Imflima, Artigo 03 Revisado
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ANÁLISE AS TRANSFORMAÇÕES
OBSERVADAS NA ECONOMIA
ANGOLANA NO TEMPO DA GUERRA AO
TEMPO DA PAZ
ANGOLA'S PEACE PROCESS AS A TURNING POINT FOR
NATIONAL RECONCILIATION: PATHWAYS AND
PERSPECTIVES
_____________________________________
ISSN: 2675-7699
Vol. 01 | Nº. 1 | Ano 2020 RESUMO: A República de Angola, constituída em 11 de
novembro de 1975, é um país que tem passado por diversas
transformações como política, econômica, cultural, etc. A
presente análise mostra que Angola passou por vários processos
de transição política caracterizado o primeiro, por um modelo de
Wilton Pedro Serrote
economia socialista (economia centralmente planejada) de 1975 a
1987, o segundo marcado por uma economia neoliberal
(liberalismo econômico) de 1988 a 2001. E nestes períodos
tivemos também os acordos de Alvor (1975), o de Bicesse (1991),
as primeiras eleições (1992) e o acordo de paz (2002), este último
que caracteriza um papel importantíssimo para a economia
angolana, que vai ser regida pelo petróleo.
INTRODUÇÃO
Durante os seus 43 anos de independência a República de Angola tem passado por várias
transformações tanto política quanto econômica. O presente trabalho visa abordar de maneira
bem sistemática as transições que o país sofreu, fazendo uma análise diacrônica e sincrônica so-
bre as políticas econômicas que o país vem implementando até aqui. Tratando-se de Angola é
importante perceber que o país fez um progresso econômico e político substancial desde a inde-
pendência ao fim da guerra civil, em 2002, que iremos abordar aqui como sendo o período da
“idade de ouro” da economia angolana. No entanto, o país continua a enfrentar desafios de de-
senvolvimento enormes, que incluem a redução da dependência do petróleo, a diversificação da
economia, a reconstrução das infraestruturas, o aumento da capacidade institucional e a melhoria
dos sistemas de governação e de gestão das finanças públicas, dos indicadores de desenvolvi-
mento humano e das condições de vida da população.
O trabalho está dividido em quatro pontos principais. No primeiro ponto destacamos o
sistema político vigente no país, bem como as suas aspirações econômicas para a implementação
de uma economia centralmente planejada. O segundo ponto trata da transição político-econômica
que o país passou, abandonando o socialismo e aderindo à economia neoliberal. O quarto ponto
faz menção ao processo de consolidação da paz e reconciliação nacional, bem como as altas ta-
xas petrolíferas que de maneira espalhafatosa contribuíram para o alavancar da economia nacio-
nal. No quarto e último ponto dá-se as considerações finais. Este trabalho justifica-se no intuito
de entender as transformações que a economia angolana passou e entender as medidas criadas
pelo governo com o objetivo de alavancar a economia do país. O trabalho tem como objetivo
analisar o processo histórico de transição da economia angolana. Para isto usamos a pesquisa bi-
bliográfica de análise documental, consultando também programas do governo e outras fontes
como artigos, livros, documentos, etc. Desta feita o nosso trabalho será orientado com base em
1
Discente do Programa de Pós-Graduação em Estudos Africanos e Representação da África (EAF) pela
Universidade do Estado da Bahia-DEDC II). Possui graduação em Humanidades e graduando em Relações
Internacionais pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira-UNILAB. E-mail:
wiltonwilquel@gmail.com
uma pergunta. Que ideais têm motivado o Estado angolano no processo de exercício da sua polí-
tica econômica?
Observando a tabela acima, podemos ver que nos primeiros anos a economia angolana es-
tava à beira da bancarrota, isto porque ainda não se havia arrumado a casa para a implementação
do novo sistema e também devido à guerra civil entre (MPLA e a UNITA) que teve a duração de
mais de duas décadas. Mas, podemos notar que a partir dos anos 1980 a economia angolana pas-
sou a ter um ligeiro crescimento graças às grandes empresas estatais com destaque para as petro-
líferas, que contribuíram para o crescimento econômico do país, até que Angola passou a estrei-
tar laços com as instituições do Consenso de Washington, o que desenhou o novo processo de
transição que a economia angolana iria enfrentar.
Segundo Goulart Filho (2014) e Chimbulo (2014) o modelo adotado por Angola após a
sua independência foi ineficiente, dado que o país carecia de mãos-de-obra qualificadas, o poder
de decisão era monopolizado, a guerra civil e a dependência do enclave capitalista, foram fatores
condicionantes para o arranque político e econômico do país, e a consequente queda do sistema
socialista.
va-se o preço fiscal do petróleo. Até 50 dólares o barril, por exemplo, todos os recursos eram ge-
ridos sob supervisão do FMI” (Cerqueira, 2014 apud Angola, 2014). Menezes (2000) vai dizer
que esta aproximação de Angola com as Instituições do Consenso de Washington dariam as con-
dições necessárias para que o país trilhasse o caminho de volta à economia de mercado capitalis-
ta, bem como ser um país democrático:
Solival Menezes (2000) vai apontar esta mudança de direção da economia angolana como
“inflexão econômica” que segundo o mesmo autor vai se dar de duas formas, a interna e externa.
A “inflexão econômica” interna teria como objetivo regularizar o elevado grau de fragilização da
economia angolana, causado pela dependência do enclave petrolífero e pela queda dos preços
internacionais do petróleo. Já a “inflexão econômica” externa seria a valorização do liberalismo
econômico, que propunha políticas de endividamento do país com as Instituições Financeiras In-
ternacionais, que acabaram por enfraquecer o país. Assim como em vários países as políticas
econômicas do Consenso de Washington, falharam também em Angola. Elas partiram do “pres-
suposto de que a liberalização dos preços e as privatizações gerariam sociedades com igualdade
de oportunidade” (MARKTANNER; WINTERBERG, 2009, p. 1, 2) porém ao invés disso aca-
bou por gerar uma reação controversa como: o aumento das desigualdades; a quebra da renda per
capita; déficit das exportações; elevadas taxas de inflação; déficit nas arrecadações fiscais entre
outras.
A tabela a seguir apresenta os dados da economia angolana do período de 1989 a 2001.
Anos PIB (mi- Crescimento PIB per ca- Saldo da CC Déficit Inflação
lhões do PIB (%) pita (USD) (10^6 USD) Fiscal (%)
USD) (%PIB)
1989 8.587 0,4 881,7 -128 -24,4
1990 8.547 -0,4 852,8 -158 -12,1
1991 8.797 1,0 847,5 -608 -15,9 275,7
1992 7.989 -5,8 743,2 -837 -26,5 495,8
1993 5.819 -2,4 522,7 -834 -16,6 1837,7
1994 4.292 1,3 372,2 -584 -25,1 971,9
1995 5.365 11,3 423,8 -451 -28,7 3.784,0
1996 6.535 11,7 502,3 -574 -14,5 1.651,3
Até aqui assistimos àqueles que seriam os períodos de transição política e econômica que
o país viveu e, segundo os dados da tabela 1 e 2, mais foram os déficits econômicos, do que ga-
nhos nos dois primeiros processos. A economia angolana entrava então assim para aquilo que
seria o “virar da página”. Falamos do período de 2002, que representa um marco histórico para a
economia e política de Angola, representada pelo final da guerra civil e a política interventiva do
Estado angolano, “visto que o país que acabara de sair da “década perdida” iniciou os anos
2000 com uma nova dinâmica na economia [...] abriam-se perspectivas para melhorias e avan-
ços substanciais na economia angolana” (ABRANTES, 2005, p. 7).
Foi neste período (4 de abril 2002) que as tropas do MPLA e da UNITA cessaram as suas
diferenças com o acordo de paz que possibilitaria melhorar o ambiente econômico do país “o go-
verno local poderia dar início a uma série de medidas destinadas a recuperar a economia”
(ABRANTES, 2005, GOULART FILHO; CHIMBULO, 2014, p. 7). O país tinha muito trabalho
pela frente, sabendo das mazelas deixadas pela guerra “cabia ao Estado por intermédio de inter-
venção na economia com política econômica intervencionista revitalizar a economia”. E foi o
que aconteceu na medida do possível, do período que vai de 2000 a 2012 (GOULART FILHO;
CHIMBULO, 2014, p. 7). Já com uma política econômica diferenciada da praticada pelo FMI,
Goulart Filho e Chimbulo vão dizer que a nova política econômica era mediante um plano sólido
de desenvolvimento que visava tanto em aspectos econômicos quanto social:
Estes programas de curto médio e longo prazo tiveram um papel importante na nova visão
da política econômica do Estado angolano que teve de intervir para incentivar o crescimento
econômico. O governo tinha bem clara a intenção de uma participação direta no novo rumo que a
sua economia teria. “A partir deste momento foram aplicadas políticas fiscais e monetárias ex-
pansionistas na economia angolana” (CEIC, 2009, apud GOULART FILHO; CHIMBULO, 2014,
p. 8). A paz foi um marco no novo rumo que o país estava a tomar, houve uma recuperação na-
quilo que era o seu PIB, apresentando altas taxas de recuperação face aos períodos passados
(1975 – 2000) bem como, bons índices fiscais.
Estavam assim então lançados os desafios da nova Angola como programas que visam a
redução da pobreza (ERP), e programas que incentivassem o desenvolvimento (ED). Querendo
se abrir para o mundo, o governo foi à busca de investimento externo “tendo encontrado sucesso
numa parceria com a China, com linhas de crédito que totalizaram 5 bilhões de dólares até 2008”
Anos PIB (mi- Crescimento PIB per Inflação Desemprego Investimentos Públi-
lhões de do PIB (%) capita (%) (%) cos
dólares) (dólares) (taxas de crescimen-
to)
2002 11.204 15,3 685 105,59 44,3 -
2003 13.956 3,3 848 76,56 42, 3 37,6
2004 19.800 11,2 1.157 31, 1 40,3 -8,5
2005 30.632 20,6 1.728 18, 53 34,5 44,0
2006 45.168 18,3 2.489 12,21 32,3 250,9
2007 59.263 23,3 3.078 11,79 25,3 27,6
2008 77.280 13,8 4.206 13,17 23,9 71,1
2009 71.743 2,4 3.879 13,99 21,8 -21,1
2010 82.400 3,5 4.461 14, 50 25,3 -14,8
2011 104.300 3,9 5.359 11,4 25,6 13,1
2012 112.700 5,2 5.732 9,0 23,0 12,4
Fonte: Goulart Filho; Chimbulo, 2014.
O quadro acima mostra claramente uma recuperação da economia face às tabelas passa-
das, com o PIB a atingir níveis significativamente altos, do mesmo modo que a taxa de cresci-
mento. A taxa de inflação também apresenta números muito bons, tal qual, a de desemprego e
investimento externo. A economia do país estava tão boa que segundo Goulart Filho e Chimbulo
(2014) foi possível pagar a dívida que Angola tinha com o FMI, contraindo assim um fato histó-
rico na economia angolana e africana. Sendo o primeiro país africano a conseguir tal feito, esta-
vam então abertos o caminho rumo a um desenvolvimento autônomo, sem a ingerência do Fun-
do, que nada fez a não ser deteriorar a situação econômica do país:
[...] Um programa monitorado pelo Fundo não ajudará Angola a preservar a es-
tabilidade econômica e social alcançada até aqui, [...] recebemos assistência
técnica e aconselhamento técnico; não precisamos de receber o dinheiro do
FMI. [...] não estamos contra aqueles que têm de calibrar a sua política com as
da comunidade internacional porque é do seu interesse, [...] encontramos e po-
demos conceber e implementar as nossas próprias políticas e isto é do nosso in-
teresse e do nosso povo (MACAUHUB, 2007 apud GOULART FILHO,
CHIMBULO, 2014, p. 12).
É importante mencionar que a produção petrolífera foi fator determinante para o “período
de ouro” da economia angolana, contribuindo com mais de 80% para o PIB nacional.
A economia angolana desde cedo foi dependente das exportações petrolíferas, mesmo no
período do socialismo angolano, o enclave petrolífero/região petrolífera tinha o cunho capitalista,
“suas reservas petrolíferas se encontravam nas mãos de grandes companhias capitalistas” (Mene-
zes, 2000, p. 203). De acordo a Rocha (2016) a economia angolana foi durante muito tempo de-
pendente do petróleo que contribuiu com mais de 58% do PIB nacional e que no seu tempo de
auge pouco ou quase nada se fez para dinamizar o crescimento de outras áreas como, agricultura;
indústria transformadora; energia; águas; construção; comércio; etc. Estas áreas e outras tiveram
pouca atenção do Estado angolano.
O ano de 2008 e 2009 vai ser marcado por uma intensa crise internacional, afetando a
economia angolana, que vinha de um longo período de conforto, não só Angola como também
“algumas economias desenvolvidas e emergentes entraram em recessão durante 2009” (CEIC,
2008, p. 10). A partir do final de 2008 a 2009 altura em que se os preços do petróleo no mercado
internacional caem, a economia angolana também cai, causando um grande desajuste na econo-
mia nacional. “As ocorrências financeiras e econômicas internacionais influenciaram-nos, sen-
do de destacar a subida da taxa de inflação, a diminuição do saldo da conta corrente com o ex-
terior, subida do déficit fiscal” (CEIC, 2008, p.14). Sendo um país com a economia assente no
petróleo, estava claro que Angola sentiria os efeitos desta crise mundial, afetando diretamente no
seu PIB que caiu para “2,4 em 2009 e 3,4 em 2010. [...] Numa altura em que as receitas do Esta-
do caíram, os projetos de construção previstos para o país pararam” (Jornal de Negócios, 2012).
A tabela acima mostra a clara evolução dos preços do petróleo no mercado internacional,
que com a recessão que a economia mundial passou diminuiu os índices de crescimento da eco-
nomia angolana, “em novembro de 2009, o governo angolano assinou com o FMI (Fundo Mone-
tário Internacional) um empréstimo de 1,4 mil milhões de dólares (1,12 mil milhões de euros)
para reservas internacionais” (Negócios, 2012?). A economia angolana apresentou grandes pro-
blemas como, as altas taxas de inflação, os elevados índices de déficit fiscal, a escassez cambial e
a desvalorização da moeda nacional. O país estagnou, pois não soube controlar o desequilíbrio
que o mundo experimentava. Mergulhou-se em uma profunda crise que se acentua até aos dias de
hoje, sem precedentes de recuperação, visto que o Estado angolano se voltou novamente em par-
cerias de empréstimo com o FMI. Apesar de Angola ter atingido taxas elevadas de crescimento
econômico, o índice de pobreza ainda era muito elevado, quanto mais o país crescia, consigo
também cresciam os índices de desigualdade social e má distribuição das riquezas. O Centro de
Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola (2012) apresenta alguns
desafios para o governo dizendo que: A questão social é o grande desafio que Angola tem que
vencer; a equação contraditória entre sermos um país efetivamente rico e termos um povo pobre,
tem que ser resolvida a favor dos angolanos.
Considerações Finais
Desde os seus 43 anos de independência a economia angolana passou por muitos altos e
baixos, a partir de 1975 quando o país ia se constituindo como uma República socialista ela pas-
sou por muitos momentos de oscilação, sendo que o modelo de economia centralmente planejada
não conseguia responder às expectativas do país, houve então à necessidade da transição para a
economia neoliberal, orientada pelo FMI, que acabou sendo menos eficiente do que no período
da economia concebida detalhadamente, visto que o país não possuía requisitos para implemen-
tação das reformas econômicas propostas pelo Fundo. A partir de 2002, período em que o Estado
angolano opta por uma política econômica emancipatória, que vimos uma recuperação tremenda
nos cofres econômicos do país.
Arriscamo-nos aqui a dizer, que este crescimento acaba sendo um tanto quanto paradoxal,
porque a partir do momento em que as contas do país se elevaram o nível de vida da população
se degradara, pois, este crescimento não se fazia sentir na vida da população angolana. E mais,
sendo que nos anos 1980 a economia mundial já havia sido afetada pela baixa do preço do petró-
leo no mercado internacional, o mesmo acontece nos dias de hoje, o que consideramos ser uma
displicência por parte do governo angolano, que se descuidou quando os preços do petróleo esta-
vam em alta, e não elaborou um processo de diversificação da economia que acompanhasse as
transformações mundiais e reais do país. Cita-se também o alto nível de corrupção no aparelho
do Estado angolano como fatores condicionantes para o não crescimento do país. Vários foram
os motivos que contribuíram para a degradação da economia angolana, dentre eles a parceria com
o FMI que nada faz a não ser situar os países ainda mais em uma crise econômica profunda, co-
mo a que tem vivido nos dias atuais, graças às ingerências dessa instituição financeira internacio-
nal no país.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRANTES, José Mena. A paz em Angola: Novos desafios. Luanda: Edições Maianga, 2005.
ALVES, Carlos Alberto de Jesus. Política externa angolana em tempo de guerra e paz: colo-
nialismo e pós-colonialismo. Coimbra: Faculdade de Letras, 2013.
MENEZES, Solival. Mama Angola, sociedade e economia de um país nascente. São Paulo:
EDUSP/FAPESP, 2000.
ROCHA, José Manuel Alves da. Estudos Sobre a Diversificação da Economia. Luanda: UAN,
2016.
DOCUMENTOS:
CEIC, Centro de Estudos e Investigação Científica. Relatório Econômico de Angola 2008. Lu-
anda: Universidade Católica.
CEIC, Centro de Estudos e Investigação Científica. Relatório Social de Angola 2012. Luanda.
Universidade Católica.