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Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 1

Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 21
Bem vindos à 21ª aula da Escola Tomista: introdução à Lógica XI.
Aliás, a introdução marcha, a introdução à Lógica, marcha para o seu fim. Faltam
poucas aulas agora para o fim da introdução à Lógica. Voltarei a falar disto ao
final desta aula.

Pois bem... Resta-nos hoje ver a terceira das três propriedades mais
importantes e mais evidentes da Lógica. A saber: sua bondade. Ou seja, sua
necessidade para as ciências. Quando se diz “bondade da Lógica”, quer-se dizer
“sua necessidade para as ciências”.

Pois bem... Em verdade a bondade da lógica é tripla: ela é boa como


propedêutica às demais ciências; ela é boa, em segundo lugar, como
instrumento para as demais ciências; e, finalmente, ela é boa como método geral
das ciências, para as demais ciências. Expliquemos cada uma destas bondades.

Que ela seja propedêutica às demais ciências e artes já o vimos, já o


vimos. É como... a lógica são como os primeiros passos da vida científica. É
treinando nela que nos capacitamos para exercer a ciência, as ciências. Ela é
propedêutica, ela é preparatória, ela prepara as ciências. Sem esta preparação,
é impossível as ciências, são impossíveis as ciências. Mas ela é também um
instrumento, ou seja, instrumentos. O que a Lógica fornece às ciências são
instrumentos com que elas mesmas, estas ciências, as ciências possam operar.
Por isso mesmo é que se chama, se chamou ao conjunto de livros lógicos de
Aristóteles Órganom, Órganom, que quer dizer justamente instrumento. E,
finalmente, ela fornece o método geral para as ciências. Método geral que cada
uma destas ciências deve aplicar e adequar a seu sujeito e a seus princípios. Já
vimos esta distinção. Uma coisa é a Lógica docens, ou seja, a Lógica em si
mesma com seu método próprio. Outra é este método aplicado a cada uma das
ciências. E aí pode falar-se de Lógica utens. Contanto que, relembre-se, não se
pense que tais Lógicas utens sejam partes subjetivas da Lógica.

Aliás, diga-se, esqueci de dizer, esqueci-me de dizer no início, esta


aula é mais fácil que a anterior. Até por isso mesmo é que não há nenhum
documento para esta aula. Ela é uma aula mais fácil como verão.

Pois bem, é... cada aplicação da Lógica a cada ciência, ao sujeito de


cada ciência, aos princípios de cada ciência, é como “encarnação” da Lógica
nesta ciência. É como “encarnação” da Lógica nos diversos sujeitos científicos.
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Ou seja, repita-se, quando faz, quando se encarna no sujeito das diversas


ciências, a Lógica deixa de ser Lógica docens, ut docens, é... como docente, e
passa a ser ut utens, né? Por isso mesmo é que se pode dizer que a Lógica é
como a “alma” das ciências. Tudo isso, porém, desde que se entenda que a
formalidade própria da Lógica são os Analíticos Posteriores, os Segundos
Analíticos, ou seja, o Tratado da Demonstração que, ao ser estudado aqui na
Escola Tomista, lhes permitirá entender perfeitamente o que digo. A Lógica,
então, é como a alma das ciências desde que se considere como formalidade
própria da Lógica o Tratado da Demonstração, ou seja, aquele que se estuda
nos Segundos Analíticos de Aristóteles e que estudaremos muito detidamente
aqui na Escola Tomista.

Pois bem. Há, porém, uma objeção que não se pode eludir. Há que
enfrenta-la, há que afrontá-la, há que arrostá-la. Esta objeção diz que a Lógica
não é necessária para a incoação das ciências. Comparemos a arte edilícia, ou
seja, a arte de fazer edifícios, prédios, casas, de que já falamos tanto, é... com a
arte da medicina. Sem a arte edilícia não há casas, não há edifícios, não há
prédios, não há hospitais, não há quartéis, é... não há nenhuma construção sem
a arte edilícia. Tais construções são resultado imediato e absoluto da arte
edilícia. Mas se pensarmos na arte da medicina... Ora, que tem por fim... Qual é
o fim? Qual é o fim da arte da medicina? É a saúde. Mas a saúde pode recobrar-
se, recuperar-se de dois modos: ou mediante a arte, ou seja, pela ministração,
pela administração de fármacos ao doente ou de coisas semelhantes aos
fármacos ou pela autorrecuperação do corpo. O corpo mesmo pode recobrar a
saúde que se perdeu. Ora, já vimos em alguma aula que a arte da Lógica
assemelha-se antes à arte de uso, como a medicina, que a artes em sentido
estrito como é a arte edilícia. Pois bem, assim como o corpo pode recobrar por
si mesmo a saúde, assim também nossa razão, nosso intelecto, pode alcançar
definições, pode proceder a juízos, pode proceder a proposições, pode proceder
a argumentações sem o auxílio da Lógica. Repita-se, assim como o corpo pode
recobrar ele mesmo a saúde, assim também a nossa razão pode incoar... (incoar
é termo mais técnico, antes técnico, que quer dizer começar, começar), pode
incoar, pode começar por si mesma a ciência. E, por isso mesmo, segundo esta
objeção que estou desenvolvendo aqui, é... a ciênc... a Lógica não é simpliciter,
não é absolutamente, não é pura e simplesmente necessária para a incoação,
para o começo das ciências.

Não deixa de ser certa objeção de peso. Mas resolve-se. Não é


nenhum obstáculo demasiado árduo, demasiado difícil de transpor. Há que
relembrar sempre e sempre a complexidade do nosso modo de conhecer. Não
somos anjos que com, digamos, um só lance de vista (tivesse ele vistas, né?,
olhos), com um só olhar, digamos assim, apreende a essência das coisas. A
complexidade do nosso modo de pensar que inclui, como já vimos brevemente,
como voltaremos a ver e ver e ver ao longo de toda a Escola, implica certa
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circularidade, decorre da fraqueza, da debilidade, das limitações do nosso


intelecto. E nosso intelecto só se adequa à realidade muito pouco-a-pouco,
passo-a-passo, indo e vindo circularmente não raro, sempre por definições e por
demonstrações, o que implica diacronia, ou seja, tempo. Já vimos que, para
alcançar uma definição, é preciso proceder à divisão. E a divisão implica tempo!
Não se faz isso intuitivamente, automaticamente como se fôssemos anjos. Do
mesmo modo as demonstrações. Já vimos, já falamos sobre a demonstração.
É... a demonstração necessita tempo! Se temos duas premissas e uma
conclusão é preciso tempo para passar da primeira, segunda premissa e, delas
duas, à conclusão! Há consequência. Pois bem, por isso mesmo, por tal
complexidade, por tal diacronia, por tal circularidade, por tal necessidade de
definições e de demonstrações é que a perfeição das ciências exige a lógica não
só como propedêutica, mas ainda como instrumento ou órganom, e, por fim,
como método geral que se encarna, que se aplica, que se adequa ele mesmo a
cada sujeito de ciência, aos sujeitos vários, diversos, das diversas ciências.

Mas há que precisar a solução da objeção. Quando se diz que a


ciência ou a perfeição das ciências exige simpliciter, absolutamente, pura e
simplesmente, em termos absolutos a Lógica, referimo-nos antes àquelas
ciências que têm sujeito mais universal. Por exemplo: a Física, a Ética, a
Metafísica e a mesma Teologia Sagrada.

Platão incorreu em seus erros, em seus equívocos, em suas aporias,


em seus becos sem saída, justamente porque, conquanto fosse um imenso
metafísico, não era um grande lógico. Ao passo que Aristóteles não acertou em
quase tudo senão porque dedicou tanto tempo, tanto esforço à Lógica, à Lógica.
Assim, simpliciter, absolutamente falando, a Lógica é necessária às ciências
principais em seu estado perfeito ou, o que quer dizer o mesmo, para que estas
ciências principais alcancem a perfeição. Mas não é necessária, absolutamente
falando, para as ciências secundárias ou que estão apenas encoando. Não é
absolutamente necessário que as ciências secundárias ou menos principais se
sirvam absolutamente da Lógica, mas atenção: se o cientista de uma ciência das
não principais dominar a Lógica, melhor para essa mesma ciência. Ou seja,
conquanto seja absolutamente necessária para as ciências principais, para a
perfeição das ciências principais, e não seja absolutamente necessária para as
ciências não principais, ou em estado de encoação, de início, de começo, a
Lógica, ainda assim, propiciará a essas ciências menores ou em estado de
encoação uma perfeição que elas, por si sós, não são capazes.

Pois bem, até aqui repetiu-se a doutrina de João de Santo Tomás em


seu grosso volume Ars logica, parte 2, q.1, artigo 1, questão 1, artigo 1. Ars
logica, parte 2, questão 1, artigo 1. É a mesma doutrina que repete o Padre
Calderón em seus Umbrales. É um ápice de João de Santo Tomás em sua Ars
logica, em sua Arte lógica.
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Pois bem, mas, pelo que se disse, é que se nota aquilo em que Santo
Tomás tanto insiste: a íntima afinidade entre Lógica e Metafísica. Por quê? A
Metafísica é a rainha das ciências. Pois bem, enquanto a Lógica tem por sujeito
o ente de razão, a rainha das ciências ou Metafísica tem precipuamente por
sujeito o ente real, o ente extramental. E, como o ente de razão se relaciona de
algum modo, mas importantemente, com o ente real ou extramental, daí a
afinidade (como se diz em francês?), founcière, fulcral, radical entre Lógica e
Metafísica. Desse modo, pode dizer-se com o Padre Calderón, que a Lógica é a
“ama-de-leite da Metafísica”. Dá-lhe o alimento de que necessita, sem o qual ela
não passaria do estado inicial de encoação para o estado de perfeição científica.
E é também sua governanta. Uma governanta ocupa-se de uma casa, ocupa-se
da ordem da casa, ocupa-se da limpeza da casa, ocupa-se do brilho que os
móveis devem ter e tudo isto é o que faz analogamente a Lógica com respeito à
Metafísica. Ela é, segundo a expressão agora do Padre Calderón, a ama de leite,
nodriza, nodriza em espanhol, e a governanta, ama de llaves, ama de chaves,
ama de chaves da Metafísica. Bela imagem do Padre Calderón. Mas, se isto é
verdade, com respeito à Metafísica, ou seja, a Lógica ser a ama-de-leite e a
governanta da Metafísica, vale tanto ou ainda mais com respeito à Teologia
Sagrada. E Santo Tomás, que é teólogo, ou melhor, o teólogo, aquele que deu,
que descobriu finalmente, de modo cabal e perfeito o sujeito da ciência teológica
sagrada, com o que elevou-a ao estatuto perfeito de ciência, ele mesmo, para
ser tal, para conseguir tal, para levar ao estado de perfeição a Teologia Sagrada,
não pôde deixar de ser o lógico dos lógicos, superando a sua alma-gêmea, ao
mesmo grande lógico que foi Aristóteles. Por isso, este mar de pérolas lógicas
que é a obra de Santo Tomás de Aquino, nos indica que ele é o mestre ou deve
ser o mestre de todo e qualquer lógico.

Pois bem, encerram-se, assim, encerra-se, assim, a parte da Escola


Tomista, da introdução à Lógica relativa às três principais primeiras e mais
evidentes propriedades da Lógica.

Temos um último assunto quanto à Lógica, ou seja, na introdução à


Lógica que é o método da Lógica. Pois bem, diga-se, antes de tudo, a modo de
preâmbulo, ao tratar o método da Lógica que, para que haja Lógica, é necessário
haver uma língua cultivada, uma língua culta. Como mostrarei na próxima ou
próximas aulas é impossível surgir a Filosofia e a Lógica no âmbito de uma língua
que não tenha o verbo ser, por exemplo. Então, é um suposto para a existência
da Lógica que haja uma língua cultivada. Mas atenção: acabo de dizê-lo e
levanta-se uma objeção a algo que sempre digo e que direi na próxima aula ou
nas próximas, e, com respeito ao qual, convidei alguns que se oponham à minha
doutrina a que disputassem aqui na Escola Tomista em torno disto. Afirmo eu
que a gramática é uma arte subordinada à Lógica. Mas como será uma arte
subordinada à Lógica se a Lógica supõe uma língua cultivada? Parece, pois, que
incorro em contradição! Repita-se: ao tratarmos o método da Lógica de modo
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introdutório, temos de dizer a princípio, no princípio, de princípio que não pode


haver lógica sem uma língua cultivada. O que parece levar-me a incorrer em
contradição justo porque afirmo que a gramática é uma arte subordinada ou
subalternada à Lógica. Como seria se a mesma Lógica depende de uma língua
cultivada que depende da gramática? Parece que incorro em contradição.
Mostrarei na próxima aula ou nas próximas que não, que não incorro em
contradição. Pois bem, mas vale desde já a objeção, ponha-se desde já a
objeção. Voltarei a falar disso no final desta aula.

Quanto ao método em si, eis o segundo ponto quanto ao método, é o


método em si. Basta-nos, de modo introdutório, dar a divisão com que trataremos
a Lógica ao longo da Escola Tomista. Logica docens. E, finalmente, há que
mostrar, ainda que brevemente, como a Lógica se abre à Filosofia, como o ente
de razão se abre ao ente extramental, ao ente real.

Pois bem. Temos de começar por tratar a relação entre Lógica,


linguagem e gramática. Eis o eixo em torno do qual girará tudo quanto se dirá a
partir de agora, nesta aula e na próxima, ou próximas.

Pois bem. Relembremos uma doutrina que explico suficientemente na


Suma Gramatical da Língua Portuguesa. Aliás, diga-se que, na próxima aula,
lhes darei meu opúsculo exatamente da gramática, arte subordinada à Lógica, e
sempre remeterei à Suma Gramatical da Língua Portuguesa. Os que a têm
poderão acompanhar-me por ambas as coisas: o opúsculo e a Suma. Os que
não têm a Suma bastará, bastar-lhes-á acompanhar-me pelo opúsculo que
disponibilizarei na próxima aula.

Pois bem, como dizia Aristóteles, nossos conceitos são paixões da


alma, do intelecto, da mente, do espírito e são semelhanças das coisas. São
como espelho das coisas. São semelhanças das coisas. As paixões do intelecto,
na terminologia de Aristóteles, que são nossos conceitos, são semelhanças
efetivas das coisas, são semelhanças efetivas das coisas. Ou são tais
semelhanças, ou não são verdadeiros conceitos, são conceitos... não são
conceitos, não são propriam... ou seja, quem tem um conceito que não é uma
semelhança da realidade não conhece a realidade, pura e simplesmente.
Voltaremos a vê-lo. Já o vimos e voltaremos a vê-lo.

Mas, como o homem não é um animal individual, senão que é, por


natureza, um animal social ou político, vive em Polis, em cidades, vive em
sociedade, ele precisa comunicar essas paixões, esses conceitos. E o que
regula, ordena a expressão desses conceitos é a arte da Linguagem ou da fala.
Linguagem aqui com letra maiúscula para distinguir, como verão no documento
da próxima aula, de linguagem em letra minúscula que é um conceito de
extensão maior.
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Pois bem, o homem tem necessidade de comunicar suas concepções,


seus conceitos, suas paixões e o faz mediante signos, tudo o que é regulado,
ordenado pela arte da linguagem ou da fala. Aos animais bastam, basta-lhes a
voz, suas vozes, basta-lhes certas expressões, certos gestos para atender ao
hic et nunc, ao aqui e agora, ao hic et nunc, ao aqui e agora. Basta-lhes isto.
Pois bem, a arte da linguagem, a arte de significar oralmente nossas concepções
mentais também atende ao aqui e agora, mas de modo humano, ou seja,
mediante signos. Como veremos, este modo de atender ao aqui e agora que é
próprio dos animais só é linguagem em sentido impróprio. Em sentido próprio,
linguagem é a arte de, mediante signos adequados, comunicar socialmente,
politicamente nossas concepções individuais. Mas o homem, ao contrário dos
animais, não está restrito ao aqui e agora, senão que quer comunicar estas
mesmas concepções a quem está distante no espaço ou a quem está distante
no tempo, ou seja, no futuro. Exatamente para isto, como uma necessidade
humana, e não como mera possibilidade, é que o homem criou a arte da escrita
e a arte da escrita chama-se gramática.

Gramática, etimologicamente falando, quer dizer a arte da escrita e


da leitura.

Diga-se en passant, voltarei a isto, que hoje é costume comum


entender a gramática como a arte de bem escrever e a arte de bem falar. E isto
é assim porque, como quem escreve bem e constantemente lê os melhores
escritores acaba por falar bem, passa-se a considerar a arte da gramática como
a arte da linguagem (com letra minúscula) global, ou seja, fala e escrita, mas isto
é impróprio. Pode dizer-se, mas impropriamente. Propriamente falando, a
gramática, como o seu mesmo étimo indica, quer dizer a arte da escrita e da
leitura. Ou seja, coisas correlatas: escrita e leitura. Mas atente-se que,
ordinariamente, per ordinário, não se fala bem se não se escreve bem e não se
leem os melhores autores, os melhores escritores. Voltarei a isto.

Pois bem, digamos de maneira algo imprópria que se trata, então, de


três artes: a arte de assemelhar-se à realidade é a primeira, que pode dizer-se
Filosofia; a segunda das artes é a arte da Linguagem com letra maiúscula, com
ele maiúsculo, que é a arte de significar para comunicar a outros as nossas
concepções, ou seja, esta é a segunda das artes, a primeira é a Filosofia, a
segunda é a Linguagem, a terceira é a arte de significar estes signos orais. Assim
temos uma escadinha: as concepções mentais, de que se ocupa a Filosofia; a
significação oral dessas concepções mentais de que se ocupa a Linguagem com
letra maiúscula; e a significação dessa significação oral na escrita pela arte da
Gramática. Assim, a escrita é signo da fala que é signo de nossas concepções
mentais. Eis em toda a sua pureza a doutrina aristotélico-tomista que será
combatida por nominalistas e idealistas. Já o veremos brevemente.
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Pois bem. Isto mostra que, se a Filosofia necessita da Lógica, a Lógica


necessita da Linguagem. Isto nos põe algumas questões. Duas: em primeiro
lugar a questão da existência da Linguagem como ciência, como arte, melhor
dizendo, ele maiúsculo e da Gramática, a origem delas (hoje só me ocuparei, só
começarei a ocupar-me da origem da Linguagem. A origem da Gramática ficará
para adiante, um pouco adiante).

Então, a primeira coisa que se põe é a da existência da Linguagem.


Ou seja, da necessidade de falar. E depois a natureza da Linguagem. E, com
respeito a ela, ver-se-ão suas quatro causas (já falamos das quatro causas –
voltaremos a tratar as quatro causas na Física e cabalmente, terminantemente
na Metafísica).

Primeira causa: causa eficiente. Quanto a ela, trata-se da origem da


linguagem. É isto que vamos começar a tratar hoje, a origem da linguagem.

Quanto à matéria, suas partes. Isto o tratarei segundo a Suma


Gramatical da Língua Portuguesa.

Depois, causa formal, ou seja, a relação entre significado e signo. Na


linguagem abstrusa de Socier é entre significado e significante. Tratarei disto
brevemente, mas tratarei disto. Ou seja, da linguística.

E, por fim, a causa final, a finalidade da linguagem. É aí que


estudaremos a relação entre Linguagem e Lógica.

Então, os dois assuntos postos, pelo que se disse, primeiro é relativa


a existência da Linguagem, ou seja, da necessidade da fala. O segundo é da
natureza da Linguagem, com respeito ao qual temos de tratar segundo as quatro
causas: a eficiente, ou seja, a origem da Linguagem; a material, a causa material,
ou seja, as partes da linguagem; a formal, ou seja, relação entre significado e
signo; e, por fim, a final, ou seja, a relação entre Linguagem e Lógica.

Comecemos, pois, por falar da necessidade da fala, o que remete à


sua origem. Falar da origem é falar da causa eficiente. A da causa “fazedora”. O
que fez a linguagem?

Pois bem, todo este assunto foi muito desvirtuado a partir, sobretudo,
do nominalismo. O que fez o nominalismo? Aliás, atenção: essas diversas
correntes filosóficas – falarei aqui brevemente de nominalismo e de idealismo –
conquanto se estude ao longo de toda a Escola Tomista e já me referi a elas
algumas vezes, estudar-se-ão mais em profundidade na História da Filosofia, ou
seja, o penúltimo ponto da Escola Tomista, ou seja, antes da Teologia Sagrada.

Pois bem, que fez o nominalismo? Que fez Guilherme de Ockham?


Embora conquanto já houvesse nominalistas anteriores. Avant la letre, digamos
assim. Fez o nominalismo, confundiu pensamento e linguagem, pensamento e
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palavra. Foi isto que fez o nominalismo. E o que fará o idealismo? É uma espécie
de consequência, uma sorte de consequência. Vai confundir pensamento e
realidade. Veja que é uma degradação, uma decadência, né, e um dégradé na
decadência. Primeiro, com o nominalismo, se confunde pensamento com a
linguagem. Depois, com o idealismo, confundir-se-á o pensamento com a própria
realidade. Isso é um resultado, obviamente, do abandono do aristotelismo-
tomismo e, mais particularmente, do tomismo. Já o vimos brevemente em várias
aulas. O que importa aqui é que tais confusões se refletem quanto ao tema,
quanto ao assunto, quanto ao sujeito da origem da linguagem.

Há três opiniões que são objeções com respeito à doutrina que


defenderei, que é a do Padre Calderón. Conquanto eu creio a aprofunde
justamente na Suma Gramatical da Língua Portuguesa e em meu opúsculo “Da
Gramática, arte subordinada à Lógica”.

Pois bem, uma das opiniões que vão contra a nossa, contra a nossa
doutrina, diz que a linguagem tem uma origem natural. A segunda, que tem uma
origem social. A terceira, que tem origem divina. Então: natural, social e divina.
Cada uma destas opiniões, conquanto seja radicalmente falsa, tem algo de
verdade. Não deixam de ter algo de verdade, como muitas vezes sucede com
as objeções. Algo de verdade têm, conquanto estas sejam radicalmente falsas.
Por que eu digo? Porque a linguagem não tem nem uma origem natural, nem
uma origem social, nem origem divina, senão que é um produto artificial, se
origina numa arte. Pois bem, parece que se ergue, então, outra objeção a mim
mesmo. Porque, desde o início da Escola Tomista, venho dizendo que uma
criança entregue, sem nenhuma relação familiar ou social, isolada, a quem só
se desse comida, sobreviveria fisicamente, mas não falaria. Ou seja, parece que
digo isto, é.... parece que, ao dizê-lo, confirmo, ao menos, a origem divina da
linguagem e, com efeito, parece ter sido isto mesmo o que disse eu. Deus teria
dado a Adão e Eva a linguagem. A linguagem teria uma origem divina. Parece
uma objeção a mim, conquanto não o seja como se verá.

Então, não nos percamos. Já temos duas objeções a mim mesmo,


além desta que estamos tratando, destas que estamos tratando e que se
resolverá na próxima aula, e se resolverão na próxima aula. A primeira é quanto
a que a Lógica, a Gramática seja arte subordinada à Lógica. Por quê? Porque
acabo de dizer, disse no início da aula, que a Lógica supõe, pressupõe uma
língua cultivada e agora parece que contradigo o que digo desde a primeira aula
quanto à necessidade de aprendizado para que desenvolvamos a linguagem.
Parece que eu teria de apoiar a opinião que diz que a origem da linguagem é
divina. A linguagem, como já se verá, teria sido dada a Adão e Eva por Deus,
por Deus mesmo como parte daquela ciência infusa.
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Pois bem, acresce que, religiosamente falando, quanto à fé, de fato


diz a fé, diz a Teologia Sagrada que Adão e Eva foram criados com ciência
infusa. Então parece, repito, que incorro, uma vez mais, em contradição.

Pois bem, deixemos a solução destas objeções que me dizem mais


diretamente respeito e passemos a tratar a primeira das outras três objeções. A
primeira que a origem da linguagem seria natural.

Que quer dizer, que querem dizer os defensores da origem natural da


linguagem? Querem dizer que os signos verbais, os signos orais são signos
naturais, ou seja, são certas semelhanças naturais das coisas, assim como disse
Aristóteles, diz Aristóteles e Santo Tomás e, como eu, e, como todos os tomistas,
que, ou, como todos os tomistas deveriam dizer, que as nossas concepções são
uma semelhança das coisas reais. Então, aqueles que propõem uma origem
natural da linguagem dizem que os signos da linguagem são signos naturais, são
semelhanças naturais das coisas extramentais. Ou seja, os signos, as palavras
e as coisas têm uma relação de semelhança natural. Em oposição a esta opinião
vem a opinião que diz que os signos não são naturais: são convencionais. É o
caso de Aristóteles. Mas estará errado Aristóteles? Aristóteles diz que as
palavras são criadas à beneplácito, ou seja, são absolutamente convencionais.
Já veremos que esta posição de Aristóteles tem parte de verdade. Veremos
sobretudo na aula que vem, mas já veremos algo aqui. Mas, quanto a este ponto,
e, como disse eu numa aula sobre o Crátilo de Platão, quanto a este diálogo de
Platão magnífico, o Crátilo, há que descontar toda a ironia do diálogo para ver
que, afinal, Platão defende aí a posição correta: que as palavras são
convencionais, como diz Aristóteles, são, mas isto não quer dizer – entender-se-
á isto melhor na aula que vem – mas isto não quer dizer que sendo
convencionais, sejam também antinaturais. As palavras, os signos da linguagem,
são convencionais, como diz Aristóteles, mas não quer dizer isso que sejam
antinaturais.

Para defender seu ponto de vista, diz Aristóteles em seu Peri


Hermeneias, que a prova do convencionalismo das palavras está que, em
português, digo “cão” para cão e, em inglês, digo “dog” para cão. A coisa é a
mesma: o cão. Mas, em inglês digo “dog” convencionalmente e, em português,
digo “cão” convencionalmente. Responderá Platão, afinal, em seu Crátilo: a
diferença de palavras com respeito à mesma coisa não é senão a expressão de
diversos aspectos desta coisa, porque, com efeito, cada coisa, na realidade, tem
diversos aspectos e cada língua toma um destes aspectos para significar a
mesma coisa. No caso: cão. Isto se entenderá bem perfeitamente, tenho certeza,
na próxima aula. É um achado genial de Platão e que Santo Tomás segue. Isto
é seguido por Santo Tomás. Nesse ponto, conquanto concedendo o.... a
convencionalidade, o convencionalismo das palavras, defendido por Aristóteles,
ele adere à complexa, perfeita, brilhante posição final de Platão no, em seu
diálogo Crátilo. Não insistirei no assunto por hora.
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Pois bem, a tese naturalista neste mesmo Crátilo de Platão é exposta


por Hermógenes, pela personagem Hermógenes.

Na próxima aula disponibilizarei o link para esta minha aula sobre o


Crátilo. Quem de vocês quiser assistir a esta aula, creio que é de uma hora,
poderá assisti-la, assistir a ela perfeitamente.

Pois bem, quanto à tese convencional ou convencionalista, né?, ela


começa com Parmênides. Lembre-se, lembrem-se que, para Parmênides, isto
que vemos de sensível, de material, de cambiante, de mutante, de mutável são...
tudo isto é como uma ilusão. São ilusões. As coisas atestadas por nossos
sentidos são ilusões, um pouco no sentido da Maia do Brahmanismo. O mundo
sensível é uma ilusão. Pois bem, para Parmênides a linguagem é tão
convencional, absolutamente convencional. É como rótulos dessas coisas que
não são senão ilusão dos sentidos.

Demócrito o seguirá. Tudo isso voltaremos a ver ao estudar a História


da Filosofia.

Os sofistas também afirmam a absoluta convencionalidade, o


absoluto convencionalismo das palavras. Igualmente os megárions. E, por fim,
Aristóteles, conquanto Aristóteles pelo enfoque correto, ainda que parcial, como
já vimos.

Mas volte-se à visão, à opinião que afirma que a origem da linguagem,


dos signos verbais das palavras é natural. A mais antiga visão naturalista da
origem da linguagem é a versão mágica. É tão natural a linguagem, seus signos,
suas palavras são tão naturais que pronunciá-las, pronunciar tais signos,
pronunciar as palavras implica uma espécie de domínio sobre a coisa referida,
sobre a coisa significada. É a visão mágica. Voltaremos a falar disto quanto a
outro assunto. Mas esta é a visão primitiva da opinião, da doutrina naturalista
quanto à origem da linguagem.

Ainda antiga, mas menos antiga que a anterior, é a opinião naturalista


exposta por Sócrates no já referido diálogo platônico Crátilo. Como diz o
Calderón, Padre Calderón, pode chamar-se a esta variante do naturalismo
“filologista”. De filologia, de filólogo. Segundo esta doutrina, esta opinião, todas
as palavras que há em todas as línguas brotam de raízes fundamentais que se
encontra exatamente, que se encontram exatamente pela filologia. São, é o
étimo primitivo das palavras. São raízes, étimos primitivos das palavras das
quais todas se desdobram. Pois bem, é uma espécie, é uma sorte de
demonstração quia – já falei disto, voltarei a falar, o que é a demonstração quia,
né?, é aquela que alcança a causa a partir dos efeitos. Pois bem, é, como diz
Sócrates no Crátilo, todos vemos que se pode recuar das palavras atuais, de
todas as palavras, de todas as línguas para raízes comuns primitivas
etimológicas. Ou seja, ideias primigênias em que se fundam todas as palavras
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atuais. Isso quer dizer que, priminigeniamente, primitivamente havia palavras


originais que correspondiam a certas ideias, palavras originais que eram as
raízes de que brotariam todas as atuais. E estas, e isto mesmo, de que todas
as... – esta é a demonstração quia – de que todas as palavras atuais remontem,
se remontem a palavras originais que são como raízes, demonstra que esta
originalidade implica semelhança com as coisas. Estas palavras originais eram
semelhantes às coisas. Ora, todas as atuais também são, porque são como
brotos, rebrotos, vergônteas da... dessas raízes, dessas ideias originais
primigênias, primitivas. Se se pergunta, porém, aos defensores desta opinião
pelo propter quid vão responder como Sócrates o faz no diálogo platônico Crátilo
que isto é coisa de iniciados. Só os iniciados o podem saber qual a causa de ser
assim. Basta-lhes indicar, por uma demonstração quia dos efeitos para a causa,
que todas as palavras brotam, germinam, rebentam de raízes primigênias que
são semelhanças com as coisas.

Mais modernamente surge outra vertente do naturalismo, deste


naturalismo e que se pode chamar, como diz o Padre Calderón, uma linha
sensista. É inaugurada pelo francês Condillac, ou seja, C-o-n-d-i-l-l-a-c.
Condillac, Condillac, pronto, Condillac. Dizia, com efeito, esse francês, que uma
ciência não é mais que uma língua bem feita. Vejam, vejam a confusão originada
pelo nominalismo. É, uma ciência não é mais que uma língua bem feita. Pois
bem, esta opinião gera um, uma sorte evolucionismo. Teria havido uma evolução
entre os signos animais – e lembrem-se que os homens eram animais, são
animais – e a linguagem. Uma espécie de evolução. Os homens começaram a
comunicar-se mediante a linguagem gestual e, com efeito, a linguagem gestual
é... expressa coisas. Aliás, o que é a arte da dança senão uma expressão de
ações mediante passos, gestos, expressões corporais? Essa linguagem gestual
praticam-na não só as crianças humanas como os macacos! E, entre esta
gestualidade, está a gestualidade facial e a gestualidade sonora mediante a voz
que, com o tempo, se mostram as mais adequadas à comunicação. Razão
porque, com o tempo, a, especialmente a gestualidade sonora, se vai
codificando, sedimentando em imagem verbal, em palavras. É o evolucionismo
linguístico, digamos assim.

Pois bem, ainda outra opinião mais moderna é a de Leibniz. Leibniz


pretendia achar uma simbologia fundamental que ele chamava “alphabetum
cogitationum humanarum”, “alphabetum cogitationum humanarum”, “alphabetum
cogitationum humanarum”. Soletro: alphabetum com “m” no final e “ph” em vez
de “f” – alphabetum. Cogitationum, ou seja, c-o-g-i-t-a-t-i-o-n-u-m, c-o-g-i-t-a-t-i-
o-n-u-m, humanarum como se pronuncia. Humanarum terminado com “m”. Então
“alphabetum cogitationum humanarum”. É, ele queria constituir este alfabeto
como uma simbologia fundamental para erguer, para construir uma sorte, uma
espécie de álgebra das ciências que traria uma adequação perfeita entre símbolo
e pensamento. Uma adequação perfeita com o que se nega, afinal, o caráter
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 12

convencional da linguagem, sua origem convencional. Para entender o


pensamento de Leibniz quanto a isto veja-se o bom estudo que faz dele Fraile,
Fraile, em sua História de la Filosofia publicada pela BAC em seu volume 3.
Volume 3 da História de la Filosofia de Fraile publicada pela BAC. Ainda é,
apesar de seus defeitos, parece-me, a melhor História da Filosofia. Não
concordo em muita coisa com ela, mas dá-nos de fato material precioso, valioso,
fundar-me-ei grandemente nela em boa parte dela ao tratar a História da
Filosofia. Então, para entender o pensamento de Leibniz e, particularmente, o
seu “alphabetum cogitationum humanarum” leia-se o volume 3 da História de la
Filosofia de Fraile publicada pela BAC.

Pois bem, então estas são as vertentes, são as ramificações da


opinião que afirma que a linguagem tem uma origem natural. Que ela é natural.
Que seus signos são como semelhanças da realidade.

Pois bem, a segunda opinião que objeta a nossa doutrina é a


linguagem como fato social que se impõe ao indivíduo. É uma como pressão
social sobre o indivíduo o que constitui a linguagem. Quem defende isso é
Durkheim (D-u-r-k-h-e-i-m). Ele viveu entre o... acho que 1858 e 1917. É o
fundador da Sociologia francesa. Um dos fundadores da Sociologia. Ele defende
o que vou dizer aqui em seu livro “Formas elementares da vida religiosa”. O mal
que fez a Sociologia é incalculável, incalculável! Mas tá, ainda estamos expondo,
ainda estou expondo a objeção e tenho de ser mais lícito, o mais liso com ela.
Pois bem, e já disse que todas estas objeções têm algo, uma partezinha, um
elemento de verdade, conquanto sejam radicalmente falsas. Pois bem, para este
sociólogo não só a linguagem, aliás, mas também o pensamento são fatos
sociais. Ele não hesita: o indivíduo que é o indivíduo se limita a sensações, a
emoções, a percepções particulares, singulares. Ele não tem por si a capacidade
de alçar-se nem ao pensamento, nem à linguagem. É a pressão social quem o
faz sobre ele. Ele adquire, o indivíduo adquire pensamento e linguagem por uma
construção e uma pressão sociais. A generalização – vejam, se o indivíduo se
cinge, se limita a percepções, a sensações singulares, particulares, a
generalização e, com efeito, não há generalização sem pensamentos e sem
linguagem, a generalização lhe é imposta como pressão pela sociedade, pelo
meio, pelo ambiente. Ora, como os conceitos dependem desta visão da
linguagem e como a linguagem se apreende em sociedade, decorre tanto o
pensamento como a linguagem provêm da sociedade e não do indivíduo. Dito
assim, à primeira vista, parece uma grande estupidez, mas não esqueçamos:
conquanto radicalmente, conquanto fulcralmente falsa, esta opinião encerra algo
de verdade.

Pois bem, a terceira objeção, então, à doutrina que defendo é a da


origem divina da linguagem. É a dos tradicionalistas do Século XIX. Já explicarei
por que essa denominação “tradicionalista”. Trata-se de Joseph de Maistre e de
De Bonald. Vamos soletrar: Joseph com “ph” no final (Joseph com “ph” no final)
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de Maistre (M-a-i-s-t-r-e), Joseph de Maistre. E o outro é De Bonald (De Bonald


com “d” mudo no final). É a opinião também de ontologistas como Rosmini –
aliás, diga-se que não só o ontologismo de Rosmini e de outros, mas o
tradicionalismo de De Maistre e de De Bonald foram condenados no Concílio
Vaticano I.

Dado histórico importante à parte, tenho de ser o mais liso com a


objeção que, aliás, assim como as outras, as anteriores, algo encerra de
verdade.

Segundo esta opinião, o homem não pode pensar sem associar o


conceito à palavra. Registrem isso: o homem não pode pensar sem associar o
conceito à palavra. Ora, Adão recebeu de Deus a ciência. Mas, como ele não
pode pensar sem associar esta ciência à palavra, recebeu também de Deus a
linguagem. Logo, a origem da linguagem, assim como a da ciência, é divina!
Repito: não seria esta minha posição? Pois bem, o homem, segundo os
tradicionalistas do Século XIX e os ontologistas como Rosmini, o homem não
pode ter inventado a palavra simplesmente porque não se inventa nada se não
se pensa, e não se pensa sem palavra. Repita-se o raciocínio deles: o homem
não pode ter inventado a palavra porque não se inventa nada se não se pensa,
e não se pensa sem palavra. Se ele tivesse inventado a linguagem ele teria
possuído a palavra antes de inventá-la. Esta é a consequência para esses
autores. Repita-se isto que é fundamental nesta opinião: o homem não pode ter
inventado a palavra porque não se inventa nada se não se pensa, e não se pensa
sem palavra, razão porque teria de ter possuído a palavra antes de inventá-la.
Volta-se um pouco à opinião do francês Condillac. Mas, diferentemente de
Condillac, que dizia que a palavra é signo, corretamente neste ponto, diz meio
obscuramente, dizem meio obscuramente estes tradicionalistas que a palavra
é... não é signo das ideias, de uma ideia, senão que a palavra é expressão da
ideia. Como se não fora de certo modo a mesma coisa. Mas o fato é que é esta
posição dos tradicionalistas contra o mesmo Condillac.

Bom, de todo o dito resulta que não pode, insista-se, o homem não
pode, insista-se, ter recebido a linguagem senão de Deus.

A faculdade para os tradicionalistas, a faculdade de pensar para estes


tradicionalistas é inata. Ou melhor, explique-se melhor isso: as ideias são inatas
e, neste ponto, esta é a doutrina mais de De Bonald que se fundamenta em
Malebranche, é... Malebranche com “ch”. Malebranche, Malebranche. Outro
francês. Mas estas ideias que são inatas não podem suscitar-se sem a
linguagem, sem sua comunicação exterior, ou seja, sem a comunicação exterior
dessas ideias. Assim a linguagem estaria para as ideias assim como a luz está
para os objetos coloridos. Porque, com efeito, se os objetos coloridos estão nas
trevas, sem a luz, eles não aparecem como coloridos. Da mesma forma as ideias
inatas sem a linguagem não aparecem, não se suscitam, não são, enfim,
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possíveis. Estariam como numa prisão de trevas. Não se manifestariam, não


seriam possíveis em último caso. Não é simples o raciocínio dos tradicionalistas.

Pois bem, um passo mais e De Bonald deduz da linguagem, do dom


divino da linguagem, de que Deus deu ao homem a linguagem, deduz De Bonald
a existência de Deus e a necessidade de uma revelação primitiva. O que chama
bem isto que vai ser, é... tudo isto é condenado pelo Concílio Vaticano I.

O que é esta tal revelação primitiva? É daí... não, o que é esta


revelação primitiva? Deus revela a Adão e Eva tanto a sabedoria divina como a
sabedoria natural. Já víamos que, depois da queda, uns se ocuparam da
sabedoria divina e outros do resgate da sabedoria humana. Abraão, por um lado,
se ocupa do resgate da sabedoria divina, ao passo que os jônios se ocupam do
resgate da sabedoria natural. Mas Deus teria dado ambas, terá dado ambas as
sabedorias para Adão e Eva. É a ciência infusa que De Bonald chama
conjuntamente revelação. É a revelação segundo a sua terminologia, é a
revelação primitiva. Lembre-se que algo de verdade há nesta opinião.

Pois bem, se, do dom da linguagem, De Bonald deduz a existência de


Deus e a necessidade da revelação, de uma revelação primitiva, do mesmo dom
da linguagem, da mesma dação da linguagem (dação: o ato de dar da linguagem
do homem a Deus) se deduz a transmissão da revelação primitiva ou primeira
ou primigênia. Mas esta revelação, relembremo-lo, engloba a sabedoria divina,
a sabedoria sobrenatural e a sabedoria natural, razão porque as verdades são
transmitidas por tradição – daí o nome tradicionalistas a esses pensadores. As
verdades todas, tanto as divinas ou sobrenaturais como as naturais são
transmitidas por tradição... esta revelação primitiva é transmitida, que engloba
todas as verdades possíveis, é transmitida por tradição. O homem não é capaz
individualmente de ciência. Ele recebe por tradição – daí tradicionalistas – aquela
revelação primitiva que englobava não só a sabedoria divina, mas também a
sabedoria natural. Dizia De Bonald que até as matemáticas devem ser ensinadas
para que signifiquem algo para nós. Se todas as ciências devem ser ensinadas
para que signifiquem algo para nós, isto quer dizer que elas são transmitidas por
tradição desde uma revelação primitiva. Se assim é, o fundamento da certeza
científica está fora da inteligência individual. Senão que está indubitavelmente
para os tradicionalistas e mais especialmente para De Bonald na tradição social
ou histórica. Vejam que curioso: ao dizê-lo, ao dizer que a certeza, o fundamento
da certeza está tão somente na tradição social e não na inteligência individual,
os tradicionalistas caem, de algum modo, na mesma posição da sociologia
francesa. Caem na mesma posição dos sociólogos que negam que a linguagem
e o pensamento sejam individuais, senão que são resultantes de uma pressão
social. Claro que não se trata da mesma coisa, mas, de certo modo, o
tradicionalismo e sua origem divina da linguagem e de tudo, a origem divina da
ciência, cai pela afirmação da transmissão tradicional de uma revelação primitiva
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que englobava a sabedoria natural, cai um pouco, de certa maneira, na mesma


posição da sociologia francesa.

Bom, em resposta a estas três objeções – a da origem natural, a da


origem puramente convencional, puramente social, a da origem natural, a da
origem social ou da origem divina da linguagem, responda-se que a origem da
linguagem é artificial; é resultante da arte. E afirmo, e o afirmo aqui dando ensejo,
possibilidade a que se me objete que acabo de negar minha mesma posição
defendida desde o início da Escola Tomista.

Pois bem, a aula em si fica aqui por hoje. Teremos ótimas aulas, tenho
certeza quanto a esse assunto na seguinte ou nas seguintes. Não sei
exatamente quanto... de quantas aulas exatamente necessitarei. Mas o fato é
que anunciei há algumas aulas que convidaria algum que me havia criticado a
doutrina de que a Gramática é a arte subordinada à Lógica a disputar comigo
aqui na Escola Tomista. Em razão disso tive até de regravar esta aula e outra
para esperar que alguém atendesse, aceitasse meu convite. Até agora ninguém
o aceitou. Dou uma semana mais para que haja alguém que o aceite. Se
ninguém aceitar, farei o que seria melhor com um verdadeiro objetor, ao final de
todo esse ponto, porei um amigo aqui junto comigo para fazer as vezes de...
deste verdadeiro objetor. Assim simularei uma disputatio oral a modo ilustrativo,
para que se ilustre o que acabo de dizer. Pois bem, esperemos mais uma
semana. Se alguém aceitar, ao final das minhas aulas sobre a linguagem, a
Gramática etc., etc., então dar-se-á a disputatio real. Vejam que hoje estendi a
esse possível objetor duas objeções a que pode agarrar-se. Esperemos, senão
não se perderá também nada de fundamental para o andamento da Escola
Tomista e simularei aqui uma disputatio para mostrar um pouco como havia de
ser a disputatio medieval. A disputatio oral medieval, porque a disputatio escrita
são os textos que vemos, por exemplo, em São Tomás de Aquino. Pois bem, na
próxima aula haverá um novo documento e darei ademais um link para minha
aula sobre o Crátilo. Terminada toda esta parte que ainda se refere ao método
da Lógica tratado introdutoriamente, então já mergulharemos na Lógica, no
corpo da Lógica, a começar pelo Tratado dos Predicáveis. Ou seja, estudaremos
o Livro de Porfírio chamado “Isagoge” ou Introdução. Introdução a quê? Às
categorias de Aristóteles. Será ao fim da introdução à Lógica nosso primeiro
assunto: os Predicáveis. E verão, então, que maravilha é a Lógica Aristotélica e
todos os que a seguiram de algum modo.

Muito obrigado pela atenção e até a próxima aula.

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