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Evolução USP MB

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Evolução

8 Macroevolução

A proposta curricular do estado de São Paulo aponta “Mudanças ao longo do tempo”


como um dos Conceitos fundamentais em biologia. Ná Página 44 da proposta pode se ler:
“Os seres vivos atuais não são os mesmos que eram no passado, conforme
comprovam os fósseis ou outros sinais da vida antiga. De certa forma, o con-
fronto desses fósseis com os organismos vivos permite mapear (e individu-
alizar) essas diferenças. Embora não se coloque em discussão as mudanças
ocorridas, o que se discute é como elas foram produzidas e como podem estar
associadas a novas mudanças.”
Na última aula vimos a continuidade da vida e como, a partir dessa continuidade, ocor-
re a o processo de especiação. Nesta aula vamos dar um passo além e aprender um pouco
sobre como a evolução produz a imensa diversidade viva que observamos, bem como
sua complexidade.

Fig. 8.1
Semana 8 Macroevolução 67

O que é macroevolução?
O termo macroevolução aplica-se à evolução dos grandes grupos de organismos. A
macroevolução pode ser definida como a evolução que ocorre acima do nível de espécie.
Como vimos no módulo anterior, sobre espécies e sua origem, os fenômenos que estão
envolvidos na origem de novas espécies, a partir de espécies existentes anteriormente, são
essencialmente fenômenos populacionais. As mutações ocorrem na formação de indivídu-
os, mas, para que essas mutações passem a fazer parte de todos os indivíduos, elas preci-
sam substituir as características que existiam anteriormente. Os processos, tanto de seleção
natural quanto de deriva genética (flutuações de frequências gênicas que ocorrem sem
que haja seleção natural), são necessariamente processos graduais, que levam à diferencia-
ção de populações até o ponto em que se tornam entidades independentes. As mudanças
evolutivas que ocorrem dentro das espécies e das populações são o objeto de estudo da
chamada microevolução. Nós temos evidências diretas dessas mudanças graduais quan-
do comparamos, por exemplo, duas ou mais espécies atuais de um mesmo gênero. Com
relação aos fenômenos que originaram os grandes grupos, como gêneros, famílias, ordem,
classes etc., não temos evidências diretas, somente indiretas. Nesse caso, a grande questão
que precisamos responder quando estudamos a macroveolução é a seguinte:

RedeFor
A grande questão da macroevolução
A especiação que origina duas ou mais espécies que serão as espécies
ancestrais dos grandes grupos é diferente daquela que origina duas espé-
cies “normais”?

Darwin, quando abordou esse tema, foi taxativo. Em seu livro “A origem das espécies”,
ele usou várias vezes uma expressão recorrente nas Ciências naturais que remonta aos
filósofos gregos e que, em latim, é assim escrita: “Natura non facit saltum”, que pode
ser traduzida para o português como: “A natureza não dá saltos.” Para Darwin e outros
estudiosos da evolução, as mudanças graduais são o motor da evolução. Segundo esse
ponto de vista, os padrões que podemos observar quando comparamos grandes grupos de
organismos são o resultado do acúmulo das mudanças microevolutivas que ocorreram em
grandes intervalos de tempo. Para ilustrar as mudanças que ocorreriam durante o tempo
de maneira gradual, veja o esquema mostrado na figura 8.2.

Descontinuidades no registro fóssil


Segundo o modelo de evolução gradual, as descontinuidades verificadas no registro fóssil
poderiam ser explicadas por descontinuidades nos próprios processos de fossilização. Por
exemplo, se um rio está depositando sedimentos continuamente em uma região estuarina
e ele muda de direção, cessa a deposição de sedimentos durante um longo período de
tempo. Se o rio volta a depositar sedimentos após esse período de tempo, há novamente
condições de fossilização. As mudanças que ocorreram nas espécies que vinham evoluin-
do deixam de ser registradas e, assim, há impressão de descontinuidade. Se houver erosão
nas camadas de sedimento intermediárias, o registro também passa a ser interrompido. É
mostrado na figura 8.3 o padrão resultante desses mecanismos que provocam descontinui-
dades no registro paleontológico.
68 Evolução

O equilíbrio intermitente
Na década de 1970, alguns paleontólogos, especialmente os norte-americanos Stephen Jay
Gould e Niles Eldredge, propuseram que as descontinuidades no registro fóssil não eram sim-
plesmente o efeito de interrupções nas sedimentações ou efeito de erosões passadas, mas resul-
tado de propriedades que se verificavam no nível macroevolutivo. Eles propuseram o modelo
do equilíbrio intermitente (ou “equilíbrio pontuado”, uma tradução mais direta do termo em
inglês “punctuated equilibria”). Segundo esse modelo, as espécies permaneceriam estáveis
durante longos períodos de tempo e as mudanças aconteceriam em períodos curtos de tempo, o
que causaria as descontinuidades observadas no registro fóssil. Segundo Gould e Eldredge, esse
modelo estaria mais de acordo com os padrões observados no registro fóssil do que aquilo a que
deram o nome de “gradualismo filético”. Na figura 8.4 são mostrados os padrões de acordo com
esses modelos que seriam alternativos.
Depois de décadas de debates baseados em estudos mais aprofundados de séries de fós-
seis ao longo do tempo, ficou claro que “o” padrão macroevolutivo do registro fóssil não é
único, sendo os do “equilíbrio intermitente” e do “gradualismo filético” considerados como
os extremos de uma distribuição em que há padrões de vários tipos, desde organismos que
se modificam gradualmente ao longo do tempo até aqueles que passam por mudanças brus-
cas. Há também que se considerar a questão da escala de tempo. Para os paleontólogos,
aquilo que é considerado uma “mudança brusca” pode ter levado dezenas ou centenas de
milhares de anos. Mesmo esses tempos por eles considerados curtos implicam uma quan-
tidade muito grande de gerações e, portanto, são entendidos como um tempo longo por

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aqueles que estudam processos microevolutivos.

Fig. 8.2 Mudanças graduais


Fig. 8.4 Padrão evolutivo segundo o modelo do equilíbrio pontuado
Fig. 8.3 Padrão resultuante
de mecanismos que provo-
cam descontinuidades no
registro paleontológico
Semana 8 Macroevolução 69

Radiações adaptativas
Há muitos exemplos de grupos de organismos, que não são encontrados em vários estra-
tos geológicos mais antigos, mas estão representados em abundância nos estratos mais
recentes. Um exemplo notável desse padrão é aquilo que é conhecido como a “Explosão
cambriana” dos grandes grupos (filos) animais. O período Cambriano
originou-se há cerca de 540 milhões de anos e caracteriza-se por
apresentar grande diversidade de animais multicelulares. Antes disso, Acesse o link para ver algu-
há evidências de que já havia metazoários, como pode ser visto na mas amostras de rochas onde
se podem ver fósseis de animais
fauna de Ediacara, nome dado a uma região da Austrália onde foram multicelulares.
encontradas rochas anteriores ao período Cambriano.
O que pode estar envolvido em uma radiação adaptativa? Trata-se de uma oportunidade
que aparece de tempos em tempos, em que uma espécie, por ter uma característica apro-
priada, passa a ocupar nichos ecológicos que não eram ocupados anteriormente. A partir
disso, especiações subsequentes ocorrem de maneira rápida de tal forma que geram uma
diversidade nova a partir dos descendentes dessa espécie que “conquistou” esse nicho
até então inexplorado.Um nicho ecológico, no entanto, é uma propriedade do organis-
mo. Assim, a rigor, não há sentido no conceito “nicho ecológico vazio”. Entretanto, se
analisarmos retrospectivamente, podemos adotar esse conceito. Por exemplo, não pode-
mos falar em um “nicho ecológico aéreo” se não existem organismos que voam. Mas, a
partir da constatação de que, em uma determinada época, a habilidade de voar surgiu na
evolução, deduzimos, retrospectivamente, que havia um nicho inexplorado relacionado

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com a capacidade de voo. Por outro lado, se há grandes extinções, os nichos ecológicos
explorados pelos organismos extintos são nichos potenciais que podem ser explorados
por outros organismos, que não os ocupavam devido à competição dos organismos que
acabaram sendo extintos.

As novidades evolutivas e a cooptação


No tópico anterior, mencionamos a aquisição de uma novidade evolutiva. Relembran-
do que, na evolução, não há projetos a partir do zero, ou a partir da “prancheta de dese-
nhos”, as características de um organismo devem estar também nos ancestrais. Assim,
estruturas “novas” somente podem evoluir a partir de estruturas que existiam nos ances-
trais. A esse mecanismo é dado o nome de cooptação, que é sinônimo de aliciamento.
Como mencionamos a capacidade de voo no tópico anterior sobre radiações adaptativas,
o surgimento de asas na evolução pode ser um exemplo apropriado. Evidentemente, asas
minúsculas não conferem a capacidade de voo. Por esse motivo, estruturas com outras
funções devem ter originado as asas. E foi exatamente isso que ocorreu. Entre os animais,
as asas surgiram em quatro grupos independentemente: nos insetos, nos pterodáctilos
(atualmente extintos), nas aves e nos morcegos. Nos insetos, onde essa habilidade evoluiu
primeiro, as asas surgiram de expansões dos apêndices locomotores, cuja função anterior
estava, segundo uma teoria, relacionada com a capacidade de pla-
nar ou, segundo uma teoria alternativa, com a capacidade de desli-
zar em superfícies aquáticas. No caso das aves, dos pterodáctilos e Assista as partes 1, 2, 3 e 4
dos morcegos, as asas originaram-se a partir de modificações dos de um filme sobre a evolução
das asas (em inglês, 43 minutos).
membros anteriores, antes utilizados para locomoção terrestre.
70 Evolução

Cooptação molecular
Há também inúmeros exemplos de cooptação no nível molecular. Um exemplo inte-
resssante é o da proteína que existe no cristalino dos olhos dos vertebrados. A proteína
que existe nessas lentes originou-se a partir de outras proteínas em diferentes eventos de
cooptação, sendo que, em vários casos, as proteínas do cristalino também têm função
de enzima, embora não haja o substrato nas lentes! Essas enzimas passaram a exercer a
função de preenchimento da lente simplesmente pelo fato de serem proteínas solúveis
estáveis e serem transparentes à luz visível quando em solução aquosa.

Genes, moléculas, desenvolvimento e evolução


Existem genes que, quando mutados, causam profundas modificações na forma geral do
corpo dos indivíduos que portam tais mutações. Logo que foram descobertas, tais muta-
ções foram consideradas como macromutações e, portanto, chegaram a ser apontadas
como candidatas a serem o motor principal da macroevolução. Segundo esse raciocínio, as
micromutações, causadoras de modificações pequenas, poderiam ser sujeitas à ação de
seleção natural. As macromutações, que provocam alterações profundas, geram seres vivos
muito diferentes de seus genitores. Por exemplo, a mutação conheci-
da como “Antenapédia”, produz, na mosca drosófila, patas nos luga-
Veja uma fotografia de res onde normalmente se desenvolve uma antena. No entanto, essas
mosca drosófila com a muta- “macromutações”, por produzirem seres muito aberrantes, seriam
ção antenapédia.
muito difíceis de serem fixadas em uma população. Richard Golds-

RedeFor
chmidt, um geneticista que estudava esse tipo de mutação na década de 1940, chamou tais
seres de “monstros promissores”, pois acreditava que esses mutantes poderiam originar os
grandes grupos.
Atualmente, sabe-se que existem genes que estão envolvidos no desenvolvimento
embrionário e que mutações nesses genes podem causar grandes modificações morfo-
lógicas. Um grupo desses genes que controlam o desenvolvimento é conhecido como o
grupo dos genes homeóticos. Mutações nesses genes causam, nos organismos segmenta-
dos, uma mudança no padrão das estruturas que ocorrem em cada um dos segmentos. O
gene cuja mutação causa o aparecimento de patas no lugar das antenas pertence a esse
grupo de genes homeóticos. Tais genes codificam proteínas que se ligam ao DNA inibin-
do a sua transcrição. Isso quer dizer qua cada um dos segmentos tem o potencial de gerar
quaisquer estruturas que existam em qualquer dos segmentos. Esse potencial é realizado
conforme os genes que estão ativos nas células que originarão as estruturas. Esse fenôme-
no é claramente relacionado com o nível de pluripotência das células-tronco envolvidas.

Nas últimas semanas, vimos um pouco acerca do registro fóssil e


sobre o parentesco entre os seres vivos. Para saber um pouco mais
sobre como estimamos esse parentesco, veja essa apresentação que
dará uma introdução a como os pesquisadores estabelecem tais relações
(chamamos isso de filogenia). Essa apresentação traz apenas uma breve
introdução e poderá auxiliar você a realizar a atividade desta semana. Você
vai aprender mais sobre esse assunto nas disciplinas de botânica e zoologia.
Semana 8 Macroevolução 71

Interações bióticas-bióticas: a coevolução


Os organismos interagem entre si o tempo todo, podendo haver vários tipos de inte-
rações, como herbívoro-planta, presa-predador, parasita-hospedeiro, mutualismo, entre
outras, tal como é estudado dentro da área da Ecologia. Nesse caso, espera-se que a
evolução de um organismo influencie na evolução de outro. Se as evoluções de dois ou
mais organismos se influenciam reciprocamente, caracteriza-se o fenômeno da coevolu-
ção. A verificação de coevolução efetiva pode ser feita pela correspondência que existiu
entre a história evolutiva de um grupo de organismos (parasitas, por exemplo) com outro
grupo com o qual há interações ecológicas (hospedeiros, por exemplo). Na figura 8.5,
estão representadas duas relações hipotéticas entre grupos de parasitas e hospedeiros,
onde há clara evidência histórica de coevolução entre dois grupos e ausência de coevo-
lução entre outros dois.

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Fig. 8.5 Exemplos hipotéticos de coevolução


72 Evolução

Interações biótico-abióticas
Evidentemente, existem interações entre fatores abióticos e a evolução dos seres vivos.
Estes precisam adaptar-se às condições abióticas do ambinte, como a temperatura, umi-
dade, disponibilidade de nutrientes minerais, acidez etc. Mas existem também as inte-
rações no sentido contrário, ou seja, a evolução dos organismos também influencia as
condições abióticas do ambiente. A atmosfera atual, rica em oxigênio, resulta do acúmulo
de produtos da fotossíntese durante bilhões de anos. Existem imensos depósitos minerais
calcários, que resultam do acúmulo de conchas e outras estruturas secretadas por seres
vivos. O petróleo e o carvão mineral resultam da fixação de carbono, a partir do gás
carbônico atmosférico, também por seres vivos. A evolução dos seres vivos é influenciada
pelos acontecimentos do planeta (glaciações, vulcanismo, impactos extraterrestres) e a
evolução dos organismos influencia o planeta, até mesmo em escala global. No qua-
dro ao lado, estão representadas as grandes interações que ocorreram entre eventos dos
ambientes biótico, abiótico e extraterrestre.

Ambiente

Biótico Abiótico Extraterrestre

4 Formação Impactos

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dos oceanos
Fósseis mais antigos

3
Atmosfera com
Bilhões de anos atrás

metano

Fotossíntese

Oxidação maciça

Eucariotos

1 Segunda oxidação
Multicelulares maciça
Plantas asculares
Grande
glaciação ?
Explosão cambriana
Altos níveis
de oxigênio
Megafauna
Extinção K/T Impacto
0
Fig. 8.6 Grandes interações que ocorreram entre even-
tos dos ambientes biótico, abiótico e extraterrestre
Semana 8 Macroevolução 73

Texto Complementar: Todos os olhos


Parte I
Às vezes é complicado entender a possibilidade da evolução de estruturas complexas.
Podemos medir a evolução alterando o tamanho do bico das aves ou selecionando bacté-
rias resistentes a antibióticos, mas não podemos observá-la, em tempo real, criando órgãos
ou vias celulares complexas. Às vezes é difícil imaginar como a seleção natural, agindo
sobre a variabilidade gerada ao acaso, poderia construir a complexidade que observamos
no mundo natural.
Um bom exemplo para esse enigma é a estrutura do olho humano. Trata-se de uma
estrutura de câmera, finamente regulada para captar imagens, com um sistema para cor-
reção do foco e da entrada de luminosidade. O próprio Charles Darwin se admirava com
a estrutura do olho e apresenta em sua obra “A Origem das Espécies” a seguinte citação
(que, como veremos adiante, até hoje é extraída de seu contexto original):
“Supor que o olho com todos os seus dispositivos para ajustar o foco a distâncias dife-
rentes, para admitir quantidades de luz diferentes, e para a correção de aberração esférica
e cromática, podia ter sido formado pela seleção natural parece, confesso livremente,
absurdo no mais alto grau.” (Darwin, 1872)
De fato, falar apenas do olho humano talvez não faça jus ao problema. Pesquisadores estimam

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que os olhos evoluíram, independentemente, ao menos 40 vezes ao longo da evolução!
Antes de mostrar alguns desses 40 “tipos” de olhos, seria interessante tentar responder
ao aparente ceticismo de Darwin em relação à evolução dos olhos de acordo com sua
própria teoria.
A imagem ao lado mostra um esquema do olho humano com “todas as peças” necessárias
para que uma imagem clara seja captada, transformada em sinais elétricos e enviada até o
cérebro para ser “traduzida”.
O que acontece se perdermos uma das peças? O cristalino, por exemplo? O cristalino
funciona como uma lente com capacidade de alterar o seu foco. Caso pudéssemos imaginar
um olho sem cristalino, poderíamos ter certeza de que tal olho não formaria uma imagem
clara. O mesmo serve para qualquer uma das partes do olho: imagine um olho sem a íris,
os músculos que regulam a abertura da pupila e/ou a angulação do cristalino; ou mesmo o

Fig. 8.7 Desenho esquemático do olho humano


74 Evolução

humor vítreo (o líquido que preenche a câmara do olho). Tire do olho qualquer um desses
elementos e teremos um olho em que não pode ser formada uma imagem nítida!
É simplesmente impossível que uma estrutura complexa como o olho tenha sido for-
mada em um único passo por uma “mutação fortuita” e subsequentemente tenha sido
selecionada. Qualquer estrutura complexa que observamos hoje deve ser resultado de
inúmeros e sucessivos pequenos passos, todos eles úteis e favorecidos pela seleção natu-
ral, culminando na estrutura complexa que é hoje observada.
A pergunta que fica então é: Como pode o olho que conhecemos ter tido inúmeros e
sucessivos passos, sendo cada um deles útil ao organismo? Para que serviria um olho
simplificado, em que está ausente o cristalino (e que, portanto, não forma imagem)? Ou
um olho no qual falta a musculatura que controla a íris e o cristalino? Para que serviria
um olho incompleto?
De fato, à primeira vista pode ser difícil imaginar qualquer funcionalidade possível para
um “olho incompleto” e, se não existirem estágios transicionais úteis para essa estrutura,
então ela simplesmente não pode ter surgido através de seleção natural.
Entretanto, as nossas indagações com relação ao olho começam a ser respondidas ao
nos voltarmos para os diversos tipos de olhos presentes na natureza. Na verdade, parece
que muitos animais se dão muito bem com olhos simplificados em que falta uma, ou mais,
das estruturas presentes nos olhos dos vertebrados. Vamos ver alguns exemplos!

1) O olho de platelmintos: Não se pode sequer

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chamar tal estrutura de “olho”; trata-se ape-
nas de uma camada de células fotorrecepto-
ras: não existe uma câmara para direcionar
a luz ou formar imagem, uma lente ou uma
camada córnea para prover proteção. Esse
“ocelo” é capaz apenas de captar a intensi-
dade da luz.

2) Olho formando uma concavidade: presente


em alguns vermes, tal olho apresenta um
diferencial, que é o fato de que suas células
formam uma concavidade que direciona os
fótons a serem recebidos.

3) Olho presente em alguns gastrópodes, no


qual a concavidade forma uma taça que dá
ao animal maior capacidade de distinguir o
ângulo de incidência da luz.
Semana 8 Macroevolução 75

4) Olho do Nautilus , com abertura em “pin


hole” permite a formação de imagens nítidas.

5) Olho do polvo: além da abertura em um furo,


possui uma camada córnea protetora e uma
lente (cristalino), que direciona os fótons de
luz e forma uma imagem mais nítida.

6) Olho de vertebrado: Finalmente chegamos, novamente, ao olho complexo dos ver-


tebrados com todos os elementos previamente descritos:
Essa sequência mostra que um “olho incompleto” pode ser muito útil ao seu portador, e
que alterações em sua estrutura, ainda que sejam pequenas (como um pequeno aumento
na angulação da concavidade), podem ser mais úteis e favorecidas pela seleção!
É importante lembrar que estamos observando apenas olhos de animais que existem
hoje! Não estamos traçando a evolução do olho, pois para isso precisaríamos analisar
a estrutura dos olhos dos fósseis presentes em nossa linhagem ao longo da evolução.

RedeFor
Estamos apenas constatando que, mesmo hoje, podemos observar olhos funcionais, com
diversos graus de complexidade estrutural, em vários grupos viventes.
Não há melhor conclusão para a as nossas indagações do que continuar a transcrever
aqui a continuação do texto de Darwin em “A Origem das Espécies” falando sobre o olho
e fechando o seu raciocínio:
“...Quando foi dito pela primeira vez que o sol estava parado e o mundo gira-
va à sua volta, o senso comum da humanidade declarou que essa doutrina era
falsa; mas conforme todos os filósofos sabem, em ciência não se pode confiar
no velho lema Vox populi, vox Dei. A razão diz-me que se for possível mos-
trar que existem numerosas gradações desde um olho simples e imperfeito até
um olho complexo e perfeito, cada gradação sendo útil para o seu possuidor,
como certamente é o caso; se, além disso, o olho alguma vez variar e as varia-
ções forem herdadas, como certamente também é o caso; e se tais variações
forem úteis para qualquer animal sob condições de vida em mudança, então a
dificuldade em acreditar que um olho perfeito e complexo podia ser formado
por seleção natural, embora insuperável pela nossa imaginação, não devia ser
considerada como subversiva da teoria.”

Parte II
Continuemos nossa conversa sobre a estrutura do olho. Como já foi dito anteriormente, os
olhos evoluíram, independentemente, pelo menos 40 vezes ao longo da evolução. Sabemos
disso, pois podemos traçar as origens embrionárias dos olhos dos diferentes filos de animais e
analisar sua estrutura e, com isso, chegamos à conclusão de que muitos dos olhos presentes
nos animais não têm a mesma origem embrionária.
76 Evolução

Talvez a melhor forma de comparar as diferentes estruturas dos olhos seja analisar dois
tipos de olhos bastante diferentes! Os olhos dos vertebrados e os olhos dos insetos.

Fig. 8.8 Desenho esquemático


do olho composto de inseto

Com todos esses esquemas e imagens, poderíamos dizer que os olhos em mamíferos e
em insetos são estruturas análogas. Mas vamos nos aprofundar um pouco no desenvol-
vimento do olho!!
Como você deve saber, o desenvolvimento de qualquer organismo é mediado por seus
genes. Nós, por exemplo, temos cerca de 300.000 genes, mas apenas uma porção deles
está expresso em cada uma de nossas células (neurônios expressam genes distintos dos de

RedeFor
células musculares cardíacas, por exemplo). Também em nosso desenvolvimento, os
genes têm o importante papel de sinalizar para as células “como” se
desenvolver. Alguns genes irão, ao longo do desenvolvimento
Acesse a apresentação de embrionário dos animais, transcrever para proteínas sinalizadoras
slides “A evolução do olho” no que vão ativar (ou inibir) outros genes. O resultado final é o gene,
site da revista Scientific American
Brasil.
quando ativado, dizer à célula em que ele está: “você vai ser uma
célula muscular”, ou “continue a se dividir, vamos construir um
braço aqui”.
O mesmo serve para os olhos! Pesquisadores, estudando a mosca da fruta Drosophila
melanogaster, conseguiram identificar um gene, chamado “ey”, que expressa uma pro-
teína que diz à célula em que está: “faça um olho!”. Normalmente, o gene ey é expresso
apenas na cabeça da mosca em seu desenvolvimento (obviamente, porque é ali que se
desenvolvem os olhos); entretanto, os pesquisadores foram capazes de realizar experi-
mentos com o gene e fazer com que ele fosse expresso, ao longo do desenvolvimento
embrionário da mosca, em diversas regiões como antenas e pernas. O resultado: olhos
compostos cresceram nas antenas e pernas em que o gene “ey” era ativado! Impressio-
nante, não?!
A história fica ainda mais impressionante! Em camundongos, o gene com a instrução
“faça olhos!” se chama Pax6 e ele funciona da mesma forma que o ey, com a diferença
de que os olhos de camundongo são olhos em forma de câmara e não olhos compostos.
No entanto, ao comparar a sequência de DNA de ambos, os genes “ey” de Drosophila
e Pax6 de camundongos, os cientistas descobriram que ambos os genes compartilham
quase a mesma sequência! Trata-se de genes homólogos!
Encucados e insatisfeitos, os pesquisadores continuaram a realizar experimentos em
Drosophilas. Eles trocaram o ey de um embrião de mosca-de-fruta por um gene Pax6 de
camundongo. Resultado: a mosca nasceu com olhos normais (olhos compostos de mosca).
Semana 8 Macroevolução 77

O que isso significa?! Significa que o Pax6 foi capaz de realizar a mesma função do gene
‘ey ' em Drosophilas e desencadear toda a cadeia de desenvolvimento do olho. Simplifican-
do, o Pax6 de camundongo foi capaz de, mesmo inserido nas células de uma Drosophi-
la, dar a ordem: “Faça um olho!”. A maquinaria genética da Drosophila então respondeu
“fazendo o olho que estava no programa”: um olho composto!

Atividades

Questionário

Após ler o Texto Complementar, responda às questões.


1. Genes homólogos ao Pax6 foram encontrados em diversos grupos de animais: molus-
cos, vermes marinhos e túicados. Sempre com a mesma função de “desencadear”
o desenvolvimento do olho. Evolutivamente, o que isso significa? O que podemos
dizer acerca do ancestral comum de todos os animais modernos, que viveu há 520
milhões de anos no período Cambriano (talvez antes)?
2. Com as conclusões acima apresentadas, será que podemos dizer que os olhos de ver-
tebrados e de insetos não evoluíram independentemente, mas que se trata de estru-
turas homólogas, uma vez que compartilham o gene Pax6 em seu desenvolvimento?

RedeFor
Referências bibliográficas
Ridley, M; Evolução 3ª ed. Editora Artmed. p.600-602. 2004.
Dawkins, R. Climbing Mount Improbable. Penguin Publishers. p. 170-180. 1996.
Halder, G.; Callaerts, P.; Gehring, W.J. Introduction of ectopic eyes by targe-
ted expression of the eyeless genes in Drosophila. Science n.267. p.1788-1792. 1995.
Darwin, C.R. A Origem das Espécies 6ª ed. 1872.

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