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Glossario de Termos Do Pensamento Contracolonial Brasileiro

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1ª edição
D e
Coordenação geral
Thaís Seganfredo

Coordenação editorial
Anna Ortega

Redação
Alexandre Briozo Filho
Anna Ortega
Pedro Tubiana

Identidade visual
Aline Gonçalves | Toda Maria Gira

Diagramação
Thaís Seganfredo

Direção executiva | Nonada


Rafael Gloria

Associação Cultural Nonada Jornalismo


lab@nonada.com.br
nonada.com.br
Esta publicação tem licença de reprodução livre e pode ser replicada em outros
meios, desde que citado o crédito e o link para o site do Nonada
Sumário

02 Boas-vindas

04 Glossário
Decolonialidade:
49 uma origem afro-indígena
57 Quem somos

58 Referências Bibliográficas
Boas-vindas,
Você acaba de pousar no Glossário de Termos do
Pensamento Contracolonial Brasileiro, uma proposta
do Nonada pensada para ser um ponto de partida para
ecoar ideias de intelectuais brasileiros que pensam a partir
da contracolonialidade. Espera-se que uma publicação
como esta siga uma ordem alfabética, mas saiba que não
vamos por essa linha.

Aqui, nosso início será com a palavra “Sopapo” e


terminará – ou recomeçará – no termo “Encruzilhada”.
Ao passar das páginas, 22 termos importantes do
pensamento contracolonial serão apresentados, em uma
ordem que pretende contar uma história. Do Sopapo,
vamos ao Griô, então ao Pretoguês, e depois à
Escrevivência. Preste atenção nisso e, enfim, pode ir se
aprochegando!

O Glossário é um desdobramento da Rede Veredas,


nosso projeto que reúne artistas e educadores interessadas
e interessados em uma perspectiva centrada no sul global,
com interseccionalidade em questões de gênero, raciais,
geográficas e outras questões sociais e identitárias.

O desejo é que este glossário seja fonte - de pesquisa,


inspiração, questionamento. Embora o sentido de
glossário seja eminentemente colonial – o lugar das
definições e respostas, a coexistência de duas palavras que
podem se contradizer nos interessa.
pg 2.
A proposta segue o conceito de “Repartir”, criar um outro
ponto de partida, não individual, mas compartilhado. A
publicação insere-se em um campo maior que pesquisa a
descolonização com muita consistência, e há muito tempo.
Desejamos também que ela seja um lugar de onde se parte,
uma base, um início; e também que se parta, se quebre,
esmiúce-se em outras coisas mais. Partir é base de Repartir,
ou seja, de compartilhar saberes.

Várias das fontes de pesquisa para a construção desta


publicação foram reportagens publicadas ao longo dos
últimos anos no Nonada Jornalismo. A criação de um
Glossário a partir delas é também uma espécie de manifesto,
de voto e crença que temos, enquanto organização sem fins
lucrativos jornalística e cultural, de que o jornalismo
constrói conhecimento.

Cada termo presente está acompanhado de uma explicação e


de dicas culturais, contemplando diversas linguagens
artísticas – cinema, literatura, artes visuais, performance,
artes cênicas e culturas populares, que se relacionam ao
termo.

A intenção é de que o conhecimento aqui construído se


afaste do sentido da definição racional, cartesiana, e se
aproxime do valor de experiência corporal, apreendida com
os sentidos em confluência. Artistas, pesquisadores, mestres
e mestras de cultura referências do Glossário fazem, a partir
de suas pesquisas, convites. Que a gente possa mergulhar em
suas propostas, deixar que o mundo se parta e se reparta.
Partiu?
pg 3.
Foto: Alass Derivas/Nonada
GLO
SSÁ
RIO
De termos do pensamento
contracolonial brasileiro

pg 4.
Sopapo
Tambor de grandes O festival ao ar livre
proporções com forte timbre CABOBU, em Pelotas, cuja
feito de madeira e couro terceira edição aconteceu em
animal, trazido ao Rio Grande 2023, é uma celebração à
do Sul por africanos cultura dos tambores na
escravizados. Comumente cidade, mais especificamente
utilizado no carnaval de Porto uma reverência ao sopapo.
Alegre, Pelotas e Rio Grande,
o sopapo costumava ser O nome é uma homenagem a
produzido pelos negros três mestres do sopapo em
trabalhadores da região das Pelotas: Cacaio, Boto e Bucha.
Charqueadas do Sul do Brasil Idealizado pelo sopapeiro
no século XIX. Giba Giba, o festival é um
marco da cultura afro-gaúcha,
Além de bastante presente na evidenciando a presença da
época de carnaval, o sopapo ancestralidade africana no
também está presente em estado, conhecido por exaltar
bares e casas de religião de sua herança europeia.
matriz africana.

Dica cultural
No livro "O Sopapo Contemporâneo — Um Elo com a
Ancestralidade" (MS2 Editora, 2021) o músico e luthier José

pg 5.
Batista aborda a importância do instrumento de percussão
para a cultura. Filho de Mestre Baptista, mestre de bateria e
reconhecido ‘sopapeiro’, Zé nos convida a fazer uma travessia
e ouvir de perto o grande tambor afro gaúcho. A obra adentra
a feitura do instrumento, seus significados culturais e
espirituais, e mergulha na história da família Batista, natural
de Pelotas no Rio Grande do Sul.

Uma artista para conhecer


Nina Fola é artista, compositora e percussionista. O Sopapo é
um dos instrumentos presentes na trajetória afrocentrada de
Nina. Cientista Social, Mestra e Doutoranda em Sociologia, a
artista pesquisa sobre o conhecimento desenvolvido nos
espaços populares negro-africanos constituídos
principalmente no RS. Conheça sua produção musical.

pg 4.
pg 6.
GRIÔ
O termo Griô se origina a Babalorixás, são griôs dos
partir da tradição africana da nossos tempos. Figuras com
oralidade. Griô é quem quem podemos sentar ao pé,
preserva conhecimento como se fossem uma árvore, e
(heranças ancestrais) e o ouvir conhecimentos que
transmite oralmente (de atravessaram gerações.
geração em geração), seja por
meio de poemas, canções ou Esses mestres da cultura
histórias. inserem no dia-a-dia uma
sabedoria que não se encontra
Guardiões da cultura, das na didática dos livros.
tradições e dos costumes, Segundo Mestre Chico, pai de
foram os griôs que santo do terreiro Ponto de
permitiram a conservação das Cultura Tambores de Angola,
tradições africanas diante da assentado na Zona Norte de
proibição da prática das Porto Alegre, o trabalho de
mesmas pelo domínio quem é griô pode ser
impositivo do colonialismo, resumido com uma metáfora.
configurando a oralidade
como meio de resistência. No “Quando se planta uma
cotidiano, diversos griôs árvore, a gente não sabe
passam por nós sem nos quanto tempo ela vai levar
darmos conta. Figuras como para crescer e dar frutos, mas
os mestres e as mestras de você mesmo assim tem que
cultura, Ialorixás e

pg 7.
plantar. Você não pode É nesse lugar de difusão de
plantar pensando que você um saber ancestral a partir de
mesmo quer se alimentar sua transmissão oral que
dela. Se eu não estiver aqui reside a essência do griô.
amanhã para provar seus
frutos, outras pessoas
estarão.”

Dica cultural
Na série de vídeos “Trajetórias”, do Itaú Cultural, uma série
de vídeos aborda carreira e a contribuição de diferentes
personalidades brasileiras para as artes e a cultura do país.
Intelectuais como Leda Maria Martins, Inaicyra Falcão, Nego
Bispo e Marcos Terena compartilham seus conhecidos sobre
diversos temas, como o teatro, a televisão, o cinema, em
diálogo com a memória, ancestralidade, a luta de povos
indígenas e cultura afro-brasileira.

Uma música para ouvir


“Leque de Oxum”, de Inaicyra
Falcão, é uma canção lírica que
integra o disco “Okan Awa (nosso
coração)” - Cânticos Da Tradição
Yorubá”, lançado em 2000. O trabalho
é uma homenagem ao centenário de
nascimento da cantora à sua avó, a
importante Iyalorixá do Ilê Axé Opô
Afonjá, da Nação Ketu. foto: reprodução

pg 8.
PRETOGUÊS
Cunhado pela antropóloga e assim como a pronúncia da
ativista mineira Lélia sílaba tônica em substituição
González, o termo representa à palavra toda (“você” vira
a africanização da língua “cê”, “está” vira “tá”).
brasileira a partir da inserção
da herança linguística O pretoguês faz parte da
africana no português aqui linguagem "viva", ou seja,
falado, através da substituição uma linguagem que se
de fonemas ou da contração modifica de acordo com as
de palavras. influências socio-culturais de
um povo. Por preconceito, o
Na África Subsaariana, de uso do pretoguês ainda é
onde vieram os africanos, os hostilizado e atribuído à falta
fonemas associados às letras de instrução.
“L” e “R” eram
desconhecidos. No processo A predominância de
de aprendizado da língua ideologias de branqueamento
portuguesa no Brasil por esses relega a influência da
povos, o som do “R” foi linguagem africana na língua
apropriado com mais força. portuguesa ao termo "cultura
Um exemplo é a retirada do R popular", que incentiva uma
gutural do final das palavras, visão limitada que minimiza a
como nos verbos do infinitivo contribuição negra na
(“estar” vira “está”, “comer” formação do idioma
vira “comê”), brasileiro.
pg 9.
Dica cultural
O Iorubá é um dos idiomas que influencia o português. Além de
ser uma língua, o Iorubá é um conjunto cultural presente nas
religiões de matrizes africanas, e nos povos Yorùbá, que vivem
em países como Nigéria, República do Benin, Gana e Togo. Os
terreiros são espaços onde o Iorubá é expressado por todo Brasil.
Cada vez mais, as universidades têm incorporado o estudo da
cultura em núcleos específicos, como a UFRGS e a UFBA. Leia
a reportagem “Nossas palavras emitem axé” sobre como o
Pretoguês, que acabamos de aprender, faz parte de nossa
cultura.

Uma obra de arte para conhecer


“Riscos d’ Prets Velhs” (2022) é uma obra do artista visual
Alexandre Alexandrino. O quadro apresenta dois cachimbos
espelhados, de forma que um parece olhar para o outro. Acima
de cada objeto, uma vela branca flutua. Em uma releitura da
obra definidora da história da arte, do surrealista belga René
Magritte, “Isto não é um cachimbo”, o artista nascido em
Carapicuíba (SP) escreve “Ceci une preta velho” (Isto é um
Preto Velho) e “Ceci une Preta Velha” (Isto é uma Preta Velha).
A produção do artista abre espaço para as entidades da
Umbanda, os pretos velhos, e nos faz questionar a história
ocidental e branca da arte, que não consegue olhar além de suas
próprias referências.

pg 10.
ESCREVIVÊNCIA
O termo criado pela escritora um grupo social, indo além
Conceição Evaristo, do eu. Nas palavras da
"escrevivência" é uma junção escritora, "o termo tem como
das palavras "escrever" e imagem fundante as africanas
"vivência". Conforme explica a e suas descendentes
escritora, o termo trata da escravizadas dentro de casa.
escrita da vivência, de quem Uma das funções delas era
escreve como força motriz contar histórias para
para o desenrolar de uma adormecer os meninos da
narrativa. Ainda que seja casa-grande. A palavra das
escrever sobre si, o termo não mães pretas e Iabás era
é sinônimo de relato domesticada, na medida em
autobiográfico. que tinham que usá-la para
acalentar essas crianças".
A escrevivência tem força Invertendo esse processo,
política porque traz um hoje a escrevivência de
panorama socioeconômico e mulheres negras se dá não
cultural do ambiente em que com o objetivo de ninar
vive aquele que escreve, crianças e apaziguar as
denunciando mazelas sociais e consciências, mas com o
escancarando preconceitos intuito de incomodar aqueles
vivenciados no cotidiano por que residem na casa-grande.

pg 11.
Dica cultural
As reflexões sobre o que é ser uma escritora negra no Brasil
atravessam gerações. Conceição abriu caminhos para que
novas escritoras e artistas pudessem, não só publicar sobre
suas próprias obras, mas também reivindicar lugares próprios,
longe de estigmas ou de rótulos enclausurantes. O livro "O que
é ser uma escritora negra hoje, de acordo comigo" (Todavia,
2023), de Djaimilia Pereira de Almeida, fala sobre seu ensaio-
manifesto, que discute questões políticas e existenciais do
embate com o racismo. A obra reúne dois ensaios e uma
conversa, sendo essa última fruto da interação entre Djaimilia
e Stephanie Borges, poeta, escritora e tradutora brasileira.

Uma artista para conhecer


Nascida em São Leopoldo (RS),
Mitti Mendonça é artista têxtil,
designer e ilustradora. Se
aproximou dos fios e agulhas, aos
12 anos de idade, e tem como
referência as mulheres de sua
família, onde parte das técnicas
que utiliza em seu processo
criativo estão presente por
gerações. É a partir do bordado,
pintura, colagem e ilustração
digital, que seus trabalhos
costuram questões de
ancestralidade, memória, afeto e
feminismo negro. foto: acervo pessoal

pg 12.
ORALITUDE
Conceito proposto em tradições performáticas (em
contraposição à escrita como que a voz e o corpo assumem
meio oficial e que detém a destaque na expressão e
capacidade de armazenar e transmissão de saberes) a sua
transmitir saberes, a oralitura natureza meta constitutiva,
é uma ode à cultura da "nas quais o fazer não elide o
oralidade. Para a professora, ato de reflexão; o conteúdo
poeta, ensaísta e dramaturga imbrica-se na forma, a
Leda Maria Martins, a memória grafa-se no corpo,
oralitura diz sobre a produção que a registra, transmite e
e disseminação do modifica dinamicamente".
conhecimento a partir de
manifestações performáticas Ela explica que, nessas
culturais, tendo a mesma tradições, “o corpo não é
força da palavra escrita. apenas a extensão de um
saber reapresentado e nem
Quem transmite arquivo de uma cristalização
conhecimento através do estática, mas local de um
corpo e da voz evoca um traço saber em contínuo
residual, que inscreve no movimento e recriação
tempo saberes, valores, formal, remissão e
conceitos, visões de mundo e transformações perenes do
estilos. Segundo Leda Maria, corpus cultural".
é importante ressaltar nas

pg 13.
Dica cultural
As culturas indígenas e afro-brasileiras ensinam a Oralitura
como fundamento para a construção do saber. Na série
“Conversa na Rede”, que integra seu ciclo de estudos
nomeado “Selvagem”, Ailton Krenak convida pessoas para
conversas profundas sobre a vida enquanto se balança na rede.
A oralitura se apresenta à medida que o aprendizado não está
contido, naquele corpo da sala de aula ocidental, ou de uma
palestra, mas, na rede-canoa que convida a uma travessia. A
própria obra de Ailton Krenak nos lembra que a oralidade é
um grande veículo de experiência, conhecimento e
ancestralidade.

Uma obra de arte para conhecer


Natural de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, Maria Lira
Marques é ceramista, pintora e pesquisadora autodidata. O
interesse pelo barro surgiu ainda na infância, observando a
mãe criar presépios em barro cru para presentear vizinhos. Foi
com a cera de abelha que o pai usava em sua sapataria que
moldou seus primeiros objetos. Mais tarde, aprendeu o ofício
com a vizinha Joana, ceramista que lhe ensinou a coleta
correta do barro e sua queima em forno à lenha. A trajetória da
artista é embebida de oralitura, seja na transmissão do saber da
argila, seja na forma como foi tornando-se artista ao longo da
vida. Em 2023, realizou sua primeira exposição institucional ,
intitulada “A Roda dos Bichos”, no Instituto Tomie Ohtake,
em São Paulo.

pg 14.
ESPIRALAR
No livro “Performance do Segundo a professora, "a
tempo espiralar”, Leda Maria concepção de tempo não é só
Martins explora uma filosófica ou que funda a
concepção de tempo que foge ideia de história. É também
da convenção temporal algo utilizado para o controle
ocidental – que preza pela social".
cronologia e tem como base
de registro a escrita –, Uma vez que as culturas não-
abraçando uma visão ocidentais enfrentam
decolonial e enxergando a diversos epistemicídios, foi a
passagem e o registro do tradição da oralidade, por
tempo também a partir do exemplo, que permitiu a
corpo e da voz. resistência de conhecimentos
ancestrais. Em contrapartida
Espiralar, nesse sentido, à cultura ocidental pautada
significa uma essencialmente pela escrita,
complexificação da noção de os saberes desses povos
tempo e como o corpo e a voz propõem diferentes formas
exercem efeitos sobre suas de organização do tempo.
propriedades.

pg 15.
Dica cultural
Em “Performances do tempo
espiralar” (Cobogó, 2021), poéticas
do corpo-tela, a ensaísta, poeta,
dramaturga e professora Leda Maria
Martins explora as inter-relações
entre corpo, tempo, performance,
memória e produção de saberes,
principalmente os que se instituem
por via das corporeidades. Em novas
dicções, a autora consolida o conceito
de tempo espiralar, que surge pela
observação de práticas comunitárias e
no fundamento cognitivo de vários
grupos étnicos africanos – que nas
Américas recriaram seus laços de
Foto: Paulo Bernardo/divulgação
pertencimento telúrico.

Uma artista para conhecer


A poética da artista Mayara Ferrão, natural de Salvador, não
vê o passado como imutável. Com sua série “Álbuns de
Desesquecimentos”, a artista utiliza a tecnologia de IA em
fotografia e vídeo para imaginar e construir histórias de afeto
protagonizadas, sobretudo, por pessoas negras e indígenas. As
imagens de mulheres se amando, se beijando, festejando, vivas
e em estados de prazer, alegria e conexão nos provocam a
pensar como o passado e o futuro podem ser recriados. Os
tempos, nas fotografias de Mayara, se misturam no agora.

pg 16.
SANKOFA
Termo originário da língua abordagem social, o sankofa é
Twi ou Axante, do povo utilizado no sentido de
Akan da África Ocidental e contemplar a História com o
trazido ao Brasil no período objetivo de entender melhor a
colonial pelos escravizados, atualidade e a construção de
sankofa é um adinkra – identidades para propor
sistema de comunicação cenários mais promissores
baseado em símbolos que para o futuro.
representam uma mensagem
ou provérbio – que significa Os movimentos sociais
nunca é tarde para voltar e brasileiros são marcados pela
apanhar o que ficou para trás. simbologia do sankofa. As
O símbolo do sankofa é manifestações realizadas pelo
representado por um pássaro movimento negro brasileiro,
cuja cabeça é voltada para por exemplo, são embasadas
trás, com um ovo na ponta do no ato de olhar para os quase
bico. 400 anos de escravidão
imposta aos negros e
Na etimologia da palavra, 'san' reivindicar a formulação de
significa 'retornar', 'ko' políticas afirmativas para
significa 'ir' e 'fa' equivale a tentar reduzir as
buscar' ou 'procurar'. Dentro desigualdades raciais que
desses conceitos e numa estruturam a cadeia social
racista do país. O mesmo

pg 17.
ocorre com o movimento direitos das populações
feminista e com a luta pelos LGBTQIA+.

Dica cultural
O livro “Adinkra – Sabedoria em símbolos africanos”
(Cobogó, 2022) reúne os ideogramas da escrita da tradição dos
povos do grupo linguístico Acã, da África Ocidental. Em um
universo filosófico e estético baseado no corpo humano,
figuras de animais, plantas, astros e outros objetos, os
desenhos incorporam, preservam e transmitem aspectos da
história, filosofia, valores e normas socioculturais dessa rica
cultura africana. O livro apresenta mais de 80 símbolos
acompanhados por significados, provérbios e simbologia
originais.

Um trabalho artístico para conhecer


Em “Se o Mar Tivesse Varandas” (2017), a artista visual Aline
Motta cria uma ponte de um extremo do Atlântico ao outro,
entre o Brasil e o continente africano, à medida que as imagens
dos familiares da artista surgem por sobre as águas. Como um
reflexo do inconsciente e de si mesmo, a água também é
entendida como um veículo de histórias que muitas vezes
estão ocultas, e precisam ser invocadas para se fazerem
presentes. Ao banhar os retratos de seus antepassados em
água, busca trazê-los de volta para seus lugares de origem,
onde tudo começa e termina, em ciclos contínuos de
renovação e transmutação.

pg 18.
AMÉFRICA
O termo cunhado pela inferiorização da cultura
antropóloga e ativista mineira desses povos ao longo do
Lélia González representa a período de colonização, mas
ancestralidade do povo negro também ressalta a inserção da
ligada aos povos ameríndios e diáspora africana e da
africanos. Nas palavras de contribuição ameríndia na
Lélia, Améfrica Ladina ou constituição do continente.
amefricanidade é uma
categoria político cultural que Para a escritora e cientista
traça um novo olhar sobre a social Luciana Brauna, o
formação do Brasil e da movimento de
América Latina, considerando amefricanidade também
as contribuições dos povos representa uma possibilidade
negros e indígenas na de luta enquanto um campo
construção cultural do de identificação que não se
continente americano. restringe apenas ao território
ou às particularidades da
A proposição do termo identidade, mas que resulta
Améfrica destaca não só as numa unidade na diversidade
tentativas de apagamento como forma de combater esse
sistemático e de regime de dominação e
apagamentos históricos.

pg 19.
Uma exposição para pesquisar
“Amefricanas” é um dos núcleos expositivos de Dos Brasis, a
mostra mais abrangente dedicada exclusivamente à produção
de artistas negros contemporâneos já realizada no Brasil. Com
curadoria-geral de Igor Simões, a exposição circula pelas
Unidades do Sesc do Brasil até 2034. Em “Amefricanas”, situa-
se o longo processo histórico de presença e agência de
mulheres negras nas Américas – e nas artes. O catálogo da
exposição mostra como o núcleo celebrou a junção e
individualidade de intelectuais, artistas, escritoras, líderes
políticas e religiosas contemporâneas.

Um trabalho artístico para conhecer


Na série “Artistas no Ateliê” (2022), a artista Panmela Castro
pinta o afetos de amigos artistas com quem mantém
relacionamento e até mesmo alguns outros que são referência
para a artista e sua geração. No fim das contas, a série se
tornou um inventário intelectual de seu tempo. Uma
característica dessa série é a metalinguagem. As obras
produzidas durante o encontro no ateliê aparecem na pintura
que, entre o lugar, cria um registro histórico e temporal.
Rosana Paulino e Maria Auxiliadora são duas das mulheres
retratadas.

pg 20.
quilombismo
Durante a escravidão, negros econômico alternativo ao
escravizados fugitivos se sistema capitalista, que
organizavam em prioriza o lucro a qualquer
comunidades chamadas curso.
quilombos. O ato de
revolução deixou como No quilombismo, todos os
herança as comunidades elementos que constituem o
quilombolas que hoje território, como a
representam a resistência propriedade, os meios de
negra no panorama social produção e demais fatores da
racista brasileiro. natureza, são de propriedade
e uso coletivo. As vivências
Para o poeta, escritor e propostas pelo quilombismo
ativista Abdias do asseguram a realização plena
Nascimento, o quilombismo do ser humano.
se trata de um sistema

Dica cultural
O livro “Grito dos Quilombos: Histórias de
resistência de um Brasil silenciado”
(Todavia, 2024), dos jornalistas Tayguara
Ribeiro e Marina Lourenço, mostra como o
foto: divulgação

saber quilombola, essencialmente coletivo,


segue sendo muito negligenciado no país.
Para traçar um panorama atual dos povos
pg 21.
quilombolas, formados por mais de 1,3 milhão de pessoas em
mais de 7,6 mil comunidades, o livro percorre oito estados
brasileiros, em busca de moradores que contrariam uma
estratégia de apagamento estrutural e constroem maneiras de
resistir.

Uma obra audiovisual para assistir


O núcleo educativo do Museu de Arte Moderna (MAM)
desenvolveu uma série de vídeos para apresentar artistas
modernistas à crianças. O projeto AniMAM elegeu Abdias
Nascimento como o primeiro da série. Através de pinturas,
textos e poemas do artista, a edição conta com animação do
Estúdio Roncó e música de MC Tha e Mahal Pita. Em uma
experiência 3D narra o universo colorido de figuras encantadas
da vida e obra de Abdias.

pg 22.
dívida
impagável
pelo regime escravocrata que
De cunho sociológico e
ainda ecoam na atualidade.
embasado no passado de
Ainda que se constate essa
escravidão imposta aos negros
impossibilidade de retorno do
e povos originários, o termo
que foi tomado, e também
ressignificado pela professora
que a descolonização é
e filósofa fluminense Denise
impossível materialmente,
Ferreira da Silva diz sobre a
para Ferreira da Silva existe
impossibilidade de retornar a
nesse esforço um valor ético
esses povos e suas culturas
imprescindível, uma vez que
aquilo que foi extraído, em
orienta a tomada de decisões
virtude das consequências
para tentar minimizar os
éticas e morais produzidas
efeitos dessa extração.

Dica cultural

“Memórias da Plantação” (Cobogó, 2019) é


uma compilação de episódios cotidianos de
racismo, escritos sob a forma de pequenas
histórias psicanalíticas. Das políticas de
espaço e exclusão às políticas do corpo e do
cabelo, passando pelos insultos raciais,
foto: divulgação
Grada Kilomba desmonta, de modo
pg 23.
incisivo, a normalidade do racismo, expondo a violência e o
trauma de ser colocada/o como Outra/o. Obra interdisciplinar,
que combina teoria pós-colonial, estudos da branquitude,
psicanálise, estudos de gênero, feminismo negro e narrativa
poética, esta é uma reflexão essencial e inovadora para as
práticas descoloniais.

Um artista para conhecer


Yhuri Cruz (RJ) é um artista visual, escritor e dramaturgo,
baseado no Rio de Janeiro. Elabora sua prática artística e
literária a partir de proposições cênicas e instalativas que
discutem arquivos históricos, ficções e fabulações da diáspora
negra no Brasil e no mundo. Trabalha de forma expandida
com escultura, desenho e filme. Cruz se dedica especialmente
a sua longa série de performances que o próprio artista nomeia
de “Cenas Pretofágicas” (Emancipation plays). Realiza o
projeto Pretofagia, uma investigação da expansão contínua da
subjetividade preta e sua emancipação, que conta com mais de
cinco exposições-cenas participantes.

pg 24.
dispositivo de
racialidade
Um conceito e também o instituições até proposições
título de uma das mais filosóficas. Em um
importantes intelectuais de dispositivo, tanto o dito
nosso tempo, Sueli Carneiro. quanto o não-dito
“Dispositivo de racialidade: a influenciam o
construção do outro como funcionamento.
não ser como fundamento
do ser” (Zahar, 2023) é uma O Dispositivo de Racialidade
edição da tese da pode ser visto, segundo Sueli,
pesquisadora, publicada através do discurso. É nele
originalmente em 2005, no que se estabeleceu
doutorado em Educação na historicamente que o negro
Universidade de São Paulo. seria o outro, em oposição ao
branco, que seria o “igual”, o
O Dispositivo de Racialidade é homogêneo, a referência.
uma elaboração de Sueli, a Assim, o poder, a estética, e a
partir de Foucault, sobre intelectualidade são
como as relações raciais embasadas, na história,
funcionam no Brasil. Por sempre em concordância com
tratar-se de uma série de um “padrão branco” – o que
práticas, presentes desde as promove, no campo das

pg 25.
produções intelectuais, um também sobre a vida e a
epistemicídio. O impacto do morte, pois define que vidas
Dispositivo de Racialidade é valem mais, todos os dias.

Dica cultural
Depois do sucesso de crítica e público dos podcasts Vidas
Negras e Negra Voz, Tiago Rogero amplia o trabalho no livro
“Querino: um olhar afrocentrado sobre a história do Brasil”
(Fósforo, 2024). Baseado no 1619 Project, trabalho da jornalista
estadunidense Nikole Hannah-Jones para o The New York
Times, Rogero propõe um olhar sobre a história do Brasil a
partir da centralidade do povo negro. O livro conta com
material inédito que amplia os oito episódios do podcast —
incluindo entrevistas e imagens de figuras negras que foram
apagadas dos manuais de história.

Uma iniciativa para conhecer


A Casa Sueli Carneiro é uma instituição negra que busca
manter, cultivar e expandir o legado da militante e intelectual
Sueli Carneiro, do movimento de mulheres negras e do
movimento negro brasileiro, a partir da memória, cultura,
educação e incidência política. No site, é possível consultar. A
organização oferece cursos, pesquisas, e disponibiliza o acervo
de mais de 4.074 documentos que Sueli Carneiro acumulou ao
longo da vida desde os anos 70.

pg 26.
pacto da
branquitude
O pacto da branquitude - tratadas enquanto mérito, o
conceito chave para a que justifica a alta posição de
escritora Cida Bento -, não é poder desse seleto grupo de
um acordo firmado pessoas.
verbalmente ou em papel. Ele
acontece de modo silencioso, A partir dessa narrativa, os
mantendo um segmento, em que são deixados de fora são
geral masculino e branco, nos vistos e tratados enquanto
lugares de poder do país. Esse incapazes, não preparados.
mesmo grupo de iguais é Muito se fala de como a
fortalecido pelo pacto que herança da escravidão causa
exclui quem não o integra. impactos negativos na vida de
pessoas negras hoje. Menos
No entanto, as desigualdades comentados são os impactos
provocadas pelo Pacto da positivos que essa mesma
Branquitude, no ambiente herança trouxe a pessoas
institucional, tendem a ser brancas.

pg 27.
Dica cultural
O Pacto da Branquitude constituiu a história da arte que
conhecemos. O curador e pesquisador Igor Simões cunhou
um termo que exemplifica isto: “arte branco-brasileira”. Em
sua pesquisa, Igor explica que há uma herança na história da
arte branco-brasileira de associar continuamente a ideia de
artista negro a religiosidade, apagando contribuições
significativas de artistas negros e negras para arte no Brasil.
Em “Vozes Negras no Cubo Branco da Arte Brasileira”
(2014), o pesquisador adentra essas relações no sistema da arte.

Uma obra de arte para conhecer:


“Nem o sabão é neutro” (2023) é uma obra da artista Paula
Duarte (MG). Na obra, que é também um registro de uma
performance, a artista distribui sabonetes carimbados com a
provocativa que dá título ao trabalho, questionando a ideia de
imparcialidade e outras questões que são socialmente vistas
como universais. Entre elas, a branquitude e a masculinidade.

foto: acervo pessoal


pg 28.
QUEDA DO CÉU
Segundo a mitologia
Os xamãs yanomami do
Yanomami, muito tempo
mundo que conhecemos hoje
atrás, os deuses, espíritos e
alertam que o céu está
pessoas viviam em harmonia.
próximo de cair novamente,
Convocados pelos xamãs, os
dessa vez em decorrência das
xapiris são espíritos criados
atividades predatórias
por Omana para proteger a
realizadas pelo homem
todos os humanos das
branco, ou como chamam os
doenças e da morte e garantir
yanomami, os napë.
que o céu não desabe. O
conceito está no livro
Foi Yoasi, criador da morte,
homônimo de Davi
responsável por dar aos não-
Kopenawa e Bruce Albert.
indígenas a consciência dos
metais que existem embaixo
O mundo que conhecemos
da terra, associados pelos
hoje passou a existir após uma
yanomami ao perigo. Essa
terrível briga entre os deuses,
consciência despertou nos
que fez o céu cair, o que levou
napë a ganância, que pode
a morte dos xamãs dessa
levar ao fim não só dos
realidade primordial. A partir
yanomami como de todos os
desse evento, a harmonia se
seres vivos que no planeta
transfigurou em
habitam.
adversidades.

pg 29.
Obra de Jaider Esbell (foto: Levi Fanan/Fundação Bienal de SP)

Dica cultural
As figuras das serpentes atravessam as cosmologias de
diferentes povos indígenas. Seja como entidades, animais de
poder, os povos Huni Kuin, Karão Jaguaribara, Yanomami,
Tukano, entre vários outros, as cobras têm uma centralidade
nas histórias orais e nos conhecimentos transmitidos. A
serpente costura os mundos e, para diversos artistas e
educadores indígenas, elas auxiliam a contar histórias sobre a
preservação da natureza, dos animais, em um entendimento de
que a Queda do Céu já é um acontecimento presente.

Uma iniciativa para conhecer


Criada em 2023, a Katahirine – Rede Audiovisual das
Mulheres Indígenas é a primeira a mapear e reunir as
mulheres indígenas realizadoras do Brasil e América Latina. O
grupo é um espaço de fortalecimento para mulheres indígenas
do cinema, além de uma fonte de dados para pesquisas e
acessos públicos. Um espaço com foco no protagonismo das
mulheres indígenas, na agência e no papel político em nossos
contextos, dentro e fora das aldeias.

pg 30.
quebranto
colonial
O quebranto, na visão das “Os capoeiras, os pajés, as
sabedorias populares e afro- ialorixás, as crianças, as
brasileiras, é um mau-olhado professoras do cotidiano
espiritual que adoece o corpo. entenderam isso”, explica o
O termo, utilizado pelo professor.
escritor e educador Luiz
Rufino, explica que a Segundo Rufino, a
colonialidade faz mal ao descolonização passa por
corpo. O quebranto colonial entender como combater o
provoca a perda da força vital. quebranto, ou seja, como ele
se expressa no corpo. “Não se
Para combater, ou espantar, pode “descorporificar”. Nem
este mau-olhado – ou mesmo acreditar que o
“carrego”, palavra também quebranto sai sozinho, na
utilizada pelo escritor – pode- imobilidade. Pelo contrário,
se utilizar de diversas só se volta ao cerne,
ferramentas: a capoeira, a descoloniza, com movimento,
brincadeira, a kizomba, e a ação, batalha. Não é um passe
própria educação. de mágica.”

pg 31.
Dica cultural
A educação como ferramenta de insubordinação contra o
assombro colonial, como instrumento de transgressão das
hierarquias do poder. Este pode ser um breve resumo do que
Luiz Rufino apresenta em “Vence-Demanda” (Mórula, 2021),
coletânea de artigos sobre educação e descolonização. Pensada
não para gerar conformidade, mas divergência, a educação é a
força que possibilita o processo de descolonização. A partir
dessas premissas Rufino levanta discussões relevantes e atuais
sobre o processo educacional, além de apontar caminhos.

Nos sete artigos que compõem a obra, o autor traz para o


centro do debate a descolonização como tarefa da educação,
fala da importância da “desaprendizagem”, da educação como
prática da liberdade.

Uma artista para conhecer


Gê Viana é uma artista de origem
indígena do Povo Anapuru
Muypurá, nascida no Maranhão,
que tem desenvolvido seus
trabalhos investigando as suas
identidades de gênero e étnica.
Formada em Artes Visuais pela
UFMA, a artista produz colagens,
que ela de remixagens, inspiradas
em acontecimentos da vida
familiar e do cotidiano,
confrontando a cultura
colonizadora hegemônica.
Foto: reprodução/IMS
pg 32.
futuro
ancestral
O futuro é ancestral porque já presidente do país que queria
está aqui há muito tempo. Na comprar suas terras. A
contrapartida de ideias sobre o resposta em carta, do Chefe
futuro que ou tendem para Seattle, trás esse fragmento,
uma visão apocalíptica ou que ajuda a entender o
para a solução de todos os conceito de futuro ancestral:
problemas em um progresso
linear, Ailton Krenak propõe “Isto sabemos: a terra não
que a gente olhe com respeito pertence ao homem; o
para a natureza que existe há homem pertence à terra. Isto
muito mais tempo que nós. É sabemos: todas as coisas estão
nessa relação de comunhão e ligadas como o sangue que
compreensão que a sociedade une uma família. Há uma
vai conseguir lidar com os ligação em tudo. O que
problemas que tem se ocorrer com a terra recairá
apresentado na realidade. sobre os filhos da terra. O
homem não tramou o tecido
No ano de 1854, nos Estados da vida; ele é simplesmente
Unidos, uma aldeia indígena um de seus fios. Tudo o que
recebeu uma proposta do fizer ao tecido, fará a si
mesmo.”

pg 33.
Para o homem branco, tudo para os povos indígenas é
tem preço e pode ser sagrada, terra onde repousam
comprado. A terra, que para o os ancestrais”.
homem branco é posse,

Dica cultural
O Coletivo Jovem Tapajônico é uma organização voltada a
multiplicar informações a jovens indígenas sobre meio
ambiente, política, gênero, sexualidade, territórios e cultura.
Um dos projetos do Coletivo Tapajônico é a Piracaia de
Saberes e o Festival Piracaião, momentos em que diversos
temas relacionados ao território, sobre política e clima são
abordados com jovens. A ligação entre saberes ancestrais e a
geração mais jovem é uma forma pela qual o futuro ancestral
se expressa.

Uma artista para conhecer


Uýra (AM) é artista indígena em contexto de diáspora, trans e
ativista de Direitos Humanos. Atua como artista visual e arte-
educadora. É bióloga, mestre em Ecologia. Através de seu
trabalho artístico, cria imagens que contrastam naturezas
distintas: a da vida em estado de liberdade e a das violências
contra a biodiversidade e grupos humanos vulnerabilizados.
Em exposições no Brasil e pelo mundo, vem pesquisando,
expondo e lançando ao debate o apagamento colonial e a
resistência dos povos indígenas na História e mundo atual.

pg 34.
cosmopolítica
O termo cunhado pela filósofa E que, esses mundos, ainda
da ciência Isabelle Stengers é que conflitantes e com
oriundo da ideia de que a definições variadas, possam
ciência e a magia sempre ser discutidos em conjunto.
estiveram em disputa, até o
momento contemporâneo em Para Ailton Krenak, a
que os saberes não-científicos cosmopolítica está muito
passaram a ser totalmente associada à produção e
desqualificados. A proposta é resolução de problemas
de que as cosmologias de relacionados à respectiva
diferentes povos sejam identidade dos povos. O
levadas a sério e com isso escritor e ativista é contrário à
abram caminho para uma concepção cosmopolita,
problematizar inclusive a ou seja, que anula essas
ciência. identidades e entende a todos
como “cidadãos do mundo”.
Se a ciência ajuda a compor o É a partir das diferenças que
mundo, quem compõe o caminhos e soluções podem
mundo através da ciência? ser articulados. O termo
Quem pode estar nessa também referencia um
posição? Essas perguntas movimento de artistas
apontam para uma indígenas brasileiros, como
perspectiva política acerca da contam Daiara Tukano,
ciência, ou seja, que a ciência Denilson Baniwa e Gustavo
ajuda a construir mundos. Caboco nesta entrevista.
pg 35.
Dica cultural
O filme “Nossos espíritos seguem chegando – Nhe’ẽ kuery
jogueru teri (2021)”, dirigido por Kuaray Poty/Ariel Ortega e
Bruno Huyer, mostra Tekoa Ko’eju, Pará Yxapy, indígena
Mbya Guarani, dedicando os primeiros cuidados a seu filho,
ainda no ventre. O filme mostra as reflexões junto com seus
parentes, acerca dos sentidos de sua gravidez em meio à
pandemia de Covid-19 no Brasil e acompanha os dias antes de
Pará dar à luz.

Um coletivo para conhecer


Coletivo Mahku (Aldeia Chico Curumim, Alto do Rio Jordão,
Acre, 2013). Coletivo de artistas indígenas da etnia Huni Kuin,
também conhecidos como Kaxinawá, que pesquisa e recria
artisticamente os cantos visionários do nixi pae, a ayahuasca.
Essas pinturas que reúnem canto, desenho e tradição desses
rituais guardam relação intrínseca com as visões provocadas
pelo uso da ayahuasca. Em 2024, o coletivo participou da 60ª
edição da Bienal de Veneza, produzindo a obra mais
monumental e importante do evento.

Foto: reprodução
pg 36.
esperançar
Para o pedagogo brasileiro A ideia de esperançar para
Paulo Freire, existe uma Paulo Freire está muito
diferença entre a palavra associada à uma práxis, onde
esperança da forma como a teoria e práticas sociais
costuma ser utilizada e a dialogam. Essa esperança da
palavra esperançar. Enquanto qual fala o pedagogo é
no primeiro, substantivo, o ancorada na prática e não se
sentido de espera é evocado, o refere ao ato ou desejo de
segundo, verbo, convida à apenas um indivíduo.
ação. Esperançar é o movimento de
uma luta coletiva. “Minha
Ao contrário da esperança esperança é necessária, mas
que é passiva, esperançar não é suficiente. Ela, só, não
convida à mobilização, ao ganha a luta, mas sem ela a
levante, à organização luta fraqueja e titubeia.
popular e a construção. No Precisamos da esperança
caso, uma sociedade melhor crítica, como o peixe necessita
precisa ser construída, ela não de água despoluída.” (Paulo
vai simplesmente melhorar de Freire em Pedagogia do
supetão. Oprimido).

pg 37.
Dica cultural
A cultura é um dos pilares do legado de Paulo Freire. Patrono
da Educação Brasileira, o filósofo defendia que os aspectos
culturais devem ser levados em consideração para um
aprendizado mais libertador. O Movimento de Cultura
Popular (MCP) foi criado em Recife, em 1960, por
intelectuais, artistas, políticos e educadores, e Paulo Freire
estava entre eles. A ideia era oferecer educação e cultura para a
população pobre da cidade, mas rapidamente se espalhou para
o interior do Estado. A Pedagogia do Oprimido, de Paulo
Freire, nasceu no MCP. Assim como novas linguagens do
teatro e do cinema, como o Teatro do Oprimido, de Augusto
Boal, e a documentação da realidade social, como “Cabra
Marcado para Morrer”, filme de Eduardo Coutinho. Conheça
mais do conceito de cultura para Paulo Freire.

Uma perfomance para conhecer


“Nós aqui, entre o céu e a terra”, performance proposta pela
artista Eleonora Fabião foi comissionada pela 34ª Bienal de
São Paulo em 2021. Junto a colaboradores – seu trabalho
artístico sempre acontece em coletivo, Eleonora retirou
cadeiras de 26 instituições públicas dos setores de saúde,
educação e cultura localizadas em um raio de 5 km de
distância do Parque Ibirapuera. Em uma espécie de procissão,
os colaboradores levavam as cadeiras do lugar de origem até a
Bienal, suspendendo o móvel por varas de bambu. As cadeiras
ficaram expostas durante a mostra e, depois, foram devolvidas
para a instituição, porém com a regra: não poderiam receber a
cadeira original.
pg 38.
do-in
antropológico
O termo foi utilizado por É nesse sentido que Gilberto
Gilberto Gil no seu discurso Gil adiciona o
de posse do Ministério da “antropológico” a “Do-in”.
Cultura, em 2003. Do-in é No discurso de 2003, o artista
uma técnica de defendia que era preciso
automassagem com origem conhecer as complexidades e
oriental que supostamente pluralidades culturais do país
ajuda a aliviar dores, para assim promover
identificar e tratar mudanças radicais - ou seja,
enfermidades. na raiz - no âmbito da
cultura.
Ainda que sendo de
ascendência chinesa, o termo O país possuía e possui
que dá nome à técnica é limitações que precisam ser
japonês e significa desobstruídas para que o
literalmente “o caminho da acesso à diversidade seja
casa”. Essa casa é o próprio livre.
corpo da pessoa, que precisa
ser conhecido para ser
trabalhado.

pg 39.
Dica cultural
Foto: divulgação

O documentário musical “Mestras” (2024) faz uma


reverência a mulheres importantes da cultura popular no
Pará ao contar suas histórias de vida. Em busca de mestras da
música paraense, cuja trajetória estava ocultada da música
brasileira nacional, as diretoras foram ao encontro da
diversidade da cultura sonora do estado, como o samba de
cacete, o boi e o carimbó. As realizadoras Aíla Costa e Roberta
Carvalho buscaram inspiração em suas próprias histórias,
enquanto mulheres criadas por mulheres na região amazônica.
Nomes como Mestra Iolanda do Pilão, Mestra Miloca, Mestra
Bigica, e Dona Onete figuram como protagonistas.

Uma iniciativa para conhecer


A plataforma Mapa da Cultura, do Ministério da Cultura,
permite a visualização de projetos, artistas, espaços e eventos
culturais nas cinco regiões do Brasil. O site é dividido em cinco
eixos: oportunidades; eventos; espaços; agentes; projetos. Você
pode consultar e também contribuir com projetos, espaços
para o mapeamento cultural brasileiro.
pg 40.
descolonizaçÃO
Descolonização é um processo da região. As novas divisões
histórico a partir do qual um não levavam em consideração
território se emancipa as particularidades culturais
politicamente do país que o de suas populações e eram
subjuga e sobre ele detém o pensadas exclusivamente
domínio. Por exemplo: No para o maior proveito
século XX, o continente financeiro dos países
africano presenciou vários europeus que as dominavam.
processos de descolonização
que resultaram na O processo de descolonização
configuração política - ou pode ser observado não só no
seja, nos países - que continente africano, como
conhecemos hoje. também em toda região que
em algum momento foi
No século XIX muitos povos subjugada ou esteve
em África haviam sido subordinada enquanto
divididos por potências colônia a um país que se
imperialistas da Europa, que estabelecia enquanto a
reconfiguraram de forma metrópole. No entanto, a
arbitrária todos os territórios descolonização nem sempre

pg 41.
infere em superação das pensamentos supressores da
heranças coloniais e seus identidade de um povo.

Dica cultural
Pretagô é um grupo teatral nascido no Rio Grande do Sul. Um
quilombo de artistas que pesquisa identidade, inserção,
representação e representatividade das subjetividades negras
nas artes da cena. A história do Pretagô começa em 2014 no
Departamento de Arte Dramática do Instituto de Artes da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Hoje, no
repertório do grupo estão os espetáculos Qual a Diferença
entre o Charme e o Funk? [2014], AfroMe [2015], Noite Pretagô
[2017], Mesa Farta [2020] e Corpos Ditos [2020].

Um artista para conhecer


Paulo Nazareth (MG) é um dos artistas performáticos mais
relevantes de nosso tempo. Conhecido por suas andanças ao
redor do mundo, seu trabalho questiona os limites da
performance como linguagem artística: não se constitui pelos
objetos que produz, mas pelo comportamento do próprio
artista, que define suas obras como uma “arte de conduta”.
Chama a atenção do circuito nacional e internacional de arte a
partir de 2010, quando deixou a comunidade de Palmital, em
Belo Horizonte, para participar da feira Miami Basel, nos
Estados Unidos. Realiza o percurso a pé ou, em alguns
trechos, de carona. Durante a viagem, que dura cinco meses,
produz registros escritos e em imagem. Seu trabalho critica
duramente a colonialidade e racismo no sistema das artes.

pg 42.
decolonialidade
Muitos países que já passaram questionada a fim de uma
por um processo de emancipação que vai além da
descolonização, ou seja, que se independência econômica e
tornaram independentes de política do país, que se refere a
seus antigos colonizadores, sua multiplicidade de culturas
seguem perpetuando e a emancipação de todas
estruturas coloniais essas.
previamente impostas.
A ideia de uma raça superior, Em uma entrevista para o
detentora do poder, é um Nonada Jornalismo, o
exemplo disso que atravessou professor do Departamento de
oceanos e mares junto aos Sociologia da UFRGS José
colonizadores europeus. Carlos Gomes dos Anjos
desenvolve mais sobre o
Portanto, a decolonialidade, conceito e a importância de
pensamento fruto de uma que, ao passo em que passa a
histórica luta de movimentos ser abordado nas
sociais, compreende o racismo universidades, não perca sua
enquanto uma herança dos origem racializada, voltada
tempos coloniais que deve ser para a luta contra o racismo.

pg 43.
Dica cultural
Um dos espaços que mais precisa de ações de decolonialidade
é a educação no Brasil. Os currículos, as práticas, as escolas
ainda são arraigadas das matrizes de pensamento ocidentais.
Professores da matemática a história, trabalham abordagens a
partir da decolonialidade, aplicando a Lei nº 10.639, que torna
obrigatório o ensino de conteúdos afro-brasileiros nas escolas.
Conheça histórias, métodos e práticas decoloniais nas
escolas.

Artistas para conhecer


O mapa do Brasil é um desenho feito pelas mãos do
colonizador. As fronteiras que o dividem do restante da
América do Sul e a própria separação entre os estados são
linhas que apontam para processos históricos de invasão deste
território. Artistas brasileiros têm acrescentado novas
imagens a essa cartografia, a partir de obras que,
materialmente, provocam a constituição do Brasil.

É o que acontece no trabalho da alagoana Marina Camargo


(RS) a partir de um mapa feito de látex; na obra de Jefferson
Medeiros (RJ), que entalhou o Brasil com madeira; na pintura
de Maurício Igor (PA), em que seu próprio corpo compõe o
mapa; e de André Vargas (RJ) que torna um clássico chinelo
Havaianas o um novo mapa, decolonial, do país.

pg 44.
contra
colonialidade
A contracolonialidade busca da contracolonialidade ao
desmantelar as opressões defender que, por ser
experimentadas pela quilombola, nunca foi
sociedade desde a invasão colonizado, incluído na
dos colonizadores em terras sociedade brasileira, e,
habitadas por povos portanto, não precisa se
afropindorâmicos, ou seja, decolonializar e sim
populações indígenas, contrariar o colonialismo
negras, quilombolas e mais. a partir da
contracolonialidade.
Antônio Bispo dos Santos
acredita que a partir do “O contracolonialismo é
conhecimento e sabedoria simples: é você querer me
dessas populações é possível colonizar e eu não aceitar que
construir uma ética e uma você me colonize, é eu me
política comunitárias defender. O
capazes de habitarem as Contracolonialismo é um
ruínas deixadas pelos modo de vida diferente do
invasores. colonialismo” - Nêgo Bispo
em A terra dá, a terra quer.
O quilombola diferenciava
a decolonialidade

pg 45.
Dica cultural
O conceito de Contracolonização
é elaborado por Bispo em “A
terra dá, a terra quer” (2023,
Ubu). O autor adentra o próprio
território, na Caatinga Brasileira,
para se contrapor à
decolonialidade, ao
maniqueismo católico e
ocidental, e às diferentes
manifestações do capitalismo.
Foto: divulgação

Uma iniciativa para conhecer


A COP das Baixadas é um movimento de incidência com
ações de educação climática, atividades culturais, de lazer e
esporte nas comunidades. Possui como missão fortalecer as
narrativas em defesa da Amazônia, de justiça climática e social
para os territórios e as suas populações. Nasceu da união das
iniciativas, atores e coletivos que participaram ativamente da
1°edição da Conferência das Baixadas, onde entenderam a
dimensão do que foi construído coletivamente e da
importância de manterem-se articulados em coletivo, a partir
de então, como uma coalizão de organizações atuantes na
pauta climática em Belém do Pará e na Amazônia.

pg 46.
eNcruzilhada
Você provavelmente se depara morada e abrir caminhos um
com encruzilhadas todo o dia de seus ofícios.
que anda na rua. Caminhos
que se cruzam em formato de Para o pedagogo Luiz Rufino,
X, cruz e T. Comumente a pedagogia tem muito a
associadas à Exu em religiões aprender com Exu. Não
de matriz africana, apontam necessariamente com o orixá,
mais de um caminho possível. mas com a sabedoria ancestral
São um comum lugar de de vida que também é e
oferendas para os que seguem representa. É através de suas
esse caminho de crenças. encruzilhadas que podemos
assimilar a pluralidade de
De caráter ambíguo e próximo caminhos existentes, em
dos humanos, Exu é oposição ao caminho único
considerado o orixá da proposto pelo saber colonial
linguagem e da comunicação. ainda vigente no Brasil, que
Das encruzilhadas faz a sua tudo polariza e segrega.

Dica cultural
Exu é cultuado nas encruzilhadas de mercados públicos pelo
Brasil. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a entidade está
assentada no centro do Mercado Público de Porto Alegre e de
Pelotas, lugares sagrados para religiões de matriz africana,

pg 47.
como o Batuque Gaúcho. Nas duas cidades, ele é tombado
como patrimônio histórico-cultural e recebe festividades,
oferendas e cumprimentos diariamente.

Foto: Isabelle Rieger

Um artista para conhecer


Uma carta endereçada a Exu diz “Santo Antônio é meu
padrinho/ Xangô é meu padroeiro / Iansã segura a gira / Pai
Ogum está no terreiro”. As palavras repetem-se sobre um
lençol branco. A obra de Cipriano (RJ) apresentada na mostra
compõe a série Macumba, em que o artista envia cartas aos
Orixás sempre escritas sob tecidos. Seu nome já conta parte
importante de sua história e do conceito Macumba Pictórica,
desenvolvido em sua pesquisa de mestrado na Universidade
Federal de Juiz de Fora. O termo define seu processo de
criação, a “gestualística” – o gesto nutrido de uma ritualística,
que nasce de um cruzamento entre o que se realiza no terreiro
e na criação artística.

pg 48.
Decolonialidade:
uma origem
afro-indígena
por Anna Ortega

Qual a diferença entre descolonização e decolonialidade?


Como o conceito de decolonial se diferencia de contracolonial?
Quais são as origens de todos esses termos? Em conversa com
o Nonada, o professor do Departamento de Sociologia da
UFRGS José Carlos Gomes dos Anjos explica que a
concepção decolonialidade nasce na rua, nos movimentos
negros e indígenas, para só depois ser utilizada pela academia.

“Ele é um conceito que entra na academia e é incorporado por


um conjunto de intelectuais latino-americanos, em um
processo de sistematização e intervenção epistêmica em um
nome de uma geopolítica do conhecimento, mas que tem suas
fontes nas lutas persistentes nas lutas de descolonização dos
movimentos quilombismo da marronagem na América
Latina e nos movimentos indígenas”, explica o professor.

Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do


Rio Grande do Sul, e pós-doutor pela Ecole Normale
Superieure de Paris, o sociólogo destaca a importância da
discussão sobre “decolonialidade” manter-se conectada às
discussões étnico-raciais e de gênero. Do contrário, o debate
corre o risco de ser “desracializado”, tornando-se apenas uma
espécie de “moeda de troca” nas Universidades.
pg 49.
Mais do que uma substituição de termos, ele acredita no
aprofundamento e tensionamento que novos intelectuais
podem trazer, como é o caso da contribuição do pensador
quilombola Nêgo Bispo.

A interpelação que vem do lado Quilombola introduz uma


questão: “o quanto vocês estão ainda colonizados? O quanto
vocês precisam se descolonizar?”. E o quanto isso é
importante para aquilo que ele diz [no livro A Terra Dá, A
Terra quer] “para que os nossos netos não venham a
continuar querer colonizar os nossos territórios”, relembra o
professor.

José Carlos Gomes dos Anjos realiza pesquisas sobre


tradições de matriz africana, Relações Interétnicas, Políticas
públicas, elites intelectuais e desigualdade racial. É também
autor do livro No Território Da Linha Cruzada.

A Cosmopolítica Afro-brasileira (2006, editora da UFRGS),


em que incita problematizações que conduzem à necessidade
de uma educação para os Direitos Humanos, desconstrutora
do modelo viciado de preconceito e violência estrutural,
institucional, cultural e subjetiva que se estabelece nas
sociedades latino-americanas hoje.

Confira a entrevista completa:

pg 50.
Nonada – Como podemos processo de colonização –
definir decolonialidade? permaneceu funcionando
Qual a relevância deste como garantidor de uma
termo na atualidade? supremacia branca, que se
articula muito estritamente
José Carlos dos Anjos – É a conformações de gênero,
ideia de sociedades que ao patriarcalismo e as
foram colonizadas não se exploração capitalista dos
libertaram completamente recursos naturais.
do colonialismo com a
independência, porque as Nesse sentido, o conceito de
dimensões institucionais decolonialidade é um
dos processos colonialistas conceito que deriva de uma
permaneceram. persistente luta política e
epistêmica dos movimentos
Essas dimensões ficam sociais indígenas e do
estampadas nas movimento negro – com
desigualdades de raça e da muita participação do
supremacia branca movimento das mulheres
persistente nos países que negras no processo de
outrora foram colonizados articulação das dimensões
– o planeta à nivel mundial. entre racismo e
patriarcalismo. Ele é um
A expansão europeia no conceito que entra na
século XV impôs aos povos academia e é incorporado
não-europeus um processo por um conjunto de
de colonização e, depois, intelectuais latino-
com a descolonização dos americanos, em um
países, o conceito de raça – processo de sistematização e
que foi o principal vetor do intervenção epistêmica em

pg 51.
um nome de uma teóricos, como Patrice
geopolítica do Lumumba e Aimé Césaire,
conhecimento, mas que tem Amilcar Cabral e o Frantz
suas fontes nas lutas Fanon que teorizaram o
persistentes nas lutas de processo de descolonização.
descolonização dos Parte de um processo de
movimentos quilombismo constituição de novas
da marronagem na América nações e, portanto, de
Latina e nos movimentos deslocamento da
indígenas. colonização europeia.
Aconteceu mais cedo na
Nonada – Uns intelectuais América Latina, no século
utilizam “descolonial”, XIX. A descolonização se
enquanto outros preferem refere a isto: um movimento
“decolonial”. Você poderia de substituição das
comentar sobre os termos? autoridades políticas
europeias por autoridades
José Carlos Gomes dos políticas dos territórios
Anjos – O movimento que outrora colonizados.
eclode na África e no Sul da
Ásia Macedo, na década de Já a decolonialidade se
30, no pós Segunda Guerra refere a um outro processo
Mundial, sobretudo, se de luta contra o racismo
constituindo o chamado como uma herança do
terceiro mundo, com nações processo de colonização. O
outrora colonizadas, intectual quilombola Bispo
descolonizando-se. Então, dos Santos, o Nego Bispo,
você tem o movimento de tem colocado o termo
descolonização e um ‘contracolonização’, que é
conjunto de pensadores e bastante interessante,

pg 52.
sugerindo que existem ‘colonialidade’, que
espaços e territórios precisaria de uma
indígenas e negros que ‘decolonialidade’. Você teria
nunca foram, de fato, a necessidade de reforçar os
colonizados. Onde a passos contracoloniais que
colonialidade não pregou o sempre estiveram aí, que
empecilho das relações de sempre construíram
reciprocidade, permitindo barreiras ao colonialismo.
que as concepções
epistêmicas dessas Acho que essa é uma
comunidades persistam delimitação interessante do
sendo recriadas. São conceito, porque instiga a
territórios que estão há 5 pensar que o conceito vem
séculos rechaçando a perdendo uma parte de sua
colonização. Para eles,não radicalidade, pois começa a
faz sentido falar em ser, de certa forma,
colonialidade e desracializado. A questão
decolonialidade. racial perde a centralidade.
Parece um conceito
Esse seria um processo que ‘tomado’, um substituto de
atinge, principalmente, as termas marxistas
comunidades racializadas e previamente existentes,
urbanizadas. Os setores de como alienação, ou
classe média negros podem desalienação, que hoje
estar em situação de ganharia uma nova
colonialidade, mas não é o nomenclatura de
caso dos quilombos e ‘decolonialidade’.
territórios profundos não-
urbanizados. Nós não Diante dessa perda de
teríamos propriamente, radicalidade, acho
nesses espaço uma interessante a intervenção
pg 53.
do Bispo. A interpelação Nonada – Você considera
que vem do lado que esse lembrete que
Quilombola introduz uma Nego Bispo faz, e que essas
questão: “o quanto vocês discussões que olham para
estão ainda colonizados? O a colonização a partir de
quanto vocês precisam se lugares não acadêmicos,
descolonizar?”. E o quanto atualizam ou mudam o
isso é importante para sentido de decolonidade?
aquilo que ele diz [no livro] Seria um momento de
“para que os nossos netos rever seus usos?
não venham a continuar
querer colonizar os nossos José Carlos Gomes dos
territórios”. Isso nos Anjos – Pela forma como o
colocaria de uma linha de universo acadêmico está
pensamento diferente, em conformado, por suas
uma interpelação potente. lógicas produtivistas e sua
hegemonia branca, todas as
O contracolonial aparece vezes que a academia se
como um adendo apropria de conceitos
importante, como um oriundos das lutas concretas
lembrete da necessidade de das pessoas –
conferir a radicalidade das nomeadamente, o mesmo
lutas dos povos não aconteceu com o conceito
europeus, porque os de ‘interseccionalidade’, ela
movimentos sociais tende a promover um
indígenas e negros estavam esvaziamento que torna
lutando fora da academia possível o uso fluente,
contra o processo de intercambiável,
colonização. descontextualizado, e

pg 54.
sobretudo, sem potência e da contracolonialidade,
política. Se transforma em que é impedir que o
uma moeda. Transforma-se colonialismo entre. Isso
em uma moeda do mundo possibilita uma repartição
acadêmico e das lógicas de dos temas, e outras formas
consagração acadêmica. vão aparecendo.

O que está em jogo não é As lutas concretas dos


substituir uma palavra por movimentos sociais, dos
outra, mas a possibilidade oprimidos, de todos os
de rearticulações políticas processos de opressão vão
entre a produção acadêmica produzindo uma trama de
e as lutas concretas feitas possibilidades de pensar. De
fora da academia. A categorias que são operantes
interpelação do Nego Bispo nas lutas sociais – e a
é a de que “a colonialidade é academia vai se
um problema de vocês, aproveitando desses
brancos”. Vocês tem uma conceitos e vai,
mente colonizada, vocês simultaneamente,
precisam se decolonizar. É promovendo processos de
potente, porque, de certa consagração intelectual a
forma, instiga um ressituar partir deles. Isso vai se
no campo. transformando em uma
moeda dos processos
Se a colonialidade é um produtivistas acadêmicos,
problema branco, os negros de produção de artigos,
sempre estiveram lidando teses, etc…
com questões como
‘descolonização’, tal qual ter Enquanto isso, os
a posse do próprio território movimentos sociais vão

pg 55.
continuar produzindo Nonada – E professor, como
outros termos, novas você percebe a
categorias. Esse é o interdisciplinaridade desse
movimento, até que a debate?
Universidade possa se
ressituar. Não é redefinir o José Carlos Gomes dos
termo, mas ressituar o Anjos – As pessoas que
próprio processo de levaram o conceito para
produção de conhecimento. academia, que o forjaram,
como um conceito
Nonada – Interessante o acadêmico estabeleceram
que você traz, porque, de seus precursores. Um deles
alguma forma, nos sinaliza é Franz Fanon, que trabalha
a origem dos processos, e no âmbito da psiquiatria.
como eles sempre vêm dos Então, o conceito abarca
movimentos sociais, da desde área da ‘psi’ –
rua. psiquiatria, psicologia,
psicanálise. E isso, estende-
José Carlos Gomes dos se ao âmbito da cultura, que
Anjos – Exatamente. A é também um espaço
Universidade tende a ser privilegiado da
muito extrativista, e as decolonização. Há também
próprias pessoas dentro dela um foco importante na
acabam ganhando relevo e economia e,
exaltando sua função e seu fundamentalmente, uma
papel social, sem uma divisão racial e de gênero do
contribuição mais efetiva trabalho, que faz com que
para as lutas sociais. determinadas raças estejam
predominantemente
ocupando determinadas
funções.

pg 56.
Quem somos
A Associação Cultural Nonada Jornalismo é uma
organização sem fins lucrativos que entende a
cultura para além da produção artística. Desde
2010, busca ecoar com viés decolonial as múltiplas
vozes que formam a cultura brasileira, com
enfoque em projetos socioculturais e pautas sobre
processos artísticos, políticas culturais,
comunidades tradicionais, culturas populares,
direitos culturais, memória e patrimônio,
cultura e clima.

pg 57.
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