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Terapiacomunitaria I

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Terapia Comunitária Integrativa: O que é?

Conteudista: Prof.ª Esp. Heloise Maragno


Revisão Textual: Esp. Jéssica Dante

Objetivo da Unidade:

Definir a TCI, explicitar o contexto de sua implantação, esclarecer seus


objetivos e resultados esperados.

ʪ Material Teórico

ʪ Material Complementar

ʪ Referências
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ʪ Material Teórico

Introdução
Famílias, grupos, comunidades, sociedades. Desde os primórdios os humanos tendem a viver
em grupos, seja para sua proteção, para comodidade, afinidade, sobrevivência ou por afeto.

Figura 1 – Círculo de Pessoas


Fonte: Pixabay

Pessoas são gregárias, têm necessidade de pertencer, de se identificar. Por meio dos grupos dos
quais fazem parte, reconhecem a si mesmas.
“Você é a média das 5 pessoas com as quais mais convive”, disse Jim Rohn (1930 – 2009),
empreendedor, autor e palestrante motivacional norte-americano. Essa frase fez tanto sentido
que ainda é utilizada como pauta de análise em desenvolvimento pessoal e performance
profissional (SILVA, 2018).

Pensando desse modo, é provável que, conforme o tempo vá passando e a vida vá levando cada
pessoa para um caminho diverso – com novas experiências e preferências – os indivíduos vão
mudando de grupo, ainda que, por outro lado, outros permaneçam pertencendo aos mesmos
grupos durante uma vida toda, independentemente de seus motivos.

O fato é que viver em comunidade é natural ao ser humano, aliás, para a maioria das espécies
viventes deste planeta. Poucas são as criaturas que passam a existência em isolamento.

Esta realidade é tão óbvia que poucos são os que sobre ela refletem. A não reflexão acaba por
trazer alguns desafios: rejeitar os grupos originais com os quais não há mais afinidade,
envergonhar-se por pertencer a esse ou aquele grupo porque não é “descolado” ou “rico” o
suficiente, afiliar-se a grupos com ideologias controversas e prejudiciais por não se sentir
acolhido ou visto pelo grupo original. Enfim, em âmbito global, o resultado é essa sociedade
planetária do século XXI d.C., com pessoas desconectadas umas das outras e retomando o modo
de vida da pré-história – quando o objetivo era a sobrevivência de si e dos seus, mesmo que para
isso houvesse a necessidade de eliminar ou de não considerar os outros – sem condições
internas, conhecimento ou motivação para viver em paz e harmonia.

Por essa razão, iniciativas como estas propostas pela Terapia Comunitária Integrativa, ou TCI,
são relevantes para a busca de soluções para os muros que separam os seres humanos uns dos
outros.

A TCI propõe o retorno para o simples, o tradicional, o ancestral. Nossos antepassados, cujos
povos temos apenas poucas informações, reuniam-se em rodas (círculos) tanto para tratar de
assuntos sérios como para conversar, se divertir e compartilhar a vida.

Em um círculo todos têm igual importância e relevância, todos têm direito à fala, todos são
vistos. O círculo não exclui, porém, o respeito a quem veio antes ou a quem tem saberes e
experiências ampliadas – que podem enriquecer, ensinar e servir de exemplo – que nele está
presente.

O simbolismo do círculo é tão poderoso que ainda hoje, atravessando os séculos, repetimos a
história, mítica ou não, do Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda.

“Talvez o círculo tenha sido o símbolo mais antigo desenhado pela raça humana.

Simples de ser executado, é uma forma cotidiana em contradição na natureza, vista


nos céus como os discos do sol e da lua, e ocorre nas formas das plantas e dos
animais e nas estruturas geológicas naturais. Nos tempos antigos, as construções,
fossem elas temporárias ou permanentes, eram circulares em sua grande maioria.
Os nativos americanos tipi e os yurt mongólicos atuais são sobreviventes de uma
antiga forma universal. Dos círculos de cabanas da Grã-Bretanha neolítica, desde
os círculos de pedra megalíticos até as igrejas e os templos redondos, a forma
circular imitou a redondeza do horizonte visível, fazendo de cada construção, na
verdade, um pequeno mundo em si mesmo. ”

- PENNICK, 1980, p. 15

A TCI, enquanto instrumento de inclusão, possibilita trazer para a consciência das comunidades
que não é necessário a permanência na ilusão de que o “lugar” em que uma pessoa se encontra é
estanque e que não há solução para uma melhora de vida. Pelo contrário, promovendo encontros
circulares, a terapia suscita um olhar expandido para a própria condição de vida, para sua própria
história, seus valores, suas experiências, suas conquistas, de modo a incentivar os indivíduos a
saírem do lugar de vítimas e de excluídos e se tornarem agentes da sua transformação.
Por meio da força do coletivo, da energia que se manifesta nos círculos formados nas reuniões
da TCI, há a possibilidade de transformação de realidades, ampliação de visão de mundo e de si
mesmo. Cada pessoa que dela participa pode escolher não ser mais alguém que sofre sozinho
porque compreende que mais pessoas experimentam o desafio pelo qual está passando no
momento. Assim, tem-se a oportunidade de ver o desafio pelo que é realmente: apenas um
obstáculo a ser superado. A superação desses obstáculos pode se tornar realidade pela
comunhão dos membros participantes da comunidade ou grupo.

O que é Terapia Comunitária Integrativa – TCI


No decorrer desta disciplina se fundamentam no livro de Adalberto Barreto, idealizador dessa
terapia, cujo título é Terapia Comunitária Passo a Passo (2010), o qual constitui fonte de
informação legítima para a compreensão dessa forma de acolhimento integral, humana e
curativa.

Portanto, ao longo desta Unidade, será possível conhecer o que é a Terapia Comunitária
Integrativa, quais são seus pilares, objetivos e metas. O que se dará de modo semelhante ao que
seu idealizador prefere, traçando um paralelo entre sua biografia e a trajetória de formação da
TCI.

“A Terapia Comunitária é um espaço de promoção de encontros interpessoais e

inter-comunitários, objetivando a valorização das histórias de vida dos


participantes, o resgate da identidade, a restauração da autoestima e da confiança
em si, a ampliação da percepção dos problemas e possibilidades de resolução a
partir das competências locais. Tem como base de sustentação o estímulo para a
construção de vínculos solidários e promoção da vida.”

- BARRETO, 2010, p. 38
Essa forma de terapia acontece em encontros de grupos de pessoas que terão a oportunidade de
comunicar suas questões internas, seus desafios e problemas e encontrar acolhimento, não
julgamento nem conselhos, apenas as ideias e o conforto que aclararão suas mentes para que se
percebam capazes de encontrar soluções, elas mesmas, para seus desafios de vida.

Vídeo
Palestra sobre a TCI - Terapia Comunitária Integrativa - Com Dr.
Adalberto Barreto

Palestra sobre a TCI - Terapia Comunitária Integrativa - Com Dr. A…


A TCI não pretende ser a salvação para as pessoas que a procuram, pelo contrário, procura
“identificar e suscitar as forças e as capacidades dos indivíduos, das famílias e das comunidades
para que, através desses recursos, possam encontrar as suas próprias soluções e superar as
dificuldades impostas pelo meio e pela sociedade.” (BARRETO, 2010, p.37)

Esse traço da TCI se fortaleceu, segundo o autor BARRETO (2010), graças ao contraste
vivenciado durante sua trajetória de vida, pois de um lado, havia a fé: as raízes nordestinas, os
ricos traços culturais com os elementos que caracterizam sua origem, que incluem o impalpável,
o sutil, a presença do divino, manifestados de diversas formas; e de outro: o olhar racional da
biomedicina, que exigia de alguém que cursasse suas trilhas e nelas pretendesse permanecer,
segundo ele, o dever de abrir mão das crenças no invisível.

Para Adalberto, optar entre ciência ou religião não era possível, pois em seu íntimo não havia
sentido no argumento de que escolher um caminho necessariamente significasse abdicar do
outro. Por essa razão, empenhou-se em se especializar em áreas acadêmicas aparentemente
distintas, mas que em suas mãos funcionaram muito bem em conjunto: Medicina, Psiquiatria,
Teologia e Antropologia. “Eu não preciso matar o índio que vem dentro de mim para poder ser
um cientista. Eu vou trabalhar com a inclusão.” (BARRETO in LIGA SOLIDÁRIA, 2018)

“Embora esta proposta terapêutica esteja mais voltada para grupos que vivem em

condição social vulnerável, em termos de sua saúde mental e autonomia individual


e comunitária, nossa experiência tem mostrado que ela pode ser aplicada em
qualquer grupo de pessoas, pertencentes às mais diferentes classes sociais, idades,
situações socioeconômicas e profissionais.”

- BARRETO, 2010, p. 39

Terapia Comunitária Integrativa e seu Idealizador


Para iniciar o estudo sobre a Terapia Comunitária Integrativa é importante a compreensão sobre
o universo do qual ela emergiu.

Adalberto Barreto nasceu na cidade de Canindé – Ceará, Brasil, localizada no sertão nordestino
– destino de romeiros que até lá peregrinam para agradecer às bênçãos ou fazer seus pedidos a
São Francisco, o santo católico – em meio ao balaio cultural de sua periferia, testemunhando as
diversas formas de manifestação da fé do nordestino, bem como de suas lutas e desafios
diários.

Figura 2 – Basílica de São Francisco de Chagas, Romaria de


Canindé
Fonte: Reprodução
Diferentemente do destino que a maioria das pessoas que nascem sob essas condições de
morador de comunidade carente usualmente tem, Adalberto encontrou vitórias em sua vida.
Teve uma rica vida acadêmica, chegando a alcançar o grau de Doutor. Medicina, Antropologia,
Teologia, Psiquiatria foram as escolas estruturais para sua vida profissional, porém manteve a
sua base em suas raízes culturais, as quais fez questão de incluir em sua trajetória de vida.

O Trajeto de Formação da TCI


Após uma temporada de cinco anos de estudos acadêmicos na Europa, em 1983 Adalberto
Barreto retorna ao Brasil e escolhe sua cidade natal, Canindé – CE, como sítio de pesquisas.

O enfoque de suas preocupações era a integração. Como havia identificado que o radicalismo de
pontos de vista fixo, tanto da comunidade de curandeiros que via a biomedicina como inimiga,
quanto os profissionais da área médica, que taxavam os curadores populares como ignorantes,
estava prejudicando o contexto de comunidade e causando mais problemas do que trazendo
soluções, procurava uma forma de possibilitar a conversa entre esses dois “universos”
distintos. (BARRETO, 2010)

Ao iniciar-se como professor da faculdade de medicina, Adalberto Barreto pretendia propor uma
reflexão aos seus alunos a respeito da importância de levarem em conta as raízes culturais das
pessoas que, mais tarde, seriam seus pacientes. Assim, foi criada a disciplina Antropologia da
Saúde, ministrada na favela, que permitia aos estudantes conhecerem o contexto em que se dava
o surgimento da doença, possibilitando a tomada de consciência sobre suas raízes
multidimensionais.

“Essa mesma vontade de ir em direção aos "excluídos" e "perdidos", nos levou a

desenvolver um trabalho na favela do Pirambu, em Fortaleza: o Projeto Quatro


Varas. Inicialmente, recebia, no Hospital Universitário, pacientes vítimas de
conflitos de abandono e miséria humana, que os levavam a ter episódios de
depressão e crises psicóticas, em que era evidente a questão da perda da
identidade. Eles eram enviados por meu irmão, Airton Barreto, advogado e
coordenador do Centro dos Direitos Humanos do Pirambu, também sensibilizado
pela situação de abandono de pessoas que ainda não ascenderam aos direitos
ligados à cidadania.”

- BARRETO, 2010, p.28

Vídeo
Projeto 4 Varas

Projeto 4 Varas | Adalberto Barreto | TEDxFortaleza


A partir do momento em que a demanda por atendimentos começou a crescer, Adalberto tomou
a iniciativa de criar, na própria comunidade de 4 Varas “um trabalho de prevenção e de cuidados
psicológicos para os excluídos de nossa sociedade, os que vivem na favela” (BARRETO, 2010).
Esse foi o momento em que nasceu a Terapia Comunitária Integrativa, como consequência do
Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária, trabalho do Departamento de Saúde
Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) (AZEVEDO et al.,
2013).

Nesse contexto, procurou abordar o quadro de doença sob uma nova perspectiva: não só focar
na doença, mas na pessoa adoecida, em seu contexto de origem, relacionamentos, moradia e
percepções de vida, agindo na direção do sanar da causa e na prevenção.

“Todo o arsenal terapêutico com seus psicotrópicos, pleiteado pelo modelo

biomédico, concentra suas ações no combate ao patológico. Não se trata de negar


sua contribuição, mas não podemos, também, negligenciar a participação do
contexto na gênese de sofrimentos e doenças.”

- BARRETO, 2010, p. 29

A Comunidade
O apelo principal da TCI é a fomentação da autoestima dos membros das comunidades para que
estas, como um todo, se fortaleçam.

Para tanto, nos encontros promovidos pela TCI, os indivíduos que comparecem são como um
recorte da comunidade da qual fazem parte. São estimulados a participar, contribuir, praticar
escuta ativa, acolher e serem acolhidos. Assim, cada elo da corrente é fundamental para o
funcionamento do todo. Se uma parte está fraca ou deixa de fazer parte, o todo se enfraquece ou
é prejudicado.

Ao mesmo tempo, a TCI pretende que os sofrimentos e as carências dos membros participantes
da roda sejam compartilhados para que os outros percebam que seu sofrimento não é exclusivo,
que outras pessoas o experimentam ou experimentaram. Por essa razão, ao compartilhar as
soluções ou pontos de vista, os outros membros do círculo contribuem com a superação do que
está sendo vivido pelo indivíduo que apresentou seu problema.

“Todos se tornam corresponsáveis na busca de soluções e superação dos desafios

do cotidiano, em um ambiente acolhedor e caloroso. É um momento de


transformação, transmutação do KAOS, da crise, do sofrimento para o KYROS,
espaço sagrado onde cada um reorganiza seu discurso e ressignifica seu
sofrimento dando origem a uma nova leitura dos elementos que o faziam sofrer.”

- BARRETO, 2010, p. 43

As sessões de TCI, ao possibilitarem as trocas de experiências e compartilhamento de pontos de


vista, fomentam a empatia, o diálogo e o sentimento de pertencimento. Assim, as soluções para
a superação de conflitos ou desafios enfrentados pela comunidade surgem em seu próprio meio,
trazendo à tona a autonomia e excluindo a dependência de algo ou alguém externo que surja
para trazer a solução.

Os Objetivos
Os objetivos da Terapia Comunitária Integrativa, de acordo com BARRETO (2010), são os
seguintes:
A valorização de cada um dos indivíduos participantes das rodas de terapia que se dá
pela estimulação à fala (ou participação). Ao contribuir com suas experiências, ditas
“saberes” e seus pontos de vista, cada indivíduo tem a oportunidade de resgatar ou
reforçar sua autoestima – quando se sente bem em ser quem é – e autoconfiança –
ao compreender que o que ele é e sabe fazer são importantes no contexto sistêmico
no qual se está inserido;

Enxergar-se a partir dos olhos dos outros, momento em que o indivíduo pode
perceber suas potencialidades e entender-se como autor de sua vida e seu destino,
entendendo que é o agente transformador ou formador de sua felicidade;

A valorização das raízes, identidade cultural e por consequência da sua


ancestralidade. Sentir-se bem com sua origem e harmonizar as relações com sua
família é condição indispensável para o início da cura das relações com a
comunidade, em princípio, local e depois expandir para o entorno;

Estímulo do pensamento sistêmico, onde todos são fundamentais para a


manutenção da teia, prevenindo a exclusão de seus membros como consequência
de discórdias, desavenças ou pelo sentimento de que algum problema é grande
demais para ser resolvido pela comunidade ou família;

E finalmente, ainda dentro do olhar sistêmico, prover uma comunicação entre os


saberes populares, tradicionais e científicos. O sistêmico não exclui nada nem
ninguém e inclui tudo. Todos fazem parte.

“O pensamento sistêmico nos diz que as crises e problemas só podem ser

entendidos e resolvidos se os percebermos como partes integradas de uma rede


complexa, que ligam e interligam as pessoas num todo. Somos um todo, em que
cada parte influencia e interfere na outra parte.”

- BARRETO, 2010, p. 42
Características Básicas
A TCI, segundo seu criador (BARRETO, 2010, p. 43), tem três características básicas que valem a
pena ser listadas e comentadas.

1 Ação na prevenção e “cura” no âmbito de saúde mental, engajando todos os


indivíduos constituintes da comunidade, profissionais com seus diversos saberes,
bem como detentores dos saberes informais ou tradicionais;

2 Incentivo à agregação social, por meio da qual o grupo se torna capaz de trazer
soluções para suas questões individuais e coletivas, sem ficar à mercê da
intervenção de terceiros;

3 A expansão da consciência que permite compreender a origem dos conflitos


observados e vivenciados, bem como a responsabilidade de cada indivíduo na
solução dos mesmos, mesmo que seja com a mudança do olhar para a questão.

Cada sessão de TCI segue cinco etapas: acolhimento, escolha do tema, contextualização,
problematização e encerramento (quando ocorre a conclusão e apreciação) (MOURÃO et al.,
2016), as quais serão tratadas em detalhes nas Unidades seguintes.

Pilares
A Terapia Comunitária Integrativa foi estabelecida sobre cinco pilares: Pensamento Sistêmico,
Teoria da Comunicação, Antropologia Cultural, Resiliência e Pedagogia Paulo Freire (RAMIREZ,
2013).

O Pensamento Sistêmico prevê que um “problema” apresentado por um dos integrantes de um


grupo ou comunidade não é apenas dele e sim de todos os membros a ele associados. Assim, o
importante é encontrar a causa e não focar no sintoma, observando-se os aspectos físico,
mental, emocional e o contexto cultural individual e coletivo.
A Teoria da Comunicação prevê que o sofrimento ou queixa apresentada está comunicando algo
que ocorre no contexto familiar ou na comunidade que verdadeiramente é sua causa ou origem.

A Antropologia Cultural implica na valorização da cultura e crenças relativas aos indivíduos ou


comunidades. Todos os saberes, neste contexto, sendo científicos ou populares, podem ser
integrados.

A Resiliência tem sua atuação quando incentiva o desenvolvimento ou consideração das


potencialidades individuais e do grupo que serão o elemento de enfrentamento e superação dos
desafios apresentados.

Por fim, a Pedagogia de Paulo Freire, que indica que o saber é uma via de mão dupla,
incentivando o terapeuta a colocar-se como facilitador do processo, pronto a guiar e aprender
ao mesmo tempo.

Esses pilares serão tratados com mais profundidade posteriormente.

O Simbolismo da Teia
Simbolicamente, a estrutura da TCI pode ser comparada a uma teia de aranha, segundo
BARRETO (2010). Para o autor, a comunidade se mantém forte e coesa no momento em que
todos os indivíduos são vistos e incluídos. Qualquer parte excluída ou enfraquecida precisa ser
objeto de foco e atenção, já que a teia que se rompe já não consegue plenamente atingir seus
objetivos e pode facilmente ser desfeita.
Figura 3 – Teia de Aranha
Fonte: Pixabay

A inspiração para essa analogia com a teia de aranha foi a tradição dos índios Tremembé,
habitantes do nordeste brasileiro.

“Os índios Tremembé que habitam o Nordeste brasileiro dançam o torém, uma

dança em ritmo de xote, através da qual invocam e imitam os animais com os


quais, no passado, aprenderam uma lição. Dentre os animais reverenciados temos
a aranha. Com a dança da aranha os índios nos lembram que ela sem a teia é como
o índio sem a terra. A aranha sem a teia é como uma comunidade sem vínculos.”
- BARRETO, 2010, p. 44

O Terapeuta e a Diversidade
Como já foi mencionado, a Terapia Comunitária Integrativa é uma ferramenta terapêutica que
tem como objetivo dinamizar o compartilhamento de experiências e a criação de uma rede de
apoio por meio de encontros entre pessoas que pertencem a uma comunidade ou grupo
específico. Dessa forma, o terapeuta comunitário tem o papel de conduzir as reuniões,
incentivando as trocas de experiências entre os participantes para a composição e
fortalecimento de uma “teia”, um grupo de apoio.

Havendo a necessidade de intervenção mais específica, individualmente, os indivíduos serão


encaminhados a profissionais de psicologia ou psiquiatria, a depender do caso.

“A legitimidade do terapeuta comunitário vem do compromisso dele com os outros: da sua


capacidade de estar atento ao sofrimento e ao potencial do indivíduo, família e comunidade”
(BARRETO, 2010, p. 52).

A visão sistêmica, nesse contexto, é de suma importância, já que possibilita ao terapeuta a


valorização da diversidade. Cada uma das pessoas que participa das sessões de TCI tem a
possibilidade de somar, contribuindo com suas experiências, seus pontos de vista e suas
particularidades oriundas de seu grupo de origem. Pontos de vista diversos contribuem com
inúmeras possibilidades de solução aos conflitos apresentados.
Figura 4 – Diversidade
Fonte: Pixabay

Ainda sobre a diversidade, ao acolher o diferente, emancipa-se os indivíduos de precisarem se


conformar com padrões e condutas impostas e que não conversam com seu modo particular de
perceber a realidade. Ter a liberdade de ser quem se é, em essência, é a forma mais acertada de
fortalecimento individual e, consequentemente, coletivo.

A valorização da diversidade fortalece a horizontalidade, onde cada ser é único, perfeito da forma
que é e importante por natureza. A partir daí, quando cada um se reconhece intimamente,
quando tem restaurada a confiança em suas raízes, tem base para evoluir como ser humano,
saindo do lugar de apenas sobrevivente para o ponto em que pode dar real contribuição para seu
entorno. Cada um, nesse contexto é, ao mesmo tempo, cuidado e cuidador.

Os Excluídos
Ao se referir à comunidade, Adalberto Barreto explica que essa se trata de um grupo de pessoas
que possuem condições de vida similares no tocante às questões financeiras, sociais, culturais,
políticas, religiosas e espirituais, embora haja entre as pessoas modos particulares de vivenciar
cada uma dessas esferas (BARRETO, 2010).
O “ser diferente” em uma comunidade não é, em geral, incentivado. Segundo o modo atual de
vida, os comportamentos que fogem aos parâmetros de normalidade não são bem-vistos e
geralmente causam a exclusão.

Pessoas são excluídas de seus grupos por diversas razões, conforme mencionado em HOVEL
(2006): drogadição, alcoolismo, transtornos psiquiátricos, prática de crimes ou atos de
violência etc. O ato de excluir é o mais fácil e pensa-se que essa é a forma mais prática de se
solucionar qualquer problema. No entanto, excluir não cura a raiz do desafio, apenas remedia o
sintoma e ocasiona a repetição do problema até que a causa seja vista e sanada.

Observando a história da humanidade e a ênfase dada a remediar ao invés de encontrar soluções


efetivas, é possível perceber que esse não é o modo mais eficiente de lidar com os desafios
sociais.

Como bem expõe VIEIRA (2015):

“A humanidade caminha sobre a terra há milhares de anos e nesta longa saga em

que o mais importante é a sobrevivência; e que foi experimentada em toda a sua


amplitude, tanto nos bons quanto nos maus momentos; a soma dessas vivências é
um patrimônio inestimável.

Esse patrimônio tem nome: História. Querer desprezar esse legado seria o pior e
mais terrível de nossos erros.”

VIEIRA (2015) diz, ainda, que o grande desafio da sociedade moderna é a manutenção da
convivência em harmonia, levando-se em conta a existência de inúmeras distinções e
peculiaridades de visão de mundo de indivíduo para indivíduo.
“Portanto quando esta teia social for rompida é porque algum de seus entes

institucionais talvez não esteja cumprindo efetivamente o seu papel. Tal situação
pode ocorrer pelos mais variados motivos: despreparo de seus líderes, objetivos
alheios aos institucionais ou, o mais comum dos motivos, a predominância de
alguma das inúmeras fraquezas humanas.”

- VIEIRA, 2015

Dessa forma, a Terapia Comunitária Integrativa, enquanto ferramenta de resgate da honra à


história dos ancestrais, da reconexão com as raízes, da valorização do diálogo, do raciocínio em
conjunto, do olhar para a dor do outro, suplantando o egoísmo, possibilita uma cura real
enquanto promove uma reflexão sobre o impacto que cada vida tem sobre o conjunto, sobre a
comunidade.

Em Síntese
A TCI nasceu do desejo de BARRETO (2010) de se tornar o salvador de sua comunidade de
origem, a exemplo de São Francisco, o santo padroeiro de Canindé, sua cidade natal, localizada
no Ceará – Brasil e da sua necessidade interna de congregar os saberes populares e tradicionais
de seu povo com os do novo grupo no qual se inseriu, o da comunidade científica e acadêmica.

Com o tempo, ampliando a experiência da TCI, agregou a ela o pensamento sistêmico, a partir do
qual se entende que não há um salvador ou curador externo. Cada pessoa é a própria expressão
do criador individualizado, apenas esquecida dessa verdade. Ao poder contar com a força e o
apoio do grupo, faz renascer a própria força interna que é a única capaz de salvar ou curar.
Do original pensamento de agregar a vítima da sociedade ou o excluído (marginalizado),
emergiu o resgate da alegria de pertencer, do orgulho de fazer parte de uma linhagem, uma raiz
cultural, de reconhecer-se no outro, de resgatar-se a si mesmo. Esse é o verdadeiro
empoderamento resultante da TCI, a liberação da crença de que alguém não é capaz de sair do
seu lugar de exclusão e que, pelo contrário, pode reinserir-se na comunidade humana a partir da
autoconsciência e desejo real de transformar-se.

A população mundial é numerosa, diversificada em termos de pontos de vista, mesmo dentro


dos grupos de origem comum. Assim, cabe dizer que para cada doença existe um remédio.
Nenhuma ferramenta terapêutica pode ser proclamada como a solução de todos os problemas,
sendo que cada uma traz sua parcela de contribuição, seus pontos fortes e fracos, bem como
potencial de ser ampliada, melhorada ou modificada, como tudo o que se propõe
cientificamente.

Nada é estanque, tudo se movimenta e se modifica. Da mesma forma que este universo emergiu,
um dia irá retornar à fonte. Portanto, cabe a cada estudante, terapeuta, filósofo ou cientista
ampliar as possibilidades da TCI, testá-las e expandi-las com vistas a real cura da sociedade
humana, que se dará no nível da consciência coletiva.

Finalizando com as palavras de Adalberto Barreto

“No dia em que todo conhecimento científico, toda prática política e toda profissão

de fé caminharem no sentido de ajudar as pessoas a acreditar nelas, em seus


recursos culturais, o mundo será diferente, porque ajudaremos o ser humano a sair
de toda forma de dependência e submissão, para atingir a liberdade e a autonomia
que nos tornam cidadãos do mundo. Somente assim, passaremos a exorcizar tudo
aquilo que impede a tomada de consciência das implicações humanas na gênese da
miséria e do sofrimento humano para, enfim, poder nascer o desejo de ser
solidário ao outro.”
- BARRETO, 2010, p. 31
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ʪ Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Site

Portal ABRATECOM – Associação Brasileira de Terapia


Comunitária Integrativa

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE

Vídeos

Princípios Básicos da Terapia Comunitária

Webpalestra - Princípios básicos da Terapia Comunitária


Bate Papo sobre Terapia Comunitária

Adalberto Barreto e Doralice Oliveira - Bate papo sobre Terapia Co…

Projeto 4 Varas

Projeto 4 Varas | Adalberto Barreto | TEDxFortaleza


Leitura

“Coração de Estudante”: A Terapia Comunitária Integrativa


no Contexto Universitário

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ACESSE
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ʪ Referências

AZEVEDO, E. B. et al. Pesquisas brasileiras sobre terapia comunitária integrativa. Rev. Bras. de
Pesq. Saúde, Vitória, v. 15, n. 3, p. 114-120, 2013. Disponível em:
<https://www.periodicos.ufes.br/rbps/article/download/6333/4667>. Acesso em: 15/12/2021.

BARRETO, A. P. Terapia comunitária: passo a passo. 4. ed. Fortaleza: Editora LCR, 2010.

HOVEL, G.; HELLINGER, B. Um lugar para os excluídos. 1. ed. Belo Horizonte: Editora Atman,
2006.

MOURÃO, L. F. et al. Terapia comunitária como novo recurso da prática do cuidado: revisão
integrativa. SANARE – Revista de Políticas Públicas, Sobral, CE, v. 15, n. 2, p. 129-135, 2016.
Disponível em: <https://sanare.emnuvens.com.br/sanare/article/view/1047>. Acesso em:
13/12/2021.

PALESTRA sobre a TCI - Terapia Comunitária Integrativa - Com Dr. Adalberto Barreto.
Adalberto Barreto. [S.l.]. 26/07/2018. 1 vídeo (72 min.). Publicado pelo canal Liga Solidária.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=poQ_aKaFCgU>. Acesso em: 03/12/2021.

PENNICK, N. Geometria sagrada: simbolismo e intenção nas estruturas religiosas. São Paulo:
Editora Pensamento, 1980.

PROJETO 4 varas. Adalberto Barreto. TEDxFortaleza. TEDx Talks. [S.l.]. 2016. 1 vídeo (18 min.).
Publicado pelo canal TEDx Talks. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?
v=C9d2SrRyyAc>. Acesso em: 15/12/2021.
RAMIREZ, D. C. Terapia comunitária. Santa Catarina: Telesaúde Santa Catarina Apresentações,
2013. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/175426/2013-
04-24%20Terapia%20comunit%C3%A1ria.pdf?sequence=4&isAllowed=y>. Acesso em:
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SILVA, T. Você é a média das cinco pessoas com quem passa mais tempo. Startupi, 15/02/2018.
Disponível em: <https://startupi.com.br/2018/02/voce-e-media-das-cinco-pessoas-com-
quem-passa-mais-tempo/>. Acesso em: 15/12/2021.

VIEIRA, J. A arte da guerra: e as dez táticas mais eficazes da antiguidade. Trabalho de Conclusão
de Curso (Graduação em História) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015.
Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/179254>. Acesso em:
15/12/2021.

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