Terapiacomunitaria I
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Terapiacomunitaria I
Objetivo da Unidade:
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Introdução
Famílias, grupos, comunidades, sociedades. Desde os primórdios os humanos tendem a viver
em grupos, seja para sua proteção, para comodidade, afinidade, sobrevivência ou por afeto.
Pessoas são gregárias, têm necessidade de pertencer, de se identificar. Por meio dos grupos dos
quais fazem parte, reconhecem a si mesmas.
“Você é a média das 5 pessoas com as quais mais convive”, disse Jim Rohn (1930 – 2009),
empreendedor, autor e palestrante motivacional norte-americano. Essa frase fez tanto sentido
que ainda é utilizada como pauta de análise em desenvolvimento pessoal e performance
profissional (SILVA, 2018).
Pensando desse modo, é provável que, conforme o tempo vá passando e a vida vá levando cada
pessoa para um caminho diverso – com novas experiências e preferências – os indivíduos vão
mudando de grupo, ainda que, por outro lado, outros permaneçam pertencendo aos mesmos
grupos durante uma vida toda, independentemente de seus motivos.
O fato é que viver em comunidade é natural ao ser humano, aliás, para a maioria das espécies
viventes deste planeta. Poucas são as criaturas que passam a existência em isolamento.
Esta realidade é tão óbvia que poucos são os que sobre ela refletem. A não reflexão acaba por
trazer alguns desafios: rejeitar os grupos originais com os quais não há mais afinidade,
envergonhar-se por pertencer a esse ou aquele grupo porque não é “descolado” ou “rico” o
suficiente, afiliar-se a grupos com ideologias controversas e prejudiciais por não se sentir
acolhido ou visto pelo grupo original. Enfim, em âmbito global, o resultado é essa sociedade
planetária do século XXI d.C., com pessoas desconectadas umas das outras e retomando o modo
de vida da pré-história – quando o objetivo era a sobrevivência de si e dos seus, mesmo que para
isso houvesse a necessidade de eliminar ou de não considerar os outros – sem condições
internas, conhecimento ou motivação para viver em paz e harmonia.
Por essa razão, iniciativas como estas propostas pela Terapia Comunitária Integrativa, ou TCI,
são relevantes para a busca de soluções para os muros que separam os seres humanos uns dos
outros.
A TCI propõe o retorno para o simples, o tradicional, o ancestral. Nossos antepassados, cujos
povos temos apenas poucas informações, reuniam-se em rodas (círculos) tanto para tratar de
assuntos sérios como para conversar, se divertir e compartilhar a vida.
Em um círculo todos têm igual importância e relevância, todos têm direito à fala, todos são
vistos. O círculo não exclui, porém, o respeito a quem veio antes ou a quem tem saberes e
experiências ampliadas – que podem enriquecer, ensinar e servir de exemplo – que nele está
presente.
O simbolismo do círculo é tão poderoso que ainda hoje, atravessando os séculos, repetimos a
história, mítica ou não, do Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda.
“Talvez o círculo tenha sido o símbolo mais antigo desenhado pela raça humana.
- PENNICK, 1980, p. 15
A TCI, enquanto instrumento de inclusão, possibilita trazer para a consciência das comunidades
que não é necessário a permanência na ilusão de que o “lugar” em que uma pessoa se encontra é
estanque e que não há solução para uma melhora de vida. Pelo contrário, promovendo encontros
circulares, a terapia suscita um olhar expandido para a própria condição de vida, para sua própria
história, seus valores, suas experiências, suas conquistas, de modo a incentivar os indivíduos a
saírem do lugar de vítimas e de excluídos e se tornarem agentes da sua transformação.
Por meio da força do coletivo, da energia que se manifesta nos círculos formados nas reuniões
da TCI, há a possibilidade de transformação de realidades, ampliação de visão de mundo e de si
mesmo. Cada pessoa que dela participa pode escolher não ser mais alguém que sofre sozinho
porque compreende que mais pessoas experimentam o desafio pelo qual está passando no
momento. Assim, tem-se a oportunidade de ver o desafio pelo que é realmente: apenas um
obstáculo a ser superado. A superação desses obstáculos pode se tornar realidade pela
comunhão dos membros participantes da comunidade ou grupo.
Portanto, ao longo desta Unidade, será possível conhecer o que é a Terapia Comunitária
Integrativa, quais são seus pilares, objetivos e metas. O que se dará de modo semelhante ao que
seu idealizador prefere, traçando um paralelo entre sua biografia e a trajetória de formação da
TCI.
- BARRETO, 2010, p. 38
Essa forma de terapia acontece em encontros de grupos de pessoas que terão a oportunidade de
comunicar suas questões internas, seus desafios e problemas e encontrar acolhimento, não
julgamento nem conselhos, apenas as ideias e o conforto que aclararão suas mentes para que se
percebam capazes de encontrar soluções, elas mesmas, para seus desafios de vida.
Vídeo
Palestra sobre a TCI - Terapia Comunitária Integrativa - Com Dr.
Adalberto Barreto
Esse traço da TCI se fortaleceu, segundo o autor BARRETO (2010), graças ao contraste
vivenciado durante sua trajetória de vida, pois de um lado, havia a fé: as raízes nordestinas, os
ricos traços culturais com os elementos que caracterizam sua origem, que incluem o impalpável,
o sutil, a presença do divino, manifestados de diversas formas; e de outro: o olhar racional da
biomedicina, que exigia de alguém que cursasse suas trilhas e nelas pretendesse permanecer,
segundo ele, o dever de abrir mão das crenças no invisível.
Para Adalberto, optar entre ciência ou religião não era possível, pois em seu íntimo não havia
sentido no argumento de que escolher um caminho necessariamente significasse abdicar do
outro. Por essa razão, empenhou-se em se especializar em áreas acadêmicas aparentemente
distintas, mas que em suas mãos funcionaram muito bem em conjunto: Medicina, Psiquiatria,
Teologia e Antropologia. “Eu não preciso matar o índio que vem dentro de mim para poder ser
um cientista. Eu vou trabalhar com a inclusão.” (BARRETO in LIGA SOLIDÁRIA, 2018)
“Embora esta proposta terapêutica esteja mais voltada para grupos que vivem em
- BARRETO, 2010, p. 39
Adalberto Barreto nasceu na cidade de Canindé – Ceará, Brasil, localizada no sertão nordestino
– destino de romeiros que até lá peregrinam para agradecer às bênçãos ou fazer seus pedidos a
São Francisco, o santo católico – em meio ao balaio cultural de sua periferia, testemunhando as
diversas formas de manifestação da fé do nordestino, bem como de suas lutas e desafios
diários.
O enfoque de suas preocupações era a integração. Como havia identificado que o radicalismo de
pontos de vista fixo, tanto da comunidade de curandeiros que via a biomedicina como inimiga,
quanto os profissionais da área médica, que taxavam os curadores populares como ignorantes,
estava prejudicando o contexto de comunidade e causando mais problemas do que trazendo
soluções, procurava uma forma de possibilitar a conversa entre esses dois “universos”
distintos. (BARRETO, 2010)
Ao iniciar-se como professor da faculdade de medicina, Adalberto Barreto pretendia propor uma
reflexão aos seus alunos a respeito da importância de levarem em conta as raízes culturais das
pessoas que, mais tarde, seriam seus pacientes. Assim, foi criada a disciplina Antropologia da
Saúde, ministrada na favela, que permitia aos estudantes conhecerem o contexto em que se dava
o surgimento da doença, possibilitando a tomada de consciência sobre suas raízes
multidimensionais.
Vídeo
Projeto 4 Varas
Nesse contexto, procurou abordar o quadro de doença sob uma nova perspectiva: não só focar
na doença, mas na pessoa adoecida, em seu contexto de origem, relacionamentos, moradia e
percepções de vida, agindo na direção do sanar da causa e na prevenção.
- BARRETO, 2010, p. 29
A Comunidade
O apelo principal da TCI é a fomentação da autoestima dos membros das comunidades para que
estas, como um todo, se fortaleçam.
Para tanto, nos encontros promovidos pela TCI, os indivíduos que comparecem são como um
recorte da comunidade da qual fazem parte. São estimulados a participar, contribuir, praticar
escuta ativa, acolher e serem acolhidos. Assim, cada elo da corrente é fundamental para o
funcionamento do todo. Se uma parte está fraca ou deixa de fazer parte, o todo se enfraquece ou
é prejudicado.
Ao mesmo tempo, a TCI pretende que os sofrimentos e as carências dos membros participantes
da roda sejam compartilhados para que os outros percebam que seu sofrimento não é exclusivo,
que outras pessoas o experimentam ou experimentaram. Por essa razão, ao compartilhar as
soluções ou pontos de vista, os outros membros do círculo contribuem com a superação do que
está sendo vivido pelo indivíduo que apresentou seu problema.
- BARRETO, 2010, p. 43
Os Objetivos
Os objetivos da Terapia Comunitária Integrativa, de acordo com BARRETO (2010), são os
seguintes:
A valorização de cada um dos indivíduos participantes das rodas de terapia que se dá
pela estimulação à fala (ou participação). Ao contribuir com suas experiências, ditas
“saberes” e seus pontos de vista, cada indivíduo tem a oportunidade de resgatar ou
reforçar sua autoestima – quando se sente bem em ser quem é – e autoconfiança –
ao compreender que o que ele é e sabe fazer são importantes no contexto sistêmico
no qual se está inserido;
Enxergar-se a partir dos olhos dos outros, momento em que o indivíduo pode
perceber suas potencialidades e entender-se como autor de sua vida e seu destino,
entendendo que é o agente transformador ou formador de sua felicidade;
- BARRETO, 2010, p. 42
Características Básicas
A TCI, segundo seu criador (BARRETO, 2010, p. 43), tem três características básicas que valem a
pena ser listadas e comentadas.
2 Incentivo à agregação social, por meio da qual o grupo se torna capaz de trazer
soluções para suas questões individuais e coletivas, sem ficar à mercê da
intervenção de terceiros;
Cada sessão de TCI segue cinco etapas: acolhimento, escolha do tema, contextualização,
problematização e encerramento (quando ocorre a conclusão e apreciação) (MOURÃO et al.,
2016), as quais serão tratadas em detalhes nas Unidades seguintes.
Pilares
A Terapia Comunitária Integrativa foi estabelecida sobre cinco pilares: Pensamento Sistêmico,
Teoria da Comunicação, Antropologia Cultural, Resiliência e Pedagogia Paulo Freire (RAMIREZ,
2013).
Por fim, a Pedagogia de Paulo Freire, que indica que o saber é uma via de mão dupla,
incentivando o terapeuta a colocar-se como facilitador do processo, pronto a guiar e aprender
ao mesmo tempo.
O Simbolismo da Teia
Simbolicamente, a estrutura da TCI pode ser comparada a uma teia de aranha, segundo
BARRETO (2010). Para o autor, a comunidade se mantém forte e coesa no momento em que
todos os indivíduos são vistos e incluídos. Qualquer parte excluída ou enfraquecida precisa ser
objeto de foco e atenção, já que a teia que se rompe já não consegue plenamente atingir seus
objetivos e pode facilmente ser desfeita.
Figura 3 – Teia de Aranha
Fonte: Pixabay
A inspiração para essa analogia com a teia de aranha foi a tradição dos índios Tremembé,
habitantes do nordeste brasileiro.
“Os índios Tremembé que habitam o Nordeste brasileiro dançam o torém, uma
O Terapeuta e a Diversidade
Como já foi mencionado, a Terapia Comunitária Integrativa é uma ferramenta terapêutica que
tem como objetivo dinamizar o compartilhamento de experiências e a criação de uma rede de
apoio por meio de encontros entre pessoas que pertencem a uma comunidade ou grupo
específico. Dessa forma, o terapeuta comunitário tem o papel de conduzir as reuniões,
incentivando as trocas de experiências entre os participantes para a composição e
fortalecimento de uma “teia”, um grupo de apoio.
A valorização da diversidade fortalece a horizontalidade, onde cada ser é único, perfeito da forma
que é e importante por natureza. A partir daí, quando cada um se reconhece intimamente,
quando tem restaurada a confiança em suas raízes, tem base para evoluir como ser humano,
saindo do lugar de apenas sobrevivente para o ponto em que pode dar real contribuição para seu
entorno. Cada um, nesse contexto é, ao mesmo tempo, cuidado e cuidador.
Os Excluídos
Ao se referir à comunidade, Adalberto Barreto explica que essa se trata de um grupo de pessoas
que possuem condições de vida similares no tocante às questões financeiras, sociais, culturais,
políticas, religiosas e espirituais, embora haja entre as pessoas modos particulares de vivenciar
cada uma dessas esferas (BARRETO, 2010).
O “ser diferente” em uma comunidade não é, em geral, incentivado. Segundo o modo atual de
vida, os comportamentos que fogem aos parâmetros de normalidade não são bem-vistos e
geralmente causam a exclusão.
Pessoas são excluídas de seus grupos por diversas razões, conforme mencionado em HOVEL
(2006): drogadição, alcoolismo, transtornos psiquiátricos, prática de crimes ou atos de
violência etc. O ato de excluir é o mais fácil e pensa-se que essa é a forma mais prática de se
solucionar qualquer problema. No entanto, excluir não cura a raiz do desafio, apenas remedia o
sintoma e ocasiona a repetição do problema até que a causa seja vista e sanada.
Esse patrimônio tem nome: História. Querer desprezar esse legado seria o pior e
mais terrível de nossos erros.”
VIEIRA (2015) diz, ainda, que o grande desafio da sociedade moderna é a manutenção da
convivência em harmonia, levando-se em conta a existência de inúmeras distinções e
peculiaridades de visão de mundo de indivíduo para indivíduo.
“Portanto quando esta teia social for rompida é porque algum de seus entes
institucionais talvez não esteja cumprindo efetivamente o seu papel. Tal situação
pode ocorrer pelos mais variados motivos: despreparo de seus líderes, objetivos
alheios aos institucionais ou, o mais comum dos motivos, a predominância de
alguma das inúmeras fraquezas humanas.”
- VIEIRA, 2015
Em Síntese
A TCI nasceu do desejo de BARRETO (2010) de se tornar o salvador de sua comunidade de
origem, a exemplo de São Francisco, o santo padroeiro de Canindé, sua cidade natal, localizada
no Ceará – Brasil e da sua necessidade interna de congregar os saberes populares e tradicionais
de seu povo com os do novo grupo no qual se inseriu, o da comunidade científica e acadêmica.
Com o tempo, ampliando a experiência da TCI, agregou a ela o pensamento sistêmico, a partir do
qual se entende que não há um salvador ou curador externo. Cada pessoa é a própria expressão
do criador individualizado, apenas esquecida dessa verdade. Ao poder contar com a força e o
apoio do grupo, faz renascer a própria força interna que é a única capaz de salvar ou curar.
Do original pensamento de agregar a vítima da sociedade ou o excluído (marginalizado),
emergiu o resgate da alegria de pertencer, do orgulho de fazer parte de uma linhagem, uma raiz
cultural, de reconhecer-se no outro, de resgatar-se a si mesmo. Esse é o verdadeiro
empoderamento resultante da TCI, a liberação da crença de que alguém não é capaz de sair do
seu lugar de exclusão e que, pelo contrário, pode reinserir-se na comunidade humana a partir da
autoconsciência e desejo real de transformar-se.
Nada é estanque, tudo se movimenta e se modifica. Da mesma forma que este universo emergiu,
um dia irá retornar à fonte. Portanto, cabe a cada estudante, terapeuta, filósofo ou cientista
ampliar as possibilidades da TCI, testá-las e expandi-las com vistas a real cura da sociedade
humana, que se dará no nível da consciência coletiva.
“No dia em que todo conhecimento científico, toda prática política e toda profissão
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ʪ Referências
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Pesq. Saúde, Vitória, v. 15, n. 3, p. 114-120, 2013. Disponível em:
<https://www.periodicos.ufes.br/rbps/article/download/6333/4667>. Acesso em: 15/12/2021.
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Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/179254>. Acesso em:
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