesmo sexo recebe um imenso


apoio de intelectuais, jornalistas e artistas; de fato, praticamente toda a
nossa elite cultural o apoia. No geral, porém, o povo americano
continua descrente quanto a seus méritos. Em trinta e dois estados
onde a questão foi proposta ao povo através de referendo — incluindo
estados esquerdistas como a Califórnia, Wisconsin e Maine —, a visão
conjugal matrimonial prevaleceu. Na maioria desses estados, o povo
incluiu essa visão em suas constituições. Outros doze estados
aprovaram estatutos fazendo o mesmo. Ao todo, os povos de quarenta
e quatro estados, seja através do voto direto ou de seus representantes,
escolheram a visão conjugal matrimonial.

Em seis estados e no Distrito de Columbia, rede niu-se o conceito de


casamento civil de modo a incluir relações entre pessoas do mesmo
sexo. Isso aconteceu por decreto judicial em Massachusetts,
Connecticut e Iowa, e através de mudanças na legislação em Vermont,
New Hampshire, Washington , Nova York e Maryland. (Enquanto
este livro estava sendo escrito, o estado de Washington também
aprovou uma lei permitindo o casamento civil entre pessoas do
mesmo sexo, que só entrará em vigor se for con rmada num referendo
de 2012). Quaisquer que sejam os desenvolvimentos desta guerra de
atrito, os resultados até agora difundem a ideia de que o debate está
encerrado e que as forças cegas da História determinaram, de alguma
forma, uma vitória revisionista.

Embora a maioria das vitórias do casamento civil entre pessoas do


mesmo sexo tenha vindo dos tribunais, estes têm defendido, na
maioria das vezes, leis de viés matrimonial: pelo menos dez tribunais
estaduais e federais o zeram na última década. Mas alguns casos
pendentes podem ser os mais importantes. Um centra-se na Lei
Federal de Defesa do Casamento (), que de ne o casamento
como uma união entre um homem e uma mulher para ns federais e
permite que os estados escolham se reconhecem os casamentos entre
pessoas do mesmo sexo celebrados noutro local. Aprovada por
esmagadora maioria no Congresso e sancionada pelo Presidente
Clinton em 1996, a  foi declarada inconstitucional em 2010 por
um juiz do Tribunal Federal Distrital em Massachusetts e em 2012
pelo Tribunal de Apelações do Primeiro Circuito.7 Enquanto este
artigo era escrito, o caso tinha chegado à Suprema Corte. O Presidente
Obama, tendo considerado a  parcialmente inconstitucional,
instruiu o seu Departamento de Justiça a não defendê-la.

Talvez a batalha judicial mais relevante seja Hollingsworth v. Perry.


Em 2008, depois que a Suprema Corte da Califórnia declarou
inconstitucional a lei conjugal matrimonial da Califórnia, os eleitores
alteraram sua constituição estadual para declarar que o casamento é
uma união entre homem e mulher, deixando intactas as leis de união
civil que concediam às relações entre pessoas do mesmo sexo todos os
benefícios legais do casamento. Em agosto de 2010, um tribunal
federal declarou que a Proposição 8 era uma violação dos direitos à
igualdade de proteção e ao devido processo legal sob a Constituição
dos ; em 2012, um painel de três juízes do Nono Circuito o
rea rmou. O caso Perry foi levado à Suprema Corte. Lá, não mais do
que cinco juízes podem, de fato, decidir a política nacional quanto ao
casamento, levando todas estas batalhas a um m abrupto e
antidemocrático. Pelos padrões do Tribunal, as leis conjugais são
constitucionais se tiverem uma base racional. Demonstrar que as leis
conjugais matrimoniais têm, de fato, uma fundamentação racional, é
um objetivo central deste livro. Mas esperamos que ele sirva,
principalmente, como material para a deliberação democrática.

O que vamos mostrar


Nossas alegações essenciais podem ser expostas sucintamente. Existe
uma forma distinta de união pessoal e um modo de vida
correspondente, historicamente chamados casamento, cujas
características básicas não dependem das preferências dos indivíduos
ou das culturas. O casamento é, na sua essência, uma união integral:
uma união da vontade (pelo consentimento) e dos corpos (pela união
sexual); inerentemente ordenada à procriação e, portanto, à partilha
completa da vida familiar; e que convoca ao compromisso permanente
e exclusivo quaisquer que sejam as preferências dos cônjuges. Sempre
foi e continua a ser uma realidade pessoal e social, procurada e
valorizada por indivíduos, casais e sociedades inteiras. Mas é também
uma realidade moral: um bem humano com uma estrutura objetiva,
inerentemente bom para dar base às nossas vidas.

Os casamentos sempre foram o meio principal e mais e caz de criar


lhos saudáveis, felizes e bem integrados. A saúde e a ordem da
sociedade dependem da criação de crianças saudáveis, felizes e bem
integradas. É por isso que a lei, embora possa ignorar as amizades
comuns, deve reconhecer e apoiar os casamentos.

Não pode, portanto, haver um direito às relações não matrimoniais


de serem reconhecidas como casamentos. De fato, isso pode ser muito
prejudicial, supondo-se que reconhecê-las obscureça a forma, e assim
enfraqueça, as normas especiais que regem uma instituição da qual a
ordem social depende. Portanto, o que é um mau presságio para o bem
comum não é a mera concessão de benefícios às relações entre pessoas
do mesmo sexo, mas a rede nição do casamento na consciência do
público. Na verdade, as sociedades conscientes deste fato não precisam
privar de bens práticos, igualdade social ou realização pessoal as
pessoas que se sentem atraídas pelo mesmo sexo.

***

Eis, portanto, o cerne do nosso argumento contra a rede nição. Se a


legislação de nir que o casamento pode ser contraído entre parceiros
do mesmo sexo, muitos compreenderão mal o casamento. Não o verão
como uma ligação especialmente integral ou, portanto (entre outras
coisas), como algo ordenado à procriação e à vida familiar — mas
como uma união essencialmente emocional. Por razões a explicar,
tenderão, portanto, a não compreender ou respeitar as normas
objetivas de permanência ou de exclusividade sexual que o moldam.
Nem, no nal, entenderão por que é que as condições do casamento
não deveriam depender inteiramente da vontade das partes, sejam elas
duas ou dez, como é o caso nas condições das amizades e contratos.
Neste sentido, na medida em que o casamento for mal compreendido,
mais difícil será compreender o sentido das suas normas, viver de
acordo com elas e impô-las aos demais. E isto, além de tornar
arbitrárias quaisquer restrições conjugais que restem, prejudicará os
muitos bens culturais e políticos que motivam o Estado a intervir no
casamento. Aqui os listamos, resumidamente, para orientar os leitores.
Cada um deles será analisado, e sua conexão com a política conjugal
será defendida nos capítulos subsequentes deste livro.

  . Nin guém delibera ou age no vácuo.


Todos nós nos inspiramos nas normas culturais, que são moldadas
pela lei. Para que haja um verdadeiro matrimônio, é preciso escolhê-lo
com liberdade. E para escolher o casamento, é preciso ter pelo menos
uma ideia aproximada e intuitiva de o que ele é. A proposta
revisionista prejudicaria as pessoas (especialmente as gerações futuras)
ao distorcer a sua concepção da essência do casamento. Ensinaria que
o casamento se baseia no vínculo emocional e na coabitação, sem
quaisquer ligações inerentes à união física ou à vida familiar. À medida
que as pessoas internalizassem esta visão, a sua capacidade de contrair
uma genuína união matrimonial diminuiria. Isto seria mau em si, uma
vez que a união conjugal é, por si só, boa. Este seria o dano mais sutil,
mas também o principal, da rede nição; outros danos seriam os
efeitos da má interpretação do casamento e, portanto, de não vivê-lo e
apoiá-lo.

-  . O casamento tende a tornar os cônjuges


mais saudáveis, mais felizes e mais prósperos do que seriam sem ele.
Mas esta é uma realização do matrimônio, especialmente através das
suas normas especí cas: permanência, exclusividade e orientação à
vida familiar. À medida que a rede nição do casamento pelo Estado
venha a tornar estas normas mais difíceis de compreender, valorizar,
justi car e viver, os cônjuges se bene ciarão menos das vantagens
psicológicas e materiais da estabilidade conjugal.
-  . Se as relações entre pessoas do mesmo sexo
forem reconhecidas como casamentos, não só as normas que mantêm
o casamento estável serão minadas, mas também não haverá nenhuma
instituição civil capaz de reforçar a noção de que homens e mulheres
trazem dons diferentes para a criação dos lhos. A rede nição do
casamento suavizaria assim as pressões sociais e encurtaria os
incentivos — já diminuídos nas últimas décadas — para que os
maridos permaneçam com as suas mulheres e lhos, ou para que
homens e mulheres se casem antes de terem lhos. Tudo isto
prejudicaria o desenvolvimento das crianças em adultos felizes,
produtivos e íntegros.

. Os equívocos sobre o casamento também acelerarão a


carestia de amizades profundas em nossa sociedade, com especial
prejuízo para os solteiros. O Estado terá de nido o casamento
principalmente em razão dda diminuição de grau ou intensidade —
como o ato de oferecer ao máximo aquilo que compõe qualquer
relacionamento valioso: emoção e experiência compartilhadas.
Tornar-se-á assim menos aceitável procurar (e mais difícil encontrar)
intimidade emocional e espiritual em amizades não maritais. Estas
passarão a ser vistas não como fenômenos distintos do casamento (e,
portanto, distintamente atraentes), mas simplesmente como menores.
Somente a visão matrimonial dá ao casamento uma clara orientação à
união física e à vida familiar. Somente a visão matrimonial preserva
um horizonte ricamente povoado, com espaço para muitos tipos de
comunhão, cada um com a sua escala de profundidade e formas
especí cas de presença e cuidado.

 . À medida que a visão conjugal passa a ser


vista como irracional, a liberdade das pessoas para a expressarem e
viverem de acordo com ela será restringida. Assim, por exemplo,
vários estados forçaram obras de caridade Católicas a encerrar seus
serviços de adoção ou a entregar crianças a parceiros homossexuais,
em contradição com os princípios católicos. Alguns apoiadores da
conjugalidade matrimonial foram despedidos por divulgarem as suas
opiniões. Se o casamento civil for rede nido, acreditar naquilo que
praticamente todas as sociedades humanas outrora acreditavam sobre
o casamento — que este é uma união entre homem e mulher — será
cada vez mais visto como um preconceito malé co, a ser relegado às
margens da cultura.

 . Em nossas vidas, o Estado é (ou deveria ser) um


ator coadjuvante, não um protagonista. Ele existe para viabilizar as
circunstâncias nas quais nós e as comunidades que livremente
formemos possamos prosperar. A mais importante das comunidades
livres, da qual dependem todas as outras, é o casamento; e as
condições para a sua prosperidade incluem tanto o auxílio aos casais
quanto as pressões sobre eles, para que permaneçam juntos, previstos
pela legislação conjugal. A rede nição do casamento civil irá desgastar
ainda mais as normas conjugais, forçando o Estado ainda mais
profundamente a assumir um papel de liderança para o qual ele não é
adequado: pai e disciplinador dos órfãos, provedor dos negligenciados
e árbitro de disputas sobre custó dia, paternidade e visitas. À medida
que a família enfraquece, aumentam as burocracias correcionais e o
estado de bem-estar social.

Estas, em resumo, são as nossas principais alegações a serem


elaboradas e defendidas. Aos formadores de opinião, oferecemos este
livro como um recurso ao qual recorrer ou como um desa o a
enfrentar; e para professores e alunos de todas as áreas, o oferecemos
como material para análise, defesa e crítica. Nós o oferecemos a
entidades religiosas que estão considerando reformar ou reforçar os
ensinamentos de suas tradições sobre o casamento. Finalmente, como
o casamento é um bem que deve ser escolhido para ser realizado — e
precisa ser fundamentalmente entendido para ser escolhido — o
oferecemos aos atuais e futuros cônjuges e a todos os que
testemunham e apoiam os seus votos.

O que o nosso argumento não é


Antes de continuarmos, é preciso esclarecer o que o nosso argumento
não é. Primeiro, em última análise, não é a respeito da
homossexualidade. Não abordamos a moralidade dos atos
homossexuais ou das suas contrapartes heterossexuais. Mostraremos
que é possível, ao defender a visão conjugal matrimonial, deixar esta
questão moral entre parênteses, e que a visão matrimonial pode ser
abraçada de todo o coração, sem denegrir as pessoas que se sentem
atraídas por outras do mesmo sexo, ignorar as suas necessidades ou
presumir que os seus desejos podem mudar. A nal, a visão
matrimonial é serenamente adotada por muitas pessoas lúcidas que
sentem atração pelo mesmo sexo.8 Insistimos que este debate é,
fundamentalmente, sobre a essência do casamento, e não sobre a
homossexualidade.

Em segundo lugar, o nosso argumento não apela à revelação divina


ou à autoridade religiosa. Achamos que é certo e apropriado
apresentar argumentos religiosos a favor ou contra uma política
conjugal (ou políticas sobre a pena capital, digamos, ou a imigração),
mas nesta obra não oferecemos quaisquer argumentos religiosos.

Há evidências simples e decisivas de que a visão matrimonial não é


peculiar à religião, ou a qualquer tradição religiosa. Pensadores
antigos, que não tiveram contato com religiões como o judaísmo ou o
cristianismo — incluindo Xenófanes, Sócrates, Platão, Aristóteles,
Musônio Rufo e Plutarco — alcançaram opiniões notavelmente
semelhantes sobre o casamento. É certo que, ao longo da História, as
principais religiões do mundo também encararam o casamento como
uma relação matrimonial, moldada pelo seu papel social de vincular
os homens às mulheres e ambos aos lhos nascidos da sua união. Mas
isto sugere apenas que nenhuma religião inventou o casamento. Foi
antes o casamento — as exigências de uma instituição natural — que
ajudou a moldar as nossas tradições religiosas e losó cas.

Terceiro, tanto as ciências sociais como a História desempenham em


nossa argumentação meros papéis de apoio. A necessidade das
crianças de terem famílias intactas, amplamente con rmada pelas
ciências sociais, é o principal gancho que induz a legislação a
regulamentar o casamento. Mas tão logo o Estado decide reconhecer o
casamento, ele se obriga a entender o casamento corretamente, de
modo a não obnubilar sua estrutura e valor próprios. O nosso
argumento a favor dessa estrutura e valor é principalmente losó co e
meramente apoiado pelas ciências sociais em dois pontos: primeiro, os
resultados de diferentes arranjos parentais tendem a reforçar nosso
argumento de que a relação sexual entre um homem e uma mulher
está especialmente relacionada à criação dos lhos. Em segundo lugar,
as práticas de diferentes tipos de relacionamentos reforçam nosso
argumento de que as uniões entre homens e mulheres exigem um
compromisso permanente e exclusivo — que existe uma base racional
para estas normas, independentemente das preferências dos cônjuges
— de uma forma que não se veri ca em outros vínculos.

Quanto à História, rejeitamos o argumento de que o casamento deve


ser heterossexual “porque sempre foi assim”. De milhares de fatos
sobre como o casamento já foi não se pode deduzir nada sobre como
ele deveria ser. Ao contrário, citamos o apoio histórico para mostrar
que a visão matrimonial do casamento não é exclusivamente judaica
ou cristã; que noções bastante semelhantes foram desenvolvidas à
parte dessas tradições.

Mas a História também mostra que a hostilidade para com pessoas


com inclinações homossexuais não poderia ter dado origem à visão
matrimonial. O princípio losó co e jurídico de que apenas o coito
poderia consumar um casamento surgiu séculos antes do conceito de
identidade gay, quando os únicos outros atos considerados eram
aqueles entre um homem e uma mulher casados. E mesmo em
culturas muito favoráveis às relações homoeróticas (como na Grécia
antiga), algo semelhante à visão matrimonial prevaleceu — e nada
parecido com o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi sequer
imaginado.

Inevitavelmente, nosso argumento é complexo. Tal como acontece


com a maioria dos assuntos públicos importantes, este debate exige
atenção especial e julgamento cuidadoso por parte de cidadãos
responsáveis. Embora a estrutura de um bem humano universal seja,
em certo sentido, uma questão simples, as coisas mais simples muitas
vezes são, neste sentido, as mais difíceis de provar: porque a visão
matrimonial não foi questionada a sério durante muitos séculos, sua
defesa não soa comum ou rotineira. E porque a ligação entre o
casamento e a complementaridade sexual é tão fundamental, defendê-
la exige estabelecer extensas ligações com outros princípios conjugais
básicos, como faremos a seguir. Mostraremos, por outras palavras, que
a visão matrimonial explica melhor o que, na opinião concorde da
maioria, são características integrantes do casamento; e que explica
melhor a unidade destas características.

Finalmente, reconhecemos que alguns, tendo rejeitado frontalmente


a nossa visão como uma mistura nociva de obscurantismo e
intolerância, não terão disposição — talvez nem a possibilidade — de
lhe dar atenção. Não nos iludimos acreditando que aqueles mais
empenhados em proteger os seus ouvidos de argumentos razoáveis
sejam alcançados por um livro que pretende oferecer argumentos
razoáveis. Vemos o debate sobre o casamento como um debate entre
pessoas de mente sã e bom caráter, que discordam sobre a solução
num debate, concordando sobre a importância de debater o tema. O
nosso livro é dirigido aos revisionistas que veem dessa mesma forma.

 : D  



A pesar de toda a di culdade e ambiguidade de fazer julgamentos de
valor, as linhas mais gerais de uma vida boa são claras para a
maioria de nós. Um homem tem um corpo saudável e uma família
feliz, uma lista de hobbies enriquecedores e uma apurada apreciação
por Bob Dylan. Durante o dia, ele ensina alunos do último ano do
Ensino Médio a saborear o ritmo e a sagacidade da poesia de Chaucer;
à noite, amigos o acompanham enquanto saboreia um Bordeaux tinto.
Outro homem está debilitado, deprimido, insensível e alheio. Não é
preciso ser um poeta ou um santo para ver quem está em melhor
situação.

É igualmente claro que não há em Dylan, Chaucer ou nos Bordeaux


nada de especial que dê vantagem ao primeiro homem. Não existe
uma só vida boa, mas uma série de vidas boas: inúmeras maneiras de
combinar os ingredientes básicos da prosperidade humana. Mas os
próprios ingredientes — as formas mais fundamentais pelas quais
podemos prosperar, o que poderíamos chamar de “bens humanos
básicos” — são mais limitados. São condições ou atividades que
inerentemente nos proporcionam uma situação melhor, quer nos
tragam outros bens ou não. Faz sentido que os queiramos por si sós.
Saúde, conhecimento, diversão e deleite estético são alguns exemplos,
e outro é a amizade.

Um outro bem humano básico, pensamos, é o casamento. Aqui temos


um ponto crítico: o casamento e a amizade comum não oferecem
simplesmente graus diversos do mesmo tipo de bem humano, como
dois cheques emitidos em valores diferentes. Também não são
simplesmente variedades do mesmo bem, como o prazer de um
Matisse e o prazer de um Van Gogh. Cada um é seu próprio tipo de
bem, uma via vivi cante diferente da outra. Portanto, embora os
cônjuges devam ser amigos, o que é necessário para ser um bom
amigo não é exatamente o que é necessário para ser um bom cônjuge.

O que, então, há de distintivo no casamento? Todos os tipos de


práticas são enxertados no casamento pela legislação e pelos costumes,
mas que tipo de relacionamento devem quaisquer duas pessoas ter
para desfrutar do bem especí co do casamento? Esta formulação da
questão, embora incomum, não deveria parecer misteriosa;
poderíamos perguntar o mesmo sobre outros bens humanos básicos.
A amizade, por exemplo, tem um núcleo objetivo. Suponha que
alguém pensasse que a amizade é principalmente uma relação em que
pessoas usam umas às outras, com boa vontade ocasional e
cooperação apenas como um tempero opcional. A maioria de nós
consideraria isso um erro sobre o que é a verdadeira amizade. Essa
pessoa não apenas estaria enganada sobre o signi cado de uma
palavra (“amizade”) tal como a usamos. Ela estaria enganada sobre um
fato universal: um bem humano básico, uma das principais formas de
viver bem. Ou se, como ocorre tantas vezes, um estudante parecesse
pensar e agir como se o bem do conhecimento equivalesse à
capacidade de usar palavras longas e impressionantes, consideraríamos
que falta a esse estudante uma certa dimensão do bem-estar humano
— não apenas o uso adequado do termo “conhecimento”.

O mesmo acontece com o casamento. Argumentaremos que aqueles


que procuram rede nir o casamento civil se enganam a respeito de um
bem humano — e não apenas de um título ou artefato legal. Quanto
mais as pessoas internalizarem esse engano sobre o casamento, menos
aptas estarão para viver a realidade. Permanece, portanto, a questão: o
que é o casamento?

Começamos por demonstrar neste capítulo os motivos pelos quais,


independentemente do que possa ser verdadeiro, a visão revisionista é
necessariamente falsa: uma visão errada do casamento. Seus erros
profundos frequentemente são ignorados, na suposição implícita de
que, se a visão matrimonial estiver errada, a revisionista deve estar
certa. Esta lógica é obviamente errada e, de fato, a visão revisionista
falha em seus próprios termos. Nenhuma versão coerente da mesma é
capaz de manter três pontos comuns a ambos os lados do debate: que
interessa ao Estado regular certos relacionamentos; que esse interesse
só existe se esses relacionamentos forem sexuais; e se que somente
existe se forem monogâmicos.

Em suma, a visão revisionista vê o seu cônjuge como a sua “pessoa


número um”, nas palavras concisas de um de seus defensores.9
Portanto, ela é incapaz de distinguir o casamento do mero
companheirismo. E todos sabemos que o companheirismo, embora
profundamente enriquecedor, é algo muito mais geral do que o
casamento.10 Portanto, se esta objeção for válida, será necessariamente
desquali cante. No entanto, ela tem sido proposta por anos sem uma
única resposta adequada, e é amplamente con rmada pela própria
retórica dos revisionistas e pelas políticas que eles acabam por apoiar.

Interessa ao Estado regular certos


relacionamentos?
Imagine um mundo em que a lei estabeleça os termos de suas
amizades comuns: você e um colega de trabalho não poderiam
estabelecer uma amizade, cada um de sua mesa, sem primeiro obter a
aprovação do Estado, que poderia ser negada por ser você muito
jovem ou por falta de quali cações. Tendo formado uma amizade,
vocês não poderiam encerrá-la sem a permissão do Estado. Você
talvez até fosse obrigado(a) a pagar por projetos iniciados ao lado de
ex-amigos — até sua morte e sob ameaça de prisão.

Isto seria uma loucura, e todos compreendemos o porquê: as


amizades normais simplesmente não afetam o bem comum de uma
forma estruturada que possa justi car sua regulamentação legal. Por
que, então, nós — e todas as culturas que conhecemos —
regulamentamos legalmente o casamento?

Todos nós temos, pelos casamentos dos nossos vizinhos, um interesse


que não temos por suas amizades, e os casamentos têm uma estrutura
de nida que as amizades não têm.11 Como argumentaremos no
capítulo 3, as sociedades esperam que famílias construídas sobre
casamentos fortes produzam o que precisam, mas não podem
providenciar: crianças saudáveis e normais que se tornem cidadãos
conscientes. À medida que amadurecem, os lhos se bene ciam do
amor e do cuidado da mãe e do pai, e do amor dotado de
comprometimento e exclusividade dos pais um pelo outro. Ao
contrário das amizades, que variam em tipo, grau e formalidade, o
casamento — como mostraremos — tem su ciente estrutura objetiva,
independente das preferências dos cônjuges, para ser regulamentado
por lei.

A visão revisionista rompe esta ligação importante. Se o casamento é


fundamentalmente uma união emocional, e não uma união
inerentemente ordenada à vida familiar, torna-se muito mais difícil
mostrar por que razão o Estado deveria se preocupar com o
casamento mais do que com a amizade. Por que envolver o Estado no
que equivale à regulamentação legal da ternura? Os revisionistas
propõem uma política para cuja implementação não conseguem dar
boas razões.

Somente se forem sexuais?


Alguns argumentam simplesmente que o Estado deveria conceder às
pessoas certos benefícios legais se elas prestarem apoio e cuidados
domésticos umas às outras. Mas tal esquema não seria casamento,
nem poderia dar sentido às características da legislação do casamento.

Veja Oscar e Alfred. Eles vivem juntos, apoiam-se mutuamente,


partilham responsabilidades domésticas e não têm dependentes.
Como Oscar conhece e con a em Alfred mais do que qualquer outra
pessoa, ele prefere que Alfred vá visitá-lo no hospital se car doente,
que tome as decisões terapêuticas a seu respeito, caso ele que
inconsciente, e que herde seus bens se ele morrer primeiro. Alfred
sente o mesmo por Oscar. Cada um oferece ao outro segurança em
meio às di culdades da vida e uma companhia nas vitórias. Eles
enfrentam o mundo juntos.

Até agora, você pode estar presumindo que Oscar e Alfred têm um
relacionamento sexual. Mas isso importa? E se eles forem irmãos
solteiros? E se eles forem melhores amigos de faculdade que nunca
deixaram de morar juntos ou que, tendo cado viúvos, voltaram a se
unir? Em tais casos, a maioria concorda que não seriam cônjuges. E,
no entanto, seriam, segundo os argumentos da maioria dos
revisionistas.

Assumindo que se instalasse uma política geral de reconhecimento


de duplas comprometidas, deveriam os benefícios recebidos por Oscar
e Alfred depender de o seu relacionamento ser ou poder ser
presumido como sexual? Não seria patentemente injusto se o Estado
lhes negasse benefícios apenas porque não fazem sexo um com o
outro? Um professor de direito de Syracuse argumentou que seria: e
que o Estado deveria reconhecer unidades sociais compostas por
amigos comprometidos.12

O revisionista não pode responder com sucesso a rmando que os


casamentos são os relacionamentos mais emocionalmente intensos e
que o sexo geralmente promove e expressa essa intimidade. Os laços
emocionais são certamente importantes, especialmente no casamento.
Mas se o sexo importa para o casamento apenas pelos seus efeitos
emocionais e expressivos, como deve alegar o revisionista, então
certamente o sexo é perfeitamente substituível, como ninguém
realmente defende. A intimidade emocional também é fomentada por
diálogos profundos, cooperação em momentos difíceis ou diante de
tra gédias iminentes e milhares de outras atividades que duas irmãs ou
pai e lho poderiam realizar sem que ninguém se espantasse. A esse
respeito, não há nada que seja exclusivo do sexo.

Em outras palavras, por que o sexo é mais característico do


casamento do que outras atividades agradáveis que criam apego?
Sabemos que a paixão, o prazer e o deleite em qualquer bem genuíno,
incluindo a união conjugal, também são valiosos; a união emocional é
uma parte importante da união conjugal. Mas mesmo se borrifar
oxitocina em sua parceira aumentasse o prazer e o apego dela por
você, isso não a tornaria uma alternativa ao sexo enquanto
personi cação de seu casamento. Mas por que não, a menos que
algum aspecto do sexo, além dos seus efeitos emocionais, também seja
crucial? No próximo capítulo mostraremos que somente a visão
matrimonial pode responder a esta questão, pois pode mostrar como o
tipo de união sexual tornada possível pela complementaridade sexual
cria mais do que um mero vínculo emocional, como o casamento
exige.

Você pode responder: “As pessoas apaixonadas buscam naturalmente


sexo e compromisso, e então as dizemos ‘casadas’. O que há para
explicar?”. Mas essa resposta foge ao assunto: o que o sexo tem de tão
diferente que consegue destacar uma classe de vínculos — não apenas
a partir do nome ou sentimentos, mas do tipo de valor realizado e
compromisso envolvido — do espectro de vínculos não sexuais
compatíveis com vários compromissos? O que uni ca o sexo e as
outras características do casamento como um único bem? A resposta,
argumentamos abaixo, é esta: o casamento envolve essencialmente
uma união integral — incluindo o aspecto físico — e o sexo une
sicamente como nenhuma outra atividade é capaz de unir. Mas,
como também mostramos, o sexo que une neste sentido — tornando
duas pessoas uma, tal como as partes de um único corpo formam um
só — requer um homem e uma mulher.

Só se forem monogâmicas?
Agora volte ao exemplo de Oscar e Alfred e acrescente Herman ao
quadro. Para ltrar o argumento sobre a união sexual, suponhamos
que os três homens fazem parte de uma tríade romântica, como aquela
recentemente apresentada com simpatia pela New York Magazine.13
Alguma coisa muda? Se um morrer, os outros dois serão coerdeiros. Se
um estiver doente, qualquer um dos outros pode visitar ou tomar
decisões. Se Oscar e Alfred podem ter seu relacionamento romântico
reconhecido, por que não Oscar, Alfred e Herman? Por que não seria
uma discriminação injusta negar o reconhecimento do Estado à
relação de cuidado e afeto mútuos dos três?

Para os revisionistas, o casamento deve ser distinguido simplesmente


pela união emocional e pelas atividades que a promovem. Mas por que
estas união e atividades deveriam ser limitadas a duas pessoas? Na
verdade, como poderiam ser limitadas, se formamos vínculos
emocionais com vários entes queridos — pais, irmãos, amigos
próximos — e através de diversas atividades? As uniões emocionais
românticas têm uma qualidade diferente das outras e são claramente
importantes para o casamento, mas isso não faz com que os matizes
emocionais sejam su cientes para marcar a diferença de tipo entre o
casamento e as formas comuns de amizade.14 Além disso, não
podemos controlar diretamente as emoções, por isso elas são fracas
candidatas ao papel de objeto central de um voto. E se alguns
relacionamentos se mostram, como às vezes é relatado, mais estáveis
ou emocionalmente grati cantes quando sexualmente abertos, e o
casamento é uma união emocional, como poderia a exclusividade ser
parte integrante dele? O revisionista também não poderá, para
defender a exclusividade, apontar que as pessoas apaixonadas
geralmente a desejam: as pessoas apaixonadas geralmente também
desejam o sexo oposto, e muitos indivíduos em ligações poliamorosas
veem benefícios emocionais especí cos na variedade sexual e na
supressão do ciúme que se observa nas uniões com múltiplos
parceiros.15 Eles podem pensar que relacionamentos com um ou vários
parceiros apenas oferecem custos e benefícios diferentes. Por que,
então, um casamento só pode envolver duas pessoas?

Alguns podem objetar que todo mundo sabe disso. Trata-se de algo
que não requer explicação. Mas isto levanta uma questão contra Oscar,
Alfred e Herman, que querem o reconhecimento social e as vantagens
do tipo de relacionamento que pessoalmente consideram mais
grati cante: benefícios econô micos, proteções legais e o levantamento
do estigma sobre eles mesmos e seus lhos.

Como se demonstrará no capítulo 2, a visão matrimonial explica por


que o casamento só é possível entre duas pessoas. Ela também deixa
claro como o compromisso conjugal pode ser exclusivo. Uma vez que
vê o casamento como algo mais especí co do que a união emocional,
que outras atividades promovem até certo ponto e que a exclusividade
sexual pode, às vezes, parecer atenuar, somente a visão matrimonial
pode justi car a existência de uma linha nítida em torno da atividade
sexual como o comportamento que os cônjuges devem votar-se a
compartilhar somente um com o outro. Somente a visão matrimonial
pode justi car que um compromisso tão grande exista como norma
conjugal.

A di culdade do revisionista em vincular sexo e casamento, ou


casamento e exclusividade, também surge na questão do casamento e
da vida familiar. Se a criação dos lhos pode tanto di cultar como
ajudar a proximidade emocional, como podem os revisionistas
explicar o fato de que a vida familiar, por sua natureza, enriquece o
casamento, mas apenas o casamento? Que a criação dos lhos está
mais profundamente ligada ao casamento do que a qualquer outro tipo
de vínculo, incluindo outros vínculos estáveis que na prática possam,
em certos casos, envolver a criação dos lhos (como entre, digamos,
irmãs viúvas que moram juntas)? Também isto só pode ser explicado
pela visão matrimonial.

Podem os revisionistas explicar qualquer diferença sistemática entre


casamento e amizade profunda?

***

Uma breve nota antes de mostrarmos como a visão matrimonial é


capaz de responder a essas questões. A reação de muitos dos que se
deparam com estas objeções à visão revisionista é tentar rejeitá-las.
Eles insinuam, por exemplo, que ninguém está a clamar pelo
reconhecimento das uniões poliamorosas, ou que estamos
apresentando um argumento do tipo “rampa escorregadia”.

Note-se, em primeiro lugar, que não há nada de errado em


argumentar contra uma política a partir de previsões razoáveis de
consequências indesejadas. Tais previsões pareceriam bastante
razoáveis neste caso, dado que guras proeminentes como a icônica
feminista Gloria Steinem, a ativista política e escritora Barbara
Ehrenreich e Kenji Yoshino, professor de Direito da Universidade de
Nova York, já exigiram o reconhecimento legal de relações sexuais
envolvendo múltiplos parceiros.16 Tais relacionamentos não são
também inéditos: a Newsweek relata que existem mais de quinhentos
mil só nos Estados Unidos.17 No Brasil, um tabelião reconheceu uma
união civil entre três pessoas.18 A Cidade do México avaliou a hipótese
de conceder licenças para casamentos expressamente temporários.19 O
conselho escolar do distrito de Toronto decidiu promover
relacionamentos poliamorosos entre os alunos.20 Poderíamos
continuar.

Ainda assim, não estamos aqui para prever as consequências sociais


ou jurídicas da visão revisionista. Estamos tentando deixar claro um
ponto diferente: se você insiste, por uma questão de princípio, que
devemos reconhecer as relações entre pessoas do mesmo sexo como
casamentos, o mesmo princípio exigirá que você aceite (e apoie o
reconhecimento legal) de relacionamentos poliamorosos — e, como
vimos acima, dos não sexuais — como casamentos. Se você acha que
leis conjugais matrimoniais discriminam injustamente as relações
entre pessoas do mesmo sexo, você não terá como explicar porque isso
também não se aplica às relações entre múltiplos parceiros e às
relações não sexuais.

Em outras palavras, nas melhores condições em que dois homens ou


duas mulheres podem se casar, o casamento consiste no vínculo
emocional e na vida doméstica. Mas por mais agradável e valioso que
possa ser o vínculo emocional, no casamento assim compreendido não
há nada que também exija que ele seja entre duas pessoas, sexualmente
fechado ou mesmo sexual. No entanto, ligações que não possuem essas
características simplesmente não são casamentos. Portanto, as
melhores teorias para possibilitar o casamento entre dois homens ou
duas mulheres estão erradas: elas se equivocam sobre outros aspectos
menos controversos do casamento.

Elizabeth Brake abraça com entusiasmo a primeira ponta deste


dilema. Ela apoia o “casamento mínimo”, no qual “os indivíduos
podem ter relacionamentos maritais legais com mais de uma pessoa,
reciprocamente ou assimetricamente, determinando eles próprios o
sexo e o número de pessoas envolvidas, o tipo de relacionamento
envolvido e os direitos e responsabilidades negociados de parte a
parte”.21 Mas Brake paga um alto custo por essa coerência. Quanto
mais partes num “casamento mínimo” determinam casuisticamente
quais deveres negociar, menos a política de casamento proposta
importa, em si, num mundo onde contratos privados já são uma
possibilidade. Ao privarmos a política conjugal de uma forma
de nida, a privamos de um propósito público.

Seguida rigorosamente, a consequência lógica de rejeitar a concepção


conjugal matrimonial é, por causa da falta de forma, a inutilidade: tal
visão propõe uma política cujo benefício mal poderia explicar. É claro
que alguns revisionistas defenderão as suas normas preferidas como
simplesmente as mais viáveis ou as mais prováveis de terem as
melhores consequências. Nós os abordaremos em outra parte (ver
capítulos 3, 4 e 6). A maioria dos revisionistas, contudo, apoia normas
como a exclusividade, tendo-a por questão de princípio. Mas não
tiveram sucesso quando desa ados a explicar o fundamento destas
normas.22 Isto não é culpa deles, mas sim da sua posição: ela não pode
ser coerentemente defendida.

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O que é, então, o casamento? Como o título sugere, este livro oferece
a nossa resposta. Mais sucintamente, o mesmo faz esta frase: “O
casamento é um vínculo integral entre pessoas”. Passemos à
explicação.

É impossível que duas pessoas sejam uma, ou unidas, em todos os


sentidos, sem deixarem de ser duas pessoas. Portanto, uma unidade
desse tipo nem sequer é desejável. O casamento não é integral nesse
sentido. Bons cônjuges não precisam ter os mesmos empregos nem
tocar os mesmos instrumentos musicais. Mas toda comunidade é
formada por pessoas que consentem em buscar determinados bens
através de determinadas atividades, seguindo o compromisso
adequado a essas atividades e bens. É segundo essas três características
básicas de qualquer vínculo — atividade uni cadora, bens
uni cadores e compromisso uni cador — que o casamento é integral.

Primeiro, ele une duas pessoas nas suas dimensões mais básicas, nas
suas mentes e corpos; segundo, une-os no que diz respeito à
procriação, à vida familiar e à ampla partilha doméstica; e terceiro,
une-as permanente e exclusivamente.

Atos de uni cação integral: mente e


corpo
Primeiro, diferentemente da amizade comum, o casamento une seus
participantes em todas as suas dimensões básicas. Ele envolve uma
união de mentes e vontades que se desdobra numa partilha de vidas e
recursos. Mas o casamento também inclui a união física. Isso ocorre
porque seu corpo é uma parte essencial de você, não um veículo
dirigido pelo suposto você “real” que seria sua mente; nem uma mera
fantasia que você precisa vestir. Se alguém dani ca seu carro, está
vandalizando sua propriedade; mas se este alguém corta sua perna,
machuca você. Já que o corpo faz parte da pessoa humana, entre o
vandalismo e a violação existe uma diferença de tipo; a diferença que
há entre destruir uma posse e mutilar o corpo.

Este ponto foi desenvolvido longamente.23 Mas podemos torná-lo


mais vívido considerando algumas das suas outras implicações morais:
O que há de peculiarmente perverso na tortura? É o fato de utilizar
alguns aspectos de uma pessoa (corpo e afetos) contra outros aspectos
de si mesma (desejos, escolhas e compromissos). Por que o estupro é
gravemente perverso, mesmo se perpetrado contra alguém em coma,
que nunca descubra o fato e não sofra ferimentos permanentes?
Porque ele ainda envolve o uso indevido — o abuso — de uma pessoa,
não se limitando a usar e devolver intacta uma sua propriedade. Numa
nota mais positiva, os cônjuges acham lindo e especialmente
apropriado que os seus lhos sejam uma mistura dos seus corpos.
Casais enxergam a própria infertilidade como uma limitação trágica,
mesmo se puderem adotar. Pais orgulhosos cam atentos à criança que
lhes é entregue na maternidade. Temos, ao nosso redor, muitas provas
da nossa corporeidade e do seu valor.

Por causa dessa corporeidade, qualquer união de duas pessoas, para


ser integral, deve incluir a união entre os corpos. Caso contrário,
deixaria de fora — não alcançaria — uma parte básica do ser de cada
pessoa.24

Suponha que um homem e uma mulher construam um


relacionamento exclusivo baseado em um diálogo profundo. Eles se
comprometem a conversar sobre suas tristezas e alegrias mais secretas
um com o outro, e somente um com o outro, até que a morte os
separe. Eles se casaram? Claramente não. Mesmo que substituamos o
diálogo profundo por algum ato mais abertamente físico — sem ser
sexo —, eles ainda não seriam casados. O casamento exige
exclusividade no que diz respeito ao sexo, a um certo tipo de união
física. Mas o que torna o sexo especial? Nossos corpos podem se tocar
e interagir de todas as maneiras, então por que a união sexual tem um
poder de tornar duas pessoas um só corpo (“uma só carne”, para citar
as antigas escrituras hebraicas e um conceito central para muitas
tradições legais e losó cas sobre o casamento) que nada mais tem?25

Comece com um caso mais familiar. Alguma coisa em seus órgãos —


coração, estômago, pulmões — torna-os um corpo, uma substância
orgânica. Mas o que seria? Não é o fato de que estejam juntos no
espaço: pedras empilhadas não formam uma substância mineral.
Também não é o código genético igual em todos eles: os gêmeos
idênticos têm (aproximadamente) um código único, mas não um
único corpo; o coração de um paciente transplantado faz parte de seu
corpo, mas neste coração o código é outro.

Não, o que contribui para a unidade é a ação comum: a atividade


voltada para ns comuns. Duas coisas são partes de um todo maior —
são uma — se agirem como uma só; e agem como uma se forem
coordenadas e orientadas a um m singular que as engloba a ambas.
Um carburador em uma linha de montagem em Detroit e uma
transmissão em Highland Park são duas coisas; quando combinadas
para se coordenarem em direção a um único objetivo que as abranja
(por exemplo, locomoção conveniente), eles formam uma máquina:
digamos, um Ford Bigode.

A unidade orgânica é semelhante, só que mais forte: era o projeto de


Henry Ford — uma decisão humana — que impunha a unidade às
partes do Modelo T. As partes de um corpo têm a sua unidade por
natureza. Elas estão naturalmente incompletas quando separadas, e
são naturalmente maiores que sua a soma quando unidas.

Resumindo, portanto, seus órgãos são um só corpo porque são


coordenados para um único propósito biológico do todo que juntos
eles formam: sustentar sua vida biológica. Da mesma forma, para que
dois indivíduos se unam organicamente, seus corpos devem
coordenar-se para um m biológico comum do todo que formam
juntos. Quando fazem isso, eles não apenas se tocam ou se entrelaçam.
A sua união não é apenas um fenômeno sensível ou algo metafórico
(ver apêndice). Embora mais limitada, ela é tão real quanto a união das
partes de um corpo singular.

Entre duas pessoas, esse tipo de união é impossível em funções para


as quais, como no caso da digestão, o indivíduo seja naturalmente
su ciente. Mas é um fato notável que existe um aspecto no qual este
tipo mais elevado de unidade corporal é possível entre dois indivíduos,
uma função para a qual o(a) parceiro(a) realmente nos completa: a
reprodução sexuada. No coito, e somente no coito, os corpos de um
homem e de uma mulher entram, em virtude da sua
complementaridade sexual, numa coordenação que tem o propósito
biológico de reprodução — uma função que nenhum dos dois pode
desempenhar sozinho. A sua ação coordenada é, biologicamente, o
primeiro passo (a parte comportamental) do processo reprodutivo. Ao
se envolverem nisso, eles não apenas se tocam, mas se unem, como
estão unidos o coração, os pulmões e outros órgãos de uma pessoa:
coordenando-se e orientados a um bem biológico do todo que juntos
eles formam. Neste âmbito, o todo é o casal; o bem biológico singular é
a sua reprodução.26

Mas a coordenação entre os corpos é possível mesmo quando o seu


m não é alcançado; assim, para um casal, a união física ocorre no
coito, mesmo quando a concepção não ocorre. É a coordenação
orientada a um m singular que realiza a união; alcançar o m
aprofundaria a união, mas não é necessário para que ela se realize.

Isso signi ca que há algo especial no tipo de ato que causa a


concepção: o coito. Há muito tempo que as nossas tradições jurídicas e
losó cas designam este ato como o ato reprodutivo.27 Se (e apenas se)
o coito é uma expressão livre e amorosa do compromisso dos
cônjuges, então é também um ato conjugal. Em outras palavras, o ato
conjugal envolve o mais distintivo comportamento conjugal (união
física no coito), escolhido por razões distintamente conjugais: para
tornar concreto o amor conjugal, para unirem-se como é próprio dos
cônjuges e para trazer sua união de corações e mentes ao plano
corporal.28

Todas as uniões interpessoais são, até onde podem, valiosas em si


mesmas, e não apenas como meios para outros ns. Portanto, a
amorosa união física de marido e mulher no coito e o tipo especial de
relacionamento que ele sela são valiosos, mesmo quando a concepção
não é procurada nem alcançada. Mas dois homens, duas mulheres e
grupos maiores não podem alcançar a união física orgânica: não existe
nenhum bem ou função física, (isto é, corporal) para a qual os seus
corpos possam coordenar-se.
Em particular, o prazer — digamos, como caminho para um
aprofundamento da ligação — não pode, por diversas razões,
desempenhar este papel. O bem deve ser verdadeiramente comum e
para o casal como um todo, mas estados mentais são particulares e
bene ciam os parceiros, se é que bene ciam, apenas individualmente.
O bem deve ser corporal, mas os prazeres como tais são aspectos da
experiência. O bem deve ser inerentemente valioso, mas os prazeres só
são bons em si mesmos quando são incorporados em algum outro
bem independente.29 Assim, embora o prazer e o deleite aprofundem e
enriqueçam a união conjugal onde existem, não podem ser o seu
fundamento. Eles não se sustentam por conta própria.

Somente a coordenação corporal em direção à reprodução dá origem,


então, à união física orgânica. Quer os outros atos sejam bons, maus
ou indiferentes, eles não produzem, de fato, qualquer união física.
Portanto, os relacionamentos que pretendem promover, bons ou maus,
não podem ser conjugais: pois conjugal signi ca integral, e o integral
abrange o corporal.

Bens integrais uni cadores: procriação e


vida doméstica
Em segundo lugar, além de unir os cônjuges em todas as dimensões
básicas (corpo e mente), o casamento os une na busca de todos os
tipos básicos de bem. Em particular, o casamento exige uma ampla
cooperação de uma vida doméstica partilhada, pois está
exclusivamente ordenado a gerar e criar lhos:30 o bem da vida
familiar integral enriquece o casamento como tal, e a falta de lhos é,
num casamento, uma de ciência, de uma forma que não se veri ca
entre melhores amigos, colegas de quarto ou de equipe. A maioria das
pessoas reconhece esse fato sobre o casamento. É a visão matrimonial
que o explica melhor.
Por “vida doméstica compartilhada” queremos dizer algo mais do que
a não interferência cortês que dois calouros colegas de quarto
incompatíveis podem alcançar antes das férias de inverno. Os cônjuges
unem todos os seus seres (mente e corpo), e as exigências do
casamento são moldadas pelas da paternidade. Assim, o casamento
exige coordenação (compatibilidade) de toda a vida dos cônjuges, bem
como alguma cooperação positiva nas principais dimensões do
desenvolvimento humano, que são, a nal, as principais dimensões do
desenvolvimento infantil: física, intelectual, social, moral, estética e
assim por diante. Em todos estes aspectos, mais uma vez, os bens aos
quais o casamento se orienta são integrais.

Mas uma vez de nida, podemos ver que a vida doméstica


compartilhada seria, na melhor das hipóteses, um bônus opcional e,
na pior, um obstáculo sufocante aos vínculos não familiares, tão
certamente como o seria criar um lho com seu colega de faculdade.
O que, então, faz do casamento algo diferente nesses dois aspectos?

Apenas decidir criar lhos não é su ciente para realizar o casamento:


três monges que se comprometam a cuidar de um órfão não cam, por
isso, casados. Também não é necessário, para sermos cônjuges,
criarmos lhos.

Dessa forma, há séculos a nossa legislação tem tratado o coito, e não


a adoção, o nascimento ou a concepção, como o acontecimento que
consuma um casamento, e também tem reconhecido os casamentos de
casais inférteis.31 Isto não deveria nos surpreender. A ideia que
estamos tentando explicar não consiste em dizer que o relacionamento
conjugal e o bem integral da criação dos lhos andem sempre juntos,
mas sim que, como uma chave e a fechadura, ambos se encaixam: que
a vida familiar enriquece especialmente o casamento; que o casamento
é especialmente adequado à vida familiar, que molda as suas normas.

Uma forma mais promissora de explicar esta ligação entre o


casamento e a vida familiar é considerar como outros laços são
especialmente ligados a certos bens através de certas atividades.
As amizades comuns, por exemplo, são uniões de mentes e vontades,
pelas quais cada amigo passa a conhecer e procurar o bem do outro.
Portanto, elas são seladas — ser amigo é, óbvia e verdadeiramente,
fazer amizade — em conversas e atividades comuns. As relações
acadêmicas são corpori cadas principalmente através da pesquisa,
descoberta e publicação conjunta; aquelas em trupes de teatro, pelos
ensaios e apresentações. Há um paralelo, em outras palavras, entre o
bem comum ao qual se ordena qualquer vínculo e a atividade que mais
o encarna.

Para ser claro, não se trata apenas de certas atividades simbolizarem o


fato de determinado relacionamento ser deste ou daquele tipo. Em
parte, elas o realizam. Um time de beisebol não se limita a mostrar ao
mundo o que é por meio de treinos e jogos; em vez disso, jogar o jogo
é como os companheiros de equipe se tornam mais verdadeiramente
aquilo que se comprometeram a ser juntos.

Portanto, se existe alguma ligação básica entre o bem integral da


procriação (daí a vida familiar) e o vínculo do casamento, podemos
esperar uma ligação paralela entre a procriação e a atividade que
realiza, renova ou corpori ca um casamento. Essa ligação é óbvia se a
visão matrimonial estiver correta: a procriação é o bem que realiza e
expande um casamento, porque realiza e expande o ato que corpori ca
ou consuma o compromisso do casamento: a relação sexual enquanto
o ato reprodutivo. Por outro lado, se um homem e uma mulher se
comprometem a viver um tipo de união que pode se tornar completa
através do bem da vida familiar, então nada se compara ao coito — o
tipo de ato que é tornado concreto pela concepção — em sua
capacidade de encarnar ou renovar seu compromisso. O coito re ete,
no nível corporal, o tipo de vínculo que os cônjuges estabeleceram
com o consentimento.

Em suma, o casamento está ordenado à vida familiar porque o ato


pelo qual os cônjuges fazem amor também faz vida nova; um mesmo
ato sela um casamento e gera lhos. É por isso que o casamento, por si
só, é a união amorosa da mente e do corpo, realizada pela procriação
— e pela criação — de seres humanos totalmente novos.

As relações entre dois homens, duas mulheres ou mais de duas


pessoas, qualquer que seja o seu estatuto moral, não po dem ser
casamentos porque lhes falta este inerente vínculo com a procriação.
Quaisquer atos sexuais que envolvam, além de não serem uniões
físicas orgânicas, não serão ordenados à procriação; portanto, não
encarnarão um compromisso ordenado à vida familiar: um
compromisso conjugal. Não é de surpreender que, na tradição do
direito consuetudinário, apenas o coito (e não a estimulação mútua
por outros meios, mesmo entre um homem e uma mulher legalmente
casados entre si) tenha sido reconhecido como a consumação de um
casamento.

Isto não quer dizer que os casais inférteis não possam casar.
Consideremos novamente a analogia esportiva: o tipo de cooperação
que transforma um grupo de pessoas em um time de beisebol visa em
grande parte a vitória nos jogos. Os companheiros de equipe
desenvolvem e compartilham suas habilidades atléticas da maneira
mais adequada para vitórias honrosas — por exemplo, com a prática
assídua e o bom espírito esportivo. Mas mesmo quando não ganham
um jogo, tal desenvolvimento e partilha são possíveis e inerentemente
valiosos para os companheiros de equipe.

Da mesma forma, a cooperação conjugal, tanto na vida sexual como


na vida doméstica, tem por característica ser ordenada à geração e à
criação dos lhos. Os cônjuges desenvolvem-se e partilham-se
integralmente da forma mais adequada a uma paternidade honrosa —
por exemplo, com uma ampla partilha doméstica e um compromisso
permanente e exclusivo. Mas mesmo quando não concebem, tal
desenvolvimento e partilha, incluindo a união física do ato
reprodutivo, são possíveis e inerentemente valiosos para os cônjuges
(ver o capítulo 5 sobre a objeção à infertilidade).
Em objeção, o Professor Kenji Yoshino alega que esta analogia com o
beisebol insinua que os casais inférteis são de alguma forma
“perdedores”.32 É claro que ela não insinua nada disso; a infertilidade
não re ete de forma alguma os esforços ou o caráter dos cônjuges. Mas
não há como negar o que inúmeros casais inférteis seriam os
primeiros a admitir: a infertilidade é uma perda, uma lamentável
carência. A infertilidade torna impossível que a união do casal, apesar
de ser conjugal, seja corpori cada num sentido novo e bastante literal.

Por outro lado, a procriação não precisa (mesmo quando pode) ser o
aspecto mais importante de um casamento, nem deve ser o seu único
objetivo. A união integral é valiosa por si só, e como tanto deve ser
tratada. Tratá-la como um mero meio deprecia o amor conjugal. Mas
aqui a analogia se mantém: vencer não precisa ser o único objetivo de
uma equipe e, na verdade, uma concentração exclusiva na vitória pode
arruinar a experiência dos companheiros de equipe, ao diminuir a
camaradagem e o amor pelo jogo.

No entanto (para aproveitar nossa analogia até ao m), tanto no


beisebol como no casamento, o m desempenha um papel crucial
mesmo quando está fora de alcance: se nove pessoas não se
comprometem a envolver-se numa cooperação orientada à vitória
(digamos, se apenas carem correndo em volta do campo), elas não
realizam o bem especí co do esporte. Não são verdadeiramente uma
equipe. E se duas ou mais pessoas não se comprometem com a
cooperação retamente orientada33 à procriação (coito), não realizam o
bem especí co do casamento. Desejada ou não, alcançada ou não, a
procriação e a vitória distinguem uma prática ao moldar algumas de
suas atividades, atividades que conferem à prática parte de seu valor
distintivo.

Podemos agora explicar outra característica única do casamento que,


até agora, foi apenas brevemente mencionada. A partilha de vida
exigida pela maioria das formas de comunidade é limitada, porque os
valores comuns que as de nem são limitados. (A liga de boliche,
de nida pela busca esportiva por um desempenho habilidoso, pode
exigir frequência semanal ou mensal regular, mas não há prejuízo em
não morar com seu parceiro de boliche. A coabitação entre não
cônjuges, mesmo quando é possível, geralmente não é exigida). Mas o
casamento une os corpos e mentes dos cônjuges, e é orientado a
produzir não apenas um ou outro valor humano, mas pessoas
totalmente novas, novos centros de valor. Por isso, inerentemente exige
a ampla partilha de vida que seria necessária para ajudar os novos
seres humanos a desenvolverem as suas capacidades de perseguirem
todos os tipos básicos de valores. Ou seja, os cônjuges se bene ciam,
como cônjuges, de pelo menos alguma cooperação intelectual,
recreativa, e assim por diante.34

O que é o casamento e qual deveria ser a nossa política matrimonial


— estas são questões sobre valores básicos, sobre o que devemos fazer
enquanto sociedade. Portanto, elas não podem ser resolvidas apenas
pelas descrições das ciências sociais, assim como o estatuto moral das
nossas leis referentes aos cuidados de saúde não pode ser resolvido
pelas descrições de causa e efeito da farmacologia. Duvidamos que
alguém, após re etir, realmente negue isto: se a criação de lhos por
quatro pessoas tivesse os mesmos resultados que a criação de lhos
por duas pessoas, nem nós nem os revisionistas seríamos forçados a
negar que o casamento exige a monogamia.

Ao mesmo tempo, se ter lhos (cooperando como mãe e pai) de fato


completa o casamento de forma única, é natural esperar que o
casamento seja normalmente adequado à geração e criação dos lhos.
Na verdade, como veremos nos próximos dois capítulos, de acordo
com os melhores indícios sociológicos disponíveis, as crianças têm
melhor desempenho geral quando são criadas pelos seus pais
biológicos casados entre si. Portanto, o casamento não apenas se
aprofunda e amplia em virtude da criação dos lhos, como também os
bene cia.

Compromisso integral: uma base


racional para as normas da permanência
e exclusividade
Recapitulando: o casamento envolve atos que unem os cônjuges
integralmente e os une na busca de uma gama integral de bens. Assim,
em terceiro e último lugar, em virtude de ambos estes fatos, somente o
casamento exige um compromisso integral, quaisquer que sejam as
preferências dos cônjuges.

Para se tornar amigo de alguém, você deve estar comprometido com


o bem dessa pessoa e com a amizade. Mas esse compromisso não
precisa ser muito formal ou de muito grande escopo. Bastam
compromissos implícitos e temporários, e os exclusivos são, na melhor
das hipóteses, incomuns. Na verdade, eles são difíceis de imaginar. Se a
amizade é uma união de corações e mentes, se como categoria ela
abrange enormemente um vasto espectro de conversas e atividades
comuns, existe alguma maneira de nível (para não dizer saudável e
humana) de ser amigo de uma única pessoa?

Mas, como união de cônjuges na mente e no corpo, orientada a gerar


e criar lhos num contexto de ampla partilha de vida, o casamento
tanto explica o compromisso permanente e exclusivo como o exige
para poder decolar. O nosso ponto aqui é sutil e por vezes mal
compreendido: embora possa haver outros vínculos em que as pessoas
podem desejar, prometer e viver uma exclusividade sexual
permanente, apenas o casamento exige tal compromisso objetivamente
para que possa ser plenamente realizado. Somente no casamento
existe, para essas normas, uma base de princípios independente do que
os cônjuges pre ram.

O casamento é possível apenas entre dois porque nenhum ato pode


unir organicamente três ou mais, ou selar assim uma união integral de
três ou mais vidas. Se a união entre os corpos é essencial ao casamento,
podemos compreender por que o casamento, tal como a união de
órgãos num todo saudável, deve ser total e duradouro durante a vida
das partes (“até que a morte nos separe”).35 Organicamente unidos —
como “uma só carne” —, os cônjuges devem ter, por compromisso, a
unidade exclusiva e vitalícia que as partes de um corpo orgânico
saudável têm por natureza.36

Além disso, a sua união de mente e de corpo está ordenada ao bem


integral da geração de novos membros da família humana — seus
lhos —, uma tarefa ilimitada, que exige a coordenação de suas vidas
inteiras, o que por sua vez requer um compromisso indiviso. Por isso,
a estabilidade e a harmonia adequadas à educação dos lhos são
criadas precisamente pelas normas do matrimônio, união
especialmente enriquecida pela vida familiar. A sociologia e o bom
senso concordam que tal estabilidade é minada pelo divórcio, que
priva os lhos de uma família biológica intacta, e pela in delidade —
que trai e divide a atenção devida ao cônjuge e os lhos, muitas vezes
dando-a a lhos de outros casais.37 A conexão intrínseca entre o
casamento e a prole reforça, portanto, as razões pelas quais os cônjuges
têm de permanecer juntos e éis durante toda a vida.

Em suma, uma união integral nestes sentidos — uma união de mente


e corpo, orientada à procriação e à vida familiar — deve, ao mesmo
tempo, ser integralmente comprometida: ao longo do tempo (daí o
voto de permanência) e em cada momento (daí o voto de
exclusividade). Mas na abordagem revisionista do casamento, onde a
união orgânica dos corpos, a orientação para a vida familiar e a ampla
partilha doméstica são, na melhor das hipóteses, opcionais, a
permanência e a exclusividade também se reduzem a escolhas
possíveis.

Finalmente, a visão matrimonial explica melhor por que os cônjuges


devem prometer exclusividade sexual. Se o casamento fosse, como os
revisionistas devem sustentar, essencialmente uma união emocional,
esta norma seria difícil de explicar. A nal de contas, o sexo é apenas
uma das muitas atividades agradáveis que promovem a
vulnerabilidade e a ternura, e alguns parceiros poderiam experimentar
uma união emocional mais profunda e duradoura entre si se a sua
relação fosse sexualmente aberta. Mas a visão conjugal distingue o
casamento por um certo tipo de cooperação, de nida por certos ns
comuns: a união dos corpos e a sua natural realização nos lhos
gerados e na vida familiar. Portanto, não é arbitrário, de modo
nenhum, eleger a atividade sexual como eixo do voto de exclusividade.

Nas relações não conjugais, veja-se novamente, é difícil ver por que
tal tipo de compromisso, supondo-se que possa ser especi cado,
deveria ser não apenas desejável mesmo quando não cobrasse um alto
preço (como a estabilidade sempre cobra), mas exigível para quem
quer que desejasse formar tal relacionamento. Isto é con rmado pela
re exão fundamentada, pelos argumentos dos próprios revisionistas,
pelo progresso das propostas políticas recentes e pelas ciências sociais
preliminares (ver capítulos 1 e 4).

***

Neste capítulo argumentamos que a visão matrimonial é a visão


correta do casamento, entendido como um bem humano básico, uma
distinta via vivi cante. Resta argumentar a favor da preservação desta
visão na legislação e contra as objeções a ela. Como todos esses outros
argumentos dependem do argumento apresentado neste, vale a pena
encerrá-lo com um resumo de seus pontos centrais.

Qualquer tipo de vínculo voluntário começa com o consentimento


das pessoas em cooperar — seu desejo de se envolverem em atividades
que objetivam determinados bens compartilhados. Estas atividades
são as que mais distintamente corpori cam ou selam a forma
especí ca de seu relacionamento e, portanto, o seu relacionamento. O
compromisso que rege esse relacionamento — o conjunto de normas
que as partes devem comprometer-se a observar — é,
simultaneamente, determinado e servido pelos bens e atividades do
relacionamento.

Por exemplo, uma comunidade acadêmica existe sempre que um


grupo de pessoas consente em cooperar em atividades orientadas para
o bem da aquisição de conhecimento (pesquisa, publicação etc.).
Assim, o seu tipo especí co de vínculo faz-se concreto e composto —
torna-se mais presente e real — sempre que essas pessoas se envolvem
nessas atividades. As normas de integridade acadêmica que observam
como parte do seu compromisso — por exemplo, divulgar todos os
resultados relevantes, mesmo quando inconvenientes — são, por sua
vez, determinadas pelas exigências do conhecimento, que é o objetivo
da investigação.

Todos sabem que o casamento é uma espécie de relacionamento.


Uma de nição do casamento deve explicar o que torna o
relacionamento conjugal diferente dos outros. Na nossa opinião, o tipo
de união criada pelo consentimento ao casamento é singularmente
integral na forma como une as pessoas, no objeto em respeito ao qual
as une e na extensão do compromisso que exige.

Primeiro, o casamento une as pessoas tanto no corpo como na mente.


A união física de duas pessoas é muito parecida com a união física dos
órgãos de um indivíduo. Assim como os órgãos de uma pessoa
formam uma unidade pela coordenação em prol do bem biológico do
todo (a sobrevivência do organismo), também os corpos de um
homem e de uma mulher formam uma unidade através da
coordenação (coito) em prol de um bem biológico (reprodução) da
sua união como um todo. Ao escolher tal coordenação biológica, os
cônjuges unem-se sicamente, de uma forma que tem um sentido
generativo, e não apenas se tocam ou se entrelaçam. Esse tipo de ato
generativo corpori ca sicamente seu compromisso conjugal
especí co.

Além disso, é apenas pelo coito, orientado para o bem de trazer uma
nova vida humana ao mundo, que os cônjuges se unem sicamente.
Uma nova vida, num certo sentido, é um bem humano entre outros,
mas, noutro sentido, transcende e inclui os outros bens humanos.
Tendo consentido na partilha dos atos reprodutivos que os unem
organicamente (como “uma só carne”), os cônjuges cooperam noutras
áreas da vida (intelectual, recreativa etc.) na ampla partilha doméstica,
única maneira adequada de promover o desenvolvimento integral de
novos seres humanos. É claro que eles também cooperam nas tarefas
parentais quando os lhos chegam. As amizades comuns — vínculos
de corações e mentes que se realizam em conversas e diversas
atividades conjuntas — podem ter um escopo mais limitado e variável.

Finalmente, tendo em conta a sua integralidade nestes outros


sentidos, o casamento inerentemente exige um compromisso integral:
permanência e exclusividade. Tal como a união dos órgãos num
organismo inteiro saudável, o casamento é apropriadamente total e
duradouro durante a vida das partes. (Na verdade, a união integral
pode ser alcançada apenas por duas pessoas, porque nenhum ato pode
unir corporal e organicamente três ou mais pessoas). Mais uma vez, o
casamento é singularmente adequado para gerar e criar lhos, uma
tarefa inerentemente ilimitada que exige um compromisso
incondicional. Mas as amizades como tais não exigem promessa de
permanência e são reforçadas, e não traídas, pela disponibilidade a
novos membros.

Em suma, como a maioria das pessoas reconhece, o casamento


envolve uma união física e mental dos cônjuges, uma ligação especial
com os lhos e a vida doméstica, e um compromisso permanente e
exclusivo. Todos os três elementos convergem na visão matrimonial e
ajudam a constituí-la.

 : O E  



A visão matrimonial descreve melhor o que distingue o casamento
de outros bens humanos, outras formas de prosperar — algo que a
visão revisionista é incapaz de fazer. Esse foi o tema dos nossos dois
primeiros capítulos. Assim como a amizade não conjugal, é claro, o
casamento é um tipo de vínculo. Mas o casamento é um vínculo de
um tipo especial. Ele une os cônjuges pelo corpo, mente e coração, e é
especialmente adequado para e enriquecido pela procriação e pela
vida familiar. À luz de ambos os fatos, só ele exige objetivamente
compromissos de permanência e exclusividade. Os cônjuges entregam
tudo de si por toda a vida. Esta abrangência coloca o valor do
casamento numa classe à parte do valor de outros relacionamentos.

Contra isto, alguns membros da direita libertária dizem que o


casamento não tem valor público e pedem que o Estado renuncie
completamente a lidar com o casamento. Na esquerda, há vozes que
dizem que o casamento não tem valor público distintivo; e que o
Estado pode moldá-lo como argila, rede nindo o casamento de um
modo que se adeque às nossas preferências. Aqui mostraremos onde
ambas erram.

Por que o casamento civil?


Quanto mais íntimo for um relacionamento, menos ele tende a atrair a
atenção do Estado. As negociações comerciais são regulamentadas,
mas a lei não estabelece condições para as nossas amizades, bem como
negligenciá-las não dá ensejo a processos. Não há cerimônias civis
para formar amizades nem obstáculos legais para encerrá-las. Por que
o casamento é diferente? Eis a resposta: a amizade não afeta o bem
comum de uma forma estruturada que justi que o reconhecimento e
regulamentação legal; o casamento afeta.

Esta é a única forma de explicar o fato notável de que quase todas as


culturas regulamentaram os relacionamentos de natureza sexual entre
homens e mulheres. Somente essas relações produzem novos seres
humanos. Estas pessoas novas e altamente dependentes não poderiam
chegar à maturidade física, moral e cultural sem um longo e delicado
processo de cuidado e supervisão contínuos — um processo no qual
homens e mulheres normalmente trazem forças diferentes e para o
qual estarão tanto mais preparados quanto mais intimamente
relacionados às crianças. A menos que as crianças amadureçam, nunca
se tornarão membros saudáveis, íntegros e produtivos da sociedade; e
esse estado de desenvolvimento econômico e social que chamamos de
“civilização” depende de cidadãos saudáveis, íntegros e produtivos.
Mas é quase impossível produzir regularmente tais cidadãos, a menos
que homens e mulheres comprometam as suas vidas uns com os
outros e com quaisquer lhos que possam ter. Portanto, é um resumo,
mas de modo algum será exagero dizer que a civilização depende de
casamentos fortes.

Maggie Gallagher capta esta ideia com o slogan “sexo faz bebês, a
sociedade precisa de bebês e lhos precisam de mãe e pai”. Ela
desenvolve a ideia:

A tarefa pública ou “civil” crítica do casamento é regular os


relacionamentos sexuais entre homens e mulheres, a m de reduzir a
probabilidade de que as crianças (e as suas mães, e a sociedade)
enfrentem os fardos do abandono paterno e aumentar a
probabilidade de que tenhamos uma próxima geração de pessoas
criadas por suas mães e pais, numa só família, onde ambos os
genitores estão comprometidos um com o outro e com os seus
lhos.38

Mesmo agora, esta não é uma a rmação partidária. Assim diz David
Blankenhorn, um democrata liberal:

Se você foi, como normalmente são os pesquisadores de campo da


antropologia, ensinado a começar pelo início — a começar pelas
questões mais fundamentais — você relatará um conjunto de fatos
relacionados: Os humanos são sociais; eles vivem em grupos. Eles
têm um forte impulso para se reproduzir. Seus corpos são sexuados.
Eles realizam reprodução sexuada (não assexuada). E criaram uma
instituição para aproximar os sexos isolados, facilitar a vida em grupo
e realizar a reprodução. Todas as sociedades humanas têm esta
instituição. Eles a chamam de “casamento”.39
Mas se o casamento é necessário em todos os lugares, também é
custoso e frágil em todos os lugares. As pessoas, portanto, tendem a
necessitar de pressões sociais para se casarem e permanecerem
casadas: necessitam de uma forte cultura matrimonial. Nas palavras da
professora de Direito da Universidade da Pensilvânia, Amy Wax, tal
cultura cria e sustenta “regras simples para gente simples”.40 Fornece
padrões estabelecidos de pensamento e ação — um roteiro — para
orientar as escolhas das pessoas no sentido dos seus próprios
interesses a longo prazo e do bem comum de todos.

Isto é especialmente importante nos domínios da vida em que nossas


motivações mais poderosas não servem naturalmente o nosso
verdadeiro bem. Como escreveu o eminente sociólogo James Q.
Wilson, já falecido: “O casamento é uma solução fornecida pela
sociedade para o problema, não sanado pelo mero desejo de ter lhos
e do ato sexual que torna os lhos possíveis, de fazer com que as
pessoas quem juntas e cuidem da prole”.41 Enquanto problemas
pessoais pedem soluções pessoais, o casamento — como qualquer
instituição social — atende a necessidades que só podem ser resolvidas
socialmente. Esses relacionamentos capazes de produzir seres
humanos novos e dependentes ensejam uma necessidade social
universal, que explica o porquê de todas as sociedades na história da
nossa raça terem regulamentado as relações sexuais entre homens e
mulheres, isto é, de terem reconhecido o casamento.

É verdade que as associações cívicas deveriam suportar a maior parte


do fardo (ou, como pensamos, da honra) de defender a cultura do
casamento. Igrejas, sinagogas, mesquitas e templos, escolas e ligas
recreativas, escoteiros e acampamentos de bandeirantes e inúmeras
outras associações voluntárias formam para o casamento os hábitos da
mente e do coração de cada geração (e muito mais). Ainda assim, cabe
ao Estado dar seu apoio. Ao regular a entrada e saída do casamento, e
ao ajudar e, por vezes, exigir que tanto o governo quanto os indivíduos
e as instituições cívicas tratem certos pares como uma unidade, a
legislação conjugal dá um veemente testemunho sobre o que é
necessário para realizar um casamento — o que o casamento é. Isto,
por sua vez, afeta as crenças das pessoas e, portanto, as suas
expectativas e escolhas, sobre os seus próprios casamentos esperados
ou realizados. A in uência mútua entre a legislação e a cultura é
con rmada pelas evidências empíricas dos efeitos das leis que
permitiram o divórcio sem culpa.42 Mas se a redução dos obstáculos
legais ao divórcio já fez algum efeito, certamente a eliminação do
incômodo e do estigma de um divórcio legal também faria. A
in uência do Estado sobre o casamento é extensa.

De fato, não poderia ser diferente. A abolição do casamento civil é


praticamente impossível. Elimine a palavra “casamento” da legislação e
o Estado ainda licenciará e atribuirá deveres e benefícios a certos
vínculos. Abolidas estas formas de regulamentação voltadas para o
futuro, elas apenas serão substituídas por uma regulamentação mais
confusa e retroativa — para lidar com disputas sobre propriedade,
guarda e visitação dos lhos e pensão alimentícia. O que o Estado
antes fazia por meio de e cientes previsões legais terá então de fazer
por meio de complicadas atribuições casuísticas de responsabilidades
parentais (especialmente paternas).43

O Estado só desempenhará estas tarefas de forma mais ou menos


e ciente — isto é, de forma menos ou mais intrusiva. Não poderá
escapar delas. Por que não? Porque as funções públicas do casamento
— que tanto exigem como capacitam os genitores (especialmente os
pais) a cuidar dos seus lhos e uns dos outros — requerem a
coordenação da sociedade como um todo. Não basta que, digamos,
uma determinada religião presuma que um homem é o pai dos lhos
da sua mulher, ou reconheça os seus direitos e deveres para com a mãe
deles; ou se o homem e sua esposa acordam entre si realizar certas
tarefas. Pois as instituições privadas só podem obrigar seus membros;
e contratos privados obrigam apenas aqueles que são partes neles.
Uma função importante da legislação do casamento é obrigar todos os
terceiros (escolas, agências de adoção, acampamentos de férias,
hospitais; amigos, parentes e estranhos) a presumir que um homem é
o pai dos lhos de sua mulher, enxergar maridos e esposas como justos
destinatários de certos privilégios e sexualmente inacessíveis e assim
por diante. Só o Estado pode fazer isso com alguma regularidade.

Mas mais do que inevitável ou necessário, é apropriado que o Estado


faça isto. Considere uma comparação. Por que nem mesmo os
libertários mais estritos desprezam as leis de trânsito? Primeiro,
porque o trânsito ordenado protege a saúde e promove a e ciência,
dois grandes bens. Em segundo lugar, estes bens são comuns em dois
sentidos: não há esforços privados que possam assegurá-los
adequadamente e, ainda assim, as consequências de sua perda são
públicas. Não teríamos a mesma segurança e e ciência (ou mesmo um
pouco menos) se, ao se locomover, as pessoas zessem o que bem
entendessem, algumas parando apenas nos sinais vermelhos e outras
apenas nos verdes. Os danos causados pelos acidentes resultantes (e
maior demora nas entregas etc.) também não seriam limitados àqueles
responsáveis por causá-los. Para garantir viagens seguras e e cientes e
limitar os danos a terceiros, precisamos de coordenação legal. Na
verdade, não é exagero dizer que o Estado deve aos seus cidadãos
manter a segurança e a ordem mínimas: a estas temos direito.
Finalmente, ao contrário das associações privadas, o Estado pode
assegurar estes bens sem efeitos secundários intoleráveis. Tudo isso
torna apropriado que o Estado estabeleça nossas leis de trânsito.

Num ensaio apenas sobre teoria política, poderíamos discutir os


detalhes, mas aqui podemos extrair deste exemplo uma regra
amplamente aceitável: se algo serve a um bem importante, se as
pessoas têm direito a esse algo, se os grupos privados não o podem
proteger e cientemente, se sua perda for sofrida por todos, e o Estado
pode garanti-lo sem custos indevidos, então o Estado pode — e deve
— intervir.

Todas estas condições são satisfeitas no caso do casamento. O


casamento não envolve apenas problemas e recompensas particulares
para os quais bastam soluções privadas. Estão em jogo direitos, custos
e benefícios (externalidades) para a sociedade como um todo.
Direitos, porque sempre que for razoavelmente possível, os pais têm o
direito de criar os seus próprios lhos — e os lhos têm direito a
receber os cuidados dos seus próprios pais, tal como a rma a
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.44 E estão
em jogo externalidades porque os casamentos fracassados pesam sobre
testemunhas inocentes, incluindo as crianças e, em última análise,
toda a sociedade. Como vimos, não só é impossível que grupos
privados protejam bem os interesses em jogo, mas também, muitas
vezes, é mais e caz, menos intrusivo e menos dispendioso que o
Estado o faça garantindo a aplicação das normas conjugais do que
limpando a bagunça gerada por uma cultura conjugal arruinada.
Finalmente, a promoção do casamento-matrimônio não precisa e não
deve envolver a proibição de qualquer relação consensual. Por todas
estas razões, os libertários deveriam favorecer a regulamentação do
casamento — o que, de qualquer forma, é praticamente inevitável.

Vejamos mais de perto os benefícios sociais. Tanto o bom senso


quanto as mais con áveis evidências atestam o fato de que o
casamento bene cia os lhos, bene cia os cônjuges, ajuda a criar
riqueza, ajuda especialmente os pobres e limita o poder do Estado.

Em primeiro lugar, como vimos através da re exão que a procriação


expande e aperfeiçoa o casamento de forma única (ver capítulo 2), os
melhores resultados apresentados pelas ciências sociais sugerem que as
crianças tendem a ter melhor desempenho quando criadas por seus
próprios mãe e pai não divorciados. Estudos com outros fatores
controlados, incluindo pobreza e até mesmo genética, sugerem que as
crianças criadas em lares intactos têm desempenho melhor nos
seguintes índices:45

 : taxas de alfabetização e notas;

 : taxas de ansiedade, depressão, abuso de


substâncias e suicídio;

   : forte senso de identidade,


início oportuno da puberdade, taxas de gravidez na adolescência e fora
do casamento e taxas de abuso sexual;

   : taxas de agressão, transtorno


de dé cit de atenção, delinquência e encarceramento.

Considere as conclusões da Child Trends, uma instituição de


pesquisa de tendência esquerdista:

A pesquisa demonstra claramente que a estrutura familiar é


importante para as crianças, e a estrutura familiar que mais ajuda as
crianças é uma família encabeçada por dois pais biológicos num
casamento de baixo con ito. Crianças em famílias monoparentais,
nascidas de mães solteiras e em famílias adotivas ou em relações de
coabitação enfrentam maiores riscos de maus resultados [...].
Portanto, a promoção de casamentos fortes e estáveis entre pais
biológicos bene cia as crianças [...]. Não é simplesmente a presença
de dois adultos, [...] mas a presença de dois pais biológicos que parece
fortalecer o desenvolvimento das crianças.46

De acordo com outro estudo, publicado no Journal of Marriage and


Family, “a vantagem do casamento parece ocorrer principalmente
quando a criança é lha biológica de ambos os pais”.47 Revisões
recentes da literatura conduzidas pela Instituição Brookings, pela
Escola Woodrow Wilson de Assuntos Públicos e Internacionais da
Universidade de Princeton, o Centro de Direito e Política Social e o
Instituto de Valores Americanos corroboram a importância de famílias
intactas para os lhos.48 , 49

Situações como as das mães solteiras, casais em coabitação, guarda


conjunta após o divórcio e padrastos / madrastas têm sido estudadas
de forma con ável, e o resultado é claro: as crianças tendem a ter
piores resultados em cada uma destas alternativas à criação pelos pais
biológicos em um casamento.50 Tornar os casamentos mais estáveis é
dar a mais crianças a melhor oportunidade de se tornarem membros
bem formados e produtivos da sociedade. Note-se a importância da
ligação entre o casamento e os lhos em ambas as fases do nosso
argumento: assim como fornece uma razão poderosa para defender a
visão conjugal matrimonial, também fornece a melhor razão para
tornar o casamento uma questão de interesse público.

Mas esta ligação não é uma idiossincrasia da nossa visão. Nossa


legislação a con rma amplamente. Muito antes de se pensar em
casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, os tribunais haviam
declarado que o casamento “é o alicerce da família e da sociedade, sem
o qual não haveria nem civilização nem progresso”.51 Lembravam que
“virtualmente todos os casos que, levados à Suprema Corte,
reconheceram a fundamental importância do direito ao casamento
indicam o vínculo inextricável da instituição com a procriação como a
base para a conclusão julgada”.52 Conforme o relato deles, e não apenas
o nosso, “o primeiro propósito do matrimônio, pelas leis da natureza e
da sociedade, é a procriação”;53 “a procriação dos lhos sob o escudo e
a sanção da lei” é um dos “dois ns principais do casamento”.54
Realmente, “o casamento existe como uma instituição legal protegida
principalmente por causa dos valores sociais associados à propagação
da raça humana”.55 Os exemplos podem ser multiplicados
inde nidamente.56

Um segundo benefício público do casamento é que ele tende a


favorecer os cônjuges nanceiramente, emocionalmente, sicamente e
socialmente. Como mostrou o falecido Steven Nock, sociólogo da
Universidade da Virgínia, não se trata de as pessoas em melhor
situação terem maior probabilidade de se casar, mas de que o
casamento melhora a situação das pessoas. Mais do que indicar
maturidade, o casamento pode promovê-la. Por isso os homens, após o
casamento, tendem a passar mais tempo no trabalho, menos tempo em
bares, mais tempo em reuniões religiosas, menos tempo na prisão e
mais tempo com a família.57

A forma do casamento como união permanente e exclusiva,


orientada à vida familiar, ajuda a explicar estes benefícios.
Permanentemente comprometidos com um relacionamento cujas
normas são moldadas pela sua adequação à vida familiar, maridos e
esposas ganham segurança emocional contra os contratempos
temporários da vida. Comprometidos exclusivamente, eles saem do
mercado sexual e assim escapam aos seus riscos. Dedicados aos lhos
e cada um ao outro, eles gozam os benefícios de um aguçado senso de
propósito. Semeando mais vigorosamente no trabalho, colhem mais
abundantemente seus frutos. Assim, o interesse do Estado na
produtividade e na ordem social justi ca um interesse no casamento.58

Terceiro, estes dois benefícios do casamento — bem-estar dos lhos e


dos cônjuges — apoiam a conclusão de um estudo liderado pelo
Professor W. Bradford Wilcox como parte do Projeto Nacional de
Casamento da Universidade da Virgínia: “A mensagem central […] é
que a riqueza das nações depende, em grande parte, da saúde da
família”.59 O mesmo estudo sugere que as tendências do casamento e
da fertilidade “desempenham um importante e subestimado papel na
promoção do crescimento econômico a longo prazo, na viabilidade do
Estado de bem-estar social, na dimensão e qualidade da força de
trabalho e na saúde de grandes setores da economia moderna”.60 Estes
são interesses legítimos do Estado, se algum há; e o mesmo se aplica ao
casamento.

Em quarto lugar, dados os seus benefícios econômicos, não é


surpresa que o declínio do casamento prejudique mais os menos
favorecidos. Como argumenta Kay Hymowitz em Marriage and Caste
in America, o declínio da cultura conjugal prejudicou mais as
comunidades de baixa renda e os afro-americanos.61 De fato, um
importante indicador para saber se alguém viverá a pobreza ou a
prosperidade é se, na infância e adolescência, conheceu o amor e a
segurança de ter sua mãe e seu pai casados entre si.

Por m, uma vez que uma cultura matrimonial forte é boa para os
lhos, para os cônjuges e, de fato, para toda a nossa economia, e
especialmente para os pobres, ela também serve a causa do governo
limitado. Mais obviamente, onde os casamentos nunca se concretizam
ou se desfazem facilmente, cresce a in uência do Estado, que, através
de ações judiciais, para determinar paternidade, direito a visitas,
pensão alimentícia para os lhos e o ex-cônjuge, é chamado a
preencher os vazios e brechas nas casas.

Mas os efeitos menos imediatos são ainda mais extensos. À medida


que se disseminam o abandono paterno e os lhos de mães solteiras,
segue-se uma série de patologias sociais e, com ela, uma maior
demanda por policiamento e assistência social fornecida pelo Estado.
A pesquisa dos sociólogos David Popenoe e Alan Wolfe em países
escandinavos mostra que, à medida que a cultura do casamento
diminui, aumentam o tamanho e o alcance do poder e dos gastos
estatais.62

De fato, um estudo realizado pela Brookings Institution, de tendência


esquerdista, conclui que, entre 1970 e 1996, 229 bilhões de dólares em
despesas sociais podem ser atribuídos ao colapso da cultura do
casamento e à resultante exacerbação de males sociais: gravidez na
adolescência, pobreza, crime, abuso de drogas e problemas de saúde.63
Um estudo de 2008 descobriu que o divórcio e a gravidez fora do
casamento custam aos contribuintes 112 bilhões de dólares por ano.64
E David Schramm, pesquisador da Universidade Estatal de Utah,
estimou que tão somente o divórcio custa aos governos municipais,
estaduais e federal 33 bilhões de dólares por ano.65

Assim, embora alguns libertários preferissem não atribuir ao


casamento um estatuto legal maior do que os que são atribuídos aos
batismos e aos bar mitzvahs,66 privatizar o casamento seria uma
catástrofe para o Estado mínimo. Quase todos os interesses humanos
que podem justi car a ação estatal — saúde, segurança,
desenvolvimento educativo, ordem social — também justi cam a
regulamentação legal do casamento. Um Estado que não apoia o
casamento é como um médico que não incentiva uma dieta saudável e
exercícios. Ambos ignoram o que é básico e primordial e,
equivocadamente, zelam por suplementos e remédios.
O casamento é absolutamente maleável?
Podemos agora abordar os argumentos de certos elementos da
esquerda que consideram o casamento absolutamente maleável
(podemos chamá-los “construtivistas”).67 Para eles, o casamento é o
que quisermos que seja. Não há critérios que o seu relacionamento
deva cumprir para ser um casamento — para realizar o valor
especí co do casamento como um bem humano. Existe apenas o vasto
e gradual espectro de relações mais e menos afetuosas, mais o hábito
peculiar da nossa (e de toda) sociedade de criar, no extremo desse
espectro, uma região arbitrária para tratamento social e jurídico
especial.68 Portanto, não existe uma única “resposta certa” para a
política conjugal do Estado, como não há uma só ave nacional:
propostas diferen tes são apenas mais ou menos preferíveis.69

O construtivismo enfrenta vários problemas, como mostraremos.


Primeiro, é frequentemente motivado por uma falácia fácil de refutar:
a de que, sendo as práticas sociais parcialmente construídas, elas
devem ser inteiramente construídas. Em segundo lugar, não
compreende as principais tradições losó cas e jurídicas. Terceiro, ele
também contradiz o espírito dos argumentos revisionistas comuns, e
implicaria que as opiniões de muitos revisionistas são, à sua própria
luz, tão radicalmente injustas como considera que as nossas sejam.
Finalmente, mesmo que o construtivismo fosse verdadeiro, não
forneceria uma boa base para a visão revisionista.

       

Para o professor Andrew Koppelman, da Northwestern, a nossa


a rmação de que uma prática social como o casamento poderia ter
características necessárias e alheias à nossa escolha é “quase nada
compreensível”.70 Poderia o xadrez, por exemplo, ter características que
não podem ser atribuídas à mera escolha ou costume? Por que o
casamento teria, então?

Apesar de todas as suas excelências, tudo no xadrez é convencional.


Mas o casamento é um aspecto básico do bem-estar humano —
inerentemente valioso para as pessoas, antes que decidamos valorizá-
lo, e de uma forma que outros bens não podem igualar.71

Portanto, quando dizemos que, por exemplo, o compromisso


permanente é uma característica necessária do casamento, queremos
apenas dizer que existe um bem humano distinto que só pode ser
plenamente realizado através de um voto de permanência (entre
outras coisas). Isto é compatível com o fato óbvio de que muitas outras
características do casamento — como os seus benefícios legais —
variam amplamente de cultura a cultura, e até entre um e outro casal.
Além disso, para concordar que os bens têm, neste sentido, certas
características objetivas, não é necessário acreditar em Deus, senão
apenas em algumas constantes da natureza humana — pelo menos ao
longo de um certo período de tempo.

Consideremos, por analogia, a amizade. É evidente que ela assume


diferentes formas ao longo da história, mas ninguém se deixa enganar
pensando que não retém um núcleo objetivo, determinado pela nossa
natureza social. A verdadeira amizade requer boa vontade e
cooperação mútuas e mutuamente reconhecidas. Na falta dessas, um
relacionamento entre duas pessoas simplesmente carece do valor
distintivo da amizade; elas não devem uma à outra qualquer
consideração especial encontrada entre amigos.

Assim também para o casamento. O casamento americano médio da


década de 1990 e o seu homólogo da década de 1890 certamente têm
diferentes per s emocionais, divisões de trabalho e propósitos e
implicações econômicas. Em grande parte rejeitada no Ocidente hoje,
a poligamia e o casamento arranjado existiram em muitas culturas.
Um casamento na realeza Britânica parece muito diferente de um
casamento Navajo (e, aliás, também de um casamento entre britânicos
fora da realeza, embora não de certos casamentos em Nova York).

Mas nada disto deveria perturbar os proponentes da visão


matrimonial. Nada disso refuta o que a re exão revela: o casamento
tem um núcleo objetivo, xado pela nossa natureza como seres
encarnados e sexualmente reprodutivos (portanto, complementares); e
desviar-se deste núcleo é perder uma parte crucial deste bem humano
básico.

Primeiro, algumas diferenças culturais na prática do casamento não


atingem o seu núcleo objetivo. As partes em casamentos arranjados,
por exemplo, ainda podem consentir com quem lhes for designado,
como é necessário para o casamento verdadeiro. A visão matrimonial
não proíbe nem exige, para o casamento, qualquer presunção de
sentimento intenso ou de determinado propósito econômico.

Em segundo lugar, a visão matrimonial nem sequer é refutada por


culturas que omitem o que ela considera central. Nenhuma verdade
moral de grande especi cidade gozou de aprovação universal — nem
o mal de derramar sangue inocente, nem a importância de livrar-se da
escravidão, nem qualquer outra coisa. Isso não torna tudo isso menos
verdade.

É natural pensar que os princípios éticos mais básicos seriam mais


amplamente defendidos, enquanto aqueles derivados de princípios
mais básicos encontrariam compreensão e aprovação mais irregulares,
uma vez que os alcançamos pela aplicação de outros princípios. Deste
ângulo, o registro histórico não surpreende, dada a veracidade da visão
conjugal. Aquilo que ela considera mais básico para o casamento —
como a união física e a ligação à vida familiar — é quase universal na
prática do casamento. E aquilo que ela e o nosso argumento tratam
como baseado nestes princípios básicos — compromisso permanente e
exclusivo — está menos representado. Daí a presença da poligamia em
muitas culturas, em contraste com o quase perfeito consenso entre
humanos sobre a complementaridade sexual no casamento.72
   

Talvez pareça audacioso, da nossa parte, sugerir que basta uma


re exão fundamentada para se chegar à nossa visão do núcleo
essencial do casamento. Se assim for, somos apenas os mais recentes
numa linhagem de pessoas audaciosas, uma linhagem que remonta a
milênios. A visão que propomos vem se desenvolvendo desde os
princípios da re exão ininterrupta sobre o casamento. Importantes
tradições losó cas e jurídicas há muito distinguiram todos os tipos
de amizades daqueles relacionamentos especiais que estendem a união
de duas pessoas à dimensão corporal do seu ser e que, como nenhum
outro, são aptos à geração e criação dos lhos, bem como por elas
enriquecidos. Os três grandes lósofos da antiguidade — Sócrates,
Platão e Aristóteles — bem como Xenófanes, e estoicos como Musônio
Rufo, defenderam esta visão; em alguns casos, dentro de culturas
altamente homoeróticas. Especialmente clara é a a rmação de
Plutarco, em Diálogo sobre o amor, de que o casamento é um tipo
especial de amizade encarnado singularmente no coito (que ele
também chama de “renovação” do casamento). Ele também a rma
expressamente na sua Vida de Sólon que a relação sexual com um
cônjuge infértil realiza o bem do casamento — algo de que estes outros
pensadores antigos jamais duvidavam, mesmo que negassem (como
Plutarco) que outros atos sexuais pudessem fazer o mesmo.73

Durante centenas de anos, a lei consuetudinária reconheceu apenas o


coito como consumação (ato de completar) um casamento, enquanto a
infertilidade não era motivo para declarar sua nulidade. Nenhum
outro ato sexual entre homem e mulher realiza a consumação. Dessas
duas práticas, o que se poderia concluir?

Se o casamento fosse considerado apenas um instrumento legal para


manter os pais unidos em prol dos lhos, provas claras de infertilidade
(como a velhice) teriam sido motivo para anular legalmente o
casamento. Ou se a legislação visasse apenas a exclusão das relações
homossexuais, teria considerado qualquer ato sexual entre um homem
e uma mulher como adequado para consumar um casamento. (Para
maior clareza: como a animosidade contra homens atraídos por
homens poderia ter motivado a norma legal de que a relação entre um
homem e uma mulher não poderia consumar um casamento e que, de
fato, a impotência de um homem é motivo para anulação?). Há uma
única explicação: A lei re etiu o julgamento racional de que as uniões
consumadas pelo coito são valiosas em si mesmas e de natureza
diferente de outros vínculos. Em suma, a visão conjugal.

Numa resposta a nós, Koppelman tenta explicar estas práticas legais


pela necessidade de linhas políticas nítidas para evitar a concepção
fora do casamento.74 Mas o próprio voto de casamento, um ato público
mais fácil de veri car sem questionamentos invasivos e mais difícil de
falsi car, teria sido uma linha muito mais “nítida”. De qualquer forma,
a necessidade de linhas políticas nítidas para prevenir a ilegitimidade
não explica em nada a tradição losó ca de 2.400 anos que também
distinguiu entre as uniões consumadas pelo coito, com sua singular
integralidade, de todas as demais.

  

Se o casamento fosse apenas uma construção concebida para atingir


determinados objetivos sociais, ou se diferisse de outros laços apenas
em grau, então as tradições jurídicas e losó cas que descrevemos
seriam incompreensíveis. Mas, surpreendentemente, o mesmo
aconteceria com os argumentos da maioria dos revisionistas.

Primeiro, se o casamento fosse uma cção concebida para promover


a utilidade social, não haveria nenhum direito natural ao casamento
que fosse passível de violação por leis conjugais defeituosas. Desde que
você fornecesse boas razões para pensar que a sua política conjugal
preferida criaria um saldo social positivo maior do que qualquer
alternativa factível, contra ela não poderia haver qualquer argumento
baseado na justiça. Para o construtivista consistente, as questões de
justiça deveriam ser, na melhor das hipóteses, secundárias. E em
segundo lugar, inversamente, se o construtivismo fosse verdadeiro,
seria injusto não reconhecer as uniões poliamorosas, a menos que sua
aceitação acarretasse óbvios e pesados custos sociais. Mas ambos os
resultados são repugnantes para a maioria dos revisionistas, e
frequentemente contraditos pelos seus argumentos e retórica.

Quanto ao primeiro ponto, se (como mostraremos no capítulo 4) a


abolição da visão conjugal matrimonial prejudicasse a estabilidade que
torna o casamento bom para os lhos — e, portanto, útil para o Estado
— então a legislação conjugal tradicional prometeria grande utilidade
social. Isto só é reforçado pelo fato de (como mostraremos no capítulo
6) as necessidades domésticas de outras pessoas poderem ser
satisfeitas de forma a não prejudicar os benefícios sociais da legislação
conjugal tradicional.

Quanto ao segundo ponto, é difícil ver como os revisionistas


poderiam, partindo dos seus próprios princípios, resistir à conclusão
de que a justiça exige o reconhecimento das uniões poliamorosas.
(Aliás, certos líderes de opinião revisionistas, como mostraremos
abaixo, cada vez mais endossam esse reconhecimento).

A nal de contas, os custos sociais do reconhecimento de


relacionamentos poliamorosos podem incluir, por exemplo, o
aumento dos encargos administrativos para o Estado.75 Mas seus
benefícios presumivelmente incluiriam privilégios conjugais, como
herança e direitos de visitação hospitalar, e, em geral, assistência mais
prática e aceitação social dos relacionamentos que cidadãos
americanos em cerca de 500 mil lares poliamorosos consideram
pessoalmente mais desejáveis.76 O estigma contra essas pessoas e os
seus lhos seria debilitado. Eles sentiriam menos pressão para
esconder suas inclinações românticas e opções de estilo de vida. A sua
situação econômica poderia melhorar.

Para muitos deles, contentar-se com uma relação monogâmica, à qual


faltaria a variedade e outras características qualitativas especí cas do
poliamor, pode muito bem ser tão insatisfatório como contentar-se
com parceiros pelos quais não se sentem atraídos. (Por exemplo: o
nacionalmente difundido colunista de aconselhamento sexual e
defensor do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, Dan
Savage, argumenta que alguns precisam de múltiplos parceiros sexuais
da mesma forma que outros precisam de amantes de ambos os
sexos).77 Sugerir que eles se contentem com a liberdade legal de viver
como quiserem, mas sem aprovação social, pode soar ofensivo. No
entanto, muitos revisionistas comuns continuam a apoiar a
monogamia como norma legal.

Estes pontos sugerem, portanto, que a maioria das pessoas em ambos


os lados do nosso debate atual rejeita o construtivismo. Elas
concordam que o casamento tem certas características necessárias.
Eles apenas discordam quanto ao fato de a complementaridade sexual
ser ou não uma delas.

***

A rme conexão entre o casamento estável e o bem-estar das crianças,


e entre o bem-estar das crianças e todas as dimensões do bem comum,
dão ao Estado fortes razões para reconhecer o casamento, apesar dos
escrúpulos libertários. Mas os críticos mais liberais também se
enganam ao pensar no casamento como um mero artefato da nossa
legislação e cultura. Trata-se de um bem humano com um núcleo xo,
que tanto quanto somos sábios ao reconhecer, somos incapazes de
remodelar.

 : Q   


T endo comparado ambas as visões conjugais, a matrimonial e a
revisionista, alguns simplesmente perguntam: Qual é o problema?
Esta é a estrutura geral de seu apelo à praticidade:
Suponhamos que, enquanto explicação do bem do casamento, sua
visão seja coerente e até superior à alternativa. E daí? Por que não
permitir que alguns milhares de parceiros do mesmo sexo obtenham
uma certidão e um certo estatuto legal? Na verdade, ninguém sairia
prejudicado. De que modo o casamento civil gay afetaria suas vidas,
liberdades ou oportunidades, ou seus próprios casamentos?78

Dissemos na introdução que este debate não é sobre


homossexualidade, mas sobre o casamento. Assim, no capítulo 6,
mostraremos como a visão conjugal respeita a igual dignidade e as
necessidades básicas das pessoas que se sentem atraídas pelo mesmo
sexo. Aqui mostramos quais problemas a proposta revisionista traria à
instituição do casamento e muito mais.

Nosso argumento depende de três ideias simples:

1. A legislação tende a moldar crenças.

2. As crenças moldam o comportamento.

3. As crenças e o comportamento afetam os interesses humanos e o


bem-estar humano.

Tomando estas verdades como certas,79 argumentamos que uma


legislação conjugal inadequada engendrará crenças erradas — não
apenas sobre o casamento, mas sobre a paternidade, crenças morais e
religiosas comuns, até mesmo sobre a amizade — que prejudicarão os
interesses humanos afetados por cada uma delas.

Casamento enfraquecido e mais difícil de


realizar
Ninguém age no vácuo. Todos nós nos inspiramos nas normas
culturais, moldadas pela lei. Pois a lei afeta as nossas ideias sobre o que
é razoável e apropriado: pelo que proíbe — você poderia ter uma
opinião mais contrária ao álcool se este fosse proibido, ou menos
contrária à maconha, se fosse permitida —, mas também pelo que
aprova. A concessão de subsídios públicos ao heavy metal promoveria
uma visão diferente do mérito musical do que o patrocínio estatal da
música de câmara. A recepção, no currículo escolar, de falsas ciências
e história chauvinista transmitirá, a respeito do conhecimento, uma
mensagem diferente de um currículo com padrões mais rigorosos.

Neste ponto, não é difícil convencer os revisionistas. Eles consideram


insu cientes as uniões civis, mesmo quando estas oferecem às uniões
entre pessoas do mesmo sexo todos os benefícios legais do casamento.
A única explicação é, pelo consenso dos revisionistas, o que importa é
o que a Califórnia ou os Estados Unidos chamam de casamento,
porque isto afeta a forma como os californianos ou os americanos irão
pensar no casamento.

O proeminente lósofo de Oxford, Joseph Raz, que não é amigo da


visão matrimonial, concorda:

De uma coisa se pode ter certeza [sobre as mudanças recentes na


legislação conjugal]. Eles não se limi tarão a acrescentar novas opções
à típica família monogâmica heterossexual. Eles pretendem mudar o
caráter daquela família. Se estas mudanças se enraizarem na nossa
cultura, então os relacionamentos conjugais típicos desaparecerão.
Não desaparecerão de repente. Em vez disso, serão transformados
numa forma social um tanto diferente, que responde ao fato de ser
uma das várias formas de ligação, e de que a ligação em si é muito
mais fácil e frequentemente dissolúvel. Todos estes fatores já estão se
imiscuindo às convenções constitutivas que determinam o que é
apropriado e esperado dentro de um casamento convencional e
transformando o seu signi cado.80

Rede nir o casamento civil mudaria o seu signi cado para todos. Os
casais heterossexuais legalmente casados seriam cada vez mais
de nidos pelo que têm em comum com os relacionamentos entre
pessoas do mesmo sexo.
Isto não mudaria apenas as pesquisas de opinião e a carga tributária.
O bem humano do casamento se tornaria menos acessível. Pois você
só pode realizar o casamento escolhendo-o, e para isso você precisa de
pelo menos uma ideia aproximada e intuitiva de sua real essência. Ao
distorcer a visão das pessoas sobre o casamento, a política revisionista
torná-las-ia menos capazes de percorrer este caminho básico para seu
desenvolvimento — tal como um homem confuso sobre as exigências
da amizade terá di culdade em ser amigo.81 As pessoas que formassem
o que o Estado chama de “casamento” iriam cada vez mais estar
formando laços que apenas em certos aspectos se assemelham ao
casamento para valer, assim como uma relação contratual pode se
assemelhar a uma amizade. A visão revisionista distorceria as suas
prioridades, ações e motivações, em prejuízo do verdadeiro
casamento.82 Mas é errado — e contraproducente — ocultar os bens
básicos como meios para atingir ns sociais (ver o capítulo 6).

Portanto, o primeiro dano da rede nição consiste em obscurecer o


bem do casamento, tornando-o mais difícil de vivenciar: outros danos
são efeitos da má compreensão e da incapacidade de viver o
verdadeiro casamento.

Casamento enfraquecido e governo


dilatado: a erosão das normas conjugais
Rede nir o casamento também prejudicará os interesses materiais dos
casais e dos lhos. À medida que mais pessoas absorvessem a lição da
nova lei de que o casamento é fundamentalmente uma questão de
emoções, os casamentos cairiam, cada vez mais, sob a inconstância
tirânica das emoções.83 Porque não há razão para que as uniões
emocionais — assim como as emoções que as de nem, ou as amizades
em geral — sejam permanentes ou limitadas a duas pessoas, estas
normas de casamento fariam menos sentido. As pessoas sentir-se-iam
assim menos obrigadas a viver de acordo com elas sempre que
simplesmente preferissem viver de outra forma. E, sendo menos
capazes de compreender o valor do casamento em si como um certo
tipo de união, mesmo independentemente das suas satisfações
emocionais, perderiam quaisquer razões que tivessem para casar-se ou
permanecer com um cônjuge, à medida que seus sentimentos por
outras pessoas diminuíssem ou aumentassem.84

Pode parecer absurdo prever que dois valores tão apreciados como a
permanência e a exclusividade possam diminuir. Mas todos nós os
valorizamos tão fortemente, em parte, porque a nossa cultura abraçou,
há muito, uma ética que os apoia. Desaparecida esta ética e os
sentimentos relacionados, também desaparecerá o apoio a estas
normas como padrões objetivos em vez de preferências opcionais.

Tal como documentamos abaixo, hoje em dia até mesmo os


principais revisionistas alegam que, se a complementaridade sexual é
opcional, a permanência e a exclusividade também o são. Isto não
acontece porque entre as uniões heterossexuais e as uniões
expressamente temporárias85 e as poliamorosas haja uma rampa
escorregadia, mas porque a maioria dos argumentos revisionistas
deixa tudo isto no mesmo nível: Se o casamento é principalmente uma
questão de união emocional, por que privilegiar as uniões entre duas
pessoas ou as uniões que visam um compromisso permanente? Por
mais valiosa que seja, o que há, numa união emocional, que possa
impor tais limites?

À medida que estas normas enfraquecerem, o mesmo acontecerá


com a segurança emocional e material que o casamento proporciona
aos cônjuges. Visto que os lhos se saem melhor na maioria dos
indicadores de saúde e bem-estar quando criados pelos seus pais
biológicos casados entre si, a mesma erosão das normas conjugais
afetaria negativamente a saúde, a educação e a formação geral das
crianças. A parcela mais pobre e vulnerável da população seria,
provavelmente, a mais atingida. E o Estado iria se expandir: para julgar
questões de separação e custódia, para satisfazer as necessidades dos
cônjuges e lhos afetados pelo divórcio e para conter e para, mal e
porcamente, compensar as di culdades impostas a estes lhos (ver
capítulo 3).

É claro que a política conjugal pode piorar — e já piorou — em


muitos aspectos, especialmente com a introdução de leis permitindo o
divórcio sem culpa, que tornam os contratos de casamento os mais
fáceis entre todos. Muitos opositores proeminentes da visão
revisionista — por exemplo, Maggie Gallagher, David Blankenhorn, os
bispos católicos dos  — também se opuseram a outras mudanças
legais que prejudicam o casamento conjugal.86 Diga-se, aliás, que nós
nos opomos às leis que permitem o divórcio sem culpa. Neste livro,
estamos focados na questão do casamento civil entre pessoas do
mesmo sexo, não porque seja por si só importante, mas porque é o
foco de um debate vivo cujos resultados têm consequências
importantes. A nal, subjacentes à adesão das pessoas às normas
conjugais já em declínio, existem nas suas mentes profundas
(conquanto implícitas) conexões entre o casamento, a união física e os
lhos. Rede nir o casamento como os revisionistas propõem não só
desgastaria mas também romperia estes laços, tornando imensamente
mais difícil a reversão de outras recentes tendências daninhas e a
restauração dos benefícios sociais de uma saudável cultura conjugal.

Mãe ou pai tornam-se supér uos


As leis conjugais matrimoniais reforçam a ideia de que a união entre
marido e mulher é, no seu conjunto, o ambiente mais adequado para a
criação dos lhos — um ideal apoiado pelos melhores resultados
fornecidos pelas ciências sociais.87 Reconhecer as relações entre
pessoas do mesmo sexo como casamentos aboliria legalmente esse
ideal. Nenhuma instituição civil reforçaria a noção de que,
tipicamente, homens e mulheres têm qualidades diferentes como
genitores; que meninos e meninas tendem a se bene ciar
diferentemente de seus pais e mães.
Na medida em que alguns continuassem a considerar que o
casamento é adequado à vida em família, passariam a pen sar — na
verdade, a nossa lei, as escolas públicas e os meios de comunicação
social os ensinariam, e os penalizariam de diversas maneiras por
negarem — que não importa, nem sequer como regra, que as crianças
sejam criadas por sua mãe e seu pai ou mesmo por dois pais, sendo
um de cada sexo. Mas conforme a ligação entre o casamento e a
parentalidade fosse obscurecida, como pensamos que acabaria por
acontecer, nenhum sistema seria proposto como ideal.

E aqui está o problema central de qualquer um dos resultados:


diminuiriam as pressões sociais e os incentivos para os maridos
permanecerem com as suas mulheres e lhos, ou para que homens e
mulheres se casassem antes de ter lhos. No entanto, os sistemas
resultantes — criação por pais divorciados ou solteiros, ou de casais
em coabitação — comprovadamente são piores para os lhos, como
vimos no capítulo 3. Assim, mesmo que os estudos revelassem não
haver diferenças entre as parentalidades homossexual e heterossexual,
rede nir o casamento minaria a estabilidade conjugal de maneiras, por
tudo que sabemos, prejudiciais aos lhos.

Dito isto, para além dos dados sobre os resultados das crianças
resumidos no capítulo 3, há provas signi cativas de que as mães e os
pais têm diferentes pontos fortes paterno-maternais — que as suas
respectivas ausências obstam o desenvolvimento infantil de diferentes
maneiras. As meninas, por exemplo, são mais propensas a sofrer
abusos sexuais e a engravidar na adolescência e fora do casamento se
crescerem sem a presença do pai.88 Por sua vez, os meninos criados
sem o pai tendem a taxas muito mais altas de comportamento
violento, delinquência e encarceramento.89 Como conclui David
Popenoe, sociólogo da Universidade Rutgers,

O conjunto de evidência empírica das ciências sociais apoia a ideia de


que a parentalidade diferenciada por gênero é importante para o
desenvolvimento humano e que a contribuição dos pais para a
educação dos lhos é única e insubstituível.90 [Ele continua:]
Deveríamos rejeitar a noção de que “mamães podem ser bons papais”,
assim como deveríamos rejeitar a noção popular [...] de que “papais
podem ser boas mamães”. Os dois sexos são nuclearmente diferentes,
e cada um deles é necessário — cultural e biologicamente — para o
desenvolvimento ideal de um ser humano.91

Resumindo o conhecimento cientí co relevante, o sociólogo W.


Bradford Wilcox da Universidade da Virgínia conclui praticamente o
mesmo:

Permitam-me agora, para concluir a nossa revisão da literatura das


ciências sociais sobre sexo e paternidade, explicar algo que deveria
ser óbvio para todos. As melhores pesquisas psicológicas,
sociológicas e biológicas até agora sugerem que — na média —
homens e mulheres trazem dons diferentes para o empreendimento
parental, que as crianças lucram por terem pais com estilos parentais
distintos e que o colapso familiar representa uma séria ameaça para
as crianças e as sociedades em que vivem.92

É claro que a questão de quais disposições devem ser privilegiadas


por nossas políticas é normativa; ela não pode ser resolvida apenas
pelas descrições de causa e efeito das ciências sociais. Mas este ponto
pouco importa aqui, porque é impossível fazer generalizações a partir
dos estudos disponíveis que pretendem não encontrar diferenças entre
os resultados das experiências de parentalidade biológica e conjugal e
as homossexuais.

Nenhum estudo sobre parentalidade homossexual cumpre o padrão


de pesquisa a que aspiram as ciências sociais respeitáveis: amostras
amplas, aleatórias e representativas, observadas longitudinalmente.
Apenas um — estudando apenas as taxas de progresso na escola
primária — é de escopo su cientemente amplo e representativo.93
Vários dos mais frequentemente citados nos meios de comunicação
comparam efetivamente os resultados da parentalidade do mesmo
sexo com criação por mães ou pais solteiros, adotivos ou outros
esquemas que já se revelaram inferiores.94 Poucos testam mais de um
ou dois indicadores de bem-estar. A maioria recorre à “amostragem
em bola de neve”, na qual os entrevistados recrutam os seus amigos e
conhecidos para o estudo.95 Com esta técnica, “aqueles que têm muitas
inter-relações com […] um grande número de outros indivíduos” são
fortemente sobrerrepresentados.96

Como resultado, observa a psicóloga Abbie Goldberg, os estudos


sobre famílias che adas por pares homossexuais concentraram-se em
“pessoas brancas de classe média, relativamente ‘visíveis’ na
comunidade gay e moradores de áreas urbanas”. Eles ignoraram “as
minorias sexuais entre os proletários, as minorias sexuais raciais ou
étnicas, [e] as minorias sexuais que vivem em áreas geográ cas rurais
ou isoladas”.97 No entanto, essas amostras de famílias che adas por
homossexuais, tão favoravelmente enviesadas, são normalmente
comparadas com amostras representativas (e portanto mais mistas) de
famílias che adas por casais heterossexuais.98 Como observa Loren
Marks num trabalho em que avaliou todos os cinquenta e nove
estudos nos quais a Associação Americana de Psicologia se baseou
para declarar que não há diferenças entre a criação por casais
heterossexuais e homossexuais,

Os dados disponíveis, que são extraídos principalmente a partir de


amostras pequenas e convenientes, são insu cientes para apoiar uma
a rmação forte e generalizável em qualquer sentido [...]. Tal
a rmação não seria fundamentada na ciência. Para fazer uma
a rmação generalizável, são necessários estudos — muitos estudos —
representativos e com amostras amplas.99

Por outro lado, consideremos as conclusões de um estudo recente


nesta área que se baseou numa amostra grande, aleatória e
representativa a nível nacional, enfocando os resultados obtidos na
idade adulta por lhos de diversas estruturas familiares. Em
comparação com os lhos de pais que tenham tido, ao menos um
deles, uma relação gay ou lésbica, descobriu-se que os lhos criados
pelos seus pais biológicos casados entre si tiveram um desempenho
melhor em dezenas de indicadores, e pior em nenhum.100 Numa crítica
que destaca algumas das limitações do estudo, o professor Paul Amato,
da Universidade Estadual da Pensilvânia, sustentou que as vantagens
metodológicas do estudo ainda o tornam “provavelmente o melhor
que podemos esperar, pelo menos no futuro próximo”.101

Além disso, a literatura cientí ca sobre o bem-estar infantil e a


parentalidade homossexual inclui muito poucos dados, con áveis ou
não, sobre crianças criadas por dois homens. Os proeminentes
estudiosos da parentalidade do mesmo sexo, Timothy Biblarz e Judith
Stacey, num trabalho de 2010, admitiram que “não localizaram
estudos de pais homossexuais planejados que incluíssem medições dos
resultados obtidos pelos lhos e apenas um que comparasse a
parentalidade adotiva gay masculina com suas contrapartes lésbica ou
heterossexual”.102

O resultado é o que os revisionistas William Meezan e Jonathan


Rauch admitem, num trabalho de avaliação sobre estudos parentais: “A
evidência não fornece, devido às di culdades metodológicas que
delineamos, muito conhecimento sobre se os casos estudados são
típicos ou atípicos da população em geral de lhos criados por casais
de gays e de lésbicas”.103

Em última análise, porém, temos duas razões para esperar que a


parentalidade entre pessoas do mesmo sexo seja geralmente menos
e caz. Em primeiro lugar, demonstrou-se que todas as alternativas à
criação dos lhos por seus pais biológicos casados entre si que foram
examinadas em estudos de alta qualidade se mostraram,
consistentemente, menos e cazes: isto vale para mães e pais solteiros,
madrastas ou padrastos, bem como para a criação por casais
coabitantes.104 Como descobriram os sociólogos de Princeton e
Wisconsin, Sara McLanahan e Gary Sandefur, com base em quatro
estudos longitudinais com amostras representativas a nível nacional,
incluindo 20 mil indivíduos, “as crianças que crescem em lares com
apenas um dos pais biológicos se saem pior, em média, do que as
crianças que crescem em lares com ambos os pais biológicos, […]
independentemente de o progenitor com quem moram ter voltado a se
casar”.105 Este ponto reforça a ideia de que o principal interesse do
Estado é defender as normas conjugais para manter juntos os pais
biológicos, e não simplesmente promover as famílias com dois pais.
Em segundo lugar, mais uma vez, estudos con áveis sugerem que a
presença de mãe e pai promove — e suas ausências prejudicam — o
desenvolvimento infantil de formas diferentes.

Em resumo, portanto: rede nir o casamento civil pode aumentar a


aceitabilidade social do abandono das famílias por parte dos pais, de
que casais não casados adiem a contração de um compromisso público
mais rme, ou de que as crianças cresçam num lar sem mãe ou pai.
Mas seja qual for a causa, privar as crianças do amor e da experiência
de sua mãe e de seu pai, casados entre si, terá um custo.

Finalmente, para a rmar o óbvio: nenhum destes pontos sobre a


parentalidade insinua que homens e mulheres em relações
homossexuais tenham uma devoção mais débil ou menos capacidade
afetiva. A nal de contas, apontar dados que mostram que a criação
colaborativa entre mãe e pai é mais e caz não é nenhum insulto aos
heroicos pais solteiros e mães solteiras. O que se compara, em todos os
casos, são os resultados de várias estruturas familiares, e não as
pessoas individuais com a guarda das crianças.

Ameaçando a liberdade moral e religiosa


Rede nir o casamento civil geraria danos que se estenderiam para
além dos casais e dos seus lhos, atingindo qualquer pessoa que
defenda a visão matrimonial.

Nós, americanos, não somos pacientes com aqueles que


consideramos inimigos da igualdade. Pessoas cujas atitudes e pontos
de vista sociais nos lembram Jim Crow, as leis de exclusão chinesas e as
mulheres privadas de direitos não recebem nenhuma fração de
tolerância social e da civilidade que a maioria de nós estende, com
prazer, por cima de vastos abismos morais e políticos. Essas pessoas
são exiladas da sociedade educada, excluídas da praça pública e até
mesmo de empregos respeitáveis. A Primeira Emenda impede-nos de
os prender, mas não de revogar certos privilégios civis ou de iniciar
ações civis contra elas por viverem de acordo com os seus pontos de
vista.106

A visão revisionista depende da ideia de que não existem diferenças


importantes entre relações do mesmo sexo e do sexo oposto. Ao
endossá-la, o Estado implicaria que a visão matrimonial faz distinções
arbitrárias. Os defensores da conjugalidade matrimonial tornar-se-
iam, aos olhos do Estado, defensores de discriminação maliciosa. Esta
ideia levaria a violações injustas dos direitos de consciência e liberdade
religiosa, e dos direitos dos pais de orientar a educação dos seus lhos.

A Primeira Emenda poderá muito bem impedir que o clero seja


forçado a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo, mas os
seus correligionários leigos não usufruirão de proteções semelhantes,
bem como as suas instituições educativas e de serviço social não
escaparão por muito tempo à discriminação nos processos de
licenciamento e convênio junto ao governo. Desde o casamento,
passando pela lua de mel e até pela vida comum, os casais negociam,
enquanto casal, com inúmeras pessoas. Fotógrafos, fornecedores,
hotéis, funcionários de orfanatos, administradores de escolas
paroquiais, conselheiros, prestadores de cuidados de acolhimento,
intermediadores de adoção e outros serão forçados a acatar a visão
revisionista ou perderão os seus empregos.

Não se trata de alarmismo: trata-se de acreditar nas palavras dos


revisionistas. Se o apoio à conjugalidade matrimonial é realmente
equiparável ao racismo, basta-nos veri car como a sociedade civil
trata os racistas. Nós os marginalizamos e estigmatizamos. Assim,
num raro afastamento dos estatutos da pro ssão, um proeminente
escritório de advogados desistiu, em abril de 2011, de seu
compromisso de defender a lei de defesa do casamento perante a
Câmara dos Representantes. No Canadá, Damian Goddard foi
despedido do seu emprego como locutor desportivo por expressar no
Twitter o seu apoio à conjugalidade matrimonial.107 Uma conselheira
da Geórgia contratada pelos centros de controle de doenças foi
despedida após uma investigação sobre a sua decisão, tomada por
motivos religiosos, de encaminhar uma pessoa num relacionamento
homossexual a outro conselheiro.108 Um ministério religioso em Nova
Jersey perdeu sua isenção scal por negar a um casal de lésbicas o uso
de suas instalações para um casamento homossexual.109 Um fotógrafo
foi processado pela Comissão de Direitos Humanos do Novo México
por se recusar a fotografar uma cerimônia de compromisso entre
pessoas do mesmo sexo.110

Os tribunais já estão corroendo as liberdades nesta área, como


demonstraram os defensores dos direitos de consciência.111 Em
Massachusetts, obras católicas de caridade foram forçadas a encerrar
seus serviços de adoção para não serem obrigadas a, violando seus
princípios, entregar crianças a homossexuais coabitantes.112 Quando as
escolas públicas começaram a ensinar aos alunos sobre o casamento
civil entre pessoas do mesmo sexo, precisamente porque agora era a
legislação da comunidade, um Tribunal de Apelações decidiu que os
pais não tinham o direito de isentar os seus lhos dessas aulas.113 A
Fundação Becket para a Liberdade Religiosa relata que “o
reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo
provavelmente desencadearia 350 disposições estatais distintas contra
a discriminação”.114

Além disso, devido à in uência mútua entre o Direito e a cultura, as


tendências jurídicas emergentes são espelhadas por tendências sociais.
A rejeição à visão matrimonial, tida por intolerante, tornou-se tão
profundamente enraizada entre os revisionistas que uma matéria do
Washington Post sus citou denúncias e gritos de parcialidade
jornalística por insinuar que um defensor da visão conjugal era
“sensato” e “cuidadoso”.115 Leitores indignados compararam a matéria a
um hipotético artigo sobre um membro da Ku Klux Klan.116 Um
colunista do New York Times chamou os proponentes da
conjugalidade matrimonial (incluindo, pelo nome, um de nós) de
“fanáticos”.117 Organizações que promovem a rede nição legal do
rótulo de casamento consideram-se defensoras dos “direitos humanos”
e oponentes do “ódio”.118

Concordamos, claro, que está dentro dos devidos poderes do Estado


restringir a discriminação injusta — racista, sexista ou qual seja — e
que a sociedade pode marginalizar opiniões nocivas ao marginalizar
os seus defensores. Mas é melhor que ela esteja certa de que estas
opiniões são falsas e prejudiciais. Se mesmo não sendo nocivas forem
suprimidas, então a sociedade estará prejudicando o bem comum, ao
restringir as liberdades de expressão, religião e consciência por nada
mais que a uniformidade ideológica.

Minando a amizade
Frequentemente ouvimos argumentos pró e contra a ideia de que a
rede nição enfraqueceria o casamento e ameaçaria a liberdade
religiosa. Mas ambos os lados deste debate tendem a esquecer que a
prevalência social da visão revisionista di cultaria as coisas para as
pessoas solteiras: conforme o casamento fosse de nido como
simplesmente o mais valioso ou o único tipo de comunhão profunda,
tornar-se-ia mais difícil encontrar intimidade espiritual e emocional
em amizades não conjugais.

Consideremos, a este respeito, a admissão do blogueiro do Atlantic,


Ta-Nehisi Coates, de que até recentemente nunca tinha considerado a
possibilidade de uma amizade profunda e não romântica. Ler sobre
exemplos históricos desse tipo de amizade “realmente abriu uma parte
da minha imaginação — a possibilidade de me sentir apaixonado, mas
não sexualmente, por alguém de quem eu não fosse um familiar”,
confessou. “‘Paixão’ não é uma palavra que aparece frequentemente na
descrição [das] amizades hoje em dia. E, no entanto, [ela está] presente
nos escritos das gerações anteriores” — quando as pessoas
reconheciam o casamento como o paradigma de um tipo de
intimidade entre outros, e não simplesmente equacionavam a
intimidade ao casamento.

Mas a visão revisionista tende a fazer exatamente isso. Os


revisionistas não podem de nir o casamento a partir da união física
real ou vida familiar, e por isso tendem a de ni-lo pelo seu grau ou
intensidade. O casamento é simplesmente o seu relacionamento mais
próximo, oferecendo a maior porção da moeda fundamental da
intimidade: emoção e experiência compartilhadas. Como a rmou
recentemente um juiz federal num caso que anula a legislação conjugal
matrimonial na Califórnia, “‘casamento’ é o nome que a sociedade dá à
relação entre dois adultos que mais importa para ambos”.119

Quanto mais absorvemos essa suposição, menos valorizamos a


amizade profunda por si só. A revelação de si, a con ança sem
constrangimento, a abnegação, as expressões extravagantes de afeto e
outras características do companheirismo passam a parecer ridículas
— ou até mesmo a parecer imposições indesejáveis — fora do romance
e do casamento.120 Passamos a ver as amizades como meras paradas de
descanso no caminho de volta à vida familiar. Compartilhar com um
amigo experiências que poderíamos muito bem compartilhar com
nosso cônjuge, sem que isso pareça defraudar nosso casamento, torna-
se mais difícil.

A visão matrimonial, ao contrário, dá ao casamento uma forma


de nida, ordenada à verdadeira união física e, portanto, à vida
familiar. Se a visão revisionista vê as pessoas solteiras apenas como
alguém que se contenta com menos, a visão matrimonial deixa espaço
para diferentes formas de comunhão, cada uma com a sua própria
escala e forma distinta de companheirismo e apoio. Evita que o
casamento se torne totalitário: esclarece o que devemos aos nossos
cônjuges no amor conjugal; o que devemos guardar apenas para eles,
sem compartilhar com os outros; e o que poderíamos compartilhar ora
com eles, ora com outros, sem qualquer comprometimento do nosso
casamento.

A restauração da visão conjugal poderia, assim, ajudar-nos a


recuperar o valor da amizade: aquela ligação que o Rei Davi chamou
de “mais preciosa para mim que o amor das mulheres”, que Agostinho
descreveu como “uma alma em dois corpos”;121 um vínculo ainda mais
doce por ter sido escolhido, mas não menos exigente para quem
conhece a sua profundidade.

A objeção “conservadora”
Vimos que a rede nição do casamento civil afetaria a forma como
conduzimos nossos relacionamentos sexuais, como agimos como pai e
mãe, como tratamos os que pensam diferente e como lidamos com os
nossos amigos. Tais mudanças no pensamento e na ação afetariam os
interesses das pessoas — não apenas os dos lhos, mas também os dos
cônjuges, dos solteiros, dos crentes religiosos de várias tradições, e
outros.

Resta-nos abordar uma objeção comum a parte deste argumento.


Alguns dizem que a adoção da visão revisionista, longe de
desestabilizar a instituição do casamento, iria na verdade fortalecê-la,
ao impor normas conjugais tradicionais — valores conservadores — a
mais relacionamentos.

Este ponto é geralmente apresentado como um argumento


independente a favor do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Mas note os seus limites: ele não mostra que a visão revisionista do
casamento é verdadeira ou que a visão matrimonial é falsa (muito
menos inconsistente ou preconceituosa). Intactas estão as nossas
alegações de que os pais são tão importantes como as mães, e que o
revisionismo ameaça este ideal. A questão não alivia as preocupações
com a liberdade moral e religiosa ou com a deterioração da amizade.
Na verdade, nem sequer refuta o nosso argumento de que as normas
conjugais passariam a fazer menos sentido num mundo revisionista.

Em outras palavras, aqueles que fazem esta a rmação supostamente


conservadora estão apenas a sugerir que seria bom se usássemos a
legislação para remodelar as uniões homossexuais de acordo com as
normas tradicionais do casamento, qualquer que fosse o objetivo ou a
probabilidade de conseguir que assumissem e mantivessem a forma
desejada. Mas mesmo despojada do seu núcleo modesto, a objeção
falha.

Falha porque presume que o Estado pode efetivamente encorajar a


adesão às normas em relacionamentos onde essas normas não têm
uma base racional profunda — onde não há razão para a perpetuidade
e exclusividade, mesmo que o desejo se afaste ou diminua ou que o
apego se desfaça. Leis que restringem a liberdade das pessoas sem um
propósito profundo não têm probabilidade de perdurar, e muito
menos de in uenciar o comportamento.122

Mas rede nir o casamento civil não seria apenas inútil neste aspecto;
seria contraproducente. Com o tempo, as pessoas tendem a obedecer
menos a quaisquer normas quanto menos essas normas zerem
sentido. Repetindo: se o casamento for entendido como uma união
essencialmente emocional, então as normas conjugais, especialmente a
permanência e a exclusividade, farão menos sentido. Mas seja qual for
a moralidade de desrespeitar estas normas noutras relações, elas
apoiam, nas relações heterossexuais, os interesses que contam e levam
o Estado a reconhecer e apoiar os casamentos.

Portanto, aqueles que defendem a objeção conservadora têm razão ao


pensar que a rede nição do casamento civil produziria uma
convergência — mas seria uma convergência exatamente na direção
errada. Em vez de impor normas tradicionais sobre as relações entre
pessoas do mesmo sexo, a abolição da visão matrimonial tenderia a
minar a base dessas normas em qualquer relacionamento.
Esta não é uma questão abstrata. Se a concepção revisionista do
casamento estivesse correta, o que você esperaria ver na sociologia das
uniões românticas entre pessoas do mesmo sexo? Na ausência de
fortes razões para respeitar as normas conjugais, seria de esperar ver
menos consideração por essas normas, tanto na prática como na
teoria. Em ambos os aspectos, você estaria certo.

Considere a norma da monogamia. Judith Stacey — uma


proeminente professora da Universidade de Nova York que não é, de
forma alguma, considerada uma gura marginal — expressou, ao
testemunhar perante o Congresso contra a lei de defesa do casamento
(), sua esperança de que o triunfo da visão revisionista daria ao
casamento “contornos variados, criativos e adaptativos […] [levando
alguns a] questionar as limitações diádicas do casamento ocidental e
procurar […] casamentos entre pequenos grupos”.123 Na sua
declaração “Beyond Same-Sex Marriage”, mais de trezentos
acadêmicos e defensores “ e aliados” — incluindo proeminentes
professores da Ivy League — pedem o reconhecimento legal dos
relacionamentos sexuais envolvendo mais de dois parceiros.124 A
professora da Universi dade de Calgary, Elizabeth Brake, acredita que
a justiça exige que usemos o reconhecimento legal para
“desnormatizar […], como modo de vida, a monogamia
heterossexual” e corrigir a “antiga discriminação contra homossexuais,
bissexuais, polígamos e redes de cuidados”.125

E quanto à conexão com a vida familiar? Andrew Sullivan, um


autoproclamado defensor da defesa conservadora do casamento civil
entre pessoas do mesmo sexo, diz que o casamento se tornou
“principalmente uma forma pela qual dois adultos a rmam o seu
compromisso emocional um com o outro”.126 E. J. Graff celebra o fato
de que reconhecer as uniões sexuais mudaria a “mensagem
institucional” para que esta “desde então passasse a representar a
liberdade sexual, o m da ligação entre o sexo e as fraldas”.127 A
promulgação do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo “vai
além de uma simples adequação; é um anúncio de que o casamento
mudou de forma”.128

E a exclusividade? Sullivan, que exaltou a “espiritualidade” do “sexo


anônimo”, também pensa que a “abertura” das uniões homossexuais
poderia reforçar os laços entre maridos e mulheres:

As uniões entre pessoas do mesmo sexo frequentemente incorporam


as virtudes da amizade de forma mais e caz do que os casamentos
tradicionais; e às vezes, entre relacionamentos gays masculinos, a
abertura do contrato torna sua sobrevivência mais provável que a de
muitos laços heterossexuais [...]. É mais provável que haja uma maior
compreensão da necessidade de escapadas extraconjugais entre dois
homens do que entre um homem e uma mulher... Um tanto da
inescapável sinceridade que há no relacionamento gay, de sua
exibilidade e seu igualitarismo poderiam, sem dúvida, ajudar a
fortalecer e esculpir muitos vínculos heterossexuais.129

“Abertura” e “ exibilidade” aqui são eufemismos de Sullivan para a


in delidade sexual. Da mesma forma, num per l da New York Times
Magazine, o ativista do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo
Dan Savage incentiva os cônjuges a adotarem “uma atitude mais
exível” a respeito de permitirem um ao outro a busca de sexo fora do
casamento. Um artigo na e Advocate, uma revista noticiosa de
interesse gay, apoia nosso ponto de vista ainda mais abertamente:

Os direitistas inimigos da igualdade há muito que insistem que


permitir que os gays se casem vai destruir a santidade do “casamento
tradicional” e, claro, a resposta lógica e de alinhamento liberal tem
sido, há muito tempo, “não, não vai”. Mas e se — pela primeira vez —
os malucos hipócritas estiverem certos? A tradição de
relacionamentos abertos entre os homens gays poderia, de fato,
alterar o casamento como o conhecemos? E isso seria algo tão ruim?
130
Como diz a sinopse do artigo: “Muitas vezes protestamos quando os
homofóbicos insistem que o casamento entre pessoas do mesmo sexo
também mudará o casamento dos heterossexuais. Mas, de certa forma,
eles estão certos”.131

Repita-se que estas não são palavras nossas, mas sim dos principais
defensores do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Se você
acredita em permanência e exclusividade, mas aceita que o casamento
civil seja rede nido, tome nota.

Na verdade, alguns revisionistas assumiram o objetivo de enfraquecer


a instituição do casamento nestes exatos termos. “[O ex-presidente
George W.] Bush está correto”, diz a revisionista Victoria Brownworth,
“[…] quando a rma que permitir o casamento de casais do mesmo
sexo irá enfraquecer a instituição do casamento […]. De fato o
enfraquecerá, e isso tornará o casamento um conceito muito melhor
do que tem sido até agora”.132 A professora Ellen Willis, outra
revisionista, celebra o fato de que “conferir a legitimidade do
casamento às relações homossexuais iniciará uma implícita revolta
contra a instituição até ao seu âmago”.133

Michelangelo Signorile, um proeminente ativista gay, exorta as


pessoas em relacionamentos homossexuais a “exigirem o direito de
casar não como uma forma de aderir aos códigos morais da sociedade,
mas sim para desmascarar um mito e alterar radicalmente uma
instituição arcaica”.134 Elas deveriam “lutar pelo casamento
homossexual e os seus benefícios e depois, uma vez concedidos,
rede nir completamente a instituição do casamento, porque a ação
mais subversiva que lésbicas e homens gays podem empreender […] é
transformar inteiramente a noção de ‘família’”.135

E a experiência limitada do mundo ocidental até agora sugere que


estas ideias têm efeito na política. Desde que os países começaram a
reconhecer as uniões entre pessoas do mesmo sexo, autoridades
apresentaram projetos de lei, tomaram decisões administrativas ou
permitiram ações judiciais que desa assem quase todas as outras
normas tradicionais: A Cidade do México avaliou a hipótese de
conceder licenças para casamentos expressamente temporários.136 Um
juiz federal em Utah permitiu uma contestação legal das leis
antibigamia como violações da liberdade religiosa e violações da
igualdade.137 No Brasil, um tabelião reconheceu uma união civil entre
três pessoas, praticamente dizendo que a rede nição do casamento o
exigia: “Temos visto, nos últimos anos, uma série de alterações no
conceito de família […]. Para melhor ou para pior, não importa, mas a
ideia de família que tínhamos antes não é a única coisa que podemos
chamar de família hoje”.138

Alguns revisionistas, como Jonathan Rauch, esperam sinceramente


preservar as normas conjugais tradicionais.139 Mas a previsão de que
seriam enfraquecidas é apoiada não apenas pela re exão sobre o
fundamento destas normas, juntamente com pesquisas de argumentos
revisionistas, retórica e progressão de suas propostas políticas, mas
também pelas ciências sociais preliminares.

Na década de 1980, os professores David McWhirter e Andrew


Mattison, eles mesmos envolvidos numa relação romântica,
dedicaram-se a refutar as crenças populares sobre a falta de adesão à
exclusividade sexual dos parceiros gays. Mais de 60% dos
entrevistados, em relacionamentos que já duravam de um a trinta e
sete anos, haviam começado o relacionamento esperando
exclusividade sexual; mas nenhuma dupla manteve a exclusividade
sexual por mais de cinco anos.140 McWhirter e Mattison concluíram,
a nal, que “[a] expectativa de atividade sexual fora do relacionamento
era a regra entre as duplas masculinas e a exceção entre os casais
heterossexuais”.141 Longe de refutar as crenças populares, eles as
con rmaram.

O New York Times relatou mais recentemente um estudo que


descobriu que a exclusividade não era a norma entre parceiros gays:
“‘Entre os heterossexuais, isso se chama ter um caso ou traição’, disse
Colleen Hoff, principal investigadora do estudo, ‘mas entre os gays isso
não tem conotações tão negativas’”.142

Na verdade, a diferença atinge mais do que apenas expectativas. As


evidências sugerem que os homens em relacionamen tos
heterossexuais se satisfazem mais com a exclusividade que os homens
em relacionamentos com outros homens. De acordo com um estudo,
relacionamentos gays sexualmente “abertos” duram mais.143 De acordo
com outro, “nas medições de satisfação e harmonia no
relacionamento, não foram encontradas diferenças entre as duplas
[gays] que eram sexualmente monogâmicas e as não monogâmicas”.144
Em contraste, 99% dos casais heterossexuais esperam — isto é, exigem
um do outro e acreditam que serão atendidos — a exclusividade
sexual,145 e violações da exclusividade são “a principal causa de
divórcio em 160 culturas e são uma das mais frequentes razões pelas
quais os casais procuram terapia conjugal”.146

Alguns oferecem explicações evolutivas para estas diferenças: em


relacionamentos heterossexuais, dos quais regularmente surgem lhos,
a delidade convém aos interesses destes, impedindo que a atenção e
os recursos dos pais sejam desviados. Trata-se de uma transigência
entre, por um lado, o interesse, geralmente maior entre as mulheres,
no sexo enquanto expressão de afeto (e o interesse masculino em não
investir nos lhos de outros homens); e por outro o interesse,
geralmente maior entre os homens, na variedade sexual.147 Quer se
aceitem estas explicações, ou a re exão ética sobre os bens em jogo
que oferecemos acima, ou ambos os relatos que mutuamente se
reforçam, é fácil ver como o estatuto de exclusividade seria diferente
para os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo e do sexo
oposto.

Nas questões do número de parceiros e da longevidade das relações,


devemos evitar estereótipos, que exageram injustamente, mas também
considerar os dados sociais à luz do que argumentamos sobre a base
racional mais fraca para a permanência e a monogamia fora das
relações com o sexo oposto. Uma pesquisa realizada no Reino Unido
na década de 1990 com mais de cinco mil homens descobriu que, nos
cinco anos anteriores, o número médio de parceiras para os homens
com inclinações exclusivamente heterossexuais era de duas; os que
tinham inclinações bissexuais haviam tido sete parceiros(as) e os que
tinham inclinações exclusivamente homossexuais, dez.148 Uma
pesquisa nos  descobriu que o número médio de parceiros sexuais
desde os dezoito anos de idade para homens que se identi cavam
como homossexuais ou bissexuais era duas vezes e meia maior que a
média encontrada junto aos homens heterossexuais.149 E um estudo
sobre casamentos civis homossexuais na Noruega e na Suécia
descobriu que “os riscos de divórcio são maiores nos relacionamentos
entre pessoas do mesmo sexo do que nos casamentos entre pessoas do
sexo oposto e […] as uniões de lésbicas são consideravelmente menos
estáveis, ou mais dinâmicas, do que as uniões de homens gays”.150

Para nalizar, como argumentamos acima, as evidências preliminares


sugerem que mesmo a concessão do casamento civil entre pessoas do
mesmo sexo seria incapaz de impor, através de pura pressão social,
normas que, enquanto requisitos gerais, fazem menos sentido no
contexto dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo. O New
York Times noticiou um estudo da Universidade Estadual de São
Francisco: “As núpcias gays são apresentadas, por seus oponentes,
como um esforço para reescrever as regras tradicionais do
matrimônio. Silenciosamente, fora dos holofotes da mídia e dos
tribunais, muitos pares gays estão fazendo exatamente isso”.151

Portanto, não há razão para acreditar, e há muitas razões para


duvidar, que a rede nição do casamento civil tornaria as pessoas mais
propensas a cumprir as normas conjugais. Em vez disso, minaria ainda
mais a compreensão que as pessoas têm dos fundamentos dos
princípios que orientam essas normas. Nada restaria, além de um débil
muro de sentimento, para conter a maré de daninhas mudanças
sociais.
 : J  
D emonstramos que a visão revisionista não é apenas internamente
inconsistente e incompatível com os princípios amplamente
aceitos sobre o casamento, mas também que implementá-la seria
prejudicial. Também os revisionistas, frequentemente, levantam
objeções semelhantes à visão matrimonial: dizem que ela é
inconsistente quando reconhece casamentos inférteis e incompatível
com o amplamente aceito princípio de igualdade de acesso ao
casamento. Aqui mostramos que ambas as objeções falham. A visão
matrimonial é dotada de consistência interna e respeita o princípio de
que pessoas de todas as inclinações têm igual dignidade e, por
prerrogativa, os mesmos direitos.

O caso da infertilidade
Os revisionistas argumentam que os proponentes da visão
matrimonial não podem apresentar uma base de princípios que
permitam reconhecer as uniões de casais inférteis e que não se
aplicariam igualmente às uniões do mesmo sexo.

Este é um desa o fácil de vencer. Um homem e uma mulher inférteis


ainda podem formar juntos um verdadeiro casamento — uma união
integral — que diferiria apenas em grau, e não em tipo, de uma união
fértil antes ou depois do primeiro parto. Portanto, reconhecer tais
uniões como casamentos não acarreta nenhuma das di culdades de
reconhecer como casamentos as uniões entre pessoas do mesmo sexo
ou outras; traz a maioria dos benefícios do reconhecimento às uniões
férteis; e pelo menos um benefício adicional.

 ,  


Para formar um verdadeiro casamento, um casal precisa estabelecer a
união integral de mente e corpo que, sendo adequada à procriação e à
vida doméstica, seria por elas completada, e que, portanto,
inerentemente exige um compromisso permanente e exclusivo.

Todo casal capaz de consumar seu compromisso pode ter todas as


três características. Com ou sem lhos, na noite de núpcias ou dez
anos depois, todos estes relacionamentos são integrais nos três
sentidos especí cos do casamento, com o seu valor distintivo. Sem
exceção, as uniões entre pessoas do mesmo sexo e as uniões entre
múltiplos parceiros não são.

É claro que isto não seria verdade para casais inférteis que não
pudessem praticar atos conjugais. O professor de Princeton, Stephen
Macedo, e o professor de Direito da Northwestern, Andrew
Koppelman, argumentam que a nossa visão implica que não podem.152
É claro que, sendo as pessoas compostas de corpo e mente, um ato
conjugal entre duas pessoas deve, portanto, combinar o
comportamento correto com a intenção correta. Deve ser uma
verdadeira união física (coito) que sele um certo tipo de união de
mentes e corações. Portanto, a questão é se os casais inférteis podem
ter a intenção e o comportamento corretos para um ato conjugal. A
resposta é: sim, eles podem.

Vejamos o caso da intenção. Para que o ato de união física de


qualquer casal seja um ato de união conjugal, eles não precisam
escolhê-lo pela sua capacidade de levar à concepção, mas
simplesmente para corpori car ou concretizar o seu casamento: a sua
forma conjugal especí ca de amor, seu compromisso permanente e
exclusivo. Isto signi ca, entre outras coisas, pretender buscar tal união
física apenas um com o outro (exclusividade) até a morte
(permanência). Claramente, embora (digamos) a intenção de manter
uma união sexualmente aberta seja um impedimento aqui, a
infertilidade não o é — a menos que ela impeça o comportamento
escolhido pelo casal de ser, em si, uma união física orgânica.
E isso não acontece. O ato sexual é uma união física orgânica, cause
ou não a concepção, como nossa lei sempre reconheceu. Os corpos do
homem e da mulher são unidos, pelo coito, da mesma forma que os
órgãos de um único corpo estão unidos: em direção a um bem
biológico (reprodução) comum do todo que juntos eles compõem.
Portanto, os cônjuges realmente são unidos sicamente, e podem ser
integralmente. Como o coito seria completado pela concepção, ele
estende ao plano sexual e corporal seu tipo especí co de compromisso
(o tipo conjugal). Mesmo para os casais inférteis, permanece a
profunda simetria entre ligação e ato: ambos seriam naturalmente
completados pela geração de lhos.

A natureza do comportamento dos cônjuges agora — como


coordenação biológica em direção a um determinado m (que pode
ou não ser também uma meta subjetiva) — não pode depender de algo
que acontece horas depois e fora do seu controle: a contingência de
um espermatozoide penetrar ou não num óvulo. Cada estágio de um
processo de múltiplos estágios, como é a reprodução, mantém sua
identidade, aconteça o que acontecer nos estágios posteriores. Isso ca
claro em funções individuais como a digestão. Diferentes partes desse
processo — mastigação, deglutição, ação estomacal, absorção de
nutrientes — são ordenadas ao objetivo mais amplo, que é nutrir o
organismo. Mas a ação da mastigação e do estômago permanecem
ordenadas (continuam sendo atos digestivos) mesmo quando o
intestino não consegue absorver os nutrientes, e mesmo que você saiba
disso antes de comer.153 Isso é apenas parte de algo que diferencia os
processos biológicos: eles não dependem dos nossos objetivos ou
crenças.

Da mesma forma, a parte comportamental do processo reprodutivo


(coito) permanece ordenada à reprodução, mesmo quando fatores não
comportamentais — como a baixa contagem de espermatozoides —
impedem a concepção, e os cônjuges esperam isso de antemão. Assim,
o coito continua a ser uma forma de coordenação corporal, ou
funcionamento conjunto em direção a um único m corporal (seja ou
não um m que tencionam) e, portanto, uma forma de união física. E
isso — ser uma união física, e não causar de fato a concepção — é o
que torna o coito, se escolhido com a intenção de concretizar ou
renovar o casamento, uma parte valiosa de um todo valioso: um ato
conjugal que expande uma união conjugal, ou seja, abrangente.

É por isso que, como a nossa legislação sempre reconheceu, a


infertilidade não é um impedimento ao casamento — algo bom em si,
que pode assim existir com o seu valor distintivo, mesmo que não
apresente lhos.

A amizade entre dois homens ou duas mulheres também é valiosa


por si só. Mas, faltando-lhes a capacidade de realizar uma união física
orgânica, não pode ser valiosa especi camente como casamento: ela
não tem como ser a união integral de cuja aptidão para a procriação
dependem as normas distintamente conjugais.

  

A ideia de que os casais inférteis podem formar um casamento não é


apenas abstrata: ela signi ca que tais uniões têm um impacto no bem
comum, bem como as fecundas.

Mas antes de considerarmos os seus benefícios, notamos que


reconhecer casamentos inférteis não acarreta nenhuma das
di culdades impostas pelo reconhecimento de uniões entre pessoas do
mesmo sexo, poliamorosas ou outras uniões não conjugais (ver
capítulo 4). Isso não torna mais difícil que as pessoas percebam o bem
básico do casamento, pois não prejudica a compreensão do público
sobre a natureza do verdadeiro casamento. Também não prejudica as
normas conjugais, que se baseiam nessa natureza, nem faz com que os
pais ou as mães pareçam supér uos. Não prejudica a liberdade
religiosa ou moral de ninguém. Além disso, ao preservar a ideia de que
o casamento difere de outros laços pelo tipo de partilha que envolve
(união física), e não apenas pelo grau (a maior), reconhecer as uniões
inférteis em nada diminui a amizade ou faz com que a intimidade
espiritual pareça descabida.
  

Na prática, muitos casais considerados inférteis acabam tendo lhos,


para quem é vantajoso que seus pais estejam em um casamento
saudável; em qualquer caso, o esforço para determinar a fertilidade
exigiria invasões de privacidade injustas. (Este é, presumivelmente, um
ponto comum com os revisionistas, que não concordariam, por
exemplo, em investigar o nível de afeto de um casal antes de se lhes
conceder uma licença de casamento, por mais profundamente que
mantenham a visão de que é a intimidade emocional que constitui o
casamento).

Além disso, mesmo um casal obviamente infértil pode viver as


características do verdadeiro casamento e, assim, contribuir para uma
forte cultura matrimonial. Isso torna os casais que conseguem
conceber mais propensos a formar um casamento e a cumprir suas
normas. Isso, por sua vez, garante que mais crianças sejam criadas por
seus pais biológicos casados um com o outro. Por causa de mortes e
tragédias, é impossível zerar as demandas, pelo que a adoção é uma
bênção. Mas numa cultura conjugal mais saudável haveria menos
demandas.

Na verdade, o não reconhecimento das uniões de casais inférteis


talvez seja uma violação do princípio da igualdade a que apelam os
revisionistas, uma vez que tanto os casais inférteis como os casais
férteis podem formar uniões do mesmo tipo: casamentos verdadeiros,
uniões integrais. Na ausência de fortes razões para tal, este tipo de
tratamento diferenciado seria injusto.

  

Finalmente, reconhecer apenas os casamentos férteis seria sugerir que


o casamento só tem valor como um meio para os lhos — e não pelo
que realmente é, como um bem em si mesmo. Assim, há pelo menos
um propósito melhor servido pelo reconhecimento dos casamentos de
casais inférteis do que pelo reconhecimento apenas das uniões
fecundas: recordar-nos a verdade, crucial para a existência geral de
casamentos saudáveis e estáveis, de que o casamento tem valor em si
mesmo.

Assim, embora a visão matrimonial não restrinja as certidões de


casamento aos cônjuges que têm lhos, o seu sucesso tenderia a
limitar os lhos às famílias che adas por um casal e a contribuir para a
estabilidade dos casamentos. Portanto, não existe uma distinção fácil
entre os propósitos morais da legislação do casamento e a sua utilidade
social. Quanto mais casais (incluindo os inférteis) espelharem, através
das suas vidas, a verdade sobre as exigências do casamento, mais
saturados dessas verdades caremos todos, para que mais famílias com
lhos permaneçam intactas. À medida que estas verdades diminuam,
o mesmo se dará com nossas perspectivas enquanto cultura.

A injustiça das proibições ao casamento


inter-racial
Os revisionistas muitas vezes equiparam as leis do casamento
tradicional com leis que proíbem o casamento inter-racial. Segundo
eles, as pessoas não podem controlar a sua orientação sexual, tal como
a cor da sua pele;154 não existe, portanto, uma base racional para
distinguir os relacionamentos segundo ambos os critérios: a liberdade
de casar com a pessoa que amamos é um direito fundamental.155 O
Estado discrimina parcerias entre pessoas do mesmo sexo,
interferindo com este direito básico, recusando-lhes assim a sua
proteção imparcial.156 Os defensores deste argumento veem-no como
decisivo e quase evidente.

A rmamos como verdadeiro, e de fato evidente, que todos os seres


humanos têm igual dignidade moral, iguais direitos básicos perante a
lei e um direito à justiça contra todas as discriminações injustas. Este
princípio abrange homens atraídos por homens e mulheres atraídas
por mulheres, bem como homens e mulheres inclinados ao poliamor,
assim como abrange ruivos e pessoas nascidas às terças-feiras. Mas
não confere qualquer direito ao reconhecimento legal dos
relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo (ver capítulo 6). A
analogia com os casamentos inter-raciais, em particular, falha por
muitas razões. Pelo menos duas são verdadeiramente decisivas.

Primeiro, os oponentes do casamento inter-racial não negavam que


fosse possível ocorrer o casamento (entendido como uma união
consumada por atos conjugais) entre negros e bran cos, assim como os
segregacionistas não argumentavam que alguma característica dos
bebedouros exclusivos para brancos tornava impossível que os negros
bebessem deles. O objetivo das leis antimiscigenação nos Estados
Unidos era impedir que a possibilidade genuína do casamento inter-
racial fosse realizada ou reconhecida, a m de manter a supremacia
branca. Muitos estados recusaram-se a reconhecer casamentos entre
escravos negros por semelhantes razões ligadas à supremacia branca; e
os casamentos entre membros de duas raças não brancas diferentes,
que não tinham qualquer efeito sobre a supremacia branca, eram
geralmente permitidos.157

Em contrapartida, o debate atual centra-se precisamente sobre se o


tipo de união com as características essenciais do casamento pode
existir entre dois homens ou duas mulheres. Os revisionistas não se
contentariam com, deixando intacta a nossa compreensão básica do
casamento, simplesmente expandir o conjunto de pessoas elegíveis ao
casamento (como muitos estados zeram ao permitir que os escravos
se casassem). Eles pretendem expurgar a visão conjugal matrimonial
da nossa legislação e substituí-la pela visão revisionista. Eles
pretendem que o casamento civil deixe de ser uma união integral,
tornando-se uma união emocional, para a qual o sexo não tem valor
maior que o do sentimento que promove; com a qual a procriação não
está mais especi camente relacionada do que uma conversa profunda
ou a prática do badminton, exceto na medida das preferências dos
cônjuges; na qual a permanência e a exclusividade são opcionais.
Em segundo lugar, embora a história leve à conclusão de que as leis
antimiscigenação foram motivadas por hostilidade ou animosidade,
ela descarta esta explicação no caso das leis conjugais tradicionais.
Sim, os atos homossexuais foram amplamente condenados durante
séculos no Ocidente, e ainda o são por muitas pessoas e tradições
religiosas. Mas os atos análogos entre marido e mulher também foram
(e são). Os fundamentos da nossa legislação conjugal não permitiam
que os casamentos fossem consumados por nenhum outro ato que não
o coito, mesmo entre um homem e uma mulher legalmente casados.
Esses princípios básicos são muito anteriores à medicalização da
homossexualidade no século  e à subsequente ascensão da
identidade cultural gay, para nem mencionar a rebelião de Stonewall.
Em algumas culturas, como na Grécia Antiga, somente as uniões entre
sexos opostos eram reconhecidas como casamentos, embora o
homoerotismo fosse celebrado. Só a ignorância destes fatos poderia
sustentar a ideia de que a nossa legislação matrimonial e a de todas as
outras culturas foram moldadas por uma implicância contra os gays.

A analogia com a antimiscigenação também erra ao se basear na falsa


suposição de que qualquer distinção é uma discriminação injusta.
Suponhamos que os incidentes legais do casamento fossem
disponibilizados a todos os casais românticos exclusivos e
comprometidos. Ainda estaríamos, pela lógica dos revisionistas,
segundo a qual é o amor que realiza o casamento, discriminando
aqueles que procuram uniões abertas, expressamente temporárias,
políginas, poliândricas ou poliamorosas. A nal, as pessoas podem
sentir desejo sexual e romântico por múltiplos parceiros,
simultaneamente ou em série. Elas são livres para agir ou não de
acordo com seus desejos sexuais, mas o mesmo vale para todos nós.

Então, por que não reconhecer as uniões abertas, temporárias ou


poliamorosas? Os revisionistas poderão responder que as pessoas
deveriam ser livres de entrar em tais relacionamentos, mas que elas
não merecem reconhecimento legal. Por quê? Alguns poderão
responder que isso teria consequências sociais negativas. Nós lhes
respondemos no capítulo 3. Mas muitos se juntarão aos defensores da
conjugalidade matrimonial ao responder que o casamento, como tal,
simplesmente não pode assumir essas formas, ou só pode fazê-lo
imoralmente. Reconhecer estas relações como casamentos seria,
dependendo do caso, confuso ou imoral.

Quem quer que responda desta forma — e muitos de ambos os lados


o fazem — deve aceitar três princípios.

Primeiro, o casamento não é uma construção jurídica com contornos


totalmente maleáveis — não é “apenas um contrato”. Em vez disso,
algumas relações sexuais são exemplos de um tipo distinto de vínculo
que tem seu valor e estrutura próprios, que o Estado não inventou e
não tem poder para rede nir. Como argumentamos no capítulo 1, os
casamentos são, tal como a relação entre pais e lhos ou entre as partes
numa promessa comum, realidades morais que criam privilégios e
obri gações morais entre pessoas, haja ou não coercitividade legal.
Quaisquer que sejam as realidades práticas que possam levar o Estado
a reconhecer o casamento (por exemplo, as necessidades das crianças),
o Estado, uma vez envolvido, deve entender o casamento
corretamente, de modo a não obnubilar a forma deste bem humano.

Assim, quando alguns estados proibiram o casamento inter-racial,


isso foi uma tentativa de impedir que pessoas formassem casamentos
verdadeiros ou de lhes negar o estatuto legal. E se o Estado conferisse o
mesmo estatuto a um homem e aos seus dois amigos mais próximos
(seja qual for o sexo), isso não os tornaria casados. Seria dar o título de
casamento civil a algo que, na verdade, não é casamento de forma
alguma.

Em segundo lugar, o Estado só tem o direito de reconhecer os


casamentos verdadeiros. Às pessoas que (por quaisquer razões) não
podem contrair casamentos propriamente ditos não é negado o direito
ao casamento, mesmo quando não conseguem controlar os fatores que
as mantêm solteiras.
Todo reconhecimento legal divide o mundo em dois: o que é
reconhecido e todo o restante. As leis que distinguem o casamento de
outros vínculos sempre deixarão de fora alguns arranjos. Não se pode
avançar um centímetro no sentido de mostrar que a política
matrimonial viola a igualdade, sem primeiro mostrar o que o
casamento é e por que essa de nição deveria ser reconhecida
legalmente. Isso estabelecerá quais critérios (como o grau de
parentesco) são relevantes e quais (como a raça) são irrelevantes para a
política matrimonial. Estabelecerá quando algo ainda não reconhecido
é de fato casamento, e quando o que está excluído é algo
completamente diferente (revisitaremos e desenvolveremos este ponto
no capítulo 6).

Em terceiro e último, não existe um direito geral de casar com a


pessoa que se ama, se com isso se quer signi car o direito de ter
qualquer relação consensual reconhecida como casamento. Existe
apenas um direito geral de não ser impedido de contrair um
casamento verdadeiro.

Em suma, não existe uma linha direta entre o princípio da igualdade


e o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. A igualdade exige
tratar equanimemente casos equiparáveis. Para saber quais são
considerados “equiparáveis”, temos que saber o que é o casamento e
como seu reconhecimento auxilia a sociedade. Mas para estas
questões, a visão matrimonial tem respostas superiores: é mais
consistente com as nossas convicções sobre este bem humano
(capítulos 1 e 2), e melhor para a sociedade (capítulo 4). Portanto, o
argumento da igualdade é incorreto.

 : U 



O casamento é uma união integral. O Estado tem excelentes motivos
para reconhecê-lo e excelentes motivos para adotar a visão correta
sobre ele. Estas razões estão enraizadas não em alguma ideologia
obscura ou interesse pessoal mas, diversa e profundamente, na
natureza humana e no bem comum de toda a sociedade, revelados
pela razão e pela experiência. Esses têm sido nossos temas.

Como salientamos, muitos homens e mulheres que se sentem


atraídos por pessoas do mesmo sexo — incluindo alguns em
relacionamentos gays ou lésbicos — concordam com a nossa
conclusão.158 Alguns fazem-no porque se opõem a que as uniões
homossexuais sejam moldadas numa fôrma concebida para maridos e
esposas,159 mas outros citam razões idênticas ou muito semelhantes às
que oferecemos.160

Mesmo assim, você pode temer que quaisquer vantagens obtidas pela
visão matrimonial para muitos são conquistadas a um custo cruel para
uns poucos. Se concordássemos, não apenas lamentaríamos as nossas
conclusões, mas também as retrataríamos. Nenhum bom argumento
começa por desconsiderar os interesses de alguém, nem termina numa
política que faça isso. Mas a visão conjugal não exige tal coisa.

O que poderíamos chamar abreviadamente de “objeção à crueldade”


— ou, em termos positivos, “o argumento da compaixão” — é difícil de
condensar em alguns pontos. Se abordar as suas preocupações uma a
uma parece diminuir sua relevância, é apenas porque, embora sérias,
elas foram misturadas no nosso discurso público, cada uma delas
sendo acelerada e reforçada pelas outras. Nós as isolamos, aqui, para
dar atenção constante a uma de cada vez.

O casamento é uma fonte de grande alegria para a maioria das


pessoas. A maioria dos cônjuges conta amplamente com os benefícios
práticos garantidos por lei. Devido à importância social do casamento,
a legislação conjugal pode ser usada para reforçar um esquema mais
amplo de opressão, como aconteceu durante décadas no Sul dos
Estados Unidos.
Assim, a objeção aqui considerada acusa a legislação do casamento
tradicional de prejudicar a realização pessoal, os interesses práticos e a
reputação das pessoas que se sentem atraídas por seu próprio sexo.
Cada uma destas alegações foi, em algum momento, o principal
argumento a favor do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo
apresentado ao público. Nós os trataremos aproximadamente na
ordem em que eles predominaram.

Necessidades práticas
Andrew Sullivan questiona um de nós:

Também me parece importante perguntar a George o que ele propõe


que se ofereça aos casais gays. Ele acredita que deveríamos ter meios
de deixar propriedades uns para os outros, sem que demais membros
da família nos impeçam? Que deveríamos poder visitar uns aos
outros no hospital? Que deveríamos ser tratados como responsáveis
imediatos em questões médicas, legais, de custódia ou de
propriedade? Ou receber o mesmo status scal que os casais
heterossexuais? Esses detalhes são importantes para pessoas reais que
vivem vidas reais.161

Observe que os benefícios citados não têm nada a ver com o fato de
um relacionamento ser, de fato ou presumivelmente, sexual.
Suponhamos que a legislação conceda estes benefícios agrupados
como uniões civis a dois homens numa parceria sexual. Não deveria
concedê-los também a dois irmãos solteiros comprometidos a
partilhar uma casa? Ambas as ligações difeririam sob muitos aspectos,
mas qual desses aspectos faria com que, no caso de uma delas, as
isenções scais ou os direitos de herança fossem menos adequados?
Ambas envolveriam a partilha de encargos domésticos e a construção
daquele tesouro comum de memórias, simpatias e con ança mútua
que faz de cada um o melhor representante do outro nas emergências,
o seu herdeiro principal na morte, e assim por diante.
Além disso, na medida em que o nosso objetivo é proporcionar às
uniões românticas homossexuais acesso imediato a benefícios
importantes, tal esquema seria mais e ciente. Poderia ser
disponibilizado até mesmo para parceiros do mesmo sexo que não
quisessem comparar as suas uniões a uniões conjugais heterossexuais
— uma assimilação que faz com que alguns parceiros do mesmo sexo
vejam o casamento civil gay como uma “bênção discutível”, se é que
chega a ser uma bênção.162

É claro que uma política que, mediante solicitação, concedesse


benefícios legais a quaisquer dois adultos — fossem parceiros
românticos, irmãs viúvas, monges celibatários coabitantes — não
proporia uma de nição rival para o casamento, nem causaria os danos
das políticas que fazem isso (ver capítulo 4), e por isso não limitaria os
benefícios aos relacionamentos presumidamente sexuais. Não temos
objeções de princípio a tais uniões civis “sexualmente neutras”.163

Normalmente, as pessoas podem obter esses benefícios de forma


privada; emitindo procurações, por exemplo, direito que, em nossa
opinião, jamais deve ser limitado. Portanto, antes de promulgarmos
uniões civis neutras em termos de sexo, deveríamos considerar: a que
bem comum especí co elas serviriam? Será que este bem dependeria
de que se policiasse o acesso a e o abandono de tais uniões, motivo
pelo qual existe a regulamentação? Sua existência permitiria diluir o
estatuto especial do casamento civil? A formalização de uniões
sexualmente neutras pode ser mais útil quando falta às pessoas o
conhecimento ou recursos necessários para fazer acordos privados.
Mas se tal proposta sobrevive às nossas objeções à rede nição do
casamento civil, é porque ela não constitui uma verdadeira rede nição
do casamento civil.

Dano à dignidade
Todos nós temos mais do que interesses materiais. Sendo iguais em
dignidade, devemos ser vistos como iguais perante a lei e os seres
humanos, nossos semelhantes. Mesmo que os parceiros homossexuais
possam tratar de suas necessidades materiais em estados que possuem
leis conjugais tradicionais, será que essas leis diminuem o seu estatuto
social ao reconhecerem as relações dos outros, mas não as deles?

Cada um de nós tem, com inúmeras pessoas e de inúmeras maneiras,


relacionamentos que não têm estatuto legal, e ninguém considera isso
uma ofensa à dignidade social. Para que esta objeção funcione,
precisamos ser especí cos: as pessoas são estigmatizadas quando os
seus casamentos não são reconhecidos, enquanto outros são.

A objeção em si não fornece, portanto, nenhum argumento


independente para o revisionismo. Somente funciona se essa visão for
correta por si mesma. Se, em vez disso, há pares em relacionamentos
românticos que não são verdadeiros casamentos, então não reconhecê-
los não constitui maior ofensa à igualdade que não reconhecer os
relacionamentos entre colegas de quarto, pessoas que têm conversas
profundas ou trios romanticamente comprometidos. Até mesmo a
aparência de desigualdade seria tão difundida quanto a visão
revisionista. À medida que prevalece a visão matrimonial, a força desta
preocupação diminui.

Agora assumamos, mesmo que só por um momento, a visão


matrimonial. Nesta perspectiva, torna-se claro que, num sentido
profundo, o Estado não pode casar dois homens ou duas mulheres.
Pode, sim, conceder às pessoas que vivem juntas certos incidentes
jurídicos; e pode (e deve, na nossa opinião) permitir-lhes estabelecer
acordos jurídicos privados. Pode até tratar os relacionamentos entre
pessoas do mesmo sexo e os entre pessoas do sexo oposto como se
fossem iguais em todos os aspectos importantes; mas não pode torná-
los iguais. É por isso que, ao preservar a visão matrimonial, não
estamos negando aos parceiros homossexuais ou poliamorosos o
acesso ao casamento.164

Independentemente do que o Estado diga, por outras palavras,


nenhuma relação grupal ou entre pessoas do mesmo sexo incluirá a
união física orgânica, ou encontrará a sua realização inerente na
procriação, ou exigirá, independentemente das preferências pessoais
dos parceiros, o que estas duas características exigem: compromisso
permanente e exclusivo. A mera vontade legislativa também não pode
esvaziar estas diferenças de seu sentido, ou fazer com que desrespeitá-
las não arrisque o bem comum.

Rede nir o casamento civil signi ca fazer de conta que isso é


possível. Mas este faz de conta — para dois homens, ou para um
homem e uma mulher com obrigações que os impedem de se
comprometer totalmente, ou com muito pouco interesse de se
comprometerem sexualmente, ou demasiado interesse em outras
pessoas — seria, na melhor das hipóteses, uma “mentira nobre” e, na
pior, um esforço paternalista para proteger as pessoas da verdade sobre
o casamento. Tal como usar cartilhas nacionalistas para tentar vencer
uma guerra justa (prejudicando assim a causa da verdade), tal política,
como meio para atingir objetivos honestos, ofuscaria um bem básico:
o casamento (ver a primeira seção do capítulo 4). E sua duvidosa
vitória para a dignidade social seria conquistada à custa de outros bens
públicos (ver capítulo 4).

Mas não nos detenhamos na letra desta objeção, perdendo de vista


seu espírito. Não há como negar a longa e trágica história de crueldade
contra pessoas (especialmente homens, mas de forma alguma apenas
homens) atraídas por membros do seu próprio sexo. Eles enfrentaram
ridicularização, discriminação e coisas piores. Assim, um revisionista
poderia perguntar: mesmo que as leis tradicionais sobre o casamento
não sejam injustas, a proposta revisionista poderia proteger certas
pessoas vulneráveis contra maus-tratos para os quais infelizmente
existe um histórico precedente signi cativo?

Não estamos convencidos de que aqueles que são movidos pelo ódio
seriam tocados por mudanças na legislação conjugal. Pensamos que,
para este efeito, a lei constitui um instrumento contundente:
reformulá-la traria os efeitos nocivos não intencionais que discutimos;
e fazê-lo precisamente para assinalar quais indivíduos são normais
poderia marginalizar ainda mais aqueles que, por qualquer razão,
permanecessem solteiros.

No entanto, não podemos excluir que alguns possam —


incorretamente, como demonstramos — apenas considerar que as leis
conjugais tradicionais re etem a crença deplorável de que as pessoas
que se sentem atraídas pelo mesmo sexo não têm direito a direitos
iguais, ou que os seus interesses têm menos importância. Mas estes só
chegariam a esta inferência daninha se pensassem que as relações
entre pessoas do mesmo sexo realmente são casamentos, de modo que
a única razão possível para a sociedade não reconhecê-las só poderia
ser o fato de os próprios parceiros serem de alguma forma indignos.

Assim, onde prevalece a lei conjugal matrimonial, uma maneira de


refutar qualquer noção de que as pessoas atraídas pelo mesmo sexo
tenham menos importância é precisamente promover a visão conjugal:
deixar claras as suas razões para que o casamento exija
complementaridade. Quanto melhor as pessoas entendessem essas
razões, menos interpretariam a legislação, erroneamente, como um
endosso à animosidade, que é uma força a ser rejeitada
independentemente de quem visa e não importa quão digna seja a
teoria moral que ela sequestra em sua busca de respeitabilidade.

Realização pessoal, reconhecimento


público
A objeção mais comum e mais veemente apresentada hoje contra as
leis conjugais tradicionais as acusa de in igir um dano que escapa a
rótulos tão fáceis como “materiais” ou “sociais”. Parece tratar-se de um
dano emocional, psicológico e até espiritual: um vazio na alma que só
as alegrias do casamento poderiam preencher. A legislação conjugal
tradicional não causa esta privação às pessoas que se sentem atraídas
pelo mesmo sexo?

Especi quemos a objeção para respondê-la completa e diretamente.


Numa era altamente móvel, carecemos de continuidade. Nossos
cônjuges, parceiros permanentes do café da manhã, fontes con áveis
de interesse e afeto, também seus objetos, nos ancoram. O que fazemos
sozinhos entusiasma menos do que o que partilhamos: os cônjuges são
testemunhas da nossa vida adulta; eles são nossos diários vivos e
dinâmicos. Precisamos de consolo e conselhos informados: os
cônjuges têm licença para sondar o nosso passado e presente e as
nossas ambições mais privadas. Desejamos a segurança de alguém que
nos socorra nas emergências, nos aconselhe nas di culdades, esteja ao
nosso lado nas derrotas e transforme cada vitória pessoal num assunto
a dois. Normalmente, são os cônjuges que oferecem todos esses bens.

Além disso, o próprio casamento é uma escola de virtude. Conforme


o medo dá lugar à entrega, e a alegria da entrega dá lugar ao esforço e
depois à serena familiaridade, amadurecemos. Nosso ego, estendido
sobre os vales e montanhas da vida de outra pessoa, é revelado.
Aprendemos a dar, cada vez mais, aquilo que queremos dos nossos
cônjuges. Nas férias e nas vigílias ao lado do leito, nos grandes projetos
e nas modestas abnegações, nossos cônjuges despertam em nós novas
excelências, de alguma forma fazendo-nos sentir o tempo todo que
estamos mais à vontade e somos mais nós mesmos quando os temos
por perto.

Agora, pergunta o revisionista, devemos negar tudo isto a milhares de


homens e mulheres?

Não devemos e não negamos. Sejam todos estes ideais de


companheirismo igualmente desejáveis, seja ou não adequado buscá-
los num único vínculo, e todos especi camente no casamento, o
desejo geral que os anima — o de conhecer e servir alguém que nos
conhece e nos serve — é o desejo de amar. Nenhum objetivo é mais
nobre.

Mas a legislação conjugal tradicional não nega estes ideais de


companheirismo a ninguém. Não desencoraja ninguém, nem mesmo
impede que outras pessoas encorajem outros quaisquer. Torna mais
fácil encontrar muitos desses ideais fora do casamento. E mesmo que
os laços de companheirismo pudessem ser prejudicados pela falta de
algum estatuto público, não se segue que seriam prejudicados pela
falta de um estatuto legal. Surpreendentemente, portanto, uma das
mais comuns e mais fortemente sentidas objeções à política conjugal
matrimonial é também uma das mais fáceis de responder. A legislação
simplesmente tem muito menos a ver com o assunto do que
normalmente é suposto. Podemos falar um pouco mais sobre isso.

Note-se primeiro que, independentemente da forma como o debate


sobre o casamento for resolvido, dois homens ou duas mulheres
continuarão livres para viver juntos, com ou sem relação sexual ou
cerimônia de casamento. Enquanto isso, a prisão ainda aguardará os
bígamos. O debate sobre o casamento civil entre pessoas do mesmo
sexo não trata do comportamento privado de ninguém, mas do
reconhecimento legal. A decisão de honrar a conjugalidade
matrimonial não proíbe nada.

Mas também não desencoraja o companheirismo. Na verdade, seria


uma falha de imaginação moral e espiritual supor que os ideais de
companheirismo não possam ser realizados sequer em laços não
conjugais profundos (ver o capítulo 4 sobre amizade não conjugal).
Não reconhecer certos relacionamentos como casamentos civis não
tornará as pessoas mais solitárias, a menos que adotemos a ideia
revisionista de que o que de ne o casamento é a intimidade
emocional, de modo que é socialmente inaceitável procurar
companhia fora dele. Também aqui, portanto, a solução é promover, e
não suprimir, a visão conjugal; opor-se à concepção revisionista do
casamento como nada mais que o vínculo mais íntimo.165 A visão
conjugal nos liberta para o companheirismo.

Isto começa a abordar a questão frequentemente levantada sobre o


que as pessoas solteiras deveriam fazer, dado o valor pessoal especial
do casamento. Como qualquer outra pessoa, seria bom se elas
tivessem relacionamentos profundos e grati cantes. Seria bom se elas
bebessem as melhores cervejas e comessem os mais suculentos bifes, se
quisessem. Seria bom se elas se dedicassem à arte, à aventura, ao
serviço, ao ministério religioso, à música, à escrita ou a qualquer uma
das milhares de outras maneiras de aumentar a quantidade de beleza e
amor presentes no mundo. Seria bom se elas, como qualquer outra
pessoa, vivessem rica e generosamente. Não há dois casos em que isso
signi que a mesma coisa; e nenhum caso em que a legislação conjugal
matrimonial limitaria as opções de alguém.

É claro que todos nós precisamos viver em comunidade e, neste


aspecto, algumas pessoas enfrentarão mais di culdades do que outras.
Assim, os jovens que experimentam o desejo pelo mesmo sexo podem
sofrer com o isolamento, quando os seus contemporâneos despertam
para o sexo oposto pela primeira vez; podem se sentir confusos a
respeito de seus próprios novos sentimentos; ser humilhados por
agressores, se falarem demais; e carregar o terrível fardo de um
segredo, se não falarem. Pais, professores e amigos devem ser sensíveis
a essas di culdades.

Como parentes, colegas de trabalho e vizinhos, devemos lembrar que


as di culdades sociais não se limitam aos jovens. Seja o que for que
impeça algumas pessoas de viver relacionamentos legalmente
reconhecidos — seja qual for a política conjugal — é nosso dever lutar
contra qualquer tratamento arbitrário ou abusivo dispensado a essas
pessoas, com a mesma força e diligência com que nos oporíamos às
discriminações injustas baseadas em raça ou sexo. Devemos enxertar
em outras formas de comunidade — como amigos, companheiros de
culto, vizinhos, parceiros próximos em causas comuns, membros de
fato de nossas famílias e irmãos mais velhos de nossos lhos, e
convidados naturais e assíduos em nossas casas — as pessoas que
sofrem com o isolamento.

Poderíamos fazer todas estas coisas — e de fato, se assim o


quiséssemos, promover as uniões homossexuais como um caminho
para a realização pessoal — e ainda assim favorecer o reconhecimento
exclusivo da união entre um homem e uma mulher como casamento
civil. David Blankenhorn a rma explicitamente “a igual dignidade do
amor homossexual” num dos livros mais notáveis em defesa das leis
conjugais tradicionais.166 , 167 Um relacionamento pode ser de imenso
valor sem necessitar, para isso, do reconhecimento do Estado —
especialmente se tal reconhecimento geraria efeitos colaterais
prejudiciais, como Blankenhorn acredita que a rede nição do
casamento civil geraria em relação aos lhos.

Quanto à preocupação de que a lei do casamento tradicional, se não


proíbe ou desencoraja o companheirismo, pelo menos prejudica certas
expressões dele, privando os companheiros do reconhecimento
público: as pessoas, com razão, apreciam que seus laços, não apenas os
românticos, sejam publicamente conhecidos. Apelidos e nomes de
equipes, expressões idiomáticas e piadas internas, passeios e
colaborações, projetos conjuntos e pactos servem tanto para construir
uma amizade quanto para torná-la notória. No entanto, ninguém
propõe reconhecer amizades por lei. Pois é claro que a notoriedade,
que pode muito bem ser importante para os nossos vínculos, não
requer um estatuto legal; e mesmo entre vínculos valiosos, o Estado
deve manter distinções claras nos casos em que a ambiguidade
prejudicaria o bem comum.

Finalmente, você pode querer que a legislação não apenas saia do


caminho do companheirismo, mas também que o incentive. Mas,
dentre todas as formas que o companheirismo pode assumir, qual deve
ser destacada e por quê? Só faz sentido reconhecer legalmente o que
faz sentido regulamentar: reconhecimento e regulação são
inseparáveis. A lei, que trata de generalidades, só pode regulamentar
relações com uma estrutura de nida. Tal regulamentação só se
justi ca quando há mais do que interesses privados em jogo e quando
não obscurece as distinções entre os vínculos dos quais o bem comum
depende. Como demonstramos, o único vínculo romântico que atende
esses critérios é o casamento, o casamento matrimonial.

***
Talvez a nossa resposta a esta objeção, neste momento, pareça
excessiva. Se as necessidades materiais dos parceiros do mesmo sexo
podem ser satisfeitas, se a sua igual dignidade social pode ser
defendida, se vários dos seus laços podem até gozar de notoriedade
pública, poder-se-ia perguntar: que diferença poderia fazer se as suas
relações fossem reconhecidas legalmente? Que bem esperam
conseguir os defensores da conjugalidade matrimonial ao negarem
exatamente isso?

Mas perguntar isto é assumir, erradamente, que a visão matrimonial


se preocupa em atacar os relacionamentos homossexuais. O que nos
preocupa é a rede nição do casamento, e não qualquer concessão
especí ca de benefícios. O que queremos evitar são os danos que essa
rede nição causa ao bem comum.

Isso nos leva ao ponto com o qual começamos este livro. Nosso
argumento não foi sobre a homossexualidade, por mais importante e
controverso que seja esse assunto. Em primeira e última análise, o que
debatemos — o que defendemos — é o casamento.

C
C onsagrar a visão matrimonial violaria a neutralidade moral ou
religiosa? Há um motivo pelo qual deixamos a análise desta
objeção por último. Até agora, como foi prometido na Introdução,
defendemos a defesa ou a restauração da visão conjugal do casamento
e abordamos muitas objeções teóricas e práticas a ela, sem qualquer
apelo à revelação ou à autoridade religiosa. Isto re ete uma diferença
crucial entre o casamento e os dogmas e práticas religiosos: doutrinas
como a Trindade ou a Encarnação, a iluminação do Buda, batismos,
bar mitzvahs, jejum e oração. Ao contrário destas questões, o bem
humano do casamento e a sua relação com o bem comum podem ser
compreendidos, analisados e discutidos sem apelar a qualquer
teologia.

A maioria das religiões tem cerimônias para reconhecer casamentos e


ensinar a visão matrimonial ou algo muito parecido. Muitas pessoas
são motivadas a apoiar a visão matrimonial por razões que incluem
razões religiosas. Mas o mesmo se aplica à visão revisionista. Portanto,
estes fatos não podem decidir qual visão deve ser consagrada na
legislação.

Mesmo assim, diriam alguns, consagrar a visão matrimonial, como


muitas sociedades têm feito há séculos, é privilegiar uma crença moral
que, nos dias que correm, tornou-se controversa. Mais uma vez, este
argumento excluiria igualmente a visão revisionista. Ambas as visões
fazem alegações sobre quais relacionamentos devem ser honrados e
encorajados como casamentos — e, por implicação, quais
relacionamentos não devem ser assim reconhecidos. A visão
revisionista, pelo menos na versão atualmente mais representada nos
debates públicos, honraria e privilegiaria tanto as uniões monogâmicas
heterossexuais como as do mesmo sexo, mas não as uniões
poliamorosas. E ambas as opiniões são contestadas. Não existe uma
política conjugal neutra.

Mas isso é verdade não apenas no caso do casamento. Há outras


políticas cujas de nições também exigem a tomada de posições morais
controversas em questões onde teologias entram em con ito: ação
a rmativa, aborto, suicídio assistido e eutanásia, alívio da pobreza,
pena de morte, tortura, dissuasão nuclear e muito mais. Isso não
signi ca que o Estado deva manter silêncio sobre estas questões.
Signi ca, sim, que cabe aos cônjuges explicar uns aos outros as razões
das suas opiniões, com clareza e franqueza, como tentamos fazer aqui.

Um experimento mental cristalizará nosso argumento central.

Quase todas as culturas, em todos os tempos e lugares, tiveram


alguma instituição que se assemelha ao que conhecemos como
casamento. Mas imagine que os seres humanos se reproduzissem
assexuadamente e que os descendentes humanos nascessem
autossu cientes. Nesse caso, alguma cultura teria desenvolvido uma
instituição parecida com a que conhecemos como casamento? É claro
que a resposta é não.

Nossa visão explica o porquê. Se os seres humanos se reproduzissem


assexuadamente, a união física orgânica seria impossível; nenhum tipo
de união teria qualquer relação especial com a geração e a educação
dos lhos; e as normas que estas duas realidades exigem seriam, na
melhor das hipóteses, características opcionais de qualquer
relacionamento, a serem observadas ou não, conforme a preferência
pessoal. Assim, as características essenciais do casamento — aquelas
relacionadas à união integral — não existiriam; não haveria nenhuma
necessidade humana de que o casamento fosse insubstituivelmente
capaz de preencher.

A percepção de que os vínculos entre duas pessoas fazem pouco


sentido e não são insubstituivelmente capazes de responder a
nenhuma necessidade humana além das uniões mente-corpo
inerentemente ordenadas à vida familiar apenas sublinha as
conclusões que defendemos: o casamento é um tipo de união moldada
pela sua integralidade e, portanto, entre outras coisas, preenchida pela
procriação e pela criação dos lhos. Só isto pode explicar as suas
características essenciais, que fazem menos sentido em outras relações.
Dado que o casamento satisfaz incomparavelmente necessidades
essenciais de uma forma tão estruturada, ele deve ser regulamentado
em prol do bem comum, que pode ser entendido à parte de
argumentos especi camente religiosos. As necessidades daqueles que
não podem casar com prudência, ou que não se casam (mesmo devido
a fatores que ocorrem naturalmente), e cujas relações são assim
justi cadamente consideradas como de natureza diferente, podem ser
satisfeitas de outras maneiras.

A visão apresentada neste livro não é, portanto, um escambo cínico


entre o bem de alguns adultos e o de todos os demais. Também não há
aqui “meros argumentos” que confrontem as “necessidades concretas”
das pessoas. Rejeitamos ambas as dicotomias. O casamento entendido
como a união conjugal entre marido e mulher serve verdadeiramente
o bem dos lhos, o bem dos cônjuges e o bem comum da sociedade.
Diante da falha dos argumentos contra esta visão, do sucesso dos
argumentos a seu favor e da decisividade dos argumentos contra a sua
alternativa, temos como evidente a verdade da visão conjugal. Porque
a razão não é apenas uma ferramenta de debate para o fútil
espelhamento de posições em premissas, mas uma lente para colocar
em foco as características do orescimento humano.

: R 


   
G rande parte do nosso argumento gira em torno do que chamamos
de união física orgânica, e por isso é importante abordar eventuais
objeções.168 Aqui consideramos questões sobre a coerência e relevância
deste conceito.

Aplicamos o conceito de união física orgânica na seguinte passagem


do capítulo 2:

No coito, e somente no coito, os corpos de um homem e de uma


mulher entram, em virtude da sua complementaridade sexual, numa
coordenação que tem o propósito biológico de reprodução — uma
função que nenhum dos dois pode desempenhar sozinho. A sua ação
coordenada é, biologicamente, o primeiro passo (a parte
comportamental) do processo reprodutivo. Ao se envolverem nisso,
eles não apenas se tocam, mas se unem, como estão unidos o coração,
os pulmões e outros órgãos de uma pessoa: coordenando-se e
orientados a um bem biológico do todo que juntos eles formam.
Neste âmbito, o todo é o casal; o bem biológico singular é a sua
reprodução.

Em suma, o nosso argumento é que o casamento une as pessoas de


forma integral: isto signi ca, entre outras coisas, que os une em todas
as suas dimensões básicas. Mas as pessoas têm uma dimensão
corporal, e, portanto, o casamento inclui a união física. Dois órgãos
unem-se coordenadamente para um m biológico (sobrevivência) do
todo que juntos compõem (um organismo); da mesma forma, duas
pessoas se unem sicamente coordenando-se para um m biológico (a
reprodução) do todo que compõem como casal. É apenas no ato
reprodutivo que duas pessoas se tornam “uma só carne”, selando um
casamento. Mais precisamente, apenas no coito duas pessoas realizam
parte de um processo corporal inerentemente coordenado — isto é, se
unem física e maritalmente.

Alguns apresentaram, de um modo bastante genérico, a objeção


segundo a qual o conceito de união física é enviesado. Ou vão além
(por exemplo, atos sexuais solitários) ou cam muito aquém (por
exemplo, coito envolvendo um parceiro não dotado de gônadas). Mas
o clímax de um indivíduo por si só é um evento muito tênue para ser
considerado como coordenação de duas pessoas. O coito homem-
mulher, por outro lado, envolve inerentemente dois. E continua a ser
uma fase do processo coordenado de reprodução mesmo quando
condições acidentais ou externas ao ato (como a ausência de um órgão
interno) impedem que o processo chegue à sua conclusão. Mas os atos
sexuais não coitais (entre dois homens, duas mulheres, ou um homem
e uma mulher) não constituem nenhum estágio do processo de
coordenação física voltada à reprodução, ou qualquer outra coisa; não
são uniões físicas; portanto, não são atos conjugais.

Barry Deutsch tentou desenvolver esta crítica no blog Family


Scholars. Ele escreve:

1. Indivíduos adultos são naturalmente incompletos no que diz


respeito à reprodução sexual.
2. A reprodução só pode ser iniciada através do coito entre um
homem e uma mulher.

3. Assim, durante o coito, os corpos da mulher e do homem são


biologicamente unidos e tornam-se uma só carne.

De que modo o n. 3 é consequência do n. 1 e do n. 2? Resposta: De


modo nenhum.169

Deutsch a rma que o nosso argumento é um non sequitur porque


não há “nenhum sentido não metafórico em que os cônjuges se
tornem ‘uma só carne’” à luz do fato de que “o homem e a mulher […]
permanecem duas entidades separadas”, como pode ser con rmado
por uma “amostragem de ”.

É a a rmação de Deutsch contra nós que é um non sequitur. Deutsch


parece assumir que a ação biológica comum de um homem e de uma
mulher não pode torná-los biologicamente unidos (unidos em algum
aspecto), a menos que os torne completamente unidos (unidos em
todos os aspectos). Isto é claramente falso. A unidade orgânica pode
ser genuína sem ser absoluta: dois organismos podem ser
organicamente unidos para alguns propósitos, permanecendo
separados e autossu cientes em outros aspectos. Quer estejamos
falando de humanos ou de zebras, os membros individuais de
qualquer espécie mamífera são separados e autossu cientes no que diz
respeito à locomoção, digestão, respiração e muitas outras funções. No
que diz respeito à reprodução, contudo, os membros individuais não
são autossu cientes. Um macho ou uma fêmea é metade de um par
reprodutor potencial, cuja ação comum biológica (e, como tal,
orgânica) — ou unidade — no coito tem por característica a
capacidade de produzir descendentes.

O apelo de Deutsch à “amostragem de ” como prova de que não


há “nenhum sentido não metafórico” em que machos e fêmeas se
unam orga nicamente no acasalamento é incorreto. A identidade
genética não é o que constitui a unidade biológica (pense-se em pares
de gêmeos idênticos) — nem é, como mostraremos, sequer necessária
para a unidade biológica de qualquer tipo signi cativo. Em outro
lugar, Deutsch sugere que a unidade biológica requer “uma integração
física”. Mas a junção física não pode, por si só, ser considerada um tipo
signi cativo de união física, uma vez que pode muito bem incluir
“uniões” de animais amarrados uns aos outros pelas caudas, ou cujas
peles foram atadas cirurgicamente num ponto. Não haveria nada
moralmente signi cativo nestes casos de “integração física”.

O restante da postagem de Deutsch é ostensivamente um esforço


para encontrar um sentido em que o coito seja uma união física real.
Mas ele não precisava procurar muito. A nossa resposta estava na
mesma passagem que ele cita pela primeira vez: “[...] se unem como
estão unidos o coração, os pulmões e outros órgãos de uma pessoa:
coordenando-se e orientados a um bem biológico do todo que juntos
eles formam”.170

Assim, seguindo Aristóteles, alegamos que a coordenação em direção


a um m biológico comum une sicamente duas pessoas. Esta
concepção permite claramente a unidade biológica parcial, no que diz
respeito à coordenação para alguns, e não para outros, ns biológicos.

Pense em uma função biológica em humanos. Agora pense nas partes


que desempenham naturalmente um papel no cumprimento dessa
função e que se pode dizer, portanto, que estão coordenadas para o seu
cumprimento. A nossa a rmação é que existe um sentido signi cativo
em que as partes que acabamos de mencionar desfrutam de uma
unidade biológica, precisamente em virtude dessa coordenação
voltada a uma função biológica comum.

Se a função em que você pensou foi a locomoção, metabolismo,


respiração ou uma de muitas outras, então as partes em que você
pensou eram órgãos dentro de um único indivíduo; e a própria função
desempenha algum papel no serviço à vida biológica daquele
indivíduo. Mas se a função que você escolheu foi a reprodução, então
as partes em que você pensou não eram os órgãos de um único
indivíduo; e a função em questão servia ao bem biológico de um par
homem-mulher como um todo: a sua reprodução. O coito é o
processo pelo qual essa coordenação voltada a uma função biológica
comum — essa verdadeira, embora limitada unidade biológica — é
alcançada.171

Deutsch objeta que “não é verdade que todas as partes do nosso


corpo sejam ‘coordenadas’ […] para um propósito biológico comum
[…] [ou seja] a vida biológica”, e cita cabelos, marcas na pele e tumores
benignos. Mas estes exemplos reforçam o nosso argumento. Cabelo,
marcas na pele e tumores benignos — embora contíguos ao nosso
corpo — não estão biologicamente unidos a ele da mesma forma que,
digamos, o coração e os pulmões. Remover tumores ou marcas na pele
(ou qualquer cabelo) não afeta nosso funcionamento orgânico; é
precisamente por isso que fazer isso não é mutilação. (Nas próprias
palavras de Deutsch, “cada um deles poderia ser removido sem
qualquer custo biológico”). Se ainda existe um sentido em que eles são
partes do corpo de alguém — devido à sua contiguidade com ele —
isso apenas mostra que existem sentidos diferentes (mais e menos
importantes) pelos quais duas coisas podem ser unidas. Mas esse não é
um ataque contra o nosso argumento, uma vez que articulamos
precisamente o sentido que queríamos dizer.

Deutsch continua:

“Concordo amplamente com George que um casamento, em quase


todos os casos, requer uma união física e sexual para se tornar
completo. (Pode haver casais especí cos que sejam exceções, mas para
a esmagadora maioria dos casais, não será um verdadeiro casamento
sem união sexual)”.

Não está claro o que Deutsch quer dizer aqui. Se o casamento é um


bem humano com algumas características essenciais que se mantêm
independentemente dos participantes, então ou a consumação é uma
dessas características essenciais ou não é. Se for, então a segunda frase
de Deutsch é falsa; se não for, então sua primeira frase é enigmática.
Se, por outro lado, Deutsch pensa que não existem características
essenciais do casamento que se mantenham constantes entre os
possíveis cônjuges, então perguntamo-nos por que é que ele pensa que
o casamento exigiria até mesmo um compromisso mútuo (muito
menos um compromisso monogâmico ou exclusivo). Por que,
também, não pensaria ele que um bem tão maleável seria prejudicado
pelo reconhecimento legal, que impõe restrições uniformes a todos os
casamentos reconhecidos?

Talvez, então, Deutsch quisesse dizer que um certo tipo de prazer


mutuamente concedido é essencial para a unidade conjugal, e que é
isso que a maioria (mas não todos) dos casais consegue através do
sexo. Mas aqui, novamente, argumentamos que o prazer não pode ser
outro bem biológico em relação ao qual dois indivíduos são unidos
biologicamente por outras atividades sexuais que não o coito:

Por diversas razões, o prazer não pode desempenhar esse papel. O


bem deve ser verdadeiramente comum e para o casal como um todo,
mas estados mentais são particulares e bene ciam os parceiros, se é
que bene ciam, apenas individualmente. O bem deve ser corporal,
mas os prazeres como tais são aspectos da experiência. O bem deve
ser inerentemente valioso, mas os prazeres não são inerentemente
bons — considere, por exemplo, os prazeres do sadismo.172

Ignorando os nossos dois primeiros pontos, Deutsch diz sobre a


última frase:

[Isso] é um pouco como dizer “o parto não é um bem em si —


considere, por exemplo, o nascimento de Hitler”. Para qualquer bem,
pode-se imaginar um caso em que o bem é utilizado para ns
negativos; no entanto, se a de nição de bem for “o que nunca possa
ser usado para ns negativos”, então absolutamente nada nesta Terra
mortal é ou poderá ser bom. Isso é bobagem. No contexto certo (isto
é, não no caso de Hitler), o parto é um bem; e no contexto certo, o
prazer sexual também é um bem.
Nosso ponto não é que os prazeres sádicos sejam coisas
inerentemente boas, simplesmente usadas para propósitos ruins.
Primeiro, é uma confusão falar de prazeres sádicos sendo usados para
maus propósitos. É o contrário: os sádicos procuram o que é mau em
prol do prazer, que procuram, presumivelmente, pelo prazer em si. Em
segundo lugar, concordamos que as coisas boas podem ser distorcidas.
O que pretendíamos era que, nos prazeres sádicos, não é como se o
prazer em si fosse bom, apenas procurado por meios ilícitos. O prazer
obtido em coisas más é mau. E duvidamos que Deutsch discorde. Se
um homem tivesse prazer em passear pelos corredores de uma
enfermaria de oncologia pediátrica para ver crianças morrerem de
câncer, ninguém diria: “Bem, é uma pena que esse seja o gosto dele —
mas pelo menos ele teve prazer”. O prazer, considerado como um
estado de espírito, independentemente do seu objeto, não tem valor
próprio; ele compartilha da qualidade moral desse objeto. Agora, as
comunidades — como a amizade ou o casamento — são construídas
pela busca daquilo que é inerentemente valioso. Portanto, o casamento
não pode ser fundamentado na busca comum do prazer por si mesmo.
Os cônjuges devem alcançar algum bem (a união orgânica como
personi cação do seu compromisso), em que o prazer que sentem seja
então uma perfeição adicional. Esse é o nosso argumento.

A partir desses mal-entendidos, Deutsch chega rapidamente à sua


conclusão:

Mas, no fundo, O que é o casamento é um argumento baseado na fé.


George acredita, por uma questão de fé (tudo o que ele tem, já que
lhe faltam provas), que existe algo chamado “união física”, uma fusão
biológica dos corpos masculino e feminino, que ocorre apenas no
coito [...].

Mas basear a legislação na fé de Robert George numa mítica “união


física” não é uma ideia melhor do que basear a legislação na minha fé
em Mork, vindo de Ork. Robert George e seus companheiros de
viagem podem ter fé em uniões corporais mágicas, mas errariam
moralmente se nos obrigassem a assumir essa fé através do sistema
legal [...].

Mas agora estamos pisando em território ainda mais desconcertante.


Queremos uma sociedade em que os direitos civis das pessoas sejam
decididos, não pelo que é justo, não pelo que é pragmático, não pelo
que é equânime, mas por uma metáfora? As metáforas,
diferentemente dos fatos, podem mudar arbitrariamente.
Suponhamos que George opte por acreditar numa metáfora diferente
no próximo ano — uma metáfora que diz que a união integral só
pode ser alcançada por donos de cães, por exemplo. Seríamos então
obrigados a mudar as leis do casamento para excluir os donos de
gatos?

O deboche é o último recurso das argumentações sem salvação. Se


Deutsch tivesse realmente compreendido a nossa visão e produzido
um argumento válido contra ela, ele não teria necessidade de colocar
palavras na nossa boca (“fusão biológica”) ou de enfeitar a sua crítica
com termos desdenhosos (“míticas”, “mágicas”). Uma boa objeção
teria bastado. Mas uma dúzia de piadinhas não perfaz uma objeção.

O que Deutsch chama de “mito” mutável no cerne da lei do


casamento tem sido a sua pedra angular durante séculos. A nossa
tradição jurídica sempre entendeu o coito, e apenas o coito, como a
consumação (e, portanto, a plenitude) de um casamento, mas nunca
aceitou a infertilidade como motivo de anulação ou dissolução. Nosso
argumento pode dar amplo sentido a essa tradição de uma forma que
também leve em conta outras normas conjugais (como permanência e
exclusividade). E quanto a Deutsch? Qual é a base não arbitrária sobre
a qual ele fundamentaria estas normas (assumindo que as aceita), ao
mesmo tempo que rejeita a complementaridade sexual como parte
integrante do casamento?

A ação biológica comum do acasalamento não é um mito; é um fato.


Pergunte a qualquer zoólogo ou agricultor. A verdadeira questão é se o
acasalamento humano, precisamente em virtude da unidade que
realiza, é capaz de ter um certo tipo de signi cado moral. Pode ele dar
corporeidade e completar uma forma de relacionamento
inerentemente valiosa e integral — historicamente conhecida como
casamento — que é, como o próprio acasalamento, ordenada à
procriação? Nós argumentamos neste sentido. Se estivermos corretos,
então não apenas a complementaridade sexual, mas os outros
princípios conjugais estruturantes reconhecidos pela nossa tradição
jurídica — como a exclusividade sexual e o compromisso de delidade
“até que a morte nos separe” (em vez de, digamos, “enquanto durar o
amor”) — são inteligíveis e sólidos.

É verdade que, se o casamento exige a união física, então certos


(conjuntos de) pessoas que desejam formar um casamento (juntas)
não podem fazê-lo.173 Mas isso é verdade para todas as visões
conjugais. Qualquer visão plausível também permitirá que as pessoas,
com maturidade su ciente, possam e devam formar (entre si) outros
tipos de relacionamentos amorosos e duradouros.

É claro que, se o casamento é bom, então, em certo sentido, é


defeituosa a visão que levantar impedimentos a ele. Mas é importante
lembrar que o defeito estaria nos impedimentos, e não na visão em si
— presumindo que esta permanecesse defensável, dadas todas as
evidências. Da mesma forma, não é um demérito da visão revisionista
o fato de ela “excluir” do casamento pessoas que carecem, digamos, de
capacidade psicológica, ou de liberdade para assumir
responsabilidades e compromissos a longo prazo.

Além disso, esse defeito não é tão grande como pensa o revisionista.
Para os revisionistas, o casamento difere em grau dos outros laços —
sendo o tipo de comunhão mais valioso ou mais profundo — de modo
que aqueles que não se casam apenas contentam-se com algo menor.
Na visão matrimonial, para a qual o casamento é o paradigma de
realização de um tipo de intimidade entre outros, existem vários tipos
básicos de amor, cada um com sua escala característica e formas de
profundidade, presença e cuidado mútuos. Portanto, o grau máximo
da alegria da sociabilidade não é negado aos solteiros.
Acrescente-se que este defeito — visto nas suas verdadeiras
proporções, e rastreado às suas verdadeiras causas — não indica um
novo tipo de di culdade para a visão matrimonial (ou qualquer outra).
Se a psicologia de uma pessoa torna o casamento um ato imprudente
ou impraticável, não é menos ruim que outra pessoa que não consegue
encontrar um companheiro não possa casar-se, ou que um lho único,
ocupado a cuidar da sua mãe doente, não possa casar-se. Todas essas
são pessoas de igual dignidade, para quem o casamento seria uma
verdadeira realização, mas na prática é impossível, sem culpa delas
mesmas.

Eles ainda podem querer algo mais que envolva sentimentos


românticos e vida doméstica. E pode-se ter uma espécie de amizade
profunda que envolva esses elementos. O que defendemos é que a
união integral é crucial para dar sentido à conveniência e adequação
da combinação destas e de outras características do casamento e,
portanto, do valor distintivo de qualquer bem básico (além da
amizade) oferecido em sua proximidade. E que tratar fragmentos deste
bem como se fossem o todo tornará mais difícil que vejamos (e
vivamos) a sua unidade. Sobre isto, como vimos, os revisionistas
sinceros concordam cada vez mais: se a complementaridade sexual é
opcional, o mesmo acontece com todas as outras normas
distintamente conjugais.

***

É possível que uma análise tão detalhada da união física nos deixe
dessensibilizados e questionando qual poderia ser o sentido moral de
distinções tão sutis. Pode nos sugerir que rejeitemos não só este
padrão especí co de união física, mas a ideia de que a união física, seja
como for entendida, possa ser importante em si mesma e não apenas
pelos seus efeitos emocionais. Contra isto, argumentamos que o corpo
é uma parte real da pessoa, de modo que estender a unidade de duas
pessoas à sua dimensão física poderia, por si só, ter um signi cado
pessoal e moral; e que nenhuma outra visão pode explicar por que
apenas o sexo pode consumar um casamento.
Mas a mesma reação poderia ter uma causa totalmente diferente —
uma fadiga natural que, sendo comum após qualquer análise
minuciosa, não re etiria nos méritos desta. Todos sabemos, por
exemplo, que o consentimento é fundamental para a moralidade das
interações sexuais. Mas se gastássemos milhares de palavras
en leirando as sutis distinções entre o que conta e o que não conta
como consentimento (e há alguns casos muito difíceis), poderíamos
igualmente car insensíveis e precisando de algo que nos lembrasse —
nos afastando um pouco para uma visão geral, poderíamos dizer —
exatamente o motivo pelo qual o consentimento é importante, para
começar.

Poderíamos também car tentados a pensar que qualquer pessoa que


conduzisse uma investigação tão cuidadosa do consentimento
pensasse que ele é tudo o que importa, mas isto também seria um erro.
Da mesma forma, seria um erro inferir, a partir destas distinções sutis
sobre o que conta como união física real, qualquer abandono (em
princípio ou na prática) da visão integrada dos seres humanos como
totalidades corpo-mente.174 Na verdade, é justo o oposto: demos maior
atenção ao conceito de união física precisamente porque pensamos
que tanto a união mental-espiritual como a física são fundamentais
para o casamento, e que esta última tem sido, recentemente,
negligenciada.

Mantendo tudo isso em mente, pode-se de fato — como muitos


zeram, durante séculos — enxergar, no ato que une geração a geração
como um só sangue e homem a mulher como uma só carne, algo
moralmente distinto, até mesmo fabuloso, e crucial para o casamento.
N  R
1 Cf. https://portal.stf.jus.br/noticias/vernoticiadetalhe.asp?id conteudo=398482.

2 , Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil. 1999, p.
35-37.

3 Cf. https://www.camara.leg.br/noticias/1006272-comissao-aprova- projeto-que -proibe-o-


casamento -entre-pessoas-do-mesmo-sexo/ #:~:text=A%20Comiss%C3%A3o%20 de%20
Previd%C3%AAncia%2C%20 Assist%C3%AAncia, aos%20textos%20 apensados%20a%20ele.

4 , Ministro Luiz. ,  4277, p. 62, grifos meus. Disponível em https://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/ paginador.jsp?docTP=AC& docID=628635.

5 Ver Finnis, John M., “Law, Morality, and ‘Sexual Orientation’ [Lei, Moralidade e
“Orientação Sexual”], Notre Dame Law Review. 69 (1994): 1049, 1066; Finnis, John, “Marriage:
A Basic and Exigent Good [Casamento: Um Bem Básico e Exigente], e Monist. 91
(julho/outubro de 2008): 388–406. Veja também Lee, Patrick e George, Robert P., [Body-Self
Dualism in Contemporary Ethics and Politics O dualismo "corpo vs. eu" na Ética e Política
Contemporâneas]. Cambridge e Nova York: Cambridge University Press, 2008, 176–97.

6 Ver Macedo, Stephen, “Homossexuality and the Conservative Mind” [A homossexualidade


e a mente conservadora], Georgetown Law Journal. 84 (1995): 261, 279

7 Nos , o que equivaleria às nossas segundas instâncias não tem seus tribunais
distribuídos estadualmente, mas em circuitos que englobam certa quantidade de estados — .

8 Ver Oppenheimer, Mark, “A Gay Catholic Voice against Same-Sex Marriage” [Uma voz gay
e católica contra o casamento homossexual], New York Times, 4 de junho de 2010, http://
www.nytimes.com/2010/06/05/us/05beliefs.html. Para as belas e provocativas re exões da
mulher sobre quem esse artigo foi escrito, veja o blog de Eve Tushnet em http://eve-tushnet.
blogspot.com/. Veja também http://www.washingtonpost.com/ opinions/why-i-oppose-
gaymarriage/2012/09/21/1cd0056c-02a2-11e2-91e7-2962c74e7738_story.html?
socialreader_check=0& denied=1. E veja o suave e comovente relato de sua evolução rumo à
visão matrimonial em seu blog Dreadnought: Out of Shadows into Truth, arquivado em
http://johnheard. blogspot.com/.

9 Corvino, John e Gallagher, Maggie, Debating Same-Sex Marriage [Debatendo o casamento


entre pessoas do mesmo sexo]. Nova York: Oxford Paperbacks, 15.

10 Não se trata apenas de nós e os revisionistas estarmos a falar de relacionamentos


diferentes com o mesmo nome. Pois podemos descrever a disputa sem usar a palavra
“casamento”: a maioria concorda que existe um certo tipo de relacionamento que é
inerentemente sexual e singularmente enriquecido pela vida familiar; e que, único em seu
gênero, para ser iniciado requer um compromisso permanente e exclusivo. A nossa tese é que o
bem humano básico que responde a esta descrição é aquele que só um homem e uma mulher
podem formar juntos.

11 Ver Gallagher, Maggie, “(How) Will Gay Marriage Weaken Marriage as a Social
Institution: A Reply to Andrew Koppelman”, [(Como) o casamento gay enfraquecerá o
casamento como uma instituição social: uma resposta a Andrew Koppelman], University of St.
omas Law Journal. 2, 2004, pp. 33, 51–52.

12 Maillard, Kevin Noble, “Beyond Marriage, Blood, or Adoption” [Além do Casamento,


Sangue ou Adoção], New York Times, 15 de fevereiro de 2012, http://www.nytimes.com/
roomfordebate/2012/02/13/family-ties-withouttying-the-knot/ beyond-marriage-blood-or-
adoption.

13 Young, Molly, “He and He and He” [Ele e ele e ele], New York Magazine, 29 de julho de
2012, http://nymag.com/ news/features/sex/2012/benny-morecock-throuple/.

14 Como discutiremos no próximo capítulo, a comunidade é construída pela ação comum


em prol de bens comuns. Assim, podemos distinguir os tipos de vínculos não apenas pelos
sentimentos, mas pelos tipos de cooperação que envolvem e pelos bens aos quais estão
ordenados. Argumentaremos que qualquer forma coerente de explicar o que distingue o
casamento destas outras formas de convívio também mostra que o casamento requer um
homem e uma mulher.

15 James, Susan Donaldson, “Polyamory on the Rise among Divorce--Disgusted Americans”


[Poliamor em ascensão entre os americanos com nojo do divórcio], abc News, 8 de dezembro
de 2011, http://abcnews.go.com/Health/polyamory-rise-divorce-wary-youngamericans/story?
id=15107435#.T2ahSRE2-uK.

16 Ver “Beyond Same-Sex Marriage: A New Strategic Vision For All Our Families and
Relationships” [Além do casamento homossexual: Uma nova visão estratégica para nossas
famílias e relacionamentos], BeyondMarriage.org, 26 de julho de 2006,
http://beyondmarriage.org/full_statement.html.

17 Bennett, Jessica, “Only You. And You. And You: Polyamory — Relationships with
Multiple, Mutually Consenting Partners — Has a Coming-Out Party”, [Só você. E você. E você:
poliamor — relacionamentos com parceiros múltiplos e mutuamente consentidos — tem uma
festa de revelação], Newsweek, 29 de julho de 2009, http://www.newsweek.com/2009/07/28/
only-you-and-you-and-you.html.

18 “ree-Person Civil Union Sparks Controversy in Brazil” [União civil entre três pessoas
gera controvérsia no Brasil],  News, 28 de agosto de 2012,
http://www.bbc.co.uk/news/world-latin-america19402508.

19 “Mexico City Proposes Temporary Marriage Licenses” [Cidade do México propõe


licenças de casamento temporário], e Telegraph, 30 de setembro de 2011,
http://www.telegraph.
co.uk/news/worldnews/centralamericaandthecaribbean/mexico/8798982/Mexico-City-
proposes-temporary-marriagelicences. html.

20 “Toronto School District Board Promotes Polygamy, Group Sex to Children [Conselho do
Distrito Escolar de Toronto Promove Poligamia, Sexo em Grupo para Crianças],
http://blazingcatfur.blogspot.com/2012/09/tdsb-promotespolygamy-group-sex-to.html.

21 Brake, Elizabeth, “Minimal Marriage: What Political Liberalism Implies for Marriage
Law” [Casamento mínimo: o que o liberalismo político implica para a lei do casamento],
Ethics. 120, 2010: p. 303.

22 Ver, por exemplo, George, Robert P., “Same-Sex Marriage and John Ruach” [O casamento
homossexual e John Rauch], First ings, 10 de agosto de 2006,
http://www. rstthings.com/onthesquare/2006/08/same-sex-marriage-andjon-rauc, que é uma
resposta a Jonathan Rauch, “Not So Fast, Mr. George” [Calma aí, Sr. George], Independent Gay
Forum, 2 de agosto de 2006, http://igfculturewatch.com/2006/08/02/ not-so-fast-mr-george/.

23 Ver, por exemplo, David Braine, e Human Person: Animal and Spirit. Notre Dame,
Ind.: University of Notre Dame Press, 1994.

24 Embora sejamos essencialmente compostos de mente e corpo, nossas uniões não se


estendem todas igualmente em ambos os planos. Aceitar silenciosamente um acordo une
pessoas; um ato conjugal une as pessoas. E é evidente que este último envolve união física, que a
primeira não envolve, embora nenhuma delas una meras mentes ou meros corpos.

25 A discussão a seguir deve muito ao trabalho de Germain Grisez e Alexander Pruss.

26 Não nos baseamos, em nenhum ponto, no “argumento da faculdade pervertida”, que diz
que é errado usar órgãos contra os seus propósitos naturais. Consideramos este argumento
falacioso.

27 Ver, por exemplo, omas Laqueur, Making Sex: Body and Gender from the Greeks to
Freud. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1990, p. 48.

28 Criticando o nosso argumento, Jason Lee Steorts zombou da implicação de que “o valor
de um relacionamento entre duas pessoas apaixonadas [dependeria] da estrutura dos seus
órgãos genitais”. Mas seria o mesmo que ridicularizar a ideia de que a atração de Julieta por
Romeu pudesse depender “da estrutura dos órgãos genitais de Romeu”. Da mesma forma, as
pessoas muitas vezes perguntam com desdém o que poderia haver de tão especial na relação
peniano-vaginal. Mas poder-se-ia perguntar ao revisionista o que há de tão especial nas
ligações reforçadas pelo orgasmo. Corretamente (e injustamente) descrito, qualquer ponto de
vista pode ser ridicularizado. A questão não é se existe uma descrição que obscurece o valor
especial dos atos conjugais, mas se existe uma descrição verdadeira que o destaca. A união
física orgânica e o ato gerador da vida, ambos relacionados ao conceito de união integral,
tornam o valor especial do casamento luminoso, mas aplicam-se apenas ao marido e à mulher.
Ver Jason Lee Steorts, “Two Views of Marriage, and the Falsity of the Choice between em”,
National Review, 7 de fevereiro de 2011, http://www.nationalreview.com/articles/263672/ two-
views-marriage-and-falsity-choice-between-them-jason-lee-steorts. Para uma resposta, veja
Sherif Girgis, “Real Marriage”, National Review, 21 de março de 2011, http://www.
nationalreview.com/articles/263679/real-marriage-sherif-girgis.

29 Para mais informações sobre este ponto losó co, ver Lee e George, Body-Self Dualism
(citado na Introdução, n. 2), pp. 95–115, 176–97.

30 Este ponto, muitas vezes mal compreendido, merece ser esclarecido. Não é que apenas os
verdadeiros cônjuges possam querer, decidir ou conseguir criar os lhos juntos. A questão é
que, mesmo independentemente das decisões e desejos das pessoas, o casamento é o tipo de
vínculo inerentemente preenchido e expandido pelo fato de os cônjuges terem lhos e os
criarem.

31 Uma das de nições do Oxford English Dictionary para “consumação” é “[a] conclusão do
casamento através da relação sexual”; Oxford English Dicionary, 2ª ed. Oxford: Clarendon
Press of Oxford University, 1989, 3:803. O primeiro uso registrado na lei inglesa foi o Ato 2–3
de Eduardo  de 1548. , c. 23 § 2: “Sentença para o matrimônio, ordenando a solenização, a
coabitação, a consumação e a tratação como convém ao homem e à mulher”; ibid. Esta lei
apresentava, em inglês, um conjunto de princípios jurídicos há muitos séculos em vigor na
Inglaterra, embora em grande parte em linguagem jurídica em latim. No uso mais moderno, a
“consumação do casamento” ainda é considerada no direito da família como “[o] primeiro ato
sexual pós-bodas entre marido e mulher”. Black’s Law Dictionary, 9ª ed. St. Paul, Minnesota:
West, 2009, p. 359.

32 Ver Kenji Yoshino, “e Best Argument against Gay Marriage: And Why It Fails”, Slate, 13
de dezembro de 2010,
http://www.slate.com/articles/news_and_politics/jurisprudence/2010/12/the
_best_argument_against_gay_marriage.html.

33 É claro que são as nossas convenções de pontuação que fazem com que bater na bola seja
ordenado para a vitória esportiva, enquanto o coito é ordenado para a reprodução por natureza,
por fatos biológicos. Assim, o coito continua a ser uma coordenação voltada para a reprodução,
quaisquer que sejam as crenças dos cônjuges sobre a concepção, mesmo que (digamos) uma
equipe já não pretenda jogar beisebol se novas regras de pontuação tornarem a vitória
impossível. Lembre-se também de que o acasalamento (comportamento) é necessário, e não
su ciente, para um ato conjugal. Por isso, os cônjuges devem escolher este comportamento para
tornar concreta sua união integral — que os faz, por exemplo, não estarem dispostos a procurá-
lo com outras pessoas.

34 Isto não signi ca que o casamento seja, ou deva ser — ou mesmo que possa ser — o tipo
de união mais intensa ou extensa em todos os aspectos; distinguimos essa visão e
argumentamos contra ela, até certo ponto, mais adiante neste capítulo, e com mais detalhes em
Sherif Girgis, “Real Marriage”, National Review, 21 de março de 2011,
http://www.nationalreview. com/articles/263679/real-marriage-sherif-girgis. Além disso, é
verdade que quaisquer duas pessoas, não apenas um homem e uma mulher — aliás, não apenas
dois homens apaixonados, mas dois irmãos, um pai e um lho, e assim por diante — podem
coordenar todas as atividades e partilhar uma casa. Mas visto que sua união não pode ser selada
pelo ato conjugal e não está inerentemente ordenada à vida familiar, ela não exige,
objetivamente, uma partilha doméstica tão ampla. Pessoas em outros vínculos podem optar
pelo mesmo, mas para elas isso não é normativo.
35 No Livro de oração comum (1662), “A forma de solenização do matrimônio”; a frase
citada vem do juramento de delidade (voto) do homem à mulher e da mulher ao homem.

36 Não estamos inferindo que x é uma propriedade do casamento do fato de algo como x ser
uma propriedade da união física. Estamos apontando paralelos e harmonias entre as três
formas pelas quais o casamento é integral (nos seus atos, bens e compromissos distintivos), para
destacar a unidade da visão matrimonial, assim reforçando-a. Por que o casamento é integral
sob estes três aspectos? Porque se os vínculos são fundamentalmente compromissos de buscar
determinados bens seguindo certas normas, então são estas características que conferem aos
diferentes tipos de vínculos o seu caráter e valor distintivos. Assim, mais uma vez, o casamento
é integral em alguns aspectos básicos, não em todos os sentidos. Mas o mesmo se aplica ao
princípio mestre da maioria dos revisionistas: um cônjuge não pode ser o seu “parceiro número
um” em todas as atividades, ou a sua “alma gêmea” em todos os domínios.

37 Sobre a importância da estabilidade na vida das crianças, ver, por exemplo, Shannon E.
Cavanagh, “Family Structure History and Adolescent Adjustment”, Journal of Family Issues. 30
(1 de setembro de 2009): p. 1265, http://j .sagepub.com/content/29/7/944.short. Para um
estudo que mostra a importância da delidade para a estabilidade conjugal, consulte Paul R.
Amato e Stacy J. Rogers, “A Longitudinal Study of Marital Problems and Subsequent Divorce”,
Journal of Marriage and the Family. 59 (agosto de 1997): pp. 612–24, http://
www.jstor.org/stable/353949.

38 Corvino e Gallagher, Debating Same-Sex Marriage (citado no cap. 1, n. 1), p. 96.

39 David Blankenhorn, e Future of Marriage. 2007; Nova York: Encounter Books, 2009, p.
5. Blankenhorn anunciou recentemente que “chegou a hora de aceitar o casamento gay”. No seu
anúncio, no entanto, ele também a rmou que mantém todas as a rmações e argumentos
apresentados no seu livro — não retratando nada, incluindo o ponto aqui citado.

40 Amy L. Wax, “Diverging Family Structure and ‘Rational’ Behavior: e Decline in


Marriage as a Disorder of Choice”, em Research Handbook on the Economics of Family Law,
editado por Lloyd R. Cohen e Joshua D. Wright, 15–71. Cheltenham, Reino Unido, e
Northampton, Massachusetts: Elgar, 2011, 59, 61.

41 James Q. Wilson, e Marriage Problem: How Our Culture Has Weakened Families.
Nova York: HarperCollins, 2002, p. 41.

42 Douglas W. Allen e Maggie Gallagher, “Does Divorce Law Affect the Divorce Rate? A
Review of Empirical Research, 1995–2006”,  Research Brief 1, n. 1 (julho de 2007),
http://www.marriagedebate.com/pdf/ imapp.nofault.divrate.pdf.

43 Ver Jennifer Roback Morse, “Privatizing Marriage Is Impossible”, Public Discourse, 2 de


abril de 2012, http://www. thepublicdiscourse.com/2012/04/5069.

44 Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, http://www.unicef.org/crc/.

45 Para os estudos relevantes, veja Marriage and the Public Good: Ten Principles. Princeton,
nj: e Witherspoon Institute, 2008, pp. 9–19, http://www.winst.org/family_marria
ge_and_democracy/WI_Marriage.pdf. Este relatório, assinado por cerca de setenta acadêmicos,
corrobora a defesa losó ca do casamento com extensas evidências provenientes das ciências
sociais sobre o bem-estar das crianças e dos adultos.

46 Kristin Anderson Moore, Susan M. Jekielek e Carol Emig, “Marriage from a Child’s
Perspective: How Does Family Structure Affect Children, and What Can We Do about It?”,
Child Trends Research Brief (junho de 2002): 1–2, 6, http://www.
childtrends.org/ les/MarriageRB602.pdf.

47 Wendy D. Manning e Kathleen A. Lamb, “Adolescent Well-Being in Cohabiting, Married,


and Single-Parent Families”, Journal of Marriage and Family. 65, n. 4 (novembro de 2003): pp.
876, 890.

48 Note-se que para que uma relação seja ordenada à procriação desta forma principiológica
e empiricamente manifestada, a orientação sexual não é um fator impeditivo. A união de
marido e mulher tem esta ligação com os lhos, mesmo que, digamos, o marido também se
sinta atraído por homens. O que é necessário é antes a complementaridade sexual — que falta a
dois homens, mesmo que se sintam atraídos apenas por mulheres. Não são os indivíduos que
são apontados como sendo menos capazes de serem pais afetuosos e responsáveis, ou qualquer
outra coisa. Em vez disso, o que é considerado como tendo uma ligação especial e valiosa com a
educação dos lhos são certos arranjos e os atos que os completam ou concretizam — aos
quais, é verdade, indivíduos podem ser mais ou menos inclinados.

49 Ver Sara McLanahan, Elisabeth Donahue e Ron Haskins, “Introducing the Issue”, e
Future of Children 15. 2005, p. 3; Mary Parke, “Are Married Parents Really Better for Children?:
What Research Says about the Effects of Family Structure on Child Well-Being”,  Policy
Brief. N. 3 (maio de 2003); W. Bradford Wilcox, William J. Doherty, Helen Fisher, et al., Why
Marriage Matters: Twenty-Six Conclusions from the Social Sciences, 2ª ed. Nova York: Institute
for American Values, 2005, p. 6.

50 Para uma discussão das ciências sociais sobre a parentalidade entre pessoas do mesmo
sexo e para estudos sobre os arranjos alternativos aqui mencionados, consulte o capítulo 4.

51 Maynard v. Hill, 125  190, 211 (1888).

52 Conaway v. Deane, 903 A.2d 416, 620 (Md. 2007).

53 Baker v. Baker, 13 Cal. 87, 103 (1859).

54 Sharon v. Sharon, 75 Cal. 1, 33 (1888) (citando Stewart sobre Casamento e Divórcio,


seção 103).

55 Singer v. Hara, 522 P.2d 1187, 1195 (Corte de apelações de Washington, 1974).

56 “Quase todas as decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos que declaram o
casamento como um direito fundamental vinculam expressamente o casamento aos direitos
fundamentais de procriação, parto, aborto e criação dos lhos”. Andersen v. King County, 138
P.3d 963, 978 (Washington, 2006). “A família é a unidade básica da nossa sociedade, o centro
dos afetos pessoais que enobrecem e enriquecem a vida humana. Ela canaliza impulsos
biológicos que, de outra forma, poderiam tornar-se socialmente destrutivos; assegura o cuidado
e a educação das crianças num ambiente estável; estabelece a continuidade entre as gerações;
nutre e desenvolve a iniciativa individual que distingue um povo livre. Dado que a família é o
núcleo da nossa sociedade, a lei procura promover e preservar o casamento”. De Burgh v. De
Burgh, 39, 2º da Califórnia 858, 863-64 (1952). A procriação é “[um] dos principais propósitos
do matrimônio”. Maslow v. Maslow, 111 2ª corte de apelações da Califórnia, 237, 241 (1953) “A
procriação de descendentes poderia ser considerada um dos principais propósitos do
casamento.” Poe v. Gerstein, 517 F.2d 787, 796 (5º Cir. 1975).

57 Steven Nock, Marriage in Men’s Lives. Nova York: Oxford University Press, 1998.

58 Obviamente, nada disto pretende sugerir que qualquer casamento seja perfeito ou que os
cônjuges nunca deixem de cumprir os seus votos. Estamos falando aqui em generalidades, à luz
das evidências sociocientí cas acumuladas.

59 W. Bradford Wilcox e Carlos Cavallé, e Sustainable Demographic Dividend: What Do


Marriage and Fertility Have to Do with the Economy? Charlottesville, Virgínia: e National
Marriage Project, http://sustaindemographicdividend. org/articles/the-sustainabledemographic.

60 W. Bradford Wilcox, citado em H. Brevy Cannon, “New Report: Falling Birth, Marriage
Rates Linked to Global Economic Slowdown”, 3 de outubro de 2011, http://www.virginia.edu/
uvatoday/newsRelease.php?id=16244.

61 Kay S. Hymowitz, Marriage and Caste in America: Separate and Unequal Families in a
Post-Marital Age. Chicago: Ivan R. Dee, 2006. Ver também W. Bradford Wilcox, “e Evolution
of Divorce”, National Affairs. 1, 2009: pp. 81, 88–93.

62 David Popenoe, Disturbing the Nest: Family Change and Decline in Modern Societies.
Nova York: A. de Gruyter, 1988, xiv–xv; Alan Wolfe, Whose Keeper? Social Science and Moral
Obligation. Berkeley: University of California Press, 1989, pp. 132–42.

63 Isabel V. Sawhill, “Families at Risk”, em Setting National Priorities: e 2000 Election and
Beyond, editado por Henry J. Aaron e Robert D. Reischauer. Washington, dc: Brookings
Institution Press, 1999), 97, 108; ver também Marriage and the Public Good (citado acima, n.
8), 15.

64 Benjamin Sca di, e Taxpayer Costs of Divorce and Unwed Childbearing: First-Ever
Estimates for the Nation and for All Fiy States. Nova York: Institute for American Values,
2008, http://www.americanvalues.org/pdfs/COFF.pdf.

65 David Schramm, Preliminary Estimates of the Economic Consequences of Divorce. Utah


State University, 2003.

66 Ver, por exemplo, David Boaz, “Privatize Marriage: A Simple Solution to the Gay-
Marriage debate”, Slate, 25 de abril de 1997,
http://www.slate.com/articles/brie ng/articles/1997/04/ privatize_marriage.html.

67 Ver, por exemplo, William N. Eskridge, Jr., “A History of Same-Sex Marriage”, Virginia
Law Review. 79, 1993, pp. 1421–22: “Uma história social construtivista enfatiza as maneiras
pelas quais o casamento é ‘construído’ ao longo do tempo, sendo visto, enquanto instituição,
como espelho de relações sociais de poder mais amplas”.
68 Ver ibid., p. 1434: “O casamento não é uma instituição gerada pela natureza e dotada de
certos elementos essenciais. Em vez disso, é uma construção ligada a outras instituições
culturais e sociais, de modo que as fronteiras antiquadas entre a vida pública e a vida privada se
desmancham”.

69 Ver Hernandez v. Robles, 805 NYS2d 354, 377 (Divisão de Apelação de Nova York, 2005)
(Saxe, J., em aparte) (“O casamento civil é uma instituição criada pelo Estado”); e Andersen v.
King County 138 P.3d 963, 1018 (Washington, 2006) (Fairhurst, J., em aparte) (“O casamento
retira sua força da natureza do contrato de casamento civil e o reconhecimento, por parte do
Estado, deste contrato”).

70 Andrew Koppelman, “What Marriage Isn’t”, Balkinization, 18 de dezembro de 2010,


http://balkin.blogspot. com/2010/12/what-marriage-isnt.html.

71 Outros exemplos de tais bens básicos incluem a apreciação estética crítica, o


conhecimento e — para citar outra prática social — a amizade. Veja nossa discussão sobre bens
básicos no capítulo 2.

72 Ao contrário de uma união que envolve coito, lhos e compromisso permanente, mas não
(digamos) exclusividade, as parcerias de dois homens ou três mulheres carecem até do que há
de mais básico no casamento. Assim, tais parcerias não podem sequer ser vistas como
participações imperfeitas no bem do casamento; elas sequer são casamentos.

73 Ver John Finnis, “Law, Morality, and ‘Sexual Orientation’”, em Same Sex: Debating the
Ethics, Science, and Culture of Homosexuality, editado por John Corvino, pp. 31–43. Lanham,
Maryland: Rowman e Little eld, 1997. John Finnis, “e Good of Marriage and the Morality of
Sexual Relations: Some Philosophical and Historical Observations”, American Journal of
Jurisprudence. 42, 1998, pp. 97–134. Ambos os ensaios foram reimpressos em Collected Essays
of John Finnis, vol. 3. Oxford e Nova York: Oxford University Press, 2011.

74 Andrew Koppelman, “at Elusive Timeless Essence of Marriage”, Balkinization, 31 de


dezembro de 2010, http:// balkin.blogspot.com/2010/12/thatelusive-timeless-essence-of. html.

75 A poliginia — segundo a qual um homem pode ter mais do que uma esposa legal —
prejudicaria a igualdade social e política das mulheres. Mas a proposta aqui considerada é o
poliamor: o reconhecimento legal de um grupo (de qualquer distribuição de gênero) como uma
unidade sexual-romântica.

76 Bennett, “Only You. And You. And You” (citado no cap. 1, n. 8).

77 Mark Oppenheimer, “Married, with In delities”, New York Times, 30 de junho de 2011,
http://www.nytimes. com/2011/07/03/magazine/in delity-willkeep-us-together. html?
pagewanted=all.

78 Ver, por exemplo, “A Vermont Court Speaks”, editorial, Boston Globe, 22 de dezembro de
1999: “[O casamento gay] não prejudica o casamento tradicional mais do que a navegação
prejudica a natação”.

79 Mas para obter provas, ver Mary Douglas, How Institutions ink. Nova York: Syracuse
University Press, 1986. Ver também George, Robert P., Making Men Moral: Civil Liberties and
Public Morality. Oxford: Clarendon Press, 1993.

80 Joseph Raz, “Autonomy and Pluralism”, em e Morality of Freedom. Oxford: Clarendon


Press, 1988, p. 393.

81 Patrick Lee, George, Robert P. e Gerard V. Bradley, “Marriage and Procreation: Avoiding
Bad Arguments”, Public Discourse, 30 de março de 2011,
http://www.thepublicdiscourse.com/2011/03/2637.

82 A proposta revisionista ensinaria que o casamento tem mais a ver com a união
emocional. Mas a união emocional não pode existir por si só. As pessoas realmente se unem ao
compartilhar um bem, mas os sentimentos são realidades inerentemente privadas, que podem
ser simultâneas, mas não realmente compartilhadas. As pessoas unem-se por consentimento,
mas os sentimentos não podem ser fundamentais para um voto, pois não temos controle direto
sobre eles. Por outras palavras, o que a proposta revisionista iria obscurecer — e tornar mais
difícil para vivermos — é o fato de que o casamento é antes de tudo uma questão de vontade e
ação: o consentimento de duas pessoas para cooperar de modos peculiares ao amor conjugal,
especialmente pela união física do tipo possibilitado pela complementaridade sexual-
reprodutiva, e pela partilha doméstica da vida familiar a que tende essa união. O desejo urgente
e o deleite extático, embora muitas vezes sejam motivações importantes, são um valioso
orescimento conjugal: indicativos de saúde e atraentes por si só, mas, na melhor das hipóteses,
sazonais. Os cônjuges não estão menos casados depois de cinquenta anos do que no quinto dia
— ou menos após um longo dia de trabalho do que numa libidinosa manhã de sábado. Com a
inversão de prioridades dos revisionistas, os solteiros que decidem com quem casar podem
basear-se mais em evasivos sinais emocionais de compatibilidade do que em indicadores mais
prosaicos de aptidão para o casamento, como a aptidão para a reprodução. Uma vez casados,
poderão cada vez mais realizar ações conjugais — sexo, cooperação doméstica, e assim por
diante — com o objetivo de manter satisfações individuais (embora recíprocas). Mas se
escolhidas pelas razões erradas, mesmo essas ações semelhantes às do casamento não
construirão realmente um casamento verdadeiro — assim como dar um “presente” pensando
na própria conveniência não construirá uma amizade genuína. Finalmente, tais motivações não
conjugais podem eventualmente mudar as ações. Os cônjuges podem tratar a vida familiar —
que prolonga o casamento de forma única — como menos central: talvez útil, mas talvez um
obstáculo à união emocional já agora vista como a realidade que o casamento representa. E
podem tornar o seu compromisso mais condicionado ao apego romântico, ferindo a união
conjugal nascida da palavra “aceito”. Estas mudanças seriam prejudiciais não apenas pelos seus
efeitos na ordem social. Seriam más em si mesmas, pois impediriam os casais de viver e
construir algo de bom em si: o verdadeiro casamento.

83 Ver também Andrew Cherlin, e Marriage-Go-Round. Nova York: Knopf, 2009, para
uma análise sobre o vínculo entre a ascensão do individualismo expressivo e a revolução do
divórcio.

84 Para pesquisas recentes que mostram que um modelo expressivo de relacionamentos está
associado a um maior risco de divórcio, ver W. Bradford Wilcox e Jeffrey Dew, “Is Love a Flimsy
Foundation? Soulmate versus Institutional Models of Marriage”, Social Science Research. 39,
2010, p. 687, http://www.sciencedirect.com/science?ob=ArticleURL&_ udi=B6WX8506W6K9-
1&_user=709071&_coverDate. Para pesquisas que mostram que as uniões do mesmo sexo
tendem a dispensar a exclusividade sexual mais frequentemente, ver Scott James, “Many
Successful Gay Marriages Share an Open Secret”, New York Times, 28 de janeiro de 2010,
http://www. nytimes.com/2010/01/29/us/29sfmetro.html? ref=us.

85 Licenças de casamento temporário foram recentemente consideradas na Cidade do


México: ver Christina Ng, “Mexico City Considers Temporary Marriage Licenses”, 30 de
setembro de 2011, http://abcnews.go.com/blogs/headlines/2011/09/mexico -city-
considerstemporary-marriage-licenses/.

86 Richard Doer inger, “Family Policy in the United States”, 1980,


http://www.usccb.org/prolife/tdocs/FaithfulForLife.pdf. Maggie Gallagher, e Abolition of
Marriage: How We Destroy Lasting Love. Washington, dc: Regnery Publishing, 1996. Promises
to Keep: Decline and Renewal of Marriage in America, editado por David Popenoe, Jean
Bethke Elshtain e David Blankenhorn Lanham, Maryland: Rowman and Little eld Publishers,
1996. e Book of Marriage: e Wisest Answers to the Toughest Questions, editado por Dana
Mack e David Blankenhorn. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publishing, 2001. e
Fatherhood Movement: A Call to Action, editado por Wade F. Horn, David Blankenhorn e
Mitchell B. Pearlstein. Lanham, Maryland: Lexington Books, 1999. Conferência dos Bispos
Católicos dos Estados Unidos, “Casamento e vida familiar”, 1975,
http://www.usccb.org/prolife/programs/rlp/Marriage&FamilyLife75.pdf. Maggie Gallagher e
Barbara Dafoe Whitehead, “End No-Fault Divorce?”, First ings. 75, 1997, p. 24.

87 A necessidade de adoção (e o seu imenso valor), nos casos em que o ideal é impossível na
prática, não é argumento para rede nir o casamento civil, uma estrutura uni cada de
incentivos destinada precisamente a reforçar o ideal — a minimizar a necessidade de
disposições alternativas e casuísticas.

88 Sara McLanahan e Gary Sandefur, Growing Up with a Single Parent: What Hurts, What
Helps. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1994. Bruce J. Ellis, John E. Bates,
Kenneth A. Dodge, et al., “Does Father Absence Place Daughters at Special Risk for Early
Sexual Activity and Teenage Pregnancy?”, Child Development. 74, 2003, pp. 801–21. Wilcox,
Doherty, Fisher, et al., Why Marriage Matters (citado no cap. 3, n. 11). Lorraine Blackman, Obie
Clayton, Norval Glenn, et al., e Consequences of Marriage for African Americans: A
Comprehensive Literature Review. Nova York: Institute for American Values, 2005.

89 Elizabeth Marquardt, Family Structure and Children’s Educational Outcomes. Nova York:
Institute for American Values, 2005. Paul R. Amato, “e Impact of Family Formation Change
on the Cognitive, Social, and Emotional Well-Being of the Next Generation”, e Future of
Children. 15, 2005, pp. 75–96. Cynthia Harper e Sara McLanahan, “Father Absence and Youth
Incarceration”, Journal of Research on Adolescence. 14, 2004, pp. 369–97.

90 David Popenoe, Life without Father: Compelling New Evidence at Fatherhood and
Marriage Are Indispensable for the Good of Children and Society. Nova York: Free Press, 1996,
p. 146.

91 Ibid., p. 197.

92 W. Bradford Wilcox, “Reconcilable Differences: What Social Sciences Show about the
Complementarity of the Sexes and Parenting”, Touchstone. 18, n. 9, novembro de 2005, p. 36.
93 Michael J. Rosenfeld, “Nontraditional Families and Childhood Progress through School”,
Demography. 47, 2010, pp. 755–75, http://www.stanford.edu/ ~mrosenfe/
Rosenfeld_Nontraditional_ Families_ Demography.pdf.

94 Ver, por exemplo, Charlotte J. Patterson, “Children of Lesbian and Gay Parents”, em
Advances in Clinical Child Psychology, vol. 19, editado por omas H. Ollendick e Ronald J.
Prinz, Nova York: Plenum, 1997, pp. 235–82. Fiona Tasker, “Lesbian Mothers, Gay Fathers, and
eir Children: A Review”, Developmental and Behavioral Pediatrics. 26, número 3, 2005, pp.
224–40.

95 Para estudos que utilizam amostragem em bola de neve, ver, por exemplo, Henny M. W.
Bos, Frank van Balen e Dymphna C. van den Boom, “Child Adjustment and Parenting in
Planned Lesbian Parent Families”, American Journal of Orthopsychiatry. 77, 2007, pp. 38–48.
Anne Brewaeys, Ingrid Ponjaert, Eylard V. Van Hall e Susan Golombok, “Donor Insemination:
Child Development and Family Functioning in Lesbian Mother Families”, Human
Reproduction. 12, 1997, pp. 1349–59. Megan Fulcher, Erin L. Sut n e Charlotte J. Patterson,
“Individual Differences in Gender Development: Associations with Parental Sexual
Orientation, Attitudes, and Division of Labor”, Sex Roles. 57, 2008, pp. 330–41. eodora
Sirota, “Adult Attachment Style Dimensions in Women Who Have Gay or Bisexual Fathers”,
Archives of Psychiatric Nursing. 23, n. 4, 2009, pp. 289–97. Katrien Vanfraussen, Ingrid
Ponjaert -Kristoffersen e Anne Brewaeys, “Family Functioning in Lesbian Families Created by
Donor Insemination”, American Journal of Orthopsychiatry. 73, n. 1, 2003, pp. 78–90.

96 Sven Berg, “Snowball Sampling”, in Encyclopedia of Statistical Sciences, vol. 8, editada


por Samuel Kotz e Norman L. Johnson, Nova York: WileyInterscience, 1988, pp. 528–32.

97 Abbie E. Goldberg, Lesbian and Gay Parents and eir Children: Research on the Family
Life Cycle. Washington, dc: apa Books, 2010, pp. 12–13.

98 Ver, por exemplo, Nanette K. Gartrell, Henny mw Bos e Naomi G. Goldberg, “Adolescents
of the u.s. National Longitudinal Lesbian Family Study: Sexual Orientation, Sexual Behavior,
and Sexual Risk Exposure”, Archives of Sexual Behavior. 40, 2011, pp. 1199–1209.

99 Loren Marks, “Same-sex Parenting and Children’s Outcomes: A Closer Examination of


the American Psychological Association’s Brief on Lesbian and Gay Parenting”, Social Science
Research. 41. 2012, pp. 735–51, 748, http://ac.els-cdn. com/S0049089X12000580/1-s2.0-
S0049089X12000580main. pdf?_tid=8b0a9f5c-04d1-11e2-9a3e-
00000aacb35f&acdnat=1348331060_c1ca19d8556b56fd70caa54ea54c69.

100 Mark Regnerus, “How Different Are the Adult Children of Parents Who Have Same-Sex
Relationships? Findings from the New Family Structures Study”, Social Science Research. 41,
2012, pp. 752–70.

101 Paul Amato, “e Well-Being of Children with Gay and Lesbian Parents”, Social Science
Research. 41, 2012, pp. 771–74.

102 Timothy J. Biblarz e Judith Stacey, “How Does the Gender of Parents Matter?”, Journal of
Marriage and Family. 72, 2010, p. 3. Para outras críticas às amostras nas quais os estudos
disponíveis se basearam, ver Steven L. Nock, “Affidavit of Steven Nock”, Halpern et al. v. Canada
and mcct v. Canada. ON s.c.d.c., 2001, http://marriagelaw.cua.edu/Law/cases/
Canada/ontario/halpern/aff_nock.pdf. Ellen C. Perrin, “Technical Report: Coparent or Second-
Parent Adoption by Same-Sex Partners”, Pediatrics. 109, 2002, pp. 341–44. Richard R. Redding,
“It’s Really about Sex: Same-Sex Marriage, Lesbigay Parenting, and the Psychology of Disgust”,
Duke Journal of Gender Law and Policy. 16, 2008, pp. 127–93.

103 William Meezan e Jonathan Rauch, “Gay Marriage, Same-Sex Parenting, and America’s
Children”, Future of Chil dren. 15, 2005, pp. 97–115.

104 Susan L. Brown, “Family Structure and Child Well-Being: e Signi cance of Parental
Cohabitation”, Journal of Marriage and Family 66, no. 2 (2004): 351–67. Wendy D. Manning,
Pamela J. Smock e Debarun Majumdar, “e Relative Stability of Cohabiting and Marital
Unions for Children”, Population Research and Policy Review. 23, 2004, pp. 135–59.
McLanahan e Sandefur, Growing Up with a Single Parent (citado acima, n. 9).

105 McLanahan e Sandefur Growing Up with a Single Parent (citado acima, n. 9), 1.

106 Por exemplo, o Internal Revenue Service revogou o estatuto de isenção scal da
Universidade Bob Jones devido às suas práticas racialmente discriminatórias, e a Suprema
Corte con rmou esta ação como compatível com os direitos da universidade conforme a
Primeira Emenda.

107 “tv Host Fired over Sean Avery Debate”, .com, 13 de maio de 2011, em
http://sports.espn. go.com/new-york/nhl/news/story?id=6532954.

108 Walden v. Centers for Disease Control, Caso 1:08cv-02278 -jec, Tribunal Distrital dos
, Distrito Norte da Geórgia, 18 de março de 2010, http://
www.telladf.org/UserDocs/WaldenSJorder.pdf

109 Jill P. Capuzzo, “Group Loses Tax Break over Gay Union Issue”, New York Times, 18 de
setembro de 2007, http:// www.nytimes.com/2007/09/18/nyregion/18grove.html?_r= 0.

110 George F. Will, “e Tangled Web of Con icting Rights”, Washington Post, 14 de
setembro de 2012, http:// www.washingtonpost.com/opinions/george-f-will-the-tangled-webof-
con icting-rights/2012/09/14/95b787c2-fddc-11e1-b153218509a954e1_story.html.

111 Marc D. Stern, “Same-Sex Marriage and the Churches”, in Same-Sex Marriage and
Religious Liberty: Emerging Con icts, editado por Douglas Laycock, Anthony Picarello e
Robin Fretwell Wilson, 1–57. Lanham, Maryland: Rowman e Little eld, 2008, pp. 1, 11–14. Esta
coleção de ensaios inclui as opiniões de estudiosos de ambos os lados da questão do casamento
entre pessoas do mesmo sexo concluindo que, quando o casamento é estendido a pares do
mesmo sexo, é inevitável que ocorram con itos com a liberdade religiosa.

112 Maggie Gallagher, “Banned in Boston: e Coming Con ict between Same-Sex
Marriage and Religious Liberty”, e Weekly Standard, 5 de maio de 2006, http://www.
weeklystandard.com/Content/Public/Articles/000/000/012/191kgwgh.asp.

113 Ver, por exemplo, Parker v. Hurley, 514 F.3d 87 (1º Cir. 2008).
114 Becket Fund for Religious Liberty, Same-Sex Marriage and State Anti-Discrimination
Laws. Washington, dc: Becket Fund for Religious Liberty, janeiro de 2009, 2, http://www.
becketfund.org/wpcontent/uploads/2011/04/Same-Sex-Marriage-and-State-
AntiDiscrimination-Laws-With-Appendices.pdf.

115 Monica Hesse, “Opposing Gay Unions with Sanity and a Smile”, Washington Post, 28 de
agosto de 2009.

116 Andrew Alexander, “‘Sanity and a Smile’ and an Outpouring of Rage”, Washington Post,
6 de setembro de 2009.

117 Frank Rich, “e Bigots’ Last Hurrah”, coluna de opinião, New York Times, 19 de abril
de 2009.

118 Ver, por exemplo, Human Rights Campaign, http:// www.hrc.org (autoidenti cando a
organização como uma  do tipo 501(c)(4) “que trabalha pela igualdade de direitos de
lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros”); Annie Stockwell, “Stop the Hate: Vote No on 8”,
Advocate.com, 20 de agosto de 2008, http://www.
advocate.com/Arts_and_Entertainment/People/Stop_the_Hate (enquadrando como “luta
contra o ódio” a oposição à Proposição 8 da Califórnia, que estabelece que “apenas o casamento
entre um homem e uma mulher é válido ou reconhecido na Califórnia”).

119 Perry v. Brown, 671 F.3d 1052, 7 de fevereiro de 2011, 36.

120 Para mais informações sobre os efeitos de uma cultura sexualizada sobre a amizade, ver
Anthony Esolen, “A Requiem for Friendship: Why Boys Will Not Be Boys and Other
Consequences of the Sexual Revolution”, Touchstone 18 (setembro de 2005): 21,
http://www.touchstonemag.com/archives/article. php?id=18-07-021-f.

121 2Sm 1, 26; Santo Agostinho, Con ssões, 4.75–77.

122 As leis conjugais tradicionais, pelo contrário, apenas encorajam a adesão às normas em
relacionamentos onde essas normas já têm uma base racional. Ver capítulo 2, sobre
compromisso integral.

123 Ver Gallagher, “(How) Will Gay Marriage Weaken Marriage as a Social Institution”
(citado no cap. 1, n. 3), 62.

124 “Beyond Same-Sex Marriage” (citado no cap. 1, n. 7).

125 Brake, “Minimal Marriage” (citado no cap. 1, n. 12), 336, 323.

126 Andrew Sullivan, “Introduction”, em Same-Sex Marriage: Pro and Con: A Reader,
editado por Andrew Sullivan, 1ª ed. Nova York: Vintage Books, 1997, xvii, xix.

127 E. J. Graff, “Retying the Knot”, em ibid., pp. 134, 136.

128 Ibid., p. 137


129 Andrew Sullivan, Virtually Normal: An Argument about Homosexuality. Nova York:
Vintage Books, 1996, pp. 202–3.

130 Ari Karpel, “Monogamish”, e Advocate, 7 de julho de 2011,


http://www.advocate.com/Print_Issue/Features/ Monogamish/.

131 Consulte http://www.advocate.com/arts-entertainment/features?page=7.

132 Victoria A. Brownworth, “Something Borrowed, Something Blue: Is Marriage Right for
Queers?”, em I Do/I Don’t: Queers on Marriage, editado por Greg Wharton e Ian Philips. San
Francisco: Suspect oughts Press, 2004, pp. 53, 58–59.

133 Ellen Willis, “Can Marriage Be Saved? A Forum”, e Nation, 5 de julho de 2004, p. 16.

134 Michelangelo Signorile, “Bridal Wave”, Out 42 (dezembro-janeiro de 1994), pp. 68, 161.

135 Ibid.

136 “Mexico City Proposes Temporary Marriage Licenses” (citado no cap. 1, n. 10).

137 Julia Zebley, “Utah Polygamy Law Challenged in Federal Lawsuit”, Jurist, 13 de julho de
2011, http://jurist.org/ paperchase/2011/07/utah-polygamylaw-challenged-in-federal-
lawsuit.php.

138 “ree-Person Civil Union Sparks Controversy in Brazil” (citado no cap.1, n. 9).

139 Ver em geral Jonathan Rauch, Gay Marriage: Why It Is Good for Gays, Good for
Straights, and Good for America. Nova York: Henry Holt & Co., 2005.

140 David P. McWhirter e Andrew M. Mattison, e Male Couple: How Relationships


Develop. Englewood Cliffs, nj: Prentice-Hall Trade, 1984, pp. 252–53.

141 Ibid., p. 3.

142 James, “Many Successful Gay Marriages Share an Open Secret” (citado acima, n. 6).

143 Ibid.

144 Trevor A. Hart e Danielle R. Schwartz, “Cognitive-Behavioral Erectile Dysfunction


Treatment for Gay Men”, Cognitive and Behavior Practice 17 (fevereiro de 2010), p. 66.

145 Alfred DeMaris, “Distal and Proximal In uences on the Risk of Extramarital Sex: A
Prospective Study of Longer Duration Marriages”, Journal of Sex Research. 46, 2009, p. 597.

146 Julie H. Hall e Frank D. Fincham, “Psychological Distress: Precursor or Consequence of


Dating In delity”, Personality and Social Psychology Bulletin. 35, 2009, p. 143,
http://psp.sagepub.com/content/35/2/ 143.short.

147 Popenoe, Life without Father (citado acima, n. 11). Mark Regnerus e Jeremy Uecker,
Premarital Sex in America. Nova York: Oxford University Press, 2011.
148 C. H. Mercer, G. J. Hart, A. M. Johnson e J. A. Cassell, “Behaviourally Bisexual Men as a
Bridge Population for  and Sexually Transmitted Infections? Evidence from a National
Probability Survey”, International Journal of  and . 20, 2009, pp. 87, 88.

149 Edward O. Laumann, J. H. Gagnon, R. T. Michael e S. Michaels, e Social Organization


of Sexuality: Sexual Practices in the United States. Chicago: University of Chicago Press, 1994,
pp. 314–16.

150 Ibid.

151 James, “Many Successful Gay Marriages Share an Open Secret” (citado acima, n. 6).

152 Macedo, “Homosexuality and the Conservative Mind” (citado na “Introdução”, n. 3), pp.
261, 279. Andrew Koppelman, e Gay Rights Question in Contemporary American Law.
Chicago: University of Chicago Press, 2002, pp. 87–88.

153 Andrew Koppelman argumentou que “os órgãos genitais de uma pessoa estéril não são
mais adequados para a geração do que uma arma descarregada é adequada para disparar. Se
alguém me aponta uma arma e puxa o gatilho, apresenta o comportamento que, enquanto
comportamento, é adequado para atirar, mas importa muito se a arma está ou não carregada, e
se quem aperta o gatilho sabe disso”; Koppelman, ibid. A objeção de Koppelman está errada e
deixa escapar um ponto importante. Podemos dizer corretamente que os objetos feitos pelo
homem e os processos arti ciais são ordenados ou direcionados para determinados objetivos
apenas na medida em que os utilizamos para esses objetivos. Isto, por sua vez, pressupõe que os
consideramos capazes de realizar, de fato, esses objetivos. Ou seja, a função dos objetos e
processos feitos pelo homem lhes é imposta pelos seres humanos que os utilizam. Assim, um
pedaço de metal vira faca — artefato cuja função é cortar — somente quando pretendemos
utilizá-lo para cortar. Quando já não é capaz de cortar e já não pretendemos utilizá-lo para
cortar, já não é realmente uma faca. O mesmo não se aplica à união entre os corpos de um
homem e de uma mulher, no entanto, porque os órgãos naturais são o que são,
independentemente da nalidade para a qual pretendemos usá-los e até mesmo de a função que
eles caracteristicamente desempenham poder ser levada a cabo. Assim, no nosso exemplo, um
estômago continua a ser um estômago — um órgão cuja função natural é desempenhar um
determinado papel na digestão — independentemente de pretendermos que seja utilizado dessa
forma e mesmo de a digestão ser concluída com sucesso. Algo análogo acontece com os órgãos
sexuais, no que diz respeito à reprodução.

154 Ver, por exemplo, Eskridge, Jr., “A History of Same-Sex Marriage” (citado no cap.3, n.
29), pp. 1419, 1424.

155 Ver, por exemplo, ibid.

156 Ibid.

157 Ver Loving v. Virginia, 388 us 1, 11 (1967).

158 Ver “Introdução”, n. 4.

159 Ver Ryan Conrad, ed., Against Equality: Queer Critiques of Gay Marriage. Nova York:
Against Equality Press, 2010. Veja também Douglas Mainwaring, “Why I Oppose Gay
Marriage”, sessão de opiniões do Washington Post, 21 de setembro de 2012,
http://www.washingtonpost.com/opinions/ why-ioppose-gay-marriage/2012/09/21/1cd0056c-
02a2-11e 2-91e72962c74e7738_story.html?socialreader_check=0&denie=1.

160 John Heard, “Relationship Registers: What Does Justice Demand?”, Dreadnought, 11 de
março de 2008, http:// johnheard.blogspot.com/2008/03/dreadtalk-relationship-registers-
what.html.

161 Andrew Sullivan, “Only the Right Kind of Symbolic Sex”, e Daily Dish, 4 de agosto de
2009, http://andrewsullivan.theatlantic.com/the_daily_dish/2009/08/only-theright-kind-of-
symbolic-sex.html.

162 Ver, por exemplo, Katherine M. Franke, “Same-Sex Marriage Is a Mixed Blessing”, New
York Times, 23 de junho de 2011, http://www.nytimes.com/2011/06/24/opinion/24franke.
html.

163 Ryan T. Anderson e Sherif Girgis, “A Real Compromise on the Same-Sex Marriage
Debate: An Invitation to Rauch and Blankenhorn, Public Discourse, 24 de fevereiro de 2009,
http://www.thepublicdiscourse.com/2009/02/84/.

164 Algumas pessoas se perguntam como algo que ocorre naturalmente — e assim,
concluem alguns teístas, algo pretendido por Deus — poderia impedir um bem como o
casamento. Não pretendemos conhecer a origem da atração pelo mesmo sexo, mas
consideramos que, em última análise, ela é irrelevante para este debate. Nisto concordamos
com o defensor da causa gay John Corvino, que admite que “há muitas características
geneticamente in uenciadas que são, no entanto, indesejáveis” — ou, mais modestamente, que
podem impedir um certo bem. John Corvino, “Nature? Nurture? It Doesn’t Matter”,
Independent Gay Forum, 12 de agosto de 2004, http://igfculturewatch. com/2004/08/12/nature-
nurture-it-doesnt-matter/. Certamente, o fato de algo ser natural no sentido de não ser
escolhido não prova nada: preexistentes obrigações especiais para com a família de origem
podem ser naturais neste sentido e, ainda assim, impedir o casamento. Por outro lado, se
descobríssemos (plausivelmente) uma base genética para o desejo masculino de ter
múltiplas(os) parceiras(os), isso não seria um argumento a favor da poligamia; e se
descobríssemos (de forma implausível) que nenhum desejo sexual tem uma base genética, não
teríamos um argumento contra todos os casamentos. Simplesmente não há ligação entre a
origem do desejo pelo mesmo sexo e a possibili dade do casamento entre pessoas do mesmo
sexo.

165 Muitas pessoas atraídas pelo mesmo sexo que não apoiam o reconhecimento legal das
uniões entre pessoas do mesmo sexo exploraram, por si mesmas, o valor especial das amizades
profundas. Veja, por exemplo, John Heard, “Dreadtalk: ‘Holy Sex and Christian Friendship’
John Heard — Life Week 2009 at the University of Sydney — Remarks”, Dreadnoughts, 4 de
maio de 2009, http://johnheard.blogspot.com/2009/ 02/ dreadtalk-holy-sex-
christianfriendship.html. Veja também Eve Tushnet, “Gay and Catholic: What the Church Gets
Right and Wrong about Being Gay”, http://onfaith.washingtonpost.com/ onfaith/guestvoices/
2010/ 10/ gay_and_catholic_what_the_church_ gets_right_and_wrong_ about_being_gay.html,
e, de modo geral, http://eve-tushnet.blogspot.com/.
166 Embora Blankenhorn tenha escrito recentemente que “chegou a hora de aceitar o
casamento gay”, ele reiterou que não retira nada do seu livro, e até rea rmou — e lamentou —
que “o casamento gay tornou-se um fator signi cativo para a contínua desinstitucionalização do
casamento”; David Blankenhorn, “How My View on Gay Marriage Changed”, New York Times,
22 de junho de 2012, http://www.nytimes. com/2012/06/23/opinion/howmy-view-on-gay-
marriagechanged.html?_r=0.

167 Blankenhorn, e Future of Marriage (citado no cap. 3, n. 2), xix. Ver também Jonathan
Rauch, “e Equal Dignity of Homosexual Love”, Independent Gay Forum, 12 de setembro de
2007, http://igfculturewatch.com/2007/09/12/the-equal-dignity-of-homosexuallove/.

168 Partes desta seção apareceram originalmente em Sherif Girgis, Robert P. George e Ryan
T. Anderson, “Marriage: Real Bodily Union”, Public Discourse, 30 de dezembro de 2010,
http://www.thepublicdiscourse.com/2010/12/2277/.

169 Barry Deutsch, “What Is Bodily Union? (A Response to ‘What Is Marriage?’)”, Family
Scholars, 21 de dezembro de 2010, http://familyscholars.org/2010/12/21/what-is-bodily-union-
a-response-towhat-is-marriage/. Todas as citações subsequentes de Deutsch são deste ensaio.

170 Sherif Girgis, Robert P. George e Ryan T. Anderson, “What Is Marriage?”, Harvard
Journal of Law and Public Policy. 34, 2010, pp. 243–87, 254.

171 E quanto à reprodução arti cial? Lembre-se de que baseamos a nossa formulação geral
de união física (“coordenação mútua das partes em direção a um bem biológico do todo”)
numa analogia à união entre os órgãos num organismo individual. Mas a mesma analogia
permite-nos tornar esta formulação mais precisa. A nal, o coração e os pulmões formam um
corpo não apenas por se coordenarem em direção ao bem biológico da vida de um único
organismo, mas por fazer isso da maneira que são biologicamente ordenados a fazer (conforme
expresso pela familiar ideia médico-cientí ca de um sistema biológico que está “funcionando
perfeitamente”). Assim, se um órgão desempenha seu papel característico, mas não de sua
maneira característica (digamos, um objeto semelhante a um coração causa a circulação, mas
apenas emitindo sons que acionam uma máquina capaz de bombear sangue), ele não está tão
verdadeiramente unido aos outros órgãos para formar um todo único. Da mesma forma, duas
pessoas (e geralmente são mais) não são realmente unidas sicamente se cooperarem para
produzir um ser humano por meio de reprodução arti cial — não porque haja algo errado com
a tecnologia médica, mas porque há algo peculiar na união física, e a ação conjunta natural é
parte integrante desse algo. Além disso, não é verdade que gametas extraídos e manipulados em
laboratório sejam partes da pessoa dos pais, de modo que combiná-los não poderia resultar em
uma união física (portanto pessoal) dos pais, como acontece com a coordenação de seus corpos
durante o coito.

172 Ibid., 255.

173 Levantamos muitos desa os à visão revisionista do casamento. Em desa o aos nossos,
alguns perguntam sobre uniões permanentemente não consumadas — digamos, a de um
homem paraplégico. Poderiam estas contar como uniões integrais e, portanto, casamentos?
Segundo a visão matrimonial, o casamento é certamente incompleto sem consumação. E numa
versão forte desta visão, talvez até mesmo a formação do consentimento conjugal exija a
intenção (e, portanto, a expectativa) de consumação. Nesse caso, o consentimento conjugal
envolve ao menos uma promessa condicional de consumação — digamos, mediante um pedido
razoável. (Neste contexto, os leitores católicos acharão interessante que Tomás de Aquino, que
acreditava que José e Maria eram casados apesar da virgindade perpétua desta última, inferisse
que eles devem ter consentido na consumação, mas com uma condição — qual seja, se Deus
assim quisesse — que eles nunca consideraram cumprida). Nesta versão da visão matrimonial,
o relacionamento do paraplégico não é sequer um casamento incompleto. Ainda assim, uma
boa política matrimonial continuaria a reconhecê-lo. E isso porque investigar a situação real
seria invasivo (quanto ao que é perguntado, não só quanto a como), e reconhecê-lo não negaria
a compreensão pública do casamento como uma união matrimonial. Numa versão mais suave
da visão matrimonial, talvez um casal pudesse assumir o compromisso correto para um
casamento — eles poderiam casar — desde que pudessem, em princípio, consumar o seu
compromisso (assumindo que também fosse vitalício etc.). Talvez o relacionamento do
paraplégico esteja apenas no mesmo espectro que outras uniões heterossexuais: cada uma
poderia ser consumada nas condições normais, como boa saúde e disponibilidade de tempo
para atingir a excitação. Cada versão encontra algum apoio entre os defensores do casamento
tradicional. Seja qual for a mais geralmente plausível, a versão forte apresenta, nesta questão,
implicações contraintuitivas para algumas pessoas. Mas a rmamos que, mesmo com estas
implicações, a visão matrimonial superaria a visão revisionista. Em qualquer questão moral,
uma explicação totalmente consistente irá provavelmente contradizer a visão pública
prevalecente em algum lugar, pois “a” visão predominante é apenas um agregado das intuições
maioritariamente pré-teóricas de muitas pessoas, moldadas por muitos fatores, dos quais
apenas alguns são con áveis. É onde começamos o nosso raciocínio, mas raramente onde
terminamos. No entanto, a visão matrimonial continua a ser a linha coerente que melhor se
ajusta às nossas práticas, experiências e julgamentos sobre como os seres humanos são
constituídos (como unidades mente-corpo) e como bens distintos, como a amizade, são
estruturados. A nal de contas, a visão revisionista não se baseia em princípios — em nenhum
— para distinguir o casamento do companheirismo.

174 Jason Lee Steorts, “Two Views of Marriage, and the Falsity of the Choice between em”,
National Review, 4 de abril de 2011, http://www.nationalreview.com/articles/263672/ two-
views-marriage-and-falsity-choice-between-them-jason-lee-steorts.

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