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Cartografia Racismo

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PSICOLOGIA & SOCIEDADE, 35, e277147

http://doi.org/10.1590/1807-0310/2023v35e277147
Dossiê
PSICOLOGIA SOCIAL E ANTIRRACISMO:
compromisso social e político por um outro Brasil

RACISMO E SAÚDE MENTAL: UMA CARTOGRAFIA DO


TRABALHO COM FAMÍLIAS
RACISMO Y SALUD MENTAL: UNA CARTOGRAFÍA DEL TRABAJO
CON FAMILIAS
RACISM AND MENTAL HEALTH: A CARTOGRAPHY OF A WORK
WITH FAMILIES

Tulíola Almeida de Souza Lima e Roberta Carvalho Romagnoli


Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte/MG, Brasil

RESUMO: Este artigo é um desdobramento da tese de doutorado que trata das relações e processos de subjetivação
entre equipes técnicas e famílias na rede de saúde mental. Neste contexto,o trabalho aborda forças conservadoras e
possibilidades de resistência ao poder. O racismo está presente no cotidiano de pessoas que convivem com situações de
sofrimento mental, mas poucas vezes esse marcador social é abordado nos serviços, caracterizando o silenciamento de
experiências vividas. A metodologia utilizada foi a cartografia, incluindo pesquisa de campo, permitindo rastreamento
de processos e considerando o posicionamento político de quem pesquisa, com orientação para práticas comprometidas
com transformações sociais. A análise dos dados produzidos associa perspectiva interseccional sobre as demandas em
saúde mental à esquizoanálise, buscando a construções de saída dos impasses entre familiares e equipes. Concluímos que
sustentando indagações sobre modos de nos relacionar e revisitar nossa história, podemos construir práticas coletivas
antirracistas na saúde mental.
PALAVRAS-CHAVE: Saúde Mental; Racismo; Famílias; Silenciamento; Cartografia.

Este artigo está licenciado sob uma Licença Creative Commons. Com essa licença
você pode compartilhar, adaptar, para qualquer fim, desde que atribua a autoria da
obra, forneça um link para a licença, e indicar se foram feitas alterações. 1
RACISMO E SAÚDE MENTAL

RESUMEN: Este artículo es fruto de una tesis doctoral que aborda las relaciones y los procesos de subjetivación entre
los equipos técnicos y las familias en la red de salud mental. Aborda las fuerzas conservadoras y las posibilidades de
resistencia al poder. El racismo está presente en el cotidiano de las personas que viven con sufrimiento mental, pero ese
marcador social raramente es abordado en los servicios, caracterizando el silenciamiento de las experiencias vividas.
La metodología utilizada fue la cartografía, incluyendo la investigación de campo, permitiendo rastrear procesos y
teniendo en cuenta el posicionamiento político hacia prácticas comprometidas con la transformación social. El análisis
de los datos asocia perspectiva interseccional de las demandas de salud mental con el esquizoanálisis, con búsquedas de
salidas a los impasses entre familiares y equipos. Concluimos que apoyando preguntas sobre los modos de relacionarnos
y revisitando nuestra historia, podemos construir prácticas colectivas antirracistas en salud mental.
PALABRAS CLAVE: Salud Mental; Racismo; Familias; Silenciamiento ; Cartografía.

ABSTRACT: This article is an offshoot of a doctoral thesis that deals with the relationships and processes of
subjectivation between technical teams and families in the mental health network. In this context, it deals with
conservative forces and possibilities of resistance to power. Racism is present in the daily lives of people who live with
situations of mental suffering, but this social marker is rarely addressed in the services, characterizing the silencing
of lived experiences. Cartography was the methodology used, including field research, which allows processes to
be traced and takes into account the political positioning of the researcher towards practices committed to social
transformation. The analysis of the data produced associates an intersectional perspective on mental health demands
with schizoanalysis, seeking ways out of the impasse between family members and teams. We conclude that by
supporting questions about ways of relating and revisiting our history, we can build anti-racist collective practices in
mental health.
KEYWORDS: Mental health; Racism; Families; Silencing; Cartography.

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RACISMO E SAÚDE MENTAL

Introdução

“Como fazer implicar, em cada transição que se anuncia, a ancestralidade das gentes
cuja terra foi roubada, como pólen e semente das gentes cuja terra ainda há de ser feita?”
(Mombaça, 2021, p. 62)

Eu, uma das autoras deste texto, me formei em Psicologia muito jovem e demorei para
problematizar minhas ações profissionais a partir de princípios éticos e políticos da profissão.
Através de experiências no campo da saúde mental, fui constituindo preocupações sociais
e clínicas para atuar com pessoas em situação de vulnerabilidade e de sofrimento mental.
Recentemente, ao longo de pesquisa de doutorado sobre o tema das relações familiares
e profissionais que atuam neste campo, tive oportunidade de revisitar minhas escolhas e
atualizar o que considero compromissos para uma atuação que atenda aos interesses da
população brasileira. A metodologia desta pesquisa foi a cartografia, pela qual habitei dois
serviços da rede substitutiva aos hospitais psiquiátricos de Belo Horizonte, convivendo
e entrevistando pessoas, produzindo dados para análises coletivas conjuntas sobre como
têm ocorrido as relações na rede (Lima, 2021). Nós, ambas as autoras, construímos a
cartografia, realizada entre os anos de 2017 e 2021.
Este trabalho aborda um modo de desenvolver pesquisas e práticas com as famílias,
também usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS): práticas atentas ao chamado
para sermos antirracistas, diante do histórico de opressão e de violência sofridos por
determinados grupos sociais brasileiros, entre os quais estão os povos indígenas e os
descendentes de africanos escravizados trazidos para o Brasil no período de colonização
portuguesa. Sabemos que afro-americanos nunca foram devidamente integrados social e
economicamente em nosso país, como afirma Abdias Nascimento (2019); o que nos leva
a adotar posturas de combate ao racismo nas dimensões pessoais, técnicas, políticas e
culturais. Utilizamos aqui referencial teórico-prático que dialoga com a arqueologia de
Michel Foucault e com a esquizoanálise de Deleuze e Guattari, efetuando uma análise
crítica das ações propostas e executadas a partir da reforma psiquiátrica antimanicomial.
Vivemos em uma sociedade constituída pelo colonialismo euro-americano, na qual
coexistem diversos sistemas de opressão heteronormativos e racistas, que delimitam
modos de existência e de realização de pesquisas científicas (Beleze & Carvalhaes, 2023).
Estas e outras autoras têm destacado a importância de se ampliar o debate interseccional
— incluindo questões de gênero, raça e classe no contexto da saúde mental (Oliveira,
2020; Pereira & Passos, 2017). É preciso analisarmos como marcadores ligados ao racismo
e ao sexismo causam sofrimento psíquico e produzem subjetivações. Estes efeitos, assim
como desigualdades e pobreza, precisam ser pautados e analisados, para que deixem de
parecer naturais e inevitáveis (Beleze & Carvalhaes, 2023).
A cartografia permite nos confrontarmos com nós mesmas, ressignificando nossas
relações, objetivos e articulações. Elaborar trabalhos acadêmicos narrados em primeira
pessoa se associa a um uso da experiência pessoal para pensar as experiências coletivas, as
encruzilhadas de vida. Uma busca de construção de conhecimento situada em determinado
período e a partir de determinadas funções sociais. Experiência que não é fixa, nem estável,
nem transcendental. Um fragmento narrativo sinaliza a vontade de nos colocar na pesquisa
de modo a descobrir, também, uma forma própria de pesquisar, associada à tentativa de
auto-invenção.

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RACISMO E SAÚDE MENTAL

Ao nosso ver, o padrão de produção acadêmica tornou-se extremamente questionável:


quais os tipos de conhecimento priorizados em nossas comunicações e transmissões? Quem
são os principais autores indicados? Quais teorias embasam nossas práticas, ainda mais
quando queremos desenvolver outro tipo de sociedade? Agora tornou-se evidente como a
academia permanece, de modo dominante, branca e masculina. Podemos reconhecer, afinal,
como estratégias de exercício de poder submetem pessoas e povos a condições de não
humanidade, que não mereçam acesso a direitos que são para os privilegiados. Emiliano
David (2018) apresenta, a este respeito, como o atributo de raça conduz a diferentes
possibilidades de pessoas brancas e negras lidarem com os processos de saúde, doença e
morte, indicando como se dá o racismo institucional nas políticas de saúde e a formulação
de ações neste setor. O racismo, ocorre para além dos nossos contextos individuais, é
expressão de algo tão disseminado e naturalizado (Almeida, 2020). No campo da saúde
mental, parece-me necessária uma reorganização para enfrentamento à ideologia racista
dominante, que passa pela construção de uma memória coletiva e pela reivindicação de
reparação e justiça social.
As formulações de Frantz Fanon (1975) a respeito de formas de sofrimento decorrentes
dos processos de racialização dos povos, articulados à colonização europeia, têm contribuído
muito para uma sensibilização sobre tais temas e reivindicações. Tal como o reconhecimento
da dimensão atemporal do racismo, explicitado por Grada Kilomba (2019), ao retomar os
traumas e feridas que vivemos ainda hoje em decorrência da colonização e da escravização
de povos de origem africana e sua diáspora.
Um percurso cartográfico sobre as relações familiares acaba por produzir outras
formas de contarmos nossas histórias. Ações cotidianas, aparentemente pequenas, podem
ser planejadas de acordo com os ideais que prezam pelo cuidado em liberdade e pela
tentativa de garantia de direitos para todas as pessoas. No atual contexto, as implicações
éticas e epistemológicas de nossas ações são indispensáveis, dadas as condições de vida da
população que pesquisamos. A maioria da população atendida na rede de saúde mental, no
SUS, vive em condições de vulnerabilidade associadas ao fato de serem pessoas negras/
pardas — efeitos persistentes da colonização e da escravização produzidas.
A maior parte das familiares participantes da pesquisa são mulheres, sobrecarregadas
com tarefas domésticas e de cuidado de múltiplos familiares — além daqueles(as) em
situação de sofrimento mental. Esta divisão de gênero tampouco tem sido problematizada
nas discussões entre as equipes. Barreiras de acesso a fontes de emprego e renda carecem
também de análise, no contexto da saúde mental, dada a frequente demanda por apoio
à inserção no mercado de trabalho, vinda por parte de pessoas usuárias e familiares
acompanhadas(os) nas redes de saúde mental. Deixarmos tais temas em silêncio não favorece
mudanças que propiciem melhora de qualidade de vida e diminuição de vulnerabilidades
psicossociais. Assim, um dos objetivos deste texto é contribuir para a produção conjunta de
modos de construção e transmissão de saber sobre como lidar com situações de sofrimento
mental entre indivíduos e suas famílias, perpassando mazelas sociais individuais e coletivas.

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Metodologia

Realizamos, neste trabalho, uma análise que integra a saúde mental, tal como
preconizada nas políticas públicas intersetoriais e no SUS, a obras que tratam do racismo
e de seu enfrentamento. A cartografia apresentada aqui busca desenvolver instrumentos
conceituais que exprimam vivências da nossa cultura e da nossa práxis (Nascimento,
2019), utilizando conhecimentos críticos, inventivos, engendrados com as pessoas com
quem agimos no cotidiano, buscando sensibilizações coletivas sobre os temas. Procuramos,
assim, valorizar os saberes que os próprios usuários e usuárias e familiares tenham sobre
si, bem como construções aprendidas e compartilhadas sobre manejos e convivências com
situações de sofrimento.
A escrita funciona como exercício de pensamento e experimentação sobre nós mesmas.
Ela é intercessora de mundos, de formas e forças. A aproximação dos dados pesquisados com
as referências bibliográficas levantadas seguiu um método rizomático, conforme indicado
por Gilles Deleuze e Felix Guattari (1995). Nesta perspectiva, mais do que interpretar
fatos, propõe-se acompanhar processos, considerando afetos, gestos, discursos; analisando
como as relações são (re)produzidas nas interações.
A pesquisa de campo foi feita com uma das autoras frequentando unidades de diferentes
pontos de atenção na rede de saúde mental existente em Belo Horizonte. Usuários(as)
passam por diferentes serviços conforme o momento do tratamento e, em cada um deles,
há condições diferentes para o trabalho de acompanhamento também com os familiares.
Nos Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAM), serviços de urgência, são
acolhidas pessoas em situações de crise, que afetam de modo específico usuários, famílias e
o entorno. Nos Centros de Convivência (CC), por sua vez, em sua interseção com a arte e
as expressões culturais, há outras oportunidades de relacionamento com as famílias, pois a
situação de sofrimento está mais superada, com possibilidades de retomada das atividades
cotidianas.
Os espaços de ambos os serviços foram frequentados conforme a rotina de cada um:
quase semanalmente no CERSAM; a cada dois meses no CC. Realizamos entrevistas
coletivas com os grupos de familiares de cada um deles, a partir de convites que fizemos;
e a pesquisadora/autora esteve também com as equipes nas atividades de rotina com os
familiares. Outras entrevistas coletivas foram realizadas com as equipes dos serviços
participantes: no CERSAM, com as duas técnicas de referência para o grupo de familiares
e a gerente; no CC, com a equipe completa, conforme sugestão de uma das pessoas de
referência, para que os demais técnicos pudessem contribuir com a discussão. Foi realizada
imersão no campo, com acompanhamento das atividades instituídas nos serviços, e foram
propostas entrevistas coletivas exclusivamente com familiares; entrevistas coletivas
somente com técnicos das equipes; além das escritas e análise de diário de bordo.
Uma parte dos encontros ocorreu por meio de convite específico para conversar sobre
os objetivos da pesquisa. Os convites para participação de familiares na pesquisa foram
mediados pelas equipes. Bastava o interesse em conversar sobre o tema, estando apta
a participar qualquer pessoa que se sentisse responsável pelo acompanhamento de seu/
sua familiar na rede de saúde mental, independentemente do vínculo com o(a) mesmo(a)
e do tempo de tratamento. As pessoas que compareceram nas entrevistas coletivas da
pesquisa estavam, de certa forma, já inseridas nas dinâmicas dos serviços: em sua maioria
mães e irmãs de pessoas em acompanhamento. A partir das conversas sobre o histórico de

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tratamento, os ganhos e os desafios no percurso de cada uma das pessoas, pude perceber que
marcadores de raça e referências identitárias não foram abordados. Houve maior facilidade
de acompanhamento assíduo das ações nos serviços por parte de pessoas familiares brancas,
que possuem, também, condições econômicas mais favoráveis.
As entrevistas abordaram o modo de participação das famílias no tratamento dos(as)
usuários(as), rastreando quais os impasses e os facilitadores nas relações entre elas e as
equipes de referência. As perguntas se relacionavam às mudanças das dinâmicas familiares
a partir do adoecimento, tratamento e responsabilidade de familiares, seja com práticas
específicas de cuidado, seja com outras ações que favoreçam ou não a estabilização e a
inserção psicossocial dos(as) usuários(as).
Procuramos intervir para ouvir as famílias sobre os tratamentos de seus familiares,
para analisar as relações que se estabelecem entre elas e as equipes técnicas. Seguimos
sem pretensão de definir um modelo de família, pois os grupos familiares são complexos,
atravessados por valorizações sociais e culturais, evidentemente influenciados pelo sistema
socioeconômico em que vivemos. Nos grupos familiares há relações compartilhadas
que podem estar ligadas a funções de cuidado e proteção, alimentação, socialização,
representando modos de convivência que não estão sujeitos a nenhum tipo de julgamento
de valor, em relação aos objetivos da pesquisa. Apesar das dificuldades que as equipes
têm, por vezes, em abordar as famílias, existem inúmeras tentativas para ampliar essa
aproximação.
É importante destacar que o chamado incisivo para discussão sobre o racismo e
seus impactos na saúde mental ocorreu em entrevista coletiva com a equipe do Centro
de Convivência, composta majoritariamente por artistas e arte-educadores: tanto para
pensar sobre a composição racial da população atendida, quanto para buscar referenciais
teóricos para a pesquisa que dialogassem com saberes afrodiaspóricos, evitando reproduzir
somente referenciais eurocêntricos, conforme a tradição. Foi um dos aprendizados que
temos retomado nas análises posteriores sobre os dados produzidos durante a cartografia.
Apostamos na possibilidade de construções de conhecimento através de epistemologias
que incluam saberes leigos, para além das produções formais e acadêmicas, para a co-
produção de dados. Com o método cartográfico, a intervenção faz parte do caminho
percorrido, refazendo metas e objetivos durante o próprio percurso, forçando os limites
de procedimentos metodológicos estanques e pré-estipulados. Processos de criação
decorrentes de desvios que ocorrem quando lidamos com pessoas, grupos e instituições.
O que inclui lidar com vivências de constrangimento, violência, perda de direitos e de
qualidade de vida, dificuldades numerosas de cuidado de si e de outras pessoas nos círculos
socioafetivos. Trabalhar no campo da saúde mental impõe reconstruir forças e superar o
silenciamento de temas nem sempre tratados, mas que causam sofrimento, para muitas de
nós. São possibilidades de construção de resistências antimanicomiais e antirracistas, que
transversalizam nossas ações e florescem se forem cultivadas nos coletivos que compomos.

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Reposicionamentos para um campo de saúde mental antirracista

Os (as) autores (as) priorizados (as) nesta cartografia têm em comum a problematização
das tecnologias de poder que atuam em relações micropolíticas, sustentando a importância
das relações e seu campo de efeitos. Tanto nos serviços de saúde quanto nas famílias há
frequentes conflitos, com a ocorrência de encontros despotencializadores. Algumas análises
envolvem a relação entre saber e poder empreendida por Michel Foucault (1999). São
contribuições para uma reflexão sobre a transformação operada nas práticas assistenciais,
no que concerne aos efeitos do exercício do poder e que se articulam à reforma psiquiátrica.
Dentre distintos modos de uso da noção de identidade, Patricia Collins e Sirma Bilge
(2021) o desenvolvem como identidades individuais, se forem aplicados diferentemente
entre os contextos sociais, tendo seu significado em construção, moldado, também, por
relações de poder interseccionais. As autoras demonstram como muitos problemas sociais
encontrados nas instituições incorporam ideologias e filosofias neoliberais. Podemos
articular as noções de consciência e memória, pautando as relações de classe, gênero e raça
— as interseccionalidades — na luta antimanicomial. Estas são multiplicidades na análise
de forças que servem a práticas contemporâneas de manutenção do comprometimento da
Psicologia com a busca por justiças sociais.
As formas de expressão sobre as relações indicam uma linha dura de “não participação”
dos familiares nas atividades propostas nos serviços, endurecendo acolhimentos e impedindo
certas construções com esse grupo — queixa recorrente das equipes profissionais. Um
dos possíveis motivos para a ausência pode ser o horário em que o grupo ocorre, o que é
considerado como um dificultador, por ser horário de trabalho também de familiares. São
agendas difíceis de conciliar. Foi observado que a maioria das familiares que vão ao serviço
são mulheres — mães dos(as) usuários(as) que também são responsáveis por inúmeras
tarefas domésticas. É notável, a naturalização das atribuições de papeis de gênero e a
ausência de discussão sobre as mesmas.
Há distintas considerações sobre os modelos e saberes de familiares a respeito da
convivência com pessoas em situação de sofrimento mental, e consequentemente práticas
homogeneizadoras e encarnadas nos discursos dominantes, em resposta a tais concepções.
Algo que se associa ao poder normalizador da psiquiatria. No entanto, pudemos observar
uma conjugação que pode ser efetiva para recolocar a função da psiquiatria e de formas
de controle sobre as pessoas, dependendo dos posicionamentos tomados. Ouvimos sobre
famílias que desempenham papel opressor, prejudicando a autonomia dos(as) usuários(as),
conforme a avaliação das equipes. Parte das dificuldades em se trabalhar com as famílias
consiste na diversidade dos tipos de relações entre as pessoas que aparecem em situações
concretas, tais como, a participação em eventos e viagens, auto-organização de atividades
cotidianas, articulação de redes, circulação pelos territórios, entre outras.
É frequente certa institucionalização das demandas por parte de familiares e
usuários(as), que indicam concepções comuns no modo de lidar com pessoas diagnosticadas.
Os riscos de medicalização da assistência são acentuados, visto que práticas e intervenções
que priorizam uso de medicamentos e hierarquização de saberes, dentre eles a medicina,
são coerentes com a cultura e os padrões de consumo de bens e serviços na sociedade
atual. As respostas dos serviços quanto a esses riscos envolvem articulações comunitárias
e o desenvolvimento de atividades explicativas e de sensibilização que orientem para o
cuidado em liberdade e o paradigma de atenção territorial.

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Outro aspecto recorrente é a demanda por acesso ao mercado de trabalho e geração


de renda. Historicamente as pessoas em situação de sofrimento e diagnosticadas como
“pacientes psiquiátricas” têm sido excluídas dos processos produtivos comuns — estratégia
utilizada no capitalismo que gera pobreza, baixo acesso a bens e serviços essenciais, entre
outros prejuízos de direitos, para muitas pessoas e grupos marginalizados. Justamente por
estas condições serem impostas a segmentos populacionais mais amplos é que precisam
ser abordadas nos grupos desta política pública, não individualizando questões sociais
e pactuando ações conjuntas de enfrentamento dos problemas. Além disso, acesso à
formação profissional e ao mercado de trabalho tem diferenças expressivas, dependendo
dos marcadores de raça (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA], 2011); mas
estas condições não têm sido abordadas na rede de saúde mental. Naiara Silva et al. (2017)
pontuam que os efeitos psicossociais do racismo são ainda recentes.
Deste modo, o silenciamento sobre o tema de desigualdades sociais e raciais dificulta
a produção de corresponsabilização de cuidado, que é algo esperado pela política de saúde
mental, com participação de sujeitos e grupos familiares nas estratégias de convivência.
Acolher possíveis queixas e posições contrárias ao paradigma da atenção psicossocial
favorece a construção de alianças para o cuidado em saúde mental e a defesa política deste
modelo.
Algumas indicações e demandas para formação política foram feitas durante a
pesquisa. É importante demarcar qual posicionamento justifica e orienta as ações de
caráter psicossocial e da luta antimanicomial. Não participar, não se envolver, se omitir,
são também modos de ação política que podem contribuir ou não para a manutenção de
um estado de coisas. Se nos questionamos sobre quais os parâmetros existem para avaliar
quadros de saúde mental, qual concepção de saúde desenvolvemos, enquanto profissionais,
usuários(as), familiares, cidadãos(as), podemos desenvolver ações cotidianas que promovam
melhorias nas vidas que se cruzam e que são efeitos de encontros, trabalho e investimento.
A reforma psiquiátrica brasileira é um processo em andamento e que se configura como
um campo em disputa de interesses diversos. Seja em seu viés técnico, clínico e político,
seja nos parâmetros para sua implementação e financiamento, vemos na conjuntura atual
grupos que divergem nas suas ações e demandas ao poder público. Acrescentam-se a isso
os riscos de a força constitutiva do movimento de reforma psiquiátrica ser cooptada por
mecanismos disciplinares das formas atuais de gestão da vida (Giacoia, 2009). Enquanto
processo nacional em andamento, desde os anos de 1970, inúmeras contribuições de
Franco Basaglia (1985) têm sido utilizadas, tais como a caracterização das instituições da
violência: as quais incluem a família, os manicômios, as prisões, as escolas.
Mas além da relação entre tais instituições e o funcionamento do sistema capitalista,
perpetuando a reprodução de uma violência sobre os classificados como pacientes
psiquiátricos e um controle sobre os mesmos, é preciso abordar alguns aspectos que
nos levam à análise interseccional, que inclui as condições de raça e classe da população
assistida pelas políticas públicas.

Problematizar o manicômio e suas expressões abordando as relações de raça,


gênero e classe é ultrapassar os próprios muros que compõem a formação social
brasileira, e trazer a público um debate que ficou apagado ao longo da construção,
implementação e efetivação da Reforma Psiquiátrica Brasileira. (Passos, 2018, p.
14)

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Neste mesmo sentido, Melissa Pereira e Rachel Passos (2017) ressaltam que o modo
de produção capitalista aprofunda a racismo e o patriarcado já existentes desde antes de
seu desenvolvimento; o capitalismo mantém desigualdades e explorações de raça, gênero
e classe, ao mesmo tempo em que é mantido por elas. Atuar na saúde mental, revisitando a
história, permite outras construções coletivas para o presente e o futuro. Assumimos, desta
forma, o compromisso em articular a luta antimanicomial às práticas de enfrentamento ao
racismo — esta “relação de poder estruturante das relações sociais brasileiras” (David,
2018, p. 22).
Diferentes períodos históricos e nacionalidades denotam pontos de ressonância sobre
formas de legitimação da violência que levaram a mortes concretas e subjetivas, simbólicas
e físicas de pessoas em situação de sofrimento e exclusão social. Mazelas ligadas à nossa
história. “O colonialismo, para além de todas as dominações injustas e violentas, foi
também uma dominação epistemológica, uma relação extremamente desigual de saber-
poder que conduziu à supressão de muitas formas de saber próprias dos povos e/ou nações
colonizados” (Santos, 2013, p. 10).
Os percursos formativos e de práticas da Psicologia têm sofrido alterações a partir dos
questionamentos sobre os modos de construção de conhecimento, através da necessidade
de descolonização das nossas referências (Kilomba, 2019). Com tais questionamentos, a
categoria profissional tem utilizado de diversas relações institucionais, contribuindo para
o debate acerca dos efeitos do. É necessário que se produzam deslocamentos até sermos
capazes de descolonizarmo-nos a nós mesmas “o suficiente para acolher os sujeitos reais
deste país” (Silva, 2019, p. 21). Assim, tendo aprendido com Lélia Gonzales (1984) sobre
como o lugar em que nos situamos determina o modo de analisarmos o racismo e o sexismo,
as questões que são investigadas na saúde mental passaram a ser redimensionadas: não
seria mais possível tratar das relações entre familiares e equipes sem abordar devidamente
o lugar da mulher negra na correlação de forças neste campo.
Infelizmente, as hierarquias relacionais, sociais e culturais ainda são quase as mesmas
da escravatura. Nos governos nacionais do começo dos anos 2000 algumas iniciativas foram
desenvolvidas no sentido de desfazer o mito da democracia racial brasileira, bem como
ocorreram produções de indicadores que atestam como o racismo determina desigualdades
sociais (IPEA, 2011). Essa produção contribui para ações que deixem de invisibilizar tramas
históricas, destacando recortes de cor e raça (Oliveira, 2020). Construções identitárias e
de pertencimento compõem condições de adoecimento e saúde. Assumir o mecanismo que
impede o acesso a oportunidades em nossa sociedade é um dos passos para o combate ao
racismo.
Quanto às ações de reabilitação psicossocial, como a demanda por acesso a trabalho,
respeito às diferenças subjetivas, preservação e/ou ampliação de vínculos afetivos e
comunitários, estas não podem ser dissociadas das caracterizações políticas, econômicas
e sociais. São interações importantes para ampliarmos a convivência com pessoas em
situação de sofrimento mental e com a loucura, para além dos espaços estipulados como
“terapêuticos” e ocupados por profissionais “especializados(as)”.
Rachel Passos (2018) resgata, em seu trabalho, fundamentos ético-políticos do
movimento da luta antimanicomial. Considerando as africanidades que compõem nossa
cultura podemos fazer uma análise das relações familiares praticadas na rede de saúde
mental, visando não naturalizar as violências e as práticas de controle dos corpos e os
comportamentos de pessoas em sofrimento mental, estejam institucionalizadas ou não,

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estejam em acompanhamento de políticas públicas ou não. As referências deixadas por


teóricos(as) que ajudaram a constituir o movimento de reforma psiquiátrica podem ser
desenvolvidas a partir desse contexto social e do agenciamento com as lutas em defesa
de direitos, no “projeto societário de transformação” (Passos, 2017, p. 83) previsto nas
origens do movimento antimanicomial brasileiro.
Percorrendo a história da colonização do Brasil, notamos a tentativa de apagamento
das matrizes culturais dos povos colonizados e da herança da cultura de origens africanas.
Antônio Bispo Santos (2015) apresenta formas de resistência desses povos, incluindo as
manifestações de bases religiosas e a cosmovisão desenvolvida a partir da religiosidade,
uma vez que o catolicismo serviu para a promoção de genocídios culturais. Ele propõe,
assim, “um exercício de descolonização da linguagem e do pensamento” (Santos, 2015,
p. 15) ao tratar da colonização no Brasil, inclusive pelo fato de a ideologia católica ter
servido como fundamento para o processo de escravidão. Nessa direção, alguns arranjos
de organização comunitária são respostas sociais que se relacionam às condições de vida e
aos recursos de um povo para viver coletivamente e com dignidade, de onde se podem tirar
estratégias de enfrentamento a situações que levem ao sofrimento mental.
Em outro momento histórico, no Brasil, já em fase de industrialização no século XX,
as políticas desenvolvidas incentivaram funções de controle para pobres e miseráveis, como
modo de regulação de mão de obra, o que persiste: uma multidão de corpos considerados
fardos sociais são, ainda hoje, tratados como corpos descartáveis (Lobo, 2015). A
complexidade da formação social brasileira se relaciona aos efeitos da colonialidade e à
tradição de violência e crueldade articuladas nesse processo. É típica “a tenacidade do
capitalismo racial como regime de distribuição desigual de violência” (Mombaça, 2021, p.
38), aspecto em relação direta com o sofrimento e a vulnerabilização da população.
Revendo documentos e marcos teóricos desse processo, podemos reelaborar
perguntas sobre nossa história, no sentido de reconhecer fundamentos estruturantes da
realidade e “racializarmos a história da loucura no Brasil” (Passos, 2018, p. 17). E, assim,
fundamentar uma análise crítica sobre as condições que nos guiam pelos nossos ideais de
luta e pelos fundamentos práticos em relação a esses aspectos. Se observarmos a história
da loucura, podemos revisitar os fundamentos éticos da luta antimanicomial, construindo
nossos referenciais de acordo com valores que não sejam aqueles determinados por uma
elite econômica, política e intelectual (Foucault, 2010). Os valores essenciais da sociedade
burguesa são analisados pelo autor, evidenciando como as definições do que é loucura, e
seu modo de exclusão através da internação em hospitais, se associam a mecanismos de
controle da população e de coerção ao trabalho produtivo. Referenciais religiosos cristãos,
sacralização da propriedade privada, condenação de roubo e manutenção de costumes,
são articulados de modo estreito, gerando uma série de efeitos nas relações sociais e nas
subjetividades. As origens da abordagem cientificista da loucura estão nessa constituição
dos hospitais desenvolvidos para recolhê-la. Como estrutura que encarna a continuidade
da moral social, o manicômio concentra em si valores de um ideal de família e de trabalho
produtivo, sustentado pela uniformização. Assim, a luta antimanicomial se orienta,
fundamentalmente, contra essas normatizações e homogeneizações.

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RACISMO E SAÚDE MENTAL

Vidas transitórias, interseccionalizáveis

A vontade de exclusão das diferenças, os preconceitos raciais e a manicomialidade


enquanto referências morais concernem a todas nós. Mas as sutilezas que as experiências
de sofrimento expressam em suas singularidades exigem articulações e rearticulações
entre famílias, equipes, redes, pesquisadoras(es). Objetivos de melhoria de qualidade de
vida — para a qual as diferentes atividades participativas são tantas vezes evocadas —
requerem experimentações que não tenham somente caráter técnico e informativo. São
modos de agirmos e nos conscientizarmos da necessidade de se firmarem lutas conjuntas
para acesso a vidas dignas para todos os corpos.
Nesta pesquisa percebemos como têm se realizado os modos de produção de
subjetividade na rede de saúde mental, com destaque para as relações estabelecidas entre
familiares e trabalhadoras(es) desta rede. Campo este que pode se beneficiar de confluências
entre a subjetividade e a cultura na criação dos mundos e microuniversos de atores sociais
envolvidos, favorecendo a criação de dispositivos que contribuam para a invenção de
subjetividades polifônicas e mutantes. “Não há subjetividade sem uma cartografia cultural
que lhe sirva de guia; e, reciprocamente, não há cultura sem um certo modo de subjetivação
que funcione segundo seu perfil. A rigor, é impossível dissociar estas paisagens” (Rolnik,
1997, p. 28). Tais noções implicam em modos específicos de abordarmos os problemas da
pesquisa, para darmos ênfase aos fluxos que atravessam os sujeitos e que produzem efeitos
neles.
A esquizoanálise pode ser uma ferramenta para lidarmos com grupos familiares
na rede de atenção psicossocial, defendendo vidas singulares e coletivas e levando em
consideração preocupações éticas ampliadas.

A esquizoanálise não optará, então, por uma modelização com a exclusão de uma
outra. Tentará discernibilizar, no interior de diversas cartografias em ato em uma
situação dada, focos de autopoiese virtual, para atualizá-los, transversalizando-os,
conferindo-lhes um diagramatismo operatório (por exemplo, por uma mudança
de matéria de Expressão) tornando-os operatórios no interior de Agenciamentos
modificados, mais abertos, mais processuais, mais desterritorializados. A
esquizoanálise, mais do que ir no sentido de modelizações reducionistas
que simplificam o complexo, trabalhará para sua complexificação, para seu
enriquecimento processual, para a tomada de consciência de suas linhas virtuais
de bifurcação e de diferenciação, em suma, para sua heterogeneidade ontológica.
(Guattari, 1992, pp. 90-91)

Para Roberta Oliveira (2020), vidas e diversas formas de estar no mundo, projetos de
felicidade e de resistência aos mecanismos de controle e poder são potenciais criativos a serem
partilhados. Em consonância com a autora, demarcamos intenção de não compactuar com
modos de inviabilização de determinadas vidas. Buscar epistemologias, tramas territoriais,
políticas, sociais, incluindo territórios existenciais, pautadas no desejo de maior igualdade
de oportunidades e de superação de silenciamentos. A racialização e o mito construído
de uma suposta superioridade racial, correlatos à vontade de classificar, hierarquizar,
subjugar e explorar povos, recursos e territórios é o que justifica a permanência de práticas
e relações racistas. São dores que podem ser trabalhadas e superadas, mesmo que tenhamos
pistas para ações, sem necessariamente garantias do que pode advir. Algo que acompanhe
os movimentos e as oscilações das relações que temos com outros e entre nós.

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RACISMO E SAÚDE MENTAL

Já Antônio Bispo dos Santos (2019) problematiza o modo de pensamento, o qual


denomina de contracolonialista: impedir o processo colonizador de ser feito, usando um
termo que nosso povo compreenda — ao invés de usar o termo decolonialidade. Ele associa
a cosmologia dos povos originários e a relação de pertencimento identitário com nossos
territórios. O autor propõe romper as fronteiras das instituições colonialistas, considerando-
as lugares de passagem. E, ainda, aprender com as lutas de quem esteve secularmente
excluído do Estado de direito e fazer alianças (Santos, 2019). Como cada território, cada
local, cada comunidade tem suas regras e modos de funcionamento, podemos nos tornar
vetores para outra construção dos nossos passados e consequente reatualização dos nossos
valores, cientes de que nossas singularidades são sempre articuladas à história coletiva.
Em uma conversa com uma familiar, participante da pesquisa, ela fez votos de que algo
pudesse brotar daquela semente jogada ali, na conversa do grupo constituído. Uma mãe que
falava muito a respeito da sua filha. Pensamos que as experiências acumuladas permitem
identificar elementos férteis para o desenvolvimento de novas vidas, em processos que
permaneçam, a despeito das disputas de territórios e recursos que presenciamos e dos
quais fazemos parte. As práticas e pesquisas em Psicologia orientadas por essa direção
podem contribuir, afinal, para que contextos e pessoas possam se reconstruir a partir do
que lhes afeta: que possam falar do que lhes parece importante, rompendo silenciamentos
e segregações.
Para enfrentarmos o racismo, no cotidiano dos serviços, é preciso analisarmos
conjuntamente como estas linhas de força se atualizam, em que medida provocam
dores, conflitos e sofrimentos, considerando modos de subjugação de pessoas negras e
os processos de subjetivação capitalistas (Lima, 2017). Reconhecer os privilégios que a
minoria da população brasileira detém e os atravessamentos que levam a objetificação de
pessoas loucas, negras ou não brancas, vulnerabilizadas pode permitir deslocamentos para
não perpetuarmos relações de poder e lógicas de controle nas relações que estabelecemos.

Considerações finais

O texto apresenta discussões sobre saúde mental, racismo, relações familiares e


práticas de atenção psicossocial no SUS. Ele articula conceitos do campo da psicologia
social — tais como identidade, vulnerabilidades, relações sociais, entre outras — e relata
experiências de atuação prática para a categoria profissional no campo da saúde mental.
No atual campo da Psicologia são necessárias práticas que permitam dar vazão às
subjetividades e aos referenciais que permitam articular dimensões individuais e coletivas
relacionadas ao campo da saúde mental. O texto resulta de pesquisa de doutorado que
investigou estas relações, enfatizando relações entre equipes profissionais e famílias
pelos serviços de saúde mental no SUS. Do ponto de vista epistemológico e político,
toma familiares como construtores de conhecimento; além de incluir análises em diálogo
com interseccionalidade no campo da saúde mental, o que ainda é incipiente. Persistem,
contudo, riscos de se tratar a família como modelo ou padrão; e as vivências de cada serviço,
grupo familiar e território permitem o rastreamento de forças sobre as singularidades das
relações estabelecidas em cada contexto.

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RACISMO E SAÚDE MENTAL

Escrever sobre si, sobre nós, permite que refaçamos posicionamentos, sustentando
indagações sobre o nosso próprio fazer, em prol de construções comuns. Implica em estarmos
dispostas a falar sobre o que não é falado, sobre assuntos muitas vezes interrompidos
com intenção de silenciar e negar certos fatos históricos. Fazer leituras que inspiram
outras poéticas para o trabalho, cujo caráter político não é desconsiderado, permite ir
além de ressentimentos e contribuem para práticas profissionais revitalizadas. Criando
possibilidades de vida. Buscando, enfim, contribuir para um exercício da Psicologia que
aposte em compromissos éticos para gestão do cuidado em saúde mental e para modos
de relacionar com a loucura que respeitem as singularidades das pessoas e das situações
sociais, considerando as especificidades de grupos familiares com os quais lidamos nas
políticas públicas.
Sejamos antirracistas, antimanicomiais e contracoloniais na saúde mental.

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RACISMO E SAÚDE MENTAL

TULÍOLA ALMEIDA DE SOUZA LIMA


https://orcid.org/0000-0002-9788-9592
Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora
do Curso de Especialização em Saúde Mental da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais.
E-MAIL: tuliolaa@gmail.com

ROBERTA CARVALHO ROMAGNOLI


https://orcid.org/0000-0003-3551-2535
Doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais.
E-MAIL: robertaroma1@gmail.com

Submissão: 31/07/2023
Histórico Revisão: 29/09/2023
Aceite: 30/09/2023

Concepção: TASL
Curadoria de dados: TASL
Contribuição dos autores Análise de dados: TASL; RCR
Redação do manuscrito original: TASL; RCR
Redação - revisão e edição: TASL

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de


Financiamento Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Códi-
go de Financiamento 001. Edital n. 41/2018.

A pesquisa foi aprovada no comitê de ética de referência e cadas-


Aprovação, ética e consentimento
trada pelo CAAE 01247618.0.3001.5140.

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