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Intervenção em Situações de Violência Doméstica Atitudes e Crenças de Polícias

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Psychology, Community & Health

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Empirical Articles

Intervenção em Situações de Violência Doméstica: Atitudes e Crenças de


Polícias
Intervention in Domestic Violence Situations: Police Attitudes and Beliefs

Ana Isabel Sani* a, Alexandra Coelho b, Celina Manita c

[a] Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal. [b] Faculdade de Medicina, Universidade
do Porto, Porto, Portugal. [c] Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, Porto, Portugal.

Resumo
Objetivo: O presente estudo visa perceber quais as crenças dos polícias relativamente ao fenómeno da violência doméstica contra a
mulher e avaliar de que forma estas podem estar relacionadas com o seu modo de atuação.
Método: A amostra foi constituída por 453 polícias do Comando Metropolitano da Polícia de Segurança Pública do Porto, aos quais foram
administradas a Escala de Crenças sobre Violência Conjugal (E.C.V.C.) e a Escala de Intervenção que integra as Escalas de Atitudes da
Polícia (E.A.P.).
Resultados: Os resultados revelaram uma maior discordância quanto ao conjunto de mitos legitimadores da violência conjugal e uma
maior percentagem de sujeitos orientados para executar diligências de serviço (atuação incondicional, independentemente de a vítima
querer denunciar o crime), sobretudo quando estão perante situações de violência física. Os resultados correlacionais sugerem que níveis
mais elevados de crenças legitimadoras da violência conjugal estão associados a uma atuação policial mais condicionada. A análise
comparativa de dois grupos com mais ou menos crenças legitimadoras da violência contra a mulher revelou que não há uma diferenciação
estatisticamente significativa quanto ao tipo da ação dos polícias em situações de violência doméstica.
Conclusão: Os resultados apoiam a associação entre crenças sobre o fenómeno da violência doméstica e a atuação da polícia nestes
casos.

Palavras-Chave: polícia, crenças, atitudes, intervenção, violência doméstica

Abstract
Aim: The present study aims to understand police officers’ beliefs regarding the phenomenon of domestic violence against women and
assess how this could be connected with the way they act.
Method: The sample consists of 453 police officers, from the Metropolitan Police Command of Public Security Police of Oporto. They were
administered the Marital Violence Beliefs Scale [Escala de Crenças sobre Violência Conjugal] (E.C.V.C.) and the Intervention Scale which
compose the Police Attitudes Scales (E.A.P.).
Results: The results revealed a greater disagreement regarding the set of legitimizing myths of marital violence and a greater percentage
of participants oriented to perform service procedures (unconditional action, regardless of the victim's intention to report the crime),
especially when faced with physical violence situations. The correlational results suggest that higher levels of legitimizing beliefs of marital
violence are associated with a more conditioned police action. The comparative analysis of two groups with more or less legitimating beliefs
about violence against women, found that there is no statistically significant difference in the type of police action in domestic violence
situations.
Conclusion: The results support the association between beliefs about the phenomenon of domestic violence and police action in these
cases.

Keywords: police, beliefs, attitudes, intervention, domestic violence


Sani, Coelho, & Manita 73

Psychology, Community & Health, 2018, Vol. 7(1), 72–86, doi:10.5964/pch.v7i1.247


Received: 2017-06-19. Accepted: 2018-07-26. Published (VoR): 2018-09-28.
Handling Editor: Catarina Ramos, William James Center for Research (WJCR), ISPA – Instituto Universitário, Lisbon, Portugal
*Corresponding author at: Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Fernando Pessoa, Praça 9 de abril, 349, 4249-004 Porto,
Portugal. E-mail: anasani@ufp.edu.pt
This is an open access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License (https://
creativecommons.org/licenses/by/3.0/), which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the
original work is properly cited.

A Atuação da Polícia Perante Situações de Violência Doméstica


Este estudo foca as crenças e as atitudes dos polícias face a situações de violência doméstica, procurando a
partir de uma investigação de cariz quantitativo e exploratório fazer uma reflexão sobre a importância de certos
constructos para a análise da atuação das forças policiais perante casos dessa natureza.

Nas situações de violência doméstica os agentes de forças policiais são geralmente aqueles que operam na
primeira linha de resposta a esta problemática social. O seu desempenho e o modo como atuam desde o pri-
meiro contacto com a vítima tem uma importância acrescida no desenrolar das situações de violência, assim
como na perceção de segurança e insegurança das próprias vítimas relativamente a uma eventual revitimação
(Dichter & Gelles, 2012). Nestes casos a polícia desempenha um papel fundamental na recolha da informação,
no restabelecimento do sentimento de segurança e, também, na procura de respostas para estas situações,
mesmo que num plano informal. São, porém, vários os fatores individuais, sociais e institucionais que, de acor-
do com a revisão teórica e os estudos empíricos, podem ajudar a compreender a atuação dos polícias face à
violência doméstica, em diferentes populações e contextos (Buzawa & Buzawa, 2017; Gracia, García, & Lila,
2008, 2009; Hagemann-White, 2017; Hall, 2005; Perez Trujillo & Ross, 2008).

Assim, discute-se desde logo que certos fatores individuais poderão influenciar a atuação dos agentes das for-
ças policiais, alguns dos quais estão relacionados com as suas perceções relativamente ao fenómeno da vio-
lência doméstica. Por exemplo, a perceção de gravidade e o sentido de responsabilidade percebido pelos polí-
cias quanto ao seu envolvimento em casos de violência doméstica podem interferir na decisão destes de inter-
vir ou não, bem como no próprio modo de atuação (Gracia et al., 2008). Nesse estudo conduzido por Gracia e
colaboradores, realizado com 143 polícias (115 homens e 28 mulheres), os autores concluem que a influência
dessas variáveis depende do nível de envolvimento (baixo, médio ou alto) dos polícias na situação, sendo que
níveis mais elevados de envolvimento nos casos de violência contra a mulher por parceiro íntimo tendem a
estar associados a níveis mais elevados de perceção de gravidade e de responsabilidade pessoal. Os resulta-
dos aqui encontrados e que associam estas variáveis individuais ao modo de atuação dos polícias não diferem
dos obtidos em outros estudos (e.g., Bonomi, Holt, Martin, & Thompson, 2006; Gracia et al., 2009), quer com a
população em geral quer com vítimas de crimes. No mesmo sentido, estes estudos revelam também que a
tomada de decisão para atuar em casos de violência contra a mulher por parceiro íntimo está baseada em no-
ções de gravidade e responsabilidade. No estudo de Gracia e colaboradores (Gracia et al., 2009), realizado
com uma amostra da população da cidade de Valencia (Espanha), os autores concluem que a perceção de
gravidade e de responsabilidade pessoal influenciam a adoção de respostas de mediação ou de denúncia às

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autoridades. Num estudo com 431 mulheres vítimas de diversas formas de violência pelo companheiro, Bono-
mi e colaboradores (Bonomi et al., 2006) chegam também à conclusão de que as vítimas de violência domésti-
ca física e psicológica severa têm maior tendência para chamar a polícia do que vítimas de outro tipo de vio-
lência. Assim, as perceções construídas sobre os incidentes são variáveis importantes a considerar, quer para
a decisão dos polícias em atuar ou não, como das vítimas de violência (ou de outras pessoas que tenham co-
nhecimento da situação) em mediar, denunciar ou pedir ajuda.

Considerando ainda os fatores individuais, a ação dos polícias pode, também, ser influenciada por crenças so-
bre a legitimidade de interferir nos relacionamentos íntimos de casais (Machado et al., 2005), assim como pela
noção de perigosidade dos acontecimentos de violência doméstica, devido à imprevisibilidade, ao caos e à
elevada tensão emocional que, muitas vezes, lhes está associada (Myhill, 2017; Perez Trujillo & Ross, 2008).
Vários motivos podem ser apontados, desde haver alguma relutância por parte da polícia no envolvimento nos
incidentes de violência familiar (Jordan, 2004; Sani & Morais, 2015), bem como uma forte resistência em enca-
rá-los como “verdadeiro trabalho da polícia” (Machado et al., 2005). Esta situação parece estar associada às
crenças dos polícias relativamente às vítimas de violência familiar, principalmente no que respeita à apresenta-
ção de queixa, à presunção de não cooperação ou, mesmo, à antecipação da desistência da acusação
(Gauthier, 2010). Para além destas, refiram-se ainda outras crenças dos agentes da polícia quanto à minimiza-
ção do problema da violência exercida, à culpabilização da vítima e a atitudes patriarcais (DeJong, Burgess-
-Proctor, & Elis, 2008). As expectativas dos polícias quanto ao comportamento da vítima estão, muitas vezes,
relacionadas com a tipologia de crime, sendo os crimes de violência doméstica, a par dos de violação, aqueles
em que as vítimas tendem a ser vistas como mais autoexpressivas e com maior tendência para a autoculpabi-
lização, comparativamente a vítimas de outros tipos de crimes (Ask, 2010). Tal pode afetar a perceção que os
polícias têm sobre a credibilidade do discurso das vítimas, podendo assim interferir com a sua forma de atua-
ção.

As ideias estereotipadas acerca das mulheres, muito associadas aos papéis de género considerados tradicio-
nalmente femininos, parecem também interferir com a atuação dos agentes das forças policiais, que tendem a
intervir preferencialmente se a vítima manifestar um desejo ativo de denunciar o crime (Lila, Gracia, & García,
2010). A atuação policial pode, desta forma, ser um resultado de crenças, por vezes profundamente arreiga-
das à noção de privacidade familiar e de utilidade da intervenção em situações deste tipo.

Outros fatores de ordem social ou associados a dinâmicas institucionais são, por vezes, evocados para a aná-
lise da atuação dos policias. A resposta interventiva dada pelas forças policiais influencia fortemente a constru-
ção social das vítimas acerca da ajuda prestada, podendo as perceções sobre os polícias serem bastante po-
sitivas ou negativas (Apsler, Cummins, & Carl, 2003; Smith, 2000; Srinivas & DePrince, 2015). É um facto que
a tradicional abordagem policial em situações de violência doméstica contra a mulher sofreu alterações, reve-
lando a polícia uma resposta mais especializada e enquadrada. As mudanças no modelo de policiamento sus-
citam um reconhecimento social de que a polícia é a entidade de contacto primário nas situações de crise
(Dichter & Gelles, 2012) e que, mesmo que não possa garantir plenamente a segurança das vítimas, pode me-
lhorar as condições que lhes permitam manter-se seguras (Russell & Light, 2006). Em termos globais tem-se
assistido em Portugal ao desenvolvimento de esforços e a uma conjugação de iniciativas com vista à disponi-
bilização de respostas mais eficazes e adequadas às exigências de situações complexas como as de violência
doméstica (cf. Castanho, Quaresma, & Isidro, 2013; Manita, Ribeiro, & Peixoto, 2009), considerando entre ou-
tras, as boas práticas levadas a cabo em países como Reino Unido (Quaresma, 2012). Todavia, persistem ain-

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da alguns discursos que referem que a polícia não oferece à vítima uma proteção adequada, na medida em
que subestima a gravidade de alguns tipos de violência, acabando por não dar seguimento a certos casos ou
por responder de forma menos adequada a certos pedidos de auxílio às vítimas (Nações Unidas, 2003). As
decisões da vítima de envolver ou não a polícia são complexas e informadas, existindo mais probabilidade de
tal acontecer se esta antecipar mais benefícios (e.g., atendimento imparcial, cessação da violência, apoio para
ela e para os filhos) do que custos nessa participação (e.g., atendimento injusto, perda da guarda dos filhos)
(Novisky & Peralta, 2015).

Dada a complexidade das situações de violência doméstica, a detenção dos agressores pelos agentes das for-
ças policiais é difícil de acontecer, seja por não existirem provas suficientes ou por existir violência mútua
(Newbold & Cross, 2008), seja por ausência de informações completas e precisas (Cross & Newbold, 2010)
que possibilitem que autos e relatórios sobre estes incidentes esclareçam sobre o risco e os fatores que pos-
sam ajudar a determiná-lo (Carvalho & Sani, 2015). Outros estudos mostram como em incidentes de violência
doméstica as características relacionadas com a severidade da agressão podem ser determinantes para a de-
cisão de deter o agressor ou não, sobretudo quando este está presente na cena (Hall, 2005) ou se o episódio
tiver ocorrido numa área urbana (Avakame & Fyfe, 2001). Em todo o caso, os agentes das forças policiais na
sua atuação em casos de violência doméstica têm de prestar muita atenção às dinâmicas situacionais e às
exigências da situação, tendo por base uma avaliação do risco (Perez Trujillo & Ross, 2008).

De facto, algumas das críticas presentes nos discursos sociais assentam na ideia de que a polícia será bene-
volente com os agressores do sexo masculino em situações de agressão doméstica, designadamente por não
considerarem a detenção do agressor (Avakame & Fyfe, 2001). Estudos recentes revelam que as variações
nas taxas de detenção de agressores de violência doméstica podem estar relacionadas com fatores da comu-
nidade ou com determinado tipo de órgão policial e que esses aspetos devem ser considerados, nomeada-
mente na formação dos polícias (Dichter, Marcus, Morabito, & Rhodes, 2011).

Assim, importa considerar, na análise da atuação dos polícias perante situações de violência contra a mulher,
de que forma variáveis individuais associadas às crenças dos polícias poderão interferir na resposta interventi-
va dada pela polícia. Da atuação dos polícias, objeto de aprovação e desaprovação social, pode depender a
procura de ajuda ou não pelas vítimas para o problema. Num estudo qualitativo realizado por Sani e Morais
(2015) com nove agentes das forças policiais portuguesas e três vítimas de violência doméstica, foi possível
constatar que as atitudes e respostas da polícia desempenham um papel importante e contribuem para a satis-
fação da vítima. A cooperação da polícia na garantia da segurança das vítimas de violência, a informação, o
aconselhamento, o suporte e o encaminhamento dado, promovem a capacitação da vítima para lidar com as
situações de violência.

O presente estudo teve como objetivo central compreender o modo de atuação de agentes da polícia de segu-
rança pública face a situações de violência doméstica, considerando especificamente as crenças respeitantes
ao fenómeno da violência conjugal e o modo de intervenção relativamente a casos de violência contra mulhe-
res. Neste sentido, começámos por avaliar as crenças relativas à violência conjugal junto de agentes da Polí-
cia de Segurança Pública (PSP), recorrendo à Escala de Crenças sobre Violência Conjugal (Machado, Matos,
& Gonçalves, 2006) e, posteriormente, com recurso à Escala de Intervenção que integra as Escalas de Atitu-
des da Polícia (Gracia et al., 2008), apresentámos aos participantes alguns cenários que refletem este tipo de
problemáticas, face aos quais teriam de indicar o tipo de intervenção que tenderiam a assumir nesses casos.

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Dado que as crenças podem interferir com o modo de atuação dos polícias, procurámos também analisar a
relação entre estas duas variáveis e a possibilidade de existirem diferenças ao nível da intervenção, em função
de defenderem mais ou menos crenças legitimadoras da violência contra a mulher.

Método

Participantes
O estudo foi realizado junto de 453 polícias do Comando Metropolitano da Polícia de Segurança Pública (PSP)
do Porto, de um total de 3383 elementos ativos, dos quais 3320 exerciam diretamente uma ação policial pro-
priamente dita, quer na organização e planeamento das atividades, como na execução das mesmas. Os res-
tantes representam recursos humanos especializados e técnicos de outras áreas associadas ao funcionamen-
to da PSP. De entre o universo de elementos ativos, os participantes para o estudo foram selecionados aleato-
riamente, por indicação do Comando, entre aqueles que eventualmente poderiam ter tido ou vir a ter algum
tipo de contacto com situações de violência doméstica.

No que respeita às características sociodemográficas da amostra podemos afirmar que os participantes eram,
na sua maioria, homens casados ou em união de facto, na faixa etária dos 26 aos 35 anos (n = 227; 50,11%)
(M = 37,50 anos; DP = 6,68), apresentando, maioritariamente, como habilitações literárias o nível secundário e
a desempenhar, sobretudo, funções de agente principal na PSP (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização Sociodemográfica da Amostra (n = 453)

Característica n %

Sexo
Masculino 408 90,06
Feminino 41 9,05
a
Omissão 4 0,88
b
Grupos etários
26 a 35 anos 227 50,11
36 a 45 anos 158 34,88
46 a 55 anos 68 15,01
Nível habilitacional
1º ciclo 10 2,21
2º ciclo 5 1,10
3º ciclo 61 13,47
Secundário 320 70,64
Bacharelato/ou mais 24 5,30
a
Omissão 33 7,28

Estado civil
Solteiro/a 68 15,01
Casado/a ou União de Facto 333 73,51
Divorciado/a ou Separado/a 27 5,96
a
Omissão 25 5,52

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Característica n %

Função na Polícia
Chefe 26 5,74
Subchefe 9 1,99
Agente Principal 233 51,43
Agente 170 37,53
a
Omissão 15 3,31
a
Ausência de resposta ao item. bM = 37,50; DP = 6,68.

Instrumentos
Crenças sobre Violência Conjugal
A Escala de Crenças sobre Violência Conjugal (ECVC) permite avaliar as crenças em relação à violência em
relações íntimas. A primeira versão desta escala com 45 itens foi desenvolvida e testada em 2000 numa
amostra de 372 sujeitos (Machado, Matos, & Gonçalves, 2004), com o objetivo de analisar as suas qualidades
psicométricas. Após as análises, a versão final da escala passou a ser constituída por 25 itens, com cinco op-
ções de resposta num formato tipo Likert que vai desde (1) “discordo totalmente” até (5) “concordo totalmente”.
O instrumento apresentou uma elevada consistência interna, com coeficiente alfa de Cronbach igual a 0,90.

Em 2004 foi conduzido um novo estudo com uma amostra mais alargada, de 2391 famílias (Machado et al.,
2006), apresentando a mesma versão de 25 itens um elevado grau de consistência interna de 0,93 e replican-
do os mesmos quatro fatores, entretanto renomeados. A versão atual é: Fator 1 - “legitimação e banalização
da pequena violência”; Fator 2 - “legitimação da violência pela conduta da mulher”; Fator 3 - “legitimação da
violência pela sua atribuição a causas externas”; e, Fator 4 - “legitimação da violência pela preservação da pri-
vacidade familiar”. Os quatro fatores identificados no segundo estudo explicavam 56% da variância (Machado
et al., 2006). No presente estudo com polícias foi usada a versão revista e publicada em 2006, tendo-se apura-
do uma consistência interna para a escala de 0,92 e a existência de quatro componentes principais que expli-
cam 55% da variância total dos resultados.

Intervenção policial
A Escala de Intervenção integra o conjunto das Escalas de Atitudes da Polícia (EAP), as quais foram desen-
volvidas por Gracia e colaboradores (Gracia et al., 2008, 2009) para avaliar a intervenção, a gravidade perce-
bida e o sentido responsabilidade pessoal de polícias face a situações de violência doméstica contra a mulher.
Estas medidas podem ser utilizadas separadamente e a escala de intervenção (INT), usada neste estudo, foi
concebida para apurar as variações entre as respostas dos polícias em cenários hipotéticos de incidentes de
violência contra a mulher e as respostas de profissionais especializados nesta área (Gracia et al., 2008).

Na escala de intervenção são apresentados oito cenários hipotéticos de violência contra a mulher, cujas tipolo-
gias descritas retratam violência psicológica, ameaças, diferentes graus de violência física, assim como casos
de reincidência (Gracia, García, & Lila, 2011). Para cada um destes cenários os polícias têm que responder se
a sua intervenção se realizaria mediante denúncia (0 = quando a vítima está disposta a apresentar queixa) ou
de acordo com uma atuação de serviço (1 = independentemente de a vítima querer ou não denunciar). Esta
escala situa, assim, os polícias de acordo com a tendência exibida para aplicar de forma condicionada a lei,
atendendo à vontade da vítima pela adoção de medidas legais, ou uma preferência generalizada pela aplica-
ção incondicional da lei, independentemente da decisão da vítima. Em termos de pontuação, quanto mais ele-

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vado for o resultado apurado, maior será a aplicação da lei de forma incondicional (as pontuações podem vari-
ar entre 0 e 8).

Segundo os autores, no estudo original, o valor do alfa de Cronbach apurado para esta escala foi de 0,87
(Gracia et al., 2011). Para a nossa amostra encontrou-se uma consistência interna de 0,74 e a existência de
dois componentes principais que explicam 54% da variância total dos resultados (Coelho, 2011). O primeiro
fator denominado de “ameaça maior/reiterada” (incluiu itens que descrevem situações continuadas e objetiva-
mente ameaçadoras) e o segundo de “ameaça menor/não reiterada” (englobou itens que descrevem situações
que podem não ser continuadas e subjetivamente ameaçadoras). Cada fator revelou uma consistência interna
de .68. Em termos de cálculo médio o fator 1 é o que mais pontua, com uma média de 3,44 (DP = 0,99), com-
parativamente ao fator 2, com 2,45 (DP = 1,37).

Procedimentos
Prévio à realização do estudo foram realizados contactos com o objetivo de obter os consentimentos, quer pa-
ra a utilização ou tradução e validação do instrumento junto dos autores das escalas, como junto das entida-
des responsáveis pela amostra que integraria este estudo, primeiramente a Direção Nacional da Polícia de Se-
gurança Pública. Uma vez obtidos todos os consentimentos, procedemos à organização e planificação das ati-
vidades com a colaboração estreita do Departamento de Relações Públicas do Comando supracitado, que nos
disponibilizou a base de dados referente aos recursos humanos de todo o Comando, permitindo definir a nos-
sa amostra. Os participantes foram aleatoriamente selecionados, tendo a aplicação das escalas sido realizada
nas esquadras através de um elemento responsável designado. Após a distribuição das escalas nas divisões e
respetivas esquadras, requerendo o consentimento informado e colaboração espontânea dos polícias, o agen-
te responsável comunicava com a equipa que procedia ao levantamento dos instrumentos. O anonimato foi
igualmente assegurado, sendo os dados tratados no seu conjunto, sem uso de informação capaz de permitir a
identificação dos sujeitos.

Análise Estatística
Para o tratamento dos dados recolhidos realizaram-se análises estatísticas através do programa informático
Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20 para Windows. Foram realizadas análises descriti-
vas com vista a examinar a distribuição das respostas à ECVC e nas tipologias de atuação assinaláveis na
Escala de Intervenção, análises correlacionais através do coeficiente r de Pearson para verificar associações
entre as crenças e o tipo de intervenção dos polícias para o total da amostra, assim como análises de diferen-
ças entre grupos, através do teste não paramétrico Mann-Whitney, já que através do teste de Kolmogorov-
-Smirnov (K-S) não se observou o pressuposto da normalidade das distribuições amostrais. Para todas as
análises estatísticas anteriormente referidas foi assumido o valor de significância p < 0,05.

Resultados

Crenças Sobre a Violência Conjugal


Em termos globais, as respostas dos polícias evidenciaram uma tendência para uma elevada discordância fa-
ce ao conjunto de mitos legitimadores da violência conjugal. A generalidade dos itens, cotáveis de 1 a 4, apre-

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senta valores abaixo de 2 (discordo), identificando-se os itens 1 (M = 2,78; DP = 1,18), 3 (M = 2,27; DP = 1,03)
e 6 (M = 2,26; DP = 0,99) como os que detêm médias e desvios-padrão ligeiramente mais altos, que os referi-
dos anteriormente. Os itens 3 e 6 incluem-se no fator 3, que congrega itens que legitimam a violência através
de fatores externos à conduta do maltratante (e.g., álcool, desemprego, drogas, dificuldades económicas). O
item 1 é o que apresenta um maior número de participantes a responder de formar concordante, reportando
alguma minimização do fenómeno da violência sobre o cônjuge em termos sociais.

Em termos percentuais, destacamos na Tabela 2 os itens com valores de concordância mais relevantes, que
remetem para a identificação de valores mais elevados associados a crenças, nas quais a tónica é colocada
em fatores externos. Realça-se, ainda, o facto de a crença com valor percentual mais elevado se reportar à
desvalorização do impacto da violência conjugal em termos sociais.

Tabela 2
Percentagem (%) de Concordância em Respostas a Itens da ECVC

% Concordo
Item da ECVC % Concordo totalmente % Total
1. O problema dos maus tratos dentro do casamento afeta uma pequena 26,80 7,30 34,10
percentagem da população.

3. Os maus tratos só ocorrem quando há outros problemas dentro da família (p. 13,70 2,90 16,60
ex., desemprego, consumo de drogas, problemas de dinheiro).

6. A causa da violência é o abuso de álcool. 12,40 1,50 13,90

8. Os homens batem nas mulheres apenas quando estão de "cabeça perdida", 7,30 0,90 8,20
por algum problema nas suas vidas ou por alguma coisa que elas fizeram.

9. Se as mulheres se portarem bem como boas esposas não serão maltratadas. 5,10 2,90 8,00

10. Os homens passam a agredir as mulheres porque se envolvem em relações 6,00 0,20 6,20
extraconjugais.

7. A preocupação com a situação das mulheres que são maltratadas no 5,10 0,70 5,80
casamento só serve para separar as famílias.

Atitudes de Intervenção dos Polícias


Tendo sido obtido para Escala de Intervenção um n válido global de 450 sujeitos, cujo valor individual nesta
escala poderia variar entre 0 e 8, verificámos que o valor de médio por item foi de 5,88 com um desvio padrão
de 2,02. Os resultados percentuais presentes na Tabela 3 mostram os valores obtidos para esta amostra em
cada um dos 8 cenários hipotéticos de violência contra a mulher. Verificámos que a atuação de serviço (incon-
dicional), independentemente de a vítima querer ou não denunciar, é frequente em situações que envolvem
violência física. Constatou-se ainda que o nível de concordância percentual com este tipo de atuação é mais
baixo, quando estejam perante situações onde ocorrem outros tipos de violência (e.g., ameaças, agressões
verbais, reciprocidade de comportamentos). Nestes últimos casos os valores percentuais são mais próximos
entre si para as duas formas de atuação, ainda que sejam mais elevados para a atuação de serviço, podendo
tal corresponder a uma possível maior legitimação de tais formas de vitimação na intimidade de um casal.

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Tabela 3
Percentagem (%) de Resposta aos Itens da Escala de Intervenção

Itens da Escala de Intervenção N % Mediante denúncia % Atuação de serviço


1. Uma mulher denunciou o seu companheiro por a ter agredido, mas o homem 448 17,86 82,14
continua a ameaçá-la.

2. Numa discussão, um homem agride a sua companheira e depois pede-lhe 445 28,99 71,01
desculpa.

3. Uma mulher é agredida, frequentemente, pelo seu companheiro causando- 449 8,69 91,31
lhe, por vezes, pequenas lesões e hematomas, contudo não quer denunciar os
factos.

4. Um casal discute, o homem insulta a mulher e ameaça agredi-la. 446 46,64 53,36

5. Numa discussão, um homem dá uma bofetada à sua companheira e esta 446 39,46 60,54
devolve-a.

6. Uma mulher é desprezada e humilhada continuamente pelo seu companheiro. 447 38,26 61,74

7. Uma mulher é ameaçada e insultada continuamente pelo seu companheiro 448 10,71 89,29
que, por vezes, chega a empurrá-la ou a agredi-la.

8. Um casal discute continuamente, insultando-se e ameaçando-se mutuamente, 446 17,26 82,74


chegando à agressão com frequência.

Correlação entre as Crenças e o tipo de Intervenção dos Polícias


Existe uma correlação negativa e estatisticamente significativa (r = -0,149; p = 0,002) entre as crenças legiti-
madoras de violência e o tipo de intervenção, sugerindo que valores altos na ECVC estão geralmente associa-
dos a níveis mais baixos da Escala de Intervenção (que corresponde a uma atuação policial mais condiciona-
da, ou seja, mediante denúncia da situação).

Diferenças na Atuação Policial em Função das Crenças


As análises realizadas com o objetivo de perceber se em função das crenças dos polícias haveria diferenças
ao nível das atitudes perante a intervenção pareceu-nos bastante pertinente. Nesse sentido, usando a nota
total da ECVC foram criadas novas categorias calculando os quartis: até 36 (1º quartil, n = 105), entre 37 e 44
(2º quartil, n = 113), 45 e 52 (3º quartil, n = 111) e, finalmente, acima de 53 (4º quartil, n = 111). Uma vez reali-
zado este cálculo dos quartis avançámos para as análises diferenciais para a escala de intervenção usando os
dois grupos extremos, i.e., o grupo 1 (menos crenças legitimadoras da violência) e o grupo 4 (mais crenças
legitimadoras da violência). Através do teste de Kolmogorov-Smirnov (K-S) verificou-se que a distribuição dos
resultados violava o pressuposto da normalidade, pelo que optámos pela utilização do teste não paramétrico
de Mann-Whitney, tendo os resultados demonstrado existir homogeneidade quanto aos resultados totais da
ECVC. Os resultados encontrados revelam não existir diferenças estatisticamente significativas (U = 5495; p =
0,158), os valores da média das ordens obtidos na escala de intervenção para polícias com níveis baixos de
crenças (grupo 1; n = 107; U = 117,64) e os indivíduos com crenças legitimadoras da violência (grupo 4; n =
1015; U = 105,78) (Tabela 4).

Discussão
A literatura tem demonstrado como as atitudes e as crenças dos sujeitos podem interferir com o seu modo de
atuação e neste sentido foi propósito neste estudo analisar as crenças face à violência contra a mulher numa

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amostra de agentes das forças de segurança pública e perceber a associação de tais variáveis ao modo de
atuação dos mesmos.

Os resultados obtidos relativamente às crenças legitimadoras da violência conjugal demonstraram uma per-
centagem de discordância elevada, o que se configura como um resultado bastante positivo e revelador de
mudanças consideráveis nas representações dos polícias face a este tipo de violência, atendendo a outros es-
tudos empíricos (e.g., Machado et al., 2005).

Algumas investigações (e.g., Buzawa & Buzawa, 2003; Jordan, 2004; Lila et al., 2010) sugerem que a perce-
ção da relação entre a vítima e o agressor, os estereótipos sociais sobre a mulher, a privacidade do espaço
doméstico ou as atitudes da vítima quanto à denúncia do agressor podem influenciar o modo de atuação dos
polícias em situações de violência doméstica contra a mulher. Não obstante os valores baixos obtidos na
ECVC, realçamos a preponderância do fator 3 dessa escala que remete para a “legitimação da violência pela
sua atribuição a causas externas”. Tal permite-nos pensar que a atitude de intervenção levada a cabo pelos
polícias não deixa de considerar a natureza individual e privada deste assunto (e.g., álcool, desemprego, dro-
gas, dificuldades económicas).

O estudo revelou pistas no que diz respeito à intervenção incondicional dos polícias (independentemente de
denúncia pela vítima) face à violência contra a mulher, sobretudo se estiver envolvida violência física e reitera-
da. No entanto, em situações que possam ser interpretadas como de ameaça menor e não reiterada, a atua-
ção dos polícias, embora seja tendencialmente uma intervenção independente da denúncia da vítima, revela
uma ligeira elevação dos níveis de concordância com uma intervenção condicionada.

No seu conjunto estes resultados estabelecem uma associação entre as crenças e alguns modos de atuação
dos agentes em situações de violência contra mulher, contrariando alguns estudos que caracterizam as res-
postas dos polícias às situações de violência contra a mulher como indiferentes, com baixo envolvimento, ou
como apresentando resistências na detenção do agressor (Avakame & Fyfe, 2001).

Os resultados revelaram a existência de uma correlação negativa, estatisticamente significativa, entre os valo-
res para as crenças e os valores para a intervenção. Quando realizada a comparação de dois grupos extremos
(menores e maiores níveis de crenças legitimadoras) verificou-se não haver heterogeneidade quanto aos mo-
dos de atuação policial. As crenças não legitimadoras da violência contra a mulher não garantem, por si só a
realização de uma atuação de serviço, determinada pelas orientações legais, independentemente da vontade
da vítima em denunciar. Poderão assim existir outras variáveis mediadoras, não apenas relativas ao fenóme-
no, mas ligadas a especificidades das vítimas (DeJong et al., 2008; Gauthier, 2010) que devam ser pondera-
das na análise da atuação policial.

Assim, não obstante ao contributo deste estudo de carácter exploratório e descritivo para o debate sobre a im-
portância de certas variáveis individuais na análise da atuação da polícia em casos de violência, importa identi-
ficar limitações do estudo, identificando alguns aspetos que poderão ter constrangido a sua realização ou influ-
enciado os resultados apresentados. Desde logo, é de sublinhar de que se trata de um estudo desenvolvido
num contexto cultural particular e junto de uma população específica, não podendo ser objeto de generaliza-
ções. Trabalhámos com cenários hipotéticos, podendo em situações reais surgir respostas diversas que impli-
quem considerar outras variáveis. Nesta amostra, a maioria dos participantes era do sexo masculino, uma dis-
tribuição frequente nas forças policiais Portugal, o que não possibilitou compreender algumas questões, testar

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certas relações e obter outros resultados. Considerando estes e outros aspetos podem, ainda, ser desenvolvi-
dos outros estudos, clarificando-se por exemplo as contradições que subjazem entre as expectativas das víti-
mas e a ação policial, o que dificulta o trabalho dos agentes da lei e mantém o hiato entre a compreensão das
suas necessidades e a melhor forma de lhes responder.

Em termos de implicações para a intervenção junto dos polícias, o estudo permitiu-nos perceber que existe
uma tendência para os polícias avaliarem as situações de violência contra a mulher como criminais e eviden-
ciarem sensibilidade para a condição da vítima. Em parte, devemos considerar que as mudanças legislativas
que foram sendo introduzidas (e.g., lei nº. 7/2000 que define os maus tratos como crime público; a lei nº.
59/2007 que passou a prever no seu artigo 152º a violência doméstica como crime especifico; a lei nº.
112/2009 que estabeleceu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à as-
sistência das suas vítimas; entre outras, e posteriores alterações introduzidas pelas lei nº. 129/2015 e lei nº.
130/2015) vieram reforçar a condição da vítima e a necessidade de uma intervenção protetiva eficaz. Os pró-
prios agentes de autoridade viram-se forçados a uma reflexão e mudança nos seus moldes de atuação em
casos de violência doméstica. No entanto, regista-se ainda alguma necessidade de discussão e reconceptuali-
zação o fenómeno (Poelmans, Elzinga, Viaene, & Dedene, 2011), considerando alguma especificidade do que
para cada agente pode ou deve ser considerado violência doméstica, face à possibilidade de outras tipologias
de crime, à natureza e tipo de relação entre o agressor e a vítima ou ao contexto privado ou público das agres-
sões.

Uma formação especializada destes profissionais que vise a melhoria da sua atuação, através da capacitação
dos polícias para lidar com este fenómeno, trabalhando a desmistificação de determinadas crenças fortemente
vinculadas a diferenciações de género (Lila et al., 2010), o desenvolvimento de atitudes proativas (Chu & Sun,
2014), a alteração nos níveis de tolerância ao problema da violência doméstica (Gracia et al., 2008), entre ou-
tros aspetos, poderá contribuir para a melhoria da sua intervenção. A satisfação e o recurso das vítimas ao
contacto com as polícias dependem, em muito, da perceção que estas constroem sobre os serviços providen-
ciados pelos polícias que respondem ao seu pedido (Felson & Pare, 2008; Johnson, 2007). Tal reforça a im-
portância da formação especializada dos polícias para o atendimento, informação e articulação interinstitucio-
nais no combate à violência doméstica. Acresce ainda a importância dos guias orientadores (e.g., Castanho et
al., 2013; Manita et al., 2009; Quaresma, 2012) adotarem estratégias de intervenção que considerem a influên-
cia de certos fatores, e promoverem a uniformização da atuação das forças de segurança na resposta inter-
ventiva nos casos de violência doméstica.

A investigação apresentada procurou perceber quais as crenças presentes numa amostra intencional de políci-
as de segurança pública portugueses face à violência doméstica contra a mulher, e avaliar se a maior ou me-
nor legitimação deste fenómeno estava ou não associada com o modo como estes respondem em termos in-
terventivos a estes casos. Este estudo de carácter exploratório permitiu apurar que os polícias tendem, no ge-
ral, a não legitimar algumas das ideias que mistificam a violência doméstica contra a mulher, não obstante a
presença de crenças que destacam certos fatores externos e sociais. Em termos de intervenção policial, os
resultados permitiram perceber que existe uma tendência mais acentuada para o exercício de intervenções po-
liciais em função da lei, pautando-se a atuação dos agentes pelo entendimento das situações de violência con-
tra a mulher como crime e da necessidade de atuação imediata de proteção à vítima. A violência doméstica é
um assunto prioritário para as forças policiais, que no exercício das suas funções operam de forma específica,
atendendo a uma série de fatores.

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Este estudo, à semelhança de outras investigações com esta população, procura contribuir para ampliar a
compreensão de determinados fenómenos problemáticos da vida social e o modo como, por vezes, se define
a respetiva ação interventiva em situações de violência contra a mulher, entre outros aspetos, reconhecendo e
desconstruindo crenças e estereótipos sociais criados em torno desta problemática.

Financiamento
Os autores não têm financiamento a declarar.

Conflito de Interesses
Os autores declaram que não existem quaisquer conflitos de interesse.

Agradecimentos
Os autores não têm quaisquer apoios a declarar.

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