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(Monteiro) Línguas Selvagens

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Artigos

Línguas selvagens não podem ser


domadas: mulheres, linguagem e filosofia
Juliana de Moraes Monteiro1 0000-0002-9932-9126
1
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Filosofia,
Rio de Janeiro, RJ, Brasil. ppgf.ifcs@gmail.com

Resumo: No artigo, discuto como, de acordo com Barbara Cassin, a metafísica da tradição foi
marcada por um regime discursivo com base nos imperativos de significado e significação, ao qual
eu nomeio, no desenvolvimento da presente investigação, como masculino. Tendo em vista uma
visada filosófica sobre o problema da linguagem, pretendo explorar as consequências políticas
desse projeto que historicamente excluiu e silenciou mulheres ao aliar uma linguagem logocêntrica
ao falocentrismo de uma cultura patriarcal, sendo este corolário daquele. Mobilizando referências
da filosofia, da psicanálise, e também do campo da arte, tanto da literatura quanto das artes visuais,
busco, no texto, interrogar se haveria – ou o que caracterizaria – uma experiência feminina da
linguagem que nos permita pensar uma saída para fora da tirania do sentido legada por Aristóteles
ao pensamento ocidental.
Palavras-chave: linguagem; feminino; psicanálise; Barbara Cassin; arte.

Wild tongues cannot be tamed: women, language and philosophy


Abstract: The article discusses how, according to Barbara Cassin, metaphysics was marked by a
discursive regime based on the imperatives of meaning and signification, which could be described,
at this investigation, as masculine. In view of a philosophical standpoint on the problem of language,
I intend to explore the political consequences of this project that historically excludes and silences
women by combining a logocentric language with the phallocentrism of a patriarchal culture, this
being a corollary of that. Mobilizing references of Philosophy; Psychoanalysis; and also in the field of
Art, both in literature and in the visual arts, the text seeks to ask whether there would be – or what would
characterize – a feminine experience of language that would allow us to think about a way out of the
tyranny of meaning and signification given by Aristotle to the western thinking.
Keywords: Language; Feminine; Psychoanalysis; Barbara Cassin; Art.

Las lenguas salvajes no se pueden domesticar: mujeres, lenguaje y filosofía


Resumen: El artículo analiza cómo, según la filósofa francesa Barbara Cassin, la metafísica de la
tradición estuvo marcada por un régimen discursivo, especialmente desde Aristóteles, basado en
los imperativos del sentido y la significación, que denomino, en el desarrollo de esta investigación,
como masculino. En vista de una mirada filosófica sobre el problema del lenguaje, pretendo
explorar las consecuencias políticas de este proyecto que históricamente excluyó y silenció a las
mujeres al combinar un lenguaje logocéntrico con el falocentrismo de una cultura patriarcal, que
es un corolario de eso. Se movilizan referencias del área de la filosofía; de Psicoanálisis freudiano y
lacaniano; y también del campo del arte, tanto en la literatura como en las artes visuales. El texto
busca preguntarse si habría – o qué caracterizaría – una experiencia femenina del lenguaje que
nos permita pensar en una salida a la tiranía del sentido legada por Aristóteles al pensamiento
occidental.
Palabras clave: lenguaje; femenino; psicoanálisis; Barbara Cassin; arte.

Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 31(1): e81404


DOI: 10.1590/1806-9584-2023v31n181404 1
JULIANA DE MORAES MONTEIRO

Quando Donana levantou a cortina que separava o cômodo em que dormia na cozinha, eu
já havia retirado a faca do chão e embrulhado de qualquer jeito o tecido empapado, mas
não havia conseguido empurrar de volta a mala de couro para debaixo da cama. Vi o olhar
assombrado de minha avó, que desabou sua mão grossa na minha cabeça e na de Belonísia.
Ouvi Donana perguntar o que estávamos fazendo ali, porque sua mala estava fora do lugar e
que sangue era aquele. “Falem”, disse, nos ameaçando arrancar a língua, que estava, mal ela
sabia, em uma de nossas mãos (Itamar VIEIRA JR., 2019, p. 16).

O ab-aristotelismo das mulheres


“A lingua1 das mulheres é um pavio. Fica incendiando” (Carolina Maria de JESUS, 2014, p.
148). Essa frase foi escrita por Jesus em seu diário, em 30 de dezembro de 1955, o hoje célebre
Quarto de despejo: diário de uma favelada. Tomo-a como uma articulação poética que orienta
as considerações desse texto, cuja proposta é pensar filosoficamente questões sobre a linguagem
a partir da formulação de uma pergunta fundamental: há uma língua/linguagem feminina? Se
sim, ela pode ser pensada como um organismo simbolicamente inflamável, enquanto signo
metafórico daquilo que se apresenta como um problema difícil de conter e controlar?
De acordo com a filósofa francesa Barbara Cassin, uma das narrativas possíveis acerca
da metafísica ocidental diz respeito ao modo como a linguagem teria sido concebida em um
eixo que conduz de Parmênides até Aristóteles. Segundo ela, Parmênides, em Sobre a natureza,
teria fundado as bases da ontologia ao enunciar que “o ser é/o não ser não é”, postulando a
diferença fundamental entre ser e ‘não-ser’ que atravessou a história e a tradição do pensamento.
Esse projeto teria sido consolidado quando Aristóteles, no livro Gama, da Metafísica (ARISTÓTELES,
2002), formulou definitivamente sua concepção da significação: legein ti, semainein ti. Isto é,
“dizer é significar”. Segundo a leitura que Cassin faz do filósofo, dizer é fazer com que algo
assuma um único e irrevogável sentido, sendo essa a consequência lógica do que Aristóteles
erige como a regra de ouro de sua teoria linguística, o princípio da não contradição. Em seu
livro Jacques, o sofista: Lacan, logos e psicanálise, ela afirma que
Aristóteles demonstra o indemonstrável princípio da não-contradição por meio de uma série
de equivalências, tomadas como evidências: falar é dizer algo, dizer algo é significar algo,
significar algo é significar algo que tem um sentido e um único sentido, o mesmo para si e para
outrem. É isso a “decisão do sentido”. Querer dizer algo, legein ti, sêmainein ti, sêmainen hen,
tal é, portanto, a decisão que Aristóteles exige de todo homem, se ele quer ser um homem, ou
seja, um animal dotado de logos (Barbara CASSIN, 2017, p. 112).

Na crítica a esta exigência aristotélica, a filósofa constrói o argumento de que haveria duas
posições distintas em relação à linguagem, como proponho diferenciar na primeira seção do
artigo. Comecemos pela primeira delas. Trata-se do projeto de adequação chamado por Cassin
de regime parmenídeo-aristotélico da linguagem, um esquema da Antiguidade do mundo grego
em favor do acordo perfeito entre aquilo que se fala e o seu significado correspondente. Esse
acontecimento teria instituído uma compreensão específica sobre um logos de caráter universal,
assentado sob o modelo discursivo da “decisão do sentido”, expressão que também nomeia seu
livro Décision du sens (La): le livre Gamma de la Métaphisique d’Aristote (CASSIN; Michel NARCY,
1989), escrito em colaboração com Narcy, que pode ser compreendido a partir da passagem
acima. A decisão do sentido seria o fundamento do homem enquanto animal dotado de logos.
Nesse sentido, são conhecidas as definições que caracterizavam o homem2 como um animal
produzido no entrecruzamento entre linguagem (λόγον δὲ μόνον ἄνθρωπος ἔχει τῶν ζῴων/ “E só o
homem, de dentre todos os seres vivos, possui a palavra”) (ARISTÓTELES, 1998, p. 55) e estatuto político
(ὁ ἄνθρωπος φύσει πολιτικὸν ζῷον / “O homem é, por natureza, um ser vivo político”) (ARISTÓTELES,
1998, p. 53). Desse modo, Aristóteles acreditava que os humanos nasciam naturalmente falantes, ou
seja, que a linguagem fosse algo desde sempre introjetado nos indivíduos, como fica evidente nesta
passagem em que define o homem como o ser vivo que possui a palavra. Para Aristóteles, os seres
humanos são um todo falante, eles já nascem na linguagem.
Dessa forma, podemos conceber a filosofia grega da tradição, pensamento fundado
pela separação radical entre ser e não ser e sedimentado como discurso regulado pela
primazia do sentido e com base no princípio da não contradição, como uma disciplina calcada
na centralidade do logos, na lógica dual e binária e no privilégio de valores normativos como
dimensões positivas e dominantes. Assim, Cassin aponta que essa concepção é falocêntrica,

1
Grafo sem acento para manter a escrita original da autora.
2
Uso “o homem” propositalmente para mostrar que, apesar de Aristóteles utilizar frequentemente o termo ánthropos
que, em grego, não é nem do gênero feminino nem do masculino, não se referindo especificamente nem aos
homens nem às mulheres, mas ao humano como tal, as traduções do filósofo, bem como a sua recepção,
costumam usar a palavra “homem” como sinônimo do étimo ánthropos. Portanto, acompanhando as traduções do
grego, grafo a palavra homem e não ser humano para nuançar a dupla exclusão das mulheres, a um só tempo
da linguagem e da política.

Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 31(1): e81404


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LÍNGUAS SELVAGENS NÃO PODEM SER DOMADAS: MULHERES, LINGUAGEM E FILOSOFIA

respaldada na equivalência da proposição homem = universal, e é aqui que entraria a segunda


posição diante da linguagem trazida pela autora.
Se “dizer é significar” e “significar algo que tenha um único e mesmo sentido para o
mesmo e para outrem” é a única possibilidade admitida para o discurso, as potencialidades de
uma outra experiência com a língua ficariam muito limitadas.
Para Cassin, trata-se de pensar um outro registro da linguagem, no qual sejam acolhidos
propósitos para além da simples significação ou comunicabilidade. A insurgência de Cassin
contra a concepção linguística do programa aristotélico acompanha sua longa trajetória
nos estudos da sofística grega. Segundo ela, a sofística foi um momento histórico no qual a
linguagem teria sido concebida de forma totalmente diferente da que vigorou nessa estória
vencedora que é a metafísica ocidental. Para a filósofa, o discurso filosófico foi erigido no
solapamento de potências indomesticáveis da linguagem. Falar pelo prazer de falar, falar sem
a obrigatoriedade do sentido, falar sem garantir o princípio da não contradição, eram modos
linguareiros acolhidos por um discurso anterior às diretrizes de Platão e Aristóteles: o discurso
sofístico, que, na interpretação de Cassin, teve que ser limado para que a História da Filosofia
pudesse começar e se desenvolver. E, afinal, é Aristóteles quem descreve o sofista como uma
planta que fala (CASSIN, 2005, p. 77), desqualificando-o segundo suas próprias definições do
humano: como planta, não goza de estatuto político; como falante, não é dotado de discurso
organizado, de logos. Em seu livro sobre Lacan, ela retoma sua reabilitação da sofística a partir
do encontro com um outro campo teórico, a psicanálise.
Como afirma Cláudio Oliveira na orelha do livro, “por volta de 1975, durante alguns
meses, a cada 15 dias, Barbara Cassin, então uma jovem filósofa e filóloga, frequenta pelas
manhãs o consultório de Jacques Lacan, no número 5 da rua Lille, em Paris, para lhe falar, a
seu convite, sobre doxografia”. Esses encontros certamente produziram uma marca significativa
em seu percurso que a fizeram estabelecer uma relação entre a concepção de linguagem da
sofística com a reivindicada pela psicanálise, na medida em que ambas se distanciariam do
programa aristotélico. Aliás, foi o próprio Lacan que afirmou, na aula de 12 de maio de 1965,
em seu seminário inédito, “Problemas cruciais da psicanálise”, que “o psicanalista é a presença
do sofista em nossa época” (LACAN apud CASSIN, 2017, p. 51).
Para a psicanálise lacaniana, âmbito teórico ao qual a própria filósofa se apoia, que
nós sejamos falantes não é algo natural, é preciso “entrar” na linguagem, adentrar o campo
simbólico, o que equivaleria a se constituir politicamente em uma comunidade de viventes.
A psicanálise nomeia essa entrada na linguagem de “castração”. As falhas da linguagem
investigadas por diversas disciplinas das Ciências Humanas evidenciam justamente que essa
entrada deixa sempre restos e que, a cada vez que falamos, estamos nos tornando falantes,
sem que nunca sejamos seres “totalmente” falantes. Essa tese também aparece na obra do
filósofo italiano Giorgio Agamben em diversos momentos, mas tomo como referência as ideias
expostas no prefácio “Experimentum Linguae”, do livro Infância e História (AGAMBEN, 2005, p.
9-17) e retomadas por ele ao apresentar um texto homônimo no congresso “Lacan avec les
philosophes”.
Assim, a perspectiva de linguagem que apresentamos aqui comporta falhas, lapsos,
equívocos, disjunções constitutivas, mal-entendidos, incursões que tensionam o limite do sentido
e do não sentido, que rangem as enunciações para fora do sentido, e que, longe de serem
vistas pelo prisma da negatividade, revelariam a abertura de uma relação com a linguagem
na qual ela não fosse mais delineada como um sistema de signos normativos em posse de um
falante. Este, por sua vez, ao se apropriar plenamente de sua própria língua, a utilizaria apenas
como um instrumento a favor do sentido e da significação.
Dentro da proposta que recupero de Cassin, trata-se, ao contrário, de pensar uma
experiência com a língua à luz do simples fato de que “se diga”, de que “se fale”, ou seja, um
saber-fazer com a língua simplesmente porque “há linguagem”, uma linguagem que não tivesse
que acertar as contas com o sentido. E é justamente porque a linguagem não é um organismo
neutro, mas uma configuração atravessada pelas relações de poder, que este questionamento
passa a ser tão importante.
Nesse sentido, a filósofa retoma uma proposição do texto “O aturdito”, de Lacan: “Uma
língua, entre outras, não é nada além do que a integral dos equívocos que sua história deixou
persistirem nela” (LACAN, 2003, p. 492). Para ela, essa é uma espécie de frase-fetiche, porque
aponta para essa outra dimensão do logos que a psicanálise nomeou como “o inconsciente”,
e que, como Lacan salienta no mesmo parágrafo citado por Cassin, “é estruturado como
uma linguagem, isto é, como a lalíngua que ele habita” (LACAN, 2003, p. 186). O enigmático
neologismo criado por Lacan diz respeito a uma concepção feminina do logos.3 Desse modo,
se acompanharmos o que dissemos até aqui, há uma amarração entre discurso filosófico –
3
Refiro-me à conferência que Lacan proferiu na Universidade de Columbia em 1 de dezembro de 1975, intitulada
“O Sintoma”, na qual ele afirma que há uma relação com lalíngua que merece ser chamada de materna, pois é
por meio da mãe que a criança a recebe.

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JULIANA DE MORAES MONTEIRO

universal – registro masculino da linguagem, e outra que podemos definir como sofística e
psicanálise – não universal – registro feminino da linguagem. Lalíngua, como categoria do
feminino, nomearia uma linguagem para além da efetividade, uma linguagem permeada por
equívocos e indomesticável ao imperativo do significado: onde lalíngua fala, há gozo com a
linguagem, e não um sentido que garante a comunicação. Como afirma Cassin:
Nada de espantoso no fato de que, do lado mulher, isso falha “de maneira louca, enigmática”:
isso falha porque toda a realidade, todo o universo é uma flor de retórica macho, blá-blá-blá
do ser, e isso falha simultaneamente porque o gozo, enquanto por essência ele não convém, é
feminino (CASSIN, 2017, p. 206-207).

Seguindo a trilha aberta por Lacan no “Seminário XX: mais, ainda”, Cassin propõe que
o lado feminino da linguagem – enquanto lalíngua – seja uma possibilidade de um gozo outro
com a linguagem, para além do gozo fálico. Em “A significação do falo”, Lacan deixa claro que
o que ele compreende como falo não é um órgão, mas um significante “destinado a designar,
em seu conjunto, os efeitos de significado” (LACAN, 1998, p. 697). Ou seja, na teoria lacaniana, o
falo se torna um operador lógico-discursivo, o significante por excelência a partir do qual todos
os significantes ganham inteligibilidade e significação dentro de uma universalidade simbólica.
Em contraposição a essa perspectiva, Cassin propõe uma outra relação com a linguagem, que
produziria “um outro gozo, para além do falo, próprio então às mulheres, sem equivalente no
homem, e fora da linguagem” (CASSIN, 2017, p. 196).
Desse modo, o minucioso trabalho de Cassin é mostrar como o discurso da filosofia
recalcou as potências insubmissas da linguagem em favor de um logos masculino, organizado
e regido pela totalidade fálica. Por outro lado, o saber-fazer com a linguagem da sofística, que
ela alia a um domínio feminino, teria sido obliterado e permanecido inconsciente ao longo da
história. Como ela afirma, “o homem falha e goza como filósofo, a mulher fala e goza como
sofista” (CASSIN, 2017, p. 209). A mulher como sofista fala, mas sua fala não obedece ao discurso
normativo. Ao contrário, ela opera segundo:
Um discurso que age mais do que exprime, e não por persuasão, mas por performance; um logos-
pharmakon com efeito sobre o outro e efeito-mundo; pelas mesmas estipulações antiaristotélicas:
performance-enunciação-homonínia-significante. Mas elas se tornaram, em nossa época, ou
seja, com o inconsciente como furo soprador, ab-aristotélicas, de tal forma que elas retornam na
decisão do sentido para afundamentá-lo inteiramente (CASSIN, 2017, p. 211).

Ab-aristotélicas, as mulheres saem do campo organizado pela posse do logos – de


onde elas desde sempre estiveram excluídas – para fazer cair a decisão do sentido, exigência
da disciplina filosófica em sua disputa com as plantas que falam. Portanto, o logos feminino
é pharmakon, palavra que, em sua insolúvel ambiguidade, a de significar ao mesmo tempo
remédio e veneno, aponta para uma outra postura diante da linguagem – certamente, mais
política – porque o discurso não exprime nem comunica uma mensagem, isto é, ele não diz
algo de algo, mas age.

“Nós vamos ter que controlar sua língua”


O título desse artigo faz referência ao texto “Como domar uma língua selvagem”, da
filósofa chicana Gloria Anzaldúa, autora cuja escrita espelha formalmente seu lugar fronteiriço,
enquanto mulher de cor nascida nos Estados Unidos, mas com ascendência mexicana,
explicitada no seu grandioso livro Borderlands/La frontera. Ao jogar de forma poética com a
plurivocidade do significante “língua”, a autora intercala movimentos que ora apontam para a
língua como órgão do corpo, o que, no caso dos humanos, é responsável também pela fala,
ora abordam a língua enquanto idioma, sistema de signos, voz, discurso ou linguagem. Logo na
abertura do texto, Anzaldúa já demonstra o poder inscrito na ambiguidade entre língua – órgão
– e língua – possibilidade de falar:
“Nós vamos ter que controlar sua língua”, o dentista disse, arrancando todo o metal da minha
boca. Os pedacinhos prateados estatelam e tilintam na cuspideira. Minha boca é uma veta
madre. O dentista está limpando minhas raízes. Eu sinto uma baforada de mau cheiro quando
arquejo. “Eu não posso tampar este dente agora, você ainda está drenando”, ele diz. “Nós
vamos ter que fazer alguma coisa com a sua língua”, eu escutei a elevação raivosa na sua
voz. Minha língua retém-se, empurrando pra fora os tufos de algodão, repelindo as brocas, as
longas agulhas finas. “Eu nunca tinha visto nada tão forte ou tão resistente”, ele diz. E eu penso,
como você doma uma língua selvagem, adestra-a para ficar quieta, como você a refreia e
põe sela? Como você faz ela se submeter? (ANZALDÚA, 2009, p. 305).

Se a escritora negra Carolina Maria de Jesus, utilizando a metáfora do pavio, afirmara


indubitavelmente a dificuldade de controle inerente à língua feminina, Anzaldúa, por meio de
uma narrativa que torna indiscerníveis a todo tempo os sentidos distintos de língua/órgão e

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LÍNGUAS SELVAGENS NÃO PODEM SER DOMADAS: MULHERES, LINGUAGEM E FILOSOFIA

língua/fala e voz, constrói a cena fundamental da opressão, como se tirássemos um instantâneo


da história do silenciamento das mulheres.
No diálogo criado pela autora, há “o dentista”, figura masculina, detentora de um saber,
aquele que com violência arranca algo da boca da narradora; é ele quem eleva sua voz
com raiva; em outro polo, estamos nós, mulheres, inicialmente como ouvintes de frases que
costumamos escutar a nossa vida inteira: “nós vamos ter que controlar sua língua”/ “nós vamos
ter que fazer alguma coisa com a sua língua”. Mas, criando uma espécie de torção abrupta,
capaz de revirar o diálogo e deslocar a posição subalterna das mulheres para assumir o tom
altivo que governará todo o desenvolvimento do capítulo, Anzaldúa encena a derrota do
falocentrismo, quando esse homem, ao tentar manipular e controlar a língua de uma mulher,
enfim reconhece que não, não se doma uma língua selvagem: “eu nunca tinha visto nada tão
forte e tão resistente”, são as palavras que ela, a filósofa, coloca na boca de seu personagem.
Nos últimos meses, como uma preparação para escrever este artigo, me ocupei de
inúmeras imagens que transitam entre uma iconografia do apagamento discursivo das mulheres
e o contramovimento que diversas artistas têm travado no campo do simbólico para inverter
essa perspectiva de dominação e desqualificação das vozes femininas. Em relação ao primeiro
ponto, dois exemplos me chamaram atenção.
Em Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva, a filósofa feminista e
marxista Silvia Federici (2017) debate a construção do mito da feminilidade, responsável por
um processo de domesticação das mulheres na transição do feudalismo para o capitalismo
durante a época moderna. No capítulo “A acumulação do trabalho e a degradação das
mulheres”, ela nos mostra que, na medida em que se desenrola um processo de degradação
econômica e social, as mulheres, definidas por ela como “selvagens da Europa”, se tornavam
seres infantilizados juridicamente.
Interessa-me, mais do que as exemplificações que a própria autora fornece, pensar a
partir de uma imagem apresentada por ela. Trata-se de uma gravura inglesa do século XVII
na qual vemos duas figuras, A e B. A figura A é um homem armado com um longo cajado – e
não podemos deixar de salientar a presença do falo no detalhe desse objeto – que caminha
segurando uma espécie de coleira. A figura B é uma mulher que anda na sua frente portando
um tipo de máscara de ferro vazada que encobre toda a sua fronte e cabeça e um dos
metais desse aparelho bizarro está alocado na boca da “resmungona”. Logo abaixo, Federici
acrescenta uma legenda para a gravura:
Uma “resmungona” é obrigada a desfilar pela comunidade usando a “rédea”, uma engenhoca
de ferro empregada para punir mulheres de língua afiada. Significativamente, um aparato
similar era usado por europeus traficantes de escravos na África para dominar os cativos e
transportá-los a seus barcos (FEDERICI, 2017, p. 201).

É curioso que a imagem mais conhecida que temos desse outro “aparato similar” esteja
presente em uma outra gravura, feita pelo francês Jacques Arago que, em expedição científica
para o Brasil entre 1817 e 1818, desenhou o famoso retrato dessa mulher negra que se tornaria
símbolo da resistência ao silenciamento dos povos negros instituído pelo colonialismo, o retrato
da Escrava Anastácia, como nos mostra Grada Kilomba (2019), filósofa, artista e psicanalista
portuguesa com ascendência em Angola e São Tomé e Príncipe, em Memórias da plantação:
episódios de racismo cotidiano (KILOMBA, 2019, p. 35-36), originalmente sua tese de doutorado
em Filosofia na Universidade de Berlim. Curioso justamente porque se trata, mais uma vez, de um
objeto que impede a fala4 de uma mulher, e não de um homem, ainda que a política colonial
tenha sido responsável pela desumanização bárbara tanto de homens quanto de mulheres.
O primeiro capítulo do livro se intitula “A máscara: colonialismo, memória, trauma e
descolonização” e constrói uma reflexão teórica sobre os efeitos da mudez imposta aos indivíduos
negros escravizados tendo como ponto de partida esse sádico objeto. Como coloca Kilomba
(2019, p. 33-34):
Há uma máscara da qual ouvi falar muitas vezes durante minha infância. A máscara que
Anastácia era obrigada a usar. Os vários relatos e descrições minuciosas pareciam me advertir
que aqueles não eram meramente fatos do passado, nas memórias vivas enterradas em nossa
psique, prontas para serem contadas. Hoje quero recontá-las. Quero falar sobre a máscara do
silenciamento. Tal máscara foi uma peça muito concreta, um instrumento real que se tornou
parte do projeto colonial europeu por mais de trezentos anos. Ela era composta por um pedaço
de metal colocado no interior da boca do sujeito negro, instalado entre a língua e o maxilar e
fixado por detrás da cabeça por duas cordas, uma em torno do queixo e a outra em torno do
nariz e da testa (…) A boca é um órgão muito especial. Ela simboliza a fala e a enunciação.
No âmbito do racismo, a boca se torna o órgão da opressão por excelência, representando
4
É sabido que a Máscara de Flandres tinha outra função em particular: impedir que os escravizados comessem
terra, alimentos, ingerissem álcool ou guardassem pedras preciosas. Embora o motivo da punição tenha a ver
com a perda de lucro e prejuízo econômico para o senhor, a própria Kilomba não deixa de sublinhar o seu valor
alegórico enquanto censura da fala e impedimento da enunciação.

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JULIANA DE MORAES MONTEIRO

o que as/os brancas/os querem – e precisam – controlar e, consequentemente o órgão que,


historicamente, tem sido severamente censurado.

Em uma perspectiva warburgiana da história das imagens, a articulação entre esses dois
instrumentos – o primeiro, destinado a punir as mulheres de língua afiada, as tais resmungonas,
e o segundo, a máscara do silenciamento posta na boca de Anastácia, que servia para punir
os sujeitos negros durante a escravidão – mostra o nexo indissociável entre a opressão patriarcal
e a opressão racial, o que em termos contemporâneos podemos chamar, segundo o conceito
proposto por Kimberlé Crenshaw (1989, p. 140), de interseccionalidade.
Ao justapor, à maneira do Atlas Mnemosyne (WARBURG, 2010),5 essas gravuras produzidas
em um intervalo de dois séculos, o projeto patriarcal/colonial de silenciamento de corpos não
masculinos e não brancos ganha inteligibilidade. Isso porque a imagem também não diz algo
de algo, como o logos aristotélico, mas, enquanto organismo atravessado por falhas, fissuras,
disjunções, ela deixa entrever os sintomas e os traumas que persistem na história, isso que “não
cessa de não acontecer”. A imagem é dialética e, nela, o passado se choca a todo tempo com
o presente, justamente o que Kilomba salienta ao afirmar que “aqueles não eram meramente
fatos do passado”, mas eventos capazes de serem atualizados ao pousarmos os olhos sobre a
gravura (KILOMBA, 2019, p. 33).

Em boca fechada não entra mosca


Uma vasta literatura e uma extensa iconografia estão disponíveis no que diz respeito à
interdição do discurso das mulheres que, sendo seres possuidores de uma língua afiada, selvagem,
por vezes demoníaca, precisariam ser coibidas e domesticadas. Métodos para controlar as
supostas potências de uma linguagem louca, problemática ou animalesca que seria intrínseca ao
corpo feminino não são exceção ao longo da cultura. O filósofo Georges Didi-Huberman (2015),
ao se debruçar sobre a iconografia médico-fotográfica do Hôpital de la Salpêtrière, mostra como
a histeria – enquanto significante que foi atrelado a uma espécie de feminino defeituoso – foi uma
produção discursiva característica da virada do século XIX para o século XX.
Ao classificar como doentes milhares de mulheres que não se enquadravam nos padrões
rígidos da moralidade burguesa da época, a Salpêtrière inventava, no mesmo gesto, a própria
doença. Não é como se as mulheres não fossem passíveis de adoecimento psicológico, mas
o mal de que padeciam nada tinha a ver com uma distorção ou má-formação própria à
subjetividade feminina que precisaria ser corrigida. Não há histeria desvinculada de um edifício
social e político; cada histérica poderia ser alguém cuja voz foi oprimida por uma sociedade
construída pela exclusão e pelo aniquilamento das mulheres.
Em A invenção da histeria: Charcot e a iconografia fotográfica da Salpêtrière, Didi-
Huberman examina uma miríade de fotografias de crises de histeria. Uma delas mostra a resposta
de uma histérica ao ter um diapasão vibratório aproximado de sua orelha esquerda por um
homem identificado por Sr. Vigouroux. Na imagem, vemos apenas o bastão a quase tocar a orelha
da paciente, cuja língua contraída, devido à vibração do som, pende para o mesmo lado. Na
legenda, lemos: “Contratura da língua, provocada por uma histérica em estado de vigília por
reflexo auricular” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 298). Eis um diálogo citado pelo autor francês:
Se não sabemos, sondemos, induzamos mais um pouco: coloquemos um diapasão vibrando
em Sol 3, perto da orelha esquerda de uma histérica; o que conseguimos? Conseguimos que,
se a moça nos mostrar a língua, esta se desviará de maneira irresistível para o mesmo lado,
e assim permanecerá, contraída, “dura ao toque, inchada, azulada (…) durante 55 a 80
segundos” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 295).

Como fica evidente na passagem acima, o corpo feminino é submetido aos mais atrozes
experimentos científicos e sabemos, como afirmara Primo Levi (1991), que onde se faz violência
ao homem – melhor dizendo, ao humano – se faz violência à linguagem (LEVI, 1991, p. 71). A
língua da paciente, “dura, inchada, azulada”, esquadrinhada minuciosamente, classificada
como esse músculo inerte e morto, que cai para o lado, é o emblema de um programa que
buscou transmutar a opressão sofrida por mulheres em desvios e patologias. Os sintomas
histéricos, que despontavam em um psiquismo desestruturado, não eram propriedades de
“resmungonas”, “mulheres de língua afiada” ou algo do tipo, mas sinais desencadeados face
ao extremo de seu silenciamento histórico.
Nesse sentido, a psicanálise, enquanto um dispositivo clínico centrado na relação
entre alguém que fala e alguém que escuta, invertia completamente a cena citada por Didi-
Huberman. Não mais o corpo feminino mudo, sujeito aos gestos bárbaros da racionalidade

5
Trata-se do grandioso método em montagem proposto pelo historiador alemão Aby Warburg (2010) para construir
uma história da arte para além das categorias historiográficas tradicionais, baseando-se em tempos intervalares e
em elementos que se repetem anacronicamente ao longo da história. Vem sendo especialmente recuperado com
a obra do filósofo e historiador da arte francês Georges Didi-Huberman.

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LÍNGUAS SELVAGENS NÃO PODEM SER DOMADAS: MULHERES, LINGUAGEM E FILOSOFIA

científica. Freud compreendera que falar poderia ser uma cifra para deixar os sujeitos menos
assujeitados ao trauma e, ao travar essa luta no campo da linguagem, “foi pela palavra que
ele tomou a histérica. Compreendeu que uma simples frase podia ser ‘como uma bofetada em
cheio no rosto’” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 215).
O famoso “sonho da injeção de Irma”, sonho paradigmático através do qual Freud
apresenta seu método de decifração na Interpretação dos sonhos, contém um elemento
interessante para o desenvolvimento das reflexões que estou propondo aqui. No universo onírico
do psicanalista, espécie de imagem inaugural do inconsciente, Freud vê Irma, uma antiga
paciente que apresenta uma grave infecção na garganta. Ao conduzi-la até a janela para
examiná-la, ele pede que ela abra a boca que, depois de alguma resistência, “se abre com
facilidade” (Sigmund FREUD, 2016, p. 128).
Segundo o relato do sonho, ele vê “uma grande mancha branca, e noutra parte, sobre
estranhas estruturas curvas que imitam de maneira evidente os cornetos nasais, vejo amplas crostas
cinzas esbranquiçadas” (FREUD, 2016, p. 129). A mancha branca na boca de Irma pode ser pensada
como efeito do mal-estar da linguagem; sua infecção na garganta, longe de ser produzida por
algum vírus ou bactéria, é, na verdade, uma patologia às custas do sofrimento psíquico imposto
pelo silenciamento. Freud conclui que o fato de “não ter aberto a boca como deveria” teria sido o
motivo do fracasso do seu tratamento. Como escrevi em minha tese de doutorado O que a Esfinge
ensina a Édipo: sobre os limites da interpretação na arte contemporânea:
A série de associações do sonhador o conduz a decifrar o sonho a partir de uma transferência
da culpa que ele próprio, Freud, sentia ao não ter completado o tratamento de Irma,
deslocando essa culpa para a própria paciente, que não teria “aberto a boca como deveria”,
isto é, por ter se recusado a falar o suficiente na busca pela cura de sua histeria (Juliana de
Moraes MONTEIRO, 2021, p. 77).

Na direção contrária da perspectiva psicanalítica, cuja herança fundamental do freudismo


pode ser descrita como um gesto de convocação para que os sujeitos “abram a boca” – ainda
que sobre a impossibilidade de falar sobre algo –, a tradição cultural ensinou às mulheres que “em
boca fechada não entra mosca”. O conhecido ditado, existente em língua portuguesa, inglesa e
espanhola, para citar algumas, dá notícias sobre como o patriarcado não conhece fronteiras e
opera nos interstícios da linguagem:
Em boca cerrada no entran moscas. “Em boca fechada não entra mosca” é um ditado que
eu ouvia sempre quando era criança. Ser faladeira era ser uma fofoqueira e uma mentirosa,
falar demais. Muchachitas bien criadas, garotas bem comportadas não respondem. É uma
falta de respeito responder à mãe ou ao pai. Eu me lembro de um dos pecados que eu tive
que contar ao padre no confessionário numa das poucas vezes em que eu fui me confessar:
responder à minha mãe, hablar pa’ ’trás, repelar. Bocuda, respondona, fofoqueira, boca
grande, questionadora, leva-e-traz são todos signos para quem é malcriada. Na minha cultura,
todas essas palavras são depreciativas se aplicadas a mulheres – eu nunca as ouvi aplicadas
a homens (ANZALDÚA, 2009, p. 306).

Retomamos, nesse aspecto, a filósofa Anzaldúa, cujo pensamento sobre a opressão


linguística dirigida às mulheres de cor6 nos Estados Unidos é um trabalho de criação poética e
política no interior da linguagem. A escrita em spanglish, uma língua bifurcada, variação singular
de duas línguas – o espanhol, mas não o espanhol da metrópole, e sim um espanhol chicano,
mutilado, como ela o descreve, e o inglês, língua dominante e padrão nos EUA –, mas que não
pode ser reduzida nem a uma nem a outra, é a maneira da escritora resistir na linguagem, esse
discurso que ela mesma classifica como masculino (ANZALDÚA, 2009, p. 306-310). A ideia de
uma língua de fronteira faz com que a autora supere, ao propor uma saída para fora da norma,
as imposições de padronização e de universalização de um discurso falocêntrico, que não
reconhece a diferença.
Muitas teóricas debateram amplamente, sobretudo na condição de mulheres colonizadas,
a sobreposição entre logocentrismo e falocentrismo, como se houvesse um nó inextricável
amarrando esses dois sistemas. As operações que buscam violentar a língua padrão e o regime
comunicativo-discursivo da linguagem são possibilidades abertas para reformular o modo como
compreendemos filosoficamente o problema linguístico legado para nós pela tradição.
Não há uma maneira única de encarar a tarefa urgente de questionar os fundamentos
do sólido edifício construído na interseção entre falo e logos. Esse projeto que se apresenta
como eterno e natural, que faz com que nas bocas fechadas de mulheres não entrem moscas,
nos faz supor que o principal objetivo do logocentrismo, de maneira clandestina e encoberta,
tenha sido mesmo fundar o falocentrismo como expõe Hélène Cixous (1995), assegurando que
a ordem masculina seja equivalente à razão, à linguagem, ao universal e ao neutro. Nesse
sentido, a consequência em levar a cabo essa tarefa seria tamanha que:

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Tradução para women of color, expressão que engloba mulheres negras, indígenas, latinas.

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JULIANA DE MORAES MONTEIRO

Todas as histórias se contariam de outro modo, o futuro seria imprevisível, as forças históricas
mudariam, mudariam de mãos, de corpos, outro pensamento jamais pensado transformaria o
funcionamento de toda sociedade. De fato, vivemos precisamente esta época em que a base
conceitual de uma cultura milenar está sendo minada por milhões de topos de uma espécie
nunca conhecida (CIXOUS, 1995, p. 16).

Uma das formas que as mulheres têm utilizado para combater o silêncio e a brutalidade
de um logos que as constrange e as impede de se constituir como sujeitas falantes é a arte.
Nos últimos anos, venho trabalhando a partir da hipótese na qual a expressão artística passa a
ser um procedimento que visa subverter uma linguagem normativa. Muitas experiências e obras
de arte, sobretudo da arte contemporânea, são compreendidas justamente como operações
linguísticas que, ao invés de escamotearem as falhas do discurso, se pautam justamente por
sublinhá-las e jogar com elas, criando, nesse gesto, múltiplos efeitos poéticos.
A poeta, escritora e ensaísta argentina Tamara Kamenszain (2015), também bastante
influenciada pela psicanálise e pela filosofia, faculdade que chegou a cursar e abandonou
quando se radicou no México, fala, em uma entrevista sobre seu trabalho e, em particular, sobre
a poesia de Alejandra Pizarnik, a respeito de uma grandiosa imagem do que seria o caráter da
poesia que, acredito, poderíamos endereçar para a arte em geral. Kamenszain salvaguarda
um aspecto profanatório da poesia e, segundo ela, “o desafio da literatura é estar alerta às
armadilhas da linguagem” (KAMENSZAIN, 2015, p. 128). Nesse sentido, “a poesia é um trabalho
contra a linguagem e não a favor” (KAMENSZAIN, 2015, p. 128-129).
O conceito de linguagem ao qual ela faz referência é, naturalmente, a ideia aristotélica da
linguagem, na qual haveria uma adequação perfeita entre o plano do significado (logos/definição)
e o plano do significante (ónoma/nome), concepção linguística balizada pelo ajuste sem resíduos
entre um nome e sua definição correspondente, isto é, um logos que diz e significa algo que tem
um único e irrevogável sentido para si e para outrem. O que reivindico aqui, na mesma direção da
teórica argentina, é um outro tipo de linguagem, uma contralinguagem feminina que, tal como a
escrita de Pizarnik, teria a capacidade de “empurrar os limites até onde vai a língua, dar um passo
além, não crer nesse limite” (KAMENSZAIN, 2015, p. 129). Para Kamenszain, é a poesia; para as
nossas considerações, uma postura dita feminina diante do logos. Podemos falar nessa língua não
sobre algo ou de algo, mas fazendo experiência “da” linguagem mesmo, de que “há” linguagem
e que ela pode ser compartilhada. Como afirma Kamenszain:
A poesia não dá testemunho sobre isto ou aquilo; a poesia é a boca, é a única possibilidade
de testemunhar. A poesia é a única que pode, depois que já sabemos que não se pode dizer
nada, alcançar a verdade, inclusive como ausência de sentido. De modo que a poesia é uma
boca que se abre ou que está sempre aberta, que não pode fechar, que quando fecha, vira
estereótipo e quer “dizer algo” (KAMENSZAIN, 2015, p. 129).

Como Cassin, Pizarnik, Kamenszain, Cixous, Anzaldúa, Kilomba, Federici e tantas outras,
as mulheres encontraram também, ao saírem de seu silenciamento histórico, uma boca, uma
boca que se recusaram a manter fechada. Embora partindo de repertórios distintos e vindo
de origens diferentes umas das outras, as intelectuais que comparecem aqui propuseram, na
singularidade de cada pensamento teórico, formas próprias de lidar com suas inquietações
diante da linguagem e, sem exceção, se confrontaram com o fato de serem mulheres em
um mundo habitado pelo logos e pela razão masculina. Ao falarem, produziram inventivas
experiências de linguagem, que reverberaram no pensamento e na cultura, para além do
campo do logocentrismo e do falocentrismo. Essa boca, através da qual se fala uma língua
feminina, é a poesia, a literatura, as artes visuais e – por que não? – a filosofia, se ela, em um
mundo vindouro, se deixar ser uma boca feminina na qual “quando está sempre aberta, entram
nela todas as moscas” (KAMENSZAIN, 2015, p. 129).

Garotas falantes
Ao concluir Jacques, o sofista, Cassin assente que “a mudança de época se assinala sem
surpresa, mas, com vigor, pela presença pesada do sujeito, por mais barrado que ele seja, no
lugar do político” (CASSIN, 2017, p. 212). Nesse sentido, há um deslocamento produzido pelas
intervenções teóricas que diagnosticaram “a babaquice de Aristóteles” (CASSIN, 2017, p. 212), a
babaquice metafísica que alinhou o trinômio homem/linguagem/política como se essa relação
fosse dada de forma neutra e natural.
O sujeito barrado, uma invenção da psicanálise lacaniana, é aquele que nasce dividido
pela linguagem, ou melhor, que surge no momento mesmo da sua queda. No momento em
que se torna um sujeito falante, ele desaparece face ao significante que passa a representá-
lo. Lacan o expressa através do matema S → ($). Compreender essa formulação implica
entender que não se nasce sujeito, o sujeito é efeito do encontro com o Outro, que o aliena
de si, produzindo uma relação de desencontro entre sujeito e objeto. Desse modo, o sujeito da
psicanálise lacaniana é um sujeito irreconciliavelmente dividido.

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LÍNGUAS SELVAGENS NÃO PODEM SER DOMADAS: MULHERES, LINGUAGEM E FILOSOFIA

Como conceber, tendo em vista essa abordagem sobre a relação entre os indivíduos
e a linguagem, uma experiência dita feminina, uma vez que o processo afeta homens e
mulheres? Seguindo a trilha de Cassin no seu livro sobre Lacan, não estamos falando de homens
e mulheres empíricos, mas de uma posição diante do logos: ela pode ser masculina (Filosofia,
regime parmenídeo-aristotélico) ou feminina (Sofística, Psicanálise). Trata-se, justamente, de
uma experiência feminina quando a linguagem não serve apenas à lógica da comunicação,
da transmissão de mensagem, da decisão pelo sentido. Nomeamos feminino o fracasso da
linguagem, compreendido não mais como mera negatividade do poder do logos, mas como
uma possibilidade para fora da perspectiva logo-falocêntrica (Jacques DERRIDA, 1992)7 que
vingou no pensamento ocidental.
É porque o logos não se esgota ao “dizer algo de algo”, que falamos em pura perda:
estamos sempre aprendendo a falar e, a cada vez que falamos, nos encontramos com a
possibilidade de falar ou de não falar. Portanto, a experiência masculina é uma experiência da
posse do logos, à maneira da célebre definição aristotélica: “o homem é o ser vivo que possui
a palavra”. Em outra direção, a experiência feminina com a linguagem pode ser pensada a
partir de uma impropriedade absoluta. Contra a posse da linguagem, temos uma expropriação
e um despojamento da linguagem que faz surgir o advento de uma potência. Na conferência
Experimentum linguae: a experiência da língua, proferida em 1990, no congresso “Lacan avec
les philosophes”, o filósofo italiano Giorgio Agamben afirma que:
Fazer a experiência da língua, arriscar-se no experimentum linguae, isso quer dizer: fazer a
experiência de uma faculdade ou potência, arriscar-se em um experimentum potentiae, da
potência enquanto tal. O experimentum é importante, porque nele nós fazemos a experiência
de uma pura possibilidade. É a experiência graças à qual nós podemos dizer: eu posso. É o
dom e o advento de uma potência. Pois se nós não pudéssemos ter uma outra experiência da
linguagem que não aquela das proposições significantes, se nossas palavras lidassem sempre
com uma referência factual, então em algum lugar se abriria para nós esse espaço vazio, essa
abertura que nos permite dizer: eu posso (AGAMBEN, 2018, p. 7-8).

A boca que se abre para dizer “eu posso falar” mostra, na verdade, um embate contra
o logos hegemônico. Ao dizermos “eu posso”, acabamos por desnaturalizá-lo e, com isso, a
concepção de que já se nasce falando ou, ainda, de que já se nasce sendo detentor do
poder de falar, sucumbe. O percurso que conduz até a fala não elimina as falhas, os silêncios,
tampouco escamoteia os lapsos, os balbucios, o momento em que as palavras se quebram
dos nossos lábios, para usar a bela expressão de Martin Heidegger lembrada por Agamben na
mesma conferência. Fazer a experiência da língua implica, antes, habitar a linguagem como
potência, isto é, como possibilidade de falar, mas também, paradoxalmente, como possibilidade
de não falar. Ou, ainda, como uma fala que seja sobre a impossibilidade de falar sobre algo.
É justamente nesse espaço vazio, na decalagem entre o dito e o não dito, que nos
tornamos intimamente próximos da nossa própria língua, nos tornamos garotas falantes.8 A
filósofa afro-estadunidense bell hooks (2019) descreve o que seria essa passagem da seguinte
forma: “Foi como uma voz saindo de mim que eu sabia que estava lá. E eu estava ouvindo essa
voz pela primeira vez. Eu estava falando com minha própria voz” (hooks, 2019, p. 78). Ouvir a voz
pela primeira vez não é sinônimo de “possuir as palavras”; ao contrário, só reforça o fato de que
essa experiência da linguagem não é algo dado, mas pertence, antes, à esfera do confronto
e da luta, que podemos caracterizar como uma experiência da potência, do poder falar e
também do poder não falar, sem que um possa se subsumir no outro. Poder não falar não é o
mesmo que ser aniquilado pelo silêncio e pela mudez, é uma operação interna que desativa os
imperativos de efetividade da linguagem logocêntrica. É ainda hooks que aponta para outra
dimensão do regime discursivo, no qual as palavras “são uma ação – uma resistência”, e a
linguagem “um lugar de luta” (hooks, 2019, p. 74).
Línguas selvagens não podem ser domadas, elas podem apenas ser decepadas,
é o que sentencia a frase completa de Anzaldúa que nomeia este artigo. Como ultrapassar
a violência imposta pelo logos se o simbólico foi construído por imagens de mulheres cuja
interdição discursiva era figurada em línguas cortadas, decepadas, máscaras e instrumentos de
silenciamento destinados a controlar línguas afiadas?
Em 1968, ano de publicação do Ato Institucional número 5, Lygia Pape (1971) apresentou
Língua apunhalada como parte de uma série intitulada Poemas Visuais. O retrato da própria artista,
que não era afeita a aparecer em suas obras, causa choque e repulsa. Nele, vemos a expressão
7
O filósofo franco-argelino Jacques Derrida expôs, em sua obra, a partir de uma leitura crítica da psicanálise de Freud
e Lacan, mas em diálogo com ela, a sobreposição entre esses dois sistemas, criando o neologismo falogocentrismo,
espécie de nexo indissociável entre os homens, o poder da autoridade e a razão (logos), garantido pela presença
do falo como um significante íntegro e transcendental. Assim, Derrida alia o logocentrismo da metafísica ocidental
ao falocentrismo da cultura que submete mulheres à coerção de um sistema que ata a palavra à lei simbólica,
sendo esta, pela ótica da psicanálise, paterna e masculina.
8
O artigo faz referência a uma expressão de hooks no livro Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra.

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JULIANA DE MORAES MONTEIRO

do seu rosto com a boca aberta – a boca da arte que está sempre aberta – e um líquido viscoso
e escuro escorre pela sua língua. Em meio ao ano mais violento e repressivo da ditadura militar
brasileira, essa artista cria uma obra marcada pelo feminino na linguagem ou, dito de outro modo,
só no campo do feminino é possível apunhalar a própria língua, mesmo que metaforicamente.
Para quem nunca foi admitido no reino da posse das palavras, só resta uma saída: se despojar ou
violentar a própria língua para falar em uma língua imprópria. A linguagem feminina, longe de ser
um território familiar que nós habitamos e dominamos, é um espaço estranho, permanentemente
ameaçado e invadido por moscas intrusas que entram nas bocas que se recusam a fechar. Como
pontuei em minha tese, já citada neste trabalho, a atividade poética e artística
diz respeito ao despojamento da linguagem familiar, dentro da qual o artista transita como se
dela fosse preciso tomar distância. Assim, ele se apropria no mesmo gesto de se expropriar de
um território familiar e dessa experiência nasce não só a poesia, mas as mais variadas criações
artísticas (MONTEIRO, 2021, p. 148).

Em Torto Arado, romance brasileiro escrito por Vieira Jr., somos apresentados à história das
protagonistas Bibiana e Belonísia, irmãs cujas vidas são radicalmente modificadas por um corte.
É Bibiana quem toma a iniciativa de resgatar uma antiga mala da avó a fim de descobrir algum
segredo enterrado. Ao retirar uma faca de dentro da mala, ela, a mais velha, leva o metal até a
boca, “tamanha era a vontade de sentir seu gosto” (VIEIRA JR., 2019, p. 15). Ao mimetizar o gesto
da irmã, Belonísia, incitada pela curiosidade, repete o mesmo. Mas, em vez de produzir um
pequeno corte causado pelo fio da lâmina como acontece com Bibiana, acaba por decepar
a própria língua, acidente que a deixaria sem poder falar para sempre. Se Jesus, escritora negra
e nomeada doutora Honoris Causa pela UFRJ, afirma que a língua das mulheres é um pavio
que incendeia tudo, Vieira Jr. escreve a narrativa de uma mulher que perde a língua e se torna
privada de ter uma voz.
No ensaio “Testemunhar sem língua (o caso Alejandra Pizarnik)”, Kamenszain, muito
influenciada pelas teorias agambenianas, mobiliza uma definição da poesia – que eu insisto
aqui em extrapolar para a arte – como a disposição para “falar pela boca da língua que não
tem” (KAMENSZAIN, 2015, p. 25). Estranho paradoxo esse no qual é preciso perder a língua,
senti-la ausente, para poder falar. Kamenszain aposta que uma experiência masculina com a
língua resvala na tentativa falida de participar de uma totalidade. Segundo ela, para continuar
escrevendo – ou falando – “é preciso que as palavras não sirvam” (KAMENSZAIN, 2015, p. 33).
Para esclarecer esse aspecto, é justamente à psicanálise que a autora recorre. A
experiência que postulamos nesse texto como feminina não é a invenção de uma língua nova,
mas uma outra forma de lidar com a linguagem, capaz de fazer ruir a tradição metafísica ao
inativar seus dispositivos do sentido, da efetividade e da totalidade do logos aristotélico. Essa outra
língua, Lacan nomeou lalíngua, aquela que “fica antes, à frente de toda linguagem articulada”
(KAMENSZAIN, 2015, p. 45), mas também “uma não língua” (KAMENSZAIN, 2015, p. 45), um saber-
fazer com a língua que nada tem a ver com os efeitos de significado ou com dizer-algo-sobre-
algo, legein ti katà tinós, como na leitura aristotélica da formulação de Platão no Sofista. O que é
possível fazer politicamente quando se exclui sujeitas falantes da faculdade do logos?
Nas Metamorfoses (OVÍDIO, 2017), Filomela tem sua língua decepada para não revelar
o nome de seu estuprador, mas consegue revelá-lo bordando-o; em Tito Andrônico (William
SHAKESPEARE, 2009), Lavínia tem a língua cortada pelo mesmo motivo, razão pela qual também
tem as mãos decepadas; mulheres de língua afiada na Europa e mulheres negras escravizadas
trazidas à força para as Américas foram punidas com instrumentos que as impediam de falar;
às histéricas, choques e experimentos científicos eram impostos, deixando a língua contraída e
enrijecida; no campo das artes visuais brasileiras, artistas como Lygia Pape, Anna Maria Maiolino
ou Lenora de Barros ousaram apunhalar, cortar com uma tesoura,9 perfurar ou mastigar a própria
língua.10 Línguas selvagens não podem ser domadas.
Nesse sentido, palavra e pensamento, antes regulados por uma suposta unidade do
logos, estão dissociadas e, a partir dessa íntima fratura, possibilitam novas maneiras de abordar
a linguagem. É porque se reconhece uma cisão originária que podemos fazer uma aposta na
íntegra dos equívocos de cada língua, uma vez que a própria linguagem é resistente ao sentido e
à significação. A Filosofia, ao postular a relação da linguagem com o feminino como problema,
pode chamar para si a tarefa ética de confrontar, evocando mais uma vez a expressão de
Cassin, a babaquice do logos. Assim,
o que tinha sido separado de uma pretensa unidade se reencontra na criação do múltiplo. E o
que opera como um procedimento linguístico da expressão filosófica resulta igualmente como
um dispositivo de criatividade no pensamento – uma poética do pensar (CASSIN, 2018, p. 156).

9
É o que sobra, Série Fotopoemação (1974-2006).
10
Estudo para facadas (2012) e No país da língua grande dai carne a quem quer carne (2006).

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LÍNGUAS SELVAGENS NÃO PODEM SER DOMADAS: MULHERES, LINGUAGEM E FILOSOFIA

Há linguagem feminina? Questão impossível de ser colocada do ponto de vista de uma


mulher que “não inventa talvez questões filosóficas” (Catherine MALABOU, 2009, p. 128), visto
que a Filosofia filosofa como homem. Filosofar como mulher, escreve Malabou, seria um outro
exercício no campo do pensamento. E “em todo lugar, sempre que pode, ela cria problemas
para os filósofos e os filosofemas” (MALABOU, 2009, p. 139).

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WARBURG, Aby. Atlas Mnemosyne. Tradução de Joaquim Chamorro Melke. Madrid: Ediciones
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Juliana de Moraes Monteiro (judemoraes@gmail.com) é doutora em Filosofia pela


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio, 2019). Atualmente, realiza estágio
de Pós-Doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com bolsa PDR10 da FAPERJ,
sob supervisão da professora Carla Rodrigues. É organizadora de Agambiarra: escritos sobre a
filosofia de Giorgio Agamben (Ape’ku, 2020) e autora de Trauma/ arte contemporânea brasileira
(Circuito, 2020) e O que a Esfinge ensina a Édipo: sobre os limites de interpretação na arte
contemporânea (Ape’ku, 2021).

COMO CITAR ESTE ARTIGO DE ACORDO COM AS NORMAS DA REVISTA

MONTEIRO, Juliana de Moraes. “Línguas selvagens não podem ser domadas: mulheres, linguagem e filosofia”.
Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 31, n. 1, e81404, 2023.

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Não se aplica.

FINANCIAMENTO

Este artigo é parte de uma pesquisa contemplada por edital de Pós-Doutorado FAPERJ Nota 10 (2019), da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro.

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HISTÓRICO

Recebido em 17/05/2021
Reapresentado em 05/07/2021
Aceito em 17/01/2022

Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 31(1): e81404


12 DOI: 10.1590/1806-9584-2023v31n181404

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