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Eleições Na Ditadura Militar

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ELEIÇÕES NA DITADURA MILITAR – O PAPEL DOS TRIBUNAIS

ELEITORAIS NA SELEÇÃO DOS CANDIDATOS


Maria Celina Monteiro Gordilho –
Doutora em Direito, Estado e Constituição (Universidade de Brasília)

Palavras-chave: regime militar – direito eleitoral -

Introdução (metodologia e fontes)


As manipulações casuísticas nas leis eleitorais inserem-se no que Elio Gaspari denomina de
“processo coercitivo de desmobilização política”, que teve início em 1964, primeiro contra a
esquerda, depois contra a militância liberal, passando depois a ser contra algumas lideranças
conservadoras. Esse processo coercitivo, para o autor, chegou ao seu apogeu em 1970, logo
após o AI-5, que mutilou e desmoralizou a elite nacional ao proceder a expurgos, cassações de
mandatos e suspensões de direitos políticos de quem viesse a atentar contra a “Revolução”.1
Depois do AI-5 a atividade legiferante seguiu com maior intensidade, expandindo o controle da
sociedade pelo Estado, sobretudo por meio dos expurgos e das cassações. Mesmo assim,
importa lembrar que, desde o início do regime militar, há uma grande preocupação com pleitos
eleitorais, desde a suspensão das eleições para presidência e vice-presidência pelo AI-2. Castello
Branco já dizia que o problema das eleições só seria resolvido com as leis certas.2
As leis eleitorais, em maior ou menor grau, foram alicerce para a legitimidade do regime militar.
Por meio de manipulações casuísticas na legislação político-eleitoral, os militares conseguiram o
controle sobre quem poderia ser votado e como se poderia votar, controlando, dessa maneira,
quase que inteiramente o processo eleitoral e garantindo, para o partido de sustentação do
regime, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), a maioria das cadeiras em cada casa
congressual de cada ente federativo.
Quando tomaram o poder em 1964 e editaram o Ato Institucional que viria a ser o primeiro de
dezessete, os militares inauguraram a “institucionalidade autocrática do regime ditatorial, marcada
por um discurso legalista-autoritário.” O regime militar de 1964 foi marcado pela “manipulação do
sistema jurídico” pelo regime militar, com o intuito de conferir legitimidade e força de lei ao regime,
no que foi posteriormente denominado de legalidade autoritária.3
Foi por isso que o Congresso Nacional editou, ou, na ausência dele, a Presidência decretou, um
novo Código Eleitoral em 1965, uma Lei de Inelegibilidades em 1970, além de várias leis esparsas
sobre Direito Eleitoral. Uma nova Constituição foi promulgada em 1967, e uma Emenda
Constitucional, que lhe mudou praticamente todo o teor, outorgada em 1969. Além disso, os

1
GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 231-232.
2
BARBOSA, Leonardo Augusto de Andrade. The ballot under the bayonet: election law in the first years of
the Brazilian civil-military regime (1964-1967). Revista Direito GV. Rio de Janeiro, vol. 13, n. 1, jan-abr
2017, p. 165, em inglês no original.
3
CATTONI de OLIVEIRA, Marcelo Andrade; PATRUS, Rafael Dilly. Constituição e Poder Constituinte no
Brasil pós-1964: o processo de constitucionalização brasileiro entre “transição e ruptura”. in Quaderni
Fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno. Firenze: Giuffré Editore, n. 45, 2016, p. 176.
presidentes generais cassaram mandatos e suspenderam os direitos políticos de vários desafetos
políticos – sob a justificativa de sanar o sistema político, por meio de decretos com base nos Atos
Institucionais 1, 2 e 5, o que, na lógica do regime, conferia legitimidade jurídica às punições
“revolucionárias”.
Igualmente por meio de leis e emendas à Constituição, o regime militar preocupou-se em manter
as eleições de 1976 e 1978 controladas e sob suas rédeas, mas com aparência de livres e justas.
Em 1976, editou a Lei Falcão, que mudou as regras de propaganda eleitoral quanto ao tempo
disponível nos meios de comunicação em massa e à maneira como cada candidato poderia se
apresentar. Foi uma resposta ao sucesso do MDB nas eleições de 1974, quando a legenda
aproveitou o seu tempo no rádio e na televisão para se fazer ver e ouvir pelo povo e se aproximar
do eleitorado.
Em 1977, o regime baixou de forma autoritária as medidas eleitorais do Pacote de Abril, após
fomentar uma crise institucional e colocar o Congresso Nacional em recesso. O Pacote abrangia
emendas constitucionais, decretos-lei e inseriu novos artigos na Constituição e promoveu uma
grande reforma política, além de determinar que a Lei Falcão valesse para o pleito de 1978.
Podemos nos indagar “qual a importância das eleições realizadas em regimes autoritários?”, 4
sobretudo quando, chegando ao poder por meio da força, seria mais fácil aos militares continuar a
exercê-la, abolindo por vez eleições diretas e indicando pessoas de confiança dos militares para
todos os cargos. Qual o motivo de fazer eleições com tantas manipulações casuísticas na
legislação eleitoral? E por que manter a Justiça Eleitoral? Por que levar seus oponentes políticos
aos tribunais? Este era um caso de judicialização da repressão, ou esse conceito valia apenas em
casos na justiça militar?
Essas dúvidas são objeto da historiografia jurídica há algum tempo. Nesta proposta, pretendemos
focar na questão judicial. Sobre judicializar a repressão e manter tribunais em funcionamento,
Pereira afirma que isso foi possível pois o regime contou com tribunais que ele chamou de “dignos
de confiança”, ou seja, aqueles “cujos veredictos se harmonizam com a concepção de legalidade
adotada pelo regime, e que não irão contestar as bases do poder autoritário”.5
Esses tribunais “de confiança” foram formados ao longo do tempo, como o Supremo Tribunal
Federal, aumentado para 16 membros pelo AI-2, depois restabelecida a sua composição original
de 11 ministros pelo Ato Institucional nº 6, de 1º de fevereiro de 1969, após a aposentadoria
compulsória de 3 Ministros pelo AI-5. A composição do STF afetava diretamente a do Tribunal
Superior Eleitoral. Mas será mesmo que os tribunais eram “dignos de confiança”?
O próprio autor responde a essa indagação. Levar opositores políticos aos tribunais – no caso,
eleitorais – era um esforço de alcançar mais legitimidade utilizando a linguagem e os ritos
jurídicos, “embora à custa de algum grau de perda de controle sobre o desfecho desses
4
FERREIRA, Ana Sofia Matos. O sistema eleitoral no Estado Novo: o papel do Presidente da República na
estabilidade ou na ruptura do regime criado pela Constituição de 1933. In: História: Revista da FLUP.
Porto: IV série, v. 9, n. 2, 2019, p. 63.
5
PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e
na Argentina. Tradução: Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbres. São Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 284.
julgamentos”, por mais que os personagens do regime se envolvam em criar teses jurídicas
favoráveis ao regime.6
Pereira também reconhece que os regimes militares concedem algum grau de autonomia aos
tribunais, “e que esses tribunais, bem como o sistema de normas interpretado por eles, possam,
portanto, influenciar a atuação das forças de segurança, mesmo num governo autoritário”. 7 Isso
significa que os tribunais, mesmo com a composição mutilada ou totalmente indicada pelos
militares, podem decidir com alguma liberdade, e suas decisões acabam sendo seguidas pelos
outros poderes.
Desenvolvimento dos resultados
Conclusões preliminares
Lei Falcão e Pacote de Abril foram respostas normativas, inseridas na arquitetura legalista
autoritária brasileiro, à vitória “expressiva e inesperada” do MDB em 1974. 8 Nos primeiros
governos militares, a resposta do regime a essa vitória seria pela manutenção dos Poderes
Legislativo e Judiciário com expurgos e cassações, servindo como controle da narrativa, para não
se assumir como ditadura. Por sua vez, na segunda década do regime, sobretudo depois do AI-5,
a resposta veio por meio de reformas políticas e medidas institucionais casuísticas, que
garantissem o controle sobre as eleições de maneira autoritária, porém seguindo regras
constitucionais e institucionais – um paradoxo já percebido em outros estudos.9
Outro instrumento normativo integrou essa moldura institucional e igualmente ajudou na
formatação do desenho do Congresso Nacional ao longo da década de 1970: a LC-5, que veio
cumprir o seu papel de lei complementar, ou seja, fazer o artigo 151 da EC-1 ter plena eficácia.
Esse aparato legalista serviu como instrumento de legitimação do regime autoritário que vigorou
no Brasil após o golpe civil-militar de 1964 e perdurou por 21 anos. Serviu, também, como
respostas normativas a situações que fugiram do domínio dos militares, os quais deveriam
proceder a uma “correção de rumo” para manter o controle da sociedade e das eleições.
Quanto às eleições, foram usadas para convalidar o regime através de institutos típicos da
democracia liberal, embora não fossem os únicos. Não à toa, uma das primeiras medidas dos
militares, por meio do AI-1, foi determinar as eleições indiretas para a Presidência e Vice-
Presidência da República. A “Revolução” de 1964 foi supostamente feita para “preservar a
democracia” dos ataques subversivos. Dessa forma, o novo governo estava comprometido em
manter as aparências de uma democracia representativa.10
6
PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e
na Argentina. Tradução: Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbres. São Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 38.
7
PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e
na Argentina. Tradução: Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbres. São Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 290.
8
KOERNER, Andrei. Um Supremo coadjuvante: A reforma judiciária da distensão ao Pacote de Abril de
1977. In: Novos estudos CEBRAP, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 81–97, jan. 2018, p. 87.
9
CÂMARA, Heloísa Fernandes. STF na ditadura militar brasileira: um tribunal adaptável? 2017. Tese
(Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, p. 50 e ss.
10
FLEISCHER, David. Manipulações casuísticas do sistema eleitoral durante o período militar, ou como
usualmente o feitiço se voltava contra o feiticeiro. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon; D’Araújo, Maria Celina
(orgs.). 21 anos de regime militar: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio
Vargas, 1994, p. 164.
O Poder Judiciário contribuiu para a legitimação de regimes autoritários, conferindo-lhes um
“verniz de legitimidade legal”11. Para isso acontecer de fato, as instituições do Poder Judiciário
precisaram possuir algum grau de autonomia, certa liberdade para decidir, o que fez com que o
regime autoritário sofresse algumas derrotas. Para os militares era melhor sofrer algumas derrotas
do que suspender a atividade jurisdicional no país, para fins de legitimidade.
Referências
BARBOSA, Leonardo Augusto de Andrade. The ballot under the bayonet: election law in the first
years of the Brazilian civil-military regime (1964-1967). Revista Direito GV. Rio de Janeiro, vol.
13, n. 1, jan-abr 2017, p. 145-170.
CATTONI de OLIVEIRA, Marcelo Andrade; PATRUS, Rafael Dilly. Constituição e Poder Constituinte no Brasil
pós-1964: o processo de constitucionalização brasileiro entre “transição e ruptura”. in Quaderni Fiorentini
per la storia del pensiero giuridico moderno. Firenze: Giuffré Editore, n. 45, 2016.
CÂMARA, Heloísa Fernandes. STF na ditadura militar brasileira: um tribunal adaptável? 2017.
Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
CODATO, Adriano Nervo. Uma história política da transição brasileira: da ditadura militar à
democracia. In: Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 25, nov. 2005, p. 83-106.
FICO, Carlos. Moldura institucional e projetos de institucionalização do regime militar brasileiro
(1964-1978). In: História, histórias, Brasília, v. 9, n. 17, jan./jun. 2021, p. 8-57.
FLEISCHER, David. Manipulações casuísticas do sistema eleitoral durante o período militar, ou
como usualmente o feitiço se voltava contra o feiticeiro. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon; D’Araújo,
Maria Celina (orgs.). 21 anos de regime militar: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora
da Fundação Getúlio Vargas, 1994, p. 154-197.
GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
GASPARI, Elio. A ditadura encurralada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
KOERNER, Andrei. Um Supremo coadjuvante: A reforma judiciária da distensão ao Pacote de
Abril de 1977. In: Novos estudos CEBRAP, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 81–97, jan. 2018, p. 81-97.
MADEIRA, Rafael Machado. Dinâmica eleitoral e partidária em um contexto ditatorial: a relação
entre elites políticas e o regime (1965-1979). In: Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 47, n.
2, jul./dez. 2016, p. 125-163.
PAIXÃO, Cristiano. Autonomia, democracia e poder constituinte: disputas conceituais na
experiência constitucional brasileira (1964-2014). In: Quaderni Fiorentini per la storia del
pensiero giuridico moderno. Firenze: Giuffré Editore, n. 43, 2014, p. 415-458.
PAIXÃO, Cristiano. Entre regra e exceção: normas constitucionais e atos institucionais na ditadura
militar brasileira (1964-1985). In: História do Direito: RHD. Curitiba, v. 1, n. 1, jul-dez de 2020, p.
277-241.
PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no
Chile e na Argentina. Tradução Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbres. São Paulo: Paz e Terra,
2010.

11
A expressão é de BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz; FRANCISCO, Guilherme Ozório Santander;
HORSTH; Henrique Severgnini. A erosão constitucional vista sob um enfoque judicial – como salvar a
democracia em face dos tribunais em estados autoritários. In: CRUZ, Álvaro; CABRAL, Ana Luiza Novais;
HORSTH; Henrique Severgnini; CHUEIRI, Vera Karam de (orgs.). Erosão constitucional. Belo Horizonte:
Arraes Editores, 2022, p. 73.

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