Transcrição Da Aula 21
Transcrição Da Aula 21
Transcrição Da Aula 21
Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 21
Bem vindos à 21ª aula da Escola Tomista: introdução à Lógica XI.
Aliás, a introdução marcha, a introdução à Lógica, marcha para o seu fim. Faltam
poucas aulas agora para o fim da introdução à Lógica. Voltarei a falar disto ao
final desta aula.
Pois bem... Resta-nos hoje ver a terceira das três propriedades mais
importantes e mais evidentes da Lógica. A saber: sua bondade. Ou seja, sua
necessidade para as ciências. Quando se diz “bondade da Lógica”, quer-se dizer
“sua necessidade para as ciências”.
Pois bem. Há, porém, uma objeção que não se pode eludir. Há que
enfrenta-la, há que afrontá-la, há que arrostá-la. Esta objeção diz que a Lógica
não é necessária para a incoação das ciências. Comparemos a arte edilícia, ou
seja, a arte de fazer edifícios, prédios, casas, de que já falamos tanto, é... com a
arte da medicina. Sem a arte edilícia não há casas, não há edifícios, não há
prédios, não há hospitais, não há quartéis, é... não há nenhuma construção sem
a arte edilícia. Tais construções são resultado imediato e absoluto da arte
edilícia. Mas se pensarmos na arte da medicina... Ora, que tem por fim... Qual é
o fim? Qual é o fim da arte da medicina? É a saúde. Mas a saúde pode recobrar-
se, recuperar-se de dois modos: ou mediante a arte, ou seja, pela ministração,
pela administração de fármacos ao doente ou de coisas semelhantes aos
fármacos ou pela autorrecuperação do corpo. O corpo mesmo pode recobrar a
saúde que se perdeu. Ora, já vimos em alguma aula que a arte da Lógica
assemelha-se antes à arte de uso, como a medicina, que a artes em sentido
estrito como é a arte edilícia. Pois bem, assim como o corpo pode recobrar por
si mesmo a saúde, assim também nossa razão, nosso intelecto, pode alcançar
definições, pode proceder a juízos, pode proceder a proposições, pode proceder
a argumentações sem o auxílio da Lógica. Repita-se, assim como o corpo pode
recobrar ele mesmo a saúde, assim também a nossa razão pode incoar... (incoar
é termo mais técnico, antes técnico, que quer dizer começar, começar), pode
incoar, pode começar por si mesma a ciência. E, por isso mesmo, segundo esta
objeção que estou desenvolvendo aqui, é... a ciênc... a Lógica não é simpliciter,
não é absolutamente, não é pura e simplesmente necessária para a incoação,
para o começo das ciências.
Pois bem, mas, pelo que se disse, é que se nota aquilo em que Santo
Tomás tanto insiste: a íntima afinidade entre Lógica e Metafísica. Por quê? A
Metafísica é a rainha das ciências. Pois bem, enquanto a Lógica tem por sujeito
o ente de razão, a rainha das ciências ou Metafísica tem precipuamente por
sujeito o ente real, o ente extramental. E, como o ente de razão se relaciona de
algum modo, mas importantemente, com o ente real ou extramental, daí a
afinidade (como se diz em francês?), founcière, fulcral, radical entre Lógica e
Metafísica. Desse modo, pode dizer-se com o Padre Calderón, que a Lógica é a
“ama-de-leite da Metafísica”. Dá-lhe o alimento de que necessita, sem o qual ela
não passaria do estado inicial de encoação para o estado de perfeição científica.
E é também sua governanta. Uma governanta ocupa-se de uma casa, ocupa-se
da ordem da casa, ocupa-se da limpeza da casa, ocupa-se do brilho que os
móveis devem ter e tudo isto é o que faz analogamente a Lógica com respeito à
Metafísica. Ela é, segundo a expressão agora do Padre Calderón, a ama de leite,
nodriza, nodriza em espanhol, e a governanta, ama de llaves, ama de chaves,
ama de chaves da Metafísica. Bela imagem do Padre Calderón. Mas, se isto é
verdade, com respeito à Metafísica, ou seja, a Lógica ser a ama-de-leite e a
governanta da Metafísica, vale tanto ou ainda mais com respeito à Teologia
Sagrada. E Santo Tomás, que é teólogo, ou melhor, o teólogo, aquele que deu,
que descobriu finalmente, de modo cabal e perfeito o sujeito da ciência teológica
sagrada, com o que elevou-a ao estatuto perfeito de ciência, ele mesmo, para
ser tal, para conseguir tal, para levar ao estado de perfeição a Teologia Sagrada,
não pôde deixar de ser o lógico dos lógicos, superando a sua alma-gêmea, ao
mesmo grande lógico que foi Aristóteles. Por isso, este mar de pérolas lógicas
que é a obra de Santo Tomás de Aquino, nos indica que ele é o mestre ou deve
ser o mestre de todo e qualquer lógico.
Pois bem, todo este assunto foi muito desvirtuado a partir, sobretudo,
do nominalismo. O que fez o nominalismo? Aliás, atenção: essas diversas
correntes filosóficas – falarei aqui brevemente de nominalismo e de idealismo –
conquanto se estude ao longo de toda a Escola Tomista e já me referi a elas
algumas vezes, estudar-se-ão mais em profundidade na História da Filosofia, ou
seja, o penúltimo ponto da Escola Tomista, ou seja, antes da Teologia Sagrada.
palavra. Foi isto que fez o nominalismo. E o que fará o idealismo? É uma espécie
de consequência, uma sorte de consequência. Vai confundir pensamento e
realidade. Veja que é uma degradação, uma decadência, né, e um dégradé na
decadência. Primeiro, com o nominalismo, se confunde pensamento com a
linguagem. Depois, com o idealismo, confundir-se-á o pensamento com a própria
realidade. Isso é um resultado, obviamente, do abandono do aristotelismo-
tomismo e, mais particularmente, do tomismo. Já o vimos brevemente em várias
aulas. O que importa aqui é que tais confusões se refletem quanto ao tema,
quanto ao assunto, quanto ao sujeito da origem da linguagem.
Pois bem, uma das opiniões que vão contra a nossa, contra a nossa
doutrina, diz que a linguagem tem uma origem natural. A segunda, que tem uma
origem social. A terceira, que tem origem divina. Então: natural, social e divina.
Cada uma destas opiniões, conquanto seja radicalmente falsa, tem algo de
verdade. Não deixam de ter algo de verdade, como muitas vezes sucede com
as objeções. Algo de verdade têm, conquanto estas sejam radicalmente falsas.
Por que eu digo? Porque a linguagem não tem nem uma origem natural, nem
uma origem social, nem origem divina, senão que é um produto artificial, se
origina numa arte. Pois bem, parece que se ergue, então, outra objeção a mim
mesmo. Porque, desde o início da Escola Tomista, venho dizendo que uma
criança entregue, sem nenhuma relação familiar ou social, isolada, a quem só
se desse comida, sobreviveria fisicamente, mas não falaria. Ou seja, parece que
digo isto, é.... parece que, ao dizê-lo, confirmo, ao menos, a origem divina da
linguagem e, com efeito, parece ter sido isto mesmo o que disse eu. Deus teria
dado a Adão e Eva a linguagem. A linguagem teria uma origem divina. Parece
uma objeção a mim, conquanto não o seja como se verá.
Bom, de todo o dito resulta que não pode, insista-se, o homem não
pode, insista-se, ter recebido a linguagem senão de Deus.
Pois bem, a aula em si fica aqui por hoje. Teremos ótimas aulas, tenho
certeza quanto a esse assunto na seguinte ou nas seguintes. Não sei
exatamente quanto... de quantas aulas exatamente necessitarei. Mas o fato é
que anunciei há algumas aulas que convidaria algum que me havia criticado a
doutrina de que a Gramática é a arte subordinada à Lógica a disputar comigo
aqui na Escola Tomista. Em razão disso tive até de regravar esta aula e outra
para esperar que alguém atendesse, aceitasse meu convite. Até agora ninguém
o aceitou. Dou uma semana mais para que haja alguém que o aceite. Se
ninguém aceitar, farei o que seria melhor com um verdadeiro objetor, ao final de
todo esse ponto, porei um amigo aqui junto comigo para fazer as vezes de...
deste verdadeiro objetor. Assim simularei uma disputatio oral a modo ilustrativo,
para que se ilustre o que acabo de dizer. Pois bem, esperemos mais uma
semana. Se alguém aceitar, ao final das minhas aulas sobre a linguagem, a
Gramática etc., etc., então dar-se-á a disputatio real. Vejam que hoje estendi a
esse possível objetor duas objeções a que pode agarrar-se. Esperemos, senão
não se perderá também nada de fundamental para o andamento da Escola
Tomista e simularei aqui uma disputatio para mostrar um pouco como havia de
ser a disputatio medieval. A disputatio oral medieval, porque a disputatio escrita
são os textos que vemos, por exemplo, em São Tomás de Aquino. Pois bem, na
próxima aula haverá um novo documento e darei ademais um link para minha
aula sobre o Crátilo. Terminada toda esta parte que ainda se refere ao método
da Lógica tratado introdutoriamente, então já mergulharemos na Lógica, no
corpo da Lógica, a começar pelo Tratado dos Predicáveis. Ou seja, estudaremos
o Livro de Porfírio chamado “Isagoge” ou Introdução. Introdução a quê? Às
categorias de Aristóteles. Será ao fim da introdução à Lógica nosso primeiro
assunto: os Predicáveis. E verão, então, que maravilha é a Lógica Aristotélica e
todos os que a seguiram de algum modo.