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Spes non confundit

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Spes non confundit - Bula de Proclamação do Jubileu Ordinário do Ano 2025

1. «Spes non confundit – a esperança não engana» (Rm 5, 5). Sob o sinal da esperança,
o apóstolo Paulo infunde coragem à comunidade cristã de Roma. A esperança é também a
mensagem central do próximo Jubileu, que, segundo uma antiga tradição, o Papa proclama
de vinte e cinco em vinte e cinco anos. Penso em todos os peregrinos de esperança, que
chegarão a Roma para viver o Ano Santo e em quantos, não podendo vir à Cidade dos
apóstolos Pedro e Paulo, vão celebrá-lo nas Igrejas particulares. Possa ser, para todos, um
momento de encontro vivo e pessoal com o Senhor Jesus, «porta» de salvação (cf. Jo 10,7.9);
com Ele, que a Igreja tem por missão anunciar sempre, em toda a parte e a todos, como
sendo a «nossa esperança» (1 Tm 1,1).
Todos esperam. No coração de cada pessoa, encerra-se a esperança como desejo e
expetativa do bem, apesar de não saber o que trará consigo o amanhã. Porém, esta
imprevisibilidade do futuro faz surgir sentimentos por vezes contrapostos: desde a confiança
ao medo, da serenidade ao desânimo, da certeza à dúvida. Muitas vezes encontramos
pessoas desanimadas que olham, com ceticismo e pessimismo, para o futuro como se nada
lhes pudesse proporcionar felicidade. Que o Jubileu seja, para todos, ocasião de reanimar a
esperança! A Palavra de Deus ajuda-nos a encontrar as razões para isso. Deixemo-nos guiar
pelo que o apóstolo Paulo escreve precisamente aos cristãos de Roma.

Uma Palavra de esperança


2. «Uma vez que fomos justificados pela fé, estamos em paz com Deus por Nosso
Senhor Jesus Cristo. Por Ele tivemos acesso, na fé, a esta graça na qual nos encontramos
firmemente e nos gloriamos, na esperança da glória de Deus (…). Ora a esperança não
engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que
nos foi dado» (Rm 5, 1-2.5). São Paulo oferece-nos aqui vários pontos de reflexão. Sabemos
que a Carta aos Romanos assinala uma passagem decisiva na sua atividade evangelizadora.
Até então, desenvolveu-a na zona oriental do Império; agora espera-o Roma com tudo o que
esta representa aos olhos do mundo: um grande desafio, que há de enfrentar em nome do
anúncio do Evangelho, que não conhece barreiras nem fronteiras. A Igreja de Roma não foi
fundada por Paulo, mas este sente um vivo desejo de lá chegar logo que possível, para levar
a todos o Evangelho de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, como anúncio da esperança que
realiza as promessas, introduz na glória e não desilude porque está fundada no amor.
3. Com efeito, a esperança nasce do amor e funda-se no amor que brota do Coração de
Jesus trespassado na cruz: «Se de facto, quando éramos inimigos de Deus, fomos
reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, com muito mais razão, uma vez reconciliados,
havemos de ser salvos pela sua vida» (Rm 5, 10). E a sua vida manifesta-se na nossa vida de
fé, que começa com o Batismo, desenvolve-se na docilidade à graça de Deus e é por isso
animada pela esperança, sempre renovada e tornada inabalável pela ação do Espírito Santo.
Na verdade, é o Espírito Santo, com a sua presença perene no caminho da Igreja, que
irradia nos crentes a luz da esperança: mantém-na acesa como uma tocha que nunca se
apaga, para dar apoio e vigor à nossa vida. Com efeito a esperança cristã não engana nem
desilude, porque está fundada na certeza de que nada e ninguém poderá jamais separar-nos
do amor divino: «Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a
perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? (…) Mas em tudo isso saímos mais do que
vencedores graças Àquele que nos amou. Estou convencido de que nem a morte nem a vida,
nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades, nem a
altura nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que
está em Cristo Jesus, Senhor nosso» (Rm 8,35.37-39). Por isso mesmo esta esperança não
cede nas dificuldades: funda-se na fé e é alimentada pela caridade, permitindo assim avançar
na vida. A propósito escreve Santo Agostinho: «Em qualquer modo de vida, não se pode
passar sem estas três propensões da alma: crer, esperar, amar» (Discursos, 198 augm., 2).
4. São Paulo é muito realista. Sabe que a vida é feita de alegrias e sofrimentos, que o
amor é posto à prova quando aumentam as dificuldades e a esperança parece desmoronar-se
diante do sofrimento. E, no entanto, escreve: «Gloriamo-nos também das tribulações,
sabendo que a tribulação produz a paciência, a paciência a firmeza, e a firmeza a esperança»
(Rm 5,3-4). Para o Apóstolo, a tribulação e o sofrimento são as condições típicas de todos
aqueles que anunciam o Evangelho em contextos de incompreensão e perseguição (cf. 2
Cor 6,3-10). Mas em tais situações, através da escuridão, vislumbra-se uma luz: descobre-se
que a evangelização é sustentada pela força que brota da cruz e da ressurreição de Cristo.
Isto faz crescer uma virtude, que é parente próxima da esperança: a paciência. Habituamo-
nos a querer tudo e agora, num mundo onde a pressa se tornou uma constante. Já não há
tempo para nos encontrarmos e, com frequência, as próprias famílias sentem dificuldade
para se reunir e falar calmamente. A paciência foi posta em fuga pela pressa, causando
grave dano às pessoas; com efeito sobrevêm a intolerância, o nervosismo e, por vezes, a
violência gratuita, gerando insatisfação e isolamento.
Além disso, na era da internet, onde o espaço e o tempo são suplantados pelo «aqui e
agora», a paciência deixou de ser de casa. Se ainda fôssemos capazes de admirar a criação,
poderíamos compreender como é decisiva a paciência. Esperar a alternância das estações
com os seus frutos; observar a vida dos animais e os ciclos do respetivo desenvolvimento; ter
os olhos simples de São Francisco, que no seu Cântico das Criaturas, escrito precisamente
há 800 anos, sentia a criação como uma grande família, chamando «irmão» ao sol e, à lua,
«irmã» (Cf. Fonti Francescane, n. 263, 6.10). Redescobrir a paciência faz bem a nós próprios
e aos outros. Frequentemente São Paulo recorre à paciência para sublinhar a importância da
perseverança e da confiança naquilo que nos foi prometido por Deus, mas sobretudo
testemunha que Deus é paciente conosco: Ele, que é «o Deus da paciência e da consolação»
(Rm 15, 5). A paciência – fruto também ela do Espírito Santo – mantém viva a esperança e
consolida-a como virtude e estilo de vida. Por isso, aprendamos a pedir muitas vezes a graça
da paciência, que é filha da esperança e, ao mesmo tempo, seu suporte.

Um caminho de esperança
5. Deste entrelaçamento de esperança e paciência, resulta claro que a vida cristã é um
caminho, que precisa também de momentos fortes para nutrir e robustecer a esperança,
insubstituível companheira que permite vislumbrar a meta: o encontro com o Senhor Jesus.
Apraz-me pensar que um percurso de graça, animado pela espiritualidade popular, tenha
antecedido a proclamação do primeiro Jubileu em 1300. Com efeito, não podemos esquecer
as diversas formas através das quais se derramou com abundância a graça do perdão sobre o
santo Povo fiel de Deus. Recordemos, por exemplo, o grande «perdão» que São Celestino V
quis conceder a quantos iam à Basílica de Santa Maria de Collemaggio, em Áquila, nos dias
28 e 29 de agosto de 1294, seis anos antes do Papa Bonifácio VIII instituir o Ano Santo. Por
isso, a Igreja já tinha a experiência da graça jubilar da misericórdia. E antes ainda, em 1216,
o Papa Honório III acolhera a súplica de São Francisco, que pedia a indulgência para
quantos tivessem visitado a Porciúncula nos dois primeiros dias de agosto. O mesmo se pode
dizer da peregrinação a Santiago de Compostela: de facto, o Papa Calisto II, em 1122,
concedeu que se celebrasse o Jubileu naquele Santuário sempre que a festa do apóstolo
Tiago calhasse num domingo. É bom que continue esta modalidade «generalizada» de
celebrações jubilares, de modo que a força do perdão de Deus sustente e acompanhe o
caminho das comunidades e das pessoas.
Não é por acaso que a peregrinação representa um elemento fundamental de todo o
evento jubilar. Pôr-se a caminho é típico de quem anda à procura do sentido da vida. A
peregrinação a pé favorece muito a redescoberta do valor do silêncio, do esforço, da
essencialidade. Também no próximo ano, os peregrinos de esperança não deixarão de
percorrer caminhos antigos e modernos para viver intensamente a experiência jubilar. Além
disso, na própria cidade de Roma, haverá itinerários de fé que se juntarão aos tradicionais
das catacumbas e das Sete Igrejas. Deslocar-se dum país ao outro como se as fronteiras
estivessem superadas, passar duma cidade a outra contemplando a criação e as obras de
arte, permitirá acumular experiências e culturas diferentes e levar dentro de si, harmonizada
pela oração, a beleza que faz agradecer a Deus as maravilhas que Ele realizou. As igrejas
jubilares, ao longo dos percursos e em Roma, poderão ser oásis de espiritualidade onde é
possível restaurar o caminho da fé e dessedentar-se nas fontes da esperança, a começar pelo
sacramento da Reconciliação, ponto de partida insubstituível dum verdadeiro caminho de
conversão. Nas Igrejas particulares, deve ser dada uma atenção especial à preparação dos
sacerdotes e dos fiéis para as Confissões e para o acesso a este sacramento na sua forma
individual.
Aos fiéis das Igrejas Orientais, sobretudo àqueles que já estão em plena comunhão com
o Sucessor de Pedro, quero dirigir um convite particular a cumprir esta peregrinação. Eles
que tanto sofreram, muitas vezes até à morte, pela sua fidelidade a Cristo e à Igreja, hão de
sentir-se particularmente bem-vindos a Roma, que também é Mãe para eles e conserva
tantas memórias da sua presença. A Igreja Católica, que está enriquecida pelas suas
liturgias muito antigas e pela teologia e espiritualidade dos Padres, monges e teólogos, quer
exprimir simbolicamente o acolhimento deles e dos irmãos e irmãs ortodoxos, num tempo em
que vivem já a peregrinação da Via-Sacra, sendo muitas vezes obrigados a deixar as suas
terras de origem, as suas terras santas, donde a violência e a instabilidade os expulsam rumo
a países mais seguros. Para eles, a experiência de ser amados pela Igreja, que não os
abandonará, mas há de acompanhá-los para onde quer que forem, torna ainda mais forte o
sinal do Jubileu.
6. O Ano Santo de 2025 está em continuidade com os anteriores eventos de graça. No
último Jubileu ordinário, atravessou-se o limiar dos dois mil anos do nascimento de Jesus
Cristo. Em seguida, no dia 13 de março de 2015, proclamei um Jubileu extraordinário com o
objetivo de manifestar e permitir encontrar o «Rosto da misericórdia» de Deus
(Cf. Misericordiae Vultus, Bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da
Misericórdia, nn. 1-3), anúncio central do Evangelho para toda a pessoa e em cada época.
Agora chegou o momento dum novo Jubileu, em que se abre novamente de par em par a
Porta Santa para oferecer a experiência viva do amor de Deus, que desperta no coração a
esperança segura da salvação em Cristo. Ao mesmo tempo, este Ano Santo orientará o
caminho rumo a outra data fundamental para todos os cristãos: de facto, em 2033, celebrar-
se-ão os dois mil anos da Redenção, realizada por meio da paixão, morte e ressurreição do
Senhor Jesus. Abre-se, assim, diante de nós um percurso marcado por grandes etapas, nas
quais a graça de Deus precede e acompanha o povo que caminha zeloso na fé, diligente na
caridade e perseverante na esperança (cf. 1 Ts 1,3).
Sustentado por tão longa tradição e certo de que este Ano Jubilar poderá ser, para toda
a Igreja, uma intensa experiência de graça e de esperança, estabeleço que a Porta Santa da
Basílica de São Pedro, no Vaticano, seja aberta a 24 de dezembro do corrente ano de 2024,
iniciando-se assim o Jubileu Ordinário. No domingo seguinte, 29 de dezembro de 2024,
abrirei a Porta Santa da minha catedral de São João de Latrão, que celebrará, no dia 9 de
novembro deste ano, 1700 anos da sua dedicação. Posteriormente, no dia 1 de janeiro de
2025, Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, será aberta a Porta Santa da Basílica Papal
de Santa Maria Maior. Por fim, no domingo 5 de janeiro de 2025, será aberta a Porta Santa
da Basílica Papal de São Paulo Fora dos Muros. Estas últimas três Portas Santas serão
fechadas no domingo 28 de dezembro do mesmo ano.
Estabeleço ainda que, no domingo 29 de dezembro de 2024, em todas as catedrais e
concatedrais, os Bispos diocesanos celebrem a Santa Missa como abertura solene do Ano
Jubilar, segundo o Ritual que será preparado para a ocasião. Quanto à celebração na igreja
concatedral, o Bispo poderá ser substituído por um Delegado, propositadamente designado.
A peregrinação, desde a igreja escolhida para a concentração até à catedral, seja o sinal do
caminho de esperança que, iluminado pela Palavra de Deus, une os crentes. Durante o
percurso, leiam-se algumas passagens deste Documento e anuncie-se ao povo a Indulgência
Jubilar, que poderá ser obtida segundo as prescrições contidas no mesmo Ritual para a
celebração do Jubileu nas Igrejas particulares. Durante o Ano Santo, que terminará nas
Igrejas particulares no domingo 28 de dezembro de 2025, zele-se para que o Povo de Deus
possa acolher, com plena participação, tanto o anúncio de esperança da graça de Deus, como
os sinais que atestam a sua eficácia.
O Jubileu Ordinário terminará com o encerramento da Porta Santa da Basílica Papal de
São Pedro, no Vaticano, na solenidade da Epifania do Senhor, dia 6 de janeiro de 2026. Que a
luz da esperança cristã chegue a cada pessoa, como mensagem do amor de Deus dirigida a
todos. E que a Igreja seja testemunha fiel deste anúncio em todas as partes do mundo.

Sinais de esperança
7. Além de beber a esperança na graça de Deus, somos também chamados a descobri-la
nos sinais dos tempos, que o Senhor oferece. Como afirma o Concílio Vaticano II, «é dever da
Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho;
para que assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas
dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas»
(Const. past. Gaudium et spes, n. 4). Por isso, para não cair na tentação de nos
considerarmos subjugados pelo mal e pela violência, é necessário prestar atenção a tanto
bem que existe no mundo. Porém, os sinais dos tempos, que contêm o anélito do coração
humano, carecido da presença salvífica de Deus, pedem para ser transformados em sinais de
esperança.
8. Que o primeiro sinal de esperança se traduza em paz para o mundo, mais uma vez
imerso na tragédia da guerra. Esquecida dos dramas do passado, a humanidade encontra-se
de novo submetida a uma difícil prova que vê muitas populações oprimidas pela brutalidade
da violência. Faltará ainda a esses povos algo que não tenham já sofrido? Como é possível
que o seu desesperado grito de ajuda não impulsione os responsáveis das Nações a querer
pôr fim aos demasiados conflitos regionais, cientes das consequências que daí podem derivar
a nível mundial? Será excessivo sonhar que as armas se calem e deixem de difundir
destruição e morte? O Jubileu recorde que serão «chamados filhos de Deus» todos aqueles
que se fazem «obreiros de paz» (Mt 5, 9). A necessidade da paz interpela a todos e impõe a
prossecução de projetos concretos. Que não falte o empenho da diplomacia para se
construírem, de forma corajosa e criativa, espaços de negociação em vista duma paz
duradoura.
9. Olhar para o futuro com esperança equivale a ter também uma visão da vida
carregada de entusiasmo para transmitir. Infelizmente, em muitas situações, temos de
constatar que falta esta perspectiva. A primeira consequência é a perda do desejo de
transmitir a vida. Por causa dos ritmos frenéticos da vida, dos receios face ao futuro, da falta
de garantias laborais e de adequada proteção social, de modelos sociais ditados mais pela
procura do lucro do que pelo cuidado das relações humanas, assiste-se em vários países a
uma preocupante queda da natalidade. Já noutros contextos, «culpar o incremento
demográfico em vez do consumismo exacerbado e seletivo de alguns é uma forma de não
enfrentar os problemas» (Francisco, Carta enc. Laudato si’, n. 50).
A abertura à vida, com uma maternidade e uma paternidade responsáveis, é o projeto
que o Criador inscreveu no coração e no corpo dos homens e das mulheres, uma missão que
o Senhor confia aos cônjuges e ao seu amor. Além do empenho legislativo dos Estados, é
urgente que não lhes falte o apoio convicto das comunidades crentes e da inteira
comunidade civil em todas as suas componentes, porque o desejo dos jovens de gerar novos
filhos e filhas, como fruto da fecundidade do seu amor, dá futuro a toda a sociedade e é uma
questão de esperança: depende da esperança e gera esperança.
Por isso, a comunidade cristã não pode ficar atrás de ninguém no apoio à necessidade
duma aliança social em prol da esperança, que seja inclusiva e não ideológica, e trabalhe por
um futuro marcado pelo sorriso de tantos meninos e meninas que, em muitas partes do
mundo, venham encher os demasiados berços vazios. Todos, na realidade, sentem a
necessidade de recuperar a alegria de viver, porque o ser humano, criado à imagem e
semelhança de Deus (cf. Gn 1,26), não pode contentar-se com sobreviver ou ir vivendo nem
conformar-se com o tempo presente, satisfazendo-se com realidades apenas materiais. Isto
fecha-nos no individualismo e corrói a esperança, gerando uma tristeza que se aninha no
coração, tornando-nos amargos e impacientes.
10. No Ano Jubilar, seremos chamados a ser sinais palpáveis de esperança para muitos
irmãos e irmãs que vivem em condições de dificuldade. Penso nos presos que, privados de
liberdade, além da dureza da reclusão, experimentam dia a dia o vazio afetivo, as restrições
impostas e, em não poucos casos, a falta de respeito. Proponho aos Governos que, no Ano
Jubilar, tomem iniciativas que lhes restituam esperança: formas de amnistia ou de perdão da
pena, que ajudem as pessoas a recuperar a confiança em si mesmas e na sociedade;
percursos de reinserção na comunidade, aos quais corresponda um compromisso concreto
de cumprir as leis.
Trata-se de um apelo antigo que, provindo da Palavra de Deus, permanece com todo o
seu valor sapiencial ao invocar atos de clemência e libertação que permitam recomeçar:
«Santificareis o quinquagésimo ano, proclamando na vossa terra a libertação de todos os que
a habitam» (Lv 25,10). O que está estabelecido na Lei mosaica é retomado pelo profeta
Isaías: «O Senhor (…) enviou-me para levar a boa-nova aos que sofrem, para curar os
desesperados, para anunciar a libertação aos exilados e a liberdade aos prisioneiros, para
proclamar um ano da graça do Senhor» (Is 61,1-2). São palavras que Jesus fez suas no início
do seu ministério, declarando em Si mesmo o cumprimento do «ano favorável da parte do
Senhor» (Lc 4,19). Em todos os cantos da terra, os crentes, especialmente os Pastores,
façam-se intérpretes destes pedidos, formando uma só voz que peça corajosamente
condições dignas para quem está recluso, respeito pelos direitos humanos e sobretudo a
abolição da pena de morte, uma medida inadmissível para a fé cristã que aniquila qualquer
esperança de perdão e renovação (Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2267). A fim de
oferecer aos presos um sinal concreto de proximidade, eu mesmo desejo abrir uma Porta
Santa numa prisão, para que seja para eles um símbolo que os convida a olhar o futuro com
esperança e renovado compromisso de vida.
11. Sinais de esperança hão de ser oferecidos aos doentes, que se encontram em casa
ou no hospital. Que os seus sofrimentos encontrem alívio na proximidade de pessoas que os
visitem e no carinho que recebem! As obras de misericórdia são também obras de esperança,
que despertam nos corações sentimentos de gratidão. E que a gratidão chegue a todos os
profissionais de saúde que, em condições tantas vezes difíceis, desempenham a sua missão
com solícito cuidado pelas pessoas doentes e mais frágeis.
Oxalá não falte a atenção inclusiva por todos aqueles que, encontrando-se em condições
de vida particularmente extenuantes, experimentam a sua própria fragilidade, de modo
especial se sofrem de patologias ou deficiências que limitam fortemente a autonomia
pessoal. O cuidado para com eles é um hino à dignidade humana, um canto de esperança que
exige a sincronização de toda a sociedade.
12. E de sinais de esperança também têm necessidade aqueles que, em si mesmos, a
representam: os jovens. Muitas vezes, infelizmente, veem desmoronar-se os seus sonhos.
Não os podemos decepcionar: o futuro funda-se no seu entusiasmo. Como é belo vê-los
irradiar energia, por exemplo, quando voluntariamente arregaçam as mangas e se
comprometem nas situações de calamidade e mal-estar social! Já é triste ver jovens sem
esperança; se bem que se torna inevitável viver o presente na melancolia e no tédio quando
o futuro é incerto e impermeável aos sonhos, o estudo não oferece saídas e a falta de
emprego ou dum trabalho suficientemente estável corre o risco de suprimir os desejos. A
ilusão das drogas, o risco da transgressão e a busca do efémero criam nos jovens, mais do
que nos outros, confusão e escondem-lhes a beleza e o sentido da vida, fazendo-os
escorregar para abismos escuros e impelindo-os a gestos autodestrutivos. Por isso, que o
Jubileu seja, na Igreja, ocasião para um impulso a favor deles: com renovada paixão,
cuidemos dos adolescentes, dos estudantes, dos namorados, das gerações jovens!
Mantenhamo-nos próximo dos jovens, alegria e esperança da Igreja e do mundo!
13. Não poderão faltar sinais de esperança em relação aos migrantes, que deixam a sua
terra à procura duma vida melhor para si próprios e suas famílias. Que as suas expetativas
não sejam frustradas por preconceitos e isolamentos! Ao acolhimento, que no respeito pela
sua dignidade abre os braços a cada um deles, junte-se a responsabilidade, de modo que a
ninguém seja negado o direito de construir um futuro melhor. A tantos exilados, deslocados
e refugiados que, por acontecimentos internacionais controversos, são forçados a fugir para
evitar guerras, violência e discriminação, sejam garantidos a segurança e o acesso ao
trabalho e à instrução, instrumentos necessários para a sua inserção no novo contexto social.
Possa a comunidade cristã estar sempre pronta a defender os direitos dos mais débeis.
Generosamente abra de par em par as portas do acolhimento, para que nunca falte a
ninguém a esperança duma vida melhor. Ressoe nos corações a Palavra do Senhor que, na
grande parábola do juízo final, disse: «Era estrangeiro e acolhestes-me», porque «sempre
que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes»
(Mt 25,35.40).
14. Sinais de esperança merecem-nos os idosos, que muitas vezes experimentam a
solidão e o sentimento de abandono. Valorizar o tesouro que eles são, a sua experiência de
vida, a sabedoria que trazem consigo e o contributo que podem dar, é um empenho da
comunidade cristã e da sociedade civil, chamadas a trabalhar em conjunto em prol da
aliança entre as gerações.
Dirijo um pensamento particular aos avôs e às avós, que representam a transmissão da
fé e da sabedoria de vida às gerações mais jovens. Sejam amparados pela gratidão dos filhos
e pelo amor dos netos, que neles encontram as suas raízes, compreensão e estímulo.
15. E sentidamente, invoco a esperança para os milhares de milhões de pobres, a quem
muitas vezes falta o necessário para viver. Face à sucessão de renovadas vagas de
empobrecimento, corre-se o risco de nos habituarmos e resignarmos. Mas não podemos
desviar o olhar de situações tão dramáticas, que se veem já por todo o lado, e não apenas em
certas zonas do mundo. Todos os dias encontramos pessoas pobres ou empobrecidas e, por
vezes, podem ser nossas vizinhas de casa. Frequentemente, não têm uma habitação nem
alimentação suficiente para o dia. Sofrem a exclusão e a indiferença de muitos. É
escandaloso que, num mundo dotado de enormes recursos destinados em grande parte para
armas, os pobres sejam «a maioria (…), milhares de milhões de pessoas. Hoje são
mencionados nos debates políticos e económicos internacionais, mas com frequência parece
que os seus problemas se coloquem como um apêndice, como uma questão que se
acrescenta quase por obrigação ou perifericamente, quando não são considerados meros
danos colaterais. Com efeito, na hora da implementação concreta, permanecem
frequentemente no último lugar» (Carta enc. Laudato si’, n. 49). Não esqueçamos: os pobres
são quase sempre vítimas, não os culpados.

Apelos em favor da esperança


16. Fazendo ecoar a palavra antiga dos profetas, o Jubileu lembra que os bens da
terra se destinam a todos, e não a poucos privilegiados. É preciso que seja generoso quem
possui riquezas, reconhecendo o rosto dos irmãos em necessidade. Penso de modo particular
naqueles que carecem de água e alimentação: a fome é uma chaga escandalosa no corpo da
nossa humanidade, e convida todos a um rebate de consciência. Renovo o apelo para que,
«com o dinheiro usado em armas e noutras despesas militares, constituamos um Fundo
global para acabar de vez com a fome e para o desenvolvimento dos países mais pobres, a
fim de que os seus habitantes não recorram a soluções violentas ou enganadoras, nem
precisem de abandonar os seus países à procura duma vida mais digna» (Francisco, Carta
enc. Fratelli tutti, n. 262).
Outro convite premente que desejo fazer, tendo em vista o Ano Jubilar, destina-se às
nações mais ricas, para que reconheçam a gravidade de muitas decisões tomadas e
estabeleçam o perdão das dívidas dos países que nunca poderão pagá-las. Mais do que
magnanimidade, é uma questão de justiça, agravada hoje por uma nova forma de
desigualdade de que se vai tomando consciência: «Com efeito, há uma verdadeira “dívida
ecológica”, particularmente entre o Norte e o Sul, ligada a desequilíbrios comerciais com
consequências no âmbito ecológico e com o uso desproporcionado dos recursos naturais
efetuado historicamente por alguns países» (Carta enc. Laudato si’, n. 51). Como ensina a
Sagrada Escritura, a terra pertence a Deus e todos nós vivemos nela como «estrangeiros e
hóspedes» (Lv 25,23). Se queremos verdadeiramente preparar no mundo a senda da paz,
empenhemo-nos em remediar as causas remotas das injustiças, reformulemos as dívidas
injustas e insolventes, saciemos os famintos.
17. Durante o próximo Jubileu, ocorrerá um aniversário muito significativo para todos
os cristãos: completar-se-ão 1700 anos da celebração do primeiro grande Concílio
ecuménico, o de Niceia. É bom lembrar que já em diversas ocasiões, desde os tempos
apostólicos, os Pastores se reuniram em assembleia com a finalidade de tratar temáticas
doutrinais e questões disciplinares. Nos primeiros séculos da fé, multiplicaram-se os Sínodos
tanto no Oriente como no Ocidente cristão, mostrando como era importante guardar a
unidade do Povo de Deus e o anúncio fiel do Evangelho. O Ano Jubilar poderá ser uma
importante oportunidade para tornar concreto este modo sinodal, que hoje a comunidade
cristã sente como expressão cada vez mais necessária para melhor corresponder à urgência
da evangelização: todos os batizados, cada qual com o próprio carisma e ministério, se
sintam corresponsáveis pela mesma a fim de que muitos sinais de esperança deem
testemunho da presença de Deus no mundo.
O Concílio de Niceia teve a missão de preservar a unidade, então seriamente ameaçada
pela negação da plena divindade de Jesus Cristo e da sua igualdade com o Pai. Estiveram
presentes cerca de trezentos Bispos que, convocados sob impulso do imperador Constantino
em 20 de maio de 325, se reuniram no palácio imperial. Depois de vários debates, todos, com
a graça do Espírito, se reconheceram no Símbolo de fé que ainda hoje professamos no
Celebração Eucarística dominical. Os Padres conciliares quiseram iniciar aquele Símbolo
empregando pela primeira vez a expressão «Nós cremos»1, testemunhando que, naquele
«Nós», todas as Igrejas se encontravam em comunhão e todos os cristãos professavam a
mesma fé.
O Concílio de Niceia é um marco miliário na história da Igreja. O aniversário da sua
realização convida os cristãos a unirem-se no louvor e agradecimento à Santíssima Trindade
e, em particular, a Jesus Cristo, o Filho de Deus, «consubstancial ao Pai» 2, que nos revelou
este mistério de amor. Mas Niceia constitui também um convite a todas as Igrejas e
Comunidades eclesiais para avançarem rumo à unidade visível, não se cansando de procurar
formas apropriadas para corresponder plenamente à oração de Jesus: «Que todos sejam um
só, como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti; para que assim eles estejam em Nós e o mundo
creia que Tu me enviaste» (Jo 17,21).

1
Símbolo Niceno: H. Denzinger – A. Schönmetzer, Enchiridion Symbolorum definitionum et
declarationum de rebus fidei et morum, n. 125.
2
Símbolo Niceno: H. Denzinger – A. Schönmetzer, Enchiridion Symbolorum definitionum et
declarationum de rebus fidei et morum, n. 125.
No Concílio de Niceia, tratou-se também da data da Páscoa. A este respeito, ainda hoje
existem posições diferentes, que impedem de celebrar, no mesmo dia, o evento fundante da
fé. Por uma circunstância providencial, isso acontecerá precisamente no ano de 2025. Seja
isto um apelo a todos os cristãos do Oriente e do Ocidente para darem resolutamente um
passo rumo à unidade em torno duma data comum para a Páscoa. Vale a pena recordar que
muitos desconhecem as diatribes do passado e não entendem como possam subsistir divisões
a tal propósito.

Ancorados na esperança
18. A esperança forma, juntamente com a fé e a caridade, o tríptico das «virtudes
teologais», que exprimem a essência da vida cristã (cf. 1 Cor 13,13; 1 Ts 1,3). No dinamismo
indivisível das três, a esperança é a virtude que imprime, por assim dizer, a orientação,
indicando a direção e a finalidade da existência crente. Por isso, o apóstolo Paulo convida-
nos a ser «alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração»
(Rm 12,12). Assim deve ser; precisamos de transbordar de esperança (cf. Rm 15,13) para
testemunhar de modo credível e atraente a fé e o amor que trazemos no coração; para que a
fé seja jubilosa, a caridade entusiasta; para que cada um seja capaz de oferecer ao menos
um sorriso, um gesto de amizade, um olhar fraterno, uma escuta sincera, um serviço
gratuito, sabendo que, no Espírito de Jesus, isso pode tornar-se uma semente fecunda de
esperança para quem o recebe. Mas qual é o fundamento da nossa esperança? Para o
compreender, é bom deter-nos nas razões da nossa esperança (cf. 1 Ped 3,15).
19. «Creio na vida eterna»3: assim professa a nossa fé, e a esperança cristã encontra
nestas palavras um ponto fundamental de apoio. De facto, «é a virtude teologal pela qual
desejamos (…) a vida eterna como nossa felicidade» (Catecismo da Igreja Católica, n. 1817).
O Concílio Ecuménico Vaticano II afirma: «Se faltam o fundamento divino e a esperança da
vida eterna, a dignidade humana é gravemente lesada, como tantas vezes se verifica nos
nossos dias, e os enigmas da vida e da morte, do pecado e da dor ficam sem solução, o que
frequentemente leva os homens ao desespero» (Const. past. Gaudium et spes, n. 21).
Enquanto, em virtude da esperança na qual fomos salvos, vendo passar o tempo, temos a
certeza que a história da humanidade e a de cada um de nós não correm para uma meta sem
saída nem para um abismo escuro, mas estão orientadas para o encontro com o Senhor da
glória. Por isso vivemos na expetativa do seu regresso e na esperança de vivermos n’Ele para
sempre: é com este espírito que fazemos nossa aquela comovente invocação dos primeiros
cristãos com que termina a Sagrada Escritura: «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22,20).
20. Jesus morto e ressuscitado é o coração da nossa fé. São Paulo, ao enunciar este
conteúdo em poucas palavras (usa só quatro verbos), transmite-nos o «núcleo» da nossa
esperança. «Transmiti-vos, em primeiro lugar, o que eu próprio recebi: Cristo morreu pelos
nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo
as Escrituras; apareceu a Cefas e depois aos Doze» (1 Cor 15,3-5). Cristo morreu, foi
sepultado, ressuscitou, apareceu. Por nós, passou através do drama da morte. O amor do Pai
ressuscitou-O na força do Espírito, fazendo da sua humanidade as primícias da eternidade
para a nossa salvação. A esperança cristã consiste precisamente nisto: face à morte onde
tudo parece acabar, através de Cristo e da sua graça que nos foi comunicada no Batismo,
recebe-se a certeza de que «a vida não acaba, apenas se transforma» (Missal
Romano, Prefácio dos defuntos I), para sempre. Com efeito, sepultados juntamente com
Cristo no Batismo, recebemos n’Ele, ressuscitado, o dom duma vida nova, que derruba o
muro da morte, fazendo dela uma passagem para a eternidade.
E se diante da morte, dolorosa separação que nos obriga a deixar os nossos entes
queridos, não é possível qualquer retórica, o Jubileu oferecer-nos-á a oportunidade de
descobrir, com imensa gratidão, o dom daquela vida nova recebida no Batismo, capaz de
transfigurar o seu drama. É significativo repensar, no contexto jubilar, como este mistério foi
compreendido desde os primeiros séculos da fé. Durante muito tempo, por exemplo, os
cristãos construíram a pia batismal em forma octogonal, e ainda hoje podemos admirar
muitos batistérios antigos que mantêm esta forma, como em São João de Latrão na cidade de
Roma. Indica que, na fonte batismal, se inaugura o oitavo dia, isto é, o da ressurreição, o dia
que ultrapassa o ritmo habitual, marcado pela cadência semanal, abrindo assim o ciclo do

3
Símbolo dos Apóstolos: H. Denzinger – A. Schönmetzer, Enchiridion Symbolorum definitionum et
declarationum de rebus fidei et morum, n. 30.
tempo à dimensão da eternidade, à vida que dura para sempre: esta é a meta para a qual
tendemos na nossa peregrinação terrena (cf. Rm 6, 22).
O testemunho mais convincente desta esperança é-nos oferecido pelos mártires que,
firmes na fé em Cristo ressuscitado, foram capazes de renunciar à própria vida da terra para
não trair o seu Senhor. Temo-los em todas as épocas e são numerosos – e talvez mais do que
nunca nos nossos dias – como confessores da vida que não tem fim. Precisamos de conservar
o seu testemunho para tornar fecunda a nossa esperança.
Estes mártires, pertencentes às diferentes tradições cristãs, são também sementes de
unidade, porque exprimem o ecumenismo do sangue. Durante o Jubileu desejo ardentemente
que não falte uma celebração ecuménica para evidenciar a riqueza do testemunho destes
Mártires.
21. Então, que será de nós depois da morte? Com Jesus, além deste limiar, há a vida
eterna, que consiste na plena comunhão com Deus, na contemplação e participação do seu
amor infinito. Tudo o que agora vivemos na esperança, vê-lo-emos então na realidade. A
propósito, escreveu Santo Agostinho: «Quando me unir a Vós com todo o meu ser, não
existirá para mim em lado algum dor e tristeza. A minha vida será uma vida verdadeira,
totalmente cheia de Vós» (Confissões, X, 28). Então, o que caracterizará tal plenitude de
comunhão? O ser feliz. A felicidade é a vocação do ser humano, uma meta que diz respeito a
todos.
Mas, o que é a felicidade? Que felicidade esperamos e desejamos? Não uma alegria
passageira, uma satisfação efémera que, uma vez alcançada, volta sempre a pedir mais,
numa espiral de avidez em que o espírito humano nunca se encontra saciado, antes sente-se
cada vez mais vazio. Precisamos duma felicidade que se cumpra definitivamente naquilo que
nos realiza, ou seja, no amor, para se poder dizer já agora: sou amado, logo existo; e existirei
para sempre no Amor que não desilude e do qual nada e ninguém me poderá separar.
Recordemos ainda as palavras do Apóstolo: «Estou convencido de que nem a morte nem a
vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades,
nem a altura nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de
Deus, que está em Cristo Jesus, Senhor nosso» (Rm 8,38-39).
22. Outra realidade ligada à vida eterna é o juízo de Deus, quer no termo da nossa
existência quer no fim dos tempos. Muitas vezes a arte tentou representá-lo – pensemos na
obra-prima de Michelangelo, na Capela Sistina –, atendo-se à conceção teológica da época e
transmitindo um sentimento de temor a quem o observa. Se é justo preparar-se com viva
consciência e seriedade para o momento que recapitula a existência, ao mesmo tempo é
necessário fazê-lo sempre na dimensão da esperança, virtude teologal que sustenta a vida e
nos permite não cair no medo. O juízo de Deus, que é amor (cf. 1 Jo 4,8.16), só poderá
basear-se no amor, especialmente naquele que tivermos, ou não, praticado para com os mais
necessitados, nos quais Cristo, o próprio Juiz, está presente (cf. Mt 25, 31-46). Trata-se,
portanto, dum juízo diferente do juízo dos homens e dos tribunais terrenos; deve ser
entendido como uma relação de verdade com Deus-amor e consigo mesmo dentro do
mistério insondável da misericórdia divina. A Sagrada Escritura afirma a este respeito: «Tu
ensinaste o teu povo que o justo deve ser amigo dos homens, e deste a teus filhos uma boa
esperança, porque, após o pecado, dás a conversão (…), para que, ao sermos julgados,
esperemos misericórdia» (Sab 12,19.22). Como escreveu Bento XVI, «no momento do Juízo,
experimentamos e acolhemos este prevalecer do seu amor sobre todo o mal no mundo e em
nós. A dor do amor torna-se a nossa salvação e a nossa alegria» (Carta enc. Spe salvi, n. 47).
Por conseguinte, o juízo diz respeito à salvação na qual esperamos e que Jesus nos
obteve com a sua morte e ressurreição. Visa abrir ao encontro definitivo com Ele. E, como
em tal contexto não se pode pensar que o mal cometido permaneça oculto, o mesmo precisa
de ser purificado, para nos permitir a passagem definitiva ao amor de Deus. Compreende-se,
neste sentido, a necessidade de rezar por aqueles que concluíram o caminho terreno: uma
solidariedade na intercessão orante que encontra a sua eficácia na comunhão dos santos, no
vínculo comum que nos une em Cristo, primogénito da criação. Assim, a Indulgência Jubilar,
em virtude da oração, destina-se de modo particular a todos aqueles que nos precederam,
para que obtenham plena misericórdia.
23. De facto, a indulgência permite-nos descobrir como é ilimitada a misericórdia de
Deus. Não é por acaso que, na antiguidade, o termo «misericórdia» era cambiável com o de
«indulgência», precisamente porque pretende exprimir a plenitude do perdão de Deus que
não conhece limites.
O sacramento da Penitência assegura-nos que Deus apaga os nossos pecados. Vêm à
mente, com toda a sua carga de consolação, estas palavras do Salmo: «É Ele quem perdoa as
tuas culpas e cura todas as tuas enfermidades. É Ele quem resgata a tua vida do túmulo e te
enche de graça e de ternura. (…) O Senhor é misericordioso e compassivo, é paciente e cheio
de amor. (…) Não nos tratou segundo os nossos pecados, nem nos castigou segundo as
nossas culpas. Como é grande a distância dos céus à terra, assim são grandes os seus
favores para os que O temem. Como o Oriente está afastado do Ocidente, assim Ele afasta de
nós os nossos pecados» (Sal 103, 3-4.8.10-12). A Reconciliação sacramental não é apenas
uma estupenda oportunidade espiritual, mas representa um passo decisivo, essencial e
indispensável no caminho de fé de cada um. Ali permitimos ao Senhor que destrua os nossos
pecados, sare o nosso coração, nos levante e abrace, nos faça conhecer o seu rosto terno e
compassivo. Na verdade, não há modo melhor de conhecer a Deus do que deixar-se
reconciliar por Ele (cf. 2 Cor 5, 20), saboreando o seu perdão. Por isso, não renunciemos à
Confissão, mas descubramos a beleza do Sacramento da cura e da alegria, a beleza do
perdão dos pecados.
Todavia o pecado, como sabemos por experiência pessoal, «deixa a sua marca», traz
consigo consequências: não só exteriores, como consequências do mal cometido, mas
também interiores, pois «todo o pecado, mesmo venial, traz consigo um apego desordenado
às criaturas, o qual precisa de ser purificado, quer nesta vida quer depois da morte, no
estado que se chama Purgatório» (Catecismo da Igreja Católica, 1472). Assim, na nossa débil
humanidade atraída pelo mal, permanecem «efeitos residuais do pecado». São tirados pela
indulgência, sempre por graça de Cristo, o Qual, como escreveu São Paulo VI, é «a nossa
“indulgência”» (Carta ap. Apostolorum limina, 23.05.1974, II). A Penitenciaria Apostólica
providenciará à emanação das disposições necessárias para poder obter e tornar efetiva a
prática da Indulgência Jubilar.
Uma tal experiência repleta de perdão não pode deixar de abrir o coração e a mente
para perdoar. Perdoar não muda o passado, não pode modificar o que já aconteceu; no
entanto, o perdão pode-nos permitir mudar o futuro e viver de forma diferente, sem rancor,
ódio e vingança. O futuro iluminado pelo perdão permite ler o passado com olhos diversos,
mais serenos, mesmo que ainda banhados de lágrimas.
No passado Jubileu extraordinário, instituí os Missionários da Misericórdia, que
continuam a desempenhar uma missão importante. Que eles exerçam o seu ministério
também durante o próximo Jubileu, restituindo esperança e perdoando todas as vezes que
um pecador se dirija a eles de coração aberto e espírito arrependido. Continuem a ser
instrumentos de reconciliação, e ajudem a olhar para o futuro com a esperança do coração
que provém da misericórdia do Pai. Espero que os Bispos possam valer-se do seu precioso
serviço, sobretudo enviando-os onde a esperança está posta a dura prova, como nas prisões,
nos hospitais e nos lugares onde a dignidade da pessoa é espezinhada, nas situações mais
desfavorecidas e nos contextos de maior degradação, para que ninguém fique privado da
possibilidade de receber o perdão e a consolação de Deus.
24. A esperança encontra, na Mãe de Deus, a sua testemunha mais elevada. N’Ela
vemos como a esperança não seja um efémero otimismo, mas dom de graça no realismo da
vida. Como todas as mães, cada vez que olhava para o Filho pensava no seu futuro, e
certamente no coração trazia gravadas aquelas palavras que Simeão Lhe dirigira no templo:
«Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de
contradição; uma espada trespassará a tua alma» (Lc 2, 34-35). E aos pés da cruz, enquanto
via Jesus inocente sofrer e morrer, embora atravessada por terrível angústia, repetia o seu
«sim», sem perder a esperança e a confiança no Senhor. Desta forma, cooperava em nosso
favor no cumprimento do que dissera seu Filho ao anunciar que Ele teria de «sofrer muito e
ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores da Lei, e ser morto e
ressuscitar depois de três dias» (Mc 8, 31), e no parto daquela dor oferecida por amor
tornava-Se nossa Mãe, Mãe da esperança. Não é por acaso que a piedade popular continua a
invocar a Virgem Santa como Stella Maris, um título expressivo da esperança segura de que,
nas tempestuosas vicissitudes da vida, a Mãe de Deus vem em nosso auxílio, apoia-nos e
convida-nos a ter fé e a continuar a esperar.
A propósito, apraz-me recordar que o Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, na
Cidade do México, está a preparar-se para celebrar, em 2031, os 500 anos da primeira
aparição da Virgem. Através do jovem Juan Diego, a Mãe de Deus fazia-nos chegar uma
revolucionária mensagem de esperança que, ainda hoje, repete a todos os peregrinos e fiéis:
«Porventura não estou aqui Eu, que sou tua Mãe?» (Nican Mopohua, n. 119). Uma
mensagem semelhante é impressa nos corações, em tantos Santuários Marianos espalhados
pelo mundo, metas de inúmeros peregrinos que confiam à Mãe de Deus preocupações,
sofrimentos e anseios. Neste Ano Jubilar, que os Santuários sejam lugares sagrados de
acolhimento e espaços privilegiados para gerar esperança. Aos peregrinos que vierem a
Roma, convido-os a fazerem uma paragem orante nos Santuários Marianos da cidade a fim
de venerar a Virgem Maria e invocar a sua proteção. Estou confiante de que todos,
especialmente aqueles que sofrem e estão atribulados, poderão experimentar a proximidade
da mais afetuosa das mães, que nunca abandona os seus filhos; Ela que é, para o santo Povo
de Deus, «sinal de esperança segura e de consolação» (Conc. Ecum. Vat. II, Const.
dogm. Lumen gentium, 68).
25. No caminho rumo ao Jubileu, voltemos à Sagrada Escritura e sintamos, dirigidas a
nós, estas palavras: «Nós que procuramos refúgio n’Ele, encontramos grande estímulo
agarrando-nos à esperança proposta. Nessa esperança, temos como que uma âncora segura
e firme da alma, que penetra até ao interior do véu, onde Jesus entrou como nosso
precursor» (Heb 6,18-20). É um forte convite a nunca perder a esperança que nos foi dada, a
mantê-la firme, encontrando refúgio em Deus.
A imagem da âncora é sugestiva para compreender a estabilidade e a segurança que
possuímos no meio das águas agitadas da vida, se nos confiarmos ao Senhor Jesus. As
tempestades nunca poderão prevalecer, porque estamos ancorados na esperança da graça,
capaz de nos fazer viver em Cristo, superando o pecado, o medo e a morte. Esta esperança,
muito maior do que as satisfações quotidianas e as melhorias nas condições de vida,
transporta-nos para além das provações e exorta-nos a caminhar sem perder de vista a
grandeza da meta a que somos chamados: o Céu.
Portanto, o próximo Jubileu há de ser um Ano Santo caraterizado pela esperança que
não conhece ocaso, a esperança em Deus. Que nos ajude também a reencontrar a confiança
necessária, tanto na Igreja como na sociedade, no relacionamento interpessoal, nas relações
internacionais, na promoção da dignidade de cada pessoa e no respeito pela criação. Que o
testemunho crente seja fermento de esperança genuína no mundo, anúncio de novos céus e
nova terra (cf. 2 Ped 3,13), onde habite a justiça e a harmonia entre os povos, visando a
realização da promessa do Senhor.
Deixemo-nos, desde já, atrair pela esperança, consentindo-lhe que, por nosso
intermédio, se torne contagiosa para quantos a desejam. Possa a nossa vida dizer-lhes:
«Confia no Senhor! Sê forte e corajoso, e confia no Senhor» (Sal 27, 14). Que a força da
esperança encha o nosso presente, aguardando com confiança o regresso do Senhor Jesus
Cristo, a Quem é devido o louvor e a glória agora e nos séculos futuros.

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