Da Cidade Empreendedora À Smart City
Da Cidade Empreendedora À Smart City
Da Cidade Empreendedora À Smart City
INTRODUÇÃO
Assim, desde o século XX, o mundo viu emergirem utopias, se solidificarem planos
e se tornarem decadentes alguns desenhos de um ideal de cidade (HALL, 2005) tais como
Cidade Jardim, Cidade Empreendedora, entre outras. Hoje, em escala global, no pensamento
do desenvolvimento das cidades, figura o mais recente conceito de Smart Cities (Cidades
Inteligentes), estritamente ligado à questão da inovação 1 urbana e tecnológica no
planejamento das cidades.
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Inovação é entendida como a criação do novo e/ou algo substancialmente melhorado que pode ser um produto
novo, um processo de produção original, uma forma de organização da empresa inédita ou um marketing
singular (TUNES, 2016). Já o manual de Oslo, criado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), defende a premissa de quatro tipos de inovações: nos Produtos, Inovações de Processos, de
Marketing e Organizacionais, apresentando assim o conceito de inovação: uma inovação é a implementação de
um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de
marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou
nas relações externas. (PORTAL DA EDUCAÇÃO, 2019).
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As principais imagens na caracterização hoje dominante sobre a globalização econômica enfatizam a
hipermobilidade, as comunicações globais e a neutralização do lugar e da distância. Existe uma tendência de se
considerar a existência de um sistema econômico global como algo dado, uma função do poder das empresas
transnacionais e das comunicações globais. (SASSEN, 2010).
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Objetivando refletir sobre os dois citados modelos de cidade como uma opção à
dinamização da economia urbano-regional, bem como a uma possível realização do capital
dos entes privados (mercado), a metodologia aplicada no artigo incluiu a revisão bibliográfica
de alguns autores mais presentes no sobre debate sobre a smart city e o planejamento urbano
como Tereza Mendes (Observatório das Metrópoles), Evgeny Morozov e Francesca Bria,
além dos referenciais teóricos já mencionados.
Sabe-se que o contexto de Estado no qual um governo planeja suas mais variadas
políticas implica diretamente no modelo concreto de nação e consequentemente de cidades.
As sociedades mundiais já experimentaram modelos Comunistas, Socialistas, Capitalistas de
economia Liberal e Neoliberal, entre outros, sendo o neoliberalismo 4 o mais relevante para
grande parte das nações na contemporaneidade.
Por essa razão, é salutar compreender sua história e suas estruturas, visto que os 2
modelos de cidade discutidos no artigo encontram-se estabelecidos sob a égide de suas regras
econômicas. Nesse sentido, as análises de Harvey (2008) são aqui referenciadas para a
sustentação do raciocínio crítico acerca do Estado Neoliberal.
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Estado: em geral, a organização jurídica coercitiva de determinada comunidade. O uso da palavra deve-se a
Maquiavel (O príncipe, 1513, § 1). Podem ser distinguidas três concepções fundamentais: 1º a concepção
organicista, segundo a qual o Estado é independente dos indivíduos e anterior a eles; 2ª a concepção atomista ou
contratualista, segundo a qual o Estado é criação dos indivíduos; 3ª a concepção formalista, segundo a qual o
Estado é uma formação jurídica. (ABBAGNANO, 2007).
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A verdade é que o contexto de formação mais relevante para a maioria das cidades – pelo menos na América
do Norte e em grande parte da Europa ocidental – tem sido o do neoliberalismo ou, mais precisamente, o da
transição de um compromisso keinesiano e fordista para o urbanismo altamente empreendedor e financializado
que emergiu e se expandiu no fim da década de 1970. (MOROZOV, E. & BRIA, F., 2019).
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Via de regra, o Estado deve se retirar da ordem econômica (deve apenas garantir a
qualidade e integridade do dinheiro), cabendo-lhe estabelecer as estruturas e funções militares
de defesa, da polícia e o sistema legal regulamentar requerido para o pleno funcionamento do
modelo neoliberal. Nesse sentido, o neoliberalismo é antagônico ao Estado de bem-estar
social no qual saúde, educação, assistência e seguridade social são garantidas pelo Estado.
Em 1980, foi eleito presidente dos EUA o candidato Ronald Reagan que se valeu das
políticas de Volcker, implementou um conjunto de reformas para limitar o poder sindical,
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desregular a indústria, criando assim as condições para o mercado financeiro operar com mais
liberdade e maior poder a nível nacional e global.
A nova fórmula apareceu como saída da crise financeira com a qual as cidades
dinamizaram suas economias e os entes privados buscaram a realização do capital na forma
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3. A SMART CITY
As possíveis soluções para essa complexidade de problemas tem encontrado apoio nas
inovações relacionadas às tecnologias de informação e comunicação (TICs). Como disse
Harvey (2008), há um fetiche na teoria neoliberal da mudança tecnológica que crê que para
todo e qualquer problema há um remédio tecnológico, uma solução pela via do mundo
informacional.
Nesse sentido, o uso das novas tecnologias e inovações para resolverem os problemas
das cidades tais como governança, mobilidade, energia, comunicações, saúde, educação,
segurança, habitação, meio-ambiente, desenvolvimento econômico, envolvimento
comunitário, etc., surgiram paulatinamente nos últimos anos por meio de propostas como as
de Cidade Digital (digital city), Cidade do Futuro (future city), Cidade Global (global city),
entre outras. A premissa dos administradores públicos de cidades é torna-las capaz de atrair
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investidores, empresas, talentos profissionais e turistas, pois, com a crise do capital de 2008
os orçamentos públicos caíram vertiginosamente e uma saída administrativa tem sido investir
em infraestruturas tecnológicas e inovação, em parceria com empresas de TICs, para enfrentar
os desafios da contemporaneidade. É nesse contexto que a ideia de smart cities se apresenta.
O termo Cidades Inteligentes surgiu em princípio nos EUA entre o staff das empresas
International Business Machines Corporation (IBM) e Cisco Systems (Cisco) que através do
uso de TICs, proponham a digitalização das cidades como ferramenta para assessorar as
administrações na correção dos seus diversos problemas.
Genericamente, pode-se conceituar uma smart city como uma cidade que,
através de uma visão holística, multidimensional/multiparticipativa, e com o
uso intensivo de recursos tecnológicos, é capaz de promover um crescimento
inclusivo e sustentável, com a maximização da eficiência na alocação dos
seus recursos, visando a melhor qualidade de vida da sua população. O uso
de tecnologias digitais, e consequente geração extraordinária de dados,
possibilitariam estratégias mais eficientes de gestão, com maior rapidez de
respostas (muitas vezes em tempo real). (MENDES, 2020. TD. 011, p. 8).
Nesse contexto, Morozov & Bria (2019) atenta para uma necessária reflexão sobre a
geopolítica da pauta das cidades inteligentes. O autor questiona o motivo, por exemplo, da
presença da proposta de smart cities na lista de políticas oficiais prioritárias da missão
europeia do Departamento de Comercio dos Estados Unidos estarem postas ao lado do
Acordo de Parceria Transatlânticas de Comércio e Investimento (TTIP), bem como do
Mercado Único Digital. Ele também questiona quais os verdadeiros interesses das grandes
companhias de tecnologia alemãs, chinesas e americanas ao disputarem os mercados que
intentam desenvolverem smarts cities. Segundo ele, a Índia pretende desenvolver mais de cem
smart cities nos próximos anos investindo cerca 1 trilhão de dólares. É importante registrar
que:
Não faz muito sentido construir uma smart city não neoliberal, libertada da
Cisco e da IBM, para no fim descobrir que ela estava desde sempre
subjugada às maquinações do Google ou da Uber. É evidente que o ponto
nevrálgico aqui é uma interpretação específica do caráter smart, mas antes
suas consequências politicas e econômicas – que em geral continuam as
mesmas, independentemente de os serviços em questão serem ou não
caracterizados como “smart” ou apenas como “inteligentes”, “interativos”.
(MOROZOV, E. & BRIA, F., 2019).
A respeito dessas desconfianças, Morozov & Bria (2019) diz ser prudente pesquisar
as ligações existentes entre as infraestruturas digitais que remodelam o cenário digital das
cidades (como câmeras, algoritmos, sensores, telas, roteadores, telefones celulares e muitos
outros ingredientes que emprestam o smart às “smart cities”) e os projetos políticos e
econômicos urbanos atuais prestes a ser implementados. Somente por meio dessa investigação
se encontrará resposta para o verdadeiro intuito do embarque na smart city.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ambas, cada uma em seu momento histórico e método respondem pela reconstrução
do capitalismo em crise, bem como promovem a financeirização do mercado. Resta saber, e
isso só o tempo dirá, se assim como a Cidade Empreendedora, a Smart City não contribuirá
para a redução das desigualdades sociais, mas sim com a dinamização da economia e
realização do capital.
Mendes (2020. TD. 013), alerta que sem a redução da desigualdade socioeconômica
haverá exclusão digital, o que praticamente torna impossível, no redesenho do espaço urbano,
que toda a população se favoreça dos proveitos gerados pelas novas tecnologias de forma
inclusiva e democrática.
A opção por smart cities trará para as cidades de maneira universal as soluções
urbanas e econômicas mais adequadas? Quais as implicações de sua implementação em um
Estado Neoliberal? Estarão os pobres incluídos nas benesses desse modelo de cidade ou,
assim como no caso da Cidade Empreendedora, o modelo servirá como estratégia voltada às
necessidades do mercado até mesmo no âmbito do planejamento urbano?
Essas questões inquietantes poderão ser examinadas, uma a uma, ao passo que um
considerável número de smart cities for sendo implementadas, inclusive (se isso realmente for
possível), em países em desenvolvimento.
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REFERÊNCIAS
DICIONÁRIO FINANCEIRO. O que é inovação. [S.l.]: [S.n.], 2019. Disponível em: Acesso
em: 20 out. 2020.
SASSEN, Saskia. A cidade global: recuperando o lugar e as práticas sociais. Porto Alegre:
Artmed, 2010.