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As Raizes Do Neoliberalismo Copy-Páginas

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AS RAÍZES DO NEOLIBERALISMO

Ronalda Barreto Silva


Professora da Universidade do Estado da Bahia

RESUMO

O texto discute alguns princípios do neoliberalismo, sobretudo aqueles contidos


nas idéias de Milton Friedman, necessários para o entendimento da modificação
e/ou redução da intervenção do Estado nas políticas sociais e educacionais.
Palavras-chave: neoliberalismo – Milton Friedman – privatização – política
educacional

ABSTRACT

THE ROOTS OF NEOLIBERALISM


This text considers the principles of neoliberalism, especially those proposed by
Milton Friedman, necessary to understand the changes and/or shortening of
state intervention in social and educational politics.
Key words: neoliberalism – Milton Friedman – privatization – educational politics

As atuais transformações sociais, políticas e Na opinião de Chesnais (1997), estamos diante


econômicas provocam preocupações, tensões e in- de um novo funcionamento sistêmico do capital
seguranças que atingem os Estados nacionais, as mundial ou, em outros termos, de uma nova moda-
instituições e milhões de pessoas incluídas ou ex- lidade do regime de acumulação, “um regime
cluídas, frente ao processo de globalização da eco- mundializado sob a égide financeira”, consolidado
nomia que se verifica no mundo contemporâneo. a partir de políticas de liberalização e de
Gerando uma alta concentração da riqueza e o con- desregulamentação. O capital financeiro, dominante
seqüente agravamento das desigualdades sociais, nesse regime de acumulação, vive de retiradas so-
a globalização vem produzindo um setor de excluí- bre a riqueza criada na produção, transferidas por
dos não mais incluíveis e, nas análises mais catas- meio de circuitos diretos (dividendos sobre o lucro
tróficas, chegando ao extremo de serem conside- de empresas) e indiretos (juros de obrigações pú-
rados como extermináveis. blica e empréstimos aos Estados, que, por sua vez,
Segundo Ianni (1996), as graves desigualdades representam retiradas sobre a renda primária que
sociais, econômicas, políticas e culturais que se circula no sistema de impostos). Foi esse processo
desenvolvem e o clima mental criado com o indivi- de retirada que modificou a relação de força entre
dualismo, que se implanta, generaliza e legitima com o capital industrial e o capital financeiro.
o neoliberalismo, resultam em manifestações políti- Explica o autor que a economia mundial registra
cas de intolerância, autoritarismo, neo-fascismo e baixas taxas de crescimento, devido à queda das
neo-nazismo. taxas de investimentos, a qual, por sua vez, provém

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da adaptação da oferta a uma demanda efetiva que dos governos dos países dominantes do sistema
sofreu um enfraquecimento contínuo de dois dos capitalista mundial. Alguns dos seus ideais mais
seus componentes – o consumo dos assalariados e específicos ou mais gerais se expressam em metá-
as despesas públicas – e uma dominação de estra- foras como “Nova Ordem Econômica Mundial”,
tégias empresariais em que as reestruturações pre- “mundo sem fronteiras”, “aldeia global”, “fim da
valecem sobre a criação de novas capacidades. geografia”, “fim da história” e outras. Os princi-
Em relação a quem ganha e a quem perde com pais guardiões dos seus ideais e práticas, em todas
a globalização, o autor afirma que os ricos estão as partes do mundo, têm sido o FMI, o Banco Mun-
ficando cada vez mais ricos, e os pobres cada vez dial, o BIRD, a OMC. O texto abaixo sintetiza o
mais pobres, não só no interior das nações, mas, seu pensamento:
também, no nível externo. No plano internacional, “Há um processo transnacional de formação
o favorecimento dos mais ricos e poderosos amea- de consenso entre os guardiães oficiais da
ça colocar em risco a autonomia dos Estados, já economia global. Este processo gera diretri-
que os grandes grupos industriais querem total li- zes consensuais, escoradas por uma ideolo-
berdade de ação, sem qualquer entrave, mesmo gia da globalização, que são transmitidas aos
aqueles oriundos de disposições jurídicas e consti- canais de formulação de políticas de gover-
tucionais. Esse é o objetivo do Acordo Multilateral nos nacionais e grandes corporações. Parte
sobre o Investimento, em fase de elaboração, cuja deste processo de formação de consenso de-
noção de “liberdade de comércio” deve prevalecer senvolve-se em foros não-oficiais, como a
sobre qualquer outro princípio.1 Comissão Trilateral, as conferências de
Conclui o autor: “Em nome da panacéia do Bildeberg ou a mais exotérica Sociedade
mercado, dar-se-á um golpe de estado legal e Mont Pélerin. Parte dele caminha através de
em escala mundial, para maior benefício dos organismos oficiais como a Organização para
mais ricos e poderosos.” (Chesnais, 1997:1) a Cooperação Econômica e o Desenvolvi-
É extremamente necessário atentarmos para os mento (OECD), o Banco Internacional de
interesses ideológicos que se ocultam por trás da Pagamentos, o Fundo Monetário Internaci-
apologia da globalização, como ressalta Touraine onal (FMI) e o Grupo dos 7 (G7). Eles dão
(1996), a qual tenta nos convencer do nosso ingresso forma ao discurso no qual as políticas são
na sociedade global e da irrefreável tendência do definidas, assim como os termos e os concei-
planeta em tornar-se uma imensa zona de livre co- tos que circunscrevem o que pode ser pensa-
mércio. do e feito. Também articulam as redes
Segundo Singer (1997), os governos desistiram transnacionais que vinculam formuladores de
de controlar o capital nacional e encaminhá-lo para políticas de país a país. O impacto estrutural
o investimento dentro das próprias fronteiras naci- desta centralização de influências nas polí-
onais. Trilhões de dólares vagueiam pelo espaço ticas de governos nacionais pode ser deno-
eletrônico, entre diferentes países, trazendo bonan- minado de internacionalização do estado. A
ça ou, quando saem, deixando crises e escombros sua influência mais comum é converter o es-
dos planos econômicos de estabilização. O capital tado em uma agência para o ajustamento das
é liberado à globalização com a desregulamentação práticas e políticas da economia nacional às
do mercado financeiro, em decorrência da exigências estabelecidas pela economia glo-
implementação das políticas neoliberais. bal. O estado torna-se uma correia de trans-
Na opinião de Ianni (1996), o neoliberalismo ar- missão da economia global à economia na-
ticula, prática e ideologicamente, os interesses de cional, a despeito de ter sido formado para
grupos, classes e blocos de poder, organizados em atuar como bastião da defesa do bem-estar
âmbito mundial, através de estruturas mundiais de doméstico em face dos distúrbios de origem
poder: corporações transnacionais e organizações externa. Dentro do estado, o poder se con-
multilaterais que contam com a colaboração ativa centra nas agências mais diretamente liga-

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das à economia global: escritórios do presi- O sistema de pensamento neoliberal foi gestado
dente, do primeiro ministro, do ministro da durante a Segunda Grande Guerra, quando houve
fazenda e do diretor do Banco Central. As uma ascensão do Estado de Bem-Estar Social. Foi
agências mais diretamente identificadas com a sendo largamente difundido com a crise do “socia-
clientela doméstica, tais como os ministérios da lismo real”, fundamentando-se na crítica à econo-
indústria, do trabalho e outros são subordinadas.” mia planejada, especialmente àquele modelo de
(Cox, apud Ianni, 1996:8-9) Estado. Atacou suas raízes, favorecido pela decre-
Mészaros (1997) caracteriza o neoliberalismo tação da “morte do marxismo” e justificado pela
como uma mitologia, criada pela direita radical, que necessidade de legitimação da Nova Ordem Mun-
apresenta o mercado como um mecanismo racio- dial em bases capitalistas do livre mercado.
nal e objetivo, baseado nos princípios de liberdade O neoliberalismo é considerado uma nova fase
e igualdade econômica, tanto entre compradores e do liberalismo, que tenta recuperar elementos da
vendedores como entre proprietários e trabalhado- sua fase clássica, baseando-se, sobretudo, na
res, em que todos tendem a beneficiar-se do inter- teorização de Adam Smith sobre a “mão invisível
câmbio, da troca e da competitividade. Na sua opi- do mercado”. No pensamento de Bobbio (1988), o
nião, diz que somos individualistas quando, na reali- neoliberalismo é entendido como uma doutrina eco-
dade, as pessoas que se dizem portadoras de um nômica conseqüente, da qual o liberalismo político
pensamento individual apenas traduzem a força do é apenas um modo de realização, nem sempre ne-
capital como relação social no seu conjunto. A su- cessário, ou seja, caracteriza-se por uma defesa
perioridade do “harmonioso mecanismo baseado em intransigente da liberdade econômica, da qual a li-
relações de igualdade” (o mercado) em relação ao berdade política é apenas um corolário.
planejamento, explicaria a persistência do capita- Por seu turno, atento aos riscos e imprecisões
lismo e a falência do comunismo. que conduzem a utilização dessa expressão, afir-
O receituário neoliberal se apresenta como úni- ma Therborn (1995:139-40):
ca solução possível para o enfrentamento das ques- “O termo ‘neoliberalismo’ tem um significa-
tões que se colocam na atualidade, com a crise do do específico no que concerne a um con-
Estado de Bem-Estar ou crise fiscal e os proble- junto particular de receitas econômicas e
mas daí decorrentes. Muitas análises sociais e eco- programas políticos que começaram a ser
nômicas aceitam a afirmação de crise do modelo propostos nos anos 70. Essas receitas têm
Keynesiano do Estado de Bem-Estar social, outras como fonte de inspiração principal as obras
contestam o seu declínio, assim como muitas com- de Milton Friedman. Essas idéias, por sua
batem a perspectiva da solução única. Paralelamen- vez, remontam a HAYEK e à chamada “tra-
te e de forma imbricada nesse discurso, afirma-se dição austríaca”. Por seu lado, e concomi-
que entramos na era da pós-modernidade, na qual tantemente, ocorre no mundo uma mudança
entraram em crise, também, os paradigmas das ci- histórica nas relações institucionais entre o
ências humanas e sociais, herdados do racionalismo Mercado e o Estado e entre as empresas e
da modernidade. os mercados. Essa mudança não é fruto de
Nesse contexto de significativas mudanças no qualquer “projeto neoliberal”. Não se re-
interior das sociedades e nas relações entre essas, duz a mero produto político, tampouco é o
seus efeitos se manifestam nitidamente em muitos efeito de uma determinada ideologia eco-
setores, a exemplo do setor intelectual. Como afir- nômica. Trata-se de uma mudança que tem
ma Draibe (1993), teses e inflexões guardam certo por trás a força de uma configuração bem
paralelismo com o movimento real das economias complexa.”
e sociedades contemporâneas. Necessário se faz, Para Singer (1997), ele é o velho liberalismo for-
então, após essa rápida digressão acerca da mulado pelos clássicos da Economia Política, com
globalização, aprofundarmos uma pouco mais o Adam Smith e Ricardo, enfraquecido depois dos
tema do neoliberalismo. anos 30. Os escritos de Friedman só tiveram su-

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cesso na década de 70, em decorrência da crise Para esse teórico liberal, o mérito de Hayek está
fiscal ou crise política do Estado Keynesiano e do em proclamar que, entre os economistas ociden-
Estado de Bem-Estar e das transformações cau- tais, imperavam doutrinas marcadas por um
sadas pela Terceira Revolução Industrial, entre elas dirigismo que, a médio ou longo prazo, conduziriam
o declínio do movimento operário (vanguarda das a uma ordem socialista “semelhante” à que propu-
transformações políticas que levaram ao Estado de nham os nazistas, fascistas e comunistas.
Bem-Estar) e o declínio dos partidos políticos de Anderson (1995) considera que o alvo imediato
esquerda. Entretanto, Vianna (1997) entende que de Hayek era o Partido Trabalhista inglês, às vés-
essa variável explicativa para a crise do Welfare peras da eleição geral de 1945, mas, sem dúvida, o
State implica uma tendência irreversível ao seu seu grande alvo era o socialismo. Hayek utiliza-se
desmonte, e não há evidências convincentes de que do nazismo como via para atacar o socialismo, de-
qualquer desmonte tenha ocorrido em países do vido ao contexto de aliança dos ingleses com os
Ocidente desenvolvido, onde se localizam os reais russos na Guerra, o que admite claramente mais
Welfare States. tarde: “Essa data também explica porque julguei
Na ótica de Draibe (1993), não há um corpo que, para ser ouvido, deveria restringir um tan-
teórico neoliberal específico, capaz de distingui-lo to meus comentários sobre o regime de nossos
de outras correntes do pensamento político. Consi- aliados russos, exemplificando sobretudo com
dera que as “teorizações” que os neoliberais ma- o que se passava na Alemanha..” (Hayek,
nejam são, geralmente, emprestadas do pensamento 1977:XVIII) 3
liberal ou de conservadores e quase se reduzem à A vitória do Partido Trabalhista e a ampliação
afirmação genérica da liberdade e da primazia do de medidas de intervenção do Estado na sociedade
Mercado sobre o Estado, do individual sobre o co- inglesa, como ocorreu, significavam para o autor,
letivo. na nossa visão, o fortalecimento das idéias socialis-
A pedra fundamental do neoliberalismo é a obra tas e keynesianas e, portanto, mais uma ameaça ao
de Friedrich von Hayek, O Caminho da Servidão, ideário liberal, em franco declínio.
escrita na Inglaterra, no ano de 1944, com o objeti- No século XIX, já havia uma tendência dos libe-
vo de atacar as restrições que o Estado rais a aceitar uma certa dose de intervenção do
intervencionista impunha à economia, as quais, na Estado, a fim de amenizar as desigualdades sociais
sua opinião, seriam o caminho que levaria os indiví- que se verificavam. O século XX, então, testemu-
duos à servidão, em decorrência da perda da liber- nha, nos países ocidentais, a convivência do capita-
dade individual e do estatismo exacerbado, como lismo com a ampliação do setor público, que se so-
resume Lindenberg (in: Hayek, 1990:XII) 2: lidificou cada vez mais, com a ampla aceitação dos
“Hayek demonstra de maneira irrefutável ideais de John Maynard Keynes. Em síntese,
que não só o fascismo, o nazismo e o comu- Keynes concebeu, em lugar da total liberdade do
nismo, mas também os ideais econômicos mercado, a intervenção do Estado na regulação da
dominantes nos EUA, na Inglaterra e no res- economia, pela atuação em setores estratégicos e
to da Europa, eram todos marcados por um não interessantes para a iniciativa privada e no ofe-
dirigismo de inspiração nitidamente socia- recimento de determinados serviços (sociais). As
lista. Por essa mesma razão, constituíam um tarefas e funções do Estado foram, portanto, am-
“caminho para a servidão”, pois a prazo mais pliadas e redefinidas.
ou menos longo, levariam inevitavelmente a No pós-Segunda Grande Guerra, o
um estatismo arrasador, dentro do qual a keynesianismo foi importante, por permitir o cres-
pessoa humana acabaria reduzida a uma sim- cimento da economia de diversos países ociden-
ples peça anônima e abúlica, comandada até tais, causando uma nova rearticulação do capital
em sua vida mais íntima pelas disposições do em nível internacional. O seu significado, como uma
poder público.” nova fase do liberalismo, ou uma via para expan-

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são do socialismo, segundo Hayek, é ambíguo. No No ano de 1962, escreveu uma de suas princi-
contexto da “guerra-fria”, há a possibilidade de que pais obras, Capitalismo e Liberdade, na qual de-
a adoção dessas políticas tenha tido, realmente, o senvolveu seu arcabouço teórico, ganhando o Prê-
objetivo, entre outros, de impedir o avanço do soci- mio Nobel de Economia em 1976. No ano de 1979,
alismo, frente ao temor traduzido na expressão “po- escreveu, em parceria com sua esposa, Rose
vos famintos têm mais propensão em absorver as Friedman, outra importante obra, Liberdade de
ideologias socialistas”. O pensador político Norberto Escolher, resultante de uma série escrita para a
Bobbio aborda a questão da seguinte forma: TV e que tem como objetivo concretizar as idéias
“A democracia social pretende ser, com res- contidas na obra anterior.
peito à democracia liberal, uma fase ulteri- Defensor da tese da superioridade do mercado
or, na medida em que inscreveu na própria em relação ao Estado, na regulamentação da soci-
declaração dos direitos sociais, além dos di- edade, esse autor considera que a história dos Es-
reitos de liberdade; pretende ser, ao contrá- tados Unidos pode ser definida como a crônica de
rio, com respeito à democracia socialista, um milagre econômico e político, somente possível
apenas uma primeira fase. Tal ambigüidade a partir das idéias contidas na Declaração de Inde-
se revela na dupla crítica que a democracia pendência desse país, redigida por Thomas
social recebe, ora da direita, por parte do Jefferson, adepto do liberalismo, e na obra A Ri-
liberalismo intransigente, que nela entrevê queza das Nações, escrita por Adam Smith, ambas
uma diminuição das liberdades individuais; de 1776.
ora da esquerda, por parte dos socialistas Entretanto, em relação à história dos Estados
impacientes, que a condenam como solução Unidos, o autor assinala como um marco importan-
de compromisso entre o velho e o novo que, te o ano de 1932, o qual, na sua opinião, constitui
mais do que favorecer a realização do soci- um divisor de águas político, marcado pela eleição
alismo, a obstaculiza e a torna até mesmo do Presidente Roosevelt e pela posterior aplicação
impossível.” (Bobbio, 1988:84) dos princípios contidos no New Deal, com o objeti-
Durante esse período, que vai do pós-Guerra vo de alcançar o “pleno emprego”. Trata-se de mais
até a década de 70, o pensamento neoliberal se uma tentativa de amenizar as desigualdades soci-
movimentou na “surdina”. Mesmo sem campo fér- ais, significando uma grande mudança nas idéias
til para disseminar suas idéias, Hayek e outros, como dos intelectuais e, principalmente, do público sobre
Friedman, reuniam-se periodicamente na “Socie- o papel do governo.
dade de Mont Pélerin”, com o propósito de comba- Houve, a partir de então, uma progressiva inter-
ter o keynesianismo e o socialismo. Uma nova cri- venção do Estado na economia, reforçada pela in-
se do capitalismo, na década de 70, no entanto, que terpretação, que o autor considera errônea, da cri-
registrou baixas taxas de crescimento econômico se econômica de 1929 como crise do capitalismo e
com altas taxas de inflação, deu vazão às idéias fracasso da empresa privada, quando houve falha
dos teóricos da “Sociedade de Mont Pélerin”, so- do Estado ao intervir num setor que já era da sua
bretudo de Hayek e Friedman. responsabilidade (O Sistema da Reserva Federal)
Contemporâneo nosso, Milton Friedman é o e pela Segunda Guerra Mundial, a qual ocasionou
principal teórico da Escola Monetarista e membro um controle, sem precedentes, do governo sobre
da Escola de Chicago. Sua importância na divulga- numerosos detalhes da vida econômica.
ção das idéias neoliberais se revela não apenas no O Pós-Guerra é, então, marcado pela transfor-
campo teórico, mas, sobretudo, na implementação mação em lei das políticas keynesianas e a conse-
das políticas decorrentes desse ideário em diversos qüente expansão do Estado na forma de progra-
países ocidentais. Foi assessor do Governo Pinochet, mas de bem-estar e atividades regulamentadoras
na primeira experiência neoliberal do Chile, e do Pre- do mercado, os quais vão ser ainda mais ampliados
sidente Ronald Reagan, nos Estados Unidos, um dos na declaração de “Guerra à Pobreza” do Presiden-
grandes representantes políticos dessa corrente. te Lyndon Johnson, em 1964. Na década de 70,

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então, os neoliberais reforçam a crítica ao Estado Como um dos princípios da Revolução Francesa, a
de Bem-Estar e propõem a redução da interven- igualdade era entendida da seguinte forma:
ção do Estado na economia, a qual, pretendem, “(...) nenhum obstáculo deve impedir pesso-
deverá ser regida pela livre concorrência do mer- as de chegarem às posições para as quais as
cado, ou seja, pela sua “mão invisível”. capacitem seus talentos e que seus valores
A “mão invisível do mercado” é entendida como levam-nas a buscar. Nem nascimento, nem na-
uma estrutura complexa e sofisticada, que surge cionalidade, nem cor, nem religião, nem sexo,
como conseqüência não intencional da cooperação nem qualquer outra característica irrelevante
de grande número de indivíduos, enquanto cada um deve configurar as oportunidades abertas à
cuida dos seus próprios interesses. Com base no pessoa - apenas a sua capacidade.”
pensamento de Adam Smith, o autor define o papel (Friedman, 1980:137-8)
do governo numa sociedade livre que seria servir A igualdade de resultados chocar-se-ia, então,
de meio ou instrumento para prover: (1) segurança com a liberdade, porque, para que todos pudessem
externa; (2) administração da justiça; (3) constru- ter o mesmo nível de vida ou renda, seria necessá-
ção e manutenção de certas obras e instituições rio promover “quinhões eqüitativos para todos”,
públicas não interessantes para o setor privado; (4) através da ampliação da intervenção do Estado na
proteção a membros que não podem ser conside- sociedade e das restrições por ele impostas ao
rados como “responsáveis”. mercado e à liberdade. Segundo o autor, esse con-
Friedman aponta, nas funções definidas por ceito ganhou terreno, no século XX, com a noção
Smith, o problema de proclamar a finalidade de uma de “eqüidade”, uma noção, se não impossível, pelo
instituição pública e de descrever as finalidades a menos, difícil de ser definida precisamente.
que a instituição realmente serve. Acrescenta às Argumenta que as medidas governamentais que
demais, as funções de preservar a liberdade, as leis objetivam prover quinhões eqüitativos para todos
e a ordem, reforçar os contratos privados e promo- reduzem a liberdade pessoal, ao contrário de medi-
ver mercados competitivos, assinalando a dificul- das que busquem promover a igualdade de oportu-
dade em construir e preservar uma sociedade livre, nidades. Questiona, também, quem decidirá o que
porquanto o Governo necessário à preservação da é eqüitativo, respondendo que alguém, ou algum
liberdade se constitui também numa ameaça. Afir- grupo, tem de decidir o que são quinhões eqüitati-
ma que é preciso “descobrir o modo de assegu- vos. Esse alguém, ou grupo, necessita impor suas
rar que os poderes coercitivos concedidos ao decisões aos demais, tirando daqueles que têm mais
governo para preservar a liberdade sejam limi- do que sua parcela eqüitativa, para dar àqueles que
tados a essa função, impedindo-se que se con- têm menos. Continua indagando se os que tomam
vertam em ameaça” (Friedman, 1980:43). e impõem essas decisões são iguais àqueles que
A questão da liberdade é um argumento de ex- decidem, e que incentivos haverá para trabalhar e
trema importância no discurso neoliberal e um dos produzir, nessa situação. Assinala, então, que a
que possuem mais aceitação. O autor indaga se maneira de resolver o conflito fundamental entre o
podem ser realizados, na prática, os ideais que ex- ideal de “quinhões eqüitativos” e o ideal de liberda-
pressam a “liberdade” e a “igualdade”, se são com- de pessoal tem sido, invariavelmente, um Estado
patíveis entre si, ou estarão em conflito. em que predomina o terror e que, mesmo assim,
Para responder a essas questões, o autor classi- não conseguiu igualar os resultados. Também, em
fica a igualdade em dois tipos: a igualdade de opor- menor escala, nos países ocidentais, a liberdade in-
tunidade, compatível com a liberdade, e a igual- dividual foi limitada, e os objetivos de eqüidade não
dade de resultados, que se choca com a liberda- foram atingidos.
de. A igualdade de oportunidade seria aquela de- Um outro argumento, contrário à intervenção
fendida pelo liberalismo, a fim de que os indivíduos do Estado na sociedade e favorável a uma socie-
tivessem todos a mesma oportunidade de atingir seus dade onde impere a livre concorrência de merca-
objetivos, de acordo com cada talento individual. do, é o de que não há incompatibilidade entre um

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sistema de livre mercado e a perseguição de am- Vale aqui o lembrete de Draibe (1993) de que
plas metas sociais e culturais. Afirmar que esse sis- as políticas e os programas do Estado de Bem-Es-
tema agrava as desigualdades e que, nele, o rico tar vieram corrigir situações de desigualdade, po-
explora o pobre é um mito, diz Friedman. breza e perda de renda, geradas pela economia de
“Em todos os casos em que se permitiu que mercado, nas suas “naturais” oscilações e crises.
funcionasse o mercado livre, em todos os ca- Em relação às políticas igualitárias, Friedman
sos em que existiu algo parecido com a igual- aponta suas conseqüências na Grã-Bretanha, assi-
dade de oportunidades, o zé-povinho 4 con- nalando que, nos Estados Unidos, essas ocorreram
seguiu atingir níveis de vida jamais sonha- de forma semelhante, porém em menor escala, de-
dos. Em parte alguma é a brecha entre rico e vido ao fato de que, nesse último país, elas não fo-
pobre mais profunda, em parte alguma os ri- ram adotadas tão amplamente. Entre essas conse-
cos são mais ricos e os pobres mais pobres, qüências, Friedman (1980:148-150) destaca:
do que nas sociedades que proíbem a opera- • o surgimento de novas classes de privilegiados,
ção do mercado livre. (Friedman, 1980:150)” entre eles os burocratas, os sindicalistas e os
Segundo Kurz (1993), a partir do momento que aristocratas do movimento trabalhista;
a mais-valia se impôs como produção abstrata e • a reorganização da renda, sem eqüidade;
que a troca no mercado passou a servir para reali- • o fracasso da campanha pela igualdade, por
zação do lucro, todo processo vital social e indivi- contrariar um dos institutos mais profundos do
dual foi submetido à banalidade do dinheiro, trans- ser humano: “o esforço uniforme, constante e
formando as necessidades sensíveis do homem tra- ininterrupto de cada homem para melhorar a
balhador em algo secundário, num processo de ca- sua situação” (Smith);
ráter monstruoso, que se manifesta em escala cres- • o crescimento da criminalidade em geral, pois
cente na modernidade, através do moderno siste- um código moral que obriga a pessoa a renun-
ma produtor de mercadorias, com seu princípio do ciar à grande parte do que produz, para financi-
trabalho abstrato, com finalidade em si mesmo. ar auxílios a outros, contraria o que a maioria
É interessante ressaltar que, para os neoliberais, considera moral e justo;
assim como para a tradição liberal clássica, as de- • a expulsão do país de alguns dos seus cidadãos
sigualdades sociais resultam dos reveses da sorte: mais capazes, mais bem treinados e mais enér-
os indivíduos, assim como herdam bens materiais, gicos, em benefício dos Estados Unidos e de
herdam também capacidade e talento. Depende da outros países que lhes deram maior oportunida-
sorte de cada um. de de utilizar seus talentos em benefício pró-
“Grande parte do fervor moral por trás da prio;
campanha pela igualdade de resultados vem • o atraso do crescimento econômico, em função
da crença geral de que não é justo que algu- da queda da eficiência e produtividade.
mas crianças tenham maiores vantagens do As críticas expostas têm como fundamento o
que outras apenas porque e, por acaso, nas- entendimento de que a liberdade econômica é um
ceram de pais ricos. Claro, não é justo. Con- requisito essencial da liberdade política; de que a
tudo, a iniqüidade pode assumir numerosas cooperação proporcionada pelo livre mercado, sem
formas, como, por exemplo, a herança de coerção ou direção centralizada, reduz a área so-
propriedades – títulos e ações, casas, fábri- bre a qual é exercido o poder político; de que o
cas, mas também a forma de herança de ta- mercado livre dispersa o poder, proporcionando
lento – capacidade musical, força física, gê- contrapeso a qualquer concentração de poder polí-
nio matemático. Pode-se interferir, e é bom tico; e, principalmente, de que a combinação de
lembrar isto, muito mais facilmente na heran- poder político e poder econômico resulta em tira-
ça de propriedades do que na de talento. Mas nia. A troca voluntária que se dá através do merca-
do ponto de vista ético haverá alguma dife- do seria, nesse sentido, condição necessária à pros-
rença entre as duas?” (Friedman, 1980:141) peridade e à liberdade humana.

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Esse pensamento provém da tese da “mão invi- Em outro sentido, Kurz (1993) analisa que o sis-
sível do mercado”, ou seja, os preços que emer- tema socialista não eliminou as categorias do mer-
gem de transações voluntárias entre compradores cado, levando ao extremo o trabalho abstrato e fa-
e vendedores podem coordenar as atividades de zendo parte do sistema mundial produtor de mer-
milhões de pessoas, cada uma delas preocupada cadorias, cuja base é capitalista. Daí entender que
com interesses próprios, através de ondas que in- a crise que se verifica é global, não apenas do soci-
formam que houve demanda de algum produto. alismo. “Um entrelaçamento global do dinheiro
Esses interesses próprios não seriam, ressalta, como implica uma dimensão igualmente global da cri-
comumente se entende, interesses egoístas, mas os se”, afirma (p.224).
interesses dos participantes na transação, em fun- Netto (1993) entende que há uma crise do “do-
ção das metas que porventura se proponham, como mínio do capital”, que se desdobra não só na crise
explica Smith em A Riqueza das Nações. do “socialismo real”, mas, também, do que ele de-
Os preços, então, teriam três funções fundamen- nomina de crise do “capitalismo democrático”, con-
tais: (1) transmitir informações, apenas informações figurado no Estado de Bem-Estar. Mesmo negan-
importantes (preços relativos) e apenas às pessoas do uma visão de catástrofe em relação à ordem
que precisam saber, expressando as condições da burguesa, o autor acredita que essa ordem se de-
oferta e da procura; (2) proporcionar incentivos para fronta com certos limites estruturais, ocorrendo uma
que se adotem os métodos de produção menos “curva decrescente” na sua eficácia econômico-
dispendiosos; (3) distribuir renda, estabelecendo social.
quem obtém quanto de determinado produto. Segundo esse autor, o processo de crise do Es-
Friedman indica que a preocupação com essa últi- tado de Bem-Estar Social é apreendido como pro-
ma função é que levou à existência de “economias blemática de natureza administrativa, de caráter fi-
de comando”. nanceiro ou tributário, em lugar de ser colocado
Na opinião de Ianni (1996), há, aqui, uma ficção como fracasso do único ordenamento sócio-políti-
jurídico-política, ou propriamente ideológica, segundo co que visou, na ordem do capital, a compatibilizar
a qual compradores e vendedores de força de tra- a dinâmica da acumulação e da valorização capita-
balho e de outras mercadorias se apresentam no lista, com a garantia de direitos políticos e sociais
mercado sob as mesmas condições. Afirma que os mínimos. Expressa que a reprodução do capital ten-
proprietários de capital e de tecnologia estão direta de a requisitar, progressivamente, a eliminação das
ou indiretamente nas agências governamentais, en- garantias sociais e dos controles mínimos a que o
tendem-se com seus funcionários, dispõem de fácil capital foi submetido nesse ordenamento.
acesso às tecnoestruturas estatais. Para o autor, o livre comércio poderá promover
Nas “economias de comando” – como Friedman o bem-estar nos países pobres, devido à coopera-
denomina as economias socialistas – houve, na sua ção que será instalada. Como exemplo, afirma que,
opinião, tentativa de separar a função de distribui- nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, o aumento
ção de renda das demais funções do sistema de da riqueza causou uma explosão de obras de cari-
preços, impedindo-se que esses fossem, portanto, dade.
usados para as demais funções, sendo essas Fica aqui patente, por um lado, que o entendi-
estabelecidas pelo planejamento. No entanto, es- mento de Friedman em relação à problemática so-
ses países não obtiveram êxito na condução cen- cial é que essa se constitui em questão de caridade,
tralizada da economia, pois os seus sistemas se e não de direito. Por outro lado, se o mercado ti-
mostraram ineficientes, resultando no colapso do vesse preocupações humanitárias, não estaríamos
socialismo real. Quanto aos Estados de Bem-Es- enfrentando problemas de tal gravidade, que che-
tar, os quais tentaram também interferir na distri- gam a ameaçar a sobrevivência da espécie, como
buição de renda, o autor avalia que, nesses, o resul- é o caso das questões ambientais, que deverão ser
tado foi uma crise fiscal, o aumento do déficit pú- agravadas, futuramente, pela privatização dos re-
blico, entre outras conseqüências. cursos naturais.

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O neoliberalismo tece críticas severas à centra- monetarista, ele parte do entendimento de que as
lização de poder que se efetuou nos países socialis- variações da atividade econômica não se explicam
tas e nos países ocidentais, devido às restrições pelas variações do investimento, mas pelas varia-
impostas ao mercado. Friedman considera que es- ções da oferta da moeda e, portanto, a abertura do
sas restrições são “sofismas em causa própria”, mercado ao comércio externo é fator de importân-
favoráveis a uma elite que detém poder político e cia no desenvolvimento econômico. Deve-se, en-
não ao conjunto da sociedade. Argumenta que elas tão, adotar procedimentos eqüitativos no que diz
definem a quem podemos empregar e para quem respeito ao comércio interno e externo.
podemos trabalhar, e, conseqüentemente, onde po- Criticando, ainda, os “arranjos” feitos pelo Es-
demos viver, o que podemos comer e beber. Esse é tado, o autor é contrário à proteção ao consumidor
um discurso que se revela bastante sedutor e camu- e à proteção ao trabalhador. Segundo ele, em res-
fla a alta concentração de renda que as transforma- posta à pergunta “poderemos depender inteiramen-
ções atuais da economia têm causado, particular- te da mão invisível de que fala Adam Smith?”, mui-
mente a expansão do contingente de “excluídos”. tos economistas, filósofos, reformadores e críticos
Na análise das restrições, um exemplo utilizado sociais afirmam:
é referente às tarifas e controles do comércio in- “O mercado deve ser suplementado por ou-
ternacional, o chamado protecionismo. A defesa do tros arranjos a fim de proteger o consumi-
protecionismo alega que esse é necessário para dor de si mesmo e de vendedores avaros e
preservar emprego, promover a segurança nacio- defender a todos nós dos efeitos das
nal e, no caso dos Estados Unidos, fortalecer o dó- externalidades de transações de mercado
lar. Ainda nessa direção, demanda proteção contra sobre a vizinhança..” (Friedman, 1980:189)
as chamadas fontes de “concorrência desleal” que Para Friedman, os movimentos de proteção le-
são, basicamente, a disposição de operários de ou- varam à criação de órgãos que impuseram pesa-
tros países para trabalharem por um salário muito dos custos à indústria, impediram que algumas mer-
mais baixo que o operário americano e os subsídios cadorias fossem produzidas e vendidas e exigiram
pagos por governos estrangeiros a seus produtores. que capitais fossem investidos em finalidades não
Friedman contra-argumenta que emprego em si produtivas. Considera que a concorrência de mer-
e por si está errado, porque o importante é o em- cado defende melhor o consumidor do que o go-
prego produtivo, que oportunize mais bens e servi- verno, porque é do interesse de homens de negóci-
ços para consumo individual. Quanto às fontes de os servir ao consumidor. Propõe que o governo di-
“concorrência desleal”, ele considera que há um vulgue a informação sobre méritos e deméritos dos
uso frouxo dos termos alto e baixo, porque um sa- alimentos que ingerimos ou das atividades de que
lário considerado alto, nos EUA, pode não ser em participamos, e nos deixe livres para escolher os
outro país, ou seja, essa questão não é bem defini- riscos que queremos correr na nossa própria vida.
da. E, em relação aos subsídios, entende que esses O pensamento aqui expresso nos dá a impres-
só prejudicam os naturais do país, que pagarão por são até de “ingenuidade”, se assim podemos
eles através dos impostos, favorecendo os ameri- classificá-lo. Fica difícil imaginar a crença que o
canos com produtos mais baratos. próprio autor possa ter no seu discurso. Podemos
É importante assinalar que esse autor não com- apontar alguns argumentos contrários, que são de
partilha a idéia da necessidade de que o saldo da amplo conhecimento. Mesmo com o desenvolvimen-
balança de pagamentos no comércio exterior deva to das comunicações, há dificuldade de ampla di-
ser positivo, que as exportações devam superar as vulgação dessas informações, como seria neces-
importações. Na sua opinião, ao contrário, ganha- sário para proteção de todos os consumidores.
se no comércio exterior aquilo que se importa, por- Além da existência de um grande número de pes-
que, além de os consumidores adquirirem produtos soas que não têm acesso a essas informações, as
mais baratos, provoca-se a circulação da moeda empresas manipulam as informações acerca dos
em nível internacional. Como membro da escola seus produtos e, até serem descobertas e compro-

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vadas tais manipulações, as conseqüências seriam catos e, sobretudo, o Estado, nas suas formas
desastrosas, conforme inúmeros exemplos que a intervencionistas: o Estado socialista e o “welfare
história nos revela. Em resumo, não acreditamos state” ou Estado de Bem-Estar. O sistema de Bem-
na “santidade” do mercado. Estar é o alvo mais diretamente apontado por
Quanto à proteção ao trabalhador, o autor é tam- Friedman do que por Hayek, devido a circunstânci-
bém bastante severo, especialmente porque vai as históricas.
abordar um grande inimigo do neoliberalismo, os Em relação ao alardeado desmonte do Estado
sindicatos. Começa por afirmar que há uma ten- de Bem-Estar, Vianna (1997) faz uma análise em
dência em superestimar a influência e o papel dos que procura demonstrar, com dados estatísticos, que,
sindicatos, cujo poder tem origem na capacidade nas grandes potências, está havendo muito alarde
de manter baixo o número de empregos disponí- e poucas evidências. Ressalta, entretanto, que a
veis, ou manter baixo o número de pessoas disponí- globalização da economia tem imposto um cons-
veis para uma determinada classe de empregos, trangimento às políticas sociais. Entende, a partir
através da alta taxa salarial, e do uso do sistema de dos dados que expõe, que, nos anos 80, houve con-
licenciamento, além de que, ocasionalmente, os sin- tinuidade e estabilidade desse modelo na Europa,
dicatos entram em conluio com os empregadores, apresentando pequenos graus de crescimento ou
para criar um monopólio do produto que seus mem- diminuição das políticas sociais, por função e por
bros produzem, a fim de fixar preços ou repartir país. Afirma que alguns autores contestam o
mercados. catastrofismo de certas perspectivas demográficas,
Os beneficiados pelos sindicatos seriam traba- discutem as determinações econômicas da crise da
lhadores em ocupações que exigem especialização, seguridade e enfatizam a adesão da população a
relativamente bem pagos, e os funcionários públi- seus Estados de Bem-Estar.
cos (únicos sindicatos que cresceram). Os O desmonte do Estado de Bem-Estar tem se
perdedores seriam os demais trabalhadores, pois dado, sobretudo, através do desmonte das políticas
os ganhos daqueles mais bem pagos se dão às públicas, no bojo das quais estão aquelas que pos-
expensas destes e do contribuinte que assume os suem caráter social e passam a ser mercantilizadas,
custos de acordos entre os funcionários públicos5 e adquirindo valor de mercado, mesmo nos Estados
sindicatos. Altos salários de alguns trabalhadores que nunca ofereceram amplas políticas protecio-
ocorreriam em função de salários mais baixos para nistas, como o Brasil. Nesses, a facilidade de alar-
trabalhadores menos aquinhoados, ou sobre os pre- gamento do Mercado é ainda maior do que naque-
ços de bens de consumo. les em que há ampla proteção dos indivíduos, nos
Considera, corretamente, que a proteção mais quais se supõe uma maior organização da socieda-
segura para o trabalhador é a existência de nume- de civil e, portanto, maior resistência à perda das
rosos empregadores concorrendo pelos seus servi- conquistas sociais.
ços. Só que não leva em conta, na sua análise, a É na perspectiva da mercantilização que se ve-
existência de um grande número de trabalhadores rificam as propostas neoliberais para a educação,
excedentes em quase todos os setores da econo- nas quais a esfera privada se alargaria em detri-
mia, o chamado “exército de reserva” ou, numa mento da esfera pública, com base na tese da ine-
concepção mais contemporânea, os “excluídos”, o ficiência do Estado, em contraposição à propagada
que enfraquece a possibilidade de negociação en- eficiência do Mercado, tendo como principais justi-
tre patrões e empregados e favorece a exploração ficativas a redução de custos, maior controle sobre
desses últimos para aumentar a margem de lucro o produto e, conseqüentemente, aumento da efici-
dos empregadores, objetivo precípuo dos produto- ência, qualidade e eqüidade. Essas propostas são
res no mercado. veiculadas através dos organismos internacionais
Os inimigos eleitos pelo neoliberalismo, como po- fomentadores de políticas educacionais, a exemplo
demos deduzir das idéias aqui expostas, são os sindi- do Banco Mundial.

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NOTAS

1 3
O autor cita, como exemplo da fragilidade das autono- Prólogo à edição norte-americana de 1975.
4
mias nacionais, o Tratado de Marrakech, no qual há Grifo nosso. Impressiona o menosprezo, a falta de res-
um abandono de soberania dos países em favor da peito que o autor demonstra com os mais necessitados
OMC. no uso dessa expressão.
2 5
Esta citação encontra-se no prefácio à edição brasilei- Os únicos que, afirma Friedman, sarcasticamente, seri-
ra de “O Caminho da Servidão,” do ano de 1977. am bem protegidos pelo Governo.

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Recebido em 18.03.01
Aprovado em 22.04.01

Autora: Ronalda Barreto Silva, Doutora em Educação pela UNICAMP, é professora do Departamento
de Educação II da Universidade do Estado da Bahia – Campus II. Endereço para correspondência: Rua
João Mendes da Costa, 263, apt. 203c, Costa Azul – 41750.190 Salvador/BA. E-mail: ronalda@e-net.com.br

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