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Relativismo-genese-e-implicacoes

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Relativismo: gênese e implicações.

Joel Gracioso2

No nosso dia-a-dia é muito comum vermos na televisão, ouvirmos no rádio ou


lermos em revistas pessoas dizerem: “esta é a sua verdade”, “cada um tem a sua
verdade”, “cada época tem a sua moral”, “cada cultura tem os seus valores”, “todas as
religiões são verdadeiras”, “o que é verdadeiro para você não é para mim”. Ora o que
estas pessoas querem dizer com estas expressões?
Se analisarmos estas expressões com calma vamos perceber que elas são
carregadas de pressupostos, principalmente de um referencial filosófico chamado
relativismo. Mas o que é o relativismo? Qual seu conteúdo? Quais suas formas e
origem? Quais as implicações deste modo de pensar e conceber o mundo?
O relativismo é uma doutrina que afirma a relatividade do conhecimento
humano.3 Ou seja, há um condicionamento do sujeito que conhece sobre o objeto
conhecido e também dos objetos entre si. Assim, a posição do sujeito, sua situação e
momento condicionam e determinam o modo como ele vê e concebe a realidade. A
pessoa, portanto, como um ser que sempre se encontra em uma circunstância
determinada não consegue transcender esta particularidade e conceber algo universal. A
única coisa que ela pode expressar é sua impressão sobre o que está observando, sua
opinião, enfim aquilo que considera verdadeiro. Não há verdade absoluta ou universal.
Quando adentramos a História da Filosofia percebemos que o termo relativismo
aparece a partir do século XIX, no contexto da Filosofia Moderna e Contemporânea.
Porém, ao analisarmos as diversas correntes filosóficas desde o período antigo, vemos
que existiram filósofos que comungavam com este modo de pensar, mesmo que ainda
não usassem o termo. Ademais, o pensamento de alguns filósofos colaborou muito para
a difusão deste modo de compreender o conhecimento humano.
Num primeiro momento é importante lembrarmos-nos da sofística grega. Os
sofistas eram pensadores livres, professores de uma arte ou técnica que exerciam de

1
Texto publicado na Revista Guia Prático de Teologia nº 3- Ano 1.
2
Doutor em Filosofia pela USP e Profº do Curso de Filosofia da Faculdade de São Bento de São Paulo.
3
Cf. Abbagnano, N. Dicionário de Filosofia, p. 845-846.

1
maneira admirável conseguindo apresentar aos seus ouvintes os mais diversos temas de
forma atraente. Procuravam ensinar o que era útil às pessoas fazendo uso da retórica,
que nada mais era do que a arte da eloqüência, de saber falar bem e argumentar com
eficiência com o intuito de persuadir o interlocutor. Procuravam persuadir apresentando
a seus adversários as razões e definições de algo tendo por fundamento não aquilo que
uma coisa é em si mesma, mas sim o modo como nós a apreendemos e de que maneira
nos será útil. Além disso, distinguiam entre a convenção (nómos) fruto de uma decisão
humana e a natureza (phýsis) que não depende da ação humana, pois segue uma ordem
necessária. Eles despertaram no mundo grego o ardor pela retórica e também colocaram
em dúvida a pretensão da filosofia de conhecer a verdade última das coisas.
Dois grandes nomes da sofística grega foram Protágoras de Abdera e Górgias de
Leontini.
Há uma proposição de Protágoras que expressa de maneira clara o modo de
pensar dos sofistas. Ele diz:

“O homem é a medida de todas as coisas, das que são pelo que são, e das que não são
pelo que não são”.4

Ora, ao analisarmos esta sentença percebemos de maneira explícita a ideia de


que as coisas, ou seja, os seres e os fatos em geral, não são por si mesmos. O que as
coisas são ou deixam de ser depende do modo como cada homem ou pessoa individual
apreende e julga a realidade, pois o indivíduo é a referência absoluta. Assim, não há
uma verdade universal apoiada nas próprias coisas, no que elas são em si mesmas. Tudo
varia de pessoa para pessoa. O que temos são meras opiniões sobre as coisas e o
máximo que se pode pretender é tentar persuadir o outro que nossa opinião é mais útil
ou eficiente naquele momento. Não tendo, portanto, a pretensão de achar que nossas
ideias ou conceitos revelam o que as coisas realmente são, pois não há uma dimensão
das coisas em si mesmas, como se elas tivessem uma identidade própria independente
do que nós achamos sobre elas. Enfim, o que elas são ou deixam de ser é determinado
pelo homem que as percebe, pois ele é a medida de tudo.
Num segundo momento nesta nossa genealogia do relativismo é importante
mencionar o pensamento de Kant, filósofo alemão do século XVIII. Kant dizia que era

4
Platão, Teeteto, 151 e 152.

2
necessário fazer uma revolução copernicana na filosofia, isto é, da mesma maneira que
se passou do geocentrismo para o heliocentrismo vendo que não era a Terra o centro do
universo, mas sim o sol, era preciso tirar o objeto do conhecimento do centro da
reflexão filosófica e partir de uma análise do sujeito do conhecimento. Segundo ele a
tradição sempre olhou o objeto do conhecimento e nunca analisou o sujeito do
conhecimento e as condições de possibilidade do conhecimento humano. Assim, se
partia do pressuposto que o ponto de partida do filosofar seria a realidade e que o
homem de fato com sua estrutura natural teria capacidade de conhecer as coisas tais
como elas são. Porém, para Kant isto era ma ilusão, pois o ponto de partida da busca do
conhecimento deveria ser justamente a análise crítica desta faculdade de conhecer ou o
sujeito do conhecimento, a razão.
A razão é uma estrutura vazia, mas universal, igual em todos os humanos. Esta
estrutura seria constituída de uma forma da sensibilidade, a qual está relacionada com o
espaço e o tempo. De uma forma do entendimento que utiliza diversas categorias e da
forma da razão propriamente dita. No processo do conhecimento os conteúdos que irão
preencher esta estrutura são provenientes da experiência sensível. Assim, esta estrutura
a priori condiciona o modo como as informações empíricas serão organizadas e
interpretadas.
Por conseguinte, para Kant, só podemos conhecer as coisas como fenômenos
(phainomenon) e não em si mesmas (noumenon), flexibilizando e, num certo sentido,
relativizando o conhecimento humano. Nunca poderemos ver a realidade em si mesma,
mas apenas como ela se apresenta para o nosso modo de percepção humano.
Num terceiro momento é importante mencionarmos a filosofia de Nietzsche, um
grande pensador do século XIX. A filosofia nietzschiana procura efetivar uma crítica ao
modo como, muitas vezes, a questão dos valores morais foram entendidos na história do
pensamento humano, principalmente na cultura ocidental.
Segundo Nietzsche, para compreendermos realmente a problemática dos valores
morais é preciso efetivar uma genealogia da moral. É preciso questionar o que
entendemos por bem e por mal. Analisar como se determina o que é o bem e o mal e
também de que maneira busca-se legitimar o bem e o mal. A tendência da maioria das
pessoas, segundo ele, é achar que o modo como estas questões são abordadas sempre foi
o mesmo, como se fosse algo natural e universal as concepções de bem e mal. É contra
este modo de pensar, que se esquece que os valores morais são históricos e construídos

3
dentro de determinadas sociedades, que o pensamento nietzschiano se insurge propondo
uma transvaloração dos valores.
A partir do perspectivismo e do experimentalismo, Nietzsche vai questionar qual
é o valor dos valores mostrando assim que os valores são criações históricas. A
compreensão do que seja o bem e o mal depende do contexto e da perspectiva em que
isto é pensado. O que há na realidade são leituras e interpretações diferentes do mundo e
das questões que emergem da vida. Talvez não se possa classificar o pensamento
nietzschiano de relativista, pois ele não entendia que todas as interpretações da realidade
teriam o mesmo prestígio e peso. Porém, é inegável que este perspectivismo possui uma
semente de relativismo.
Além disso, a partir do século XIX vai se desenvolvendo uma percepção mais
clara da historicidade do ser humano. A compreensão de que o ser humano é um ser
histórico e, por conseguinte alguém profundamente inserido na sua época e realidade
social levou muitos pensadores a entenderem a impossibilidade do ser humano
transcender a sua particularidade.
O que percebemos na realidade, a partir desta breve reconstrução que fizemos, é
que principalmente no período moderno, determinadas opções filosóficas foram feitas a
partir de um conjunto de mudanças que ocorreu na cultura ocidental.
No século XVII a concepção de razão começa a se alterar. Enquanto os antigos e
os medievais concebiam uma razão que possui uma abertura a totalidade do ser e que,
apesar dos seus limites, era capaz de pensar o universal e transcender o particular, o
mundo moderno estabelece a razão lógico-matemática, empírico-formal, como o
modelo de instrumento de conhecimento. Não se nega o absoluto, mas se absolutiza o
sujeito do conhecimento. Ou seja, no âmbito filosófico, desde o período antigo, a razão
foi concebida, na maioria das vezes, com uma abertura ao ser e uma capacidade de
reflexão metafísica. Já, no mundo moderno, a concepção de razão muda. O modelo
lógico-matemático e empírico-formal vai ser a base da nova concepção de razão. A
Transcendência real é trocada pela transcendência lógica. O primado não é mais do ser,
mas sim do sujeito do conhecimento. A razão moderna, portanto, é primordialmente
operacional vendo o homem apenas como objeto e esquecendo que este é chamado a
voltar-se a uma realidade que o transcende.
A partir disto foi se estabelecendo uma desconfiança cada vez maior da
capacidade da razão humana em conhecer realmente o verdadeiro. O caminho do

4
verdadeiro foi perdendo espaço para o que se considera verdadeiro. Qual a
consequência disso?
No dia-a-dia vemos constantemente os meios de comunicação (rádio, televisão,
jornais, revistas) apresentarem versões altamente questionáveis e tendenciosas sobre os
mais diversos assuntos: aborto, sexualidade, pobreza, inquisição, origem da vida,
família, drogas, prostituição, educação, religião etc. Além disso, na maioria das vezes
percebemos que não há um amor pela verdade, mas sim um intuito de defender uma
ideologia ou cosmovisão totalmente questionável com o objetivo de influenciar o modo
de pensar da maioria das pessoas manipulando dados e informações.
A consequência de tal trabalho já se manifesta visivelmente nas famílias e na
vida das pessoas em geral. Uma mentalidade cada vez mais permissiva e relativista vai
adentrando a cultura contemporânea. Uma crise ética e dos valores fundamentais vai se
agravando de maneira nunca vista na sociedade. O desrespeito a vida humana e a
hipervalorização do técnico e da produção fere profundamente a dignidade humana.
Consequentemente o desprezo pelo Transcendente também cresce.
A Professora Nancy Pearcey, envolvida no debate atual entre criacionistas e
evolucionistas nos Estados Unidos, nas suas obras A alma da Ciência e Verdade
Absoluta, analisa como foi se formando este paradigma relativista predominante na
nossa cultura.
Num primeiro momento a autora analisa a relação entre fé e cultura, explicitando
como foi se formando uma postura relativista, agnóstica e antirreligiosa no meio
acadêmico.
Nos dias atuais, segundo a professora, foi se estabelecendo uma fragmentação
muito grande na sociedade criando, assim, uma dificuldade enorme para se viver
qualquer tipo de integridade. Na família somos de um jeito, no emprego de outro etc.
Qual a razão de ser de tudo isso?
Primeiramente devido a uma dicotomia social. De um lado temos a família, a
igreja, os relacionamentos pessoais compondo a esfera privada. Do outro lado temos a
esfera pública constituída da política, da academia etc. Essa dicotomia estaria apoiada
numa outra divisão entre fatos e valores. Os primeiros como algo objetivo que se
aplicam a todas as pessoas e os segundos como algo totalmente subjetivo. Assim, na
medida em que a religião pertence à esfera privada ela é algo meramente subjetivo e a
ciência na medida em que pertence à esfera pública é algo objetivo. Portanto, temos já
estabelecido o início do conflito entre ciência e religião, verdade objetiva e verdade

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subjetiva levando, por conseguinte, segundo a autora, a um duplo âmbito da Verdade e
até das ciências, pois de um lado teríamos as ciências humanas as quais estariam no
âmbito do subjetivo e do relativo, e do outro lado as outras ciências que estariam no
âmbito do materialismo e do naturalismo. O equipamento da mente moderna, portanto,
levaria a isso.
Assim, para a professora Nancy, essa dicotomia social leva a uma dicotomia
mental e epistêmica, na qual a verdade objetiva pode estar presente na ciência, na
história, mas não nas questões éticas, por exemplo. Mas nem sempre foi assim segundo
a professora. No século XIX, por exemplo, a unidade e possibilidade da verdade eram
defendidas por alguns pensadores. Onde ou quando começou essa mudança?
No entendimento de Pearcey foi no ensino da evolução e na visão naturalista do
conhecimento. A partir desse referencial, os dogmas teológicos e os absolutos
filosóficos passam a serem vistos como fraudulentos. A religião pode existir e funcionar
desde que não faça afirmações com pretensão de serem verdadeiras. Enfim, tanto a
religião como a ética foram transpostas para o âmbito meramente pessoal.
Segundo a referida professora a guerra entre fé e ciência é um mito produzido
pela teoria evolucionista. Portanto, no entendimento da autora, os pressupostos e
implicações do darwinismo, seja no âmbito epistemológico, antropológico como moral,
precisam ser abandonados, seja devido às suas limitações, seja para termos outra
compreensão da relação entre fé e razão, religião e ciência.
Por fim, segundo Nancy Pearcey, é preciso recuperar a unidade da Verdade.
Uma Verdade que tenha condições de tornar o todo da realidade coerente. Uma visão
unificada da realidade contra a fragmentação moderna. Para ela, é preciso ter a coragem
de se perguntar: minha cosmovisão consegue explicar e sustentar a totalidade da
experiência humana? Segundo a professora uma cosmovisão, relativista, materialista e
naturalista, como o darwinismo, não.
Ademais, podemos perceber que o discurso relativista se apresenta no mundo
moderno sob o conceito de tolerância e de liberdade.
Ora, a História da humanidade vivenciou no seu seio diversos fenômenos
absolutistas e fundamentalistas. Ditaduras, estados totalitários e posturas autoritárias em
vários momentos não respeitaram a liberdade de cada ser humano e a sua dignidade. O
respeito ao diferente nem sempre foi vivido de maneira concreta. Minorias foram
perseguidas e massacradas. Devido a isto se gerou certo consenso de que uma sociedade
democrática necessariamente é relativista. Qualquer questionamento e discordância

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sobre o modo de viver e pensar do outro já é interpretado como intolerância e
preconceito.
Que não seja concebível que alguém queira impor aos outros o seu modo de
pensar, isto está claro. Que existem coisas que são relativas também é aceitável, pois
existem situações e coisas que são indiferentes. Que a realidade humana e social
mudam, que o modo de pensar muda de uma época para outra e de uma cultura para
outra também. Que tudo isto influencia no modo como as pessoas pensam é inegável.
Incontestavelmente essas coisas são reais, mas nada disso prova que não haja a verdade.
É totalmente possível conciliar as afirmações feitas anteriormente e a defesa da verdade
enquanto realidade universal e imutável.
Assim, não ter o direito de entender e propor que uma determinada visão de
mundo é mais coerente e verdadeira que outra. Nem ter o direito de defender a
existência da verdade e de valores perenes, parece ser um contra senso e um desrespeito
à liberdade de pensamento do ser humano.
Será que podemos afirmar que estamos passando por uma ditadura do
relativismo, como reiteradamente afirma o Papa Bento XVI?
É só olharmos ao nosso redor e vamos ver que sim. Na política, na ética, na
família, no trabalho, na religião vê-se que o modo de pensar relativista é o que
predomina. Há uma cisão no interior e na vida das pessoas. Na religião que freqüenta,
por exemplo, professa uma fé e ao mesmo tempo afirma concepções que contradizem
isto. Ensina uma determinada conduta e ao mesmo tempo vive-se o contrário. Assim,
vai se estabelecendo um discurso fragmentado onde não há uma verdade integral. A
idéia de que tudo é válido e legítimo se estabelece cada vez mais.
Assim, o que percebemos também é que o relativismo epistemológico acaba
levando a outros tipos de relativismo, como por exemplo, o moral e o religioso. Há
princípios básicos que servem para nortear o agir humano? Entretanto se o relativismo
estabelece ou acaba levando a uma sensação que tudo é aceitável, pois não há o certo,
como questionar as atrocidades éticas que vemos no mundo?
Evidentemente não resolvemos esta questão apelando para um universal
abstrato, que não leva em consideração a situação concreta do indivíduo. A intenção e
as condições em que um ato acontece sempre devem ser levadas em conta. Isso faz parte
dos critérios da moralidade. Todavia isto não significa relativismo e nem defender uma
ética situacionista. Mas sim estabelecer uma dialética entre a historicidade do ser
humano e sua capacidade de transcendência.

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Talvez seja necessário relembrarmos a distinção aristotélica entre o essencial e o
acidental. O primeiro não muda, é universal e necessário, é o que mostra o que as coisas
realmente são. Enquanto o segundo é contingente e, portanto pode ser diverso. Há
coisas que são relativas outras não.
O relativismo só se afirma se partirmos do pressuposto que o real nada mais é do
que uma construção da nossa mente. Porém como demonstrar isso? Uma coisa é supor,
outra é provar. Todavia, o real não é um mero constructo humano. Ele é por si. Ele tem
existência própria e por isso tem uma identidade em si mesmo. A verdade é justamente
o real ou aquilo que mostra ele. Que o ser humano é um ser simbólico que constrói
maneiras diferentes de se aproximar do real, isto a história mostra.
O ser humano foi constituindo certas formas de pensar e interpretar o mundo a
partir de referenciais e perspectivas distintas. Assim, em alguns momentos procurou
vislumbrar o real a partir do mito, isto é, de uma linguagem e de um modo de pensar
metafórico e simbólico cujo intuito era expressar por meio de determinadas narrativas
uma verdade imemorial. Em outros momentos preferiu, por determinadas condições
históricas favoráveis, estabelecer e utilizar um pensamento fundado na razão, cuja
lógica exclui a contradição, o fantasioso, considerados absurdos. Neste trabalho de olhar
o real a partir do logos demonstrativo é que vai surgir também o discurso científico, no
sentido moderno do termo. Geralmente o que se denomina conhecimento científico é a
noção elaborada a partir da modernidade cujo modelo é a matriz lógico-matemática.
Ademais, a possibilidade de verificação experimental de qualquer enunciado é o critério
principal da sua veracidade. Excluí-se, portanto, desta concepção, a visão aristotélica de
ciência, por exemplo. Além desses meios mencionados, a arte e a religião, uma por
meio da experiência estética e outra a partir da questão do sagrado, permitem outro
olhar sobre a mesma realidade. Desta maneira, parece que o que temos é o mesmo homo
sapiens analisando o real a partir de olhares diferentes.
Contudo, esses olhares se complementam e ajudam o homem a conhecer cada
vez mais a verdade na sua totalidade.
Enfim, percebemos que esta mentalidade relativista também está intimamente
ligada à sociedade capitalista em que vivemos. A busca pelo sucesso, pela fama, pelos
bens materiais e pelo prazer, a qualquer custo, predomina no contexto social atual.
A sociedade contemporânea salienta, cada vez mais, a realização pessoal, o
prazer, o saber e a qualidade de vida como pré-requisitos para se atingir a felicidade.

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Ora, mas o que vem a ser a vida feliz? A sociedade de consumo será o caminho para
satisfazer o desejo de felicidade do ser humano?
No mundo contemporâneo percebemos que o ser humano continua se
questionando sobre o que é ser feliz e qual o caminho que nos leva até a vida feliz.
Parece que realmente o desejo de ser feliz é algo muito forte na natureza humana.
Porém, ao mesmo tempo, cada ser humano se depara com o seu drama existencial, isto
é, a experiência da própria finitude, das próprias limitações, das frustrações e injustiças
da vida. E tudo isso, muitas vezes, acaba esvaziando de sentido a busca da felicidade.
Esta acaba parecendo um desejo irrealizável ou uma verdadeira ilusão. Quando
pensamos que atingimos a felicidade somos surpreendidos pelas contingências e dores
da vida.

Todavia, no mundo contemporâneo, na sociedade do hipercapitalismo e do


consumo onde tudo é transformado em mercadoria, parece que não se pensa sobre o
drama da existência humana, mas ao contrário, tenta-se negar esse drama e vender a
felicidade associando-a a determinados produtos e assim ser feliz passou a ser uma
questão de ter coisas, de poder consumir certos produtos. Ter dinheiro, comprar roupas,
viajar, ter fama, satisfazer todos os desejos pessoais etc., é vendido como passaporte
para a vida feliz.

O fato é que esta postura gera uma mentalidade relativista, achando que os fins
justificam os meios, e também um vazio existencial nas pessoas, despertando muitas
vezes depressões e distúrbios sérios nos indivíduos e na sociedade em geral. As pessoas
acabam não sabendo o que fazer com suas frustrações e dores. O individualismo se
acentua e a perda de sentido da vida é inevitável. Além disso, a crise ética que
percebemos na sociedade é um reflexo desta hipervalorização do ter em detrimento do
ser. Para se possuir uma postura ética é preciso se questionar sobre o sentido radical do
humano, sobre a importância do outro na nossa vida e principalmente sobre o nosso
modo de ser.

Há uma dificuldade muito grande, no mundo atual, em entender a relação entre


verdade e liberdade. Parece que se afirmarmos a existência de uma verdade absoluta é
como se estivéssemos negando a liberdade do homem. Ora, o ser humano é livre ou
determinado? O que significa ser livre?

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Vivemos em uma época em que cada vez mais as pessoas lutam por mais
liberdade e ao mesmo tempo se tornam escravas de várias coisas, inclusive de si
mesmas.
A escravidão tira do ser humano sua capacidade de escolher por si mesmo, de se
posicionar perante algo e assim de tomar uma decisão de maneira não coagida. Assim,
num primeiro momento, o ser livre ou ter liberdade é justamente não ser dominado por
nenhuma escravidão e desta forma poder decidir-se sem nenhuma coação. Contudo,
devemos tomar cuidado para não usar isso como desculpa para satisfazer nossos desejos
e impulsos mais primitivos e inferiores. Ser livre, nesta perspectiva, não é simplesmente
realizar todos os meus apetites. Não é apenas fazer o que eu quero, mas principalmente
o que eu devo. É conseguir escolher sempre o melhor, o verdadeiro, o bem.
É preciso ter claro, portanto, que uma coisa é o livre-arbítrio da nossa vontade
outra coisa é a liberdade da vontade. A nossa vontade é uma capacidade da nossa alma
de querer e produzir atos voluntários de tendência consciente. O livre-arbítrio permite a
vontade operacionalizar de maneira não coativa. Pelo conhecimento intelectual que
tenho de um objeto passo a ir ao encontro dele a fim de possuí-lo sem coação. Isto é
possível porque tenho uma vontade e também um livre-arbítrio dela.
Todavia só isto não basta. É preciso neste processo do querer voluntariamente de
forma não forçada chegar à liberdade da vontade, ou seja, possuir de fato uma vontade
livre. Não basta ter uma capacidade que me permite querer de maneira não coagida. Ser
livre, ter uma vontade livre implica sempre querer e escolher, não qualquer coisa, mas o
melhor, o bem devido. Infelizmente hoje em dia a sociedade defende, cada vez mais, a
ideia de que ser livre é realizar os próprios desejos e apetites.
Enfim, o exemplo do drogado mostra bem a falsidade disto. Por um lado ele faz
o que quer, mas por outro, mostra como é escravo. Ou seja, quando vêm os momentos
de crise e percebe os malefícios das drogas vislumbra como é escravo de si mesmo, pois
não consegue querer e escolher o melhor, o que deve, apesar de entender que aquilo não
convém. A presença de um mau hábito, um vício, compromete a liberdade da sua
vontade.
Assim, o mundo contemporâneo nos mostra, com todos os seus problemas, que a
felicidade não está no ter e na mera materialidade da vida. Que o ser humano realmente
precisa de pontos e referências sólidas que norteiam a sua existência e as suas escolhas.
Que o amor pela verdade é algo fundamental na vida humana e que o relativismo é uma
grande questão a ser refletida.

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Referências Bibliográficas

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______________. Verdade Absoluta. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2006.
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__________. Genealogia da Moral. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
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Ratzinger, J. Fé, Verdade e Tolerância. São Paulo: Instituto Raimundo Lúlio, 2007.

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